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A construção de um território no mar: o governo brasileiro e o Arquipélago de São Pedro

e São Paulo (1927 - 1970).

Flávia Emanuely Lima Ribeiro1 Raimundo Arrais2

Zona de silêncio

No início elas não tinham nomes. Aparecem sob os designativos genéricos (penhascos,

rochedos, penedos...) vão sendo empregados numa sequência que, por ora, não temos como

estabelecer com precisão3. Em algum momento foram chamadas de “ilhas”. Esses

designativos foram sendo empregados para identificar o conjunto de pequenas rochas,

constituindo uma extensão total de 17 mil metros quadrados, as quais, contempladas na

altitude de um satélite, parecem pequenos fragmentos boiando no meio do Oceano Atlântico,

a meio caminho entre a costa da África e a costa brasileira.

Mas, rigorosamente falando, os componentes desse conjunto natural não somente por

um grande esforço de transposição podem exibir o qualificativo “ilhas”, nem, por

conseguinte, o de arquipélago, pelas dimensões diminutas com que se apresentam na

superfície da água, embora representem a parte minúscula de formações rochosas fincadas nas

profundezas abissais. É verdade que o conceito geográfico de arquipélago não se caracteriza

pela precisão, admitindo inúmeros empregos (ARRAULT, 2005).

Tampouco esse conjunto se distingue pela utilização que tradicionalmente as nações

têm destinado às ilhas sob seu controle, prendendo-as aos territórios nacionais e às razões de

Estado. De fato, não servem nem para receber excedentes populacionais, nem como

complemento da economia metropolitana, nem para servir a determinadas funções restritas e 1Graduanda do curso de História da UFRN, bolsista de apoio técnico do grupo de pesquisa, Os espaços na modernidade. 2Raimundo Pereira Alencar Arrais é Doutor em História Social (USP) e professor do PPGH-UFRN. Coordena o projeto intitulado “De rochedo à Arquipélago: a emergência do Arquipélago de São Pedro e São Paulo na história da pesquisa científica.”, ao qual se vincula este artigo, contando com o apoio do CNPq, por meio do Edital MCT/CNPq Nº 026/2009 - Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas, e com uma bolsista de Apoio Técnico CNPq. 3 A pesquisa está em andamento, de modo que não temos resposta para algumas indagações apresentadas neste artigo.

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estratégicas do Estado, como presídio, leprosário e nem mesmo como essa espécie de reserva

dos sonhos coletivos e das fantasias desejantes de mundos perfeitos, que são as “ilhas

misteriosas”.

Assim, durante muito tempo São Pedro e São Paulo, restrito a um domínio geográfico

desprovido de presença humana, portanto, de pouco interesse para os historiadores, resistente

à representação pelas malhas amplas da cartografia, a não ser na escala ampliada que possa

captar aquele pequeno aglomerado, nas coordenadas latitude 0°54'59.59"N e longitude:

29°20'43.69"O.

Até o momento dispomos de quase nada de registros históricos sobre São Pedro e São

Paulo. Nem mesmo lendas são conhecidas, sem bem que é plausível pensar que devem ter

existido por algum tempo na memória dos marinheiros relatos sobre esses pequenos escolhos

boiando no oceano, que em épocas remotas podem ter em alguma noite ter interrompido a

monotonia das longas travessias, levando embarcações a pique.

Os primeiros registros sobre São Pedro e São Paulo aparecem associados a um

elemento fundamental para os processos de mundialização, o incremento da velocidade e da

segurança dos meios de transporte marítimos, a partir da introdução do vapor, em substituição

às velas. Os navios a vapor aceleraram os deslocamentos de pessoal e de mercadorias e os

contatos entre os povos espalhados pelo Planeta, desenhando em todo o curso dos oceanos

rotas ainda mal conhecidas pelos historiadores.4

No início do século XX, desenvolve-se outra forma de deslocamento, destinada,

segundo os contemporâneos mais entusiasmados, a se impor, num futuro próximo, como o

meio de transporte mais importante: o avião. Num contexto de intensificação das disputas

entre as potências imperialistas, as companhias de aviação, contando com a proteção oficial

dos seus estados, em alguns casos associando o avião ao transporte marítimo (é o caso da

aviação francesa, priorizando o transporte postal), procuravam abrir rotas estratégias em todas

as partes do mundo. Para os franceses, alemães e norte-americanos, as travessias sobre o

Atlântico Sul foram um tremendo desafio para a aviação nas décadas de 1920 e até certa

altura da década de 1930, e elas acenaram para São Pedro e São Paulo com a possiblidade de

4 Sobre as rotas percorridas na perspectiva de uma perspectiva munidla, cf. FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Os desbravadores: uma história mundial da exploração da Terra, esp. do cap. 5 em diante.

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uso estratégico para apoio aos aviões e navios, nas operações de abastecimento, comunicação

telegráfica e socorros.

Assim, na noite de 14 outubro de 1927, voando numa altitude de 3.700 metros, num

esforço de escapar ao temível Pot au noir, uma extensa massa de nuvens escuras, chuvas e ar

quente e úmido, que conhecemos hoje como Zona de Convergência Intertropical, os pilotos

Costes et Le Brix, num raid de volta ao mundo, não tiveram condições de visibilidade para

distinguir o Rochier Saint Paul, mas o registro que deixaram do momento em que

sobrevoavam São Pedro e São Paulo nos revela que os rochedos serviam de referência na

longa extensão monótona do Oceano. Eles traziam o alívio e o alento do viajante que se

encontra no “meio do caminho” de uma trajetória de extraordinárias dificuldades e riscos: “O

Rochedo São Paulo, desnudado, selvagem, deve estar em algum lugar embaixo”, registraram

os pilotos (COSTES, 1928: 35).

Para os pilotos, o arquipélago aparecia como a primeira visão de formas sólidas sobre

o oceano, sinal de repouso depois da turbulência extrema que era o mergulho dos pequenos

aviões no Pot au noir. De modo semelhante, em maio de 1930, no vôo que realizaria a ligação

postal aérea direta França-Brasil fazendo toda a etapa oceânica num avião pilotado por Jean

Mermoz, a Compagnie Génerale Aéropostale organizou uma rede marítima de mecanismos de

segurança, estendendo-se de Dakar, na costa do Senegal, até Natal, no Rio Grande do Norte,

uma rede que incluía um navio com aparelho de emissões do telégrafo sem fio nas

proximidades de São Pedro e São Paulo (MERMOZ, 1937: 35-36).

Dois anos antes, em outubro de 1928, a França já havia realizado sondagens na área,

enviando uma missão de estudos, fixando nos rochedos a bandeira nacional da França e do

Brasil, mas logo foi constatada a impossibilidade de se fixar ali uma torre de emissão de

telégrafo (DAURAT, 1956, p. 147). Desse período de intensas disputas imperialistas no mar

como nos céus, na conquista de áreas em partes distantes do Globo, entre elas o Atlântico sul

e o Pacífico, esboçam-se os primeiros gestos que indicam o interesse efetivo do Estado

brasileiro por São Pedro e São Paulo.

Assim, não tardou a se manifestar o interesse estratégico de outras nações por São

Pedro e São Paulo. A revista britânica The Aeroplan publicou em 2 de janeiro de 1935 um

artigo afirmando: “sob aqueles rochedos paiz algum exerce soberania” (REIS, 1935: 6). A

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ausência do governo brasileiro no local era apontada pelos ingleses. O Departamento de

Aeronáutica Civil brasileiro respondeu prontamente, argumentando sobre a presença

brasileira naquele local, por meio dos avisos aos navegantes que o Ministério da Marinha

havia emitido nos anos 1920, referindo-se ao lugar, e à célebre passagem dos aviadores

portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral no vôo festejado de 1922, e, recuando mais no

passado, invocava o naufrágio da nau portuguesa São Pedro em 1511, que inspirara o nome

dos rochedos. Por fim, acrescentava outro argumento, de origem cartográfica: os rochedos

constavam na Carta Geográfica do Brasil (REIS, 1935: 6).

Premido pela ambição imperialista que apontava para São Pedro e São Paulo, o

governo brasileiro empreende algumas ações. Em 1930 é enviado enviou ao local um navio, o

Tender Belmonte, com a intenção de fixar um farol sobre as rochas, mas tudo o que fizeram

foi fixar um “poste iluminativo” (REIS, 1935: 6). O relatório que a Marinha publica no ano

seguinte informa que havia sido deixado no local o material para instalação de um farol desse

farol, mas boa parte do material acabou sendo levado para o fundo do mar (GUIMARÃES,

1931, p. 29).

No ano seguinte, o mesmo navio retornou ao local, partindo no dia 10 de setembro de

1931 com o objetivo de instalar dois faróis, sendo um principal e outro de reserva (REIS,

1935: 6). O farol reserva foi instalado em outubro de 1931, enquanto o principal foi

inaugurado no final de dezembro, mas tudo indica que foram destruídos pouco depois por um

temor tectônico.

Depois de séculos de escuridão, e por alguns meses, o farol passou a orientar os

navegantes, mas não serviu apenas para isso: associado à bandeira nacional tremulando no

alto das rochas, ele contribuía para assinalar o lugar de São Pedro e São Paulo como parte do

território brasileiro. Daí em diante, iriam decorrer décadas até que o lugar ingressasse de

modo inquestionável no domínio brasileiro, e isso ocorreria num contexto internacional de

maiores pressões e num período em que o Estado pouco a pouco orientava sua economia para

a exploração das riquezas do mar.

A atuação brasileira sobre São Pedro e São Paulo, podemos dizer que dava

continuidade a uma linha tênue que ainda não temos como reconstituir. Aquele conjunto de

pedras distantes passava a adquirir um sentido como parte de um sistema que se projetava a

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partir do continente, inserindo-se numa rede de poder monopolizado pelo Estado-Nação, que

desenhava o território sob seu comando (RAFFESTIN, 1980).

Em meados dos anos 1930, na ausência de um contexto internacional mobilizado para

construir normas de soberania sobre as áreas oceânicas, os argumentos esgrimidos pelo

Departamento de Aeronáutico Civil apelam para a demonstração história do pertencimento

dos rochedos ao domínio brasileiro, acrescentando no final um elemento de outra natureza: a

representação cartográfica. A presença de São Pedro e São Paulo na carta produzida por

ocasião da comemoração do centenário da Independência, em 1922, obra do Clube de

Engenharia, vem se somar às demais peças afirmadoras do domínio brasileiro sobre São

Pedro e São Paulo. Sabe-se o papel decisivo que as cartas geográficas têm desempenhado no

controle dos territórios por parte dos Estados-nacionais. A ciência e a arte de produção de

mapas era se converte numa forte estratégia de apropriação dos territórios e criação de

“percepções de poder” (BLACK, 2005: 13).

As viagens dos cientistas europeus antecede mesmo as grandes linhas de transporte

que atravessam o mundo, espalhando os símbolos do progresso do século XIX. Desde o final

do século XVIII, naturalistas viajantes percorriam o Globo, mergulhando em regiões até então

desconhecidas, em expedições financiadas por sociedades de sábios e pelos governos. A

exploração dos oceanos desempenha papel importante a partir do século XVIII, com atenção

para a verificação das medidas das profundidades e das temperaturas do mar, da composição

química da água e também o repertório da vida marinha (ROUC, 2005: 863-869).

Seria obra interminável enumerar e analisar as finalidades de cada uma das expedições

que se dirigiam ou passaram por, São Pedro e São Paulo desde o século XVIII. Podemos

destacar a expedição comandada por Amasa Delano (Delano, 1817), em 1803, o naturalista

Charles Darwin se aproximou dos rochedos e se surpreendeu com o efeito que o guano das

aves produzia ao entrar em contato com a luz do sol, conferido ao rochedo uma luminosidade

que podia ser vista à distância (DARWIN, 1890). Em 1873 partiu da Grã-Bretanha a

expedição H.M.S Challenger, realizando levantamento de peixes recifais e registrando novas

espécies e estudando a composição das rochas de São Pedro e São Paulo.5

5H.M.S. Challenger expedition reports illustrad index. Disponível em: < http://www.19thcenturyscience.org/HMSC/HMSC-INDEX/index-illustrated.htm>. Acesso em: 10 fev. 2012; KOENING, Maria; OLIVEIRA, Maristela. As rochas. In: BRASIL, Marinha. O Arquipélago de São Pedro e São

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Não temos notícia de viagens científicas brasileiras nesses tempos recuados. Nesse

ponto, estende-se uma extensa zona de silêncio sobre o arquipélago nos quatro séculos iniciais

da História do Brasil. A primeira vez que a ciência brasileira pôs os pés nos rochedos não

deixou rastros. Em 1931 Odorico Menezes, professor de Geologia da Escola de Minas,

comissionado pelo ministro da Marinha para estudar a natureza dos rochedos partiu a bordo

do tender Belmonte, pertencente à Marinha brasileira, que seguia levando guardas marinhos

em missão de caráter científico e instrutivo6.

Das expedições promovidas no século XX, por enquanto dispomos de poucas notícias.

As expedições brasileiras e estrangeiras, isoladas ou em regime de colaboração, prosseguiram

suas atividades nos anos 1960. Entre elas a de Wiseman em 1960, Melson em 1964 e 1968,

sem esquecer os estudos gravitacional e batimétricos, na década de 1990, realizados por

pesquisadores russos e alemães (KOENING;OLIVEIRA, 2009, p. 160).

São Pedro e São Paulo ganhou relevância internacional não apenas por se encontrar

na rota de comerciantes e cientistas, mas também porque forneceu uma contribuição, ainda

que modesta, ao patrimônio internacional do conhecimento cientifico, com o material

coletado ali. Os pesquisadores do H.M.S. Challenger, por exemplo, realizaram “o primeiro

levantamento sistemático da fauna de peixes recifais do arquipélago, quando nove espécies

foram registradas” (KOENING;OLIVEIRA, 2009, p. 160).

Todavia, para o governo brasileiro, o oceano não era concebido ainda como promessas

de riquezas, seja de pesca, seja de pesquisa. As fontes de riqueza nacional, segundo a

mentalidade e o modelo econômico do século XIX, herdados pela República, não estavam

localizadas no mar. De fato, o oceano permaneceu longo tempo como uma reserva de riquezas

inexploradas e desconhecidas.

Observando os relatórios do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio,

produzidos entre 1910 e 1960, percebemos que a pesca era uma atividade secundária para o

Ministério da Agricultura. Existia a consciência da riqueza que o mar reservava para o Brasil

Paulo: 10anos de Estação Científica. Brasília: SECIRM, 2009, p. 160; DELANO, Amasa. A narrative of voyages and travels in the northern and southern hemispheres. Boston: E. G. House, 1817; BRASIL, Marinha. O Arquipélago de São Pedro e São Paulo: 10 anos de Estação Científica. Brasília: SECIRM, 2009, p. 160. UMA VIAGEM de estudos aos rochedos de São Paulo e São Pedro. Jornal do Recife, Recife, 12 set. 1931. p. 2. 6 Universidade Federal de Ouro Preto, Biblioteca de Obras raras - Escola de Minas. Disponível em: <http://www.obrasraras.em.ufop.br/>. Acesso em: 30 maio. 2012. Todavia, os arquivos dessa instituição nada revelam sobre as viagens e os estudos do cientista.

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e que vinha inclusive sendo explorada por países estrangeiros, mas as iniciativas

governamentais eram muito tímidas. O ministro da Agricultura em exercício em 1910, falava

da concorrência estrangeira em mares brasileiros “com prejuízo da piscicultura natural”, e

pedia urgência na fiscalização e na regulamentação da pesca, e levantava a necessidade de

criação de uma Inspetoria da Pesca, que deveria ser sediada na Capital Federal. O governo

oferecia incentivos fiscais e garantias às companhias de pesca em funcionamento no Brasil,

mas, dado o pouco conhecimento sobre o mar brasileiro e suas espécies, a iniciativa privada

manifestava pouco interesse na exploração dessa atividade. O mesmo relatório menciona que

uma firma carioca, a Bravo & C, havia caído em falência em três meses de atividades, por

falta desse conhecimento sistematizado, que só poderia ser construído na pesquisa científica

(TOLEDO, 1910-1911: 203-205).

Medidas institucionais foram adotadas, como a criação da Inspetoria de Pesca em

1912 (Toledo, 1911-1912: 173-174) e sua substituição pela Estação de Biologia Marinha dois

anos depois (CAVALCANTI, 1914: 123). Após quase uma década e meia sob

responsabilidade do Ministério da Marinha, em 1933, a pesca volta para o Ministério da

Agricultura, Indústria e Comércio. Volta-se a falar da importância da pesca marítima, embora

poucas ações concretas tenham sido feitas para se fomentar a atividade. O fim da década de

1930 mostra alguns avanços, como o aproveitamento do cação em São Luís (Costa, 1939: 9) e

a pesca e aproveitamento da albacora e da baleia, esta, de uma forma rudimentar, na Paraíba

(COSTA, 1939: 236-238). Apesar de crescerem as exportações de sardinha para países

americanos no início da década de 1940 (COSTA, 1940: 280). A maior parte das pesquisas e

dos investimentos relativos à pesca ainda girava em torno da atividade em água doce. Só na

segunda metade da década de 1950, são dirigidas ações governamentais e de particulares mais

consistentes no fomento à pesquisa e à pesca marítimas (DORNELLES; MENEGUETTI,

1956: 63-66). Em 1960, por exemplo, como uso de embarcações japonesas apresenta-se o

resultado de 500 baleias capturadas. Essas notícias sobre a exploração dos recursos pesqueiros

e sobre os estudos do mar não se associam a qualquer referência a São Pedro e São Paulo.

No final da década de 1930 São Pedro e São Paulo permanecia como uma parte

descontínua do território brasileiro. Desde meados do século XIX o governo brasileiro havia

fixado a largura de seu mar territorial em três milhas náuticas, mas a partir da década de 1930

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tomou decisões para levar cada vez mais longe sua soberania sobre o Oceano. Em 1938, pelo

Decreto no. 794, o Brasil estabelece um regime de direitos exclusivos de pesca até a distância

de doze milhas. A plataforma submarina é incorporada ao território nacional em 1950. Em

1966, o mar territorial é estendido para seis milhas marítimas. Em 26 de agosto de 1968 o

Decreto no. 63.164 regulamentou a pesquisa científica no mar territorial e na plataforma

continental. O Decreto n. 553, de 1969, estendeu o mar territorial para doze milhas, até que

outro decreto, n. 1098, de 25 de março de 1970, estendeu o mar territorial para duzentas

milhas (CASTRO, 1989). A decisão, de forte sabor nacionalista ao modo da ditadura militar

brasileira, embora já contasse com precedentes entre outras nações latino-americanas, não

agradou às grandes potências. O alargamento do mar para as duzentas milhas foi “aceito”,

mas, em anos posteriores, questionada, até que se chegasse a um primeiro consenso em 1982.

A mudança de postura do governo brasileiro decorreu, em grande medida, das

exigências colocadas pela ordem jurídica internacional. Os direitos do mar, e especificamente

o “regime de ilhas” regulamentado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do

Mar (CNUDM), assinada pelo Brasil em 1982 e ratificada em 1988, estabeleceu que “os

rochedos que por si próprios não se prestam à habitação humana ou à vida econômica não

devem ter Zona Econômica Exclusiva (ZEE) nem Plataforma Continental”. Essa lei exigia

que os rochedos fossem habitados permanentemente, para conservá-los como parte do

território brasileiro e com isso garantir a projeção oceânica do país, sobre uma área de

450.000 km2 ao redor das ilhas, que se incorporavam ao território nacional (SOUZA, 2007).

Em consequência desse regime de ilhas,

passou a existir um forte motivo estratégico para promover a ocupação definitiva do

arquipélago. Sua posição geográfica mostrou-se de grande valor para a projeção

do país no mar, desde que vencido o desafio de se promover a habitação do local

em caráter permanente. Assim, após seis anos de sucesso com a habitação

permanente do ASPSP, em 2004, o Brasil oficializou, na ONU, o traçado da ZEE

em torno do ASPSP, acrescentando, dessa forma, a impressionante área de 450.000

km2 à sua ZEE original, o que equivale a aproximadamente15% de toda a ZEE

brasileira ou 6% do território nacional (BRASIL, 2009: 16-17).

Em 1998 foi inaugurada a Estação Científica do Arquipélago de São Pedro e São

Paulo, dando início ao Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo

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(PROARQUIPÉLAGO), sob a coordenação da Secretaria de Recursos do Mar. Em 2004, o

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) assumiu a

coordenação científica desse programa, e atualmente há aproximadamente 25 projetos de

pesquisa em andamento, recebendo suporte financeiro dessa agência, nas áreas de ecologia

marinha, meteorologia e oceanografia, com pesquisadores associados a instituições do Brasil

e do exterior (OLIVEIRA, 2009: 54,313).

Referências Bibliográficas

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UMA VIAGEM de estudos aos rochedos de São Paulo e São Pedro. Jornal do Recife, Recife, 12 set. 1931. Universidade Federal de Ouro Preto, Biblioteca de Obras raras - Escola de Minas. Disponível em: <http://www.obrasraras.em.ufop.br/>. Acesso em: 30 maio. 2012.