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A CONSTRUÇÃO DO NÚMERO SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS
REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
Larissa Elfísia de Lima Santana – Ma. Universidade Federal do Pernambuco
Rayssa Melo de Oliveira – Universidade Estadual do Ceará
Resumo
O presente trabalho aborda uma análise sobre a coordenação de diferentes
representações semióticas do número por crianças do 3º ano dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Baseamos essa análise na Teoria dos Registros de Representação
Semiótica. A escolha desse aporte teórico decorre da importância que as representações
semióticas assumem no contexto da aprendizagem matemática. A partir de uma
experiência vivenciada durante a disciplina de Estágio Supervisionado II, em uma turma
de 3º ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular de
Fortaleza, percebemos que as crianças já realizavam operações matemáticas.
Questionamo-nos se essas crianças, que já realizam diversos procedimentos
algorítmicos, compreendem o número conceitualmente. Nesse sentido, o objetivo desse
estudo consiste em investigar a coordenação de diferentes registros de representação
semiótica por alunos do 3º ano do Ensino Fundamental referente à Construção do
Número. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista clínica, a partir de
situações-problema resolvidas pelos examinados. Com base nos dados analisados e nos
fundamentos da TRRS, consideramos que os sujeitos entrevistados compreendem o
conceito de número, pois demonstraram conhecer suas diferentes representações e
manipularam diversos registros solicitados, realizando as atividades cognitivas de
formação, tratamento e conversão. A partir dessas observações, concluímos que os
sujeitos evidenciaram distinguir a ideia de número de sua representação.
Palavras-chave: Registros de Representação Semiótica. Construção do Número.
Aprendizagem Matemática.
Introdução
O presente trabalho aborda uma análise sobre a conversão de diferentes
registros de representação semiótica do número por crianças do 3° ano dos anos iniciais
do Ensino Fundamental. Baseamos essa análise na Teoria dos Registros de
Representação Semiótica (TRRS).
O interesse pelo processo de construção do número surgiu a partir de uma
experiência vivenciada pelas autoras durante a disciplina de Estágio Supervisionado II,
em uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental, em uma escola particular de Fortaleza.
Percebemos que as crianças dessa turma já realizavam operações fundamentais de
matemática – somar, subtrair, multiplicar e dividir e a partir dessa percepção,
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questionamo-nos se essas crianças, que já realizam diversos procedimentos
algorítmicos, compreendem o número conceitualmente.
Isto porque, os números estão presentes no nosso cotidiano e assumem diversas
funções em diferentes contextos, podendo representar a noção de quantidade e de
medida; indicar a placa de um carro, a página de um livro, o número de uma residência,
a posição de uma pessoa em uma competição etc. Por exemplo, ao observar o numeral
“3”, este pode representar a quantidade de um conjunto, a posição de um objeto, a idade
de uma pessoa ou assumir outras atribuições. Além disso, o número pode possuir
diferentes significados, o que resulta na necessidade de o indivíduo conhecer os
números e compreender suas variadas aplicabilidades. Corroborando com esse
raciocínio, Lorenzato (2008, p. 32) afirma que “[...] a formação do conceito de número é
um processo longo e complexo, ao contrário do que se pensava até a pouco tempo,
quando o ensino de número privilegiava o reconhecimento dos numerais”.
O número não é um conhecimento que possa ser transmitido. Tal afirmação pode
ser confirmada ao analisarmos o tipo de conhecimento ao qual se relaciona o conceito
de número. Segundo Piaget, podemos classificar o conhecimento em três tipos: social,
físico e lógico matemático (KAMII, 1990). O conhecimento social consiste em
“convenções construídas pelas pessoas”. (KAMII, 1990, p. 24). Como exemplo
podemos citar a nomenclatura dos objetos tais como mesa, cadeira, etc. Temos acesso a
esse conhecimento através de informações. O conhecimento físico é aquele que se
baseia na observação de características como, por exemplo, a cor, a altura, a espessura,
etc. Por fim, o conhecimento lógico-matemático baseia-se no estabelecimento de
relações entre objetos e estas existem "somente nas mentes daqueles que podem criá-
las”. (KAMII, 1990, p.17). A relação maior e menor, por exemplo, não está nos objetos
em si, mas nos referenciais que estabelecemos mentalmente para relacionar os objetos.
Assim, o número consiste em um conhecimento lógico-matemático e, por isso,
não pode ser ensinado diretamente, já que as crianças têm que construí-lo a partir das
relações estabelecidas entres os objetos. Ou seja, número não é uma característica
observável ou transmitida por informações, a sua compreensão se dá somente através do
estabelecimento de relações. Assim sendo, se as relações são construídas mentalmente
só podemos ter acesso a esse conhecimento a partir de suas representações. Tendo em
vista este aspecto, analisaremos a construção do número a partir das contribuições da
TRRS. Essa elaboração teórica foi desenvolvida pelo francês Raymond Duval e consiste
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em um estudo sobre a função das representações semióticas para a apreensão dos
objetos matemáticos.
A escolha desse aporte teórico decorre da importância que a ideia de
representação, particularmente a de representações semióticas, assume no contexto da
aprendizagem matemática. A leitura da TRRS nos suscitou indagações sobre o ensino
de matemática e as possíveis dificuldades dos alunos quanto à aprendizagem de
conceitos matemáticos, particularmente, no que diz respeito à construção do número.
Nesse sentido, este trabalho tem como motivação os seguintes questionamentos:
crianças do 3º ano do ensino fundamental compreendem o conceito de número? Essas
crianças conhecem e transitam entre as diferentes representações do número?
A supracitada teoria traz o pressuposto inicial de que a aprendizagem
matemática deve ser analisada a partir da consideração de dois fenômenos: a semiósis
que consiste na produção de uma representação semiótica e a noésis que é a
compreensão conceitual do objeto matemático. Assim, Duval (2009, p. 17) conclui que
“não há noésis sem semiósis, e a semiósis que determina as condições de possibilidade e
de exercício da noésis”.
O objeto matemático não pode ser acessado diretamente, mas somente por meio
de suas representações. Todavia, é necessário destacar que nenhuma representação
evoca as características de um objeto por inteiro, apenas partes dele. Por isso, é
necessário o conhecimento e a coordenação de diversos registros de representação
semiótica de um mesmo objeto para sua compreensão global, rompendo com o
enclausuramento da aprendizagem em um único registro.
A distinção entre representante e representado é essencial para a compreensão do
objeto matemático, visto que o representante consiste na estrutura como o objeto é
apresentado e o representado consiste no próprio objeto de conhecimento. Sem essa
diferenciação não há compreensão do objeto matemático, pois se confunde o objeto
matemático com sua representação.
Nos sujeitos, uma representação pode verdadeiramente funcionar como representação, quer dizer, dar-lhes acesso ao objeto
representado apenas quando duas condições são preenchidas: que eles
disponham de ao menos dois sistemas semióticos diferentes para
produzir a representação de um objeto, de uma situação, de um processo... e que eles possam converter “espontaneamente” de um
sistema semiótico a outro, mesmo sem perceber as representações
produzidas. Quando essas duas condições não são preenchidas, a representação e o objeto representado são confundidos, e duas
representações diferentes de um mesmo objeto não podem ser
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reconhecidas como sendo representações do mesmo objeto (DUVAL,
2009, p. 38).
Para Duval (2009), a compreensão da importância das representações semióticas
para a aprendizagem matemática só é possível através de uma compreensão ampla da
noção de representação trazida em sua teoria. Para este autor, as representações
semióticas não cumprem apenas a função de exteriorizar construções mentais, mas
vinculam-se a três atividades cognitivas fundamentais, quais sejam: formação,
tratamento e conversão.
A formação refere-se à constituição de uma representação com base em um
registro semiótico específico, devendo conter todos os elementos necessários para sua
compreensão. Assim sendo, para formar uma representação em língua portuguesa, por
exemplo, é necessário conhecer as unidades constitutivas deste sistema, suas regras,
relações, convenções, dentre outros aspectos que permitam identificar uma dada
representação como sendo pertencente à língua portuguesa.
O tratamento diz respeito à “transformação de representação interna a um
registro de representação ou a um sistema.” (DUVAL, 2009, p. 57). Em outras
palavras, transformações realizadas em uma representação sem se que mude o registro
inicial desta mesma representação. Quando realizamos a adição 4 + 3 =7, realizamos
transformações ao adicionar 3 e 4, fazendo surgir a representação 7, mas mesmo após as
transformações realizadas continuamos no registro numérico. Isto é, o registro de
partida (numérico) continuou sendo o mesmo registro de chegada (numérico).
De modo contrário ao tratamento, a atividade cognitiva de conversão consiste na
transformação de uma representação de modo que o registro de partida seja diferente do
registro de chegada, ou seja, “uma transformação externa ao registro de representação
de partida.” (DUVAL, 2009, p. 59). Assim sendo, ao transformamos o número 0,25 em
¼, estamos realizando uma conversão, mantivemos a mesma ideia, mas seus registros
de representação semiótica de partida e de chegada são diferentes.
Neste trabalho, focaremos na atividade de conversão. Isto porque Duval a
considera como a principal atividade cognitiva e, concomitantemente, a atividade mais
desvalorizada no contexto escolar.
Assim sendo, analisamos as conversões realizadas por quatro alunos de 3º ano
do Ensino Fundamental de uma escola particular de Fortaleza. Os alunos foram
escolhidos aleatoriamente. Para resguardar a identidade dos participantes nos referimos
a eles como sujeitos I, II, III e IV ao longo do texto. O instrumento de coleta de
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informações foi um questionário baseado nos princípios do método clínico. Esse
método foi utilizado pelo psicólogo Jean Piaget e consiste na organização de situações-
problema que devem ser resolvidas pelos examinados. Vale ressaltar que essa
ferramenta de análise não visa a valorização de respostas certas ou erradas, mas a
percepção do raciocínio do examinado para chegar à conclusão do problema. Assim, a
presente pesquisa não objetivou uma verificação individual do nível de inteligência dos
examinados, mas a percepção das diferentes representações de número que estes
conhecem e coordenam.
O questionário utilizado para a coleta de dados foi desenvolvido pelos autores
desse trabalho e é uma sugestão de exercício que pode ser usada por professores como
instrumento de avaliação do desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes e
também como proposta de atividade para ser trabalhada em sala de aula, visto que a
mesma propicia a manipulação e coordenação de diferentes registros de representação
de número. Para o presente artigo destacamos a análise de uma das questões que
envolviam conversão. O questionário na íntegra pode ser acessado no trabalho de
Oliveira (2014).
Resultados e discussões
Para propiciar a realização de conversões de diferentes representações do
número propusemos para as crianças a realização de várias conversões sucessivamente.
Inicialmente, utilizamos o registro em língua materna (oral) para pedir para que fosse
realizada a adição 47 + 16 no registro concreto (Ábaco), em seguida essa representação
deveria ser convertida para outro registro concreto (Material Dourado), posteriormente
para um registro numérico (algoritmo), depois para um registro figural (desenho) e por
fim, retornar para o registro concreto de partida (Ábaco). Para todas as representações
solicitadas, foi verificado se a criança entrevistada conhecia os registros e sabia
manipulá-los. Vale ressaltar que não solicitamos a representação do resultado da conta,
mas da estrutura da adição requisitada, organizada de acordo com as regras de
formação, tratamento e conversão de cada registro abordado. É necessário esclarecer
que em nosso estudo, estamos tratando do Ábaco e Material Dourado como registros
concretos, apesar de Duval não se referir especificamente a esse tipo de registro em sua
teoria.
A seguir, discutiremos os principais resultados analisados considerando os
registros abordados, quais sejam: concretos, numérico e figural.
Registros Concretos
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Os registros concretos abordados nas situações foram o Ábaco e o
Material Dourado. O Ábaco consiste em um instrumento mecânico utilizado para
realizar cálculo mecânico, nessa atividade o material utilizado era composto por cinco
tiras, sendo que cada uma compõe uma ordem de agrupamento, quais sejam: unidade,
dezena, centena, unidade de milhar e dezena de milhar, mantendo essa sequência,
organizado da esquerda para direita. Há nove discos azuis na primeira ordem, nove
discos vermelhos na segunda ordem, dez discos amarelos na terceira ordem, dez discos
laranja na quarta ordem e dez discos verdes na quinta ordem. O Material Dourado
consiste em um artefato utilizado para realizar operações sobre quantidades, sendoa
composto por quarenta cubos, representando a ordem das unidades; dez barras,
representando a ordem dezenas; e duas placas, representando as centenas. A figura 1
ilustra a configuração dos dois materiais.
Inicialmente propusemos a conversão de uma representação no registro em
língua materna (oral) para uma representação no material concreto. A operação
solicitada nessa atividade foi: 47 + 16. Para realizar essa atividade os sujeitos I, II, e IV
desenvolveram a mesma estratégia de formação, tratamento e conversão. Apresentada a
operação 47 + 16 em língua materna, os sujeitos formaram inicialmente o número 47 no
Ábaco da seguinte forma: quatro discos dispostos na primeira ordem e sete discos na
segunda ordem. A esse número acrescentaram um disco na ordem das dezenas e seis
discos na ordem das unidades. Essa organização inicial resultou na seguinte formação:
cinco discos na ordem das dezenas e treze discos na ordem das unidades. Em seguida,
as crianças substituíram os dez discos acumulados na primeira ordem por um disco que
foi acrescentado na segunda ordem. Essa troca segue às regras de tratamento do Ábaco,
de acordo com o Sistema de Numeração Decimal (SND), pois a cada agrupamento de
dez unidades, este é substituído por uma dezena.
Nesse sentido, consideramos que os sujeitos I, II e IV, obtiveram êxito na
conversão do registro em língua maternal para o registro concreto, visto que
demonstraram conhecer o material apresentado e as regras de tratamento do SND,
realizando a conversão adequadamente.
Apenas o sujeito III, não converteu adequadamente, pois demonstrou não
compreender como as trocas decimais são representadas no registro concreto. A
estratégia utilizada por essa criança foi a de formar o número 47 inicialmente no ábaco
para depois somar o número 16, porém invés de substituir dez unidades por uma dezena
passou os dez discos acumulados na ordem das unidades para ordem das dezenas.
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Após essa primeira atividade de conversão foi requisitado que os sujeitos
realizassem uma nova conversão, agora do registro concreto do Ábaco para o registro
concreto do Material Dourado. Nessa situação, os sujeitos I, II e IV utilizaram as
mesmas estratégias de formação, tratamento e conversão. Essas crianças representaram
a operação 47 + 16 da seguinte forma: inicialmente representaram o primeiro número
com quatro barras, e sete cubos e formaram o número dezesseis utilizando uma barra e
seis cubos. Em seguida, juntaram todas as barras e todos os cubos, resultando em treze
cubos e cinco barras. Posteriormente, as crianças substituíram dez cubos por uma barra.
A operação resultou em seis barras e três cubos.
Consideramos que os sujeitos I, II e IV obtiveram êxito nessa situação, pois
demonstraram compreender as regras de tratamento do material, além de reafirmarem
que compreendem a lógica dos agrupamentos e trocas do SND.
O sujeito III realizou formação da operação 47 + 16 no Material Dourado
seguindo a mesma estratégia desenvolvida pelos sujeitos I, II e IV. Em contrapartida, a
criança não realizou a transformação de dez cubos acumulados na ordem das unidades
por uma barra na ordem das dezenas.
De modo geral, os resultados quantos às conversões realizadas evidenciam que
as crianças analisadas relacionam sua compreensão de número com as representações
concretas. Tendo em vista que as crianças I, II e IV obtiveram êxito nas duas
conversões. No que diz respeito a criança III consideramos que ela demonstra
compreensão limitada do SND, pois apesar de compreender que todos os agrupamentos
de 10 unidades transformam-se em um elemento na ordem superior, demonstra
dificuldades para relacionar esta premissa com representações no registro concreto. Tal
compreensão pode ser confirmada ao observar abaixo na justificativa deste sujeito ao
realizar a conversão do registro em língua materna para o registro concreto do Ábaco:
Sujeito III: “É. Aí, aí a gente coloca assim ó. A gente não vai usar esse.
[…] Como a unidade só pode ter nove, então, a gente tira os dez que tem da
unidade. Então, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Não, vou começar daqui, um... (conta dez silenciosamente). Pronto! Tirei aqui. Porque aqui já
tem um dez. Então, não pode”.
No trecho acima, esta criança demonstra ter conhecimento da lógica de
agrupamento do SND. Apesar disto, encontra problemas para formar, tratar e converter
representações desta ideia. Nesse sentido, cabe reafirmar a contribuição de Duval
(2009) ao chamar atenção para a necessidade de que a escola dedique maior atenção à
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atividade de conversão. Quando o conhecimento não pode ser mobilizado para
diferentes representações, este se torna limitado e restrito.
Registro Numérico
A terceira conversão solicitada para os sujeitos foi do registro concreto do
material dourado para o registro numérico. É importante salientar a distinção desses
dois registros. Enquanto no Material Dourado a soma dos números 47 e 16 se dava por
meio da junção (manual) das representações dos números através de cubinhos e
barrinhas, na representação numérica, o algoritmo da adição exige que o número
dezesseis deve ser escrito abaixo do número quarenta e sete ou vice e versa, de modo
que as unidades estejam alinhadas com unidades e dezenas com dezenas. A troca
decimal também é diferente, visto que no Material Dourado dez cubinhos são trocados
por uma barrinha, e no registro numérico dez unidades são transformadas em uma
dezena, devendo esta ser registrada na ordem das dezenas pelo numeral 1, que
representa essa dezena.
Todas as crianças realizaram a atividade utilizando as mesmas estratégias. Para
somar 47 + 16, os sujeitos escreveram o número quarenta e sete e abaixo escreveram o
número 16, de modo que dezenas e unidades ficassem alinhadas. Observamos que todos
os sujeitos realizaram a troca decimal transformando dez unidades acumuladas na
primeira ordem para uma unidade na segunda ordem. Todos os sujeitos representaram
essa troca escrevendo o número “1” em cima do número quatro de maneira que o
numeral “1” ficasse na ordem das dezenas.
Consideramos que todos os sujeitos obtiveram êxito nessa situação, pois não
demonstraram dificuldades para realizar a operação no registro numérico. Esse
resultado pode ser consequência da exploração majoritária desse registro em sala de
aula, pois de acordo com Duval o registro numérico costuma ser o mais explorado na
escola, em detrimento aos outros tipos de representação.
Registro Figural
A quarta conversão solicitada foi do registro númerico para o registro
figural. A distinção entre esses registros consiste no fato de que no registro numérico os
números devem estar um abaixo do outro de forma que as dezenas e unidades estejam
alinhadas, já o registro figural não prescinde dessa organização. Nessa situação, todas as
crianças obtiveram êxito, porém utilizaram estratégias distintas para a realização. Os
sujeitos I e III desenharam palitinhos. Para representarem o número quarenta e sete, as
duas crianças riscaram quarenta e sete pauzinhos. Para representar o número dezesseis,
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elas desenharam dezesseis pauzinhos. Para chegarem ao resultado da operação, os
sujeitos contaram o total de palitinhos desenhados. Observemos a figura 2 a qual ilustra
essa estratégia.
Na representação utilizada pelo sujeito III (figura 2) não há representação de
dezenas, apenas de unidades. Por só haver unidades o tratamento da operação 47 + 16
não precisou realização de trocas decimais no registro figural. O sujeito III, apesar de
formar a representação da operação no registro figural realiza o tratamento por meio do
registro numérico e utiliza os símbolos de soma e igualdade próprios do registro
numérico.Esse resultado pode ser justificado pela ênfase dada ao registro numérico na
sala de aula, fazendo com que, talvez, o sujeito III sinta-se mais seguro com a
manipulação dos algoritmos.
Outra estratégia utilizada para representar a operação solicitada no registro
figural foi a do sujeito II que fez um desenho do Material Dourado. Para representar o
número quarenta e sete, este desenhou quatro barras mais sete quadrados. Para
representar o número dezesseis, a criança desenhou uma barra mais seis quadrados. As
barras representavam as dezenas e os quadrados faziam referência às unidades. No total,
foram desenhadas cinco barras e treze quadrados. No tratamento, a criança riscou dez
quadrados e desenhou mais uma barra. Assim, a adição resultou em seis barras e três
quadrados. Essa estratégia pode ser observada na figura 3.
O sujeito IV realizou a operação 47 + 16 no registro figural utilizando formas
geométricas. As dezenas eram representadas por retângulos e as unidades por
triângulos. O quarenta e sete foi representado por quatro retângulos e sete triângulos e o
dezesseis foi representado por um retângulo e seis triângulos. Resultando em cinco
retângulos e treze triângulos. A criança realiza a troca decimal e substitui dez triângulos
por um retângulo como pode ser observado na figura 4.
A representação do sujeito IV demonstra um nível de abstração mais elaborado,
pois ele não só percebe que as ordens formam agrupamentos maiores e distintos uns dos
outros, como ele usa símbolos diferentes para expressar os diferentes agrupamentos nas
ordens. O fato de ele não repetir a mesma lógica de formação e tratamento realizado nos
materiais concretos para demonstrar esses diferentes agrupamentos demonstra maior
domínio das relações que envolvem o conceito, pois ele criou suas próprias
representações. Observe a entrevista realizada com o sujeito IV, no momento em que
este justifica a distinção dos símbolos utilizados.
Pesquisadora: “Por que aqui tu fez triangulo e aqui retângulo”?
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Sujeito IV: “É pra diferenciar. Porque a unidade não é igual a dezena. Aí,
diferencia unidade e dezena”.
Diferentemente dos sujeitos I e III, o sujeito IV utiliza uma representação para as
unidades e outra representação para as dezenas. Na entrevista com o sujeito IV,
percebemos que este demonstra conhecer as regras do SND.
Nessa situação, consideramos que todas as crianças obtiveram êxito, utilizando
estratégias distintas para realizar a operação. Esse resultado pode demonstrar que o
registro figural é explorado em sala de aula, visto que as crianças demonstram conhecer,
formar, tratar e converter nesse registro.
Considerações finais
Objetivamos com o presente estudo analisar se crianças do 3º ano do Ensino
Fundamental compreendem conceitualmente o número. Tal preocupação se justifiça na
percepção de que a aprendizagem escolar dos números não se limita a conseguir fazer
relações entre quantidades, mas também a explorar e saber utilizar suas representações.
De modo geral, consideramos que as crianças analisadas neste estudo tiveram
êxito nas situações de conversão em todos s registros abordados, quais sejam: concreto,
numérico e figural. Apenas um dos sujeitos evidenciou dificuldades ao trabalhar com o
registro concreto, contudo essa dificuldade não foi evidenciada em outros registros e
pelo tamanho limitado de nossa amostra não nos sentimos aptos a tecer generalizações
quanto a esse aspecto. Todavia, temos a hipótese de que tal dificuldade possa ter duas
origens: a primeira seria a falta familiaridade com o registro; a segunda consiste na
possibilidade de que o registro concreto represente maior custo cognitivo para o aluno.
Pesquisas posteriores com amostras mais significativas podem contribuir para a
verificação destas hipóteses.
Consideramos que a contribuição do presente estudo consiste em evidenciar a
necessidade de uma abordagem diferenciada para o trabalho com o conceito de número
na escola. Nossas análises explicitaram o quanto as conversões são importantes para que
os alunos mobilizem este conceito e o quanto de compreensão conceitual é requerida
deles para realizar tal mobilização.
Outro aspecto que consideramos pertinente pontuar é o fato de que o êxito
evidenciado pelos sujeitos na resolução das situações-problema retrata uma situação
diferenciada do que se encontra na literatura de Educação Matemática que,
frequentemente, têm explicitado lacunas e falhas conceituais em alunos. Tal fato
demonstra que existem experiências escolares que têm contribuído para o
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desenvolvimento da compreensão dos alunos em matemática. No entanto, temos ciência
de que não é possível fazer generalizações a partir do presente estudo, mas chamamos
atenção para nosso achado no sentido de que é necessário salientar que algumas
alternativas têm sido bem sucedidas no ensino da matemática e é necessário que as
investiguemos.
Referências
LORENZATO, S. Educação infantil e a percepção matemática. 2 ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2008.
KAMII, C. A criança e o número: implicações da teoria de Piaget para atuação junto a
escolares de 4 a 6 anos. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990.
DUVAL, R. Semiósis e Pensamento Humano – registros de representação semióticos
e aprendizagens intelectuais (fascículo I). São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.
OLIVEIRA, R. M. A construção do número sob a perspectiva da Teoria dos Registros
de Representação Semiótica. Fortaleza–CE, 2014. 69 p. Monografia (Licenciatura em
Pedagogia). Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza–CE, 2014.
Anexos
Figura 1 – Ilustração do Ábaco (à esquerda) e do material dourado (à direita)
utilizados no estudo
Figura 2: Representação figural do sujeito III
Figura 3: Desenho do sujeito II
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