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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A CONSTRIÇÃO DE BENS MÓVEIS PARA A SATISFAÇÃO DOS DIREITOS DO CREDOR: UMA ANÁLISE
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
KENIA BERNARDES BORDERES
ITAJAÍ [SC], JUNHO DE 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A CONSTRIÇÃO DE BENS MÓVEIS PARA A SATISFAÇÃO DOS DIREITOS DO CREDOR: UMA ANÁLISE
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
KENIA BERNARDES BORDERES
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professora MSc. Emanuela Cristina Andrade Lacerda
ITAJAÍ [SC], JUNHO DE 2010
AGRADECIMENTO
A Deus, por ter me dado forças o suficiente para atravessar todas as etapas do meu caminho e por
ser companhia inabalável quando tudo parecia intransponível e distante;
Aos amigos e mestres professora Emanuela Cristina Andrade Lacerda e professor Álvaro Borges de
Oliveira pela confiança depositada e pela incrível oportunidade de me permitirem compartilhar do seu
conhecimento;
Aos meus pais, que com todo esforço e zelo, guiaram-me até o final desta e de outras jornadas,
dando suporte incondicional para que eu chegasse aonde queria;
Ao meu irmão pela parceria no percurso acadêmico e nos momentos mais difíceis e felizes da minha
vida;
À minha querida amiga e avó Iris, sempre presente nos momentos cruciais;
A todos os amigos que das mais diversas formas contribuíram para que eu concluísse com êxito esta
etapa da minha formação.
DEDICATÓRIA
À memória daquele que dispensou amor incomensurável, o qual atravessou o tempo e a
saudade.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca
Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí [SC], JUNHO 2010.
Kenia Bernardes Borderes Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Kenia
Bernardes Borderes, sob o título A constrição de bens móveis para a satisfação dos
direito do credor: uma análise doutrinária e jurisprudencial foi submetida em
11/06/2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc.
Emanuela Cristina Andrade Lacerda, orientadora e presidente da banca e Dr. Álvaro
Borges de Oliveira, e aprovada com a nota 10 (dez).
Itajaí [SC], junho de 2010.
Professora MSc. Emanuela Cristina Andrade Lacerda Orientadora e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................. 7
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 8
CAPÍTULO 1
A PROPRIEDADE MÓVEL
1.1 INSTITUTOS CONTROVERSOS DO DIREITO DAS COISAS: A POSSE, A DETENÇÃO, O DOMÍNIO E A PROPRIEDADE...................................................11
1.2 A PROPRIEDADE MÓVEL NO CÓDIGO CIVIL.............................................19
1.3 A TRADIÇÃO COMO FORMA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL.................................................................................................................................29
CAPÍTULO 2
DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
2.1 AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO......................................................35
2.2 O PROCESSO DE EXECUÇÃO: PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS..................................................................................................42
2.3 OS MEIOS EXECUTÓRIOS PARA A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO.............50
vi
CAPÍTULO 3
A CONSTRIÇÃO DE BENS MÓVEIS PARA A SATISFAÇÃO DOS DIREITOS DO CREDOR
3.1 A PENHORA DE BENS MÓVEIS ...................................................................61
3.2 OS SISTEMAS JUDICIÁRIOS PARA A SATISFAÇÃO EFETIVA DO CREDOR: O BACENJUD E O RENAJUD............................................................66
3.3 A POSIÇÃO DE ALGUNS TRIBUNAIS PÁTRIOS QUE TORNAM INEFICAZES OS MEIOS EXPROPRIATÓRIOS...................................................71 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 80
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 83
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto analisar a utilização da
penhora judicial de bens móveis, especialmente os veículos automotores, para a
satisfação dos direitos do credor em processo de execução. Para tanto,
desenvolveu-se a pesquisa em três capítulos investigando-se no primeiro capítulo o
Direito das Coisas e alguns de seus institutos mais controversos, a propriedade de
um modo geral e em particular a propriedade móvel, especialmente sua forma de
transmissão. No capítulo subseqüente aborda-se a instauração da lide, o
desenvolvimento do processo e os tipos de ação do sistema judiciário brasileiro,
seguindo-se do processo de execução, seus princípios informadores e seus
principais tipos, culminando com o estudo dos meios judiciais para a efetiva
satisfação do crédito. O capítulo que finda o trabalho trata da constrição dos bens
móveis para a satisfação dos direitos do credor, dos sistemas disponíveis
atualmente no Poder Judiciário e de uma análise das jurisprudências dos tribunais
de Justiça catarinense, mineiro e gaúcho acerca da tradição e da utilização do
sistema Renajud. O relato dos resultados foi desenvolvido aplicando-se a base
lógica indutiva.
8
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto a constrição de bens
móveis para a satisfação dos direitos do credor, estudada a partir das disposições
doutrinarias e da jurisprudenciais.
O seu objetivo é analisar a utilização da penhora judicial de
bens móveis, especialmente a dos veículos automotores, para a satisfação do
crédito inadimplido em processo de execução.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos Direitos
das Coisas, fazendo-se uma pesquisa de seus institutos mais controversos (a posse,
detenção, propriedade e domínio). Na sequência, se investiga os aspectos gerais da
propriedade, suas principais características e seus princípios. Por fim, individua-se a
propriedade móvel, com a apresentação de seus aspectos mais relevantes e a
transmissão pela tradição.
No Capítulo 2, aborda-se o Processo de Execução, iniciando-
se com um breve estudo acerca da lide, jurisdição e do processo em geral, seus
princípios informadores, os diferentes tipos de processo disciplinados no Código de
Processo Civil. Em seguida, cuida-se especialmente do Processo de Execução, as
últimas mudanças que foram introduzidas na Lei Processual e a efetividade do
processo de execução. Finaliza-se com o estudo dos meios executórios para a
satisfação do crédito, os tipos de execução existentes na lei processualística, a
penhora, a arrematação e a adjudicação para a satisfação dos direitos do credor,
tolhidos quando o devedor deixa de adimplir o crédito a contento.
O Capítulo 3 versa sobre a constrição dos bens móveis para a
satisfação do crédito, com os meios judiciais efetivos para que possam ser
garantidos os direitos do credor, os sistemas judiciários utilizados atualmente para a
efetiva satisfação do crédito, como o Bacenjud e o Renajud. Ultima-se com o estudo
jurisprudencial da utilização desses sistemas e a investigação de sua eficácia no
sistema processual.
9
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
utilização de bens móveis para a satisfação dos direitos do credor, através da
penhora judicial, utilizando-se os sistemas judiciais como o Bacenjud e o Renajud.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
perguntas:
Como ocorre a transmissão da propriedade dos bens móveis?
Para reconhecer a propriedade de bens móveis, especialmente
os automóveis, é necessário recorrer ao registro nos órgãos de trânsito?
Somente os automóveis registrados em nome do devedor no
órgão de trânsito competente podem sofrer constrição judicial através do sistema
Renajud?
Para as perguntas formuladas levantaram-se as seguintes
hipóteses:
A transmissão da propriedade dos bens móveis, por força
expressa do artigo 1.226 do Código Civil, se opera somente com a tradição, o que,
por conclusão, leva a inferir que não é obrigatório o registro no órgão de trânsito.
Sendo assim, a constrição judicial não deveria se restringir aos
automóveis registrados em nome do devedor nos órgão de trânsito, através do uso
do sistema Renajud.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o
1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.
10
Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.
3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.
5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.
6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.
7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.
Capítulo 1
A PROPRIEDADE MÓVEL
1.1 INSTITUTOS CONTROVERSOS DO DIREITO DAS COISAS: A POSSE, A DETENÇÃO, O DOMÍNIO E A PROPRIEDADE.
As relações que uma pessoa pode ter com uma coisa, que no
Código Civil vem disciplinado no Livro III – Do Direito das Coisas, seja ela, móvel ou
imóvel, são motivos de discussão e confusão, acadêmica e doutrinária.
Costuma-se misturar as definições de propriedade e domínio,
posse e detenção, muitas vezes sem ser feita a devida distinção, sendo os institutos
tratados como sinônimos, quando na verdade, todos são autônomos, ainda que,
muitas vezes, complementares.
No intuito de possibilitar uma melhor elucidação e
compreensão, far-se-á uma análise simplificada desses institutos jurídicos, visando
demonstrar sua autonomia, e desmistificando os conceitos, que pela própria
legislação civil, muitas vezes, são tratados sem a devida distinção.
POSSE x DETENÇÃO
A posse certamente é um dos institutos jurídicos mais
controvertidos. As maiores discussões encontradas nos manuais que tratam do tema
residem na Natureza Jurídica da Posse e nas Teorias Possessórias, tendo em
Savigny e Ihering, seus maiores expoentes, os quais com suas teorias dão
sustentação à grande parte das controvérsias, sem que se chegue, contudo,
conclusivamente, a uma definição do que seja posse.
Para os subjetivistas, ou seja, aqueles que compartilham da
teoria apresentada por Savigny, a posse encontra-se repousada na presença de
dois elementos necessários: o corpus e o animus.
12
Acaso o indivíduo tenha o mero exercício material sobre a
coisa, sem ter a intenção de tê-la para si, de tornar-se seu senhor, estar-se-ia diante
do caso de detenção. Ele teria apenas o corpus, sem que nenhum desdobramento
jurídico lhe coubesse, por ser este um simples ato, um mero exercício, a posse
natural.
O animus, isolado, desprovido do corpus torna-se inócuo, pois
apenas reside no campo intencional, subjetivo do indivíduo, sem qualquer
possibilidade de reconhecimento legal.
Pela teoria de Savigny para restar caracterizada a posse,
imprescindível ter-se o corpus, o exercer o senhorio sobre a coisa e o animus
domini, a intenção de ter a coisa para si. De uma maneira simples pode-se entender
que para Savigny, no mundo factual, tudo é detenção, só não o sendo quando a
pessoa está provida de corpus e animus domini.
Em sentido diametralmente oposto, encontra-se a teoria de
Ihering, chamada também de objetiva, a qual afirma que, no mundo factual, tudo é
posse, só ocorrendo a detenção quando a lei assim prescrever.
A teoria objetiva não negava a existência do animus, mas este
não necessitava ser comprovado, inclusive, dada a dificuldade de se demonstrar a
intenção que repousa no psiquismo de cada indivíduo (Teoria da Aparência).
Para os objetivistas, o animus está intrinsecamente ligado ao
corpus. No exercício do poder sobre a coisa, desde que seja este ato consciente,
reside também a intenção. A posse e propriedade estão intimamente interligadas,
sendo aquela a exteriorização desta. A propriedade sem a posse se torna vazia, pois
impossível seu exercício.
A Lei Civil adotou a teoria objetiva para conceituar o titular da
posse, como se verifica no artigo 1.196:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
13
Infere-se, portanto, que posse é o exercício regular, pleno ou
não, uma vez que a posse pode ser desdobrada, além de haver também os casos
de composse, dos poderes inerentes à propriedade.
A legislação associa posse a exercício. A despeito de todo o
dissenso doutrinário acerca da conceituação de posse e sua natureza jurídica, de
um modo simplista, poder-se-ia defini-la, a teor do que está na lei civil, como a
relação, o poder físico que alguém exerce sobre a coisa, compactuando-se da teoria
objetiva de Ihering.
Entretanto, é possível verificar que em alguns casos8, o
legislador não se opôs a teoria subjetiva de Savigny, sendo necessário observar o
animus, para caracterizar ou não a posse.
Tais teorias, no entanto, não se prestam a explicar todas as
formas de exercer a posse, não sendo possível enquadrá-la em uma única categoria
jurídica. Pelas teorias supra citadas, poder-se-ia dizer que posse é instituto jurídico
único no seu gênero, uma vez que as normas que a tutelam são a ela direta e
imediatamente dirigidas. Portanto, a posse é um direito subjetivo dotado de estrutura
peculiar9.
Dadas as suas características exclusivas, tarefa ainda mais
difícil é enquadrar a posse em uma única categoria jurídica, pois em um dado
momento pode ser entendida como um Direito Real, ora como um Direito Pessoal.
De acordo com Oliveira10 em seu estudo sobre a natureza
jurídica da posse, inicialmente, pelos manualistas, a discussão cinge-se em ser a
posse fato com efeitos jurídicos, como defendem os seguidores de Savigny, ou se
direito, como pretendem os objetivistas.
8 Para adquirir a propriedade através da usucapião, o legislador engloba a teoria subjetiva, pois
afirma que aquele que por determinado lapso possuir como seu um imóvel adquirirá a propriedade, tutelando juridicamente, deste modo, o animus do sujeito.
9 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 2006. p. 35. 10 OLIVEIRA, Á. B. ; MACIEL, M. L. . Estado da arte das Teorias Possessórias. Revista direitos
fundamentais & democracia (UniBrasil), v. 5, p. 01-14, 2009.
14
No entanto, como não poderia deixar de ser, há controvérsia, e
alguns autores dispõem que a posse não está inserida apenas no campo real e
obrigacional, porém esta tem natureza plúrima.
Aronne11 defende a natureza tríptica da posse, dispondo que a
posse “transita no ordenamento pátrio, tanto em dimensão única e exclusivamente
jurídica, como direito real, no jus possidendi, como em esfera contratual e
obrigacional, no jus possessionis, como ainda enquanto fato, ao tutelar-se a posse
ad usucapionem, que não se estriba em direito subjetivo de posse algum”.
Partindo desta premissa, Oliveira12 também sustenta a
natureza plúrima da posse, contando ela não com três, mas quatro distintas
dimensões, acrescentado algumas diferenças ao conceito apresentado por Aronne,
a saber: a posse como Direito Real, que é manifesta quando o titular de um direito
real, também é possuidor, amparando, outrossim, os desdobramentos dos direitos
reais (posse direta e indireta); a posse como Direito Obrigacional, a qual decorre de
uma relação obrigacional, como o aluguel, arrendamento e o comodato, por
exemplo; a posse enquanto Fato Jurídico, desvinculada de qualquer direito real ou
obrigacional, é a posse natural, provém apenas de um fato; e por fim, a posse como
Direito da Administração, pois precedida de um ato emanado pela Administração,
ato administrativo, como ocorre na ocupação temporária e na requisição
administrativa.
Em conclusão a todo exposto, infere-se que não é possível
chegar-se a uma conceituação única de posse, uma vez que essa transmuda de
acordo com a natureza jurídica que assume.
De um modo geral, a posse pode ser entendida como a
exteriorização dos poderes inerentes ao domínio, o exercício do direito real subjetivo
de usar, gozar e dispor de uma determinada coisa. É fato, que considerado em si
mesmo, gera efeitos jurídicos, portanto, tal exercício goza tanto de proteção legal
contra terceiros, como ocorrem nas ações possessórias, como reconhecimento, que
11 ARONNE, Ricardo. Código civil anotado – direito das coisas – disposições finais e legislação
especial selecionada. São Paulo : IOB Thomson, 2005. p. 27. 12 OLIVEIRA, Á. B. ; MACIEL, M. L. . A Natureza jurídica da posse: um estudo conforme suas quatro
dimensões. Ciência jurídica, v. 141, p. 275-289, 2008.
15
pela passagem do tempo, outorga ao possuidor o direito de adquirir a propriedade,
através da ação de usucapião.
A detenção para ser entendida, necessita de conhecimento
prévio acerca das teorias possessórias. No entanto, não há como se confundir esses
dois institutos.
A detenção, como já brevemente explanado, pode ser
resumida como o exercício da posse em nome de terceiro, a seu mando ou por sua
tolerância, não gozando, desta maneira, o detentor de legitimidade para exigir os
seus efeitos, porquanto não a exerce por si.
Retomando as teorias subjetivas e objetivas sobre a posse,
colaciona-se de Wald13, o seguinte quadro comparativo, o qual demonstra,
claramente, a distinção entre posse e detenção.
Savigny Ihering
Detenção Corpus Corpus – causae
detentionis (causa
excludente da posse)
Posse Corpus + animus Corpus
Verifica-se presente na Lei Civilista a adoção da Teoria
Objetiva, a qual considera que todo exercício dos poderes inerentes ao domínio é
posse, excluindo-se desta categoria aqueles que a exerçam em nome de terceiros14,
como é o caso dos fâmulos da posse, aqueles que exercem a posse por atos de
mera permissão15 ou tolerância16. Estes são enquadrados, portanto, na categoria
detenção.
13 WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 35 14 Dispõe o art. 1.198 do Código Civil: considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de
dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. São servidores da posse, portanto, os caseiros que cuidam do sítio, o gerente em relação aos produtos da loja, o bibliotecário quanto aos livros etc.
15 De acordo com o disposto no artigo 1.208, não induzem posse os atos de mera permissão, como
16
PROPRIEDADE x DOMÍNIO
O primeiro ponto a ser esclarecido é que domínio e
propriedade não são sinônimos, como amplamente difundido pelos manuais que
tratam do assunto, nos quais, facilmente, podem ser encontrados os dois institutos
sendo substituídos um pelo outro como se fossem exatamente o mesmo. Por certo
que os institutos não se encontram em campos distintos do ordenamento jurídico, no
entanto, ainda que complementares, é importante identificá-los como distintos.
Entender propriedade como domínio, de maneira geral, seria
ignorar completamente todo o processo de Constitucionalização pelo qual o Direito
Brasileiro vem passando, na qual a propriedade, muito mais que um direito exclusivo
e ilimitado, deve atender suas funções sociais, sob pena de perda da mesma.
A propriedade já foi entendida pura e simplesmente como o
direito subjetivo do proprietário de usar, gozar, dispor e reaver a coisa, como melhor
lhe aprouvesse. Aqui de fato, domínio e propriedade se confundem, uma vez que
esta era vista apenas como um Direito Real, sem estar ligada intimamente ao campo
Obrigacional.
Apesar da insistência dos manualistas em utilizarem os
institutos como sinônimos, valendo-se de teorias já superadas, passa-se a análise
de algumas distinções elementares, que deixam evidente que domínio e propriedade
são distintos, embora, reafirme-se, complementares.
O domínio é o sustentáculo dos Direitos Reais. As faculdades
de gozar, usar, dispor e reaver a coisa, são inerentes ao domínio. E neste ponto
reside, talvez, a grande controvérsia, afinal as prerrogativas de se usarem estas
faculdades são do proprietário, como prega o Código Civil em seu artigo 1.228.17
permitir que alguém, por um certo período, permaneça acampado no quintal, por exemplo, trata-se de apreensão física provisória.
16 Os atos de tolerância, assim como de mera permissão, como exposto na nota anterior, não induzem a posse. A tolerância tem caráter distinto da permissão, naquela há que se suportar atos, como alguém usar seu terreno para a construção do muro do vizinho, por exemplo.
17 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
17
Ocorre que o próprio ordenamento não se mostra claro, já que
ora trata propriedade e domínio como sinônimos, ora como autônomos, ressalte-se
que esta confusão não é privilegio apenas desses institutos, afinal vários outros são
tratados sem a devida consideração.
Acaso propriedade e domínio se tratassem do mesmo conceito,
qual a necessidade do magistrado reconhecer e declarar, nas ações de Usucapião,
o domínio?! Aliás, seria inócua esta medida, bastando apenas declarar o sujeito
proprietário.
Ademais, é permitido nas ações Reipersecutórias aventar a
Usucapião como matéria de defesa, justamente por causa do domínio. Explica-se
com um exemplo.
Digamos que “a” seja o proprietário de um terreno e “b” o
possuidor que reside há mais de 30 anos no mesmo. Se “a” alienar este terreno para
“c” e “c” resolver intentar Ação Reivindicatória contra “b”, este poderá interpor Ação
de Usucapião como matéria de defesa, justamente, porque ainda que não seja o
proprietário, ou seja, aquele que consta da matrícula do imóvel detinha o domínio,
ou as faculdades de usar, gozar e usufruir do imóvel. Faculdades estas, que o
proprietário já não possuía mais, o que torna inválida a alienação do imóvel.
Por certo que neste caso, se atendidos todos os demais
requisitos necessários, a Usucapião prosperará em detrimento da Reipersecutória,
porque ao proprietário falta o domínio da coisa.
O mesmo ocorre nas promessas irretratáveis de compra e
venda, como colaciona-se de Aronne18 para melhor elucidação do tema:
[...] Quando o promitente vendedor e o promitente comprador firmam promessa irretratável de compra e venda, desde já em face do contrato, adquire o direito real a aquisição, com o destaque do jus disponendi sobre o bem para si, desdobrando o domínio, caso fosse pleno. [...] Na medida em que o promitente comprador, então detentor do domínio, exerce seu direito de usar e gozar da coisa, em âmbito real, e não mais no âmbito pessoal (obrigação negativa de suportar por parte do proprietário), a resolução é que o proprietário
18 ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos
reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
18
não possui mais nenhum direito real no bem, guardando somente titularidade. [...] O exposto demonstra, cabalmente, que o jus utendi, fruendi e disponendi integram o domínio e com ele passam a quem o possui, independemente da propriedade.
Denota-se nos casos supra expostos que ao proprietário resta
apenas a titularidade do bem, faltando-lhe o domínio, ou seja, o gozar, dispor, usar e
reaver o bem, já que não mantém mais a relação com a coisa, por não exercer mais
os poderes que lhe são inerentes.
O domínio é a ingerência diretamente sobre a coisa, a relação
do indivíduo diretamente com ela, por isso Aronne expõe ser o domínio o “centro dos
Direitos Reais”.19
O campo dominial é meramente real, não havendo que se falar
em terceiros ou em obrigações. Domínio é o sujeito conjugado com o gozar, usar,
dispor e reaver o bem e nada mais, está na parte interna, ligada ao poder.
Já a propriedade vai muito além. Por certo que para se
entender a propriedade, mister que se entenda o domínio. Porém, com a roupagem
constitucional que adquiriram os direitos reais, impossível ver a propriedade apenas
como uma relação do sujeito com a coisa, antes disso, a propriedade assume muito
mais uma relação obrigacional.
Entenda-se que o proprietário tem as faculdades de usar,
gozar, dispor e reaver o bem, desde que esteja consolidado seu domínio, repise-se.
Porém, antes de exercer tais prerrogativas que lhe são inerentes, deve atender à
inserção social da propriedade, isto quer dizer, deve atender a prestação
obrigacional que a propriedade lhe impõe.
Traz-se à baila um quadro elaborado por Oliveira20, no qual
resta plenamente demonstrado, que a propriedade tem dois conteúdos: um interno,
que corresponde ao domínio, inserindo-a como direito real por excelência e um
19 ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de
direitos reais. p. 96. 20 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. A função (f(x)) do direito das coisas. Novos estudos jurídicos, v. 11,
p. 117-134, 2006.
19
externo, que se relaciona com as obrigações, que não mais se desvinculam do
conceito de propriedade.
Propriedade é a instrumentalização do domínio. E domínio é o
conteúdo interno da propriedade. Ambos estão intimamente ligados, o que não os
torna sinônimos, antes disso, são institutos complementares, que precisam ser
entendidos como autônomos, especialmente nesta fase de humanização do direito,
em que este não é visto única e exclusivamente pertencente a um indivíduo, mas,
sobretudo para atender aos fins da coletividade.
1.2 A PROPRIEDADE MÓVEL NO CÓDIGO CIVIL
O Livro III do Código Civil trata do Direito das Coisas em
engloba a Posse e os Direitos Reais, de acordo com a disposição legal.
Nas palavras de Santos21, o Direito das Coisas ocupa-se do
“complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes aos bens,
inclusive o Direito Autoral.”
21 SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do
ponto de vista prático. v. 7. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. p. 05.
20
Conceituação não diferente encontra-se em Beviláqua22 para
quem o Direito das Coisas “é o complexo de normas reguladoras das relações
jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.”
Pelos entendimentos supra expostos, verifica-se, ainda que de
modo restrito, que é objeto do Direito das Coisas tudo aquilo que pode sofrer
apropriação pelo homem, sejam elas móveis ou imóveis, ou como ensina Monteiro23:
o direito das coisas, de modo geral, compreende tão-somente bens materiais, isto é, a propriedade e seus desdobramentos. […] O Código Civil brasileiro enquadra, todavia, nesse ramo do direito, os direitos autorais, por considerá-los como propriedade imaterial, embora não desconheça o aspecto moral desse direito, decorrente da própria personalidade do autor, fruto de seu engenho e inteligência.
A posse é um dos institutos que mais apresentam divergências
no ordenamento jurídico, cuja definição única e natureza jurídica, até o momento os
estudiosos, não conseguiram pacificar.24 Apenas cabe no momento destacar que por
não estar listada no artigo 1.225 do Codex, ainda que se trate de Direito das Coisas,
não é a posse um Direito Real25.
Direitos Reais são aqueles de ingerência que faz o homem
sobre a coisa, em abstenção de toda a coletividade, excluindo-se, dessa gama de
direitos os Direitos Pessoais, dadas as características diferenciadas e peculiares de
cada um, ainda que atualmente, a constitucionalização do Direito Civil tenha
permitido que os Direitos Reais orbitem na campo obrigacional26.
22 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil. v. 3. 5. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1938. p.07. 23 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 3. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 8. 24 A natureza jurídica da posse e sua conceituação, dadas as diferentes naturezas que pode assumir,
encontram-se explicitadas no subtítulo 1.1 deste capítulo. 25 Melo apresenta posição divergente ao dispor que se for utilizada interpretação sistemática é
possível encontrar na posse todas as características de um direito real – tem por objeto coisa determinada, tem eficácia erga omnes e seu exercício independe de terceiros-, o que se mostra suficiente para convencer que a posse é um direito real, ainda que o legislador tenha sido omisso, ao não inseri-la no artigo 1.225. MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. v. 5. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 49.
26 Acerca do tema, ver quadro elaborado por Oliveira, disposto no subtítulo 1.1 do presente capítulo.
21
Cabe abrir um breve parêntese para diferenciar os Direitos
Obrigacionais dos Direitos Reais, que nos dizeres de Monteiro27:
trata-se de distinção relativamente moderna, tanto que não chegou a ser idealizada ou desenvolvida pelo direito romano. Isso aconteceu, não porque os romanos não sentissem a perceptível diferença entre as duas modalidades de relações jurídicas. Muito ao revés, já entre eles as ações de direito privado subdividiam-se em dois grandes grupos: actio in rem e actio in personam, tutelando as primeiras os direitos reais e as segundas os direitos pessoais.
Mas em verdade, os romanos jamais chegaram a arquitetar uma teoria sobre direitos reais, tanto que as expressões jus in rem e jus ad rem, empregadas para distinguir os direitos reais dos pessoais, são de certo modo recentes, tendo surgido, pela vez primeira, no direito canônico, precisamente no século XII, a fim de exprimirem direitos patrimoniais de natureza diversa. […]
Bittar28 em posição não dissonante sustenta que as relações
patrimoniais podem ter caráter obrigacional, acaso sejam realizadas entre pessoas
determinadas visando à consecução de algum interesse jurídico, ou ter caráter real,
sendo que nesta o titular do direito o exerce diretamente sobre a coisa, havendo o
dever de não ingerência de terceiros.
Os Direitos Pessoais, ou Obrigacionais como também são
chamados, diferem dos Reais em diversos aspectos, mas o principal deles é quanto
a pessoa, uma vez que aqueles se referem a pessoas determinadas e estes a toda a
coletividade, que tem o dever de abstenção.
Os Direitos Pessoais emergem, de um modo geral, de um
ajuste de vontade entre as partes, podendo, por vezes, advir da lei, caso em que se
impõem sempre à pessoa. Eles apenas vinculam os envolvidos no negócio jurídico,
com poucos reflexos a terceiros. São classificados como bipolares, por terem
sempre partes determinadas no polo ativo e passivo; dependendo sempre sua
concretização da prestação negativa ou positiva da outra parte, daí porque são
chamados de relativos29.
27 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 8. 28 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 01. 29 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 04/05.
22
Ainda os Direitos Obrigacionais, dada a vasta quantidade de
relações a que uma pessoa pode obrigar-se com outra, não obedece a rigorosos
ditames da lei, que apenas lhes dá a nuance de como se deve proceder,
extinguindo-se tão logo esteja cumprida a vontade pactuada30.
Os Direitos Reais assumem outras formas, bastante diferentes
das apresentadas pelos Direitos Pessoais – e expostas em síntese acima. Trazem-
se à baila disposições acerca das características daqueles, como exposto por
Melo31:
eficácia erga omnes. Os direitos reais produzem efeitos diretos em face de todas as pessoas, sendo, portanto, oponíveis a terceiros que não guardam qualquer relação com o titular ou com relação ao bem alheio. […] Aderência. Os direitos reais submetem a coisa ao titular, caminhando e aderindo a ele, independentemente da observância de uma conduta de alguém. […] Ambulatoriedade. Vimos que os direitos reais aderem ao titular e, por tal motivo, caminham com ele até a extinção que se verificará com a destruição do próprio bem, ressalvada a hipótese de sub-rogação real. […] Sequela. O conhecido atributo do ius persequendi significa que ao titular do direito real é concedido o direito de perseguir a coisa no local em que ela se encontrar e com quem estiver. Qualquer um que sem autorização estiver com o bem será considerado usurpador e municiará da sequela de ação para recuperá-lo. Taxatividade. Na tradição do direito brasileiro, o rol de direitos reais é taxativo, isto é, a sua existência depende de reserva legal (numerus clausus). O rol de direitos reais se encontra previsto no artigo 1.228 do Código Civil. [...] Perpetuidade. […] os direitos reais tendem a ser perpétuos. […] Preferência. Trata-se de característica exclusiva dos direitos reais de garantia […] penhor, anticrese e hipoteca […].
Ainda que apresentem características peculiares, o que por
certo os torna bastante distintos, existem situações jurídicas que transitem tanto na
esfera dos Direitos Pessoais, quanto na dos Direitos Reais, como ocorre nas
denominadas obrigações propter rem32, ônus reais33 e obrigações com eficácia
real34.
30 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 06. 31 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 02/04. 32 As obrigações propter rem, também chamadas de obrigações reais, são relacionadas diretamente
com a coisa, a res, ligada sempre a um direito real. Nas palavras de Venosa, “a obrigação real é particularização do princípio erga omnes do direito real: determinada pessoa, em face de certo direito real, está “obrigada”, juridicamente falando, mas essa obrigação materializa-se e mostra-se diferente da obrigação erga omnes do direito real, porque diz respeito a um único sujeito, apresentando todos os característicos de obrigação.” VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:
23
Pelo exposto, é possível inferir que o Direito das Coisas tutela
as relações do homem sobre a coisa, cabendo a coletividade abster-se de atos que
prejudiquem o exercício inerente ao titular de um Direito Real.
Dadas as suas várias características, podem os Direitos Reais
ser classificados de diferentes formas35, porém a que melhor atende aos objetivos
do presente estudo é aquela que os classifica quanto ao seu objeto, que os distribui
em direitos mobiliários e imobiliários, como se colhe de Bittar36:
de início, quanto ao objeto, podem os direitos reais dividir-se em sobre coisas corpóreas e incorpóreas (compreendidos os direitos, inclusive reais). Comportam, ademais, nesse nível, a distribuição em direitos imobiliários e mobiliários, consoante incidam sobre coisas imóveis ou móveis, diferenciando-se, em ambos, os respectivos regimes jurídicos, em que avulta a problemática registrária.
A classificação quanto à natureza também é de importante
compreensão, uma vez que divide os Direitos Reais em sobre bens próprios e sobre
bens alheios, sendo a propriedade o mais amplo dos Direitos Reais encartados na
primeira divisão.
A propriedade “é o cerne dos Direitos Reais, é o Direito Real
por excelência” 37, uma vez que em seu conteúdo interno estão agrupados todos os
poderes inerentes ao domínio – usar38, gozar39, dispor40, reaver41.
direitos reais. v. 5. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 29/30.
33 Os ônus reais são gravames que recaem sobre uma coisa, restringindo o direito do titular do direito real. A responsabilidade, neste caso, é limitada ao bem onerado. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 31/32.
34 As obrigações com eficácia real são aquelas em que as relações contratuais, que devido a sua importância, podem ser registradas em cartório imobiliário, adquirindo eficácia que transcendem o vínculo obrigacional. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 31/32.
35 Bittar ainda classifica os direitos reais com relação ao seu conteúdo, podendo ser plenos, como a propriedade, ou limitados; quanto ao seu alcance podem ser de gozo, disposição e garantia; há a classificação em perpétuos e temporários; absolutos e limitados e exclusivos e em comunhão. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 20.
36 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 19. 37 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. A função (f(x)) do Direito das Coisas. p. 117-134. 38 “O direito de usar, [...] consiste na faculdade de se servir da coisa, empregando-a em um uso que
se possa reproduzir, o que pressupõe idéia de que o uso não deve mudar a substância da coisa, embora esta se empregue nos diversos misteres a que se presta.” SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático. p. 277.
24
Essas prerrogativas do proprietário – de usar gozar, dispor e
reaver a coisa – é que definem a propriedade como o “poder de senhoria que uma
pessoa exerce sobre uma coisa, dela excluindo qualquer ingerência de terceiros [...]” 42.
O direito de propriedade pode ser compreendido a partir das
características que lhe são próprias: é um direito subjetivo, absoluto, exclusivo,
elástico, perpétuo, complexo e ilimitado, pelo qual uma pessoa submete uma coisa a
sua vontade.
Melo43 expõe ser a propriedade um direito subjetivo, por conter
uma situação jurídica em que a coletividade tem um dever de não intromissão,
cabendo ao titular ação própria para a defesa de seu direito.
É absoluta dada a sua oponibilidade erga omnes, podendo ser
tomada a propriedade como o mais extenso e completo dos Direitos Reais, daí
porque alguns autores44, 45 a definem como a parte nuclear dos Direitos Reais46.
39 “O direito de gozar é o direito de perceber todos os frutos ou qualquer utilidade da coisa, quer a
cultivando, quer fazendo a coisa frutificar por qualquer outro modo, inclusive o de gozar do valor respectivo como elemento de crédito.” SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático. p. 277/278.
40 “Consiste o direito de dispor em fazer da coisa um uso definitivo, que não mais se poderá reproduzir, ao menos para a mesma pessoa, a saber: transformá-la, consumi-la, destruí-la, transmiti-la a um outro, abandoná-la, constituir nela servidões ou qualquer outro direito. Êsse direito é um atributo essencial da propriedade, que serve de traço distintivo entre ela e os demais direitos reais.” SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático. p. 278.
41 “O direito de reivindicar é um corolário lógico dos outros direitos que são assegurados ao proprietário. De fato, do direito de gozar e de dispor exclusivamente da coisa decorre particular e naturalmente êste outro direito do proprietário: reivindicá-la do poder de quem quer que seja, a fim de que possam aquêles outros direitos se tornarem realidade. Compreende-se, portanto, a razão pela qual o nosso Código inclui a reivindicação entre os elementos constitutivos do direito de propriedade.” SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático. p. 279.
42 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 53. 43 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 53. 44 Neste sentido entendem Bittar (BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 67) e Monteiro
(MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p.83). 45 Como exposto no subtítulo 1.1 do presente capítulo, Arone defende que o domínio, e não a
propriedade, é o centro dos Direitos Reais, pois a ele estão diretamente relacionados às prerrogativas de uso, gozo, disposição e reivindicação.
46 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 67.
25
A exclusividade garante ao proprietário poder privativo. A coisa
não pode pertencer simultaneamente a duas pessoas47, cabendo ao proprietário,
caso isso ocorra, excluir a ação de terceiro48.
Elasticidade se demonstra como característica própria dos
Direitos Reais sobre coisas alheias, na qual o proprietário pode conceder ou contrair
os poderes dominiais49.
O não-uso da propriedade não faz extinguir o direito do titular.
A propriedade adere a este até que ocorra causa extintiva, voluntária ou legal. Esta
é razão pela qual a propriedade é dita perpétua, valendo dizer que é transmissível
aos herdeiros50.
A complexidade é vislumbrada na gama de poderes que é
garantido ao titular51.
E, por fim, a propriedade é dita ilimitada “porque se não lhe
antepõem óbices à respectiva extensão ou ao seu exercício” 52.
No entanto, esta característica não é absoluta. No atual53
estado de direito, há uma subsunção do direito particular face aos interesses
47 Neste particular é possível vislumbrar claramente a diferença entre domínio e propriedade,
abordado no subtítulo 1.1. A exclusividade é característica própria do domínio e não da propriedade, senão impossível explicar os casos de condomínio em coisa indivisa. Como leciona Arone, o domínio é uno e indivisível, existindo apenas um usar, gozar e dispor do bem. O que pode ser fracionada é a titularidade e a propriedade. Assim dispõe o autor: “se duas pessoas têm a propriedade do bem, cada uma tem a propriedade. Pelo ângulo dominial, quando duas pessoas detêm o domínio de um bem, ambas o têm. Quando uma parcela da propriedade é alienada (por exemplo, uma quota de vinte por cento) o adquirente não possui o direito de propriedade como um todo, porém, nenhum outro co-proprietário pode concorrer em sua parcela. ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais. p. 70/86. Partindo desta premissa, conclui-se que o domínio, e não a propriedade, é exclusivo.
48 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p.84; SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático. p. 270.
49 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 53. 50 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p. 67. 51 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 53/54. 52 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos Reais. p. 67. 53 Lacerda em sua dissertação de mestrado percorre o caminho histórico para explicar o atual caráter
constitucional que assumiu a propriedade privada. Remonta ao contexto histórico da propriedade coletiva, romana, feudal, moderna e culmina no Estado atual. De suas explanações, em um resumo muito breve, constata-se que se em principio, tomando-se como marco a Revolução Francesa, a propriedade era um direito absoluto, quase inatingível como proclamado na
26
públicos, que acabam por limitar os direitos de propriedade como bem assevera
Bittar54:
o direito de propriedade apresenta-se entrecortado por diferentes limitações, impostas pelos fatores já definidos, e que se constituem em balizas institucionais ao respectivo exercício, a par das de caráter natural, inerentes à própria natureza do objeto. [...] Dentro da tônica do sacrifício do interesse individual em prol do geral e em consonância com os contornos traçados no ordenamento jurídico, as limitações representam a harmonização do uso privado com os direitos da coletividade, que se perfaz através de diplomas restritivos do respectivo alcance. Vale dizer: sofre o exercício do direito o influxo de normas protetivas de interesses coletivos.
Ante a disposição constitucional contida no artigo 5º, inciso
XXIII que assevera que a propriedade atenderá a sua função social, amplamente se
fala acerca do tema, com vários doutrinadores discorrendo acerca da necessidade
de que a propriedade atenda a função social.
Entretanto, Oliveira defende a tese de que o proprietário não
tem o dever de dar destinação social à propriedade, mas tem obrigação de inseri-la
socialmente para atender aos ditames da sociedade, na qual se privilegia o coletivo
e não o individual.
Neste contexto, além do dever de inserção social, o direito de
propriedade ainda sofre limitações e restrições, como ensina o autor55:
a constitucionalização do direito privado traz a seguinte trilogia à propriedade, a saber: a Inserção Social; as limitações e; as Restrições. A Inserção Social da Propriedade é proporcional ao Direito Subjetivo do Proprietário, e esta proporcionalidade é gradual à medida que o proprietário insere mais ou menos seu bem no contexto social. É como se a sociedade fosse uma série de engrenagens dentadas: Econômica; Civil, Pública; Saúde; Segurança; Liberdade, entre outras, das quais a propriedade deve estar inserida, como se cada propriedade participasse socialmente sendo uma endentação de cada uma das engrenagens. [...] a
Declaração dos Direitos do Homem de 1789. A partir do século XIX, nas lutas socialistas de Engels e Marx e no movimento social de Deguit, passa a se ter a visão que além de direito subjetivo de caráter individual, o direito de propriedade é entendido como função social. LACERDA, Emanuela Cristina Andrade. A superação democrática do estado constitucional moderno e os novos aportes teóricos da propriedade. 2009. 143 f. Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2009.
54 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado: direito das coisas. p. 68. 55 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Uma definição de propriedade. Pensar (UNIFOR), v.13, p.10, 2008.
27
Inserção Social da Propriedade é uma prestação positiva à sociedade. Nos Limites estão inseridas as normas em que a palavra “não” está normalmente explicita ou implicitamente presente, advinda de um ente público ou privado, como é o caso do Plano Diretor, Direito de Vizinhança ou das regras de um Condomínio Edilício (convenção e regimento interno).
As Restrições à propriedade privada também podem ser dadas, tanto por um particular, quanto por um ente público ou pelo próprio proprietário, são normas, também, negativas que fazem com que o particular seja privado de sua propriedade em parte ou no todo. Como exemplo de restrições à propriedade tem-se: aquelas dadas por um particular (artigos 1.258 e 1.259 do Código Civil); pelo próprio proprietário (servidão ambiental) e; por um ente público (as desapropriações).
Frente a isto, verifica-se que a característica de ser a
propriedade ilimitada, deve ser entendida restritivamente, uma vez que além de um
conteúdo interno, relacionado ao domínio, o que por certo traz em seu bojo essa
“ilimitação”, apresenta também conteúdo externo bastante arraigado, na qual há
dever de inserção social e respeito aos limites e restrições impostas56.
O discorrido até o momento é de aplicação a todo tipo de
propriedade, no entanto, por certo que tais características são mais facilmente
vislumbradas à luz da propriedade imóvel.
Ainda que esta seja de vital importância aos Direitos Reais, a
partir deste ponto discorrer-se-á apenas acerca da propriedade móvel, a qual
interessa diretamente ao enfoque do presente estudo.
Como dito alhures, a propriedade móvel atende a tudo que foi
explanado genericamente acerca da propriedade, e em seu conteúdo interno estão
as faculdades de uso, gozo, disposição e reivindicação. Por certo que também se
aplica a ela a obrigação de inserção social, restrições e limitações. Para melhor
vislumbrar tal assertiva, colaciona-se um exemplo de Oliveira57:
se pegarmos como exemplo um bem móvel, como um automóvel, verifica-se que estão presentes para o proprietário todas as faculdades, bem como os automóveis devem estar Inseridos socialmente, possuem restrições e limitações. Se se dirige
56 Exposição acerca do tema encontra-se no subtítulo 1.1. 57 OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Uma definição de propriedade. Pensar (UNIFOR), v.13, p.10, 2008.
28
prudentemente, se paga os impostos devidos, se mantemos os pneus com borracha suficiente que não traga perigo, se mantemos a mecânica sempre em dia, podemos afirmar que este automóvel está inserido socialmente. Por outro lado se compramos um automóvel potente e não podemos usar o seu motor na íntegra, não podemos usar o som num volume alto, não podemos usar um engate no carro senão em conformidade com a lei, não poder rebaixar, estes são limites a sua propriedade. As restrições seriam basicamente as mesmas dadas à propriedade imóvel.
A propriedade móvel, além de atender aos ditames gerais
referentes ao direito de propriedade, se sujeita a regime jurídico próprio que vem
estatuído no Código Civil nos artigos 1.260 a 1.274, e como bem assevera Bittar58,
dado o caráter dinâmico dos bens móveis, “recebem regulamentação mais aberta,
operando-se, de regra, a respectiva negociação pela simples entrega do bem”.
Necessário, para que se saiba sobre que tipos de bens que
incidem a propriedade móvel, que se conheça acerca dos bens móveis, os quais no
direito pátrio são aqueles descritos nos artigos 8259 a 8460 da Lei Civil.
De Miranda61 colaciona-se uma breve explicação acerca dos
bens móveis:
no direito brasileiro, bens móveis, objeto do direito das coisas, não são só os objetos corpóreos. [...] são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia; [...] os direitos reais sobre bens móveis e as ações correspondentes, os direitos de obrigação e as ações respectivas e o direito de autor. [...] o direito das coisas mobiliário só abrange as coisas móveis (em sentido estrito), os direitos do autor, a propriedade industrial e a energia elétrica ou outra qualquer que tenha valor econômico, espécie que se subsume na primeira.
Nessa esteira, continua o mestre62 acerca dos frutos naturais:
58 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos reais. p.73. 59 Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia,
sem alteração da sustância ou da destinação econômico-social. Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I- as energias que tenham valor econômico; II- os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III- os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
60 Art. 84. Os materiais destinados a uma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.
61 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. v. 15. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 42.
29
os frutos naturais são coisas, se separados. Os frutos civis quando se consideram como objeto de direito a eles, ou de pretensão a exigi-los, ou de ação para cobrá-los, são objeto de dívida, pretensão ou ação; mas, prestados ou arrestados, ou seqüestrados, ou de outro modo constritos são coisas. O dinheiro que paguei, é coisa, bem móvel regido pelo direito das coisas, coisa fungível.
O objeto da propriedade móvel – bens móveis como acima
descritos- pode ser adquirido de forma original63 ou derivada64, sendo parte da
primeira categoria a ocupação, “que é a apropriação das coisas nullius ou
abandonadas por seus donos (derrelictas)” 65 e suas modalidades (caça, pesca,
invenção e achado do tesouro) e a usucapião; e a tradição, especificação e
confusão, comistão e adjunção são enquadradas na segunda categoria.
A tradição, que é forma derivada de adquirir a propriedade,
uma vez que há relação jurídica com o proprietário anterior, será abordada no
capítulo subsequente, pois é a ela que converge o foco de estudo.
1.3 A TRADIÇÃO COMO FORMA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL
A tradição é forma derivada de adquirir a propriedade móvel,
uma vez que há ato volitivo entre o transmitente e o novo proprietário, como
estatuído no artigo 1.226 do Código Civil:
Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.
Miranda66 assim explica a aquisição da propriedade móvel pela
tradição:
adquire-se, derivadamente, a propriedade mobiliária pela tradição e por sucessão universal, especialmente herança ou legado. Tradição
62 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. p. 43. 63 “Dizemos que a aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de qualquer relação
com titular anterior. Nela não existe relação jurídica de transmissão. Inexiste ou não há relevância jurídica na figura do antecessor”. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 173.
64 “Ocorre aquisição derivada quando há relação jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro.” VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 174.
65 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. p. 63. 66 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. p. 299.
30
ou é a entrega da coisa (no direito romano clássico, no contemporâneo, entrega-tomada) ou por ela se entende o complexo do negócio jurídico mais o ato-real (ato-fato jurídico), que tem a eficácia de transmissão, ou mais o ato jurídico stricto senso que a tenha.
Exposição não divergente encontra-se em Monteiro67 para
quem:
a tradição é a entrega da coisa ao adquirente, o ato pelo qual se transfere a outrem o domínio de uma coisa, em virtude de título translativo da propriedade. Dois, portanto, os requisitos para que ela exista: a) – acordo das partes, no sentido de transferir a propriedade; b) – execução desse acordo mediante entrega da coisa.
Denota-se pelo exposto, que na tradição há duas partes
compositivas do ato: o acordo de vontades68 entre as partes de transmissão do bem
e a entrega efetiva da coisa ao adquirente.
O simples acordo, que se consubstancia pelo contrato, não
tem o condão de transferir a propriedade, como, aliás, dispõe o artigo 1.226, já
citado. É necessária a entrega efetiva da coisa para que o direito obrigacional se
transforme em direito real.
Acaso na conclusão do negócio não ocorra entrega da coisa, o
sujeito tem apenas ação pessoal para obrigar o devedor a cumprir sua parte no
acordo. Não pode reivindicá-la, porquanto ainda não possui o direito de seqüela,
inerente à propriedade, já que esta ainda não lhe foi transmitida.
Como bem assinala Venosa69, no ato translativo da
propriedade móvel há que ser observada a intenção dos sujeitos, porquanto a
tradição pode transmitir a propriedade, ou repassar unicamente a posse ou
detenção. Imperioso que o transmitente tenha a intenção de destacar o bem de seu
patrimônio e entregá-lo; e o accipiens tenha a vontade de receber.
67 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p.191. 68 Pereira leciona que este acordo de vontades não precisa ser efetivado em sentido técnico, ou seja,
não há a obrigatoriedade da formalização de um contrato, bastando a intenção do tradens e accipiens ao mesmo fim. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 4. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 47.
69 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 231.
31
Sendo necessário vislumbrar a vontade estatuída entre as
partes para saber se o negócio será de posterior constituição da propriedade, ou
mero ato de posse ou detenção, elaborou-se um quadro, com os contratos em
espécie dispostos na Lei Civil, para melhor elucidar a questão.
Espécie de Contrato Posse Detenção Domínio Propriedade Compra e Venda Depende do
contratado Depende do Contratado
Não Não
Retrovenda Sim Depende do Contratado
Sim Sim (Proprietário Diferido)
Venda a Contento/ Sujeita a Prova
Sim Depende do Contratado
Não
Não
Venda c/ Reserva de Domínio
Sim Depende do Contratado
Não Não
Troca/Permuta Depende do contratado
Depende do Contratado
Igual Propriedade
Não
Promessa de COMPRA E venda art. 1.225, VII, 1.417 E 1418
Depende do contratado
Depende do Contratado
Sim (com registro)
Não
Promessa de COMPRA E venda - OBRIG
Depende do contratado
Depende do contratado
Não Não
Contrato Estimatório Sim (desdobre) Depende do Contratado
Não Não
Doação Depende do Contratado
Depende do Contratado
Sim Não
Locação Sim (desdobre) Depende do Contratado
Não Não
Comodato Sim (desdobre) Depende do Contratado
Não Não
Mútuo Sim (desdobre) Depende do Contratado
Sim (art.587) Não
Depósito Voluntário Não Sim (ver art. 640)
Não Não
Depósito Necessário Não Sim Não Não
Comissão Sim Depende do Contratado
Sim Sim
Transporte – Coisas Não Sim Não Não
Constituição de Renda
Sim Sim Sim Sim
32
Importante frisar que a propriedade não é transmitida, pelo
simples contrato, como acontece com os franceses70. No direito brasileiro, há
conjugação do ato bilateral, mais a entrega efetiva da coisa.
Esta “entrega efetiva da coisa” pode ocorrer de modos diversos
– de forma real real, simbólica ou ficta- dependendo do que foi contratado ou no
poder de quem a coisa se encontre, mas não encontra maiores divergências na
doutrina71 em seus conceitos.
A tradição real é aquela em que ocorre a entrega material da
coisa. O alienante transmite a coisa ao adquirente ou a terceiro que este designe.
A simbólica ocorre nos casos em que o transmitente entrega ao
accipiens algo que represente a coisa a ser transmitida. Exemplo clássico é a
entrega das chaves do carro, sem que este seja no ato efetivamente entregue ao
adquirente.
Por fim, pode ser ficta quando o alienante se mantém na posse
do móvel, porém ocorre alteração da intenção. De proprietário, ele passa a
possuidor da coisa, a outro título. É o chamado constituto possessório ou cláusula
constituti.
No direito romano conhecia-se a traditio longa manu e a traditio
brevi manu, cujas terminologias caíram em desuso no sistema atual. A primeira
consistia na exibição da coisa e na disposição dela ao adquirente72. Já a segunda
se verifica quando o adquirente detém a posse direta e passa a ser proprietário.
Neste caso, não há necessidade de entregar a coisa ao alienante para que este a
repasse ao adquirente para ser efetivada a tradição, ocorre apenas a mudança de
título73.
70 Explica Miranda que no sistema jurídico francês não é necessária a entrega ou tradere. O acordo
entabulado entre as partes, per si, tem eficácia real. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. p. 299/304.
71 Miranda, Monteiro, Bittar e Venosa, todos já citados, dispõem do mesmo modo acerca das modalidades de tradição.
72 Monteiro leciona que a traditio longa manu corresponde à atual tradição real. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p.192.
73 Venosa coloca que a traditio breve manu também é modo de tradição ficta, já que não ocorre um
33
Casos existem em que há dispensa da tradição. É o que ocorre
no matrimônio realizado sob o regime da comunhão universal de bens, no qual a
transferência prescinde do tradens, já que a solenidade inerente ao ato tem o
condão de transmitir a propriedade. A transferência das ações nominativas de
sociedades anônimas ocorre mediante termo lavrado no livro de “Transferência de
Ações Nominativas” (artigo 31, §1º da Lei nº 6.404/76). Na compra e venda de títulos
da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios, a celebração do contrato
transfere imediatamente ao comprador a propriedade do título (Decreto-lei nº
3.545/41)74.
A alienação fiduciária em garantia, instrumento utilizado para o
financiamento de bens, também se dá sem a tradição real. Neste caso a propriedade
é transferida ao credor, independentemente da tradição, uma vez que o devedor
mantém a posse direta e é o depositário da coisa75.
O Código Civil, como o faz em todos os seus institutos, premia
a boa-fé também na tradição, como se encontra no artigo 1.268:
Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.
§ 1º Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
Acaso o alienante não seja o proprietário e a coisa seja
oferecida ao público em praça, leilão ou estabelecimento comercial, tudo indicando
que o alienante é o proprietário, esse negócio transmite a propriedade, tornado-se
titular o terceiro de boa-fé. Ao proprietário resta buscar a reparação do dano pelo
alienante de má-fé. Acerca do exposto, ensina Venosa76:
tradere efetivo, uma vez que a coisa a ser transmitida já se encontra em poder do adquirente. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 231.
74 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. p.193. 75 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 4. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.
257. 76 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 233.
34
trata-se de mais uma hipótese na qual o Direito homenageia a aparência protegendo a boa-fé. A regra geral, como vimos, já consagrada no ordenamento anterior, é a de que a alienação feita por quem não seja dono não tem o condão de alienar a propriedade. As exceções são cobertas pelo Código de Defesa do Consumidor. Coloca-se na situação de consumidor quem adquire bens em leilão ou estabelecimento comercial, dentro do conceito amplo estabelecido de consumidor e fornecedor, segundo os arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. Nessas situações, a responsabilidade é objetiva do fornecedor de produtos e a alienação é eficaz, como regra geral. De qualquer forma, o novo Código protege as situações de aparência em geral, quando há boa-fé do adquirente e quando o alienante apresenta-se em tudo e por tudo como dono.
No entanto, o negócio nulo, como elencado no §2º do
dispositivo legal mencionado há pouco, não transfere a propriedade, porquanto,
como é cediço, a nulidade não produz efeitos jurídicos. Tal ênfase se mostra
necessária na tradição, porquanto a transferência da propriedade móvel é causal. Se
nulo o negócio jurídico que dará origem a transmissão, nula será a tradição77.
Ainda que resida na propriedade imóvel a “vitalidade da
economia privada e a soberania dos povos” 78, a propriedade móvel dado o grande
volume de negociações que a envolvem e desdobramentos jurídicos que ocasionam,
há de ser melhor compreendida e estudada. Dada a sua dinâmica, de mais fácil
aquisição e transferência, mostra-se de suma importância na satisfação dos direitos
do credor, como se verá a seguir.
77 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 233. 78 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 213.
35
Capítulo 2
DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
2.1 AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
O homem sempre viveu em grupos, ainda que nos primórdios,
isso não tenha ocorrido de forma organizada. Em razão da convivência, sempre
existiram atritos, que perturbavam a ordem e organização social.
Esses atritos sociais davam ensejo, e assim o é até hoje, a um
“conflito intersubjetivo derivado de uma pretensão insatisfeita” 79, ou seja, originavam
a lide. Durante o evoluir da história, muitas foram as formas de tentar a pcificação
social.
Nas fases mais primitivas da civilização, prevalecia a vingança
privada, sendo prática muito comum a autotutela, em que imperava a lei do mais
forte, o que na maioria das vezes não representava que a justiça tivesse sido feita.
Nesse mesmo período, existiu também a autocomposição, na qual uma das partes,
ou ambas, abriam mão de seu interesse em conflito ou de parte dele80.
Com o passar do tempo, as pessoas começaram a perceber
que esta solução não satisfazia suas pretensões a contento e passou-se a utilização
de árbitros, que eram pessoas de confiança de determinado grupo, para a solução
do conflito81.
À medida que o Estado vai se fortalecendo, inclusive pelo
desenvolvimento de leis, assume para si esta função de pacificação social, impondo
a sua solução para os conflitos de interesses. Esta atividade de pacificação social
79 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed. Atual. Ovídio Rocha Barros
Sandoval. São Paulo: Millenium, 2003. p. 8. 80 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 25/27. 81 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. p. 28.
36
desempenhada pelo Estado, para dizer o direito aplicável ao caso concreto, chama-
se jurisdição, que é exercida por meio do processo82.
E para que a jurisdição seja exercida, ou seja, para que o
Estado-juiz aprecie o caso que lhe é colocado e aplique a lei, visando restabelecer a
paz social, perturbada pela instauração da lide, é necessário que o indivíduo
provoque este Estado.
Este ato de provocar o Estado, já que este é inerte83 e sozinho
não vai ao encontro da lide, esta invocação para que a tutela jurisdicional seja
exercida, se denomina ação.
Nas palavras de Grinover84, “ação, portanto, é o direito ao
exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). Mediante o
exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através
daquele complexo de atos que é o processo”.
Pensamento não divergente pode ser encontrado em
Marques85, para quem “a ação pode ser definida como o direito de pedir a tutela
jurisdicional para que o Estado satisfaça a uma pretensão regularmente deduzida”.
A partir dos conceitos expostos sobre o que é a ação, pode-se
extrair uma de suas características, qual seja, seu caráter publicista, já que é ao
Estado, representado pela figura do juiz, que a pretensão é deduzida, cabendo a
este dizer o direito a ser aplicado ao caso concreto.
No decorrer da história, como em todos os institutos jurídicos,
várias foram as teorias aventadas para explicar a natureza jurídica da ação86, todas
elas vinculando o direito de ação ao direito material a ser aplicado ao caso.
82 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. p. 29. 83 Assim encontra-se no artigo 2º do Código de Processo Civil: Nenhum juiz prestará a tutela
jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais. Esta disposição diz respeito ao princípio da inércia, ou seja, o Poder Judiciário não desempenhará sua função jurisdicional, a menos que seja provocado.
84 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. p. 265.
85 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 228
37
No entanto tais teorias se mostram superadas, porquanto,
ainda que o pedido aventado pelo autor lhe seja negado, o direito de ação foi
exercido, o que demonstra que ele não possuía o direito material que imaginara,
mas lhe foi possibilitado o direito de requerer em Juízo uma solução para seu caso,
sendo-lhe favorável ou não.
Tal direito de requerer em Juízo, independente do resultado da
demanda, sempre que uma parte se sentir lesada em seu direito, vem estampada no
artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, o que demonstra a natureza
constitucional da ação, como bem explana Grinover87:
sendo um direito (ou poder) de natureza pública, que tem por conteúdo o exercício da jurisdição (existindo, portanto, antes do processo), a ação tem inegável natureza constitucional (Const., art. 5º, inc. XXXV). A garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes não somente a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar as suas razões, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz – tudo através daquilo que se denomina tradicionalmente devido processo legal (art. 5º, inc. LIV).
Em suma, pode-se concluir que a ação é um direito subjetivo
processual da parte de provocar o Estado para que este exerça sua função
jurisdicional, para que faça valer ou não, a sua pretensão.
86 De acordo com as explanações de Alvim e Grinover, a primeira teoria acerca da natureza jurídica
da ação é a civilista ou imanentista, que para seus adeptos significa que o direito de ação estava intimamente ligado ao direito material, somente aquele que tinha direito podia ajuizar uma ação. Tal teoria prescindia de ações julgadas procedentes e não explicava as ações meramente declaratórias, na qual a outra parte não estava sujeita ao direito do outro. Wach, na Alemanha, desenvolveu a teoria da ação como um direito concreto. Para ele a ação possuía uma certa autonomia do direito material, o que explicava a existência das ações declaratórias. No entanto, o direito de ação só era observado na sentença e se esta fosse julgada procedente, o que demonstra que não era considerada totalmente autônoma. Pensamento semelhante comungava Chiovenda, para quem a ação era um direito potestativo, dirigido contra o adversário, visando à aplicação concreta da vontade da lei, o que demonstra sua vinculação com o direito material. Nesta teoria também se observa a necessidade de uma sentença favorável para se verificar se a parte tinha ou não o direito de ação. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo/ ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: parte geral. 1. v. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005.
87 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. p. 271.
38
De acordo com o provimento buscado pela parte, na
propositura de uma ação judicial, é que esta é classificada88.
A doutrina clássica89 classifica as ações em ação de
conhecimento, esta subdividida em declaratória, constitutiva e condenatória, ação
executória e ação cautelar.
A ação de conhecimento é aquela em que se a busca a tutela
jurisdicional para que seja declarado o direito de umas das partes em litígio, sendo,
neste caso, admitido, uma ampla dilação probatória e a prática de diversos atos
processuais na persecução do direito.
Acaso, além de declarar este direito pretendido por uma das
partes, a sentença também imponha ao vencido uma obrigação passível de
execução forçada, estar-se-á diante de uma ação de conhecimento condenatória.
No entanto, se a sentença apenas declarar o direito, sem
obrigar a outra parte a nenhuma prestação, a ação será chamada de declaratória.
Este tipo de ação encontra amparo no artigo 4º do Código de
Processo Civil, como se verifica a seguir:
Art. 4º- O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da inexistência ou inexistência de relação jurídica;
II – da autenticidade ou falsidade de documento. 88 Marques aponta que além da classificação em razão da natureza processual invocada, podem as
ações ser classificadas segundo o procedimento, sendo estas divididas em ações comuns e especiais e segundo a pretensão ajuizada, podendo ser estas pessoais ou reais; reipersecutórias, mistas ou penais; mobiliárias e imobiliárias; ações petitórias e possessórias. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 248.
89 Há uma tendência, explicada por Grinover, em, além da tripartição tradicional, considerar mais dois tipos de ação: a mandamental, em que se busca uma ordem judicial (mandado) dirigido a outro órgão do Estado ou a particulares; e executiva lato sensu, na qual é buscada uma sentença condenatória de mérito, que vale como título executivo, sem a necessidade de ser ajuizada nova ação para executar o título. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. p. 320/321. Wambier expõe conceitos muito similares acerca da ação mandamental e executiva lato sensu, no entanto, entende que estas duas ações fazem parte da subdivisão da ação cognitiva. Assim, ao lado da ação de conhecimento declaratória, condenatória e constitutiva, ter-se-iam as ações mandamentais e executivas lato sensu. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v.1. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 149.
39
E se a ação buscar constituir, modificar ou extinguir uma
relação jurídica, ter-se-á uma ação de conhecimento constitutiva.
A ação de execução visa à satisfação de uma obrigação
previamente materializada através do título executivo, tendo como característica
retirar do devedor tantos bens quantos forem necessários para dar azo ao
adimplemento da dívida. A ação jurisdicional, neste caso, se exaure com o
cumprimento da obrigação.
Já a ação cautelar tem por finalidade a proteção de um bem ou
direito que seja objeto de ação judicial em trâmite ou que ainda será proposta. Seu
desígnio não é declarar ou constituir um direito, mas de conservação, para que a
ação principal em curso, ou quando proposta tenha um provimento eficaz90.
Como proposto anteriormente, a ação é a provocação feita ao
Estado para que este exerça sua função jurisdicional e declare o direito ao caso
concreto. E para que esta possibilidade de ação possa ser exercida é necessário um
instrumento, o qual é conhecido como processo.
Na obra de Grinover91, assim encontra-se a definição dos fins
do processo:
a noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder (no caso, jurisdicional). [...] O processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É, por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder).
Alvim92 explica o processo como meio pelo qual se efetivam as
tutelas jurídicas, contendo o ordenamento jurídico elementos de sanção e coerção,
visando garantir essa efetivação.
90 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e
processo de conhecimento. v. 1. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 150/154. 91 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. p. 295. 92 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. p. 338.
40
Ainda, sobre o conceito de processo, expressa Montenegro
Filho93:
o processo, assim, é o instrumento de que se utiliza a parte que exercitou o direito de ação na busca de uma resposta judicial que ponha fim ao conflito de interesses instaurado ou em vias de sê-lo. Inúmeros atos serão praticados no curso do processo para que o citado objetivo seja alcançado. O processo ata as partes e se desencadeia através da prática de atos processuais, numa relação lógica que apresenta início, meio e fim.
Nota-se, a partir dos conceitos elencados, que há concordância
de ser o processo o instrumento pelo qual o Estado, após invocação da parte,
exerce sua função jurisdicional.
Para que o processo se desenvolva e o Estado ponha fim ao
litígio, prolatando a sua sentença, é necessário que vários atos sejam praticados, de
forma ordenada, tanto pelo autor, réu e possíveis terceiros intervenientes94, quanto
pelo juiz e os auxiliares da Justiça (serventuários, oficiais de Justiça, peritos,
depositário, intérprete).
A esses vários atos praticados, que dão a forma como o
processo será conduzido dá-se o nome de procedimento.
Por muito tempo processo e procedimento foram utilizados
como sinônimos, tanto que a palavra processo, etimologicamente significa marcha
avante, o que levava a crer que ele era apenas a sucessão de atos processuais.
Bülow, ao expor sua teoria, alertou a doutrina da época que o processo vai além dos
atos que o impulsionam, devendo ser observado também pela relação processual
que envolve as partes. Foi ele quem sistematizou a relação jurídica do processo,
destacando que existem dois planos de relações: a do direito material, que se
discute no processo; e a do direito processual, que é o continente em que se coloca
a discussão sobre aquela.95
93 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. p. 159/160. 94 O Código de Processo Civil autoriza a participação de terceiros no processo, que não fazem parte
da relação autor x réu, através da oposição (artigo 56 e seguintes), da nomeação à autoria (artigo 62 e seguintes) e do chamamento ao processo (artigo 77 e seguintes).
95 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. p. 297/298.
41
Na atualidade, não há divergência doutrinária quanto a
autonomia entre processo e procedimento, como bem ensina Marques96:
não se confunde processo com procedimento. Naquele, a nota específica dos atos que o compõem está na finalidade que os aglutina, ou seja, a composição do litígio secundum ius, para dar-se a cada um o que é seu. Tem o processo, portanto, um sentido preponderantemente teleológico ou finalístico, como instrumento que é da paz social, da justiça e do império da ordem jurídica. Em função dessa causa finalis, os atos processuais reúnem-se e coordenam-se como relação jurídica complexa, em que figuram, ao lado do órgão jurisdicional do Estado, os sujeitos da lide, ou partes.
Todos esses atos reunidos, em razão do signo finalístico da composição do litígio segundo as regras do direito objetivo, exteriorizam-se sob a forma de procedimento. [...] O procedimento é a marcha dos atos processuais, coordenados sob formas e ritos, para que o processo alcance o seu escopo e objetivo.
Procedimento é meio de se externar o processo, é o modo
como ele irá se desenvolver até chegar à prolação da sentença. A Lei Processual
Civil prevê dois tipos de procedimento: o comum, subdividido em ordinário e sumário
e o procedimento especial97, este, além de estar contido no Código de Processo
Civil, também é previsto em legislações esparsas.
Deste modo, resta clara a diferença entre processo e
procedimento, sendo este o meio pelo qual o processo se desenvolve para culminar
na solução do caso concreto, que é o fim de todo o processo.
A legislação processual civil divide o processo em três livros,
de acordo com o provimento jurisdicional esperado. O Livro I trata do Processo de
Conhecimento, o Livro II do Processo de Execução e o Livro III do Processo
Cautelar.
Note-se que a divisão dos processos é a mesma apresentada
acima na classificação das ações. Isso se dá porque a classificação das ações,
96 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. p. 248. 97 O procedimento comum ordinário é o que contém um voluptuoso número de atos processuais e por
esta razão apresenta um trâmite mais longo. Justamente por ser o mais completo, suas regras são utilizadas subsidiariamente no desenvolver de toda ação – disposição expressa do parágrafo único do artigo 272 do CPC. De um modo geral, os procedimentos comum sumário e especial visam a celeridade na resolução do processo, com a simplificação dos atos processuais. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. p. 161/163.
42
assim como a divisão do processo, ocorre em função do provimento jurisdicional
buscado pela parte.
Apenas a titulo de ilustração, uma vez que já foi explanado os
fins a que se destinam cada tipo de ação, podendo a mesma teoria ser aplicada à
divisão dos processos, colaciona-se a explicação de Theodoro Júnior98:
se a lide é de pretensão contestada e há necessidade de definir a vontade concreta da lei para solucioná-la, o processo aplicável é o de conhecimento ou cognição, que deve culminar por uma sentença de mérito que contenha a resposta definitiva ao pedido formulado pelo autor. No acertamento contido na sentença consiste o provimento do processo de conhecimento.
Se a lide é pretensão apenas insatisfeita (por já estar o direito do autor previamente definido pela própria lei, como líquido, certo e exigível), sua solução será encontrada através do processo de execução, que é o meio de realizar de forma prática a prestação a que corresponde o direito da parte. A efetiva satisfação do direito do credor é o provimento nesta modalidade de processo.
A tutela cautelar incide quando, antes mesmo da solução definitiva da lide, seja no processo de cognição, seja no processo de execução, haja, em razão da duração do processo, o risco de alteração no equilíbrio das partes diante da lide. Sua função é, pois, apenas conservar o estado de fato e de direito, em caráter provisório e preventivo, para que a prestação jurisdicional não venha a se tornar inútil quando prestada em caráter definitivo. Os provimentos do processo cautelar são, pois, medidas práticas para afastar o perigo de dano, antes da solução do processo principal.
A lide trazida a Juízo para satisfazer uma pretensão
insatisfeita, materializada através de um título executivo, seja ele extrajudicial ou
judicial, chamada de Processo de Execução, é que será objeto de estudo e
discussão no presente trabalho.
2.2 O PROCESSO DE EXECUÇÃO: PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS
A pretensão executória tem início com a inadimplência do
devedor, em dar o que é devido ao credor. Esta pretensão pode ter por base uma
98 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil e processo de conhecimento. v. 1. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 364.
43
ação do devedor, em adimplir um crédito, satisfazer uma condição ou a abstenção
de algum ato, que se comprometeu a não praticar.
O processo de Execução visa a satisfação de um crédito, ao
cumprimento de uma obrigação constituída previamente, que uma vez inadimplida,
se pretende cobrar. Não há espaço para discussão acerca do direito das partes,
apenas a materialização de um direito concebido anteriormente, como bem ensina
Theodoro Júnior99:
enquanto no processo de conhecimento se discute, à procura da definição do direito que virá solucionar a controvérsia das partes, no processo de execução apenas se realiza o direito já declarado numa sentença condenatória ou num documento extrajudicial a que a lei reconhece o poder de conferir à obrigação certeza, liquidez e exigibilidade.
Para que seja instaurado o Processo de Execução, necessário
é que o devedor deixe de cumprir obrigação líquida, certa e exigível,
consubstanciada em título executivo, a teor do disposto no artigo 580 do Código de
Processo Civil.
Antes da alteração introduzida pela Lei 11.382/2006, a redação
da Lei Processual dispunha ser característica do título e não da obrigação, a
certeza, liquidez e exigibilidade, como vem observa Marinoni100:
o título executivo, judicial, ou extrajudicial, deve conter obrigação certa, líquida e exigível. [...] Tais características eram comumente associadas ao título executivo, mas na verdade – como agora fazem questão de esclarecer as novas redações dos arts. 580 e 586 (introduzidas pela Lei 11.382/2006) – são atributos da obrigação a ser executada. Ou seja, é a obrigação que deve ser certa, líquida e exigível e não propriamente o título.
Portanto, pela redação do artigo acima citado, vislumbra-se a
necessidade do preenchimento de dois pressupostos para a formação e
desenvolvimento do Processo de Execução: a obrigação líquida, certa e exigível,
materializada pelo título executivo e o inadimplemento dessa obrigação.
99 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 22. ed. São Paulo: Liv. E Ed.
Universitária de Direito, 2004. p. 131. 100 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. v. 3. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 119.
44
O inadimplemento é verificado quando o devedor deixa de
cumprir obrigação a que se comprometeu, no tempo e modo pactuados, ou que se
viu obrigado, por força de sentença judicial, como se extrai de Theodoro Júnior101:
relaciona-se à idéia de inadimplemento com a da exigibilidade da prestação, de maneira que, enquanto não vencido o débito, não se pode falar em descumprimento da obrigação do devedor. [...] O inadimplemento pressupõe uma situação de inércia do devedor.
É o inadimplemento, condição necessária para a ação
executória, porquanto, uma vez satisfeita a obrigação, não pode o credor iniciá-la ou
nela prosseguir, segundo artigo 581 do Código Processual Civil.
No entanto, inepta é a Execução, se dela não consta a
obrigação líquida, certa e exigível.
Assim, não basta o inadimplemento sem a obrigação
demonstrada em título, tampouco o título per si, não é condição única, havendo
necessidade do inadimplemento.
Verificando-se que a obrigação não foi cumprida a termo ou da
forma pactuada, há que se verificar se ela é líquida, certa e exigível, ou seja, hábil
para dar ensejo a uma execução forçada.
Calamandrei, em citação de Lopes102, explica que a liquidez
vem estampada quando determinada é a importância da prestação; ocorre a certeza
do crédito, quando não há controvérsia acerca da sua existência e exigível se o
pagamento não está condicionado a termo ou condição, tampouco está sujeito a
outras limitações.
Certa é a obrigação que não traz em seu bojo qualquer dúvida
do que se está a exigir em Juízo, não pairando sobre ela qualquer discussão. Acerca
da certeza, assevera Marinoni103:
além de revestir-se do caráter da exigibilidade, a prestação sujeita ao cumprimento também deverá ser certa. Esta característica refere-se
101 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e
cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela específica. v. 2. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 150/151.
102 LOPES, Miguel de Maria Serpa. Exceções substanciais: exceção do contrato não cumprido. São Paulo: Freitas Bastos, 1959. p. 263.
103 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. p. 120.
45
à existência da prestação que se quer ver realizada. O código Civil revogado trazia regra que determinava este elemento, dizendo considerar-se líquida a obrigação que fosse ‘certa, quanto à sua existência’ e determinada em relação ao seu objeto (art.1.533). Embora a regra não tenha sido repetida no Código Civil de 2002, a compreensão da característica permanece a mesma. A certeza diz respeito à ausência de dúvida quanto à existência da obrigação que se pretende exigir.
Ainda, ensina o autor, tratar-se de certeza relativa, porquanto
no curso do processo se pode verificar tratar de obrigação inexistente, por já ter sido
satisfeita ou porque nunca existiu. A certeza exigida é apenas para que o juiz faça
uma análise perfunctória da obrigação e determine ou não o seguimento da
execução ajuizada.
A liquidez diz respeito ao que é devido e o quantum da
obrigação. Não se pode pretender a execução de algo que não se sabe o que é, ou
de que não se saiba o valor e/ou quantidade do que é devido104 105.
Por fim, deve a obrigação ser exigível, ou seja, deve ela estar
vencida, visto que enquanto não cumprido o termo ou verificada a condição a que se
submeteram as partes, não pode ser ela reclamada.
A obrigação, além de se revestir das características esboçadas
acima, para ser executada em Juízo, deve estar corporificada em título executivo, os
quais se dividem em judiciais e extrajudiciais.
O título executivo, nas palavras de Assis106:
[...] constitui a prova pré-constituída da causa de pedir da ação executória.Esta consiste na alegação, realizada pelo credor na inicial, de que o devedor não cumpriu , espontaneamente, o direito reconhecido na sentença ou a obrigação. Deverá acompanhar a
104 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. p. 121. 105 Prevê o Código de Processo Civil a possibilidade de tornar líquida sentença que não fixa o valor
da prestação ou não individua o objeto para poder ser ajuizada demanda executória. Como ao juízo executivo cabe somente a realização da obrigação estampada no título, necessário que exista prévia determinação quanto à quantidade, à coisa ou ao fato devidos, podendo a liquidação ser feita por simples cálculo aritmético (art. 475-B), por arbitramento (art. 475-C) ou por artigos (475-E). A liquidação cabe apenas aos títulos executivos judiciais, porquanto se não houver o quantum devido nos títulos extrajudiciais, deve se ajuizar demanda cognitiva. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 96.
106 ASSIS, Araken. Manual de processo de execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.145/147.
46
petição inicial (art. 283). [...] Focado no seu conteúdo, o título delimita, subjetivamente, a ação executória; determina os lindes da responsabilidade patrimonial.
É o título executivo parte fundamental da execução, sendo
requisito indispensável da petição inicial, como exposto no artigo 614 do Código
Buzaid. Nulla executio sine titulo, ou como se infere dos ensinamentos de
Liebman107, a responsabilidade executória do devedor de destinar seus bens a
servirem para a satisfação do direito do credor, decorre do título, assim como dele
decorre a ação executória correspondente.
De alguns processos judiciais, especialmente daqueles em que
o provimento final é uma sentença condenatória, podem ser extraídos os títulos
executivos judiciais, estando eles dispostos no rol taxativo108 do artigo 475-N:
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;
IV – a sentença arbitral;
V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.
Já os títulos executivos extrajudiciais são os arrolados no artigo
585:
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas
107 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 67. 108 LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao código de processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1987. p. 260.
47
testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;
III - os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida;
IV - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
V - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
VI - o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;
VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
VIII - todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
Extrai-se, portanto, que somente a lei pode conferir ao título de
crédito força executiva, não podendo as partes convencionar a respeito. Além disso,
para terem força executiva, devem os títulos preencher os requisitos e formas
prescritos em lei, a exemplo do cheque, que deve atender ao contido no Decreto
2.591/12.
Analisados os pressupostos necessários à propositura de
qualquer demanda executória, passa-se à análise dos princípios que regem o
Processo de Execução.
Toda execução é real, ou seja, a execução incide sobre o
patrimônio e não sobre a pessoa do devedor, respondendo ele com todos os seus
bens presentes e futuros109.
No direito romano, na lição de Borré110, padecia o executado
com seu corpo, sendo acorrentado em praça pública para ser aviltado a solver seu
débito. Acaso a dívida permanecesse insatisfeita, era o devedor condenado a
morte. Foi a partir da Revolução Francesa que se instituiu a intangibilidade do corpo
do devedor.
109 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 128. 110 BORRÉ, Giuseppe. apud ASSIS, Araken. Manual de processo de execução. p.128/129.
48
A legislação pátria, por disposição expressa contida no artigo
5º, LXVII da Carta Política, autoriza a prisão civil em casos estritos, como a da
inadimplência no dever inescusável de prestar alimentos e no caso de depositário
infiel, como meio de coerção ao adimplemento da obrigação.
No entanto, recente decisão do Supremo Tribunal Federal111
entendeu que pela primazia da regra mais favorável à efetiva proteção do ser
humano, não pode haver prisão por dívida, disposição esta constante da Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), da qual o Brasil
é signatário.
A discussão em torno da prisão civil por dívida culminou da
edição da súmula vinculante nº 25, a qual expressa ser ilícita a prisão civil do
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
Assim, apenas a obrigação inescusável de prestar alimentos,
uma vez não cumprida, pode ensejar a prisão civil por dívida, o que reafirma o
princípio de que a execução é real e o devedor apenas responde com seu
patrimônio.
A satisfatividade é o principio que limita a atividade
jurisdicional, ficando adstrita à realização dos direitos do credor, somente sobre o
patrimônio que seja indispensável para a satisfação do crédito. Assim, não responde
o devedor com todo o seu patrimônio, mas tão somente com o necessário para o
adimplemento da obrigação112.
Toda execução deve atender à utilidade e não deve ser meio
de suplício para o devedor, não sendo tolerados atos que não tragam vantagem
alguma ao credor. Aplicação deste princípio está demonstrada no artigo 692 do
Código de Processo Civil, o qual dispõe não se aceitar lanço ao bem penhorado e
posto em hasta pública, que ofereça preço vil113.
111 HC 96772 de São Paulo. Relator Min. Celso de Mello, julgado em 09/06/2009. Disponível em
<www.stf.jus.br>. Acesso em: 18/04/2010. 112 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 128. 113 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 129.
49
Outrossim, deve a execução desenvolver-se do modo menos
gravoso possível ao executado para atender ao princípio da economia da execução114.
A execução deve ser específica, ou seja, deve propiciar ao
credor que obtenha o mais próximo possível daquilo que obteria se a obrigação
fosse espontaneamente satisfeita e, se não mais for possível, pode a obrigação ser
resolvida em perdas e danos, diante da impossibilidade da entrega da coisa (artigo
627) ou quando houver recusa na prestação da obrigação de fazer (artigo 633)115.
O ônus da execução recai inteiramente sobre o devedor,
tendo em vista que se a obrigação fosse cumprida no tempo e/ou modo pactuado,
desnecessário seria o ajuizamento da Ação de Execução. Assim, deve ele arcar com
as custas do processo, inclusive com os honorários do advogado do credor116.
Como disposto em todo o ordenamento jurídico brasileiro, por
ter a Constituição Federal instituído este como o princípio-mor, deve a execução
respeitar a dignidade da pessoa humana, o que significa que não pode trazer
penúria, miséria ou fome ao devedor e sua família, garantindo-se ao devedor a
impenhorabilidade de alguns bens, de instrumentos de trabalho, de seu salário etc,
como consta do artigo 649117.
Por fim, reza a disponibilidade da execução que o credor
pode, diferentemente do que ocorre no processo de conhecimento, desistir no todo
ou em parte da execução em seu curso, mesmo que já citado o devedor, não sendo
necessária a anuência deste. Como a desistência se refere ao processo, e não
estando a obrigação constante do título executivo prescrita, pode ser novamente
demandada. Apenas se houver renúncia ao crédito, porque neste caso ele
desaparece, é que a execução não poderá ser novamente ajuizada, já que faz
extinguir o direito sobre que se funda a ação118.
114 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 129. 115 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 129/130. 116 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 130/131. 117 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 131. 118 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil p. 131/133.
50
Além dos princípios elencados, encontra-se em Assis119, o
principio da autonomia da execução, o que significa que ele não depende das
ações de conhecimento e cautelar para existir; do título, já que para o
desenvolvimento da ação executória é imprescindível a existência do título e da
adequação, que prega que o meio executório corresponderá a uma obrigação
específica, e “sem meio hábil, o bem nunca será alcançado pelo credor”.
2.3 OS MEIOS EXECUTÓRIOS PARA A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO
Ao assumir uma obrigação, o devedor se vincula ao credor a
responder pela dívida assumida. Pelo atual ordenamento jurídico, não cumprida
voluntariamente a obrigação a que se vinculou, fica o devedor sujeito ao credor, não
física ou corporalmente, mas responderá com seu patrimônio.
Theodoro Júnior120 explana que há um desdobramento da
obrigação, em dois aspectos: um de caráter pessoal que se traduz na dívida e o
outro de caráter patrimonial que corresponde à responsabilidade, devendo o
patrimônio suportar o ônus do inadimplemento.
A finalidade de todo processo executório é satisfazer o direito
do credor que se viu tolhido em função da inércia do devedor em cumprir com o
pactuado, ou, por vezes, em cumprir o determinado em sentença.
Em razão deste propósito, a atividade jurisdicional desenvolve
meios executórios, externados na Lei Processual sob o Título das Espécies de
Execução.
Assis121 leciona que os meios executórios:
constituem a reunião de atos executivos endereçada, dentro do processo, à obtenção do bem pretendido pelo exeqüente. Eles veiculam a força executiva, que se faz presente em todas as ações classificadas de executivas, e não só naquelas que se originam do efeito executivo de sentença condenatória.
119 ASSIS, Araken. Manual de processo de execução. p.113/114-122. 120 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 88. 121 ASSIS, Araken. Manual de processo de execução. p.125.
51
Os atos executórios, atendendo ao princípio de que toda
execução é real, recairão sobre o patrimônio do devedor, e não sobre sua pessoa,
até porque a responsabilidade é meramente patrimonial.
Impende esclarecer que a previsão de prisão por dívida
alimentar122 é um meio de coerção pessoal, que tem por finalidade fazer o
executado pagar a pensão que está em atraso. É apenas um modo subsidiário de
fazer o credor adimplir sua obrigação, porquanto a efetivação da prisão não o exime
do pagamento da dívida – artigo 733, §2º do Código de Processo Civil.
Tendo em vista a intangibilidade da pessoa do devedor,
especialmente em atenção ao princípio central da Lei Maior, que é a dignidade da
pessoa humana, e a necessidade de compelir o devedor ao cumprimento da
obrigação, que somente por ele pode ser prestada, desenvolveu-se uma forma de
coerção patrimonial, personificada na figura da astreinte123.
A astreinte é uma multa pecuniária, produto da jurisprudência
francesa, e incorporada pelo sistema legislativo nacional, estando expressa nos
artigos 287, 461, §4º, 621, parágrafo único, 644 e 645, todos da Lei Processual, que
pode ser fixada a pedido do credor ou ex officio pelo juiz124.
Tanto a coerção patrimonial, como a restrita coerção pessoal,
são meios de compelir o devedor a cumprir a obrigação principal espontaneamente,
sem a necessidade de expropriação de seus bens.
No entanto, caso esses meios se mostrem insuficientes, e
ainda assim, não cumpra o devedor a sua dívida, como já mencionado, dispõe a Lei
Processual das Espécies de Execução125 para satisfação do direito do credor.
122 Como exposto no ponto 2.2, foi editada súmula pelo STF, o qual proíbe a prisão por dívida de
depositário infiel, por essa razão deixa-se de mencionar esta previsão constitucional. 123 Necessário aclarar que de acordo com a doutrina, a coerção pessoal – prisão civil e a aplicação de
astreintes são formas de execução indireta, na qual, por meio de coação, o Estado pretende que o próprio executado cumpra a obrigação. Os demais meios executórios, nos quais o Estado de sub-roga como substituto do devedor, procurando dar ao credor aquilo que lhe é devido, é a chamada execução direta. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 46.
124 ASSIS, Araken. Manual de processo de execução. p.130-132. 125 Visando dar celeridade e agilidade às formas de efetivar a prestação da tutela jurisdicional, o
legislador extinguiu a necessidade de ajuizamento de duas ações, uma cognitiva para ser
52
A primeira espécie de execução encontrada no Código é a
Execução para a Entrega de Coisa Certa, subdivida em duas seções: da entrega da
coisa certa e da entrega da coisa incerta, sendo que a forma de processamento de
ambas é idêntica, apenas, nesta última, deve o credor individuar a coisa na inicial se
lhe couber a escolha ou se couber ao devedor, este será citado para entregá-la
individualizada.
O objeto da prestação é coisa específica e individuada que
pode ser tanto bem imóvel, como bem móvel. Feita a citação, se o executado não
entregar a coisa no prazo de dez dias (artigo 621), será expedido mandado, em
favor do credor, de imissão na posse ou busca e apreensão (artigo 625).
Não sendo a coisa encontrada, nem em posse de terceiro, ou
se estiver deteriorada, poderá o credor receber perdas e danos, além do valor da
coisa (artigo 627), transformando-se esse tipo de execução em execução por
quantia certa.
O meio executório seguinte, pela disposição da
processualística, é a Execução das Obrigações de Fazer e de Não Fazer, sendo que
àquela corresponde a uma prestação positiva por parte do devedor e esta, negativa.
Como a execução das obrigações de fazer é de implemento
difícil pelo Estado, já que nem sempre dispõe de meios adequados para forçar o
devedor a cumprir o pactuado, criou-se a distinção entre as obrigações de fazer
fungíveis e infungíveis126.
reconhecido o direito e outra executória para dar efetividade ao direito reconhecido, para a parte ter plena satisfação do que lhe cabe. Deste modo, portando o credor do título executivo extrajudicial, pode ingressar com demanda executória para ver satisfeito seu direito, desde que preenchidos, logicamente, os requisitos legais. Contudo, alteração mais profunda se deu com o advento das leis 10.444/2002 e a 11.232/2005. A primeira introduziu o artigo 461-A, o qual prevê, na própria ação de cognição, a pronta expedição de mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, caso a coisa não seja entregue ao credor. A segunda aboliu a necessidade de ação autônoma para executar o título judicial, sem a necessidade de se formar nova relação processual, sendo que se a sentença for líquida, terá o devedor quinze dias para cumprir a condenação e, caso não o faça, será expedido, a requerimento do credor, mandado de penhora (art. 475–J), dando-se início aos atos expropriatórios. Percebe-se com isso, a desburocratização do processo para um efetivo cumprimento das medidas judiciais.
126 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 278/279.
53
As primeiras, por sua natureza, podem ser prestadas por
terceiros ou pelo próprio credor, correndo às expensas do devedor as custas do
cumprimento da obrigação127.
Já as obrigações infungíveis têm caráter intuitu personae e se,
mesmo fixada multa – astreinte-, não forem cumpridas pelo devedor, convertem-se
em perdas e danos.
Acerca da obrigação de não fazer, colaciona-se de Theodoro
Júnior128:
se o dever do obrigado é de abstenção, a prática do ato interdito pó r si só comporta inexecução total da obrigação. Surge para o credor o direito a desfazer o fato ou de ser indenizado quando os seus efeitos forem irremediáveis. [...] Não há, propriamente, como se vê, uma execução da obrigação de não fazer. Com a transgressão do dever de abstenção, o obrigado criou para si uma obrigação positiva, qual seja a de desfazer o ato indébito.
Acaso o devedor se recuse a desfazer o ato que praticou
indevidamente, o credor pode requerer ao juiz que mande desfazer o ato às custas
do devedor, respondendo por perdas e danos e não sendo possível desfazer, a
obrigação se resolverá também em perdas e danos (artigo 643).
A execução por quantia certa pode ser realizada contra
devedor solvente, que é aquele que tem um ativo maior que seu passivo, ou contra
devedor insolvente.
A insolvência deve ser decretada por sentença, e neste caso,
ocorre arrecadação de todos os bens do devedor para satisfação de uma
universalidade de credores.
O presente estudo ater-se-á à execução por quantia certa
contra devedor solvente, a qual tem lugar quando a obrigação constante do título
executivo refere-se a valores monetários.
127 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 278. 128 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 279.
54
Pode esta espécie executória fundar-se em títulos judiciais129,
devendo estes ser líquidos, caso contrário há necessidade primeva de liquidação, ou
em títulos extrajudiciais. Não obstante, pode a execução decorrer de obrigação não
cumprida, quando esta, por opção do credor, converter-se em perdas e danos.
De forma simplificada, a teor do que dispõe o artigo 646,
“consiste a execução por quantia certa em expropriar bens do devedor para apurar
judicialmente recursos necessários ao pagamento do seu credor” 130.
A expropriação é um ato coativo do Estado, na qual o juiz,
independentemente da vontade do devedor, aliena o bem penhorado, e com o
produto desta alienação, satisfaz o direito do credor.131
Ocorre, de forma simplificada, em três etapas: penhora,
arrematação e pagamento.
Ajuizada a petição inicial, o devedor é citado para em três dias
pagar sua dívida (artigo 652) e caso não o faça no prazo assinalado, o oficial de
justiça procederá a penhora de tantos bens quantos bastem para a satisfação do
crédito (§1º do artigo 652).
A penhora é “ato inicial da expropriação do processo de
execução, para individualizar a responsabilidade executória, mediante apreensão
material, direta ou indireta, de bens constantes do patrimônio do devedor” 132.
O artigo 655 lista, em ordem de preferência, os bens que
podem ser penhorados, e como se verifica pela leitura do artigo, recai tanto sobre
bens corpóreos como incorpóreos.
129 Como mencionado na nota de rodapé 125, a execução fundada em título executivo judicial
proceder-se-á de acordo com o artigo 475-J e seguintes do Código de Processo Civil, e em aplicação subsidiária, aplicar-se-á o disposto com relação a Execução por Quantia Certa contra Devedor Solvente.
130 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 310. 131 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 372 132 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. v. 5. 1. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1960. p. 152.
55
Porém, existem bens que são inalienáveis e impenhoráveis,
por força de expressa disposição legal, como é o caso dos bens arrolados no artigo
649 ou por convenção de ato voluntário (caso de doação, testamento etc) e,
portanto, não podem ser objeto de penhora.
O ato de penhora consiste em afetar um determinado bem do
patrimônio do devedor para responder pela execução forçada. Assim, alguns efeitos
decorrem deste ato, como bem assinala Dinamarco133:
para que a penhora cumpra efetivamente sua finalidade de pôr o bem à disposição do juízo para ser expropriado, a lei lhe acrescenta outros efeitos, consistentes (a) em impedir que a alienação do bem pelo executado o subtraia ao estado de sujeição em que se encontra, (b) em retirá-lo provisoriamente do conjunto dos bens que respondem pelas demais obrigações daquele e (c) em privar o executado da detenção física do bem.
Cumpre salientar, como exposto acima, que a privação da
detenção física do bem, visa evitar alienações, porém não impede que elas
aconteçam.
A penhora não exclui o direito de propriedade do devedor, que
somente ocorrerá ao fim da expropriação, apenas limita as faculdades134 de usar e
gozar do bem, mantendo hígido seu direito subjetivo de dispor.
Sendo assim, pode o devedor alienar o bem penhorado, se
deste modo melhor lhe aprouver, porém esta alienação não frustrará os direitos do
credor, e os bens responderão, de qualquer sorte, pela dívida, não importando no
poder de quem se encontrem.
Perfectibilizada a penhora, os bens são depositados em
estabelecimento oficial de crédito, tratando-se de valores em dinheiro, pedras e
metais preciosos e papéis de crédito135; em mãos de depositário judicial ou
133 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 4. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 521. 134 A teor do artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. 135 Disposição expressa do artigo 666, inciso I do Código de Processo Civil.
56
particular136, nos casos dos demais bens; ou ainda, no caso de difícil remoção dos
bens penhorados, podem ser depositados em poder do próprio devedor137.
Ao depositário, independentemente de quem seja, compete a
guarda e conservação do bem em seu poder, cabendo-lhe evitar que se deteriore ou
seja extraviado.
O passo ulterior à penhora é a arrematação, a qual consiste em
“meio processual utilizado pelo órgão judicial para realizar a transferência forçada do
bem do devedor a terceiro” 138.
A arrematação, em apertada síntese, é precedida dos
seguintes passos: feita a avaliação do bem, após realizada a penhora, este é
oferecido em hasta pública139. Aquele que oferecer melhor lanço ou a proposta mais
conveniente arrematará o bem, expedindo-se o auto de arrematação, no qual
constarão as condições em que o bem foi alienado.
Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro ou
serventuário da justiça que houver desenvolvido a hasta pública, a arrematação
considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável.
Antes, contudo, de ser feita a arrematação por terceiro do bem
oferecido em hasta pública, pode haver a necessidade de o bem ser alienado de
forma antecipada, para evitar sua deterioração ou quando houver manifesta
vantagem, já que todo o procedimento expropriatório é bastante dispendioso, por
previsão expressa do artigo 670 do Código de Processo Civil.
Ainda pode ocorrer a adjudicação, do bem penhorado ao
credor, desde que esse não ofereça preço inferior ao da avaliação. Esta se
136 Disposição expressa do artigo 666, incisos II e III do Código de Processo Civil. 137 Disposição expressa do artigo 666, § 1º do Código de Processo Civil. 138 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 372. 139 Hasta pública é a solenidade utilizada pelo Estado para concretizar a expropriação, e pode ser
realizada de três maneiras: em praça, leilão e pregão da Bolsa de Valores. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 376.
57
considera concluída com a expedição da respectiva carta, quando se tratar de bem
imóvel ou mandado de entrega ao adjudicante, se tratar de bem móvel140.
Outrossim, pela inclusão realizada pela Lei 11.382/2006, a qual
alterou substancialmente o Processo de Execução, pode o credor requerer que os
bens sejam alienados por sua iniciativa ou por corretor credenciado perante a
autoridade judiciária141.
Procedida a arrematação, caso não ocorra a venda antecipada
ou adjudicação, e após assinado o respectivo auto, devem os bens adquiridos em
hasta pública passarem ao arrematante como bem ensina Theodoro Júnior142:
a arrematação é título de domínio, em sentido material, do arrematante sobre os bens adquiridos na hasta pública. O auto de arrematação funciona como título em sentido formal.
Mas como a transferência de domínio143, em nosso sistema jurídico, se opera pela tradição, além do auto é necessária a entrega das coisas móveis, quando a arrematação versar sobre tais bens, ou a transcrição no Registro Imobiliário, quando se tratar de bens imóveis.
No primeiro caso, a tradição é feita em cumprimento do mandado expedido pelo juiz da execução, determinando ao depositário que entregue os bens ao arrematante. No segundo, a transferência forçada aperfeiçoa-se com a expedição da carta de arrematação, que é o instrumento dela.
Concluída a fase de arrematação, o passo subsequente é
satisfação do direito do credor, que se dá através do pagamento. Acerca do tema,
explica Dinamarco144:
o processo de execução por quantia certa contra devedor solvente entra na fase na fase satisfativa quando, estando já em poder do juízo uma quantia em dinheiro (ou porque foi penhorada ou porque foi obtida com a alienação do bem penhorado) chega o momento de entregá-la ao exeqüente.
140 A adjudicação é tratada pelos artigos 685–A e 685-B do Código de Processo Civil. 141 Disposição expressa do artigo 6685-C do Código de Processo Civil. 142 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 390. 143 Denota-se que o autor quis se referir à transferência da propriedade e não do domínio. Acerca das
impropriedades no trato de tais institutos, ver capítulo 1, subtítulo 1.1. 144 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 587.
58
De acordo com a disposição do artigo 708 da Lei Processual, o
pagamento do credor far-se-á pela entrega do dinheiro, pela adjudicação do bem ou
pelo usufruto do bem imóvel ou direito de empresa145, o que ensejará na extinção da
obrigação, já que quitada pelos meios executórios.
A entrega do dinheiro ocorre quando a penhora é realizada
diretamente sobre valores monetários ou quando ocorrer depósito do valor
correspondente ao bem arrematado em hasta pública.
O credor poderá levantar o dinheiro depositado até a satisfação
integral de seu crédito, dando ao devedor, por termo nos autos, quitação do valor
pago146.
Acaso após quitado o valor principal da dívida, juros, custas e
honorários advocatícios houver algum valor remanescente, este será restituído ao
devedor147.
A adjudicação, como exposto anteriormente, “se realiza pela
transferência do próprio bem penhorado ao credor para extinção do seu direito” 148.
Realiza-se, portanto, com a transferência do bem destacado do acervo patrimonial
do devedor, através da penhora, para o próprio credor, como forma de cumprimento
da obrigação.
Por fim, pode também ocorrer o usufruto de bem móvel ou
imóvel, como forma de pagamento, e ocorrerá se requerida pelo credor e deferida
pelo juiz sempre que se reputar ser este o modo menos gravoso para o devedor e o
mais eficiente para o recebimento do crédito.
Na lição de Theodoro Junior149:
145 Por disposição da Lei 11.382/2006, a subseção IV da seção II do capítulo IV do título II do Código
de Processo Civil, que tratava do usufruto de empresa foi alterado, e passou a abordar do usufruto de móvel ou imóvel. Artigos 716 a 724.
146 Texto dos artigos 709, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil. 147 Texto do artigo 710 do Código de Processo Civil. 148 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. p. 125. 149 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 406/407
59
consiste, portanto, o usufruto forçado num ato de expropriação executiva em que se institui direito real temporário sobre o bem penhorado em favor do credor, a fim de que este possa receber seu crédito por intermédio das rendas que vier a auferir. [...] Com a decretação do usufruto forçado, investe-se o credor no exercício de um direito real temporário, perdendo o devedor o gozo do imóvel ou empresa até que o usufrutuário seja inteiramente pago com os frutos auferidos.
Decretado o usufruto do móvel ou imóvel, perde o executado
seu gozo, até que o exequente seja pago do principal, juros, custas e honorários
advocatícios150, e como bem adverte Liebman151:
a constituição do usufruto é pro solvendo e não pro soluto, de maneira que o prazo fixado na sentença não é fatal e pode ser abreviado quando o credor for satisfeito com antecipação, ou prorrogado quando se findar sem que os rendimentos efetivamente auferidos tenham sido suficientes para o resgate total do débito.
Satisfeita a obrigação, ocorrerá a extinção do processo de
execução, nos termos do disposto no artigo 794, inciso I do Código Buzaid152.
Decorrem ainda mais duas espécies de execução do Código
de Processo Civil: a Execução contra a Fazenda Pública, a qual dispensa maiores
ilações, por não se tratar do objeto do presente estudo, e a Execução de Prestação
Alimentícia, a qual está disposta nos artigos 732 a 735.
Apenas para elucidar, a execução de que trata o artigo 732, se
processa do mesmo modo que a execução por quantia certa contra devedor
solvente, já abordada neste subtítulo.
A execução do artigo 733 é aquela em que é permitida a prisão
civil por dívida, por até três meses, caso o devedor não cumpra seu dever
inescusável de prestar alimentos.
São esses os meios executórios que o credor dispõe para a
satisfação do seu crédito, que não foi espontaneamente quitado pelo devedor.
150 Texto do artigo 717 do Código de Processo Civil. 151 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. p. 128. 152 Consta do artigo 794 - extingue-se a execução quando: I- o devedor satisfaz a obrigação do
Código de Processo Civil.
60
Denota-se que os procedimentos são bastante extensos e
complexos, o que na grande maioria dos casos acaba por dificultar os direitos do
credor e privilegia aquele que se encontra em insolvência.
61
Capítulo 3
CONSTRIÇÃO DE BENS MÓVEIS PARA A SATISFAÇÃO DOS DIREITOS DO CREDOR
3.1 A PENHORA DE BENS MÓVEIS
Ao perfectibilizar um contrato, seja ele de qual espécie e forma
for, o contraente assume uma responsabilidade, e consequentemente afeta seu
patrimônio para responder por sua obrigação.
Tendo em vista que no ordenamento jurídico atual, a pessoa do
devedor é praticamente inatingível, exceto no caso de inadimplemento inescusável
de prestação alimentícia153, no caso de inadimplência da obrigação assumida, é o
patrimônio do devedor que responderá pela sua falta.
Como já abordado no capítulo 2, a execução por quantia certa
contra devedor solvente é o meio executório apropriado quando a obrigação se
fundar em prestação pecuniária - ou for de outro tipo, mas foi convertida em perdas
e danos – e o devedor não adimple sua obrigação.
Verificando-se que a petição inicial postulada pelo credor
encontra-se em termos, ou seja, contém obrigação líquida, certa e exigível,
consubstanciada em título executivo, que pode ser tanto judicial – neste caso se
procederá ao que dispõe o artigo 475-J da Lei de Processualística- como
extrajudicial e esteja demonstrada a mora do devedor, se dará início a expropriação
de seus bens.
Na ação de execução por quantia certa contra devedor
solvente, a teor artigo 646 do Código de Processo Civil, serão expropriados tantos
bens do devedor quantos bastem para satisfazer, judicialmente, a obrigação não
cumprida. 153 Acerca do tema, ver nota de rodapé nº122.
62
O processo executório mencionado é basicamente cumprido
em três atos: penhora, arrematação e pagamento.
A penhora é o ato primevo na execução por quantia certa, pois
é ela quem vai destacar do patrimônio do devedor, o bem que será
alienado/adjudicado judicialmente para pagar a obrigação não cumprida no termo
estabelecido.
Pela ordem de preferência estampada no artigo 655154 do
Código Buzaid, em alteração sofrida pela Lei 11.382/06, denota-se que o rol inicia-se
com dinheiro, seguido por veículos terrestres e bens móveis em geral.
Tal ordem estampada no artigo 655 não é absoluta e inflexível,
vez que se trata de ordem preferencial e não obrigatória. Ao propor a petição inicial,
o credor tem a faculdade de indicar bens à penhora, que não, necessariamente, terá
de obedecer à gradação legal. Acerca do tema, manifesta-se Theodoro Júnior155:
a ordem de preferência para a escolha dos bens para garantia da execução, instituída pelo art. 655, endereça-se ao exeqüente, e não mais ao executado. Havendo, porém, desobediência à gradação legal, caberá ao devedor impugnar a escolha feita e pleitear a substituição do bem constrito (art. 656, I). [...] Admite-se, de tal sorte, a justificação da escolha dentro dos parâmetros de (i) da facilidade da execução e sua rapidez, e (ii) da conciliação, quanto possível, dos interesses de ambas as partes.
Neste sentido prevalece entendimento no Superior Tribunal de
Justiça, como se verifica nos julgados que seguem:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR. EXECUÇÃO. PENHORA. NOMEAÇÃO DE BENS. GRADAÇÃO LEGAL. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DOS ARTS. 620 E 655 DO CPC. REJEIÇÃO DE BENS INDICADOS. VERIFICAÇÃO DOS MOTIVOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. - Embora a execução deva ser realizada pelo modo menos gravoso ao devedor, isso não autoriza a inversão aleatória da ordem do artigo 655 do CPC, conforme a conveniência do executado. O
154 Dispõe o artigo 655: A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em
espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis; V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades empresárias; VII - percentual do faturamento de empresa devedora; VIII - pedras e metais preciosos; IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito; XI - outros direitos.
155 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. 2. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 303
63
sentido a ser dado à regra do art. 620 do CPC é que a opção pela via menos prejudicial ao devedor só se justifica quando os bens em cotejo se situem no mesmo nível hierárquico, ou seja, havendo outros bens em posição superior na ordem de preferência estabelecida no art. 655, nada impede que o credor recuse aqueles oferecidos pelo devedor. - Tendo a empresa nomeado bens à penhora sem observar a ordem estabelecida no art. 655 do CPC, é admissível a recusa do credor com a conseqüente indicação à penhora de numerário em conta-corrente, sem que isso implique em afronta ao princípio da menor onerosidade da execução previsto no art. 620 do CPC. - A controvérsia sobre a não-aceitação pelo credor dos bens oferecidos à penhora e a observância de que o processo executivo se dê da maneira menos gravosa ao devedor requerem atividade de cognição ampla por parte do julgador, com a apreciação das provas carreadas aos autos, circunstância vedada pela Súmula nº 07 do STJ. Agravo a que se nega provimento. (AgRg na MC14798/RS AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR 2008/0218636-0) grifou-se
EXECUÇÃO. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE BENS IMÓVEIS PENHORADOS POR TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. EM RELAÇÃO À FASE DE EXECUÇÃO, SE É CERTO QUE A EXPROPRIAÇÃO DE BENS DEVE OBEDECER A FORMA MENOS GRAVOSA AO DEVEDOR, TAMBÉM É CORRETO AFIRMAR QUE A ATUAÇÃO JUDICIAL EXISTE PARA SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA. NECESSÁRIO A “PONDERAÇÃO DE VALORES E PRINCÍPIOS” DAS REGRAS PROCESSUAIS, PARA ENSEJAR SUA EFICÁCIA E EFETIVIDADE. 2. NO CASO VERTENTE, A PRETENSÃO DO DEVEDOR NÃO PODE PREVALECER. SÓ É ADMITIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA SE FOR POR “DINHEIRO”, NA FORMA DO ART. 668 DO CPC. AQUI, O DEVEDOR OFERECEU TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA NÃO ACEITOS PELO CREDOR. 3. A IMPUGNAÇÃO À GRADAÇÃO DA PENHORA, ESTANDO O FEITO NA FASE DE AVALIAÇÃO E PRAÇA, ALÉM DE EXTEMPORÂNEA, REVELA-SE INCORRETA, POIS A ORDEM LEGAL ESTABELECIDA PARA A NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA, CONFORME PRECEDENTES DA CORTE, NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.(REsp 251157/DF. RECURSO ESPECIAL 2000/0024172-5) grifou-se
Denota-se que a ordem constante no artigo citado, não é
absoluta, mas auxilia o exeqüente a mais facilmente receber seu crédito, já que os
primeiros incisos se referem a bens móveis, que são bens que costumam ser de
mais simples apreensão e alienação, e que por certo também são os bens que
serem forem penhorados, trarão menos prejuízos ao patrimônio do credor, uma vez
64
que os bens móveis costumam ser de menor valor e são mais facilmente retirados
da acervo patrimonial.
Para realizar a penhora e os outros atos executórios, há que
sempre se ter em vista os princípios informativos da execução, que precipuamente
deve procurar satisfazer os direitos do credor, mas desde que os atos sejam feitos
da forma menos gravosa possível ao devedor e não lhe cause situação incompatível
com a dignidade humana.
Como bem destaca Theodoro Júnior156, a penhora se traduz na
apreensão efetiva e disposição do bem ao juízo, permeando uma ordem na
preferência ao credor, oponível a qualquer outro credor que não tenha privilégio ou
garantia real anterior, fazendo nascer um direito real sobre os bens penhorados157,
inclusive com direito de seqüela, o que torna ineficazes, perante o juízo e o credor,
as alienações posteriores.
Este direito de seqüela que emerge da penhora efetiva é de
grande valia, especialmente quando se tratam de bens móveis, dada a sua rápida e
fácil transmissão.
Os bens móveis não requerem solenidade, ou ato rigoroso para
serem transmitidos, bastando que as partes convirjam em seu desejo de realizar um
negócio jurídico e finalizem com a simples tradição do bem.
Deste modo, quanto antes localizados os bens móveis que
compõem o acervo patrimonial do devedor e forem estes penhorados, dificilmente se
dará ensejo a alienações por parte do devedor, em verdadeira fraude à execução158,
156 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. p. 316. 157 O autor traz à baila em sua explicação, ensinamento de Buzaid, para quem a penhora cria um
direito real sobre os bens penhorados, conferindo-lhes garantia pignoratícia equivalente ao penhor convencional ou legal, como a terceira espécie de direito de penhor (de direito material). BUZAID, Alfredo. Exposição de Motivos, de 1972, nº22.
158 De acordo com a doutrina de Dinamarco, a fraude à execução ocorre se “o adquirente tiver conhecimento da existência do processo ou houver razões para que não pudesse ignorá-la. Como é ele quem irá suportar diretamente os inconvenientes dessa ineficácia, não se admite que esta se imponha quando estiver absolutamente inocente, não sabendo e não tendo razoavelmente como saber da litispendência. Os tribunais mostram-se bastante compreensivos em face do adquirente de absoluta boa-fé, inclusive quando se trata de ineficácia de atos referentes a bens já penhorados - sendo a fortiori imperiosa a extensão dessa linha de pensamento aos casos de fraude pela simples pendência do processo, cuja gravidade é muito grande mas não tão enorme
65
que se tratando de bens móveis é de difícil comprovação, dada a sua fácil
dissipação.
Por certo que a penhora não retira do devedor o seu direito de
propriedade sobre o bem, mantendo ele o direito de dispor hígido. No entanto, após
a efetivação da penhora, estes bens ficam à disposição do juízo, e tratando-se de
bens móveis que forem depositados judicialmente, impedirá a alienação, porquanto
não terá o devedor possibilidade de fazer a tradição real159, exceto se a faça de
forma ficta.
A propriedade móvel, diferentemente da imóvel, que tem o
registro no Cartório de Imóveis para a comprovação da titularidade, é vislumbrada
pelo exercício, pelo poder de senhoria sobre a coisa.
Tanto que para se efetivar a tradição, que é um dos modos de
se adquirir a propriedade móvel, basta que o alienante transfira o bem ao
adquirente, com intenção de transmitir a propriedade.
É nessa efetiva entrega do bem, no tradens, que se
comprovará a todos a quem pertence a propriedade móvel, como ensina Farias160:
na passagem da propriedade móvel exige-se um sinal ostensivo e visível a todos os membros da coletividade acerca da efetiva consolidação da propriedade em um novo titular. Por isto o acerto do legislador ao precisar que a transferência da coisa móvel não resultará da mera concretização do negócio jurídico (art. 1.267, caput, do CC). [...] A tradição significa para os bens móveis o que é o registro para os bens imóveis. Porém o registro é tradição solene. A tradição dispensa o registro, pois a conduta fática da entrega do bem contém a publicidade necessária para gerar a eficácia erga omnes.
Em sendo assim, se apresentado uma pessoa como
proprietária, exercendo seus direitos de uso e gozo da coisa móvel, não há razões
para não tê-la como proprietária, especialmente porque o nosso ordenamento
prestigia o estado de aparência e premia a boa-fé.
quanto a dos atos realizados naquela situação.” DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p.393/394
159 As formas de tradição real e ficta estão explanadas no capítulo 1, subtítulo 1.3. 160 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. p. 341/342.
66
Portanto, indicando o exeqüente determinado bem móvel a ser
penhorado, acreditando ser o devedor o proprietário do bem, por estar este
exercendo os poderes inerentes à propriedade, não se mostra razoável que exista
óbice a tal pretensão.
Por certo, como explicado no capítulo 1, nem todo exercício
aparente da propriedade, pode corresponder que de fato a pessoa é proprietária do
bem móvel, porquanto pode ser mero posseiro ou detentor da coisa.
Neste caso, há que se observar o contrato que deu ensejo à
tradição e se esta correspondeu à transmissão da posse, da propriedade ou foi mero
ato que ensejou a detenção.
Como nem sempre o credor tem a possibilidade de conhecer a
que título foi adquirida a propriedade móvel, pode crer que aquele bem que o
devedor tem sob seu poder é de sua propriedade e assim requerer que a penhora
recaia sobre dito bem para a satisfação de seu direito.
Visando dar celeridade à execução e garantir a efetivação dos
direitos do credor que foram tolhidos pela mora do devedor, o Poder Judiciário conta
com algumas ferramentas para auxiliar na busca de valores e bens pertencentes ao
devedor, como se explanará no tópico a seguir.
3.2 OS SISTEMAS JUDICIÁRIOS PARA A SATISFAÇÃO EFETIVA DO CREDOR: O BACENJUD E O RENAJUD
Nem sempre a satisfação dos direitos do credor é de fácil
efetivação. O devedor costuma utilizar de diversos subterfúgios para tentar se
esquivar de sua obrigação: aliena bens que lhe pertencem, os coloca em nome de
terceiros para dificultar a penhora, procura camuflar das mais diversas formas
possíveis seu patrimônio para evitar que sobre ele recaia alguma constrição.
Visando dar celeridade ao processo executório e evitar que
fraudes sejam cometidas e prostrem ainda mais os direitos do credor, o Conselho
Nacional de Justiça implementou os sistemas Bacenjud e Renajud, que permitem
que ordens judiciárias de restrição sejam cumpridas em tempo real.
67
O Bancenjud consiste em um convênio de cooperação técnico-
institucional firmado entre o Banco Central do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça,
o Conselho de Justiça Federal e os Tribunais que vierem a aderi-lo, como é o caso
do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que permite que ordens judiciais sejam
encaminhadas às instituições financeiras para que sejam procedidos bloqueios,
desbloqueios e transferência de valores existentes em contas de depósitos à vista
(contas correntes), de investimento de poupança, depósitos a prazo, aplicações
financeiras e outros ativos passiveis de bloqueio de pessoas físicas e jurídicas161.
Encaminhada a ordem judicial às instituições financeiras,
quaisquer valores que estiverem depositados em contas de titularidade do devedor
serão penhorados e ficarão à disposição do Juízo para que sejam utilizados para o
pagamento da obrigação executada.
Acerca da utilização do sistema, o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina afirmou o entendimento de que é perfeitamente possível quando o
executado se mantém inerte e não indica bens à penhora, como se verifica nos
acórdãos colacionados a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO E CANCELAMENTO DE PROTESTO. PEDIDO EXPRESSO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA NA PETIÇÃO INICIAL. TRAMITAÇÃO DO FEITO SEM A EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE QUALQUER IMPUGNAÇÃO. DEFERIMENTO IMPLÍCITO DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUERIMENTO DE PENHORA DE DINHEIRO POR INTERMÉDIO DO SISTEMA BACEN JUD. ART. 655-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVIMENTO N. 05/2006 DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. OBEDIÊNCIA À ORDEM ESTABELECIDA PELO ART. 655 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA EFETIVIDADE DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. 1. Se o processo tramitou sem a exigência das custas processuais e sem qualquer impugnação, presume-se deferido o pedido de assistência judiciária gratuita constante da petição inicial. 2. É admissível a penhora de dinheiro por intermédio do sistema BACEN JUD se o executado não indicou outros bens à constrição no juízo de
161 Informações extraídas do sítio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que contém as Normas e
Manuais de utilização do Bacenjud. Disponível em: <http://cgj.tj.sc.gov.br/bacen/jurisprudencia.htm> Acesso em: 10/04/2010.
68
origem. (A.I 2008.052261-0, da Capital. Des. Rel. Jânio Machado, j. em 18/06/2009) destacou-se
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA - EXTINÇÃO DO PROCESSO COM BASE NO ART. 267, IV DO CPC - INSURGÊNCIA DA EXEQÜENTE - AUSÊNCIA DE PAGAMENTO, BEM COMO DE NOMEAÇÃO DE BENS - PENHORA ON-LINE - SISTEMA BACEN-JUD - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DOS ART. 655 E 655-A DO CPC - RECURSO PROVIDO Decisão interlocutória que determina alimentos provisionais, quando não impugnada na forma e época corretas, adquire características de liquidez, certeza e exigibilidade, até que outra seja prolatada em seu lugar, confirmando-a ou substituindo-a de forma diversa. Diante do não pagamento ou nomeação de bens à penhora por parte do executado, cabe a penhora on line de numerário do devedor depositado ou aplicado em instituição financeira. (A.C 2008.078322-5, de Joinville. Des. Rel. Edson Ubaldo, j. em 28/05/2009) destacou-se
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA DE BENS DE DIFÍCIL ALIENAÇÃO - PEDIDO DE CONSTRIÇÃO ON LINE - POSSIBILIDADE - OBEDIÊNCIA À ORDEM DO ART. 655, I, DO CPC - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE RESPEITADO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a determinação de penhora on line não ofende a gradação prevista no art. 655 do CPC e nem o princípio da menor onerosidade da execução disposto no art. 620 do CPC (STJ AgRg no Ag 935082/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, D.J.E. de. 3.3.08). (A.I 2008.005284-1, da Capital. Des. Rel. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 26/05/2009) destacou-se
Por certo que esta penhora de valores é bastante efetiva, uma
vez que se existir numerário o suficiente, a pretensão do credor será satisfeita de
imediato.
No entanto, acaso a constrição venha a incidir sobre valores
provenientes da remuneração do devedor, por força da impenhorabilidade de tais
valores, expressa no artigo 649, IV162 do Código de Processo Civil, o desbloqueio é
medida que se impõe, como já decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça deste
Estado:
162 Dispõe o artigo 649, IV do Código de Processo Civil: São absolutamente impenhoráveis: os
vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.
69
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - PENHORA 'ON LINE' - SISTEMA BACEN JUD - ART. 649, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - TRABALHADOR AUTÔNOMO - VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR - IMPENHORABILIDADE - DESBLOQUEIO - POSSIBILIDADE - DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE. (A.I 2008.047787-2, de Brusque. Des. Rel. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 10/06/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE AÇÃO DE COBRANÇA. UTILIZAÇÃO DO CONVÊNIO BACEN-JUD. PENHORA ON LINE DO SALÁRIO MENSAL DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. EXEGESE DO INCISO IV DO ARTIGO 649 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. DECISÃO CASSADA. RECURSO PROVIDO. Somente será possível a penhora de valores, depositados em conta corrente do devedor, cuja origem não provenha de benefícios previdenciários ou não possua natureza alimentar. É possível a penhora da importância que originalmente era salário, após o transcurso de 30 (dias), visto que ultrapassado o referido prazo, o caráter alimentar que tal verba possuía deixa de existir (TJMG, Agravo n. 1.0024.04.513810-4/002, da comarca de Belo Horizonte, Rel. Des. Nilo Lacerda, j. 24-10-2007) (AI n. 2007.049317-2, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 07/07/08) destacou-se
Acaso não satisfeita a penhora pela utilização do sistema
Bacenjud por insuficiência de fundos ou pela sua inexistência, além da penhora que
pode ser efetivada por Oficial de Justiça in loco, de bens que se encontrem em
poder do devedor, ou por indicação das partes, conta ainda o credor com a
possibilidade de utilização do sistema Renajud.
Este sistema, assim como o Bacenjud, trata-se de uma
ferramenta eletrônica que interliga o Poder Judiciário e o Departamento Nacional de
Trânsito – DENATRAN, possibilitando consultas e o envio, em tempo real, de ordens
judiciais eletrônicas de restrição e de retirada de restrição de veículos automotores
na Base Índice Nacional (BIN) do Registro Nacional de Veículos Automotores –
RENAVAM163.
Ainda, de acordo com o §4º do artigo 517-E do provimento
n.30/2008, que incluiu no Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do
163 Informações extraídas do sítio do Conselho Nacional de Justiça, que ensina como utilizar o
sistema, o que é o sistema, formas de acesso etc. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8460&Itemid=1026>. Acesso em: 10/04/2010.
70
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o sistema Renajud será
empregado para a consulta, inclusão e retirada de restrição de transferência,
restrição de licenciamento, restrição de circulação e averbação de penhora.
Alguns julgados já podem ser encontrados no Tribunal de
Justiça de Santa Catarina aventando a possibilidade de utilização do sistema
Renajud:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PENHORA ONLINE VIA RENAJUD. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO EXPEDIDA PELO DETRAN QUE COMPROVA A PROPRIEDADE POR PARTE DO EXECUTADO DOS VEÍCULOS AUTOMOTORES APONTADOS PELO AGRAVANTE. AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DOS REFERIDOS VEÍCULOS A TERCEIROS. RECURSO PROVIDO. (A.I 2009.056341-3, de São Bento do Sul, Des. Rel. Nelson Schaefer Martins, j. em 22/03/2010) destacou-se
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Insurgência do banco ante decisão negativa de seu pedido de inserção restritiva no RENAJUD referente a camionete objeto de mandado de busca e apreensão. Veículo em lugar incerto. Acolhimento da irresignação. A restrição do veículo perante o DETRAN, como forma de embaraçar a livre circulação do bem alienado fiduciariamente, é pertinente, inclusive com interpretação sistemática do regulamento do Sistema de Restrição Judicial de Veículos Automotores - RENAJUD e o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado CN. O escopo é dar, em casos como o presente, efeito prático ao mandado expedido em face de liminar concedida em busca e apreensão, não se restringindo a providência restritiva às demandas executivas onde obtida a penhora. (A.I 2009.058587-3, de Tijucas, Des. Rel. José Inácio Schaefer, j. em 28004/2010) destacou-se
Infere-se que o Poder Judiciário tem tentado aliar a tecnologia
ao seu dia-a-dia para acolher as pretensões eu lhe são postas, com rapidez e
eficiência, dando uma ágil resposta aos anseios sociais, em uma tentativa de
desmistificar o descrédito em que se encontra a Justiça brasileira, dada a sua
morosidade.
No entanto, inútil se tornam os instrumentos se alguns
operadores do direito se apegam a formalidades desnecessárias e burocratizam
ainda mais as regras de Direito, quando é cediço, que grande parte dos negócios
jurídicos realizados no país, ignoram as disposições legais, mas nem por essa razão
devem deixar de estar sob o manto da proteção jurídica.
71
3.3 A POSIÇÃO DE ALGUNS TRIBUNAIS PÁTRIOS QUE TORNAM INEFICAZES OS MEIOS EXPROPRIATÓRIOS
A tradição, como exaustivamente exposto no presente trabalho,
é um dos modos de aquisição da propriedade móvel. Ela envolve duas etapas: a
convenção, que é o negócio jurídico que a antecede e a execução, mediante a
entrega da coisa, nos termos do que foi acordado164.
Ainda que o Código Civil em seu artigo 227 estipule a
necessidade de prova escrita para contratos cujo valor ultrapasse 10 (dez) salários
mínimos, a prática demonstra que nem sempre é assim que se procede.
Tome-se como base um exemplo corriqueiro de alienação de
automóvel, que em sua grande maioria ultrapassa os 10 (dez) salários mínimos
mencionados no parágrafo anterior. A convenção entre as partes é quase sempre
verbal. Estipula-se um valor, paga-se o quantum e o bem é transferido ao
adquirente. Não há, de modo geral, formalização de um contrato escrito.
Nos negócios jurídicos que envolvem móveis a informalidade é
quase sempre a regra que se faz presente, especialmente porque a comprovação da
transferência da propriedade prescinde de prova escrita para sua formalização,
bastando a tradição para que se concretizem.
Dada a dificuldade de comprovar a titularidade dos bens
móveis pela ausência de documento, é bastante comum que a pretensão executória
se veja frustrada, dando azo à inadimplência, prestigiando-se o mau pagador em
total detrimento dos direitos do credor, por ausência do cumprimento de algumas
regras de Direito Civil, como a mera observação que a transferência de bens móveis
se opera com a tradição (disposição expressa do artigo 1.226 do Codex).
Como já explanado, a penhora para satisfação dos direitos do
credor pode incidir sobre coisas móveis; e pela ordem de preferência estabelecida
pelo artigo 655 do Código de Processo Civil, inicia-se por dinheiro, seguida por
veículos de via terrestre.
164 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. p. 341
72
Para a penhora de valores monetários que se encontram sob a
guarda de instituições financeiras, o Bacenjud, sistema em franca aplicação nos dias
de hoje, como vislumbrado pelas jurisprudências colacionadas no subtítulo anterior
(3.2), tem auxiliado de forma bastante satisfatória a atender as demandas
executórias, o que não se verifica com o sistema Renajud, senão vejamos.
De acordo com seu regulamento, uma vez registrada a ordem
judicial de constrição, pode ser impedido o registro de mudança da propriedade do
veículo e o licenciamento no sistema RENAVAM165, pode ocorrer a restrição na
circulação do veículo em território nacional, sendo autorizado seu recolhimento a
depósito, bem como pode ser procedida a averbação da penhora no sistema166.
Em nenhum momento constata-se no regulamento menção
expressa acerca da necessidade do veículo estar cadastrado em nome do
executado/devedor para que a restrição seja efetivada.
Até mesmo porque o registro de veículos é ato de natureza
administrativa, não tendo o condão de transferir a propriedade. Por certo que constar
o nome no certificado de registro de veículos (CRV)167 faz prova de presunção da
propriedade. No entanto, tal presunção é iuris tantum, admitindo prova em contrário,
já que a para a transmissão da propriedade móvel não é necessário o registro, basta
a tradição, como bem leciona Miranda168:
se a lei exige que algum bem seja registrado, o dever de inscrição só se há de entender para certos efeitos (plano da eficácia, e não plano da existência). Raramente as leis dos diferentes sistemas jurídicos exigem a inscrição para que se possam constituir negócios jurídicos (plano da validade). De ordinário, a sanção é policial ou penal. [...] Todavia, tal inscrição não tem qualquer efeito constitutivo ou translativo da propriedade. O registro só tem finalidade policial ou de publicidade. A prova da posse e da propriedade faz-se segundo os princípios de direito privado.
165 O RENAVAM, de acordo com o artigo 19, inciso IX da Lei 9503/97, é o Registro Nacional de
Veículos Automotores. 166 Disposição contida nos artigos 6º a 10º do Regulamento Renajud, disponível em
<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8460&Itemid=1026>. Acesso em: 10/04/2010.
167 O Código de Trânsito Brasileiro estabelece no capítulo XI, que trata do registro de veículos, que todo veículo deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito. Uma vez registrado, após consultar o cadastro do RENAVAM, será expedido o Certificado de Registro de Veículo.
168 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. p. 46/47.
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Acerca da necessidade da inscrição no cadastro de veículos
automotores, o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da responsabilidade acerca de
atos ilícitos cometidos no trânsito, já pacificou entendimento como se constata na
súmula 132:
Súmula 132. A ausência de registro não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado.
A disposição demonstra que o registro da transferência da
propriedade de veículos automotores é ato meramente administrativo,
permanecendo a regra de Direito Civil que a propriedade se transfere com a
tradição. Se assim, não fosse, por certo que o anterior proprietário, nos casos
amparados pela súmula acima, teria responsabilidade solidária.
O Código Nacional de Trânsito deste modo expõe acerca da
necessidade da expedição de novo Certificado de Registro de Veículos
Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
I - for transferida a propriedade;
Como se verifica, em nenhum momento a lei específica –
Código de Trânsito Brasileiro- preconiza que o registro transfere a propriedade, pelo
contrário, a transferência da propriedade é que deve ser registrada, mantendo-se
hígida a regra contida no Código Civil de que a transferência da propriedade móvel
se dá pela tradição.
Ocorre que alguns magistrados têm adotado posição
desfavorável ao credor ao aventarem a necessidade de constar o nome do devedor
no cadastro RENAVAM para que se proceda a penhora/restrição on- line via sistema
Renajud, como se extrai do corpo do acórdão169 que segue:
[...]O Tribunal de Justiça de Santa Catarina aderiu ao sistema RENAJUD por meio do Provimento n. 30/2008 da Corregedoria Geral
169 A.I 2009.056341-3, de São Bento do Sul, Des. Rel. Nelson Schaefer Martins, j. em 22/03/2010.
Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?parametros.todas=renajud¶metros.rowid=AAARykAAHAAABfQAAB> Acesso em: 13005/2010.
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da Justiça, para determinar a observância dos critérios estabelecidos pelo Regulamento n. 30/2008 do Conselho Nacional de Justiça para a penhora online de veículos.
Para que se proceda a penhora pelo sistema RENAJUD faz-se necessário que o credor aponte a existência de veículo cuja propriedade seja do devedor pelo cadastro do RENAVAM, com atenção aos critérios de pesquisa estabelecidos pelo art. 6º, §1º, do Regulamento n. 30/2008 do Conselho Nacional de Justiça (Regulamento RENAJUD), que prescreve:
"§1º Para possibilitar a efetivação de restrições, o usuário previamente consultará a existência do veículo no sistema RENAVAM, com possibilidade de indicação dos seguintes argumentos de pesquisa: placa e/ou chassi e/ou CPF/CNPJ do proprietário".
Verifica-se que a certidão expedida pelo DETRAN, que detém fé pública, contém todos os dados requeridos pelo art. 6º, §1º, da Resolução n. 30/2008 do Conselho Nacional de Justiça para o requerimento de restrições via RENAJUD, pois indica que estão registrados dois veículos no CPF do executado com indicação dos números dos chassis e dos códigos das placas dos automóveis (fl. 25). destacou-se
Data vênia, a posição adotada afronta totalmente os direitos do
credor. Várias são as situações em que este não coloca bens em seu nome,
justamente para frustrar o adimplemento de suas obrigações e a posição adotada
pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina acaba por acolher tal pretensão furtiva.
O ordenamento jurídico preza a boa-fé de terceiros e
atualmente, protege também estado de aparência como argui Venosa170:
se a sociedade não pode prescindir da aparência para a sua sobrevivência, o Direito não pode furtar-se de proteger os estados de aparência, sob determinadas condições, porque se busca, em síntese, a adequação social. Sempre que o estado de aparência for juridicamente relevante, existirão normas e princípios gerais de direito a resguardá-lo. Não é, no entanto, a aparência superficial que deve ser protegida, mas aquela exteriorizada com relevância social e conseqüentemente jurídica. [...]Neste diapasão reflitamos sobre a realidade social que nos envolve. Nosso vizinho reside em imóvel que é presumivelmente seu; o transeunte, que porta relógio, deve ter relação jurídica com o objeto; provavelmente é seu proprietário. Não nos incumbe questionar a cada momento se o morador é proprietário, locatário, comodatário ou usurpador do imóvel, nem se o relógio pertence legitimamente ao seu portador. Esse
170 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. p. 41/42.
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questionamento permanente é inimaginável. Por essa razão, em prol do resguardo da verdadeira acomodação social, cabe ao Direito fornecer meios de proteção àqueles que se mostram como aparentes titulares de direitos.
Posição não divergente se encontra em Farias171 para quem:
se a relativização da noção de propriedade é uma das facetas do atual enfoque deste direito subjetivo, a outra necessariamente se encontra no reconhecimento da multiplicidade de propriedades, rompendo-se definitivamente com o modelo unitário que nos foi legado pelo Código Napoleônico. [...] A multiplicidade de propriedades não pode apenas ser encarada pelo ângulo objetivo, com base em características do bem apropriado (móvel, imóvel, urbano, produção), mas principalmente pelos viés subjetivo de quem exerce a titularidade. Esta é a melhor forma de repersonalização do direito de propriedade. [...] Vasto e instigante é o território da aparência no direito civil. Como fato social, muitas vezes o direito protegerá aquelas situações que se apresentam ao senso comum como uma realidade jurídica. De forma pioneira, Orlando Gomes aconselha a validação dos atos praticados por pessoas que verdadeiramente não possuem o direito de realizá-los, mas “apresentam-se, aos olhos de todos como se fossem os autênticos titulares desse direito. [...] O princípio básico dos reais é a proteção da aparência. [...] A teoria da aparência aplica-se ao direito de propriedade. Razões sociais e econômicas justificam o reconhecimento da eficácia dos atos praticados por pessoa que se apresente como proprietária de um bem sem que o seja de verdade, por aparentar a titularidade do direito subjetivo.
Se existe a proteção jurídica ao terceiro de boa-fé quando se
constata uma situação aparente, não há justificativa para que não seja tutelado o
direito do credor sobre o devedor, que se utiliza do subterfúgio de não registrar
qualquer bem em seu nome para não responder por suas obrigações.
Uma pessoa que utiliza o veículo, paga suas taxas, o conserva,
abastece, faz os reparos necessários etc por certo é o proprietário, ainda que esta
relação com a coisa seja apenas de aparência, uma vez que pode ser mero
possuidor ou detentor. No entanto o credor não tem a seu dispor mecanismos para
saber a que título o executado possui certo bem. Se o devedor está exercendo a
posse do bem móvel, muito provavelmente que seja também o proprietário, já que
perante terceiros está exercendo todas as prerrogativas do direito de propriedade,
exercendo plenamente a titularidade.
171 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. p. 350/353
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Neste sentido, colhe-se do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul:
EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO MANEJADA POR QUEM NÃO É POSSUIDOR DO BEM CONSTRITO. HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE A AUTORA NÃO FAZ PROVA CONVINCENTE A RESPEITO DA PROPRIEDADE DO OBJETO DA PENHORA. COISA MÓVEL.
A posse de coisa móvel faz presumir a propriedade. Evidenciado pela prova oral que o bem constrito se achava na posse do devedor, que nada alegou quando da constrição, não há lugar para desconstituir-se a penhora em favor de quem sequer tinha a posse do bem. Embargos rejeitados. Sentença confirmada por seus fundamentos. (Recurso Inominado 71000833780, Des. Rel. Clóvis Moacyr Mattana Ramos, j. em 19/04/2010)
PENHORA. BEM MÓVEL. TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE. TRADIÇÃO. A PROPRIEDADE DOS BENS MÓVEIS TRANSMITE-SE PELA TRADIÇÃO. ART. 620, CCB. BEM EM PODER DA EXECUTADA. PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE NÃO DESFEITA POR PROVA ADEQUADA. ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO QUE NÃO AFASTA A CONSTRIÇÃO. ARTS.592, IV E 593, II, CPC. PENHORA MANTIDA. DERAM PROVIMENTO.(A.I 70001693340, DES. REL. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JUNIOR, J. EM 28/11/2000)
O só fato de o veículo não estar cadastrado em nome do
executado não pode servir de óbice para a efetivação da penhora, com posterior
alienação judicial e entrega do produto da venda ao credor, quando por outros meios
se comprove a propriedade móvel.
Aliás, esta posição é adotada por vários Tribunais, que
consideram que o registro no Detran constitui “mera cautela perficiente ao ato
translativo, como regularidade administrativa, publicitária e autorizativa para
circular”172.
Neste sentido é da jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais:
APELAÇÃO - EMBARGOS DE TERCEIRO - VEÍCULO - PENHORA - TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE - TRADIÇÃO - COMPROVAÇÃO - ADQUIRENTE DE BOA-FÉ -
172 Apelação cível n. 27.584/DF, 3ª Turma Cível, do TJDF, unânime, relatora Desembargadora
FÁTIMA NANCY ANDRICHI) (STJ, 2ª Turma, REsp n. 162410-MS, rel. Min. Adhemar Maciel, j. em 21.05.98, in DJU 17.08.98, p. 00058).
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CONSTRIÇÃO AFASTADA. A transferência de propriedade de veículo automotor é realizada, por ser um bem móvel, mediante a tradição da coisa, independentemente da alteração do registro junto ao DETRAN. Restando comprovado nos autos que a aquisição do veículo constritado ocorreu em data anterior ao ajuizamento da ação de execução, a penhora não merece subsistir, pois a propriedade do bem não mais pertencia ao executado. Recurso provido. (A. C 1.0348.08.003537, Des. Rel. Electra Benevides, j. em 28/04/2010) APELAÇÃO CIVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA DE VEÍCULO - PROVA DA POSSE - INEXISTÊNCIA - VEICULO ENCONTRADO NA POSSE DO EXECUTADO - BEM MÓVEL - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE - TRADIÇÃO - RECURSO IMPROVIDO. I - Os embargos de terceiro é a ação cabível por aquele que sofre turbação ou esbulho em sua posse decorrente de ato de apreensão judicial, na esteira do art. 1.046 do Código de Processo Civil. II - Em se tratando de veículo automotor, o certificado de registro do veículo junto ao Departamento de Trânsito constitui mera formalidade administrativa, não provando a posse e nem mesmo a propriedade efetiva do embargante sobre o mesmo, notadamente quando o veículo penhorado é encontrado na posse do executado. Os bens móveis se transmitem pela tradição. (A.C 1.0335.05.000319, Des. Rel. Marcelo Rodrigues, j. em 20/05/2009)
EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA DE VEÍCULO - POSSE DO EXECUTADO. Admite-se a penhora de veículo encontrado na posse do executado, ainda que registrado em nome de terceiro, pois o bem móvel se adquire pela tradição (A. C. 1.0382.07.077176-3/001;Des. Rel. Osmando Almeida, j. em 19/08/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PROVA DA POSSE E PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DETRAN. IRRELEVÂNCIA. BEM MÓVEL QUE SE TRANSMITE PELA TRADIÇÃO. DECISÃO SINGULAR REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. 1- A inexistência de registro no órgão de controle administrativo de trânsito - DETRAN/MG - mostra-se irrelevante, pois a aquisição de coisa móvel se opera pela simples tradição, nos termos do art. 1.226 do Código Civil. 2- Desse modo a penhora deve ser deferida, uma vez que o caminhão em tela é o único bem disponível, bem como por se encontrar em poder do devedor há mais de dois anos. 3- Agravo a que se dá provimento. (A.I 1.0388.05.010158, Des. Rel. Francisco Kupidlowsli, j. em 15/01/2009)
Ainda que para deferir a penhora online de veículos
automotores o Tribunal deste Estado preconize a necessidade de constar o nome do
devedor no cadastro do RENAVAM, tal posição não é mantida ao se tratar de
terceiros de boa-fé que tenham adquirido veículos e não os tenham transferido para
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o seu nome, como é possível constatar nos julgados a seguir:
EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO. PENHORA. INCIDÊNCIA SOBRE VEÍCULO TRANSACIONADO. EMISSÃO DE AUTORIZAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA E EFETIVA TRADIÇÃO. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA AFASTAR A CONSTRIÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA, ALIÁS, JÁ NOTICIADA PELO MEIRINHO QUANDO DO ATO DE PENHORA. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA FIRMA DO VENDEDOR NO DOCUMENTO DE AUTORIZAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO. IRRELEVÂNCIA. TRANFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE COISA MÓVEL QUE SE OPERA PELA TRADIÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.(A. C 1998.012833-1, da Capital., Des. Rel. Cesar Abreu, j. em 26/02/2002)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIROS LIMINAR DEFERIDA. TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO PELA TRADIÇÃO (CC, ARTS. 1.226 E 1.267) . SUCESSIVAS ALIENAÇÕES. BOA-FÉ DO EVIDENCIADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS INSCULPIDOS NO ARTIGO 1.046 DO CPC. Para o deferimento de liminar em sede embargos de terceiro, a teor do que disciplina o art. 1.051 do CPC, basta uma análise perfunctória das provas coligidas aos autos, as quais devem suficientemente demonstrar a posse de boa-fé do embargante. Nessa linha de princípio, a presunção de boa-fé que milita em favor do possuidor do bem adquirido por intermédio de sucessivas alienações prevalece até prova em contrário.(A.I 2006.007144-7, de Videira, Des. Rel. Salete Silva Sommariva, j. em 05/12/2006)
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. VEÍCULO OBJETO DE APREENSÃO JUDICIAL EM CAUTELAR DE SEQÜESTRO. PROPRIEDADE E POSSE DO EMBARGANTE COMPROVADAS. BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 1.046 DO DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL DEVIDAMENTE PREENCHIDOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, DECISUM MANTIDO RECURSO DESPROVIDO.(A. C 2002.015071-7, Des. Rel. Mazoni Ferreira, j. em 11.05.2006)
Considerando que este Sodalício, pelo que se extrai dos
julgados supra, concorda que a tradição é modo de aquisição da propriedade móvel
e que, ainda que não registrado no órgão de trânsito, o bem pertença a terceiro de
boa-fé, era de se presumir que quando o executado exerce todas as faculdades da
propriedade com relação ao veículo, ainda que não conste do cadastro
administrativo, seja considerado proprietário.
79
E em sendo assim, seria perfeitamente cabível a constrição via
sistema Renajud de veículos do executado que constem no cadastro RENAVAM em
nome de terceiros para evitar alienações indevidas.
Frise-se que o Código de Trânsito Brasileiro até poderia prever
que a propriedade de veículos automotores se transfere somente com o registro no
RENAVAM, e sendo assim, por ser norma específica subrogaria a norma geral
contida no Código Civil173.
No entanto, não há tal previsão na norma específica, e
prevalece, portanto, que a tradição é forma de transmissão da propriedade móvel, e
no caso específico de veículos automotores, prescinde do registro.
Os sistemas para facilitar o adimplemento das obrigações
existem, bastando que os Tribunais, especialmente o de Santa Catarina, se adéqüe
a realidade e atenda aos clamores da sociedade.
O devedor tem vários direitos assegurados, dentre eles o da
menor onerosidade, o da impenhorabilidade de certos bens, o da dignidade da
pessoa humana. Porém, onde ficam os direitos do credor, que já frustrado no
negócio jurídico, ainda se vê prejudicado pela posição incoerente de alguns
magistrados?
As normas jurídicas estão evoluindo, porém de nada adianta
esta evolução se os operadores do direito não agirem com proporcionalidade e
equidade.
173 Em se verificando antinomia jurídica, ou seja, o conflito entre duas ou mais normas emanadas pela
autoridade competente, três são os critérios para a solução: o hierárquico, o cronológico e o da especialidade. Este último preconiza que lex specialis derogat legi generali (norma especial revoga a geral), visto que o legislador, ao tratar de maneira específica de um determinado tema faz isso, presumidamente, com maior precisão. KÜMPEL, Vitor Frederico. A antinomia de segundo grau e o novo Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, 05/2004. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5373> . Acesso em 13/05/2010.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho focou, de forma objetiva, na análise dos
sistemas judiciais para a constrição de bens móveis, especialmente de veículos
automotores, tendo em vista a satisfação do crédito cobrado em processo de
execução.
Iniciou-se a pesquisa com um breve estudo de conceitos
imprescindíveis ao entendimento do Direito das Coisas.
A posse, detenção, domínio e propriedade geram controvérsias
acadêmicas e doutrinárias há bastante tempo. Buscou-se, na primeira parte do
capítulo inaugural desmistificar alguns desses conceitos para aclarar o
desenvolvimento do trabalho.
Na sequência, ainda dentro do primeiro capítulo, foram
buscados conceitos acerca dos Direitos Reais e sua diferença com relação aos
Direitos Pessoais.
Foi estudado o mais amplo dos Direitos Reais: a propriedade
em geral, suas características basilares, culminando com a averiguação dos
conceitos específicos da propriedade móvel e sua principal forma de transmissão,
que é a tradição.
O capítulo 2 ateve-se a investigação do processo,
especialmente o Processo de Execução. Foram pesquisados seus princípios,
normas, formas de desenvolvimento, as principais alterações legislativas, que o
modificaram substancialmente, sua formação e extinção.
Também se averiguou quais são as espécies de execução
constantes do ordenamento processual, como se procede a penhora e demais atos
para que os direitos do credor possam ser satisfeitos, uma vez que o devedor tenha
deixado de adimplir com sua obrigação.
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O capítulo de encerramento convergiu ao tema do presente
trabalho, no qual se buscou analisar como os Tribunais vêm enfrentando a questão
da penhora de bens móveis, quais são os sistemas judiciários disponíveis para a
efetiva satisfação dos direitos do credor.
Constatou-se que o Conselho Nacional de Justiça desenvolveu
dois programas para serem utilizados pelos magistrados em tempo real visando a
penhora de valores monetários e a constrição de veículos automotores.
O primeiro, denominado Bacenjud é bastante efetivo, uma vez
que penhora diretamente da conta de devedores, valores que estejam sob a guarda
dos estabelecimentos bancários, satisfazendo de pronto a pretensão do credor.
O segundo sistema, que é utilizado para a restrição tanto de
circulação como de transferência no órgão de trânsito de veículos automotores,
chamado Renajud também poderia ser de grande utilidade, se não fosse a posição
conservadora do Tribunal de Santa Catarina, que acaba por prejudicar por demais
os direitos do credor.
Verificou-se, e assim, respondeu-se às perguntas formuladas
para o presente trabalho e confirmaram–se as hipóteses levantadas, que a
transmissão da propriedade móvel se opera com a tradição, sendo desnecessário o
registro em qualquer órgão, o que torna incipiente a posição adotada pelo Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, que entende ser necessário o veículo estar registrado
no órgão de trânsito para a utilização do sistema Renajud.
Uma observação bastante interessante foi procedida: os
Tribunais dos quais se colacionaram alguns julgados, inclusive o de Santa Catarina,
quando se trata da proteção do direitos de terceiros, que nos casos de penhora
indevida materializam-se através dos Embargos de Terceiro, adotam a posição de
que o registro no órgão de trânsito é ato meramente administrativo e não tem o
condão de transferir a propriedade, o que confirma a primeira hipótese argüida.
No entanto, ao enfrentar a utilização do Renajud é necessário o
registro. Tal posição se mostra contraditória e injusta. O devedor tem ao seu lado,
vários meios de proteção, como o da impenhorabilidade de certos bens, da
82
dignidade da pessoa humana, da menor onerosidade dos meios executórios. E o
credor, o que tem ao seu favor?!
É cediço que devedores contumazes se desfazem de seu
patrimônio para não dar azo à satisfação da pretensão do credor, o que não mais
pode ser permitido pelos Tribunais, que aplicam e dinamizam o Direito.
Se há meios eficazes que comprovem que quem exerce a
titularidade da propriedade de um veículo é o devedor, deveria ser amplamente
utilizado o Renajud, como forma de evitar alienações e proteger terceiros, mas
principalmente tutelando-se o credor.
A conclusão alcançada é que existem meios eficazes que
permitem a rápida garantia dos direitos do credor, no entanto, a posição adotada,
especialmente pelo Tribunal de Santa Catarina, torna inútil o desenvolvimento de
sistemas como o Renajud. O mero entendimento de que é desnecessário constar o
executado no órgão de trânsito como proprietário do veículo para a utilização do
Renajud dinamizaria as Execuções e agilizaria os processos judiciais, dando-se uma
solução rápida, justa e equânime aos anseios do credor.
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