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1 A CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ESTREITO E O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGENS - MAB Nara Lopes de Melo Universidade Federal do Tocantins - UFT [email protected] Patrícia Rocha Chaves Universidade Federal do Amapá – UNIFAP [email protected] Resumo Este artigo é parte de meu trabalho de conclusão de curso, que pretendeu discutir a relação da Usina Hidrelétrica de Estreito-MA (UHE de Estreito), com os pescadores. Nota-se que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), foi um dos principais interlocutores no diálogo entre ambos. Sabemos que os impactos territoriais com a construção do reservatório da UHE de Estreito estão causando inúmeras mudanças, afetando a identidade territorial da comunidade local, principalmente no que se refere à relação com o rio Tocantins tanto na esfera econômica, como também cultural. Sobre os movimentos sociais, principalmente o MAB, levamos em consideração sua atuação em relação aos atingidos, onde segundo as principais lideranças do movimento seu objetivo é buscar cotidianamente por melhores condições para os impactados pela barragem de Estreito. Para embasar a pesquisa foi necessário refletirmos sovre o conceito de “atingido” e a importância dos movimentos sociais. Principalmente na perspectiva de Foschiera (2009), de Grzybowski (1990), Sychocki (2010), Zen (2007), foram utilizadas bibliografias, como também teses e artigos que trabalham com a temática em destaque. Trabalhamos também, com estudos empíricos, com a finalidade de demonstrar o cotidiano e a realidade dos atingidos pela UHE de Estreito (MA). Palavras-chave: MAB - Movimento de Atingidos pelas Barragens. UHE de Estreito. Movimentos Sociais. Atingidos. Introdução Este artigo é parte de meu trabalho de conclusão de curso, que pretendeu discutir a relação da Usina Hidrelétrica de Estreito-MA (UHE de Estreito), com os pescadores. Nota-se que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), foi um dos principais interlocutores no diálogo entre ambos. Sabemos que os impactos territoriais com a construção do reservatório da UHE de Estreito estão causando inúmeras mudanças, afetando a identidade territorial da comunidade local, principalmente no que se refere à relação com o rio Tocantins tanto na esfera econômica, como também cultural. Sobre os movimentos sociais, principalmente o MAB, levamos em consideração sua atuação em relação aos atingidos, onde segundo as principais lideranças do movimento

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A CONSTRUÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ESTREITO E O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE

ATINGIDOS POR BARRAGENS - MAB

Nara Lopes de Melo Universidade Federal do Tocantins - UFT

[email protected]

Patrícia Rocha Chaves Universidade Federal do Amapá – UNIFAP

[email protected] Resumo Este artigo é parte de meu trabalho de conclusão de curso, que pretendeu discutir a relação da Usina Hidrelétrica de Estreito-MA (UHE de Estreito), com os pescadores. Nota-se que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), foi um dos principais interlocutores no diálogo entre ambos. Sabemos que os impactos territoriais com a construção do reservatório da UHE de Estreito estão causando inúmeras mudanças, afetando a identidade territorial da comunidade local, principalmente no que se refere à relação com o rio Tocantins tanto na esfera econômica, como também cultural. Sobre os movimentos sociais, principalmente o MAB, levamos em consideração sua atuação em relação aos atingidos, onde segundo as principais lideranças do movimento seu objetivo é buscar cotidianamente por melhores condições para os impactados pela barragem de Estreito. Para embasar a pesquisa foi necessário refletirmos sovre o conceito de “atingido” e a importância dos movimentos sociais. Principalmente na perspectiva de Foschiera (2009), de Grzybowski (1990), Sychocki (2010), Zen (2007), foram utilizadas bibliografias, como também teses e artigos que trabalham com a temática em destaque. Trabalhamos também, com estudos empíricos, com a finalidade de demonstrar o cotidiano e a realidade dos atingidos pela UHE de Estreito (MA). Palavras-chave: MAB - Movimento de Atingidos pelas Barragens. UHE de Estreito. Movimentos Sociais. Atingidos.

Introdução

Este artigo é parte de meu trabalho de conclusão de curso, que pretendeu discutir a

relação da Usina Hidrelétrica de Estreito-MA (UHE de Estreito), com os pescadores.

Nota-se que o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), foi um dos principais

interlocutores no diálogo entre ambos. Sabemos que os impactos territoriais com a

construção do reservatório da UHE de Estreito estão causando inúmeras mudanças,

afetando a identidade territorial da comunidade local, principalmente no que se refere à

relação com o rio Tocantins tanto na esfera econômica, como também cultural.

Sobre os movimentos sociais, principalmente o MAB, levamos em consideração sua

atuação em relação aos atingidos, onde segundo as principais lideranças do movimento

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seu objetivo é buscar cotidianamente por melhores condições para os impactados pela

barragem de Estreito. Dessa forma, procuramos fazer uma - ainda que sintética –

importante reflexão sobre a construção do conceito de atingido, no sentido de entender a

realidade local.

Destacando assim, a influência do MAB, com relação aos atingidos. E como é o diálogo

do MAB e a UHE de Estreito. E como o movimento social atual, em função de

melhores negociações, e que essas possam beneficiar não somente a empresa. Podemos

considerar também, o MAB como formador de atores políticos ativos.

Para embasar a pesquisa foi necessário refletirmos sovre o conceito de “atingido” e a

importância dos movimentos sociais. Principalmente na perspectiva de Foschiera

(2009), de Grzybowski (1990), Sychocki (2010), Zen (2007), foram utilizadas

bibliografias, como também teses e artigos que trabalham com a temática em destaque.

Trabalhamos também, com estudos empíricos, com a finalidade de demonstrar o

cotidiano e a realidade dos atingidos pela UHE de Estreito (MA).

Sabemos que a construção de uma usina hidrelétrica acarreta inúmeros impactos, tanto

no que se refere a impactos ambientais, aos quais causam drásticas mudanças no

ambiente, em sua maioria com grandes danos irreversíveis, como também no que se

refere a impactos sociais.

E o último produz os tão discutidos atingidos pela barragem ou como casualmente é

usado, impactados. “o conceito de atingido aplicado a cada barragem é geralmente

cunhado no conflito entre atingidos e os responsáveis pelo empreendimento, e no

conhecimento/ reconhecimento dos atingidos de direitos que extrapolam a legalidade e

questionam o projeto (...).” (FOSCHIERA, 2009, p. 34)

O conceito de atingido por barragem, que parece ser tão natural, principalmente entre as pessoas envolvidas com movimentos sociais, é construído socialmente e vem sendo remodelado ao longo dos tempos e em diferentes espaços. (...). A constituição do MAB deu uma identidade única aos atingidos por barragens, que, antes, eram identificados como afogados (FERNANDES, 2000), expropriados (MAGALHÃES, 1990) etc. (FOSCHIERA, 2009, p. 34)

Muitos são atingidos dentre a população residente na área usada para a construção do

reservatório, entretanto, todos não recebem a mesma consideração e tratamento, para

discussão de ideais e ressarcimento de prejuízos. Podendo ser considerado na maioria

dos exemplos (atingidos pela construção de inúmeras barragens, no território brasileiro),

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que as pessoas que menos é ressarcida de forma justa por seus prejuízos econômicos

(levando em consideração que a construção da obra gera impactos sócio-culturais), são

da população de baixa renda.

Podemos nesse sentido, abranger o conceito de atingido, não só para todos os

impactados pela construção da obra, mais, para todos os consumidores de energia

elétrica, que utilizam desse bem de consumo, não sendo assim, só atingidos direto pela

obra, mais toda a população urbana, que são impactadas pela nova política energética

brasileira.

Dessa forma, os atingidos em grande número consideram que não são indenizados com

coerência, e busca no movimento, no caso específico das barragens o MAB, como

forma de ter maiores possibilidades, assim como, para que os mesmos tenham voz e

sejam ouvidos, e os seus problemas reconhecidos.

Para piorar este cenário não há uma política de estado para com as populações atingidas, que são tratadas como empecilhos ao ‘desenvolvimento’ local. Pensando em mudar esta realidade o movimento busca construir uma política de estado que venha beneficiar os atingidos e atingidas. O MAB trata caso a caso seus problemas; busca soluções satisfatórias as famílias; denuncia os sofrimentos e crimes que as empresas causam as mesmas, tais como o não pagamento da propriedade dos atingidos (as), ou o pagamento de um pequeno valor como indenização, além disso, não reconhecem meeiros e posseiros como atingidos. (SYCHOCKI, 2010, p. 21)

No decorrer da história a organização social e a ação da sociedade unida em busca de

seus objetivos, sempre foi algo marcante, principalmente pela forma de emergência de

diferentes atores político-sociais, quando se fazia necessário. Como se a necessidade

fosse a principal força de criação dos movimentos e de seus militantes.

A organização e ação popular, defendendo seus interesses, ocorrem de várias formas e foram se transformando e se ajustando ao longo da história. No Brasil, a ditadura militar, (...), é colocada por Scherer-Warrer (1993/1996) e Grzybowski (1991) como referência para marcar dois períodos distintos de organização dos movimentos sociais, os Velhos Movimentos Sociais (VMS) e os Novos Movimentos Sociais (NMS). (...). As organizações sociais voltaram a ocupar espaço, mas de forma renovada, pois grandes transformações haviam ocorrido na organização da sociedade e nas relações de produção, surgindo o que passou a ser conhecido como Novos Movimentos Sociais (NMS). (FOSCHIERA, 2009, p. 61-62)

Os movimentos sociais passam a possuir uma nova roupagem, indo além das relações

de trabalho que anteriormente eram visadas, para questões diversas como defesa ao

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meio ambiente, entre outros. Para Zen (2007, p. 32), as principais diferenças entre os

novos e tradicionais movimentos sociais são,

(...), a teoria dos novos movimentos sociais apontam que estes enfatizam as relações pessoais, questionam as relações objetivas e subjetivas de autoridades, possuem orientações comunitárias e organização horizontal. Em contrapartida, os movimentos sociais tradicionais estariam caracterizados por privilegiarem objetivos materiais, relações instrumentais, orientações para com o Estado e uma organização vertical. (ZEN, 2007, p. 32)

Porém, a base dos Novos Movimentos Sociais não é mais o marxismo ortodoxo como

outrora, tentando tornar a sociedade mais burocrática, não somente na legislação, como

de fato no cotidiano. “Estes novos atores sociais não estão a serviço de nenhum modelo

de sociedade perfeita, mas lutam pela democratização das relações sociais (...).” (GOSS

e PRUDENCIO, 2004 apud FOSCHIERA, 2009, p. 63)

Alguns partidos políticos brasileiros possuem no decorrer de suas histórias vínculos

com movimentos sociais. Visando que, a classe trabalhadora viesse a ter espaço na

esfera pública. Com Novos Movimentos Sociais (NMS), “(...) saem de cena as classes

sociais, que definiriam a priori os indivíduos no processo de lutas de classe pela sua

posição na estrutura produtiva, e surgem atores sociais num processo de lutas sociais,

que constroem sua identidade comum na organização coletiva que participam.” (ZEN,

2007, p. 35)

O campo com seus aspectos conflituosos sempre foi um ‘berço’ de surgimento de

inúmeras organizações sociais, que buscavam a partir de suas lutas e discursos,

amenizar ou até mesmo diminuir a desigualdade social.

MAB um Breve Histórico

Com a construção das inúmeras UHEs pelo país, que foram geradas a partir da década

de 1970 e tem como objetivo principal gerar energia elétrica, para atender

principalmente, as indústrias que tendem a consumir muita energia. As construções

dessas grandes obras causaram o desalojamento de milhares de famílias de suas casas,

terras, regiões, como também de seus trabalhos. Sendo ainda que, milhares de pessoas

saem de suas terras de origem para os centros urbanos, principalmente para as

periferias.

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A história dos atingidos por barragens no Brasil tem sido marcada pela resistência na terra, luta pela natureza preservada e pela construção de um Projeto Popular para o Brasil que contemple uma nova Política Energética justa, participativa, democrática e que atenda aos anseios das populações atingidas, de forma que estas tenham participação nas decisões sobre o processo de construção de barragens, seu destino e o do meio ambiente. (MAB NACIONAL, 2011)

Inicialmente, os atingidos buscavam a uma justa indenização, e que lhe fossem

assegurados um reassentamento. Entretanto, com o passar dos anos, e após a construção

das primeiras barragens, foram notadas a existência de vários problemas sociais e

graves problemas ambientais. E com isso os atingidos passaram a questionar a própria

existência e construção da UHE. “(...). Assim, os atingidos passam a perceber que além

da luta por direitos, deveriam lutar por um modelo energético mais justo. Para isso, seria

necessária uma organização maior que articulasse a luta em todo o Brasil”. (MAB

NACIONAL, 2011)

Com essa visão de força de resistência, e de movimento social que em 1989 foi

realizado o I Encontro Nacional dos Trabalhadores Atingidos por Barragens. “(...). Foi

um momento onde se realizou um levantamento global das lutas e experiências dos

atingidos em todo o país. Foi então decidido constituir uma organização mais forte a

nível nacional para fazer frente aos planos de construção de grandes barragens.” (MAB

NACIONAL, 2011)

O primeiro evento foi seguido pela realização do I Congresso dos atingidos de todo o

Brasil, em 1991, ao qual se teve a decisão e formação do MAB, como um movimento

de nível nacional, sendo esse autônomo, e com força de organização e articulação, onde

se agiria inicialmente no local. “(...). O dia 14 de Março é instituído como o Dia

Nacional de Luta Contra as Barragens, sendo celebrado desde então em todo o país”.

(MAB NACIONAL, 2011). E em seqüencia se teve em 1997, um evento internacional,

em Curitiba-PR, o 1º Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens.

A UHE de Estreito (MA) e a relação com o MAB

A construção da UHE de Estreito-MA vem gerando inúmeras discussões e

consequentemente conflitos perante a sociedade impactada, pois são inúmeras pessoas

que vivem na região de seu entorno. Esta sociedade mantém uma estreita relação com o

rio, principalmente na manutenção de sua alimentação na pesca e, sobretudo, em suas

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vazantes produz uma agricultura de subsistência necessária para a manutenção de sua

família. O EIA-RIMA (2001) afirma que, sobre os impactos no sistema de produção de

vazante,

O impacto inicia-se na fase de implantação do empreendimento, particularmente com a aquisição de terras e benfeitorias, e, completa-se quando do enchimento do reservatório. O impacto é de natureza negativa e deverá afetar principalmente os pequenos agricultores. (...). A magnitude do impacto pode ser avaliada pelo número potencial de produtores que fazem, ou podem fazer, uso desse sistema de produção. Dos 909 imóveis afetados aproximadamente 544 estão situados na margem do rio Tocantins. Considerando-se que a agricultura, principalmente de subsistência, está presente em cerca de 93% dos imóveis estima-se que este impacto deverá ser sentido pelos produtores de aproximadamente 500 imóveis situados na margem do rio. A mitigação do impacto deverá ser feita por ações que promovam a reabilitação econômica da produção agrícola em terras altas. Como o leito temporário do rio, juridicamente não pertence aos produtores essa área não é passível de indenização nos moldes tradicionais. A promoção dessas ações é de responsabilidade do empreendedor que poderá firmar convênios com organismos regionais de assistência técnica oficial e privada. (EIA-RIMA, 2001)

As respectivas ações que foram firmadas no EIA-RIMA, foram realizadas em um

respectivo número de impactado, porém, uma das principais discussões, feitas pela

população que possuía terras as margens do rio Tocantins, e que foram relocadas para

outras regiões é que as novas terras se demonstraram inférteis, improdutivas para as

atividades que desempenhavam em suas terras anteriores, havendo ainda, a falta de água

em suas terras.

As várias mudanças que estão sofrendo e a dificuldade de um diálogo que possibilite

condições estáveis de trabalho, pois o peixe que é o principal produto de

comercialização dos pescadores se encontra cada vez mais escasso. Como também,

buscam o trabalho no reservatório depois de sua obra ser construída, considerando que

já possuem um vínculo e uma identidade territorial com o lugar, e sabendo ainda que,

muitos dos pescadores das colônias em questão trabalham há muitos anos, como

pescadores no rio Tocantins, e que a profissão foi passada por gerações.

Porém, se tem a certeza que durante no mínimo dois anos não se poderá pescar no

reservatório da UHE, assim, como viverá todas as famílias que retiram parte, se não

toda sua renda do rio? Levando em consideração que, atualmente já se encontram

inúmeras famílias de pescadores, nas cidades impactadas com dificuldades financeiras,

tendo que buscar em empregos temporários, a renda familiar.

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E é a partir da colônia de pescadores, onde os pescadores são associados, juntamente

com o MAB, que não somente os pescadores mais os demais atingidos reivindicam e

lutam através desses movimentos por condições estáveis de trabalho, após a construção

do reservatório, como também por aparatos financeiros, que lhe possam oferecer

condições mínimas de bem estar econômico, principalmente durante o período, que não

poderão pescar no reservatório. Uma questão interessante é que somente a partir de

2008, depois de muita luta e reivindicações por parte dos pescadores atingidos pela

UHE de Estreito, juntamente com o MAB, conseguiram conquistar em âmbito nacional,

para que o pescador seja considerado atingido.

PROTESTO DOS BARRAQUEIROS

Fonte: A Autora (2011).

É através do MAB que os atingidos pela a UHE de Estreito organizaram as inúmeras

manifestações, que já foram realizadas no decorrer de anos de luta, para que fossem

realizadas negociações que amenizasse os impactos proporcionados pela construção da

UHE. Como por exemplo, a marcha que foi realizada de Araguaína-TO à Estreito-MA,

de 23 de setembro a 1º de outubro de 2010. Havia cerca de 600 atingidos participando

da marcha. “(...). Com a marcha, os atingidos querem pressionar para que as empresas

responsáveis pela obra os indenizem e reconheçam seus direitos”. (ATINGIDOS PELA

UHE ESTREITO CONTINUAM MARCHA POR DIREITOS, 2010)

Recentemente de 04 a 07 de abril em Brasília teve o I Encontro Nacional de Mulheres

Atingidas por Barragens, onde foram discutidas e confrontadas histórias entre mulheres

de vários estados do país, que foram atingidas por barragens construídas em suas

regiões, sendo que cada uma das participantes possuem suas histórias de lutas e

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conflitos. No encontro houve participantes internacionais como a militante Mapuche da

Argentina Moira Millán, onde com as experiências adquiridas no evento, a mesma

escreveu a Crónica Mapuche desde Brasil con la frescura de las Aguas y el Canto de

los Ríos, onde essa relata que:

[…]. Todas ellas unían con sus voces el canto de sus ríos represados o amenazados de ser silenciados. Trajeron sus niños, sus historias, su dolor, pero sobre todo su fuerza. Sus nombres? Marías, Raimundas, Aparecidas, como dice la canción de Milton Nacimento vi en ellas, su don, su magia, su fuerza, se hicieron sonido, tela de un solo género de muchos colores y texturas, sudaron en una larga marcha, bajo un sol abrazador para hablar con toda dignidad y firmeza a otra mujer la actual presidenta de Brasil, Dilma Roussef, quien escuchó sus demandas, fui testigo de ese momento histórico para el M.A.B. Se reconocieron en historias comunes, intercambiaron abrazos, lágrimas, sonrisas y sueños, pero también entre ellas había hombres, semejantes al hombre nuevo que soñará el Che, ayudaban, aprendían, se emocionaban, animaban, y gritaban en una sola voz de pueblo:¡¡sin Feminismo no hay Socialismo!! Pero es preciso tener fuerza, tener raza, tener ganas siempre, para tratar de cambiar el mundo, ellas y ellos la tienen, se llaman así mismo: M.A.B, Manifestantes, de Amor a Brasil, a su tierra, a su gente y a la vida. El M.A.B no solo son miles y miles de personas afectadas, organizadas para exigir sus derechos, son una mirada nueva a la Energía, nos alertan diciéndonos El Agua y Energía no es mercadería!, van arcándonos un camino que fue regado con sangre, cárceles, persecución y represión, pero que conduce a un modelo energético popular y en armonía con la naturaleza. (MOIRA MILLÁN, 2011)

O MAB também monitora as atividades realizadas pela usina, realizando denúncias

contra a empresa responsável pela construção da obra quando necessário e, onde, não

estão sendo respeitados os direitos humanos. Além de está atento, e participativo em

todas as negociações realizadas entre os impactados e a empresa, embora as

negociações, atualmente com a barragem praticamente pronta, ainda estão bastante

discutidas. O presidente nacional do MAB afirma que,

A proposta que a gente tinha em estreito, foi construída em conjunto com toda discussão la do povos indígenas, do pessoal do extrativismo, das quebradeiras de coco, la tem outro extrativismo que é a questão da poupa de fruta do cerrado, na proposta que a gente tinha em estreito era um fórum, ou seja, onde estaria os representantes de todas as instituições. Atingidos, ministério publico e a igreja e alguns outros órgãos governamentais dependendo da categoria assim se fosse os pescadores a CEAP se envolveria, se fosse os índios a FUNAI, se fosse os assentados do INCRA, o INCRA e a partir disso você cria grupos de trabalho para dar o devido tratamento, o que vem acontecendo não é isso, o que vem acontecendo a empresa faz o que ela quer, quando ela quer e como ela quer. Estreito é uma obra que tem muitos problemas que questiona-se desde o licenciamento até as ações que a empresa vem fazendo e ai o que a empresa fez. O que existe hoje, ela dividiu os grupos, NE assim, a questão dos índios ela trata com a FUNAI, a questão dos assentamentos ela trata com o INCRA, e outros grupos ela não tem

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nenhum tratamento, nos já fizemos várias reuniões com o ministério publico, chama a empresa pro debate algumas vezes, outras vezes a empresa não foi e quando ela foi, simplesmente eles não respondem colocando que não podem responder, que não tão autorizado a falar então não existe um tratamento, a proposta que a gente tinha e que existisse um fórum e cada categoria, cada categoria dessa, os índios pescadores, os extrativistas os ribeirinhos formassem um grupo de trabalho e esse grupo de trabalho daria um encaminhamento, conforme as necessidades, conforme as aspirações de cada categoria. Então assim eles propuseram o comitê de gestão e esse comitê de gestão o que é isso, é especificamente, prefeito, vereadores, algumas lideranças locais, mais normalmente lideranças indicadas pelo prefeito, ou seja, são amigos do prefeito e alguns locais a empresa criou sua própria associação, por exemplo, em estreito tem uma associação chamada novo progresso que a empresa mesmo que criou, financiou e no primeiro momento e ao mesmo tempo essa associação tem o objetivo de trabalhar nas reuniões publicas trabalhar a questão de fazer cafezinho, so que em contrapartida ela faz oposição política que era fazer o enfrentamento a nos e eles também compuseram essa articulação nos comitês, o que nos estamos vivendo... A empresa também passa a organizar o povo e passa a criar seus próprios interlocutores então se ela entende que os índios o MAB o MST a CPT e as comunidades que estão la são atores que podem trazer problema pra ela ai ela cria seus próprios atores e isso cria um campo de divergência entre nós e esses atores chegou a ter varias reunião o fórum chegou a ser criado naquilo que a gente acreditava que ia ser e fomos pra uma reunião em Brasília com o pessoal da casa civil e com o ministério de minas e energia disse que não podia se criar o fórum e não se tem o fórum, ai já existia toda essa articulação. (ROCHA, 2009 apud CHAVES, 2009, p. 146)

Nas tabelas abaixo, podemos observar o número de famílias que foram impactadas pela

UHE, são dados do EIA-RIMA, que possui critérios específicos. Entretanto, esse

número ao ser contrastado com a realidade vista, na pesquisa de campo, em entrevistas

realizadas com a comunidade local, e a prefeitura, é contraditória ao discurso dos

empreendedores.

QUADRO 01: POPULAÇÃO URBANA AFETADA PELA UHE DE ESTREITO.

Fonte: CNEC, 2001 (apud EIA-RIMA).

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QUADRO 02: NÚMERO DE FAMÍLIAS RURAIS AFETADAS PELA UHE DE ESTREITO

Fonte: CNEC, 2001 (apud EIA-RIMA)

QUADRO 03: ÁREA AFETADA NOS MUNICÍPIOS IMPACTADOS PELA UHE DE ESTREITO

Fonte: CNEC, 2001 (apud EIA-RIMA).

O número de atingidos contabilizado pelo movimento de atingidos por barragens é de

5000 famílias e segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), do ano de 2010,

houve 1150 conflitos, de origem de barragens e açudes, no município de Estreito (MA),

por motivos de não cumprimento de procedimentos legais. E em Babaçulândia (TO),

ocorreram 36 conflitos em função da UHE de Estreito, por motivo de reassentamento

inadequado.

Da situação de atingidos para a introdução no Movimento Social

A partir de muitas expropriações, e mudanças no cotidiano, como também nas

condições reais, de uma parte da população local e regional, surgem após esse contexto,

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inúmeras famílias, em condições difíceis e com grandes problemas econômicos,

derivados principalmente, de um contexto gerado por inúmeras mudanças.

Com a situação de atingidos, como também, se vendo como atingidos e com poucas

possibilidades para melhores condições, ou nas mínimas condições iguais ao qual

possuíam anteriormente ao início da construção do empreendimento. A população

impactada passa a ver e compreender os movimentos sociais como possibilidades de

melhores perspectivas, promessas acreditáveis. Diferentes de certo modo, dos discursos

dos quais estão sendo expostos pela empresa responsável pela construção da barragem.

Que só apazigua a situação na qual os atingidos se encontram.

A ação dos atingidos e o aprendizado que estes vêm adquirindo nesta prática, que traz a tona novas necessidades discursivas e que leva a novas práticas, num constante movimento transformador de suas realidades, vai transformando-os enquanto tais e faz com que o conceito que os expliquem também seja reestruturado. (FOSCHIERA, 2009, p. 34)

Dessa forma, o movimento proporciona um discurso, que encontra na luta cotidiana,

uma realidade construída, pequenas vitórias, que tornam a realidade vivida, menos cruel

e com possibilidades de melhores condições. Assim, uma melhor perspectiva construída

pela introdução nos movimentos, de certa forma, esclarece, a brusca e rápida mudança

de suas realidades.

O movimento, como também, o novo contexto cria personagens, transformando vidas,

anteriormente diferentes, em agentes políticos ativos, na sua realidade, produzindo

líderes. Os personagens encontram no movimento, inspiração para lutar, representando

uma classe, que escolhe suas próprias lideranças, a partir da necessidade eminente,

gerada em função de um grande empreendimento como é o caso da UHE de Estreito. E

assim, “encarar a luta política como forma superior de embate capaz de produzir

mudanças que traduzam a organização do espaço geográfico com correspondência

social.” (GOMES, 1990, p. 67). E como lidar contra uma obra tão grande? E que afirma

muitos benefícios, em troca de mínimos pontos negativos?

Porém, a introdução no movimento produz agentes políticos, capazes de transformar e

produzir inúmeras mudanças. Usa-se produzir, porque é exatamente o que acontece,

pois, pessoas simples, e com pouca instrução escolar, tornam-se, a partir das

experiências adquiridas no cotidiano, através de inúmeras discussões, agentes ativos

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políticos, capazes de liderar e transformar para melhor, ou proporcionar maiores

promessas para o grupo ao qual representa.

Considerações Finais

A partir da pesquisa podemos observar que embora tenham ocorrido inúmeras

negociações, e prometidas inúmeras possibilidades de utilização do lago do reservatório,

em função da perda dos pescadores, e pela transformação do ecossistema, até o

momento, com o término da construção da UHE, nenhum projeto foi desenvolvido no

sentido de amenizar tais impactos.

O MAB nesse contexto é de fundamental importância, principalmente pelo fato do

mesmo possuir conhecimento para auxiliar nas negociações, entre a empresa e os

atingidos, que em sua maioria os que se encontram menos favorecidos, são os que

possuem baixa renda, como também, pouco grau de escolaridade e informação.

O MAB com o passar dos anos em cada contexto, assim como, a maioria dos

movimentos sociais são formadores de atores políticos ativos, que lutam e reinvidicam

por melhores condições que sejam atendidas também nos direitos, para que esses sejam

respeitados. Uma questão importante que pode ser destacada ao realizar a pesquisa é a

dificuldade de fontes que discutam a realidade da pesca no rio. Tornando necessária por

várias vezes buscarmos referências sobre a pesca em outras regiões brasileiras como a

Amazônia. Assim sendo, torna-se necessário destacar a importância fundamental desse

tipo de pesquisa no Tocantins, sobretudo, num momento em que as relações territoriais

são produzidas e reproduzidas a partir de profundas crises e de sérios conflitos,

colocando a identidade regional e o suporte econômico das sociedades locais em risco,

como no caso dos pescadores do Rio Tocantins, em conflito com o empreendimento –

UHE de Estreito.

Referências ATINGIDOS PELA UHE ESTREITO CONTINUAM MARCHA POR DIREITOS.Disponívelem:<http://www.mabnacional.org.br/noticias/300810_uhe_estreito.html>>. Acesso em: 28abril 2010.

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CHAVES, Patrícia Rocha. As Relações Sócio-Territoriais Na Construção Da Usina Hidrelétrica De Estreito-MA e a (Re)Produção do Espaço Urbano das Cidades de Carolina-MA e Filadélfia-TO. Palmas, TO: UFT, 2009. Pág. 198. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL/ RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA-RIMA). CNEC. Cópia Controlada nº 01. EG072.MA.00/RT.001. Data: 31/01/01. FOSCHIERA, Atamis Antonio. Da barraca do rio para a periferia dos centros urbanos: a trajetória do Movimento dos Atingidos por Barragens face às políticas do setor elétrico no Brasil. Presidente Prudente, SP: Universidade Estadual Paulista, 2009. GOMES, Horieste. A produção do espaço geográfico no capitalismo. São Paulo: Contexto, 1990. GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e Descaminhos dos Movimentos Sociais no Campo. 2. Ed. Petrópolis: Fase, 1990. HISTÓRIADO MAB. Disponível em: <<http://www.mabnacional.org.br/?q=historia>>. Acesso em: 29 abril 2011. MAB NACIONAL. Disponível em: <<http://www.mabnacional.org.br>>. Acesso em: 29 abril 2011. MILLÁN, Moira. Crónica Mapuche desde Brasil con la frescura de las Aguas y el Canto de los Ríos. Disponível em: < http://www.mabnacional.org.br/?q=artigo/cr-nica-mapuche>. Acesso em: 06 maio 2011. SYCHOCKI, Cristine. As relações de gênero no Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) a partir da organização no Rio Grande do Sul. Lapa-PR: ELAA, 2010. ZEN, Eduardo Luiz. Movimentos Sociais e a Questão de Classe: Um olhar sobre o Movimento dos Atingidos por Barragens. Brasília, DF: UNB, 2007.