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ANDRÉIA NOGUEIRA FERREIRA A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS NA MÍDIA: Itaú Personnalité e Banco do Brasil Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientadora: Profa. Dra. Maria Silvia Olivi Louzada. FRANCA 2009

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ANDRÉIA NOGUEIRA FERREIRA

A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS NA MÍDIA: Itaú Personnalité e Banco do Brasil

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientadora: Profa. Dra. Maria Silvia Olivi Louzada.

FRANCA 2009

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ANDRÉIA NOGUEIRA FERREIRA

A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS NA MÍDIA: Itaú Personnalité e Banco do Brasil

Comissão Julgadora do Programa De mestrado em Linguística

Presidente: Profa. Dra. Maria Silvia Olivi Louzada Unifran

Titular 1: Profa. Dra. Marina Célia Mendonça Unifran

Titular 2: Profa. Dra. Jauranice Rodrigues Cavalcanti Puccamp / Metrocamp

Franca, 27/02/2009

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AGRADECIMENTOS

À minha família: Alessandro, Gabriela e Pedro, pela compreensão diante

das horas gastas neste trabalho.

À professora Dra. Maria Silvia Olivi Louzada, por sua paciente e dedicada

orientação.

Às professoras participantes do exame de qualificação, Marina Célia

Mendonça e Ana Cristina Carmelino, obrigada pelas sugestões para melhoria do

projeto de pesquisa.

Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

deste trabalho.

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RESUMO FERREIRA, A. N. A constituição discursiva de instituições bancárias na mídia: Itaú Personnalité e Banco do Brasil. 2008. 112 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca-SP.

O presente trabalho apresenta como suporte teórico os estudos do discurso realizados por Pêcheux e, principalmente, os de autores contemporâneos, tais como Maingueneau e Charaudeau. Entende-se que o mundo midiático participa da construção do imaginário popular, o que permite aos indivíduos e instituições perceberem a si mesmos e esboçar suas identidades. Tomamos como objeto de estudo comparativo duas séries de propagandas veiculadas em mídias impressas em 2007, tais como as revistas Piauí, Veja, Isto É, Cláudia, Época, Época Negócios, e Você S/A: (a) propagandas de um segmento do Banco Itaú, o Itaú Personnalité, que tem por objetivo oferecer aos clientes, pessoas físicas de alta renda, uma opção diferenciada de atendimento, e, ainda, a primeira edição da revista Itaú Personnalité; (b) a mais recente campanha publicitária do Banco do Brasil (2007). Pretende-se analisar como se dá a construção desses discursos publicitários, as cenas enunciativas e o ethos, observando quais os traços de identidade das referidas instituições. Palavras–chave: discurso; sentido; identidade; ethos; cena enunciativa.

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ABSTRACT FERREIRA, A. N. A constituição discursiva de instituições bancárias na mídia: Itaú Personnalité e Banco do Brasil. 2008. 112 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca-SP. The present work presents as theoretical support the studies of the speech accomplished by Pêcheux and mainly by other contemporary authors such as Maingueneau and Charaudeau. We understand that the media world participates in the popular imagination construction, which allows individuals and institutions to realize themselves and to sketch their identities. We took as object of comparative study two series of advertising transmitted in printed media in 2007, such as Piauí, Veja, Isto É, Cláudia, Época, Época Negócios and Você S/A: (a) Advertising from a Banco Itaú’s segment, the Itaú Personnalité, that aims to offer the customers, people with high incomes, a differentiated attendance option, and still, the Itaú Personnalité magazine’s first edition; (b) the most recent Banco do Brasil’s publicity campaign. It intends to analyze the process of those publicity speeches construction, the enunciative scenes and the ethos, observing which are the traces of identity of the referred institutions. Key words: Speech; sense; identity; ethos; enunciative scene.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007. .

59

Figura 2 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

62

Figura 3 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip,edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

64

Figura 4 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

66

Figura 5 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

68

Figura 6 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

70

Figura 7 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1971, ano 39, Nº 34, agosto de 2006.

74

Figura 8 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1973, ano 39, Nº 36, setembro de 2006.

77

Figura 9 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Piauí. São Paulo: Abril, edição2, ano1, Nº 2, novembro de 2006.

80

Figura 10 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Piauí. São Paulo: Abril, edição 8, ano1, Nº 8, maio de 2007.

83

Figura 11 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Cláudia. São Paulo:Abril, edição 541, ano 45, Nº 10, outubro de 2006.

86

Figura 12 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Cláudia. São Paulo: Abril, edição 553, ano 46, Nº 10, outubro de 2007.

88

Figura 13 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Época Negócios. São Paulo: Globo, edição 6, ano1, Nº 6, agosto de 2007.

91

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7

Figura 14 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Você S/A. São

Paulo: Abril, edição 111, Nº 6, setembro de 2007.

94

Figura 15 Propaganda do Banco do Brasil na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1992, ano 40, Nº 3, janeiro de 2007.

99

Figura 16 Propaganda do Banco do Brasil na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 2028, ano 40, Nº 39, outubro de 2007.

100

Figura 17 Figura 18

Propaganda do Banco do Brasil na revista Época. São Paulo: Globo, edição 489, Nº 489, outubro de 2007. Propaganda do Banco do Brasil na revista Isto É. São Paulo: Três, edição 1979, ano 30, Nº 1979, outubro de 2007.

101 102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10

1 A ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM, PRINCIPAIS FUNDAMENTOS E PENSADORES................................................................ 15

1.1 A ORIGEM.................................................................................................... ... 15

1.2 A IDEOLOGIA EM ALTHUSSER.................................................................. ... 17

1.3 O CONCEITO DE FORMAÇÃO DISCURSIVA PARA FOUCAULT.............. ... 19

1.4 PÊCHEUX E A ANÁLISE DO DISCURSO ................................................... ... 20

1.5 DOMINIQUE MAINGUENEAU: NOÇÕES FUNDAMENTAIS....................... ... 24

1.5.1 Gênero.......................................................................................................... 25

1.5.2 Cena Enunciativa.......................................................................................... 27

1.5.3 Ethos ............................................................................................................ 28

1.5.4 Interdiscurso: Universo Discursivo, Campo Discursivo e Espaço Discursivo 32

1.5.5 Sistema de Restrições Semânticas .............................................................. 34

2 AS RELAÇÕES DISCURSO E MÍDIA ......................................................... ... 39

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2.1 O FUNCIONAMENTO DISCURSIVO DA MÍDIA .......................................... 39

2.2 O DISCURSO DA PUBLICIDADE ................................................................ 48

3 ETHOS E CORPORALIDADE EM PROPAGANDAS DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS............................................................................................................. 53

3.1 ITAÚ PERSONNALITÉ: A CORPORIFICAÇÃO DE UM ETHOS REQUINTADO

...................................................................................................................... 55

3.1.1 Revista Itaú Personnalité.............................................................................. 57

3.1.2 Propagandas do Itaú Personnalité em diferentes revistas............................ 71

3.1.3 Propagandas do Itaú Personnalité na revista Veja....................................... 72

3.1.4 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Piauí........................................ 78

3.1.5 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Cláudia.................................... 85

3.1.6 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Época Negócios...................... 90

3.1.7 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Você S/A ................................. 92

3.2 BANCO DO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS POPULAR .......... 97

CONCLUSÃO ................................................................................................. 106

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 109

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INTRODUÇÃO

“As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar – uma palavra mais verdadeira poderia de eco em eco desabar pelo despenhadeiro as minhas altas geleiras. Assim, pois, não falarei mais no sorvedouro que havia em mim enquanto eu devaneava antes de adormecer.”

Clarice Lispector

Esses versos de Clarice Lispector mostram sutilmente aquilo que levamos

tempo de estudo, leitura e reflexão para compreender, ou seja, que a linguagem não

pode ser compreendida como um sistema significativo fechado, sem relação com o

exterior. O trabalho de compreensão da linguagem põe em cena sujeitos e sentidos

afetados pela língua e pela história, devendo ser compreendida a partir de um contexto

histórico-ideológico dos sujeitos que a produzem e a interpretam.

Em nossa pesquisa, estudamos este processo de compreensão da

linguagem a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso (AD) de origem

francesa, segundo a qual, discurso é o lugar em que língua e ideologia se relacionam,

sendo efeito de sentidos entre locutores. Nessa perspectiva não existe discurso sem

sujeito e sujeito sem ideologia e, ainda, não existe um discurso que não se relacione

com outros, ou seja, um dizer está sempre em relação com outros dizeres.

Sob a linguagem são escondidos mecanismos de dominação, relações de

poder e a Análise do Discurso busca desvendar esses mecanismos que se escondem

por trás da linguagem. Não devemos, portanto, conceber o discurso apenas na órbita

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da textualidade, mas também devemos nos deslocar em direção a seu contexto,

fazendo aparecer uma disposição semântica entre aspectos textuais e não-textuais.

Dessa forma, o enunciado não é caracterizado apenas pela sua forma composicional e

seu estatuto lingüístico, mas também pelas suas condições de produção que aparecem

materializadas no discurso.

Procuramos amparar nossa pesquisa nesses pressupostos da AD,

utilizando como corpora propagandas de instituições bancárias – do Banco do Brasil e

do Itaú Personnalité -, pois temos a propaganda como um gênero textual de inúmeras

facetas, que busca persuadir o público-alvo, introduzindo-o em um mundo de sonhos,

desejos e fantasias, participando assim, da construção do imaginário social. Nossa

opção por essas propagandas se deveu a acreditarmos que a relação entre bancos e

consumidores é revestida de simbologias, em que as instituições bancárias habilitam-se

como facilitadoras de acesso a valores relacionados aos desejos e interesses de seu

público, concedendo um poder, de certo modo, aos clientes: o de adquirir o que eles

não têm.

Neste trabalho, elegemos para análise uma série de propagandas

veiculadas em mídia impressa, de um segmento do Banco Itaú, o Itaú Personnalité, que

tem por objetivo oferecer aos clientes, pessoas físicas de alta renda, uma opção

diferenciada de atendimento, e, ainda, uma campanha publicitária do Banco do Brasil,

também veiculada em mídia impressa. Para critério de escolha, buscamos selecionar

propagandas em diferentes revistas com a intenção de não basear as análises em

características mais vistosas, mas também examinar os pormenores negligenciáveis.

Utilizamos ainda, como objeto de pesquisa, a edição número 1 da revista

Itaú Personnalité, sendo esta a primeira revista lançada por um banco, com o intuito de

complementar e reforçar nossa pesquisa no que diz respeito às estratégias discursivas

utilizadas pelo Itaú Personnalité. Dela buscamos analisar algumas publicidades

direcionadas ao cliente Personnalité.

Nosso objetivo, ao selecionar estes corpora é o de contrastar as

estratégias discursivas das duas instituições nas propagandas em questão, ou seja, de

um segmento direcionado a pessoas físicas de alta renda, o Itaú Personnalité, e de

outro segmento visado pelo Banco do Brasil, pessoas de menor poder aquisitivo. É bom

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lembramos que o Banco do Brasil também tem um segmento direcionado às pessoas

físicas de alta renda, o Cliente Estilo¹, porém não propaga. Buscamos observar se há

diferenças nessas relações entre os bancos analisados e os consumidores almejados,

se há estratégias discursivas distintas ou se, no fundo, a abordagem discursiva é a

mesma.

Cada discurso define o estatuto que o enunciador deve conferir-se e o que

deve conferir a seu destinatário para legitimar o seu dizer. Maingueneau (2005, p. 98)

afirma: “O destinatário não é somente um consumidor de ‘idéias’. Ele acede a uma

maneira de ser através de uma maneira de dizer”. Portanto, há relação entre a maneira

pela qual o texto é produzido e consumido, caso contrário, o discurso não alcançaria

eficácia.

Dessa forma, buscamos ainda analisar nas cenas enunciativas, o ethos

que é projetado pelo enunciador em função do público-alvo, como as instituições

projetam traços de identidade, da instituição e do co-enunciador, em suas campanhas

publicitárias.

O universo do discurso engloba os acontecimentos do mundo, porém

estes só adquirem sentido por meio da estruturação da linguagem, assim, o discurso ao

mesmo tempo em que está relacionado a um ato de troca, volta-se para o mundo para

recortá-lo através da estruturação da linguagem e reconstituí-lo em categorias de

sentido, não estando, porém, os sentidos nas palavras, mas sim, determinadas pelas

posições daqueles que as empregam, ou seja, pelas posições ideológicas inerentes ao

processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas.

De acordo com Eni Orlandi (2005, p.154):

Na AD não há sentidos em si. Eles são “relação a” e não são gerais, mas se determinam pelas condições em que são produzidos, em formações imaginárias: imagem de quem fala, das circunstâncias em que irrompem. Mais do que isso, os sentidos não dependem de nossas intenções, mas de possibilidades e necessidades reais concretas com seus efeitos simbólicos. E funcionam ideologicamente.

¹O Banco do Brasil Estilo é um segmento desenvolvido para pessoas físicas de alta renda (Renda igual ou acima R$ 6 mil ou investimentos a partir de R$100 mil. É um segmento que oferece atendimento personalizado, com produtos e serviços diferenciados. Fonte: site www.bb.com.br

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Percebemos que não existe escolha neutra. Por meio do mecanismo de

antecipação, que condiciona todo discurso, a instância de produção tem a capacidade

de experimentar, ou melhor, de colocar-se no lugar da instância de recepção de forma

que esta ouça suas palavras, antecipando assim quanto ao sentido que estas possam

produzir. Dessa forma, a antecipação regula a argumentação pelo efeito que se pensa

produzir no interlocutor.

Para Orlandi (1999, p. 41-42):

Como em um jogo de xadrez, é melhor orador aquele que consegue antecipar o maior número de ‘jogadas’, ou seja, aquele que mobiliza melhor o jogo de imagens na constituição dos sujeitos, esperando-os onde eles estão, com as palavras que eles ‘querem’ ouvir.

O trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro capítulo,

ocupamo-nos dos fundamentos da Análise do Discurso, em que procuramos traçar o

percurso da AD, partindo da lingüística saussureana, do estruturalismo, chegamos a

Althusser, Foucault e Pêcheux que fundam as bases do que se tem denominado como

a “Análise do discurso de linha francesa”. Assim, discutimos as contribuições de

Foucault para a AD, em especial, o conceito de formação discursiva, até chegarmos a

Pêcheux, discorremos sobre as três fases nomeadas como AD1, AD2 e AD3. Neste

capítulo, discutimos ainda os conceitos de interdiscurso, gênero, cena enunciativa,

ethos e o sistema de restrições semânticas conforme propõe Dominique Maingueneau

em textos contemporâneos.

No segundo capítulo, procuramos evidenciar a relação entre mídia e

discurso e ainda, discutir a relação entre publicidade e ideologia, tomando como

fundamentos os autores Charaudeau e Chauí.

O terceiro capítulo foi dedicado às analises dos corpora já explicitados

anteriormente. Este capítulo está dividido em seções: na primeira, fazemos um breve

comentário sobre instituições bancárias; na segunda, procedemos à análise da

campanha publicitária do Itaú Personnalité; na terceira seção, analisamos uma

campanha do Banco do Brasil; por fim, na última seção, concluímos as análises sob o

ponto de vista do sistema de restrição semântica e corporificação do ethos.

Sendo o último capítulo dedicado às conclusões.

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Esperamos, com esse trabalho, contribuir para uma melhor compreensão

dos conceitos expostos por Maingueneau utilizados na análise de nossos corpora e

ainda confirmar o que é apontado pela Análise do Discurso, ou seja, expor o olhar do

leitor a níveis opacos, à ação estratégica de um sujeito, já que deve-se considerar a

não transparência do texto e buscar nessa opacidade a presença do político, do

simbólico e do ideológico.

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1 A ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM, PRINCIPAIS FUNDAMENTOS E PENSADORES

Uma vez que nossa pesquisa é fundamentada nos conceitos da Análise do

Discurso, buscamos traçar, neste capítulo, em um breve panorama, o seu percurso e

expor quais os seus conceitos básicos. Partiremos de Saussure, buscando assim,

explicar a origem da Análise do Discurso, já que as elaborações teóricas deste lingüista

desencadearam o surgimento do estruturalismo ao propor conceitos que mudariam o

modo de encarar a lingüística; em seguida, passaremos por Althusser, estudioso que

influenciou com o seu trabalho “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado” na

proposição do conceito de formação ideológica, muito importante para a Análise do

Discurso; a partir de Foucault, refletiremos sobre o conceito de Formação Discursiva, do

qual Pêcheux se apropriará, submetendo-o a um trabalho específico; finalmente

discorreremos sobre as três fases da Análise do Discurso em Pêcheux, o fundador da

Análise do Discurso.

Nosso trabalho apóia-se teoricamente nos conceitos de interdiscurso,

gênero, cena enunciativa, ethos discursivo e semântica global, tal como propostos por

Dominique Maingueneau, por isso os exploraremos em detalhe.

1.1 ORIGEM

A Análise do Discurso Francesa constituiu-se a partir de uma articulação

entre Althusser, Michel Foucault e Michel Pêcheux, os quais propuseram um novo olhar

para a ideologia, o discurso, o sujeito e o sentido.

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Segundo Gregolin (2007), nascida na perspectiva de uma ação

transformadora, a Análise do Discurso abre um campo de questões na própria

lingüística, principalmente nos conceitos de língua, historicidade e sujeito.

A Análise do Discurso surgiu em meio a um contexto em que não era

possível considerar o discurso apenas como conteúdo e encarar a leitura como uma

simples decodificação. Ela visava trabalhar com a não transparência do texto, vendo

nessa opacidade a presença do político, do simbólico e do ideológico.

Acompanhando uma trajetória que se inicia a partir dos anos 1960, vemos

defrontarem-se o estruturalismo, o marxismo e a psicanálise, os quais são atravessados

por lutas políticas e teóricas. Assim, a Análise do discurso surge em meio a uma

discussão de luta de classes, história e movimento social.

O estruturalismo surgiu a partir da noção de estrutura dada por Saussure

ao sistema, permitindo pensar e expor modelos de reflexão sobre a linguagem. Para

Saussure a língua era um produto social, não podendo a mesma ser definida por seu

conteúdo substancial, uma vez que é composta por um sistema de diferenças, no qual

cada signo recebe seu valor por uma negatividade ou oposição a outros signos.

De natureza homogênea, a língua é considerada como um produto social

na mente de cada falante, sendo que este não pode criá-la nem modificá-la. Para o

lingüista, a língua é forma e não substância, sendo considerada apenas como um

instrumento de comunicação.

Segundo Saussure (2006, p.271), “a lingüística tem por único e verdadeiro

objeto a língua”. O autor opõe língua à fala, postulando que esta deve ser estudada

separadamente, assim acaba deixando de lado as leis de organização do discurso.

Ao longo do percurso dos estruturalistas houve sempre a deliberada

exclusão do sujeito. A Análise do Discurso tendo como marco inaugural o ano de 1969,

vai em busca desse sujeito, até então descartado, e vai encontrá-lo em parte na

psicanálise e, em outra, no materialismo histórico, trazendo-o para o centro do novo

cenário.

De acordo com Gregolin (2007), a partir do corte estabelecido por

Saussure entre língua e fala, Pêcheux estabelece uma relação tensa com os conceitos e

métodos da lingüística saussureana, fazendo retornar o sujeito e a história que haviam

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ficado em suspenso. Pêcheux faz uma releitura de Saussure, Marx e Freud, vinculando

teoria à prática política e buscando construir um método para a Análise do Discurso,

enquanto Foucault já dialoga com Nietzsche, Freud e Marx, estando suas temáticas

relacionadas entre os saberes e os poderes na sociedade. Ambos vão construindo cada

qual sua obra a partir de uma contínua releitura desses textos anteriores.

1.2 A IDEOLOGIA EM ALTHUSSER

Apoiado no estruturalismo, o filósofo Althusser faz uma releitura de Marx,

no tocante ao conceito de ideologia, o qual afirma que não é no campo das idéias que

as ideologias existem, pois as mesmas têm existência material, estando relacionadas

às condições materiais de existência dos homens, o materialismo histórico.

Althusser não estava particularmente interessado na linguagem, mas esta

se colocou para o filósofo como uma via por meio da qual se pode depreender o

funcionamento da ideologia, um lugar privilegiado de materialização da ideologia.

Segundo Althusser (1985), na concepção de Marx, a ideologia se cristaliza

nas relações sociais dominantes que, por deter os meios de produção material, detém

também os meios de produção intelectual. Cada ser social representa a organização

social através das relações que estabelece, sendo moldado pela consciência social. As

ideologias nascem das classes sociais em luta: de suas condições de existência, de

suas práticas, de suas experiências de luta.

De acordo com Althusser (1985, p. 41-42):

A ideologia não é um ato de pensamento solitário do “indivíduo”, mas uma relação social que tem por objeto representações; e, além disso, que o objeto da representação não é a materialidade dos homens e da natureza, mas sim as relações sociais “reais”, isto é, as relações práticas que põem em relação os homens entre si e com a natureza.

Dessa forma, o indivíduo é produto das relações sociais e a ideologia

representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições de existência, ou

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seja, a relação do sujeito com o mundo. Uma vez que a ideologia tem uma existência

material, essa existência se materializa em instituições e práticas. Assim, para o autor:

“o que torna instrumento de subordinação ideológica não são os “valores” da burguesia

e os “interesses” de seus representantes, mas seu funcionamento ideológico.”

(ALTHUSSER, 1985, p.17)

Althusser usa a metáfora marxista do edifício para mostrar a teoria da infra

e da superestrutura, o que sustenta e o que é sustentado, o que se apóia e o que serve

de base, na metáfora a base econômica é denominada de infra-estrutura, enquanto as

instâncias político-jurídicas e ideológicas são a superestrutura. Pode-se afirmar que a

base determina todo o edifício, mas somos obrigados a pensar que há uma relativa

autonomia da superestrutura numa ação de retorno sobre a base. A ideologia é parte da

superestrutura, acabando por perpetuar a base econômica que a sustenta.

A partir dessas colocações, temos a ideologia como um instrumento de

dominação de classe, uma vez que a classe dominante faz que suas idéias passem a

ser de todos, ocorrendo um mascaramento da realidade social.

De acordo com Althusser (1985), a classe dominante produz formas de

reprodução e perpetuação das condições materiais, ideológicas e políticas de

exploração, estando todo funcionamento da ideologia dominante nos Aparelhos

Ideológicos de Estado.

Há os Aparelhos Repressores do Estado - o governo, o Exército, a polícia

etc - que funcionam de maneira repressora e secundariamente ideológica, e há os

Aparelhos Ideológicos de Estado - a família, a religião, a escola, a política, a cultura, a

informação etc. - que funcionam ideologicamente e secundariamente pela repressão.

Segundo Althusser (1985), a ideologia representa a relação imaginária do

indivíduo com suas reais condições de existência, tendo existência porque existe

sempre num aparelho e em sua prática. Não existindo prática senão através de e sob

uma ideologia e não existindo ideologia senão através do sujeito e para sujeitos, a

ideologia interpela os indivíduos em sujeitos.

Toda ideologia constitui indivíduos concretos como sujeitos, sendo que a

consciência de ser sujeito é o reconhecimento da posição do indivíduo como sujeito nas

relações sociais, ou seja, ele é produto da interpelação ideológica que o assujeita. O

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sujeito para Althusser é o sujeito da ideologia, sendo pensado como suporte de relações

implícitas na estrutura e a sua individualidade como um efeito determinado pela

estrutura.

1.3 O CONCEITO DE FORMAÇÃO DISCURSIVA PARA FOUCAULT

Foucault tenta construir uma história dos saberes que tomam o homem

como objeto, assim, a relação com o discurso, a história, os sujeitos e a produção de

sentidos está no centro de sua investigação.

O filósofo vê a linguagem como exterior a qualquer falante, para ele,

língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência. Segundo o autor, o que

torna um ato de linguagem em um enunciado seria o fato de ele ser produzido por um

sujeito, em um lugar institucional, determinado por regras sócio-históricas. Propondo-se

a analisar o acontecimento discursivo, Foucault trata o enunciado como um

acontecimento, analisando as condições que possibilitaram seu aparecimento.

Para o autor (apud GREGOLIN 2007, p.94),

É preciso renunciar a todos esses temas que têm por função garantir a infinita continuidade do discurso e sua secreta presença no jogo de uma ausência sempre reconduzida. É preciso estar pronto para acolher o discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade e dispersão temporais... Não remetê-lo à longínqua presença da origem, tratá-lo no jogo de sua instância.

Para Foucault, o discurso (apud BRANDÃO, 2007, p.33), “seria um

conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em uma mesma

formação discursiva”.

É necessário descrever as articulações e jogos de relações desses

enunciados com outros, uma vez que não há um enunciado neutro, independente de

outros, e sim um enunciado desempenhando um papel em meio a um jogo enunciativo.

De acordo com Foucault (2000, p.43),

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No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.

Assim, o que o filósofo descreve como formação discursiva constitui

grupos de enunciados, isto é, um conjunto de performances verbais que estão ligadas

no nível dos enunciados. Dessa forma, descrever um conjunto de enunciados no que

ele tem de singular é descrever a dispersão desses sentidos, detectando uma

regularidade, uma ordem em seu aparecimento sucessivo, correlações, posições,

funcionamentos, transformações etc.

1.4 PÊCHEUX E A ANÁLISE DO DISCURSO

Pêcheux (apud GADET e HAK (Orgs.), 2001) recusa a concepção da

linguagem como um mero instrumento de comunicação; para o filósofo há uma ligação

entre prática política e discurso, ligação esta que passa pela ideologia. Assim, para

romper com este conceito reducionista da linguagem, ele tenta elaborar uma teoria do

discurso sendo esta dependente de uma teoria do sujeito. Para Pêcheux, o sujeito é um

efeito ideológico.

Considera ainda a leitura de Freud feita por Lacan, a concepção de sujeito

para a psicanálise, um sujeito dividido entre o consciente e o inconsciente, sendo

entendido como efeito de linguagem, proveniente de uma fala heterogênea. Para Lacan

(apud BRANDÃO, 2007, p. 66), “o inconsciente é este capítulo da minha história que é

marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é capítulo censurado”.

Dessa forma, em todo ato de fala outras palavras se dizem, estando um

dizer permanentemente atravessado pelo seu avesso, ou seja, pelo inconsciente. O

outro nos constitui assim como constitui o nosso discurso, sendo esse discurso, o

discurso do Outro, o lugar do desconhecido, do inconsciente, de onde emana o discurso

do pai, da família, da lei, e em relação ao qual o sujeito ganha identidade.

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Nas palavras de Brandão (2007, p. 67-68), esse sujeito apresenta-se como

um sujeito dividido, cindido, clivado, uma vez que não se constitui por uma unidade homogênea, sendo resultado de uma estrutura complexa entre o sujeito com seu outro e seu inconsciente, que é concebido como a linguagem do desejo.

Ainda segundo Brandão (2007), o sujeito não é mais “senhor de sua

morada” e efeito de linguagem, sendo visto como uma representação que depende “das

formas da linguagem que ele enuncia e que na realidade o enunciam”.

Nos primeiros momentos da Análise do Discurso, Pêcheux, apoiado nas

propostas de Althusser, inaugura uma visão transdisciplinar da teoria do discurso. Sua

obra aborda a sistematicidade da língua, seu caráter social e insere questionamentos

acerca das condições de possibilidades do discurso enquanto processo discursivo, ele

coloca o discurso entre a linguagem e a ideologia, propondo assim, o programa da

Análise Automática do Discurso.

O percurso teórico da Análise do Discurso é dividido em três momentos

designados como AD-1, AD-2 e AD-3. As reflexões feitas neste item, dizem respeito aos

textos organizados por Françoise Gadet e Tony Hak, reeditados em 2001.

Na AD-1, Pêcheux baseado nos postulados althusserianos, desenvolveu

um dispositivo teórico-analítico de análise automática do discurso. Neste momento, os

processos discursivos se constituem sobre a língua, o discurso é visto como uma

máquina fechada sobre si mesma e os sujeitos assujeitados, sendo atravessados pela

ideologia e pelo inconsciente. A AD-1 explora a análise de discursos mais estabilizados,

menos polêmicos. Parte-se de um corpus fechado de seqüências discursivas

selecionadas num espaço discursivo supostamente dominado por condições de

produção estáveis e homogêneas, a análise lingüística é um pré-requisito indispensável

para a análise discursiva do corpus, se constituindo principalmente em detectar e em

construir sítios de identidades parafrásticas provenientes de diferentes discursos

empíricos.

Na AD-2, os discursos são menos estabilizados, provenientes de

condições de produção menos homogêneas. O conceito de formação discursiva (FD),

que Pêcheux toma por empréstimo de Michel Foucault, começa a derrubar a noção de

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máquina estrutural fechada, uma vez que uma formação discursiva é constitutivamente

invadida por elementos que vêm de outro lugar, de outras formações discursivas. São as

formações discursivas que a partir de uma formação ideológica dada determinam o que

pode e deve ser dito a partir de um determinado lugar social.

A formação discursiva é considerada como componente de formação

ideológica, relacionada às condições de produção no interior de uma realidade social

marcada pela ideologia dominante. O sentido é relacionado a um exterior ideológico. Ao

definir-se em relação a um externo, o espaço de uma formação discursiva é atravessado

pelo interdiscurso, ou seja, um pré-construído, o que cada um sabe, pode ver ou

compreender, sendo ele irrepresentável. É o interdiscurso que determina a formação

discursiva.

Pêcheux (apud GADET e HAK (Orgs.), 2001, p.314) afirma:

a noção de interdiscurso é introduzida para designar “o exterior específico” de uma FD enquanto este irrompe nesta FD para constituí-la em lugar de evidência discursiva, submetida à lei da repetição estrutural fechada: o fechamento da maquinaria é pois conservado, ao mesmo tempo em que é concebido como o resultado paradoxal da irrupção de um “além” exterior e anterior.

O sujeito do discurso na AD-2 continua sendo assujeitado, uma vez que

ele sofre as coerções do interior da formação discursiva da qual enuncia, sendo esta

regulada por uma formação ideológica.

Na AD-3 há um afastamento de Pêcheux das posições de Althusser e uma

maior aproximação das teses de Foucault. Pêcheux abre problemáticas sobre discurso,

interpretação, estrutura e acontecimento, o que levará à incorporação de algumas novas

temáticas como a heterogeneidade, a idéia de alteridade (presença do discurso do

outro), as relações entre intradiscurso e interdiscurso.

Nessa fase, acentua-se o primado teórico do outro sobre o mesmo. Os

discursos que atravessam uma formação discursiva se formam de maneira regulada no

interior de um interdiscurso. Sendo a relação interdiscursiva que estruturará a identidade

das formações discursivas em questão.

Tem-se o primado da heterogeneidade (AUTHIER-REVUZ, 1990), tomando

a formação discursiva no interior da heterogeneidade, a formação discursiva deixa de

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referir-se a um exterior ideológico e passa a ser buscada na dispersão dos lugares

enunciativos do sujeito. A heterogeneidade, ou seja, a maneira de distinguir a presença

do outro no discurso, se dá de duas formas: como heterogeneidade mostrada, aquela

que permite, na superfície textual, apreender seqüências que mostram claramente sua

alteridade, a partir do discurso citado, auto-correções, palavras entre aspas etc.; como

heterogeneidade constitutiva, a relação que todo discurso tem com outros discursos, não

deixando marcas visíveis, estando a hipótese do primado do outro sobre o mesmo

inscrita na perspectiva da heterogeneidade constitutiva.

Nesta fase, o assujeitamento do sujeito à máquina discursiva não é mais

pleno. O sujeito passa a constituir-se como descentrado, que se define como sendo

relação entre o “eu” e o “Outro”. O sujeito passa a ser dividido entre o consciente e o

inconsciente.

Como afirma Brandão (2007, p.55):

Numa relação dinâmica entre identidade e alteridade, o sujeito é ele mais a complementação do outro. O centro da relação não está, como nas concepções anteriores, nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado entre ambos. O sujeito só se completa na interação com o outro.

O sujeito é marcado por uma idéia de unidade, de centro, de origem do

que diz, sendo afetado por dois tipos de esquecimento: o esquecimento nº 1, que é de

natureza inconsciente e ideológica, que o coloca como fonte exclusiva do sentido do

seu discurso; o esquecimento nº 2, que é de natureza pré-consciente ou consciente, no

qual o sujeito retoma o seu discurso para explicar a si mesmo o que diz, fazendo uma

seleção lingüística entre o que é dito e o que deixa de ser dito, elegendo algumas

formas e seqüências e ocultando outras.

Concebendo a linguagem como mediação entre o homem e a realidade

natural e social, a Análise do Discurso procura compreender a língua fazendo sentido,

ou seja, como ação simbólica que intervém no real; o discurso passa a ser visto como

um fenômeno ligado à estrutura e ao acontecimento (PÊCHEUX, 2006), é estrutura,

pois é da ordem da língua e acontecimento porque se dá no mundo.

A língua é vista como processo de interação (inter-ação) entre sujeitos,

processo em que os interlocutores vão construindo sentidos e significados ao longo de

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suas trocas lingüísticas, orais ou escritas, sentidos e significados que se constituem

segundo as relações que cada um mantém com a língua, com o tema sobre o qual fala

ou escreve, ouve ou lê, segundo seus conhecimentos prévios, atitudes e “pré-

conceitos”, segundo ainda as relações que os interlocutores mantêm entre si, a

situação específica em que interagem, o contexto social em que ocorre a interlocução.

É à atividade lingüística assim entendida que se chama discurso, atividade que se

materializa, pois em práticas discursivas constituídas segundo as condições de

produção do discurso.

Todo ato de fala é um ato ritualizado porque representa as práticas

sociais, nas quais se reconhecem os membros de um grupo. Dessa forma, circulam os

discursos numa sociedade e são marcados os gêneros que o falante reconhece no

momento que toma contato com eles.

1.5 DOMINIQUE MAINGUENEAU: NOÇÕES FUNDAMENTAIS

Maingueneau (1997) é um pesquisador contemporâneo, que não descarta

as contribuições dadas até então pela Análise do Discurso, porém acrescenta aspectos

que afetam a discursividade para além da relação entre língua e história. O autor

propõe que um discurso se caracteriza por uma semântica global, reservando um lugar

para a enunciação e para o enunciador, estando os discursos submetidos a normas que

produzem efeitos por sua materialidade e por sua relação com a cena de sua

enunciação, e articulada a essa noção de cena enunciativa, retomou da Retórica e

desenvolveu a noção de ethos.

De acordo com esse autor,

os enunciados dependentes da AD se apresentam, com efeito, não apenas como fragmentos de língua natural desta ou daquela formação discursiva, mas também como amostras de um certo gênero do discurso (MAINGUENEAU 1997, p.34).

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1.5.1 Gênero

Segundo Maingueneau (1997), gêneros definem-se por aspectos sócio-

comunicativos e pela forma. Um gênero de discurso implica condições de diferentes

ordens: comunicacional, em que a cada gênero associam-se momentos e lugares de

enunciação específicos a um ritual apropriado; estatutário, que diz respeito ao estatuto

que o enunciador genérico deve assumir e qual estatuto deve conferir a seu co-

enunciador. Assim, é preciso articular o “como dizer” ao conjunto de fatores do ritual

enunciativo.

Maingueneau (2006) afirma que o gênero do discurso não parece ser

outra coisa além do lugar onde se manifesta algo que por essência está escondido.

Tipos e gêneros de discurso são tomados em uma relação de reciprocidade, todo

gênero se destaca sobre um fundo de um tipo de discurso determinado. Os tipos são

formas lingüísticas identificáveis nos textos e que traduzem a criação de mundos

discursivos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por mecanismos de

textualização e por mecanismos de enunciação.

Todo texto pertence a um gênero de discurso. Dispomos de uma

infinidade de termos para categorizar a imensa variedade dos textos produzidos em

sociedade apoiando-nos em critérios muito heterogêneos.

De acordo com Maingueneau (2001), para caracterizar os gêneros do

discurso, costuma-se recorrer a metáforas tomadas em três domínios: jurídico

(contrato), que significa afirmar que ele é fundamentalmente cooperativo e regido por

normas, exigindo daqueles que dele participam que aceitem um certo número de regras

mutuamente conhecidas e as sanções previstas para quem as transgredir; teatral

(papel), em que cada gênero de discurso implica os parceiros sob a ótica de uma

condição determinada e não de todas as suas determinações possíveis; e o lúdico

(jogo), que seria o cruzar as metáforas do contrato com as do teatro, enfatizando

simultaneamente as regras implicadas na participação em um gênero de discurso de

dimensão teatral.

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Podemos dividir os gêneros tomando por invariante um lugar institucional,

listando os múltiplos gêneros de discursos escritos ou orais que ali são praticados e

também tomar como critério o estatuto dos parceiros do discurso, os quais estão

ligados a um posicionamento ideológico.

Para o estudioso,

os gêneros de discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas. Trata-se, na realidade, de atividades sociais, que por isso mesmo, são submetidas a um critério de êxito (MAINGUENEAU, 2001, p.65).

Todo gênero de discurso visa a um certo tipo de modificação da situação

da qual participa, há uma finalidade reconhecida. Nos gêneros do discurso já se

determina de quem parte e a quem se dirige a fala, qual o papel deve assumir o

enunciador e co-enunciador, e ainda, todo o gênero de discurso implica um certo lugar

e um certo momento, sendo algo constitutivo, porém não evidente. A propaganda em

uma revista, por exemplo, é itinerante e fica disponível para o leitor por tempo

indeterminado, possuindo um público específico.

Quanto à temporalidade de um gênero, ela implica uma periodicidade,

uma duração de encadeamento, uma continuidade e uma validade presumida.

O gênero discursivo está associado a uma certa organização textual,

havendo uma relação essencial entre os modos de organização e seus conteúdos, da

mesma forma o suporte não é exterior ao que ele supostamente veicula. Uma

modificação do suporte material de um texto modifica radicalmente um gênero do

discurso.

Podemos recortar os discursos em função da produção e circulação de

enunciados ou considerar os posicionamentos ideológicos em um campo discursivo,

sendo campo definido por uma rede de relações entre posicionamentos. Para

Maingueneau (2006, p.40), “os lugares institucionais de onde emergem os textos não

se ocultam por trás de sua produção, eles a moldam através de uma maneira de viver”.

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1.5.2 Cena enunciativa

De acordo com Maingueneau (2006), a linguagem deve ser compreendida

a partir do contexto histórico-ideológico dos sujeitos que a produzem e a interpretam.

Dessa forma, todo discurso depende para a construção de seu interesse social, das

condições específicas da situação de troca na qual ele surge. A situação de

comunicação é como um palco, com suas restrições de espaço, de tempo, de relações,

de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui seu valor

simbólico.

Os atos de fala acionam convenções que regulam as relações entre

sujeitos, transformando-se em uma proposição que o EU dirige ao TU. Ao enunciar, o

sujeito presume uma espécie de ritual social, partilhado pelos interlocutores, se

concebendo um lugar e atribuindo um lugar ao outro, ou seja, cada um constrói sua

identidade a partir e no interior de um sistema de lugares. Dessa forma, o discurso

encena seu próprio processo de comunicação.

Segundo o autor:

o locutor deve dizer construindo o quadro desse dizer, elaborar dispositivos pelos quais o discurso encena seu processo de comunicação, uma encenação que é parte integrante do universo de sentido que o texto procura impor. A situação de encenação não é, com efeito, um simples quadro empírico, ela se constrói por meio da enunciação. (MAINGUENEAU, 2006, p.47).

Maingueneau (2001) distingue três cenas de enunciação: a “cena

englobante” que se refere ao tipo de discurso a que pertence um texto e ao lugar em

que se deve colocar o destinatário para interpretá-lo; a “cena genérica”, definida pelas

cenas específicas dos gêneros do discurso, define os papéis dos parceiros do discurso;

o lugar e o tempo; um suporte e finalidade; a “cenografia”, que é criada, instituída pelo

próprio discurso, trata-se do modo como o locutor realiza a enunciação.

A cena englobante e a cena genérica definem conjuntamente o que

poderia ser o quadro cênico do texto, estabelecendo assim, o espaço estável no interior

do qual o enunciado adquire sentido, sendo este espaço o do tipo e do gênero do

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discurso; a cenografia é o que legitima um enunciado e este, por sua vez, deve

legitimá-la. Não sendo imposta pelo gênero, e sim construída pelo texto, a cenografia é

aquilo que a enunciação instaura progressivamente como seu próprio dispositivo de

fala.

Para Maingueneau, não se pode opor a cena da enunciação e o

enunciado, pois a cena é uma dimensão essencial do conteúdo. Segundo o autor,

as formas enunciativas não são aí um simples vetor de idéias, elas representam a instituição no discurso, ao mesmo tempo em que moldam, legitimando-o (ou deslegitimando-o) esse universo social no qual elas vêm se inscrever (MAINGUENEAU, 2001, p.50).

Assim, é preciso interpretar a cenografia como quadro e como processo.

Uma vez que a cenografia implica um certo uso da linguagem, sendo indissociável dele,

a língua não pode ser considerada como um elemento neutro, e sim investida de

sentido que um posicionamento pretende impor.

1.5.3 Ethos

À cenografia relaciona-se o conceito de ethos discursivo, ou seja, a

imagem que o enunciador dá de si no discurso, o qual busca causar boa impressão

pela forma como enuncia. É em função do interlocutor que o enunciador constrói uma

imagem de si, dando a impressão de que é um dos seus que se dirige a ele. A tomada

da palavra implica representações que os parceiros fazem um do outro, por isso é por

meio da enunciação que se revela a personalidade do enunciador.

Segundo o pesquisador francês,

um posicionamento não implica apenas a definição de uma situação de enunciação e uma certa relação com a linguagem: deve-se igualmente levar em conta o investimento imaginário do corpo, a adesão ‘física’ a um certo universo de sentido. As ‘idéias’ são apresentadas através de uma maneira de dizer que é também, uma maneira de ser, associada a representações e normas de disciplina do ‘corpo’ (MAINGUENEAU 2001, p.49-50).

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De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2006, p.220), ethos é “um

termo emprestado da retórica antiga [...] e designa a imagem de si que o locutor

constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário”.

Os antigos designavam pelo termo ethos a construção de uma imagem de

si destinada a garantir o sucesso do empreendimento retórico. Para Roland Barthes

(apud AMOSSY 2005, p.10), ethos são “os traços de caráter que o orador deve mostrar

ao auditório (pouco importando sua sinceridade) para causar boa impressão: é seu

jeito”.

De acordo com Ekkehard Eggs (apud AMOSSY 2005), Aristóteles

distancia-se dos teóricos de sua época que entendiam que o ethos não contribui para a

persuasão. Para o filósofo, assim como para toda a Antigüidade, os temas e o estilo

devem ser apropriados ao ethos do orador, ao seu tipo social. O lugar que engendra o

ethos é o discurso, assim é preciso que a credibilidade do orador seja o efeito de seu

discurso.

Aristóteles enumera três qualidades que inspiram confiança, a phrónesis

(ter ar ponderado), a areté (se apresentar como homem simples e sincero) e a eunóia

(dar uma imagem agradável de si). Os oradores inspiram confiança se argumentam

honesta e sinceramente e se são solidários e amáveis com seus ouvintes, ele

persuadirá mais à medida que o ouvinte tiver a convicção de que ele parece expor

esses argumentos com virtude.

Para Eggs, (apud AMOSSY, 2005, p.39), “é preciso agir e argumentar

estrategicamente para poder atingir a sobriedade moral do debate. Essas duas faces do

ethos constituem, portanto, dois elementos essenciais do mesmo procedimento:

convencer pelo discurso”.

A construção de uma imagem de si está fortemente ligada à enunciação,

pois remete ao locutor que mobiliza a língua e a faz funcionar ao utilizá-la, postula um

alocutário e, conseqüentemente, estabelece uma relação discursiva entre ambos, os

quais fazem uma imagem de si e do outro. O locutor orienta seu discurso de forma a

construir sua identidade, pois cada tomada de palavra implica representações que os

parceiros fazem um do outro.

De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2006, p.220),

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o ethos adquire em Aristóteles um duplo sentido: por um lado, designa as virtudes morais que garantem credibilidade ao orador, tais quais a prudência, a virtude e a benevolência; por outro lado, comporta uma dimensão social, na medida em que o orador convence ao se exprimir de modo apropriado a seu caráter a seu tipo social.

Na retórica de Aristóteles, encontramo-nos diante de dois campos

semânticos opostos ligados ao termo ethos: um, de sentido moral, o qual engloba

atitudes e virtudes como honestidade, benevolência ou equidade; outro, de sentido

neutro, reúne termos como hábitos, modos e costumes ou caráter, os quais, constituem

as duas faces necessárias a qualquer atividade argumentativa.

Para Maingueneau (2001), na retórica em Aristóteles, o ethos não é uma

imagem do locutor exterior à fala, e sim um processo interativo de influência sobre o

outro. Através de tom de voz, modulação da fala, escolha das palavras e dos

argumentos, gestos, mímicas, olhar, postura etc., o orador constrói sua imagem. O

ethos consiste em causar boa impressão pela forma como se constrói o discurso,

persuadindo o auditório e ganhando sua confiança através da imagem que passa de si.

Não se trata de uma representação estática, mas de uma forma dinâmica, construída

pelo destinatário por meio do próprio movimento da fala do locutor, o qual joga com

prudência, virtude e benevolência.

O ethos retórico trata de um ethos percebido por um público e não do

ethos característico de um indivíduo ou grupo. Porém, também apresenta

características estáveis como do ponto de vista político, do ponto de vista da idade e da

fortuna.

Maingueneau ainda afirma que:

é em função de seu auditório que o orador construirá uma imagem de si conforme a que é considerada como virtude. A persuasão só é obtida se o auditório pode ver, no orador, que ele tem o mesmo ethos que vê em si mesmo, dando a impressão de que é um dos seus que se dirige a ele (MAINGUENEAU, 2001, p.54).

O ethos para Aristóteles é uma noção sócio-discursiva, que não pode ser

apreendida fora de uma situação de comunicação precisa e integrada a uma conjuntura

sócio-histórica.

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Maingueneau, portanto, retoma o conceito de ethos da retórica e o

reelabora em seus trabalhos, sendo que na sua perspectiva o ethos ultrapassa o

quadro da argumentação, permitindo refletir sobre o processo mais geral da adesão dos

sujeitos a um certo posicionamento. Para o autor,

o enunciador deve legitimar seu dizer: em seu discurso, ele se atribui uma posição institucional e marca sua relação a um saber. No entanto, ele não se manifesta somente como papel e um estatuto, ele se deixa apreender também como uma voz e um corpo. O ethos se traduz também no tom, que se relaciona tanto ao escrito quanto ao falado, e que se apóia em uma dupla figura do enunciador, aquela de um caráter e de uma corporalidade (MAINGUENEAU, 2006, p.220),

O universo de sentido propiciado pelo discurso é imposto tanto pelo ethos

como pelas idéias que transmite, sendo estas idéias apresentadas por uma maneira de

dizer que remete a uma maneira de ser. O ethos está relacionado ao modo de dizer a

partir de dados psíquico-sociais do público-alvo. Encontramos traços de caráter e

corporalidade na maneira como o enunciador pretende ser visto pelo seu público.

Maingueneau propõe uma concepção de ethos que vai além do verbal,

levando-se em consideração também o conjunto das determinações físicas e psíquicas.

De acordo com ele,

O ethos permite articular corpo e discurso, sendo uma “voz” associada a um corpo enunciante. Qualquer texto escrito tem uma vocalidade específica que permite relacioná-la a uma caracterização do corpo do enunciador a um “fiador”, que, por meio de seu “tom”, atesta o que é dito (MAINGUENEAU, 2006, p.61).

Dessa forma, atribui-se ao fiador um caráter e uma corporalidade, sendo

caráter, os traços psicológicos, e a corporalidade, a uma composição física e a uma

maneira de se vestir. A enunciação confere uma corporalidade ao fiador, o co-

enunciador incorpora uma maneira específica de relacionar-se com o mundo, e essas

duas incorporações permitem a constituição de um corpo da comunidade imaginária

daqueles que aderem ao mesmo discurso. Porém, a incorporação se dá em função dos

gêneros e dos tipos de discurso.

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Assim, o ethos pressupõe um modo de enunciar compatível com o mundo

construído pela cenografia com a intenção de validar o discurso. Ele é parte da cena de

enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário e o modo de difusão.

De acordo com Maingueneau,

a incorporação do leitor ultrapassa a simples identificação a uma personagem fiadora. Ela implica um “mundo ético” do qual o fiador é parte pregnante e ao qual ele dá acesso. Esse “mundo ético”, ativado por meio da leitura, é um mundo estereótipo cultural que subsume um certo número de situações estereotípicas associadas a comportamentos: a publicidade contemporânea apóia-se maciçamente em tais estereótipos. (MAINGUENEAU, 2006, p.62).

O discurso publicitário mantém uma relação privilegiada com o ethos, uma

vez que procura persuadir associando produtos que promovem um corpo em

movimento e uma maneira de habitar o mundo.

Para Maingueneau, o ethos discursivo resulta de uma interação entre

ethos pré-discursivo, ethos discursivo (mostrado) e ethos dito. O pré-discursivo

condiciona a construção do ethos discursivo, pois é a partir da imagem que o público já

fez de sua pessoa que o enunciador elabora em seu discurso a imagem que deseja

transmitir.

De acordo com Charaudeau e Maingueneau,

o ethos discursivo mantém relação estreita com a imagem prévia que o auditório pode ter do orador ou, pelo menos, com a idéia que este faz do modo como seus alocutários o percebem. A representação da pessoa do locutor anterior a sua tomada de turno – às vezes denominada ethos prévio ou pré-discursivo – está freqüentemente no fundamento da imagem que ele constrói em seu discurso: com efeito, ele tenta consolidá-la, retifícá-la, retrabalhá-la ou atenuá-la. (CHARAUDEAU E MAINGUENEAU, 2006, p. 221).

1.5.4 Interdiscurso: universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo

Maingueneau (2005) substitui o termo interdiscurso por uma tríade:

universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo.

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Para o autor, o universo discursivo seria o conjunto de formações

discursivas de todos os tipos que interagem numa determinada conjuntura. Nele

constituem-se domínios suscetíveis de serem estudados, que se definem como campos

discursivos. Assim, os campos discursivos se caracterizam por um conjunto de

formações discursivas que se encontram em concorrência em discursos que possuem

uma mesma função social.

É no interior do campo discursivo que se constitui o discurso, porém este

não se constitui da mesma forma que todos os discursos em razão de sua

heterogeneidade. É necessário que no campo discursivo, isolemos espaços

discursivos, ou seja, subconjuntos de formações discursivas que se julga relevantes

para seu propósito colocar em relação, opondo os chamados discursos dominantes e

discursos dominados.

De acordo com Maingueneau (2005, p.38), reconhecer este primado do

interdiscurso é incitar a construir um sistema no qual a definição da rede semântica que

circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição das relações

desse discurso com seu Outro.

O Outro não seria um fragmento localizável ou uma citação, ele encontra-

se na raiz de um Mesmo, caracteriza-se como o que faz falta a um discurso, permitindo-

lhe fechar em um todo. Esse Outro seria, de alguma forma, o interdito de um discurso.

Seria como se o discurso tivesse um direito e um avesso, o direito relacionando-os à

sua própria formação discursiva, e o avesso, à rejeição do discurso de seu Outro, que

representa a intervenção de um conjunto textual historicamente definível, o qual se

encontra no mesmo palco que o discurso.

De acordo com Maingueneau (2005, p.42),

O espaço discursivo tem então um duplo estatuto: pode-se apreendê-lo como um modelo dissimétrico que permite descrever a constituição de um discurso, mas também como um modelo simétrico de interação conflituosa entre dois discursos para os quais o outro representa totalmente ou em parte o seu Outro. É esse último aspecto, o de um processo de dupla tradução, que vai nos interessar, essencialmente.

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1.5.5 Sistema de Restrições Semânticas

Maingueneau (2005) não discute a natureza do sentido e de sua relação

com a língua, para o autor, o discurso se caracteriza por uma semântica global que

explica o ethos, vocabulário, temas, sintaxe etc. Dessa forma, propõe o sistema de

restrições semânticas globais, o qual permite pensar globalmente no funcionamento

discursivo, associando textos a uma rede institucional de um grupo por meio de indícios

que a materialidade do discurso permite observar. É um sistema que define uma

relação com o corpo, com o outro e com as idéias. Devemos levar em conta todas as

dimensões discursivas, considerando que elas se organizam simultaneamente e de

acordo com um mesmo conjunto de regras na construção dos sentidos.

De acordo com Maingueneau,

o sistema de restrição semântica não pode ser concebido como a “essência” de um discurso, seu sentido profundo. Ele é apenas uma estrutura que pode investir-se nos universos textuais mais diversos. Certamente, essa estrutura de organização semântica possui uma significação em si mesma, mas cada discurso a explora de maneira específica. Operador de coesão semântica do discurso, o sistema de restrições não é a chave hemenêutica. É preciso desconfiar uma vez mais da leitura em termos de “superfície” e “profundeza”; um dos interesses de uma semântica global é justamente não depender de tal oposição: dado que todos os planos da discursividade estão submetidos ao mesmo sistema, nenhum pode ser considerado mais profundo que o outro. (MAINGUENEAU, 2005, p.76)

O sentido de um texto passa a ser interpretado diferentemente segundo a

configuração na qual ele aparece e a posição de seu leitor, e o modo pelo qual um

discurso se inscreve em uma conjuntura depende de sua natureza, das instituições que

o sustentam etc.

Para Maingueneau,

a enunciabilidade de um discurso, o fato de que tenha sido objeto de atos de enunciação por um conjunto de indivíduos não é uma prioridade que lhe é atribuída por acréscimo, mas alguma coisa radical, que condiciona toda sua estrutura. É preciso pensar ao mesmo tempo a discursividade como dito e como dizer, enunciado e enunciação. (MAINGUENEAU, 2005, p.19)

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Para o estudioso, os discursos não se constituem independentemente, e

sim se formam de maneira regulada no interior de um interdiscurso, dessa forma, a

unidade de análise seria o espaço de trocas entre vários discursos escolhidos

convenientemente.

Segundo Maingueneau (2005, p.36), “É no interior do campo discursivo

que se constitui um discurso e fazemos a hipótese de que essa constituição pode

deixar-se descrever em termos de operações regulares sobre formações discursivas já

existentes”.

Um discurso é derivável de um ou vários outros do mesmo campo,

reconhecer este tipo de primado do interdiscurso é estimular a construir um sistema em

que a especificidade de um discurso coincide com as relações desse discurso com seu

Outro. Essa imbricação retira à coerência semântica das formações discursivas o

caráter de essência.

Para o autor,

o caráter constitutivo da relação interdiscursiva faz aparecer a interação semântica entre os discursos como um processo de tradução, de interincompreensão regrada. Cada um introduz o outro em seu fechamento, traduzindo seus enunciados nas categorias do mesmo e, assim, sua relação com esse Outro se dá sob a forma de “simulacro” que dele constrói. (MAINGUENEAU, 2005, p.22)

Dessa forma, o discurso deve ser considerado em relação aos outros,

porém o que deve ser individualizado é o discurso, resultado da colocação em relação

desse sistema com certos códigos no interior de uma conjuntura histórica, sendo isso o

que o individualiza.

O sistema de semântica global apreende o discurso tanto como enunciado

como enunciação, se manifesta simultaneamente tanto no vocabulário quanto nos

temas tratados, na intertextualidade ou nas instâncias de enunciação, não existindo

lugar para uma oposição entre “superfície” e “profundeza”.

Todo discurso define uma certa maneira de citar outros discursos, de

acordo com Maingueneau (2005,p.82), “um discurso define, além do mais, uma certa

relação com outros campos, segundo sejam citáveis ou não; chamaremos a isso de

intertextualidade externa.”

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Um discurso não possui um léxico que lhe seja próprio, assim a palavra

em si mesma não constitui uma unidade de análise pertinente, e sim, análises

lexográficas feitas em cima do discurso, considerando as dimensões paradigmáticas e

sintagmáticas, aspectos quantitativos e qualitativos.

Para Maingueneau,

seria errado pensar que, em um discurso, as palavras não são empregadas a não ser em razão de suas virtualidades de sentido em língua. Porque, além de seu estrito valor semântico, as unidades lexicais tendem a adquirir o estatuto de signos de pertencimento. Entre vários termos a priori equivalentes, os enunciadores serão levados a utilizar aqueles que marcam sua posição no campo discursivo. [...] A restrição do universo lexical é inseparável da constituição de um território de conivência. (MAINGUENEAU, 2005, p.85)

Assim como o vocabulário, no sistema restrição semântica, o tratamento

semântico, dispensado ao tema, é que gera interesse, porém é pela formação

discursiva, e não por seus temas que se define um discurso.

De acordo com Pêcheux,

uma palavra, uma expressão ou uma proposição não têm um sentido que lhes seria próprio, como se estivesse preso a sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da mesma formação discursiva. (PÊCHEUX apud MAINGUENEAU, 2005, p.86)

Maingueneau (2005) afirma que o ato de enunciação supõe a instauração

de uma dêixis espaciotemporal que cada discurso constrói conforme as restrições da

formação discursiva, dessa forma delimita a cena e a cronologia para autorizar sua

enunciação. O discurso define ainda, o estatuto que o enunciador deve conferir-se e o

que deve conferir a seu co-enunciador. De acordo com o autor (2005, p.98), “o

destinatário não é somente um consumidor de “idéias”. Ele acede a uma “maneira de

ser” através de uma “maneira de dizer”.” Dessa forma, o modo de enunciação, ou seja,

a maneira de dizer, também obedece às mesmas restrições semânticas.

Segundo Maingueneau,

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Não somente o modo de enunciação torna-se freqüentemente tema do discurso, mas, além disso, esse conteúdo acaba por “tomar corpo” por toda parte, graças ao modo de enunciação: os textos falam de um universo cujas regras são as mesmas que presidem sua enunciação. Se em um quadro “antisubjetivista”, pensa-se, não sem pertinência, a enunciação associada a um “lugar”, a uma “posição” atribuída pelo discurso, não se deve por isso ver no enunciador um mero ponto de entrecruzamento de séries institucionais: ele se constrói também como “tom”, “caráter”, “corporalidade” específicos. O sentido que o discurso libera se impõe por esse meio tanto quanto pela doutrina, sem que jamais se possa supor a menor exterioridade entre os dois aspectos. (MAINGUENEAU, 2005, p.97).

Cada formação discursiva tem uma maneira que lhe é própria de se

materializar nos textos, de argumentar, de passar de um tema a outro, essa maneira

pela qual um discurso se constrói, ou seja, seu modo de coesão, não poderia escapar à

semântica global. Esse domínio recobre tanto o recorte discursivo, quanto os

encadeamentos.

De acordo com Maingueneau (2005), o sistema de semântica global nos

faz rejeitar o discurso como sistema de idéias. O que seria necessário pôr em causa é o

primado do ver, de uma ideologia, de uma visão do mundo, a assimilação do discurso a

uma doutrina. Para o autor (2005, p.101), “o sistema de restrições define tanto uma

relação com o corpo, com o Outro [...] quanto com idéias, é o direito e o avesso do

discurso, toda uma relação imaginária com o mundo”.

O sistema de restrição semântica permite produzir e interpretar

enunciados vinculados à determinada formação discursiva, como também identificar

enunciados incompatíveis a ela. Seria o processo chamado de interincompreensão

regrada, em que cada discurso é delimitado por uma grade semântica que, em um

mesmo movimento, funda o desentendimento recíproco. Porém, nessa relação, não

existe uma polêmica em si, uma vez que a relação com o outro é constitutiva, a relação

com o outro é função da relação consigo mesma, sem essa relação a identidade

correria o risco de desfazer-se.

Na concepção do estudioso,

o discurso não escapa à polêmica tanto quanto não escapa à interdiscursividade para constituir-se. Por toda sua existência, ele se obriga a esquecer que não nasce de um retorno às coisas, mas da transformação de outros discursos ou que a polêmica é tão estéril quanto inevitável, que a

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interincompreensão é insular, na medida da incompreensão que supõe. (MAINGUENEAU, 2005, p.122)

Para Maingueneau (2005), deve-se pensar o discurso como uma prática

discursiva, comensurável a uma rede institucional de um grupo, nos conduzindo a

rejeitar a idéia de que a instituição seria apenas um suporte para as enunciações, uma

vez que as enunciações são parte da mesma dinâmica semântica que a instituição.

Na passagem de um discurso a outro há uma mudança na estrutura e no

funcionamento dos grupos desses discursos, os quais definem estatutos específicos,

indissociáveis do conteúdo e da enunciação. A própria rede institucional desenha as

características de um público, indissociáveis do estatuto semântico do discurso.

Maingueneau (2005, p.140) afirma que “a maneira pela qual o texto é produzido e pela

qual é consumido estão ligadas”.

O sistema de restrições semânticas nos leva a não nos restringirmos

apenas ao domínio textual, mas a definirmos a prática discursiva como a unidade de

análise que pode integrar domínios semióticos variados. No entanto, a coexistência de

textos que pertençam a domínios semióticos diferentes no interior de uma formação

discursiva determinada não é livre. O autor (2005, p.147) afirma que “o gênero da

prática discursiva impõe restrições com o contexto histórico e com a função social

dessa prática”.

Considerando as relações que se podem estabelecer entre os sistemas de

restrições e as séries exteriores a seu campo, a formação discursiva será apreendida

em sua associação com um certo campo como um esquema de correspondência, o que

terá uma relação imediata com a noção de ideologia.

De acordo com Maingueneau,

o recurso a esses sistemas de restrições não implica de forma alguma uma dissociação entre a prática discursiva e outras séries de seu ambiente sócio-histórico. Ele permite, ao contrário, aprofundar o rigor dessa inscrição histórica, abrindo a possibilidade de isomorfismo entre o discurso e outras séries, sem por isso reduzir a especificidade dos termos assim correlacionados. (MAINGUENEAU, 2005, p.23).

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2. AS RELAÇÕES DISCURSO E MÍDIA: PUBLICIDADE E IDEOLOGIA

No mundo contemporâneo estamos a todo momento nos confrontando

com uma multidão de textos midiáticos. Estes textos, tão efêmeros quanto invasores,

são programados segundo um determinado plano para atingir um objetivo que, no caso

dos textos publicitários, o marco referencial é o universo econômico de uma empresa

capitalista.

Neste capítulo, buscamos discutir sobre o discurso midiático e o discurso

publicitário segundo concepções teóricas assumidas por diferentes autores,

especialmente Charaudeau (2006); buscamos ainda, estabelecer uma relação desses

discursos com a ideologia (CHAUÍ, 2006, 2007), conceito intimamente relacionado tanto

com a Análise do Discurso (PÊCHEUX, 1988; ORLANDI, 1999; BRANDÃO, 2007) como

com a produção dos textos que examinamos neste trabalho: propagandas de

instituições bancárias.

2.1 O FUNCIONAMENTO DISCURSIVO DA MÍDIA

Segundo Charaudeau (2006), vivemos em um mundo individualizado,

orientado pela economia e pelo marketing, os quais faz da aparência o seu lema. A

mídia interpõe enunciador e enunciatário, se apossa das noções de informação e

comunicação para integrá-las em suas diversas lógicas: econômica, tecnológica e

simbólica, reforçando o sujeito do desejo.

Para Chauí (2007, p.35), comunicação seria uma forma “criada para se

referir a objetos tecnológicos capazes de transmitir a mesma informação para um vasto

público ou para a massa”. Enquanto que informação, de acordo com Charaudeau

(2006, p.19),

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a informação é essencialmente uma questão de linguagem, e a linguagem não é transparente ao mundo, ela apresenta sua própria opacidade através da qual se constrói uma visão, um sentido particular. Mesmo a imagem, que se acreditava ser mais apta a refletir o mundo como ele é, tem sua própria opacidade...

Segundo Chauraudeau (2006), ao mesmo tempo em que atende às

expectativas de seu público, reproduzindo o que ele quer ver e ouvir, a mídia traz

sempre o novo, o inesperado, além de colaborar na construção da subjetividade,

trabalhando com o imaginário das pessoas, na construção do que se pode chamar de

sentimento de identidade. Ela age reforçando os valores da sociedade e, ao mesmo

tempo, produz outros, mais adequados às necessidades do mercado.

Para a mídia tornam-se irrelevantes as categorias de verdade e falsidade,

sendo estas substituídas pelas noções de credibilidade e confiabilidade, cuja base se

encontra no apelo à intimidade, à personalidade, estando os códigos da vida pública

determinados pelos da vida privada, eliminando-se a diferença entre espaço público e

privado.

Chaui (2007, p.37-38) afirma que:

A propaganda comercial ou publicidade comercial é a difusão e divulgação de produtos destinados à venda e dirigidos a consumidores. Essa propaganda opera por meio de: 1) Explicações simplificadas e elogios exagerados sobre os produtos; 2) slogans curtos que possam ser facilmente memorizados; 3) Aparente informação e prestação de serviço ao consumidor; 4) Garantia de que o consumidor será, ao mesmo tempo, igual a todo mundo e não um deslocado (pois consumirá o que os outros consomem) e será diferente de todo mundo (pois o produto lhe dará uma individualidade especial).

Na opinião de Chaui (2007), atualmente a propaganda vem deixando de

apresentar o produto propriamente dito, com suas propriedades, qualidades,

durabilidade, para afirmar os desejos que ele realizaria, tais como sucesso,

prosperidade, segurança, juventude eterna, beleza, atração sexual, felicidade etc.,

passando dessa forma, a vender imagens e signos e não as próprias mercadorias. Ela

torna natural o que é mera construção, necessidade o que é supérfluo, passando

assim, a vender ilusões.

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Para Charaudeau (2006), é próprio de uma comunidade social produzir

discursos para justificar seus atos, mas não está dito que tais discursos revelam o

verdadeiro teor simbólico desses atos, muitas vezes o mascaram, às vezes o

pervertem, ou ainda o revelam em parte, sendo a visão proposta pela mídia

fragmentária e obsessiva.

O mundo das mídias tem a pretensão de se definir contra o poder e contra

a manipulação, entretanto, o cidadão aparece com freqüência como seu refém, tanto

pela maneira como é representado, quanto pelos efeitos passionais provocados.

Declarando-se como uma instância de denúncia do poder, a mídia

aparece na condição de lugar de saber e de mediação social contribuindo assim na

constituição de uma consciência cidadã. O poder nunca depende de um único

indivíduo, mas da instância na qual se encontra o indivíduo, devendo esta, ter a

capacidade de reger e influenciar os comportamentos dos indivíduos que vivem em

sociedade utilizando-se de meios restritivos. Ideologicamente, o poder da comunicação

de massa se realiza como intimidação social e cultural.

Charaudeau (2006) afirma que as mídias se definem como um serviço em

benefício da cidadania, no entanto, trata-se de um organismo que se define também

através de uma lógica comercial. No intuito de captar a maior parte do público, recorrem

à sedução, o que nem sempre atende à exigência de credibilidade que lhe cabe na

função de serviço ao cidadão. Caracteriza-se como um poderoso instrumento de

produzir necessidades que vêm se tornando verdadeiras e reais, mas que respondem a

interesses de grupos econômicos.

De acordo com Charaudeau (2006, p.24):

Nesse espaço, o alvo (o público) não é considerado por seu saber ou por seu desejo de saber, mas, confundindo todos os saberes e desejos, por comportamentos comerciais para os quais ”são investidas somas colossais e inventados numerosos objetos de sedução para conquistar os leitores, não enquanto tais, mas como consumidores.

Com o objetivo de dirigir-se a um grande número de pessoas, as mídias o

fazem despertando o interesse e tocando a sensibilidade do destinatário. E acabam por

entrar num círculo vicioso, pois ao sustentar sua própria promoção, efetuam trocas

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entre elas e os atores da máquina econômica, o que as torna vítimas de seu próprio

sistema de representação. Os meios de comunicação estão impregnados pelo fazer ver

e pelo deixar-se ver, pela forma do espetáculo, ou seja, pela forma de encenação do

acontecimento, ocultando assim, sua intenção persuasiva.

De acordo com Maingueneau (2005), para o discurso publicitário é

primordial a questão de preservação das faces, pois sua enunciação é por vezes

ameaçada. Segundo o autor (2005, p. 40),

O simples fato de pedir para ser lido constitui ao mesmo tempo uma ameaça para a face positiva do responsável pela enunciação, a marca do produto (que corre o risco de ser visto como uma “chatice”) e uma ameaça para as faces positiva e negativa do destinatário (tratado como alguém sem importância, a quem se pode pedir que dedique uma parte de seu tempo à leitura do enunciado publicitário). Todo enunciado publicitário visa pedir dinheiro ao leitor-consumidor, o que representa também uma ameaça à sua face negativa, bem como à do locutor, em seu papel de solicitante.

Conclui-se que criar um anúncio sedutor, que agrade ao co-enunciador,

seria anular, mesmo que imaginariamente, essa ameaça às faces. Dessa forma, a

linguagem publicitária se caracteriza pelo uso de recursos icônicos-lingüísticos usados

como forma de persuasão do público-alvo.

O ato de comunicação consiste numa troca entre enunciador e

enunciatário, sendo o enunciador representado pelo produtor da informação, já o

enunciatário é representado pelo consumidor da informação. O enunciador pensa e

justifica sua práticas apresentando um discurso orientado por efeitos econômicos, o

qual acaba por confundir saberes e desejos do enunciatário.

De acordo com Carvalho (2006, p.19):

A função persuasiva na linguagem publicitária consiste em tentar mudar a atitude do receptor. Para isso, ao elaborar o texto o publicitário leva em conta o receptor ideal da mensagem, ou seja, o público para o qual a mensagem está sendo criada. O vocabulário é escolhido no registro referente a seus usos. Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz ver que falta algo para completar a pessoa: prestígio, amor, sucesso, lazer, vitória. Para completar esse vazio, utiliza palavras adequadas, que despertam o desejo de ser feliz, natural de cada ser.

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A linguagem é cheia de armadilhas, isso porque as formas podem ter

vários sentidos ou sentidos próximos. É impossível alegar inocência, estando o

informador obrigado a reconhecer que está num jogo, em que ora é o erro que

predomina, ora a mentira, ora os dois.

Para Charaudeau (2006), todo discurso representa uma relação, sendo

resultado da combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve, a identidade de

quem fala e daquele a quem se dirige. O sentido é construído pala ação linguageira do

homem em situação de troca social. A finalidade do sujeito ao falar, em princípio é para

se colocar em relação ao outro, é falando com o outro, isto é, falando o outro e falando

a si mesmo, que comenta o mundo e constrói sua identidade, na relação com outros

sujeitos e outros discursos. Assim, as identidades estão em constante construção,

nunca acabadas, nunca estabelecidas de uma vez por todas.

O discurso propagandista faz passar a comunicação pelo filtro dos

imaginários da instância de produção e de recepção. É um discurso que busca entrar

em comunhão com seu público-alvo e mostrar-se justamente conforme seus desejos e

aspirações para assim persuadi-lo e seduzi-lo. A organização desse discurso depende

das hipóteses feitas a respeito do público-alvo, especificamente a respeito dos

imaginários nos quais este se move. Podendo ser moldado de maneiras distintas, o

discurso resulta numa espécie de roupa com a qual o anunciante se apresenta e se

exibe na comunicação. Não havendo nada a provar, o modelo proposto é o desejo, um

dom mágico é oferecido, cuja realização benéfica para o alvo só se concretizará se este

se apropriar desse dom.

De acordo com Charaudeau (2006), compreendendo de algum modo uma

parte de atividade informativa, o discurso propagandista confere ao sujeito que procura

seduzir e persuadir uma posição forte de autoridade, pois acaba sendo um detentor de

saber que o outro não possui, estabelecendo assim uma relação estreita com o

imaginário do poder, já que informar é possuir um saber que o outro ignora, ter a

capacidade de transmiti-lo a esse outro.

Ainda segundo o autor, a linguagem não é transparente ao mundo, assim

como, as imagens também não, ambas apresentam sua própria opacidade, através da

qual se constrói uma visão, um sentido particular do mundo. Os sujeitos que querem

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comunicar entre si devem levar em conta os dados da situação de comunicação que

seriam a identidade de ambos, a finalidade desse discurso e em que condições ocorre

essa troca comunicativa.

Na opinião de Charaudeau (2006), todo discurso se define através das

representações idealizadas que o justificam socialmente e, portanto, o legitimam. A

instância midiática age como responsável por uma empresa empenhada em captar o

maior número de consumidores, para tanto ela precisa conhecer os comportamentos e

as opiniões do público. Na comunicação publicitária, há a tensão entre informar e

seduzir, informar no sentido de apresentar o produto e suas qualidades e seduzir para

instigar o maior número de pessoas a consumir. Dessa forma, acha-se então,

condenada a procurar emocionar seu público, a mobilizar sua afetividade, a fim de

desencadear o interesse e a paixão pelo que lhe é oferecido.

Segundo Charaudeau (2006, p.120), “as mídias são apenas uma forma de

publicização. Sua ação é participar do que constitui, desconstitui, transforma o espaço

público, no quadro do contrato de informação midiático”.

Por mais que as mídias recorram a técnicas interativas, não há diálogo e

troca, somente o seu simulacro. A relação que se estabelece entre instância de

produção e instância de recepção é sem troca, a informação é dada a consumir pela

instância de produção segundo diversas estratégias, com o intuito de despertar o

interesse da instância receptora, esta a recebe e reinterpreta a sua maneira, sem poder

interferir. O que não seria, no entanto, uma relação de poder, e sim, de influência. O

universo da informação midiática constitui-se efetivamente por um universo construído,

no qual impõe-se ao cidadão uma visão de mundo previamente articulada

De acordo com Charaudeau (2006, p.131):

Por trás do discurso midiático, não há um espaço social mascarado, deformado ou parcelado por esse discurso. O espaço social é uma realidade empírica compósita, não homogênea, que depende para sua significação, do olhar lançado sobre ele pelos diferentes atores sociais, através dos discursos que produzem para tentar torná-lo inteligível.

A mídia propagandista sabe que nenhuma argumentação surtirá efeito se

não despertar o interesse do consumidor e se não tocar sua afetividade. Ocorre na

mídia uma encenação organizada que está a serviço do espetacular, constrói-se e

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gerencia-se o espaço do que se vê e se ouve. O espaço público é o lugar de

construção da opinião.

Para Charaudeau (2006, p.206), “o gênero de informação midiática se

constitui segundo um cruzamento entre instância enunciativa, um modo discursivo, um

tipo de conteúdo e um tipo de dispositivo”.

Segundo o autor, a instância enunciativa diz respeito à origem do sujeito,

sendo esta origem, a maneira pela qual é identificado o autor do texto e pelo lugar da

mídia onde está inserido; o modo discursivo transforma o acontecimento midiático em

notícia, atribuindo-lhe propriedades que dependem do tratamento geral da informação;

o tipo de conteúdo constitui o macrodomínio abordado pela notícia, e o tipo de

dispositivo, constitui-se pela materialidade, o qual traz especificações para o texto e

diferencia os gêneros de acordo com o suporte midiático.

Todas as imagens têm sentido, todas têm um poder de evocação que

depende daquele que a recebe. Interpretamos e sentimos a imagem através da

maneira pela qual ela nos é mostrada e através de nossa própria história individual ou

coletiva. É preciso que elas sejam preenchidas com o que mais nos toca, como os

dramas, as alegrias, os sofrimentos etc. Os anúncios publicitários mostram imagens

visuais e, ao mesmo tempo, resultam de imagens sociais, ou seja, estabelecem ligação

entre as representações visuais e as construções sociais.

Para Charaudeau (2006), a mídia cria técnicas que garantam efeitos de

confiabilidade, de proximidade e de exclusividade, dessa forma dá a idéia de que ela é

projeto de cada indivíduo concebido ao longo de sua vida e desenvolvido mediante

suas próprias escolhas. Nessa tendência, lança mão de recursos para atingir o público-

alvo, oferecendo-lhe uma identidade exclusivo-coletiva, na qual o sujeito é chamado por

seu próprio nome, a juntar-se ao grupo de outros também ilustres. Esse recurso de se

dirigir ao interlocutor pelo próprio nome aponta para o efeito de proximidade, de

igualdade, logo, de intimidade, e, em decorrência disso, estabelece a confiabilidade

necessária nos relacionamentos sociais.

É como se fosse um jogo de espelhos, que reflete o espaço social e é

refletido por este. Assim, o público pode projetar-se e identificar-se com o que é

representado na mídia, satisfazendo sua busca de destino-espelho.

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É no interior das práticas discursivas e pelo emprego de estratégias

específicas que as identidades emergem. Há muito, as propagandas utilizam-se de

recursos que forjam um contato direto, próximo, íntimo junto a seu público-alvo criando

procedimentos de individualização determinantes para a construção de identidade de

um “eu singular”, os quais orientam a leitura e interferem na produção dos sentidos.

De acordo com Carvalho (2006), o discurso publicitário é um dos

instrumentos de controle social e, para bem realizar essa função, simula igualitarismo,

remove da estrutura de superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os

pela linguagem da sedução. Ao simular efeitos de proximidade e de intimidade,

induzindo os indivíduos a seguirem um estilo, a mídia também controla suas

identidades, assim estas nunca são fixas, nem acabadas.

A respeito de identidade, Navarro (2007, p.101) comenta que:

A definição do que seja identidade requer considerar que tal noção é um processo de produção e um efeito de discurso. Nesse sentido, sendo as identidades construídas no e pelo discurso, é preciso compreendê-las como produtos de lugares históricos e de instituições. É no interior de práticas discursivas e pelo emprego de estratégias específicas que as identidades emergem.

A mensagem publicitária é a mensagem da renovação, do progresso,

abundância, lazer e juventude, ela cria e exibe um mundo perfeito. Acima de tudo,

publicidade é discurso, linguagem, e dessa forma manipula símbolos para fazer a

mediação entre objetos e pessoas. A palavra deixa de ser meramente informativa e é

escolhida em função de sua força persuasiva. Seu poder não é o de vender tal ou qual

marca, mas o de integrar o receptor à sociedade de consumo.

Um dos cuidados principais diz respeito à adequação dos termos ao

público que o anúncio pretende atingir. Quando o produto é de uso generalizado, os

vocábulos são os usuais, embora empregados de maneira criativa, se o produto é

dirigido à elite, contudo, a mensagem publicitária tenderá a mostrar termos mais

específicos, numa linguagem mais distante do discurso do cotidiano.

Segundo Charaudeau (2006), ao se construir um gênero midiático, passa-

se por três desafios, o da visibilidade, que faz com que o que esteja sendo divulgado

atraia a atenção do público; o desafio de inteligibilidade, que seria a maneira de

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trabalhar a encenação de forma que a informação fique acessível ao público, e o

desafio de espetacularização que também está relacionado à encenação, porém sendo

trabalhada de forma a despertar interesse e emoção no público que se deseja atingir.

O texto publicitário utiliza-se de estratégias lingüísticas, de modo a

estabelecer uma personalidade para o produto. Freqüentemente os termos escolhidos

carregam consigo traços de positividade usados para qualificar e exaltar o objeto.

Alguns são colocados estrategicamente, os quais possuem poderosa carga de

implícitos.

A grande tarefa da mensagem publicitária é impor o nome da marca. A

maioria dos produtos apresenta-se aos consumidores com um nome próprio. É a marca

que faz a mediação do discurso publicitário, estabelecendo uma analogia entre a marca

e a pessoa. Sua primeira função é a de particularização do produto e a segunda a de

mobilizar conotações afetivas.

De acordo com Maingueneau (2005, p.212):

A marca encarna, assim, sua identidade por intermédio dos discursos que ela produz, e a esse respeito o processo de incorporação desempenha um papel importante, pois ele é mediador entre o princípio abstrato representado pela marca e os conteúdos que ela pretende veicular.

Assim, o nome da marca não é somente uma etiqueta, por meio de sua

cenografia e de seu ethos ela condiciona o conjunto do texto.

Para Maingueneau (2005, p12),

um texto publicitário, não é estudado exclusivamente como um tipo de estrutura textual, uma seqüência coerente de signos verbais, nem como um dos elementos da estratégia de marketing, mas como uma atividade enunciativa ligada a um gênero do discurso: o lugar social do qual ele emerge, o canal por onde passa (oral, escrito, televisivo...), o tipo de difusão que implica etc., não estão dissociáveis do modo como o texto se organiza.

E segundo o autor (2005), é a cena de enunciação que permite articular

todas essas dimensões, sendo ela que desempenha o papel central entre a

organização lingüística do texto e o discurso como instituição de fala e instauração de

um evento verbal no mundo.

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2.2 O DISCURSO DA PUBLICIDADE

No capítulo I traçamos o conceito de ideologia na perspectiva de

Althusser, agora, voltamos a falar de ideologia, porém buscando estabelecer uma

relação entre o termo e discurso publicitário.

De acordo com Brandão (2007,p.12),

a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado da ideologia. Ela é o sistema-suporte das representações ideológicas.

Em Brandão (2007) vimos que se por um lado a língua é indiferente à

divisão de classes sociais e a sua luta, essas não o são em relação à língua, uma vez

que a utilizam de acordo com seus interesses. Dessa forma é no discurso que a

ideologia se materializa, sendo composta de uma ou várias formações discursivas

interligadas. Pode-se, assim, afirmar que as formações discursivas materializam o

ideológico presente nas formações sociais.

No discurso, os sentidos das palavras não são fixos, sendo produzidos

face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução. As palavras têm sentido em

conformidade com a inscrição ideológica da enunciação, do lugar histórico-social de

onde se enuncia, logo, envolve os sujeitos em interlocução.

Como afirma Pêcheux (1988, p.160),

é a ideologia que fornece evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc, evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado “queiram dizer o que realmente dizem” e mascaram, assim, sob a “transparência da linguagem”, aquilo que chamaremos de caráter material do sentido das palavras e dos enunciados.”

Em Orlandi (1999) temos que o fato de não haver sentido sem

interpretação, atesta a presença da ideologia. Constroem-se transparências, em que o

sentido aparece como evidência, como se a linguagem e a história não tivessem sua

opacidade. As palavras recebem seus sentidos de formações discursivas em relação. A

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ideologia é a condição para a constituição dos sentidos e do sujeito. Segundo a autora

(1999, p.47), “não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia: ideologia e

inconsciente estão materialmente ligados.”

Em Chaui (2007), vimos que o discurso ideológico pode aparecer como

discurso do social porque o social aparece constituído e regulado por essa

racionalidade. Ideologicamente o poder da comunicação de massa está em dizer-nos o

que devemos pensar, sentir, falar e fazer, afirma que nada sabemos e seu poder se

realiza como intimidação social e cultural. Ideologia é o resultado de uma luta de

classes e que tem por função esconder a existência dessa luta.

O poder e a eficácia da ideologia aumentam quanto maior for sua

capacidade de ocultar a origem da divisão de classes e a luta de classes existente em

nossa sociedade capitalista, na qual o homem vale de acordo com seu poder

econômico, seu poder político e seu prestígio. Para Chauí (2006, p.84), “a ideologia é o

processo pelo qual as idéias da classe dominante tornam-se idéias de todas as classes

sociais, tornam-se idéias dominantes”.

Segundo Chaui (2006, p.7), “a ideologia é um ideário histórico, social e

político que oculta a realidade, e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e

manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política”.

Ainda de acordo com a autora (CHAUÍ, 2006, p.108,109),

a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais.

Gomes (2003) afirma que a publicidade é vista como um conjunto de

métodos para favorecer a venda de produtos e serviços sendo um instrumento de

caráter econômico. Como requisito prévio, a empresa necessita criar uma imagem

favorável e um clima propício para a realização eficiente de suas atividades persuasivas

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e informativas, assim ela estabelece uma estratégia de marketing onde se inclui o

sistema de comunicação.

De acordo com a autora (2003, p.18),

o sistema de comunicação mercadológica serve a duas finalidades: a) informar a todos os que direta ou indiretamente estão relacionados à empresa e b) persuadir, pois toda empresa necessita convencer os clientes potenciais que comprovem seu produto ou usem seu serviço.

Informar e persuadir são os objetivos da comunicação publicitária,

informam o receptor sobre tudo aquilo que é julgado como interessante, a informação é

convertida em argumento de persuasão para que ele adote a decisão de adquirir o

produto ou o serviço. Usa-se a informação que motiva, dessa forma, a publicidade é

informação persuasiva.

Para Gomes (2003, p.36),

Em primeiro lugar e com maior extensão, a comunicação persuasiva se refere à publicidade. Em segundo lugar, à propaganda, especialmente no que diz respeito à comunicação política ou qualquer outra forma para convencimento ideológico e, em terceiro lugar, às relações públicas, principalmente aquelas aplicadas à organizações empresariais e institucionais.

A publicidade se insere no que denominamos de comunicação de massa,

com vistas a atingir um objetivo claro de estímulo ao consumo, cujo marco é o universo

econômico da empresa capitalista. Ela cria sua própria notícia na forma e no tempo que

lhe interessa, não se caracterizando por uma informação desinteressada, difunde as

qualidades positivas do produto em função das vantagens relativas que apresenta em

relação aos concorrentes e diz apenas a verdade que interessa como elemento

motivador.

Gomes (2003, p.68) afirma que “a propaganda é uma técnica de

comunicação que visa promover a adesão do indivíduo a um dado sistema ideológico,

de caráter político, religioso, social ou econômico”, já a finalidade específica da

publicidade não é vender, seu objetivo é modificar ou reforçar atitudes e/ou hábitos.

De acordo com Gomes (2003, p.185), a imagem publicitária também

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aparece como uma informação intimidante... Esta intimidação, que na linguagem verbal aparece através do envolvimento pelo uso do imperativo, na imagem encontra-se relacionado ao código de apresentação dos personagens, coincidindo a “posição frontal” com a existência dessa função. A posição das mãos, o gesto, a direção do olhar, etc, compõem uma gradação desta função envolvente da posição frontal, abarcando assim o ordenado, o demonstrativo e o indicativo.

Em Vestergaard e Schroder (1994) vimos que nessa representação visual

e verbal dos fatos, a propaganda chega a funcionar como um mecanismo ideológico

para a reprodução de identidades. Cada pessoa tem necessidade de aderir a valores e

estilos de vida que confirmem seus próprios valores e estilos de vida e os anúncios

publicitários buscam preencher essa carência de identidade de cada leitor, de forma

que esta carência se transforme na carência do produto.

Ainda segundo esses autores, a ideologia pertence ao domínio do senso

comum, uma vez que o senso comum nos permite alcançar a essência da ideologia

como aquilo que é ao mesmo tempo visível para todos e ao mesmo tempo invisível por

seu caráter óbvio.

Para a mídia as categorias de verdade e falsidade tornam-se irrelevantes,

estas são substituídas pelas noções de credibilidade e confiabilidade. De acordo com

Chauí (2007, p.9),

Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado.

Chaui (2007), afirma que, para ser eficaz, a propaganda deve afirmar que

o produto possui os valores estabelecidos pela sociedade em que se encontra o

consumidor e ainda, despertar desejos que o consumidor não possuía e que o produto

não só desperta, como também satisfaz. A publicidade não se contenta em construir

imagens com as quais o consumidor é induzido a identificar-se. Ela as apresenta como

realização de desejos que o consumidor sequer sabia ter e que agora, seduzido pelas

imagens, passa a ter.

Os meios de comunicação reduzem a realidade à condição de espetáculo,

não se referindo, porém, ao acontecimento e sim à encenação do acontecimento. São

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uma indústria regida pelos imperativos do capital, que exerce seu poder sob dois

aspectos: o econômico e o ideológico. Como afirma Chaui (2006, p.75),

a ideologia contemporânea é invisível porque não parece construída nem proferida por um agente determinado, convertendo-se em discurso anônimo e impessoal, que parece brotar espontaneamente da sociedade como se fosse um discurso social.

O discurso publicitário reflete valores ideológicos nos quais a sociedade

acredita, mostra uma forma determinada de ver o mundo, daí sempre abordarem temas

como prestígio, sucesso, elegância, felicidade, poder, etc.

De acordo com Maingueneau (2005, p.100),

a publicidade visa [...] persuadir associando o produto que vende a um corpo em movimento. A um estilo de vida, uma forma de habitar o mundo; [...] procura “encarnar”, por meio de sua própria enunciação, aquilo que evoca, isto é, procura torná-lo sensível.

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3 ETHOS E CORPORALIDADE EM PROPAGANDAS DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

Hoje em dia, acredita-se que quanto mais bens um indivíduo possuir,

maior será seu prestígio social. A criação de novas necessidades e os desejos de

obtenção de lucro são a base para a construção e desenvolvimento da sociedade de

consumo que busca assentar-se sobre poder, prestígio e status. Características

marcantes desse processo são os meios de vida tornando-se mercadorias e tudo sendo

calculado em termos de rentabilidade.

Num contexto sóciopolítico de um mundo capitalista, em que predomina o

interesse econômico, as instituições bancárias se colocam como facilitadoras de acesso

a valores associados aos desejos e necessidades de seu público. Os serviços

bancários são vistos como objetos de consumo, capazes de mudar o curso de vida do

cliente, achando-se inseridos num pacote a ser vendido.

Em Las Casas (2007) vemos que as instituições bancárias convivem em

um mercado altamente competitivo, e, para sobreviver, devem ser dinâmicas, buscar

sempre a diversificação e a inovação dos seus serviços, satisfazer mais os clientes,

indo ao encontro de suas necessidades ou se antecipando a elas, tornando-os assim

mais fiéis. Atualmente, percebe-se que muitas dessas instituições bancárias atuam no

mercado em conformidade com o perfil do consumidor, ou seja, algumas apenas com

clientes mais elitizados, outros mais com a massa, oferecendo-lhes serviços

diferenciados.

Ocorre o que se chama de segmentação de mercado, ou seja, os clientes

são divididos em grupos de acordo com suas características e necessidades. Nessa

tendência, os bancos buscam identificar, diferenciar, interagir e personalizar. Busca-se,

assim, construir uma relação duradoura, visando à lealdade do cliente.

As propagandas, em geral, inserem-se no discurso econômico, no qual a

mercadoria tem valor de troca e uso, servindo para posicionar o cliente no mundo

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moderno, no mundo dos negócios, rumo a um futuro que lhe promete recompensas

econômicas e, com elas, poder.

Foucault (1996), analisa a produção do discurso como efeito de poder e

segundo o estudioso, o poder se exerce e se apresenta na espessura do discurso. “Por

mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as intenções que o atingem

revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”. (FOUCAULT,

1996, p.10)

Para o filósofo, a sociedade moderna construiu uma maquinaria de poder

por meio do controle dos corpos, o bio-poder de que fala Foucault, produzindo saberes

sobre a vida e regulando-a.

Conforme Foucault (1982 apud GREGOLIN, 2007, p.144):

Jamais na história das sociedades humanas se encontrou uma combinação tão complexa de técnicas de individualização e de procedimentos totalizadores: por meio da ação “pastoral”, desenvolve-se uma tática individualizante, característica de toda uma série de poderes múltiplos... cujo objetivo principal é o de forjar representações de subjetividades e impor formas de individualidades. Por isso, o problema - ao mesmo tempo político, ético, social e filosófico – que se coloca na modernidade não é o de tentar libertar o indivíduo do Estado e das suas instituições, mas o de libertá-lo das representações de individualização criadas pelo poder globalizador.

De acordo com Carneiro e Rodrigues (2007, p.7):

O poder é quem administra os saberes sobre o indivíduo de modo a traçar-lhes um perfil ideal e condicioná-los a serem passivos politicamente e ativos economicamente. A formação de um estilo de vida igual para todos os indivíduos de uma comunidade é uma tática para melhor controlá-los, de modo a fazê-los responder de forma previsível aos comandos emanados do poder. É isso que a Análise do Discurso chama de processo de subjetivação – a verdade que o poder cria sobre o sujeito para regulá-lo.

Vê-se que a mídia é uma fonte poderosa e inesgotável de produção e

reprodução de subjetividades em constante circulação nas sociedades, o que

demonstra sua inserção na rede de poderes.

A publicidade bancária é um dos recursos indispensáveis para promover a

inovação e aumentar a competitividade entre os bancos. Expõe aspectos como

diferenciação, adoção de inovações, técnicas para prestação de serviços, satisfação e

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fidelização do cliente, fortalecimento da imagem e da marca, entre outros. Os bancos

parecem optar por um reposicionamento mais moderno, deixando para trás toda

austeridade.

Segundo Las Casas (2007), a inovação e a diferenciação estão

relacionadas às estratégias adotadas pelas empresas e, mais do que modismos, são

fatores de sobrevivência. Percebe-se a busca por um atendimento personalizado,

praticamente individual. É natural e recomendável que as empresas dediquem atenção

proporcional aos clientes, conforme sua rentabilidade, mas para isso, é preciso saber

quem é o cliente.

Os clientes bancários não estão interessados nas características dos

produtos ou serviços, mas nos benefícios que podem ter ao usá-los ou consumi-los.

Esses benefícios devem estar associados à marca, para, dessa forma, construir a sua

identidade. O relacionamento entre um cliente e um banco inicia-se pela imagem de

solidez que este transmite ao mercado.

3.1 ITAÚ PERSONNALITÉ: A CORPORIFICAÇÃO DE UM ETHOS REQUINTADO

Em 1999, foi criado o Itaú Personnalité, uma rede de agências

direcionadas a pessoas físicas com alta renda mensal e investimentos significativos.

Segundo informações do site www.itaupersonnalite.com.br/index.jsp,

acessado dia 13 de novembro de 2007, o Itaú Personnalité teve sua origem no Banco

Francês e Brasileiro, instituição adquirida pelo Banco Itaú em 1995. Até 1998, o Banco

Francês e Brasileiro era dividido em dois segmentos, sendo que o Personnalité era da

área voltada ao atendimento da pessoa física que buscava orientação consistente e

especializada proporcionada por um gerente que administrava uma quantidade limitada

de clientes. Esta condição possibilitava conhecê-los profundamente e estabelecer um

relacionamento de confiança, acompanhando e contribuindo para a evolução dos

negócios do cliente.

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Com a aquisição do Banco Francês e Brasileiro, o Itaú deu continuidade a

esta segmentação, oferecendo a uma clientela exigente um atendimento diferenciado,

através de uma rede de agências independente e de uma equipe de gerentes altamente

qualificada.

O perfil dos clientes Personnalité corresponde a pessoas que

acompanham os principais acontecimentos do mercado financeiro, mas não são

especialistas na área. Por isso, procuram uma orientação segura e capacitada para

aproveitar oportunidades ou assegurar a manutenção do seu patrimônio. São clientes

exigentes que buscam agilidade no dia-a-dia das suas transações financeiras e

facilidade para operar com o banco. A renda mínima mensal exigida para a abertura de

uma conta Personnalité é de R$ 5.000,00 ou um volume de negócios superior a R$

50.000,00.

Em sua estratégia, há o posicionamento do banco de se unir à prestação

de serviços, atendimento individualizado e exclusivo, contando com toda a estrutura e

conveniência do Banco Itaú.

Uma interessante observação diz respeito ao nome escolhido para o

produto anunciado – PERSONNALITÉ -, pois seu significado pode ser aferido se, em

primeiro lugar observarmos que a eleição deste nome em francês - língua considerada

em nosso imaginário como representativa de uma cultura que se deva invejar e imitar –

produz um efeito de distinção, de singularidade. O significado em português de

personnalité - personalidade – remete à mesma singularidade.

Ainda, se considerarmos que os demais bancos concorrentes que

oferecem serviços similares para clientes especiais usam nomes em inglês – Prime,

Uniclass, Citigold etc – poderíamos ver nesta escolha também um outro efeito de

singularidade.

Começaremos nossa análise pela edição número 1 da revista Itaú

Personnalité por acharmos que nela o co-enunciador, o cliente Itaú Personnalité,

aparece bem marcado. Nesta revista, buscamos analisar a cenografia e o ethos da

capa e ainda o ethos e a cenografia de cinco publicidades que aparecem no seu interior

direcionadas aos clientes Itaú Personnalité

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Segundo Maingueneau (2001, p.71), “o mídium não é um simples “meio”

de transmissão do discurso, [...] ele imprime um certo aspecto a seus conteúdos e

comanda os usos que dele podemos fazer.”

A análise do ethos integra-se ao estudo da interlocução que leva em conta

os participantes, o cenário e o objetivo da troca verbal, sendo condicionado pela cena

da enunciação, na distribuição dos papéis dos co-enunciadores e pela cenografia. A

enunciação estabelece uma relação discursiva que coloca as figuras do locutor e do

interlocutor numa relação de dependência, em que ambos fazem uma imagem de si

mesmo e do outro. Dessa forma, buscamos ver que ethos emerge do discurso do Itaú

Personnalité nas diversas cenografias apresentadas.

A noção de ethos consiste em causar boa impressão pela forma como se

constrói o discurso, tentando convencer o co-enunciador e ganhar sua confiança,

porém a incorporação só se concretizará se o co-enunciador puder ver no enunciador

que ele tem o mesmo ethos que vê em si mesmo. O discurso encena seu próprio

processo de comunicação, sendo a cenografia construída no texto.

Para Maingueneau (apud AMOSSY, 2005, p.75):

O ethos é parte constitutiva da cena da enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário ou os modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de existência. O discurso pressupõe essa cena de enunciação para poder ser enunciado, e, por seu turno, ele deve validá-la por sua própria enunciação: qualquer discurso, por seu próprio desdobramento, pretende instituir a situação de enunciação que o torna pertinente.

3.1.1 Revista Itaú Personnalité

De acordo com o site www.tripeditora.com.br, acessado dia 10 de janeiro

de 2008, a revista Itaú Personnalité, com a primeira edição no mercado em dezembro

de 2007, é a primeira revista brasileira lançada por um banco. É uma revista que

prestigia o ponto de vista da experiência vivida por pessoas ditas interessantes.

Pessoas que fazem o que gostam, realizam sonhos e aventuras com muita inspiração,

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mostrando o discreto prazer pelas coisas simples e, ao mesmo tempo, mais sofisticadas

da vida. A revista possui uma tiragem de exemplares direcionados apenas a clientes

Itaú Personnalité, nela temos histórias de pessoas com valores similares aos do

universo da instituição.

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Figura 1: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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Segundo o editorial da revista (2007), com o lançamento da revista Itaú

Personnalité, o banco espera ampliar a sua relação com o cliente que acompanha os

principais acontecimentos do mercado financeiro e demanda orientação especializada e

personalizada, e que gosta de aproveitar os prazeres de uma boa leitura.

Analisando a capa desta revista, temos um gênero discursivo entendido

como uma unidade comunicativa que manifesta a intenção do enunciador que pode ser

a de informar, seduzir, orientar ou convencer seu interlocutor. Em se tratando do gênero

capa de revista, seu primeiro propósito comunicativo é o de atrair o leitor, para tanto faz

uso não só de elementos verbais como também não verbais. A escolha dos fatos a

serem noticiados na capa de uma revista se deve não só à importância que assumem

em um determinado contexto, mas também ao interesse da empresa em divulgá-los,

expressando indiretamente sua ideologia.

Na capa da revista Itaú Personnalité, temos instituída a cenografia de uma

mulher moderna, jovem, demonstrando alegria e satisfação em sua expressão. Ao lado

da foto, temos a especificação de quem se trata: “Juliana Loureiro - Do mundo dos

negócios de Nova York para a ioga”.

De acordo com Maingueneau (2001, p.54), “não se pode atribuir um

sentido a um enunciado fora de contexto”. Pelo sistema de restrição semântica, o

sentido de um discurso se manifesta tanto no vocabulário, quanto nos temas tratados,

na intertextualidade ou nas instâncias de enunciação, entre outros. As palavras e

proposições que aparecem na capa recebem seu sentido pela formação discursiva na

qual é produzida, assim, o uso da expressão “mundo dos negócios” é demonstrativa de

que esse enunciado faz parte do discurso do Itaú Personnalité e de seus clientes.

Ainda segundo Maingueneau (2005, p.21), “o interdiscurso tem

precedência sobre o discurso”, dessa forma os discursos não se constituem

independentemente uns dos outros, o que nos leva a perceber que os enunciados que

aparecem na capa remetem à ideologia do banco Itaú Personnalité, ou seja, o de se

relacionar com pessoas bem sucedidas e que não têm medo de se arriscar.

No interior da revista, há uma reportagem extensa contando a trajetória

dessa bem sucedida executiva que, com atitude, conseguiu mudar sua vida, passando

a se sentir melhor no que faz hoje em dia. Juliana Loureiro seria a corporificação do

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ethos do enunciador, ou seja, uma mulher moderna que não tem medo de arriscar-se,

identificando-se com o ethos da própria revista (2007, p.6): “esta é uma revista

diferente e com atitude, valores estes que norteiam o Itaú Personnalité”. Maingueneau

(2001,p.100), afirma que “para exercer um poder de captação, o ethos deve estar

afinado com a conjuntura ideológica”: os leitores desta revista, clientes Itaú

Personnalité, irão extrair desta revista, representações com as quais buscarão se

identificar para serem valorizados. Na fala do editor percebe-se a preocupação em

colocar o co-enunciador, o cliente Itaú Personnalité, numa posição privilegiada.

Buscamos analisar ainda algumas publicidades na edição nº1 da revista,

lançada em dezembro de 2007, com o intuito de também pesquisar quais são as

estratégias discursivas utilizadas pelo banco Itaú Personnalité na constituição de um

ethos com o qual o seu co-enunciador se identifique.

A primeira propaganda analisada foi a do próprio Itaú Personnalité, nela

vemos o enunciador do Itaú Personnalité se dirigir a seu co-enunciador provocando

uma reflexão sobre valores pessoais como “Prestígio é quando sabem quem você é ou

do que você é capaz?”. Buscando mais uma vez manter uma relação de proximidade

com o cliente (ou possível cliente), num processo de identificação, e deixando implícita

na pergunta a forma de atuação da instituição.

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Figura 2: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

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Outra marca de intimidade instaurada pelo enunciador nesse discurso

publicitário é a fonte manuscrita, uma vez que, hoje em dia, só se escreve a mão em

situações mais íntimas, um bilhete para um amigo, por exemplo.

Ao afirmar “Perfeito é saber que é a sua história que abre as portas para

você”, o enunciador reforça que ao ser cliente Itaú Personnalité ele terá prestígio, pois o

banco conhece exatamente quem ele é e do que ele é capaz. Esse processo de

identificação entre banco e cliente aparece “corporificado” na imagem de um homem

cuja postura - encostado na parede com uma de suas mãos para trás, a outra no bolso

– e rosto aberto em um sorriso, reflete a imagem de um homem tranqüilo e seguro, ou

seja, também de uma instituição bancária que goza dessas mesmas propriedades.

Essa cenografia que institui um homem jovem, moderno, seguro de si,

provavelmente um executivo, demonstrando satisfação em sua fisionomia, valida o

discurso proferido pelo enunciador, em que o homem instituído na cena, pode ser

entendido como uma corporificação do ethos do enunciador.

Além dessa propaganda do próprio Itaú Pesonnalité, selecionamos outras

quatro propagandas que circularam na mesma edição da revista para averiguar melhor

essa constatação. Uma delas, a propaganda de um resort em Dubai (figura 3), pelo

próprio produto divulgado, é direcionada a pessoas de uma classe social privilegiada,

pois não é qualquer brasileiro que tem recursos financeiros para se hospedar em um

resort, e ainda, em Dubai, um lugar famoso por suas obras grandiosas e de forte apelo

turístico.

O enunciador confirma nossas primeiras análises ao afirmar “MADINAT

JUMEIRAH é um resort que impressiona, mesmo dentro dos altíssimos padrões de

Dubai. Recém construído e com uma belíssima arquitetura inspirada nas antigas

construções árabes”.

A cena enunciativa propõe imagens do luxuoso resort e ainda de Dubai,

com um prédio que apresenta a forma de uma vela de barco, construído em pleno mar.

Institui-se o ethos do enunciador de poder, de requinte, de riqueza, de exclusividade.

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Figura 3: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip,edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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Na terceira propaganda (figura 4), a cena enunciativa propõe a imagem de

um carro importado de luxo, o Toyota Hilux SW4. Nela, o enunciador exalta as

características do carro “Força e elegância”, e afirma “Na vida, você precisa de força

para chegar cada vez mais longe. E de elegância, para chegar lá em grande estilo”,

assim, deixa claro o co-enunciador desta propaganda, pessoas bem-sucedidas,

dinâmicas, que já possuem uma situação financeira definida, mas que desejam mais

para suas vidas, e com um Toyota Hilux elas podem chegar aonde quiserem, com

estilo e elegância.

A imagem instituída na cena enunciativa valida o discurso proferido pelo

enunciador, nela aparece o belíssimo carro em meio à natureza, remetendo à idéia de

tranqüilidade e segurança. O ethos do enunciador é, então, também referido à

elegância e ao poder econômico.

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Figura 4: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

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A quarta propaganda (figura 5) é a de um edifício na região de Perdizes

em São Paulo, considerado um dos redutos da elite intelectual paulistana. Mais uma

vez, pelo próprio discurso, vemos que se trata de uma propaganda direcionada a um

grupo seleto de pessoas.

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Figura 5: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

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O enunciador descreve as características do edifício buscando convencer

o co-enunciador de que, ao adquirir o produto em questão - “Imponente e grandioso,

Marrion é o novo ponto alto de Perdizes. O bairro e a localização excepcional do

empreendimento garantem vista panorâmica insuperável e exclusiva”, ele será alçado

e/ou confirmará ser ocupante de um lugar de exclusividade e poder.

Ao afirmar “Um privilégio reservado a pessoas especiais, que conhecem a

diferença entre o bem-feito e o perfeito”, o enunciador identifica quem é o cliente

personalizando-o como pessoas especiais, ou seja, os apartamentos oferecidos são

direcionados a pessoas que não se contentam com pouco e desejam a perfeição; ao

mesmo tempo que, mais uma vez “corporifica” o seu próprio ethos de elegância, de

poder, de sofisticação por meio de uma cenografia em que aparece a imagem suntuosa

do hall de entrada do edifício.

A quinta e última propaganda analisada (figura 6) é a do relógio Mont

Blanc, caracterizando-se como um relógio suíço de alto luxo, direcionado também a

pessoas de classes sociais privilegiadas.

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Figura 6: Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007.

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O enunciador profere seu discurso em inglês, logo se vê que é direcionado

a um grupo seleto de pessoas. Em português, apenas os endereços das boutiques

onde se pode encontrar o produto divulgado.

A cenografia ainda institui um ator americano famoso e bem sucedido,

Nicolas Cage, a exibir seu Mont Blanc, estando este relacionado ao requinte e à

sofisticação, que se combina, mais uma vez, com o ethos do enunciador.

A seguir, elencamos as palavras selecionadas pelo enunciador em cada

propaganda analisada até aqui, as quais fazem parte da mesma semântica que a

instituição bancária e define estatutos enunciativos específicos, indissociáveis do

conteúdo e da enunciação de seus discursos, e que remetem a um ethos de prestígio e

de poder.

SUCESSO EXUBERANTE

PRESTÍGIO ELEGÂNCIA

PERFEITO ESPECIAIS

Das palavras apontadas no quadro acima, percebemos a repetição do

lexema “Perfeito” em todas as propagandas analisadas do Itaú Personnalité,

independente da revista em que se encontram, o que nos remete ao sistema de

restrições semânticas, no qual deve-se pensar o discurso como uma prática discursiva

comensurável a uma rede institucional e que possui uma relação direta com a ideologia.

Esses lexemas refletem como o enunciador quer ser visto por seu co-enunciador, ou

seja, um banco perfeito para atender, de maneira especial, pessoas bem sucedidas.

3.1. 2 Propagandas do Itaú Personnalité em diferentes revistas

Tomando-se como objeto de análise uma série de propagandas do Itaú

Personnalité divulgadas em diferentes revistas tais como: Veja, Piauí, Cláudia, Época

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Negócios e Você S/A, buscamos observar como nelas se dá a construção de seus

efeitos de sentido, as cenas enunciativas e o modo de constituição do ethos do

enunciador e co-enunciador, considerando também o suporte textual, sua manifestação

material e seu modo de difusão, já que as mesmas se encontram em diferentes

periódicos.

A opção por analisarmos as propagandas do Itaú Personnalité em

diferentes suportes de mídia impressa deve-se ao fato de buscarmos investigar nas

diferentes cenografias as imagens que os co-enunciadores fazem um do outro, uma vez

que é preciso levar em conta o contexto no qual foi produzido o discurso, pois essas

formas de divulgação variam segundo o público que desejam atingir e os temas que

privilegiam.

Maingueneau (apud AMOSSY, 2005, p.75) afirma:

O enunciador não é um ponto de origem estável que se “expressaria” dessa ou daquela forma, mas é levado em conta em um quadro profundamente interativo, em uma instituição discursiva inscrita em uma certa configuração cultural e que implica papéis, lugares e momentos de enunciação legítimos, um suporte material e um modo de circulação para o enunciado.

Dessa forma, o enunciado apresenta características dependentes do

ambiente em que aparece. O efeito visado resulta da relação entre o mídium e o

enunciado que lhe é associado, daí a preocupação em se utilizar como objeto de

análise diferentes revistas, pois cada revista pressupõe a existência de um leitor-

modelo. Assim buscamos analisar o que muda nos discursos proferidos das

propagandas analisadas.

3.1. 3 Propagandas do Itaú Personnalité na revista Veja

Segundo o site www.abril.com.br/revistas, acessado dia 15 de novembro

de 2007, Veja é uma revista que possui uma prática discursiva informativa que aborda

diversos assuntos, tais como: política, saúde, tecnologia, economia, diversão, arte etc.

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É uma revista direcionada a homens e mulheres, sendo em sua maioria formadores de

opinião.

A primeira propaganda analisada em Veja (figura 7), circulou em agosto

de 2006, nela temos a imagem de um casal em plena harmonia e destacado, em letras

maiores, o enunciado: “Caro cliente BankBoston. Você escolheu ser cliente do seu

banco. E é por isso que nós vamos mantê-lo como sempre foi: perfeito para você.”

Percebe-se que o enunciador busca se dirigir diretamente aos clientes do BankBoston,

reforçar os compromissos do Itaú Personnalité junto aos clientes, uma vez que o

BankBoston foi incorporado ao grupo Itaú no mês de agosto deste mesmo ano, e seus

clientes, ao segmento Itaú Personnalité.

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Figura 7: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1971, ano 39, Nº 34, agosto de 2006.

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O enunciador procura manter uma relação de proximidade com os novos

clientes Itaú Personnalité, buscando reforçar as qualidades das duas instituições, e,

ainda, reforçar o atendimento personalizado ao afirmar: “Quando você escolheu ser

cliente do BankBoston foi porque reconheceu nele as qualidades que procurava: foco

total nas suas necessidades, produtos e serviços diferenciados, relacionamento de alto

padrão e uma das melhores equipes de profissionais do país. Aliás, foi fácil reconhecer

as qualidades do BankBoston, porque são as mesmas que norteiam a filosofia do Itaú

Personnalité”.

O enunciador pressupõe que o Banco Itaú Personnalité seja um banco

que busca atender todos os seus clientes em tudo que necessita, sendo um banco

“perfeito”, característica não condizente a outros bancos, e assim, despertar empatia,

identificação e incorporação por parte do público que se deseja atingir, ao afirmar: “E a

melhor maneira de fortalecer as práticas que já fazem parte do Itaú Personnalité será a

união das competências, resultando no que há de melhor para você. Porque perfeito

para nós é o que é perfeito para você”.

A cena enunciativa (Maingueneau, 1997) desse texto publicitário,

publicado na revista Veja, propõe como cena englobante um discurso publicitário e

cena genérica uma propaganda impressa de uma instituição bancária, por isso o co-

enunciador ao interpretá-la deve ocupar o lugar de um presumível cliente do Itaú

Personnalité e/ou as pessoas contemporâneas e modernas que são leitoras de Veja.

Em consonância, a cenografia institui um jovem casal em perfeita harmonia, os quais

denotam em suas feições tranqüilidade. Nela há a corporificação do ethos do co-

enunciador captado na cena, ou seja, pessoas bem informadas e tranqüilas no que diz

respeito às mudanças ocorridas de instituições financeiras. O co-enunciador participa

da cenografia “encarnando” o consumidor ideal. Tal cenografia implica um ethos de

perfeição, de sofisticação e exclusividade.

Na propaganda veiculada na revista Veja em setembro de 2006 (figura 8),

a abordagem discursiva do Itaú Personnalité se mantém: o enunciador se dirige de

maneira direta, buscando uma proximidade do co-enunciador, questionando sobre

valores que estariam na imagem que o banco deseja transmitir “O que é perfeito para

você? Um banco onde relacionamento é o centro de tudo?”, o que é confirmado logo

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em seguida pelo enunciado: “O Itaú Personnalité acredita que o relacionamento é o

centro de um serviço bancário diferenciado”.

A imagem dessa propaganda retrata um homem de ótima aparência, maduro,

provavelmente um executivo, e que, pela sua postura, nos transmite segurança.

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Figura 8: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1973, ano 39, Nº 36, setembro de 2006.

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O enunciador busca destacar o Itaú Personnalité entre as demais

instituições bancárias, ao assumir o papel de um amigo, assessorando o co-enunciador

no que precisar. Em seu discurso, propõe atendimento personalizado, oferecendo

serviços sob medida “Por isso, o atendimento é feito por gerentes exclusivos que

acompanham de perto a vida financeira dos clientes. Além dos gerentes especialmente

qualificados, os clientes ainda contam com a assessoria exclusiva de investimentos e

previdência, que ajuda a desenhar soluções sob medida, utilizando a linha de produtos

mais competitiva e diversificada do mercado”.

Nesta propaganda, a cenografia institui um jovem executivo, de ótima

aparência, consumidor de artigos de luxo, deixando transparecer tranqüilidade e

segurança, próximo a ele há uma taça de vinho, símbolo de requinte em nossa cultura.

Essa cenografia põe em cena o fiador que o leitor da revista presumidamente associa

ao discurso. Sendo esse fiador apresentado de maneira que os serviços oferecidos pela

instituição bancária encontrem seu lugar em um universo em que existam corpos

enunciantes como o desse homem moderno, seguro de si, consumidor de artigos de

luxo. O fiador cujo corpo pode participar de tal cenografia é presumivelmente um óbvio

consumidor de tais serviços, “por meio de sua fala, se dá uma identidade que está de

acordo com o mundo que ele supostamente faz surgir”. (MAINGUENEAU, 2006, p.70).

O ethos implicado nessa cenografia, mais uma vez, é o da perfeição, da

exclusividade e do requinte.

Nas duas propagandas da revista Veja, o enunciador se vale dos semas

“alto-padrão”, “perfeito”, “exclusivos” que confirmam o ethos projetado nas cenografias

apresentadas, pois o discurso se caracteriza por uma semântica global que explica o

ethos e o vocabulário usado por determinada instituição.

3.1.4 Propagandas do Itaú Personnalité na revista Piauí

De acordo com informações do site

www.sociale.com.br/piaui/apresentacao_comercial_piaui.pdf, acessado dia 13 de

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novembro de 2007, Piauí é uma revista mensal lançada no mercado em outubro de

2006. A revista apresenta um jornalismo literário, seus artigos, reportagens, quadrinhos,

contos, diários, poemas e ilustrações são considerados inovadores. Caracteriza-se por

uma publicação sem editorial nem colunista, textos longos, autorais, sem amarras de

manuais. A revista é apreciada por formadores de opinião: executivos, artistas,

intelectuais, empresários, jornalistas, publicitários. É uma revista de conteúdo muito

variado: esporte, saúde, política, arte etc..., abordados com inteligência.

Na propaganda Itaú Personnalité, veiculada em Piauí em novembro de

2006 (figura 9), o enunciador busca uma relação de proximidade do co-enunciador e se

dirige diretamente ao cliente Itaú Personnalité com a pergunta “O que é perfeito para

você? Contabilizar cada dia da sua vida como crédito e não como débito?”. Em sua

pergunta, está implícito que, para quem é cliente Itaú Personnalité, cada dia de vida é

contabilizado com lucros, adquiridos através de toda assessoria financeira dispensada

por um banco perfeito.

Na imagem temos o mesmo casal em perfeita harmonia que aparece na

primeira propaganda analisada na revista Veja.

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Figura 9: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Piauí. São Paulo: Abril, edição2, ano1, Nº 2, novembro de 2006..

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Agora, o enunciador assume um ethos conselheiro: “A cada dia que passa

nós ganhamos alguma coisa e perdemos outras. O importante na vida é estar pronto

para isso.”, nesse enunciado é evidente o interdiscurso, ao recorrer a um clichê

socialmente conhecido: “perder e ganhar”.

Logo em seguida, o enunciador defende as vantagens em ser um cliente

Itaú Personnalité: “Você tem no gerente um consultor financeiro para analisar,

esclarecer e apontar soluções, seja nos planos de financiamento mais adequados às

suas necessidades, seja nas melhores opções de investimento”, reforçando assim, o

atendimento personalizado e exclusivo dispensado aos clientes Itaú Personnalité.

Ao afirmar “Você diz o que é perfeito para você, nós o ajudamos a

encontrar o melhor caminho”, o enunciador mais uma vez se mostra próximo, solícito,

dirigindo-se ao co-enunciador como um consultor que o ajudará a encontrar o que seja

melhor para sua vida. O enunciador evidencia que ao usar os serviços do Itaú

Personnalité - “Um banco que é perfeito para você” - o co-enunciador conseguirá tudo o

que precisa para ter uma vida perfeita e tranqüila, o que mais uma vez aparece

instituído na cena enunciativa.

Na cenografia, aparece o mesmo casal da propaganda que circulou na

revista Veja em agosto de 2006, quando o enunciador se dirigia aos clientes Bank

Boston. O casal encontra-se em perfeita harmonia, refletindo em suas expressões

tranqüilidade; ocorre aí a corporificação do ethos, pois o serviço oferecido é destinado a

pessoas que podem entrar imaginariamente nesse tipo de cenografia, ou seja, pessoas

seguras de si, bem informadas e modernas, que não têm com o que se preocupar, uma

vez que são clientes de um banco perfeito, o Itaú Personnalité. A cenografia “legitima

um enunciado, que por sua vez, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cena da

qual vem a palavra é precisamente a cena requerida para enunciar nessa

circunstância”.(MAINGUENEAU, 2006, p.68).

Na propaganda analisada em PIAUÍ veiculada em maio de 2007 (figura

10), o enunciador pressupõe que o banco Itaú é um banco perfeito e que perfeição é

algo para poucos privilegiados. Neste caso, se dirige ao mesmo co-enunciador da

segunda propaganda analisada em Veja, ou seja, um executivo, consumidor de artigos

de luxo, seguro de si, com experiência de vida e situação financeira definida: “No Itaú

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Personnalité um gerente especializado em produtos de investimento e previdência está

pronto para desenhar com você um futuro sob medida.”

Ao dizer: “você sabe como quer passar o resto da vida, nós ajudamos a

fazer o melhor plano...”, o enunciador se dirige ao co-enunciador como alguém que vai

ajudá-lo a melhorar ainda mais suas condições de vida, portanto um ethos

transformador que detém poder. “O ethos discursivo [...] instaurado procura fornecer a

seu locutor um benefício a longo prazo, suscetível de fazer as coisas mudarem.”

(AMOSSY, 2005, p.138).

Ainda, mais uma vez, o enunciador coloca-se perante este co-enunciador

como um consultor, um conselheiro, auxiliando-o a direcionar melhor a sua vida. Ao

afirmar: “Acredite não há nada de errado em acreditar que sua vida pode ser cada dia

melhor”, o enunciador deixa claro que não é pelo fato de o co-enunciador já ter atingido

um estágio de maturidade em sua vida, que ele não possa ainda continuar desfrutando

de muitos bons momentos, gozando a vida.

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Figura 10: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Piauí. São Paulo: Abril, edição8, ano1, Nº 8, maio de 2007.

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Nessa propaganda, temos a mesma imagem que aparece na segunda

propaganda analisada na revista Veja, porém, ao lado agora temos também a imagem

de um cacho de uvas, cuja aparência remete a uvas doces. A cenografia institui o

mesmo co-enunciador, maduro, requintado da propaganda da revista Veja: “O que é

perfeito para você? Saber que não são só os bons vinhos que amadurecem com

classe?”, a pergunta retórica remete ao interdiscurso, à idéia presente em nossa

memória discursiva de que, entre os fatores de qualidade de um bom vinho, está o

tempo de amadurecimento e de conservação.

A taça de vinho colocada próxima a este homem e as uvas que foram

colocadas fora desta cena, mas dentro do anúncio, remetem à idéia de que com a

maturidade a vida pode ficar ainda melhor e que tudo isso pode ser obtido com o Itaú

Personnalité: um banco perfeito para atender as expectativas e exigências de clientes

muito especiais, tais como o executivo representado cenograficamente.

O enunciador interpela diretamente seu co-enunciador com o pronome

“você” que traduz proximidade, o que podemos interpretar como um gerenciamento de

faces² em que o enunciador se esforça em passar uma imagem positiva de si. Ao

afirmar: “Nós ajudamos a fazer o melhor plano”, esse “nós” assim como o “você” visa

inscrever o leitor no texto. O “você” tem como referente o co-enunciador, o cliente ideal,

e esse “nós” da instituição bancária está associado a um fragmento embreado,

organizado a partir da situação de enunciação, podendo ser interpretado como um

sujeito coletivo, o enunciador que assina o texto no final. O “nós” não é efetivamente

uma coleção de “eus”, é um “eu” expandido para além da pessoa estrita.

Segundo Maingueneau (2001,p.125),

os embreantes de primeira e segunda pessoas, só podem ser interpretados levando-se em consideração o movimento enunciativo do texto em que figuram. [...]a interpretação dos embreantes é indissociável da cena enunciativa implicada em cada texto.

² Segundo Maingueneau (2001, p. 37-38), “a comunicação verbal é também uma relação social, ela se submete como tal às regras de polidez. [...] Esses fenômenos de polidez estão integrados na teoria denominada “das faces”. [...] Uma face negativa, que corresponde ao “território” de cada um (seu corpo, sua intimidade etc); uma face positiva, que corresponde à “fachada” social, à nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros.”

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85

Segundo o sistema de restrição semântica as unidades lexicais tendem a

adquirir estatutos de signos de pertencimento vinculados à formação discursiva da

instituição, e nas propagandas analisadas na revista Piauí, o enunciador mais uma vez

se vale de semas como “perfeito”, “melhor”, “classe”, “especiais”, refletindo a imagem

do banco e das pessoas com as quais deseja se relacionar. Um banco perfeito, voltado

para os interesses de pessoas de classe, especiais.

3.1.5 Propagandas do Itaú Personnalité na revista Cláudia

Segundo o site www.abril.com.br/revistas, acessado dia 15 de novembro

de 2007, a revista Cláudia propõe assuntos práticos e da vida cotidiana, que estão

carregados de representações sobre o feminino. Possui uma prática discursiva voltada

para a mulher independente. Destina-se à mulher contemporânea, à mulher que está

fora do lar, mas voltada para a família, à mulher que gosta de se cuidar e de se sentir

bonita e amada. A leitora dessa revista é definida como leitora inteligente, que tem

consciência da importância de sua atuação na sociedade.

Cláudia estabelece uma simetria na interlocução com sua leitora, visto que

aborda uma maior variedade de assuntos relevantes em sua vida: família, amor,

carreira, beleza, moda e qualidade de vida. Seu papel é o de oferecer informações,

esclarecimentos, serviços e de dar sugestões à mulher para que possa situar-se no

mundo pós-moderno de modo adequado. Por isso, pressupõe uma co-enunciadora

leitora com acesso a diferentes meios de comunicação e inteirada dos acontecimentos

contemporâneos.

Page 87: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

86

Figura 11: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Cláudia. São Paulo: Abril, edição 541, ano 45, Nº 10, outubro de 2006.

Page 88: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

87

Ao analisarmos a propaganda veiculada na revista Cláudia em outubro de

2006 (figura 11), mais uma vez, notamos que o enunciador pressupõe que o banco Itaú

Personnalité é um banco perfeito para seus clientes tal como a mulher do nosso tempo

– que Bauman (2005) denomina “líquido mundo moderno”-: dinâmica, dividida entre

carreira, família e os cuidados consigo mesma. É assim que o enunciador se qualifica

para propor ao enunciatário uma solução para a exigüidade do “tempo”, pois ele projeta

no discurso a imagem de uma mulher que necessita de um banco que a auxilie na

resolução de seus problemas cotidianos.

Ao afirmar “No Itaú Personnalité respeitar seu tempo é lei”, percebe-se a

presença do interdiscurso, pois já sabemos que essa mulher ativa, dinâmica, muitas

vezes tem que se desdobrar em várias ao mesmo tempo para dar conta das tarefas que

assumiu para si. Também podemos “ouvir” ainda um outro discurso muito recorrente

sobre a mulher: o de que ela gosta de cuidar de si mesma, ficar mais bela e mais

jovem, usando o “tempo a seu favor”.

A cenografia institui uma imagem de uma bela e jovem mulher em meio a

um campo de trigos, deixando transparecer calma, tranqüilidade e segurança, ou seja,

a representação do co-enunciador projetado pelo texto, as mulheres modernas leitoras

de Cláudia, é a corporificação do ethos instituído. Conclui-se, então, que ao utilizar os

serviços do Itaú Personnalité, “um banco perfeito para você”, essa mulher gozará de

exclusividade, de tempo para esbanjar onde quiser, subentende-se: para cuidar de si

mesma.

Na segunda propaganda analisada em Cláudia (figura 12), veiculada em

outubro de 2007, assim como nas propagandas analisadas até aqui, percebemos em

todas elas o mesmo efeito de sentido, ou seja, busca-se uma relação de proximidade

com o co-enunciador, os clientes do Itaú Personnalité, proporciona-se a ele prestígio ao

oferecer atendimento e serviços financeiros personalizados.

Segundo Pêcheux (apud Brandão, 2007, p.77),

As palavras, expressões, proposições mudam de sentido segundo posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que significa que elas tomam o seu sentido em referência a estas posições, isto é, em referência às formações ideológicas [...] nas quais essas posições se inscrevem.

Page 89: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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Figura 12: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Cláudia. São Paulo: Abril, edição 553, ano 46, Nº 10, outubro de 2007

Page 90: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

89

Na segunda propaganda analisada na revista Claúdia (figura 12), o

enunciador valoriza o jeito de ser e pensar de cada um, sua identidade, buscando

provocar uma reflexão sobre um valor pessoal quando pergunta ao co-enunciador:

“Liberdade é seguir o roteiro dos outros ou escrever o seu?” traduzindo assim a forma

de atuação do Itaú Personnalité.

Essa propaganda destaca uma frase relacionada a uma situação que

indica que a pessoa é especial, como “Perfeito é saber que você é nominal, pessoal e

intransferível”.

Na imagem, temos uma mulher moderna, jovem, que pela sua postura, a

maneira que as pernas aparecem cruzadas, nos remete a idéia de uma mulher

independente e segura de si. Ao lado da imagem dessa mulher, como se lhe estivesse

sobreposta, há a imagem de um passaporte, que se relaciona a roteiro, viagem, ao ir e

vir para onde quiser e quando bem entender.

A cenografia institui, mais uma vez, uma jovem mulher moderna de

excelente aparência, que demonstra segurança e tranqüilidade, o desenho do

passaporte, representa a total autonomia em traçar seu destino, sua liberdade de ir e

vir, e ainda, sua situação financeira definida. Nessa mulher dinâmica, corporifica-se

mais uma vez o ethos do enunciador. “Cada tomada de palavra implica ao mesmo

tempo levar em conta representações que os parceiros fazem um do outro, e a

estratégia de fala de um locutor que orienta o seu discurso de forma a sugerir através

dele uma certa identidade”.(MAINGUENEAU, 2006, p.56)

Os semas utilizados nas propagandas analisadas na revista Cláudia,

como “perfeito”, propõem o mesmo ethos instituído nas outras revistas analisadas,

mesmo que agora feminino. O que é caracterizado como uma semântica global

constituída dos mesmos fundamentos, da relação com o outro e das idéias,

participando de uma mesma formação discursiva.

Page 91: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

90

3.1.6 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Época Negócios

Segundo informações do site http://editoraglobo.globo.com, acessado dia

15 de novembro de 2007, a revista Época Negócios volta-se para o mundo dos

negócios, em que se busca antecipar as mudanças que irão influenciar o mercado

amanhã, e é dirigida a pessoas que sejam líderes, que buscam inovar seus negócios,

reinventando-os. Nela encontramos assuntos relacionados à tecnologia, inovação,

investimento, marketing, administração etc. Sua missão é ser um guia essencial para

empresários e executivos.

A propaganda do Itaú Personnalité veiculada na revista Época Negócios

em agosto de 2007 (figura 13), vemos, mais uma vez, um efeito de proximidade entre o

enunciador e o co-enunciador, em que aquele indaga a este: “Sua última noite em claro

foi insônia ou inspiração?”. Sabendo que a insônia está relacionada às preocupações,

podemos inferir que seria insônia se tivesse se relacionado com qualquer outra

instituição financeira que não fosse o Itaú Personnalité; a inspiração estaria relacionada

à tranqüilidade em contar com os serviços do Itaú Personnalité.

Page 92: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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Figura 13: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Época Negócios. São Paulo: Globo, edição 6, ano1, Nº 6, agosto de 2007.

Page 93: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

92

O enunciador complementa “Perfeito é viver fazendo aquilo que você

gosta”, ou seja, para que perder noites de sono com preocupação se há o Itaú

Personnalité para auxiliar no que se precisa e para aproveitar seu tempo fazendo o que

gosta?

A cenografia institui a imagem de um homem maduro, de boa aparência,

de olhos fechados como se estivesse a sonhar. Essa imagem parece ter sido recortada

e sobreposta ao desenho de uma metrópole, com seus vários prédios, e ainda a

imagem de um teclado de piano, o que remete a música, a tranqüilidade.

A cenografia institui um empresário, um homem maduro, de ótima

aparência, deixando transparecer inspiração e tranqüilidade. Mais uma vez, o discurso

é validado pela cena enunciativa, sendo o homem instituído na cena a corporificação do

ethos do enunciador. Como afirma Maingueneau (in AMOSSY, 2005, p.76), “o discurso

publicitário [...] mobiliza cenografias variadas uma vez que, para persuadir seu co-

enunciador, devem captar seu imaginário, atribuir-lhe uma identidade invocando uma

cena de fala valorizada”.

3.1.7 Propaganda do Itaú Personnalité na revista Você S/A

De acordo com o site www.abril.com.br/revistas, acessado dia 15 de

novembro de 2007, a revista Você S/A possui um discurso voltado para a gestão da

carreira, visando aos interesses pessoais e aos aspectos individuais do executivo. É

uma revista que aborda assuntos como melhores empresas, emprego e mercado,

melhores MBAs, finanças pessoais, trainees e estágios, enfim tudo que esteja

relacionado ao desenvolvimento da carreira.

A última propaganda analisada do Itaú Personnalité em nossa pesquisa foi

veiculada na revista Você S/A em setembro de 2007 (figura 14). Nela, o enunciador

mais uma vez se dirige ao cliente Itaú Personnalité, levando-o a refletir sobre seus

conceitos “O que seria mais importante: aquilo que você já fez ou ainda o que vai

fazer?”, percebemos implícita na pergunta a forma de atuação do Itaú Personnalité

Page 94: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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junto a seus clientes. Ao afirmar “Perfeito é saber que existe um mundo de

possibilidades à sua frente”, o enunciador enfatiza mais uma vez que sendo um cliente

Itaú Personnalité ele terá tudo que seja possível a uma pessoa especial, portanto, mais

uma vez, confirma o ethos de poder e de transformação do enunciador.

Page 95: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

94

Figura 14: Propaganda do Itaú Personnalité na revista Você S/A. São Paulo: Abril, edição 111, Nº6, setembro de 2007.

Page 96: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

95

Nessa propaganda temos um homem jovem, que traja blazer com tênis

sem meias, ou seja, um homem moderno, seguro de si. Podemos inferir pela sua

postura, em que aparece sentado de pernas abertas, com uma de suas mãos no queixo

como se estivesse a vislumbrar o futuro, que se trata de um homem tranqüilo em

relação a sua vida, ao seu futuro. A imagem deste homem aparece sobreposta ao

desenho de um homem, provavelmente, o desenho de si próprio, porém, em que

aparece sentado de maneira mais compenetrada, barba por fazer, fazendo anotações

em um caderno, sua fisionomia em nada se parece com a imagem do homem colocada

sobreposta a esta. O que nos leva a concluir que sendo um cliente Itaú Personnalité

não há com o que se preocupar, uma vez que pode contar com toda assessoria de um

banco perfeito para resolver seus problemas.

A cena enunciativa institui um executivo, um homem jovem e moderno,

seguro de si, como se estivesse a vislumbrar inúmeras possibilidades à sua frente.

O ethos implica uma maneira de mover-se no espaço social, uma disciplina tácita do corpo, apreendida por meio de um comportamento. O destinatário o identifica apoiando-se em um conjunto difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de estereótipos que a enunciação contribui para reforçar. (MAINGUENEAU, 2006, p.62)

Segundo Maingueneau (2001), certos discursos podem e devem dizer

certas coisas de certas maneiras e não podem e não devem dizer outras. Em todo

posicionamento põe-se em destaque certos sentidos, certas possibilidades de leitura e

uma corporeidade que advém delas ao mesmo tempo em que as forja. Em se tratando

de um discurso do gênero publicitário, o significado se estrutura em vários feixes

semânticos, de modo a provocar diversas leituras.

No caso das propagandas do Itaú Personnalité, observando a freqüência

do uso do sema “Perfeito”, percebemos que ele constitui de alguma forma a “palavra-

chave”, constituindo como um ponto de cristalização semântica desses discursos

apresentados. De acordo com Maingueneau (2001), além do valor semântico, as

unidades lexicais tendem a adquirir o estatuto de signos de pertencimento. Dessa

forma, os enunciadores serão levados a utilizar aqueles que marcam sua posição no

Page 97: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

96

campo discursivo. Os enunciadores definem seu estatuto e seu modo de enunciação,

inscrevendo-se, e com eles seus destinatários, numa certa posição social.

Os efeitos de sentido de “Perfeito” exprimem uma abertura para o exterior.

Essa relação explica que ao lançar mão desse lexema, o enunciador tenha pensado na

própria enunciação como um “discurso perfeito”, que se refere a um banco sem defeito,

completo, que apresenta as melhores qualidades, e a das outras instituições financeiras

como “discurso imperfeito”, se caracterizando opostamente ao Itaú Personnalité.

Os enunciadores utilizaram termos que marcam sua posição no campo

discursivo, ou seja, o Itaú Personnalité constrói a imagem de um banco perfeito, de

confiança e de credibilidade, logo seus clientes também são perfeitos, em

contraposição, os demais bancos são imperfeitos. Dessa forma, o social, a instituição e

o texto fundem-se numa enunciação.

Segundo Maingueneau (2001, p.39),

no espaço discursivo, o outro não é um fragmento localizável, uma citação, nem uma entidade exterior; não é necessário que seja localizável por alguma ruptura visível da compacidade do discurso. Encontra-se na raiz de um mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio, que não é em momento algum passível de ser considerado sob a figura de uma plenitude autônoma.

É o que se percebe também no slogan proferido pelo enunciador: “Perfeito

para você” que ao mesmo tempo em que traz um efeito de individualização tem-se

claramente um discurso que constrói o simulacro do discurso do outro (das outras

instituições bancárias). O contrário de perfeito é, evidentemente, imperfeito. Dizer que

as outras instituições produzem esse efeito só pode ocorrer por oposição ao discurso

do Itaú Personnalité, mas a partir do próprio discurso do Itaú Personnalité.

O discurso proferido pelo Itaú Personnalité aparece em harmonia com seu

nome. Nas propagandas analisadas, o enunciador constrói uma imagem singular e

valorizada do Itaú Personnalité, instituindo um ethos de perfeição, modernidade,

sofisticação, prestígio, que visa à captação dos seus co-enunciadores, por isso institui

cenografias e discursos em conformidade com os traços e as peculiaridades de cada

um. As imagens projetadas pelas cenas enunciativas combinam-se com a imagem do

público leitor das revistas e, obviamente, também com as imagens das pessoas com as

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quais o banco deseja se relacionar, pessoas modernas, contemporâneas, bem

sucedidas financeiramente.

Segundo Maingueneau (2001, p.141),

o texto pode ser objeto de modos de difusão muito variados e não se poderia colocar uma exterioridade entre esse aspecto e seu próprio conteúdo. A própria rede institucional desenha uma rede de difusão, as características de um público, indissociáveis do estatuto semântico que o discurso atribui.

3.2 BANCO DO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DE UM ETHOS POPULAR

Segundo o site www.bb.com.br , acessado no dia 11 de outubro de 2007,

o Banco do Brasil foi fundado na primeira década do século XIX por D. João VI e possui

hoje 200 anos de experiência. É um banco que reflete tradição, confiabilidade,

segurança e seriedade ao longo de sua trajetória.

Considerado a maior instituição financeira do país, o Banco do Brasil

atende atualmente a todos os segmentos do mercado brasileiro, ao contrário do que

ocorria há alguns anos, em que o foco de interesse da instituição, era uma classe mais

elitizada.

Tomando-se como objeto de análise quatro propagandas do Banco do

Brasil veiculadas em 2007 em mídias impressas, buscamos analisar nessas práticas

discursivas, a cenografia e a construção do ethos do enunciador. Como nas

propagandas do Itaú Pesonnalité, as propagandas do Banco do Brasil se encontram em

diferentes revistas, neste caso nas revistas Veja, Isto É e Época, porém são revistas

que apresentam uma mesma prática discursiva informativa, abordam diversos

assuntos, tais como: política, saúde, tecnologia, economia, diversão, arte etc. São

revistas direcionadas a homens e mulheres, sendo em sua maioria formadores de

opinião.

Uma primeira consideração seria a de que as propagandas analisadas

participam de uma mesma formação discursiva, de um discurso liberal que valoriza o

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“ter”, a posse, assim como também o “Carpe Diem”³, entendido como “o aproveitar as

oportunidades que a vida lhe oferece no momento em que elas se apresentam.”

As cenas enunciativas desses textos publicitários propõem como cena

englobante um discurso publicitário e cena genérica propagandas impressas de uma

instituição bancária, por isso o co-enunciador ao interpretá-lo deve ocupar tanto o lugar

de um cliente do Banco do Brasil, como também de um possível cliente: pessoas

modernas e atualizadas, leitores das revistas Veja, Isto É e Época. Em consonância, as

cenografias põem em destaque a imagem de pessoas jovens, que deixam transparecer

satisfação, contentamento e segurança, o que remete à idéia de que, ao ser cliente do

Banco do Brasil conseguirão tudo o que desejam.

Nas quatro propagandas analisadas, o enunciador se dirige a um co-

enunciador representado por pessoas jovens, modernas, que em suas expressões

deixam transparecer satisfação e contentamento, constituindo o ethos corporificado do

enunciador.

³ Fonte: http//pt.wikipedia.org/wiki/Brasil.

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99

Figura 15: Propaganda do Banco do Brasil na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 1992, ano 40, Nº 3, janeiro de 2007

Page 101: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

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Figura 16 – Propaganda do Banco do Brasil na revista Veja. São Paulo: Abril, edição 2028, ano 40, Nº 39, outubro de 2007.

Page 102: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

101

Figura 17- Propaganda do Banco do Brasil na revista Época. São Paulo: Globo, edição 489, Nº489, outubro de 2007.

Page 103: A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE INSTITUIÇÕES ...livros01.livrosgratis.com.br/cp085573.pdfFigura 1 Revista Itaú Personnalité. São Paulo: Trip, edição 1, ano 1, dezembro de 2007

102

Figura 18 – Propaganda do Banco do Brasil na revista Isto É. São Paulo: Três, edição 1979, ano 30, Nº 1979, outubro de 2007

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103

Ao argumentar “Você quer crédito para comprar o que quiser ou fazer

aquela viagem dos seus sonhos? Você pode”, “Crédito BB. Você quer, você pode” o

enunciador propõe um atendimento personalizado, diferenciado “o que” “para quem”,

caracterizando-se como uma estratégia de chegar ao cliente onde quer que ele esteja,

e ainda, exercer um poder sobre ele, produzindo a ilusão de ligação entre a instituição

bancária e aquilo que o cliente mais necessita, deseja.

O enunciador evidencia seu poder em interpelar e influenciar o outro,

tentando mostrar que a melhor maneira de satisfazer seus desejos é mantendo-se (ou

tornando-se) cliente do Banco do Brasil: “Com o Banco do Brasil é assim: você quer,

você pode!”.

Ressaltando a estratégia comercial do Banco do Brasil, o enunciador

oferece atendimento diferenciado, produtos e serviços sob medida, como se pode

verificar nos trechos: “Crédito com as menores taxas, 48 meses para pagar, e a

primeira parcela em até 59 dias”, “Com o BB crédito consignação*, você pode financiar

suas compras em até 72 vezes** e pagar a 1ª parcela em até 180 dias”.

Nas quatro propagandas analisadas, observamos o uso recorrente dos

pronomes “você” e “seu” para se dirigir diretamente ao co-enunciador: “Você quer, você

pode”, “Todo seu”, “Se você ainda não é cliente do Banco do Brasil, procure uma de

nossas agências”, confirmando a estratégia discursiva de proximidade entre a

instituição e o cliente (ou possível cliente). O enunciador enfatiza os vínculos

emocionais, culturais e sociais da instituição com seu cliente, o que aparece refletido no

anúncio como um todo.

O uso dos pronomes “você” e “seu” permite inscrever mais facilmente o

leitor no perfil de cliente da instituição bancária, que consequentemente provocará uma

identificação do leitor com o enunciador em cena.

Na tentativa de reforçar a relação de identidade do cliente com a empresa,

o Banco do Brasil muda a placa da sua agência rebatizando-a para “Banco da Renata”,

como também “Banco da Cláudia”, “Banco do Vinícius” e “Banco da Márcia”,

procurando, dessa forma, estar mais próximo das expectativas e desejos de seu co-

enunciador, conquistar não só a sua preferência, como também garantir a fidelização e

a permanência de quem já optou pelo Banco do Brasil.

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104

O nome próprio designa diretamente seu referente, o que significa que o

co-enunciador é levado a escolher um indivíduo (no sentido de ser singular). Por um

lado, temos um texto em estreita conivência com seu co-enunciador e, por outro, um

texto que supõe um saber partilhado com seu leitor.

No enunciado “O que mais você quer? Seu nome na fachada da agência?

Bem, isso a gente já fez”, a escolha de “a gente” dá um tom mais “falado” à enunciação

como em uma conversa íntima, familiar em que se prefere o uso do “a gente” em vez de

“nós”. Este “a gente” reforça a conivência com o leitor, favorecendo a aproximação com

o público. Uma das características da cenografia desses discursos publicitários é a de

supor que enunciadores e co-enunciadores pertencem a uma mesma comunidade.

“O ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não se pode

ignorar que o público constrói também representações do ethos antes mesmo que ele

fale” (MAINGUENEAU, 2006, p.57), é o ethos prévio, e o Banco do Brasil já possui um

ethos prévio de segurança e de tradição, sendo a mais antiga instituição financeira do

país.

Ao enunciar, o sujeito, presume uma espécie de ritual social, partilhado

pelos interlocutores, se concebendo um lugar e atribuindo um lugar ao outro, ou seja,

cada um alcança sua identidade a partir e no interior de um sistema de lugares. Dessa

forma, o discurso encena seu próprio processo de comunicação.

Um dos interesses de tais publicidades é que elas argumentam em favor

de um serviço cuja função é precisamente ajudar o co-enunciador a dotar-se de tal

corporalidade que lhe permitirá ser jovem, moderno, dinâmico, como os jovens das

cenografias.

Em relação ao uso da preposição “da” nas publicidades analisadas “Banco

da Renata”, “Banco da Márcia”, “Banco do Vinícius” e “Banco da Cláudia”, sabemos que

essa preposição relaciona duas palavras, estabelecendo entre elas determinadas

relações de sentido, no caso aqui analisado, o uso da preposição “da” é o de

estabelecer uma relação de posse e de inclusão do cliente no banco, buscando assim

reforçar a relação de identidade do cliente com a instituição Banco do Brasil.

O uso dos determinantes definidos “da”, “do” também contribuem para

gerar intimidade, indicando implicitamente que esta pessoa existe e é única.

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105

Utilizando-se do slogan “Todo seu”, o Banco do Brasil propõe tratamento

personalizado, preocupado com o público, produz o efeito de que os clientes são

cidadãos do mundo e, ao mesmo tempo, são seres singulares, diferentes, especiais.

Inserindo assim, o cliente no mundo moderno, dos negócios, rumo a um futuro que lhe

promete recompensas econômicas e, com elas, poder.

O Banco do Brasil instaura um ethos transformador, assumindo um papel

relevante sobre os modos de pensar do co-enunciador. Mostrando imagens que

resultam de imagens sociais, inserindo o sujeito na comunidade imaginada, em que o

cliente (ou possível cliente) fazendo uso dos serviços do Banco do Brasil, adquirirá

status e poder. O enunciador visa transformar o comportamento dos indivíduos,

despertando a necessidade de se encaixarem em determinados padrões de

comportamento.

Verificamos que o ethos do enunciador se manteve nas diferentes

revistas, Veja, Isto É, Época, pois elas visam a um mesmo público. O co-enunciador,

cliente do Banco do Brasil, é, portanto o leitor dessas revistas, pessoa de classe média,

que busca estar informada sobre diversos assuntos.

Como se viu nas análises, essas propagandas do Banco do Brasil

apresentam estratégias discursivas que garantem efeitos de confiabilidade, de

proximidade e de exclusividade, dessa forma dão a idéia de que é projeto de cada

indivíduo concebido ao longo de sua vida e desenvolvido mediante suas próprias

escolhas. Nessa tendência, lança mão de estratégias discursivas para atingir o co-

enunciador, oferecendo-lhe uma identidade exclusivo-coletiva, na qual o sujeito é

chamado por seu próprio nome, a juntar-se ao grupo de outros também ilustres. Esse

recurso de se dirigir ao interlocutor pelo próprio nome aponta para o efeito de

proximidade, de igualdade, logo, de intimidade, e, em decorrência disso, estabelece a

confiabilidade necessária no relacionamento com a instituição bancária. O Banco do

Brasil exerce poder sobre o cliente, ligando-o à sua própria identidade.

As propagandas reproduzem o que o cliente quer ouvir, ou seja, que são

pessoas únicas e especiais, podendo contar com o Banco do Brasil para transformar

suas vidas.

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106

CONCLUSÃO

O trabalho que ora se encerra apoiou-se na Análise do Discurso e

principalmente em Maingueneau, interessando-nos conceitos de interdiscurso, gênero,

ethos, cena enunciativa e semântica global.

Em nosso trabalho procuramos investigar as estratégias discursivas em

propagandas impressas de duas instituições bancárias, o Itaú Personnalité e o Banco

do Brasil. Ao longo desse percurso foram desenvolvidas reflexões e análises que

trataram, portanto, da natureza das relações entre um enunciador e seu co-enunciador,

os quais contracenam na cena enunciativa.

As instituições bancárias representam a base do sistema monetário

brasileiro, desempenham um papel estratégico na economia, através da intermediação

financeira e do financiamento das atividades econômicas, e a Análise do Discurso nos

permite conhecer o modo como os sentidos estão sendo produzidos, as posições dos

sujeitos na relação do simbólico com o político, uma vez que não há poder que não seja

político.

O discurso de instituições bancárias é o discurso de um grupo dominante

que tenta criar com o co-enunciador um elo de confiança. Com o objetivo de vender os

serviços bancários, há uma associação da idéia de que a instituição bancária seria a

porta que faltava para as pessoas adentrarem para o alcance de suas realizações. Os

bancos expandem e consolidam a ideologia do capitalismo e do consumo e a mídia

auxilia no desenvolvimento e na sustentação da ideologia capitalista.

Verificamos que as propagandas bancárias analisadas podem falar do

mesmo assunto, porém cada qual com suas especificidades. Nas análises, essas

especificidades ficam evidenciadas no vocabulário característico de determinada

instituição financeira, dificilmente aparecendo no discurso de outra, demarcando

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claramente a prática discursiva de cada um desses campos, bem como as regiões de

confronto entre os mesmos.

Retomando o conceito de ethos dado por Maingueneau, em que a imagem

que o enunciador constrói de si no discurso é em função de seu interlocutor com a

intenção de persuadi-lo e sua construção submetida a regras enunciativas e

ideológicas, vimos nas análises que o discurso proferido pelas instituições bancárias

apresentam a imagem de um fiador que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma

identidade compatível com o mundo que ele constrói em seu enunciado e que seus

discursos estão relacionados a pessoas voltadas para os seus objetivos e interesses

pessoais, estando de acordo com a ideologia capitalista, segundo a qual o homem deve

construir sua felicidade, incluindo, o sucesso financeiro.

Percebemos que as abordagens que os bancos fazem dos clientes são

muito semelhantes. Geralmente o que as empresas incorporam em suas campanhas

são valores sociais, valores pessoais, confiabilidade e eficiência nos serviços. O

discurso proferido pelo Itaú Personnalité se combina com traços de sua identidade, uma

instituição voltada para um cliente especial de alto poder aquisitivo; enquanto que o

Banco do Brasil se difunde como uma instituição popular, a qual propaga serviços e

benefícios para um cliente de menor poder aquisitivo.

A análise discursiva do gênero propaganda impressa em revistas, nos

permitiu verificar que cada revista define um estatuto ao seu co-enunciador, e que o

enunciador visa a um certo tipo de modificação da situação da qual participa. Porém,

uma observação é a de que o co-enunciador cliente Itaú Personnalité e o co-enunciador

cliente Banco do Brasil mesmo não sendo os mesmos, são designados da mesma

forma por ambos os bancos, ou seja, todos são tratados como clientes especiais e de

maneira personalizada.

O discurso das duas instituições leva o co-enunciador a incorporar uma

forma específica de se inscrever no mundo. As cenografias apresentadas nas

publicidades do Itaú Personnalité apresentam–se como inseparável do ethos de um

fiador requintado, moderno, com situação financeira definida, enquanto que as do

Banco do Brasil apresentam-se inseparável do ethos de um fiador popular, de pessoas

simples que precisam de crédito para comprar desde uma roupa, um eletroeletrônico,

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ou ainda fazer uma viagem. As representações vistas nas propagandas são

estereótipos estimulantes para que o processo de incorporação ocorra, o que permite a

identificação do co-enunciador com esse fiador, pois os leitores extraem dessas revistas

as representações com as quais buscam se identificar.

Como cada formação discursiva tem sua maneira própria de argumentar,

vimos por meio de indícios na materialidade discursiva que as enunciações são parte

da mesma dinâmica semântica que a instituição bancária, sendo produzido na

superfície discursiva a figura da instituição que a torna possível. E por meio da

enunciação que é revelada a personalidade do enunciador e ainda as características de

seu público.

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