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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOS AUTISTAS APOIADA EM COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR ALTERNATIVA SÍLVIA ESTER ORRÚ PIRACICABA, SP 2006 A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOS AUTISTAS APOIADA EM COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR ALTERNATIVA

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Page 1: A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOS … · Os estudos da análise do comportamento e a modificação do comportamento no ... Nosso interesse sobre a síndrome do autismo surgiu

UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABAFACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOSAUTISTAS APOIADA EM COMUNICAÇÃO

SUPLEMENTAR ALTERNATIVA

SÍLVIA ESTER ORRÚ

PIRACICABA, SP2006

A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOSAUTISTAS APOIADA EM COMUNICAÇÃO

SUPLEMENTAR ALTERNATIVA

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SÍLVIA ESTER ORRÚ

ORIENTADOR: PROFA. DRA. MARIA CECÍLIA CARARETO FERREIRA

Tese apresentada à BancaExaminadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEPcomo exigência parcial paraobtenção do título de Doutor emEducação.

PIRACICABA, SP2006

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BANCA EXAMINADORA

Orientadora: Profa. Dra. Maria Cecília CararetoFerreira

Profª Dra. Ana Maria Torezan

Profª Dra. Anna Maria Lunardi Padilha

Profª Dra. Maria Cecília Rafael de Góes

Profª Dra. Regina Yu Shon Chun

AGRADECIMENTOS

A Deus, o autor e consumador de minha fé, por cada manhãnos renovar com o seu amor e esperança.

À professora Dra. Maria Cecília Carareto Ferreira por me orientar com apoio e presença no

desenrolar das idéias expostas. Pelos momentos de diálogo e compreensão que teve comigo. Por

sua atenção às possibilidades de educação das pessoas com necessidades especiais e incentivo à

realização deste trabalho.

Às professoras Dra. Anna Maria Lunardi Padilha e Dra. Maria Cecília Rafael de Góes que me

acompanharam durante o curso com suas contribuições críticas e reflexivas, relevantes para o

desenvolvimento dessa pesquisa.

Às professoras Dra. Ana Maria Torezan e Dra. Regina Yu Shon Chun pelacolaboração e atenção à realização deste trabalho.

À professora Célia Toloto Ferreira, pelo acolhimento e amizade que sempre me deu.

À Ilzinha, minha amiga e companheira de trabalho, por sua compreensão e pela disposição

em assumir tantas tarefas solitárias em tempos de muitos afazeres.

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Aos alunos, protagonistas desse trabalho, por me ensinaremsegredos sobre convivência.

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À memória de meu pai, Gervásio Francisco Orrú,minha referência e inspiração na vida acadêmica,

pessoal e espiritual; presença na ausência.

À Marlene Orrú, minha mãe, mulher virtuosa e

corajosa.

Ao Ricardo Alain, meu companheiro, amigo e amor

presente; um coração girassol.

À minha gratidão por não me deixarem

desistir de compartilhar meus sonhos e

convicções.

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Construa-me uma ponte

Eu sei que você e eu

Nunca fomos iguais.

E eu costumava olhar para as estrelas à noite

E queria saber de qual delas eu vim.

Porque eu pareço ser parte de um outro mundo

E eu nunca saberei do que ele é feito.

A não ser que você me construa uma ponte, construa-me uma ponte,

Construa-me uma ponte de amor.

Eu quero muito ser bem sucedido.

E tudo o que preciso é ter uma ponte,

Uma ponte construída de mim até você.

E eu estarei junto a você para sempre,

Nada poderá nos separar.

Se você me construir uma ponte, uma pequenina ponte, minúscula ponte

De minha alma, para o fundo de seu coração.

McKeanAutista, 28 anos, escritor

R E S U M O

O presente trabalho discute a constituição da linguagem do aluno com

autismo na perspectiva da abordagem histórico-cultural enfocando a Comunicação

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Suplementar Alternativa (CSA) no processo de educação como um recurso que

apóia a promoção do desenvolvimento da linguagem deste aluno. Nesta

perspectiva, garantimos a inserção de oito alunos com autismo em contextos

culturais significativos onde ocorre uma diversidade de relações sociais, junto à

função mediadora das ações pedagógicas apoiadas por sinais pictóricos e os signos

da fala que ocupam destaque. Evidenciamos que o apoio dos sinais da CSA

favorece a evolução do desenvolvimento de sua linguagem, proporcionando-lhes,

inclusive, um melhor desempenho no que se refere aos aspectos globais de seu

desenvolvimento, com impacto positivo na qualidade de vida relacional junto às

pessoas com quem convive. Aqueles alunos que não lograram estabelecer um

significado para as figuras, mantiveram seus níveis de desenvolvimento

aparentemente sem alterações.

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A B S T R A C T

The aim of the present study was to discuss language construction in austistic

students in a historic-cultural context using Augmentative and Alternative

Communication as an educational tool to promote language development. Pedagogic

support based on Picture Communication Symbols associated to speech signs

underlies research in eight autistic children with different cultural and social

backgrounds. Thus, in responding children, it was possible to observe language

development which was accompanied by improved personal development and life

quality including family social interaction. Those children’s who didn’t be able to

understood the pictures, apparently have no development alterations.

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – Retomando ditos sobre o autismo ...................................................

14

1.1. Origem da palavra ...................................................................................

141.2. Kanner – o início dos estudos ................................................................. 15

1.3. Outros pesquisadores ............................................................................. 17

1.4. Critérios internacionais para o diagnóstico do autismo ........................... 20

1.5. Hipóteses causais ................................................................................... 23

1.6. O desenvolvimento da pessoa com autismo ........................................... 26

CAPÍTULO 2 - Referências históricas e conceituais das práticas educacionais da

pessoa com autismo ................................................................................................. 36

2.1. A educação da pessoa autista na educação especial ............................ 36

2.2. Os estudos da análise do comportamento e a modificação do comportamento no trabalho

com autistas – uma forte tendência .................. 47

2.3. O programa TEACCH e a modificação do comportamento .................... 52

2.4. Comunicação, autismo e linguagem........................................................ 55

2.5. Bases conceituais para a compreensão da linguagem ........................... 66

CAPÍTULO 3 - Da Ação à Pesquisa..........................................................................

94

3.1. A colaboração – alterando a proposta de atendimento educacional paraalunos com autismo ....................................................................................... 943.2. Configurando a pesquisa ...................................................................... 106

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CAPÍTULO 4 - A constituição da linguagem de alunos autistas apoiada em

Comunicação Suplementar Alternativa ...................................................................

109

4.1. Destaque às professoras ...................................................................... 142

4.2. Comentários gerais ............................................................................... 149

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 155

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 162

ANEXOS

Anexo 1 – Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais.

Anexo 2 – Classificação Internacional de Doenças.

Anexo 3 – Picture Communication Symbols (PCS).

Anexo 4 – Descrição dos casos e seu quadro diagnóstico.

Anexo 5 – Avaliação Pedagógica do Aluno.

Anexo 6 – Avaliação Pedagógica do período de 2000 a 2004:

representação gráfica.

Anexo 7 – Avaliação longitudinal da equipe.

Anexo 8 – Agenda de atividades diárias: ilustração.

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INTRODUÇÃO

Nosso interesse sobre a síndrome do autismo surgiu no finaldo ano de 1997 quando estávamos escrevendo nossa monografia

para ser entregue ao término de um curso de especialização. Atemática tratava dos benefícios que a música poderia trazer para a

criança com autismo, se trabalhada em sala de aula. Naquelemesmo ano fomos chamados para trabalhar numa escola deeducação especial do interior do Estado de São Paulo, onde

entramos em contato indireto com dois alunos com a hipótese deum quadro sintomático de autismo. Observando como era a prática

profissional junto àqueles alunos, passamos a nos questionar seaquele sistema de treinos seria a melhor forma de educá-los.

No ano de 1999, após diversas conversas, propusemos àdireção da escola uma nova maneira de trabalhar junto aos dois

alunos. Ali, iniciávamos nosso mestrado em educação cujoenfoque era a formação de educadores para o trabalho junto a

autistas, numa perspectiva de modificabilidade do desenvolvimentopsicológico, criando um ambiente educacional de maior demanda

cognitiva, tentando superar a passividade observada. Nessemomento, priorizamos a discussão a respeito da comunicação do

indivíduo autista, muitas vezes percebida como mecanizada, devidoao método utilizado na perspectiva do desenvolvimento da

linguagem, apoiado em um sistema alternativo de comunicação.Em 2003 iniciamos o doutorado na UNIMEP com o objetivo de

estudarmos e investigarmos acerca de como a comunicaçãosuplementar alternativa poderia contribuir na educação do aluno

com autismo, tendo como referencial a abordagem histórico-cultural, enfocando a interação social e a ação mediadora nos

processos educacionais como fundamentais para a educação desteindivíduo, com práticas que se diferenciassem de formas de

condicionamento de comportamento para obtenção de respostasimediatas e mecânicas, desvinculadas das funções da linguagem,

conforme acontece em métodos centrados na teoriacomportamental.

Nosso estudo apresenta quatro partes:Capítulo 1: Retomando ditos sobre o autismo

Apresenta a revisão bibliográfica acerca da síndrome doautismo, sua origem, definição e seus aspectos neurobiológicos;

hipóteses causais, diagnóstico, quadro sintomático e o

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desenvolvimento da criança com autismo, segundo perspectivashegemônicas na área da saúde.

Capítulo 2: Referências históricas e conceituais das práticaseducacionais da pessoa com autismo

Esse capítulo traz uma síntese histórica da educação especialinserindo o aluno com autismo nesse contexto. Também

apresentamos a análise do comportamento e a modificação docomportamento como práticas que têm caracterizado o trabalhocom autistas, a partir dos métodos centrados no behaviorismo.Complementarmente, apresentamos a fundamentação teórica,

tendo como matriz a abordagem histórico-cultural que nos orientana proposição que constitui a nossa tese, qual seja: os alunos com

autismo podem ter na Comunicação Suplementar Alternativa umrecurso promotor do desenvolvimento da linguagem quando este

recurso se insere num contexto dialógico significativo.

Capítulo 3: Da ação à pesquisaAqui relatamos o nosso trabalho na escola de educação

especial e a modificação da proposta de trabalho educacional juntoaos professores e alunos com autismo; descrevemos os casos de

oito alunos com autismo e o roteiro da pesquisa realizada.Discutimos acerca da mediação e das relações sociais presentes

no cotidiano dos alunos no ambiente escolar, a partir de episódiosselecionados dos registros realizados pelas professoras.

Abordamos as relações entre a Comunicação SuplementarAlternativa e desenvolvimento da linguagem e a sua contribuição

para esse processo.

Capítulo 4: A constituição da linguagem de alunos autistas,apoiada em comunicação alternativa

Nesta parte fazemos a discussão dos resultados obtidos nodecorrer do trabalho, de maneira processual e contínua,

evidenciando o caráter qualitativo e colaborativo da pesquisa. Naanálise dos dados, foram levantados aspectos referentes ao

desenvolvimento da linguagem dos alunos tendo como recurso deapoio a Comunicação Suplementar Alternativa.

No seu conjunto, as diferentes partes expõem a realização deuma proposta educacional centrada na criança com autismo,

considerando a possibilidade de aprendizagem e desenvolvimentoa partir das relações construídas com outras pessoas, tendo aabordagem histórico-cultural como referencial teórico. Neste

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contexto, mostrar que a inserção do aluno com autismo emambientes de interação social de ações mediadoras possibilitadas

pelas professoras, muito pode contribuir para seu desenvolvimentoglobal, especialmente aqui evidenciado, o desenvolvimento de sua

linguagem, possibilitando-lhe maior inclusão social e melhorqualidade de vida junto às pessoas com quem convive.

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CAPÍTULO 1RETOMANDO DITOS SOBRE OAUTISMO

“O que cresce além dos muros alegra os olhos.Em todos existe uma tênue esperança.”

Búrger Sellín (autista).

Na história do autismo, encontramos pesquisadores importantes por suascolocações sobre a síndrome, sobre os critérios internacionais para seu odiagnóstico e, ainda, por trabalharem as possíveis hipóteses que poderiamocasionar o seu desencadeamento.

Numa perspectiva interdisciplinar, consideramos esse conhecimento relevantepara o profissional que trabalha junto à pessoa com autismo. Por ser o discursocirculante, traz esclarecimentos sobre a síndrome, sua constituição social, suasdificuldades reais e as desvantagens sociais que esses alunos podem apresentar noprocesso de ensino e aprendizagem.

1.1. Origem da palavra

Autismo é uma palavra de origem grega (autós), que significa por si mesmo. Éum termo usado, dentro da psiquiatria, para denominar comportamentos humanosque se centralizam em si mesmos, voltados para o próprio indivíduo. É comum,também, a utilização de adjetivos para se denominar o autismo, tais como, autismopuro, núcleo autístico, autismo (primário no caso de não-associação com outraspatologias), autismo secundário, autismo de alto funcionamento, autismo de baixofuncionamento, entre outros.

1.2. Kanner – o início dos estudos

Na década de quarenta, Léo Kanner, um psiquiatra austríaco, residente nosEstados Unidos, dedicou-se ao estudo e à pesquisa de crianças que apresentavamcomportamentos estranhos e peculiares, caracterizados por estereotipias,1 poroutros sintomas aliados a uma imensa dificuldade no estabelecimento de relaçõesinterpessoais. No ano de 1943, publicou um informe: “Alterações autistas do contatoafetivo”, em que descrevia o caso das onze crianças, por ele estudadas, queapresentavam características fortes de distúrbio do desenvolvimento. 1 Repetição de gestos amaneirados, permanência em posições estranhas, que fazem parte de umdos sintomas não-essenciais da esquizofrenia.

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Kanner, o primeiro a publicar uma investigação minuciosa sobre a doença,relatou o caso das onze crianças como um quadro de “autismo extremo,obsessividade, estereotipias e ecolalia",2 nomeando-o “Distúrbios Autísticos doContato Afetivo”. As características apresentadas por esse grupo de crianças eram:incapacidade para estabelecer relações com as pessoas, um vasto conjunto deatrasos e alterações na aquisição e uso da linguagem e uma obsessão em manter oambiente intacto, acompanhada da tendência a repetir uma seqüência limitada deatividades ritualizadas. O alheamento em que viviam era extremo, desde osprimeiros anos de vida, como se não estivessem no mundo, sem responder anenhum estímulo externo, mantendo-se em um isolamento rígido e peculiar.Apresentavam, porém, aparência agradável e inteligente, além de possuíremhabilidades especiais e uma memória excepcional.

Em sua conclusão diagnóstica, Kanner (1943) apud Bettelheim (1987: 416)afirma:

Devemos, portanto, presumir que essas crianças vieram ao mundocom uma incapacidade inata para estabelecer o contato afetivo usuale biologicamente determinado com pessoas, precisamente comooutras crianças vêm ao mundo com anomalias físicas ou intelectuaisinatas. Se essa suposição estiver correta, um estudo posterior sobrenossas crianças poderá ajudar a fornecer critérios concretos notocante às noções ainda difusas sobre os componentesconstitucionais da reatividade emocional. Parece que temos aquiexemplos puramente culturais de um distúrbio autístico inato decontato afetivo.

Kanner diferenciava o distúrbio autístico do grupo das esquizofrenias, discordando do que

fora colocado por Bleuler3 em 1911, por entender não se tratar de uma doença independente e sim,

de mais um dos sintomas da esquizofrenia. Bleuler enfatizava a “deteriorização emocional” no quadro

clínico da esquizofrenia, ressaltando, no autismo, mais o distúrbio com relação à realidade do que ao

contato afetivo. Todavia, Kanner, desde o início, constatou que, apesar de o esquizofrênico se isolar

do mundo, havia uma grande diferença em relação ao autista, pois este jamais conseguiu, sequer,

penetrar nesse mundo mencionado por Bleuler.

Sua pesquisa a respeito dessa síndrome continuou, ainda, por vários anos, embora algumas

alterações tivessem sido inseridas no conceito e na definição de "autismo". O fundamento sempre era

o mesmo, mas evitava-se enquadrá-lo como sintoma esquizofrênico.

Em 1948, Kanner (apud BETTELHEIM, 1987:419) escreveu em seu manual de psiquiatria

infantil:

Existe outro denominador comum, muito interessante no ambientedessas crianças. Entre os pais, avós e colaterais, contam-se muitos

2 Tendência a repetir automaticamente sons ou palavras ouvidas.3 Introdutor do termo “autismo” para designar a perda de contato com a realidade, desencadeandouma impossibilidade ou extrema dificuldade de comunicação com outras pessoas.

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médicos, cientistas, escritores, jornalistas e estudiosos de arte. Não éfácil avaliar o fato de todos nossos pacientes provirem de pais cominteligência acima da média. Uma coisa é certa - há uma grandeobsessão no ambiente familiar.

Tal indagação levou-o, no ano de 1955, a considerar a conduta dos pais e suas crises de

personalidade, como o principal fator para o desenvolvimento da síndrome na criança, ainda em sua

vida intra-uterina. O fato se deveria à gestação conturbada ou rejeitada pela qual o feto passara, sem

relacionar-se com a mãe e, conseqüentemente, com os pais ou qualquer outra pessoa após o

nascimento, perdendo totalmente sua possibilidade de comunicar-se.

Kanner (1948) revisou seu conceito de autismo diversas vezes. Em 1949, passou a referir-se

ao quadro como “Autismo Infantil Precoce”, pela dificuldade no contato com as pessoas, desejo

obsessivo por certas coisas e objetos, pela rotina nas situações, alterações na linguagem e mutismo,

que os levava a grandes problemas na comunicação interpessoal. Considerou-o como uma

psicopatologia com as subseqüentes observações: o autismo infantil precoce é uma síndrome bem

definida, passível de ser observada com pequenas dificuldades no curso dos dois primeiros anos de

vida da criança. Sua natureza básica é intimamente relacionada com a esquizofrenia infantil, pelo que

o autismo infantil poderia ser uma manifestação precoce da esquizofrenia infantil.

Cinco anos depois, o pesquisador salientava o autismo como uma psicose, devido à falta de

comprovações dos laboratórios, através dos exames realizados. Em 1956, insistiu na consolidação

conceitual da síndrome, mas sentia a necessidade aprofundar-se mais sobre o entendimento do

fenômeno em nível biológico, psicológico e social. Em 1968, acrescentou às suas considerações a

necessidade do diagnóstico diferencial com deficientes mentais e afásicos. Na revisão de seus

primeiros casos, ocorridos há trinta anos, propôs que novas expectativas fossem estudadas através

da bioquímica, afirmando, em 1973, a pertinência da síndrome como parte do quadro das psicoses

infantis.

A partir de Kanner, muitos outros pesquisadores surgiram e foram, aos poucos, registrando

suas idéias hipotéticas sobre a origem do autismo e dos conceitos traçados, advindos de suas

experiências com pessoas com a síndrome.

1.3. Outros pesquisadores

Após o autismo ser apresentado por Kanner, Bruno Bettelheim, nascido em Viena no ano de

1903, construiu para a psicanálise (1944), a seguinte hipótese sobre o autismo, conforme nos

apresenta AMY (2001: 35-36):

A criança encontra no isolamento autístico (como os prisioneiros deDachau4) o único recurso possível a uma experiência intolerável do

4 Bettelheim esteve preso nos campos de concentração de Dachau e Buchenwald, onde observoufenômenos de isolamento vividos por certos prisioneiros.

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mundo exterior, experiência negativa vivida muito precocemente emsua relação com a mãe e seu ambiente familiar. É por isso que falade "crianças vítimas de graves perturbações afetivas" (o que porsinal é totalmente verdadeiro para certas crianças que ele acolheu,mas que não eram necessariamente autistas). (...) Bettelheim abriuas portas a teorias extremamente culpabilizantes para os pais, quese viram como a causa primeira do atraso de seus filhos.

A psicanalista inglesa, Frances Tustin, chamava os autistas de "crianças encapsuladas",

baseando-se na hipótese de que o desenvolvimento psicológico teria paralisado em um estágio

prematuro da vida do bebê, devido a um trauma oriundo da percepção sobre a separação do corpo

da criança do corpo de sua mãe, provocando uma experiência psíquica fantasmática. Em uma de

suas conferências realizadas em Paris, ela destacou a criança autista como uma criança tomada de

pânico, apesar de, muitas vezes, parecer passiva e indiferente, evidenciando que a criança autista

luta contra suas angústias por meio de asseguramento com o auxílio de formas ou objetos.

Os objetos autísticos seriam como objetos duros que dão aimpressão de proporcionar-lhe sensação de limites corporais sobresua própria solidez e seus fantasmas de fragmentação, dedesmoronamento ou de liquefação. As formas autísticas são, aocontrário, suaves ou macias e, em geral, amorfas. Elas podememanar da própria criança, como a saliva ou as fezes, ou seremequivalentes, como a areia e a água. Tais formas têm uma funçãocalmante, reconfortante, envolvente. (AMY, op.cit., p. 37-38)

Tustin enfatizava a importância de uma abordagem educativa para os autistas, fazendo

referência a Montessori, Rudolf Steiner e Walden que haviam estabelecido um método educativo para

os portadores da síndrome.

Ritvo (1976) demonstrou, em seu livro publicado sobre o autismo, os déficits cognitivos

inerentes a essas crianças, cuja caracterização ocorreria desde o nascimento, levando-se em conta

suas particularidades comportamentais. E apresentou, também, a possibilidade de a síndrome ocorrer

em associação com outras patologias específicas, em que o autismo seria a derivação de uma

patologia exclusiva do Sistema Nervoso Central.

A partir desse contexto, inicia-se a controvérsia das posições diferenciadas da

psicogenicidade e da organicidade. A primeira, influenciada pela escola francesa,

coloca o autismo como decorrente de uma desorganização da personalidade no

quadro das psicoses, conforme a posição da Classificação Internacional das

Doenças Mentais – CID 9, publicada no ano de 1990. Já a posição dos adeptos da

organicidade, o determinam como decursivo dos distúrbios globais de

desenvolvimento das habilidades de comunicação verbal e não-verbal e da atividade

imaginativa. É identificada por sinais e sintomas comportamentais, segundo a

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posição da American Psychiatric Association (APA) – DSM-III-R (Diagnostic and

Statistical Manual – III edition, 1989).

Vários pesquisadores basearam-se nas primeiras definições do autismo e

deram suas opiniões a respeito desse fenômeno patológico. Gauderer (1986)

colocou a síndrome como uma inadequação do sujeito ao meio social ou uma

doença crônica como se fosse um mal incurável e inabilitável, de origem orgânica,

com fatores neurológicos de deterioração interacional.

Sacks5 (1995) afirma, fenomenologicamente, a oposição do autismo à ligação

com a esquizofrenia, como era proposto no início das investigações. Concordando

com Kanner, reafirma que o autista sofre a ausência de influências externas, vive em

total isolamento e seus sintomas se apresentam bem mais cedo do que aparecem

nos casos de esquizofrenia. Diz, também, que o autismo pode ser adquirido e que

essa possibilidade foi percebida pela primeira vez durante os anos sessenta, com a

epidemia da rubéola provocando o desenvolvimento da síndrome durante a

gestação. Afirma, ao mesmo tempo, que tanto o autismo como outras síndromes

com características autísticas podem surgir durante a vida adulta, apesar de ser um

fato mais raro que ocorreria, mais especificamente, depois de certas formas de

encefalite.

Atualmente, o autismo é considerado, conforme a definição colocada por

Gilberg em seus estudos sobre o diagnóstico e tratamento do autismo infantil, uma

"síndrome comportamental com etiologias múltiplas e curso de um distúrbio de

desenvolvimento" (GILLBERG, 1990 apud SCHWARTZMAN, 1995). Até 1989, dizia-se,

estatisticamente, que a síndrome acometia crianças com idade inferior a três anos,

com predominância de quatro crianças a cada dez mil nascidas. Manifestava-se,

majoritariamente, em indivíduos do sexo masculino, sendo a cada quatro casos

confirmados três do sexo masculino e um caso para o feminino.

Segundo Gaspar (1998), neuropediatra, o autismo tem sido notório em vinte

crianças a cada dez mil nascidos, número que vem crescendo nos últimos anos, não

se restringindo à raça, etnia ou grupo social. De causa ainda não - especificamente

determinada, o aumento pode ser devido, também, a um maior e melhor diagnóstico

e a informações resultantes de maiores estudos e divulgações sobre a síndrome que

atinge indivíduos de todos os países do mundo.

5 Conferir deste autor histórias de casos pertinentes ao autismo relatados nos livros “Tempo deDespertar” e “Um antropólogo em Marte”.

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1.4. Critérios internacionais para o diagnóstico do autismo

Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), descritos no DSM III - R

(1989) e CID-10, EDUSP (1995), constituem um grupo de natureza diferente dos

distúrbios da infância e que abrangem o autismo. Devido à sua complexidade clínica,

há necessidade de que as pessoas, que apresentam características inerentes ao

autismo, sejam avaliadas pormenorizadamente. De acordo com Steiner (2002:1-2):

Entre os TGD, o autismo é o maior representante, “caracterizado porum desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes daidade dos três anos, havendo uma perturbação característica dofuncionamento em cada um dos três domínios seguintes: interaçãosocial, comunicação e comportamento, comumente focalizado erepetitivo. Além disso, o transtorno costuma se acompanhar denumerosas outras manifestações inespecíficas, como fobias,perturbações do sono ou da alimentação, crises de birra ouagressividade (auto-agressividade). A forma atípica se diferencia doautismo (típico) por se iniciar após os três anos de idade e (ou) pelafalta de manifestações clínicas suficientes em um ou dois dos trêsdomínios psicopatológicos (interações sociais recíprocas,comunicação e comportamentos) implicados no autismo infantil.

Em 1980, o DSM teve sua terceira edição publicada pela APA, desta vez, com

critérios mais específicos sobre a síndrome: déficits sociais difusos, amplos déficits

no desenvolvimento da linguagem, padrões incomuns da fala, respostas bizarras ao

ambiente e ausência de delírios ou alucinações típicos da esquizofrenia, exigindo

sua manifestação até o trigésimo sexto mês.

Sendo falho em vários aspectos, devido à falta de um foco evolutivo da

síndrome, critérios restritos e mais ênfase aos problemas de linguagem do que aos

de comunicação, o DSM-III foi novamente revisado em 1987. Foram, então,

catalogados dezesseis critérios para o transtorno autista, agrupados em três

categorias diferentes, devendo o paciente manifestar, pelo menos, oito dos

dezesseis critérios, dos quais num mínimo de dois seriam critérios do item A:

comprometimento da interação social; um pertenceria ao item B: comprometimento

da comunicação; e um representaria o item C: repertório restrito de atividades, para

receber o diagnóstico de transtorno autista.

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O DSM-III-R dá importância à evolução da síndrome, observando os sinais do

distúrbio, na maioria dos casos, por toda a vida, mesmo havendo diversificações

com a idade cronológica e o comprometimento das deficiências.

Em 1994, a APA publicou a quarta edição do DSM, mudando o termo "global"

para "invasivo" e alterando os critérios diagnósticos. No ano seguinte, realizou-se a

tradução brasileira. A expressão "Transtornos Invasivos do Desenvolvimento" é

representada por danos graves e agressivos em várias áreas do desenvolvimento,

onde se percebe prejuízo nas habilidades da interação social recíproca, de

comunicação, na presença de comportamentos, nos interesses e atividades

estereotipadas. Vejamos o que diz o DSM-IV:

Os prejuízos qualitativos que definem essas condições representamum desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ouidade mental do indivíduo. Esta seção abarca Transtorno Autista,Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância,Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimentosem outra especificação. (APA, 1995)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em 1993, a décima versão

do Código Internacional de Doenças (CID 10), atualizando a classificação de

Transtornos Mentais e de Comportamento, pela qual se enquadrou o autismo na

categoria "Transtornos Invasivos do Desenvolvimento". Suas características são:

anormalidades qualitativas na interação social recíproca e nos padrões de

comunicação, por repertório de interesses e atividades restritas, repetitivas e

estereotipadas, sob o código de F84. Tais anormalidades qualitativas, referentes ao

funcionamento global do indivíduo em quaisquer situações, caracterizam-se por

prejuízo severo e incapacitante, em diversas áreas do desenvolvimento humano,

podendo variar em grau de acometimento. Essa versão da CID 10 sobre o autismo

passou a ser adotada pelo Brasil, em 1996.

Em razão de tanta polêmica para fins de caracterização e enquadramento da

síndrome em uma das posições, ainda hoje se encontram dificuldades para o seu

diagnóstico preciso, quer pendamos para o caminho das etiologias ou pensemos de

forma clínica. De acordo com a literatura, há casos supostamente baseados como

advindos de condição médica, enquanto outros há, caracterizados por

anormalidades na interação social mútua e nos padrões de comunicação, como

também pelos diferentes aspectos ligados ao interesse e a ações, diferentemente

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realizadas. De acordo com a ASA - Autism Society of América, (1999) "o autismo é

um distúrbio de desenvolvimento, permanente e severamente incapacitante".

Para o diagnóstico6 de autismo, pode ser utilizado um vasto protocolo de

investigação, a partir da realização de exames para pesquisa de possíveis condições

específicas, geneticamente determinadas ou não, de realização de pelo menos um

dos exames de neuroimagem propostos, e fazendo uso do agrupamento de alguns

dos critérios do DSM-IV7 (APA, 1995) e da CID-108 (OMS, 1993), além de anamnese

detalhada, exame físico, dando atenção aos sinais comumente associados a

cromossopatias e outras afecções de etiologia genética, avaliação neuropsicológica,

análise bioquímica para erros do metabolismo, exames de cariótipo,

eletroencefalograma, ressonância magnética de crânio, SPECT, além de outros

possíveis exames complementares.

De acordo com Steiner (2000: 72):

A validação de um protocolo clínico e laboratorial para indivíduoscom hipótese diagnóstica inicial de autismo mostrou que a avaliaçãomédica baseada em critérios clínicos bem estabelecidos, associada aum exame físico meticuloso, pode trazer um retorno mais imediatoaos pais e familiares dos propósitos do que exames complementaresde alta complexidade, os quais são de difícil realização e poucautilidade prática no sentido de confirmar o diagnóstico de indivíduoscom transtornos globais do desenvolvimento. Por outro lado, aidentificação de casos típicos e não associados a outros distúrbiosgeneticamente determinados poderá ser útil na pesquisa das basesneurobiológicas desse grupo de distúrbios, a partir de novastecnologias que venham a ser desenvolvidas em um futuro próximo.

No Brasil, devem existir, estatisticamente, de sessenta e cinco mil a cento e

noventa e cinco mil autistas, baseado na proporção internacional, já que nenhum

censo semelhante foi realizado. Nossa classificação oficial do autismo é realizada,

levando-se em conta os critérios da CID-1, em conjunto com o DSM-IV. É importante

ressaltar a necessidade de uma anamnese específica e uma observação

comportamental para maior eficiência e confiabilidade diagnóstica. A escala CARS

também se mostra um recurso útil para o diagnóstico.

6 Diagnóstico não é sinônimo de classificação. O diagnóstico é ativo e pessoal, enquanto aclassificação é impessoal e equilibrada, prendendo-se à doença em si.7 Anexo 1- Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais.8 Anexo 2- Classificação Internacional de Doenças.

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1.5. Hipóteses causais

As questões sobre os possíveis agentes causadores do autismo são muito

polêmicas. Inquirem-se desde causas psicológicas, disfunções cerebrais e

alterações de neurotransmissores e fatores ambientais como definidores da doença,

até os de natureza genética, sendo esta última levantada e analisada mais

recentemente por diversos cientistas. Com o tempo, os critérios baseados em

comportamentos anormais vagos foram substituídos por critérios específicos,

relacionados a alterações no desenvolvimento da interação social, da comunicação

e das atividades.

A partir da década de 1970, avanços se deram nos estudos a respeito do

autismo, tanto na literatura especializada para o diagnóstico da síndrome, como nos

estudos sobre o enfoque de suas possíveis causas. Foi a época em que pesquisas

realizadas apontaram que a epilepsia é 60 vezes mais freqüente entre os autistas do

que na população geral, que a deficiência mental se fazia presente em mais de 75%

dos casos de autismo, em decorrência de possíveis danos neurológicos extensos,

provocando limitações em uma série de processos cognitivos, sendo, então,

atualmente, considerado como decorrente de processos neurobiológicos e não mais

um distúrbio puramente psicológico em suas causas. (STEINER, 2000: 4)

O que sabemos é que existem diversos aspectos atípicos do autismo,

identificados em descrições que abrangem suas características clínicas e

neurológicas, alterações eletroencefalográficas, neuroanatômicas, citogenéticas ou

bioquímicas; tais pesquisas, porém, analisam esses assuntos de forma isolada ou

associada apenas à parte deles. Devido aos diferentes instrumentos diagnósticos,

pela diversidade de exames complementares realizados, e pela possibilidade de

associação com outros distúrbios, é necessário cautela no diagnóstico e na

diferenciação do autismo sem uma causa definida.

Em geral, é comum diagnosticar-se uma doença, com base em resultados

concretos (exames laboratoriais) ou “visíveis” aos olhos (Síndrome de Down). A

ausência de indícios visuais dificulta o diagnóstico do autismo. Nos casos de autismo

associado à outra patologia, muitas crianças têm recebido atendimento médico

insuficiente às suas necessidades. Precisam, além de medicamentos específicos

para a doença distinguida, um atendimento e um programa adequado às

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necessidades inerentes ao autismo. Não é incomum, um indivíduo com mais de uma

condição clínica associada ao autismo; pelo contrário, é uma situação freqüente.

A respeito da condição neurobiológica e associativa do autismo, Schwartzman

coloca:

Obviamente temos que aceitar que algumas destas associações sãoeventuais e podem ter ocorrido por acaso; porém, em alguns dosexemplos que se seguirão, a freqüência com que os dois quadrosestão presentes num mesmo indivíduo nos obriga a aceitar que devehaver algum fator comum a ambas as condições ou que a presençade uma delas facilita o desenvolvimento da outra. (op. cit., p. 19-20)

De acordo com o Jornal de Pediatria (abril/2004), a prevalência de distúrbios

neurológicos a cada 100.000 nascimentos é de 130 para o autismo. Dentre as

diversas condições médicas associadas ao autismo, as que mais se destacam são:

a síndrome de Down, epilepsia, X-Fragil e problemas pré e perinatais. Há também

infecções que podem ser associadas a possíveis causas do autismo: Toxoplasmose

(pré-natal), Varicela (pré-natal), Caxumba (pré-natal), Citomegalovírus (pré-natal),

Sífilis (pré-natal), Herpes Simples (pós-natal) e Rubéola (pré-natal).

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A síndrome do autismo também é encontrada nos estudos realizados em

pares de gêmeos, sendo estes, tanto monozigóticos como dizigóticos, confirmando a

participação do genótipo9 na especificação de características do fenótipo (BAILEY et

al., 1995 apud STEINER, 1998: 101). As percentagens concluídas foram significantes

nas pesquisas diversas, realizadas por vários profissionais da saúde e em

localidades distintas.

No momento presente, estão se realizando estudos de alguns genes,

possíveis candidatos a serem identificados como mecanismos de herança para o

autismo. Embora não sejam definitivos para clarear-lhe a origem, mostram-se úteis

no estímulo da busca ardilosa para o melhor conhecimento da síndrome, suas

hipóteses e possibilidades de desenvolvimento.

Mediante os estudos realizados sobre o autismo, sua complexidade para fins

diagnósticos e suas possíveis hipóteses causais, vale ressaltar o que nos diz

Steiner:

Considerando-se que o diagnóstico do autismo se refere a umacondição funcional, a presença de um fator etiológico conhecido emum indivíduo apresentando sintomatologia autística não invalida odiagnóstico do autismo em si, portanto indivíduos descritos naliteratura como autistas podem ter a forma idiopática ou a secundáriaa uma outra condição clínica conhecida. (op. cit., p. 2)

Embora a ciência já tenha percorrido um longo trajeto para a compreensão do

autismo, muito ainda falta para conclusões mais concretas serem estabelecidas. No

momento, podemos destacar os seguintes pontos baseados na revisão da literatura:

1. O autismo se faz presente antes dos três anos de idade e deve ser

considerado como uma síndrome comportamental que engloba

comprometimento nas áreas relacionadas à comunicação, quer seja verbal

ou não-verbal, na interpessoalidade, em ações simbólicas, no

comportamento geral e no distúrbio do desenvolvimento neuropsicológico;

2. O autismo não é exclusivo, é próprio da espécie humana e pode vir

associado a múltiplas etiologias, havendo, inclusive, a participação de

fatores genéticos e ambientais. Ocorre, em média, a cada quatro indivíduos

9 Conjunto de genes de um indivíduo ou de indivíduos com a mesma constituição genética.

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em dez mil nascimentos, sendo quatro vezes maior sua incidência no sexo

masculino;

3. Deficiência mental, hiperatividade, déficits de atenção, processos

convulsivos e a deficiência auditiva destacam-se como as síndromes

neurológicas mais associadas ao autismo;

4. Conforme a complexa neurobiologia do autismo e a grande lista de

condições clínicas a ele associadas, ainda não se conhecem quais

mecanismos neuropatológicos dão origem aos comportamentos autísticos,

por não se manifestarem de forma mais homogênea em todos os casos

descritos até hoje;

5. Resultados advindos de exames de neuroimagem têm demonstrado

alterações diversas, relacionadas ao Sistema Nervoso Central de autistas,

principalmente referente ao cerebelo;

6. É indispensável a utilização de um vasto protocolo para a investigação

diagnóstica da síndrome, devendo esta ser sistemática e com critérios

estabelecidos através de uma abordagem interdisciplinar. Tal procedimento

deve realizar-se não somente com fins de confirmação diagnóstica, mas,

inclusive, para trazer contribuições à compreensão das bases

neurobiológicas e os mecanismos etiopatogênicos essenciais dessa

categoria. (STEINER, op. cit., p. 143)

1.6. O desenvolvimento da pessoa com autismo

A respeito do desenvolvimento da pessoa com autismo, as afirmações que se

seguem são oriundas da literatura acumulada sobre a síndrome; igualmente,

referem-se a como esse indivíduo tem sido compreendido e tratado pela sociedade.

O autista, sendo um indivíduo único, é exclusivo enquanto pessoa. Embora

tenha características peculiares no que se refere à síndrome, suas manifestações

comportamentais diferenciam-se segundo seu nível lingüístico e simbólico, quociente

intelectual, temperamento, acentuação sintomática, histórico de vida, ambiente,

condições clínicas, assim como todos nós. Portanto, nem tudo que venha dar

resultado para uma pessoa com autismo, serve de referência positiva à outra pessoa

com a mesma síndrome.

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Na maior parte dos dados colhidos por meio de anamneses realizadas por

profissionais atuantes nas instituições voltadas para esse tipo de atendimento,

constata-se que os diagnósticos de autismo são fechados a partir dos três anos de

idade. Do nascimento ao segundo ano de vida, de cada cinco casos, quatro não são

identificados com clareza. (COLL, 1995: 278)

No período de 1999 a 2004, entrevistamos pais de crianças autistas que

freqüentavam uma escola de educação especial. Observamos que, na maioria das

vezes, a criança com essa síndrome, no período que vai do nascimento até o

primeiro ano de vida, era calma, excessivamente tranqüila, "muito boazinha" ou, ao

contrário disso, irrequieta, chorando muito e com problemas relacionados ao sono.

Do primeiro ano de vida até o segundo, é relatado que demorou a andar, demorou a

falar e quando falou, repentinamente, sua fala cessou. A partir do segundo ano de

vida, passou a apresentar comportamentos estranhos. Dizem: "ele é esquisito".

O período do reconhecimento de uma possível síndrome é obscuro e

demorado, tanto pela parte dos pais como por muitos médicos, devido à

complexidade do quadro, pela falta de informações básicas sobre síndromes não

identificadas através de exames laboratoriais, impedindo de haver um processo de

intervenção mais precoce e claro. Desta forma, tornam-se raros tais diagnósticos

antes dos doze meses de idade.

Durante os três primeiros anos de vida, as condutas funcionais normais,

desenvolvidas por uma criança que não apresenta a síndrome, são, no autista,

progressivamente desestruturadas e/ou perdidas, ou mesmo nunca chegam a se

desenvolver. Dentre essas funções, estão: a falta da aquisição de regras

estabelecidas, surdez aparente, ações antecipadas não praticadas, em geral, a partir

do sexto mês, (ex.: sorrir ao ver a mãe se aproximar, etc.). Observam-se, também, a

ausência de criatividade na exploração dos objetos e dos procedimentos de

comunicação, normalmente intencionais, que se desenvolveriam a partir do primeiro

ano de vida, aproximadamente.

Obviamente, pelo comprometimento observado, funções simbólicas como a

imitação de gestos e atitudes, o emprego de palavras com o fim de se comunicar,

dificilmente atingem seu objetivo interacional, quando desenvolvidos. Podem,

também, manifestar resistência a mudanças de rotina, modificações no ambiente de

seu costume, medo anormal de outras pessoas, objetos ou lugares.

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Certas crianças com autismo desenvolvem-se normalmente, durante sua

primeira infância, chegando, até mesmo, a adquirir uma linguagem funcional.

Todavia, esta vai se perdendo progressivamente ou tornando-se suscetível de

conseqüências sérias devido à tal condição; assim, muitas delas acabam em um

intenso isolamento social, envolvidas em seus rituais e estereótipos e, praticamente,

sem nenhuma comunicação externa.

Muitas das alterações apresentadas por crianças autistas ocorrem em razão

da falta de reciprocidade e compreensão na comunicação, afetando, além da parte

verbal, as condutas simbólicas que dão significados às interpretações das

circunstâncias socialmente vividas, dos sinais sociais e das emoções nas relações

interpessoais.

Durante o período de idade que vai dos dois aos cinco anos, apresentam-se

intensas modificações na criança autista. É freqüente sua alienação diante do

mundo que a cerca, bem como é indiferente aos estímulos externos que sobrevêm a

ela. Enclausura-se nos rituais sem um propósito definido e age com indiferença em

relação às pessoas; quando contrariada ou não compreendida, pode auto-agredir-

se, como também pode ficar horas observando algo que lhe chame a atenção, e

perplexa diante de alta sonoridade ou, ainda, irritada ao menor ruído.

Com a adolescência, tendem a aumentar os conflitos pessoais e interpessoais

na pessoa com autismo. É possível aparecerem novas complicações, como: crises

de epilepsia, acréscimo das estereotipias, problemas alimentares, ciclos

depressivos, aumento da excitação e ansiedade. (COLL, op. cit., p. 280)

Segundo Temple Grandin (1992:5), a época da puberdade é um agravante do

comportamento de autistas. Ela diz: "Na infância eu era hiperativa, mas nunca havia

me sentido ”nervosa“ até chegar à puberdade. Nesta época o meu comportamento

foi de mal a pior." As alterações sensoriais, assaltos de ansiedade e o desencadear

de uma hipersensibilidade geral vieram após sua primeira menstruação. Em seu

depoimento, ela menciona algumas atividades que lhe davam certo alívio, quando

sofria "crises de colite" e "ataques nervosos". Essas atividades contemplavam

exercícios físicos, trabalhos manuais, o uso de certos medicamentos e, inclusive,

rodar em sua cadeira giratória.

Temple Grandin comenta que as turbulências hormonais da adolescência lhe

causaram dificuldades. Era como se fosse sacudida para cima e para baixo. Esse

período melhorou quando terminou a universidade e passou a tomar alguns

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medicamentos classificados como antidepressivos para se tranqüilizar. Eis um

trecho sobre as experiências que teve:

As buscas frenéticas pelo sentido básico da vida são coisa dopassado. Não fico mais fixada em uma coisa, já que não me sintomais impelida. Durante os últimos quatro anos escrevi pouco em meudiário porque o antidepressivo me tirou muito do fervor. Com apaixão atenuada, minha carreira e meus negócios vão bem. Estandomais relaxada, entendo-me melhor com as pessoas, e os problemasde saúde causados pelo estresse, como a colite, desapareceram. E,contudo, se a medicação tivesse sido prescrita para mim quandotinha vinte e poucos anos, poderia não ter alcançado tudo o queconquistei. Os "nervos" e as fixações foram grandes motivadores atéesfacelarem meu corpo com problemas de saúde decorrentes doestresse. (GRANDIN, 1986 apud SACKS, op. cit., p. 280)

Com relação à compreensão da pessoa com autismo, cremos que quanto

mais clara e objetiva se der a comunicação, mais receptiva será e maiores serão as

possibilidades de se obter retorno. Isso é observável, tanto em casos de autistas de

alto-funcionamento, como nos casos de autismo associado a outras patologias, que

trazem consigo um rebaixamento intelectual. Em geral, eles têm dificuldades com

metáforas e ironias. Para a maioria dos autistas, tudo tem um sentido literal e essa é

uma das causas que fazem com que os sentimentos e as coisas abstratas em geral,

sejam, para eles, tão difíceis de lidar.

Semelhante ao pensamento de Howard Gardner (1995:78), relacionado às

"inteligências múltiplas", Grandim comenta sobre a tendência de ver o cérebro de

forma modular e constituído por uma variedade de poderes computacionais isolados

e independentes, atribuindo, por um lado, as habilidades incríveis que ela e outros

autistas possuem e, por outro, a falta extrema de outras capacidades a essa questão

do cérebro. Seus estudos são profundos e concretos a respeito do autismo,

chegando a ter uma substância teórica e prática empírica significante. Em uma de

suas palestras, menciona Sacks (op. cit., p. 297), ela encerrou dizendo: "Se pudesse

estalar os dedos e deixar de ser autista, não o faria - porque então não seria mais

eu. O autismo é parte do que eu sou." Algum tempo depois, escreveu um artigo

sobre o assunto:

Adultos conscientes de seu autismo e seus pais ficamfreqüentemente irritados com esse distúrbio. Podem se perguntar porque a natureza ou Deus criou condições tão horríveis quanto oautismo, a psicose maníaco-depressiva e a esquizofrenia. No

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entanto, se os genes que causaram essas condições fossemeliminados, o preço a pagar poderia ser terrivelmente alto. É possívelque pessoas com um pouco desses traços sejam mais criativas, oumesmo gênios (...) Se a ciência eliminasse esses genes, talvez todoo mundo fosse tomado por contadores. (GRANDIN, 1990 apudSACKS, ibidem)

Outro exemplo descrito de autismo é o de Jerry, uma criança diagnosticada

por Léo Kanner como autista. Aos trinta e um anos de idade, Jerry contou sua

história a Jules Bemporad (1979) (apud COLL, op. cit.,: 280-282) que, após investigá-

la, publicou-a em um artigo.

Conforme a descrição realizada por Coll (1995), Jerry era um autista de alto-

funcionamento, sem antecedentes comprometedores até sua primeira infância.

Porém, seu comportamento era diferente do das outras crianças, desde seus

primeiros meses de vida. Era indiferente com as outras pessoas, inclusive com sua

mãe. Chorava muito, tinha problemas com a alimentação e com barulhos diversos.

Começou a falar somente aos três anos, mas sem função comunicativa. Depois,

passou a desenvolver talento musical e memória significante. Antes de completar

quatro anos, encantava-se com as composições de Mozart e Bach. Começou a

escrever sozinho, copiando dizeres de rótulos e cartazes sem saber seus

significados. Aos cinco anos, teve seu diagnóstico de autismo confirmado por Léo

Kanner. Sua capacidade intelectual era normal, mas sua linguagem era anormal,

ecolálica e sem função comunicativa.

Quando passou a freqüentar a escola, aos seis anos de idade, sofria por não

conseguir relacionar-se com as outras crianças, além de ter, sobre si, o peso de não

agüentar os ruídos existentes na escola. Interessou-se pela matemática a partir da

terceira série; fazia e pendurava em seu quarto as tabuadas de multiplicar. Um dia

foi humilhado por seu professor, quando tinha dez anos de idade. Isso concorreu

para que deixasse o colégio e fosse tomado por grande desolação, sendo

transferido para uma instituição residencial. Voltou-se obsessivamente para os

exercícios aritméticos por não conseguir sustentar as amizades que tentava fazer e

pelas dificuldades encontradas em relacionar-se, fato que atribuía à sua gagueira.

Passou a ficar mais sensível diante de sons e odores intensos.

Quando jovem-adulto, tornou-se mais ciente de sua solidão e de seu

isolamento. Foi aceito em um centro educacional, desenvolvendo algumas relações

superficiais. Já na idade adulta, ao término de seus estudos, era capaz de realizar

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trabalhos e atividades, desde que lhe fossem passadas em pormenores. Não

distinguia, contudo, coisas importantes de outras irrelevantes.

Ao analisar o relato da experiência de Jerry, observa-se seu temor em

relacionar-se com outras pessoas, aversão a mudanças de rotina, medo e confusão

intensos, durante sua infância e adolescência, devido à imprevisibilidade oferecida

circunstancialmente, com a qual não sabia lidar. Sentia necessidade de relacionar-

se, mas também sentia medo de tentar esse relacionamento por não compreender o

interior das outras pessoas, o que o impedia de deixar que desabrochasse a empatia

com o outro. Assim, parecia agir com insensibilidade, mas, na verdade, o que ocorria

era a incapacidade de colocar-se no lugar do outro e expressar seus sentimentos ou

idéias de forma sistemática e empática.

Coll comenta o caso de Jerry e acrescenta:

Casos como o de Jerry nos proporcionam um acesso privilegiado àcompreensão do autismo e, por conseguinte, constituem umapremissa importante para a formulação de estratégias adequadas deeducação e tratamento. Que meio temos que proporcionar à criançaautista para diminuir seu medo, aumentar a previsibilidade de seuambiente aproximá-la de outras pessoas, permitir-lhe satisfazer-seatravés da relação, desenvolver seus modelos simbólicos? Comopodemos normalizar, na medida do possível, sua experiência e suaconduta? (COLL, op. cit., p. 282)

Exemplos como os citados, decorrentes de estudos e análises realizadas,

podem contribuir para uma melhor compreensão do comportamento autista. Diante

daquilo que se apresenta a um autista como novidade, mesmo sendo

indiscutivelmente necessário para sua aprendizagem, é preciso ter cautela. O que é

novo pode lhe gerar angústia e repulsa, por não compreender o motivo de tal

imposição, pois tem uma síndrome comprometedora de sua função simbólica,

agravante de alterações em sua comunicação. Deve ser evidenciado pelo

profissional, o respeito à individualidade dessa pessoa, aceitando seus limites e

propondo estratégias para a superação das barreiras apresentadas, incentivando o

desenvolvimento e crescimento de seu potencial global.

A imagem de um "autismo clássico" tem sido assustadora para a maioria das

pessoas, inclusive para muitos médicos. Quando as pessoas são questionadas

sobre o autismo, geralmente são levadas a dizer que se trata de crianças que se

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debatem contra a parede, têm movimentos esquisitos, ficam balançando o corpo e

chegam até a dizer que são perigosos e precisam ficar trancados em uma instituição

para deficientes mentais. São falas que revelam desinformação a respeito dessa

síndrome

No entanto, concordamos com Sacks, quando este afirma:

É verdade que, curiosamente, a maioria das pessoas fala apenas decrianças autistas e nunca de adultos, como se de alguma maneira ascrianças simplesmente sumissem da face do planeta. Mas emborapossa haver de fato um quadro devastador aos três anos de idade,alguns jovens autistas, ao contrário das expectativas, podemconseguir desenvolver uma linguagem satisfatória, alcançar ummínimo de habilidades sociais e mesmos conquistas altamenteintelectuais; podem se tornar seres humanos autônomos, aptos parauma vida pelo menos aparentemente completa e normal - mesmo seencobrindo uma singularidade autista persistente e até profunda. (op.cit., p. 255)

Segundo os relatos descritos, podemos perceber que, quando o processo de

intervenção é planejado de maneira continua e avaliativa, não ocorrendo

tardiamente, há maior oportunidade de a pessoa com autismo desenvolver-se e

estruturar-se em seu próprio contexto.

O déficit de comunicação também tem sido foco de preocupação apresentado

em estudos sobre o desenvolvimento de pessoas com autismo, sendo sublinhado

nos critérios de diagnóstico como severamente acometido por graves danos, em

razão da própria síndrome.

A evolução dos sistemas simbólicos de estrutura concreta para outros

sistemas mais complexos ou abstratos, inerentes à linguagem, ocorre normalmente

no ser humano, contribuindo para seu ajustamento social e sua participação pessoal

no grupo ao qual pertence, impulsionando-o a interagir com os demais.

É fundamentalmente através da linguagem que o indivíduo realiza sua

interação social e cultural, avançando em seu envolvimento social e definindo sua

própria identidade. Contudo, é na linguagem e na comunicação que se concentra o

maior obstáculo no autismo, uma vez que poucos autistas desenvolvem habilidades

para conversação, embora muitos desenvolvam habilidades verbais e grande parte

consiga desenvolver somente habilidades não-verbais de comunicação.

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Estudos realizados em autistas por Wong &Wong (1991) apud Schwartzman

(op. cit., p. 47), indicam que o período de comunicação cerebral é mais extenso,

marcando uma disfunção neurológica e prejudicando a recepção sensorial através

da audição, provocando desordem de linguagem, de aquisição de conhecimentos e

de evolução social, sendo específicos na síndrome, embora possam não apresentar

sinais de patognomonia.

A defasagem ou a ausência do desenvolvimento da comunicação fora

descrita, em 1943, por Léo Kanner, em cinqüenta por cento dessa clientela e, na

década de setenta, foi relacionada com as alterações comportamentais por Wing

(1975) e Rutter (1979), em razão do transtorno decorrente da linguagem.

Relatos de pais e profissionais que convivem com pessoas autistas

evidenciam a anormalidade de respostas a estímulos verbais e não-verbais, a falta

de verbalização e mímica, a resistência ao diálogo, a indiferença aos estímulos

sensoriais ou hipersensibilidade e a caracterização atípica e bizarra, relacionadas às

reações a som e paladar. Grandin (1996) comenta que sua audição funcionava

semelhante aos amplificadores de sons, estando no último volume e que seus

ouvidos pareciam ser ofendidos como se tivessem os nervos feridos pela broca de

um dentista e que, por essa razão, pessoas autistas deveriam ser poupadas de

grandes ruídos.

Não apenas os autistas em situação de maior comprometimento como

também autistas de alto-funcionamento, apresentam problemas em sua

comunicação, podendo manifestar ecolalias e uso estereotipado da fala. Assim,

dentro dos problemas de linguagem do autista, a literatura destaca:

- A ausência de fala, puxando, empurrando ou conduzindo fisicamente o

parceiro de comunicação para expressar o seu desejo;

- Retardo no desenvolvimento da fala, retrocesso dessa capacidade já

adquirida e emudecimento em alguns casos;

- Expressões por meio do uso de uma ou duas palavras ao invés da elaboração

de frases;

- Ausência de espontaneidade na fala;

- Pouca fala comunicativa, com tendências ao monólogo;

- Fala nem sempre correspondente ao contexto;

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- Utilização do pronome pessoal de terceira pessoa do discurso ao invés da

primeira;

- Frases gramaticalmente incorretas;

- Expressões bizarras, neologismos;

- Estranha linguagem melódica e monótona;

- Dificuldade na compreensão de frases complexas;

- Dificuldade na compreensão de informações ou significados abstratos;

- Mímica e gesticulação mínimas;

- Ecolalia imediata e/ou posterior;

- Predominância do uso de substantivos e verbos;

- Pouca alteração na expressão emocional,

- Ausência ou pouco contato olho a olho;

- Falta de função nas formas verbais e na palavra;

- Pouca tolerância para frustrações;

- Interesses e iniciativas limitadas.

Concluímos que, de acordo com os testes e critérios do DSM-IV e CID-10,

utilizados para o diagnóstico da síndrome do autismo, tanto as pessoas com autismo

capacidades limitadas no desenvolvimento de sua linguagem.

É importante ressaltar que ambientes ruidosos e barulhentos incomodam e

causam danos à comunicação de autistas, bem como ao seu estado mental,

psicológico e emocional, inibindo-os de ficarem junto com as demais pessoas.

Na literatura, pouco se fala sobre a questão social do autista, ocorrendo, em

maior número, as considerações a respeito das dificuldades ou da ausência de

interação social. Dá-se, porém a denominação de desenvolvimento social ao

processo de incorporação da criança autista ao grupo social em que vive.

O que circula nessa literatura é que, com a criança autista, as condutas

sociais se dão de forma inadequada para sua cultura, principalmente no que diz

respeito à relação afetiva manifesta e na expressão dos comportamentos de

interação, cuja diferença se manifesta mesmo em relação a crianças com outras

patologias. Elas nos surpreendem, com certa impenetrabilidade e distância,

demonstradas nas formas de interação ou ausência de interação.

Relembrando a tese de Kanner (1943), o autista vem ao mundo com uma

incapacidade inata e de procedência biológica para desenvolver o contato afetivo

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normal com as pessoas. Lamentavelmente, a questão acerca do desenvolvimento

social do autista não tem estado sempre presente nos programas voltados à sua

aprendizagem ou aos programas de educação especial. O desconhecimento sobre o

desenvolvimento social da pessoa com autismo percorre tanto a área educacional

quanto a área clínica, evidenciando a falta de maiores estudos para proporcionar-

lhes melhor qualidade de vida.

Resumindo, em mais de cinqüenta anos de pesquisa sobre o autismo

descoberto por Kanner no final de seus estudos, retomamos que:

a) as descrições específicas sobre a inteligência e o aspecto afetivo deixaram

lacunas.

b) a exposição circunstanciada da semiologia do autismo não sofreu alterações

com o passar dos anos;

c) o conceito e a compreensão do quadro como síndrome movimenta-se de um

estágio inicial de uma psicopatologia para uma síndrome clínica;

d) com os anos, a etiopatogenia do autismo irá contrapor-se de uma posição

psicopatológica para uma posição biológica (genética e/ou bioquímica);

Dentro desse quadro do autismo, os problemas relacionados à comunicaçãosão apontados como sendo severamente incapacitantes. Contudo, as palavras deBúrger Sellín, em nossa epígrafe, nos incitam a esperar o que pode ser alcançadopor meio de uma educação que não se detém frente à suposta imposição dosfatores biológicos, mas que reconhece em todos os seres humanos a capacidade detransformar-se, ao transformar o ambiente que o rodeia, numa existência em que asrelações sociais e a linguagem desempenham um papel constitutivo.

Considerando as dificuldades encontradas pelo indivíduo autista nos

processos de desenvolvimento e aprendizagem, vemos a necessidade de discutir,

no próximo capítulo, a questão da educação da pessoa com autismo no contexto da

educação especial, ressaltando a necessidade de se repensar sua educação,

colocando no desenvolvimento da linguagem o eixo principal da intervenção

pedagógica, utilizando-se da Comunicação Suplementar Alternativa como um código

simbólico de apoio na construção do signo.

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CAPÍTULO 2REFERÊNCIAS HISTÓRICAS E CONCEITUAIS DAS PRÁTICAS

EDUCACIONAIS DA PESSOA COM AUTISMO

2.1. A educação da pessoa autista na educação especial

As políticas educacionais têm apresentado a educação como uma condição básica para o

desenvolvimento humano. Esse processo de educação formal tem percorrido diversos contextos e

diferentes momentos históricos, evidenciando, muitas vezes, dificuldades no que diz respeito à

garantia de um ensino de qualidade para todos.

O contexto e as dificuldades para garantirem ao cidadão o direito à educação, têm perpassado

momentos críticos, mas também de transformações, em diversos países, inclusive no Brasil,

especialmente no que diz respeito à educação das pessoas com deficiências variadas.

A luta desses deficientes junto a outras pessoas envolvidas, direta ou indiretamente com essa

causa, tem feito com que a educação especial no Brasil seja um marco de conquistas relacionadas

aos direitos humanos. Atualmente, as pessoas com necessidades educativas especiais têm garantido

seu direito à saúde, a vida social, ao trabalho e à educação, como todo cidadão, conforme é previsto

pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios.

Historicamente, pessoas com necessidades especiais foram colocadas à margem da

sociedade, impedidas de desenvolver suas capacidades e habilidades como indivíduos e cidadãos,

sendo rotuladas com adjetivos que as limita como incapazes ou doentes, apenas por influência de

uma cultura baseada nos princípios do belo e do perfeito.

Em civilizações antigas, os “diferentes” chegaram a sersacrificados pelo fato de serem considerados inúteis e como um

"peso" para a sociedade. Durante séculos, foram reputados comoseres à parte, que precisavam ficar fora do convívio de grupossociais. Em meados da Idade Antiga10, quando o pensamento

dominante se baseava na religiosidade da época, como opanteísmo do extremo oriente, o misticismo hindu e o magicismo

babilônico, seu comportamento estranho era explicado como

10 Cf. in Mazzotta, 1996.

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manifestações sobrenaturais, provavelmente por não teremexplicação compreensiva para a época.

Com a decadência do Império Romano e com o limite do domínio da cultura greco-romana no

período da Idade Média, a crença no sobrenatural se evidenciou ainda mais. O homem era concebido

como um ser subordinado a poderes advindos do bem e do mal e, nessa interpretação, epilépticos e

psicóticos não passavam de pessoas possuídas pelo demônio e sujeitas a castigos por certos grupos

cristãos ou, em raras exceções, receptores de espíritos divinos adorados e reverenciados como

profetas e adivinhos da época. Por meio da intervenção das organizações cristãs no final do período

Medieval, as pessoas submetidas às barbáries das determinações pré-concebidas pela Igreja,

passaram a ser assistidas como vítimas desprotegidas. Entretanto, mesmo assim, a marginalidade

prevalecia.

Com o Renascimento11 e a revalorização da cultura greco-romana, a busca do conhecimento

científico deu lugar à preocupação com o indivíduo e com as soluções científicas para seus

problemas. O avanço da medicina após o Renascimento e durante o Modernismo lançou o homem à

procura de novos horizontes que, até então, eram considerados suspeitos, pois a educação passava

da transformação humanista para a científica, valorizando-se o conhecimento, somente quando este

preparava o indivíduo para a vida e para a ação.

Contudo, apenas no final do século XVIII, devido à busca dosaber e o florescimento da liberdade individual do ser humano, foi

que as bases dos hospitais psiquiátricos de Bicêtre12, porinfluência de Pinel, passaram a soltar os "loucos" das correntes e a

tratar os doentes mentais de modo mais humano. No século XIX, quando o pensamento pedagógico era a formação do homem dentro dos

moldes da ciência, Herbert Spencer colocava seu conceito de processo educativo como: "um

processo gradativo que deve seguir o ritmo das capacidades e aptidões do educando, que também se

revelam gradativamente" (GILES, 1983: 86). Foi durante este período que se usaram várias

expressões para diferenciar a educação e o atendimento dessas pessoas. (MAZZOTTA, 1996: 17)

Pelos caminhos da História, podemos acompanhar o modo como a pessoa com

necessidades especiais foi tratada e concebida, conforme os padrões relacionados aos valores

sociais, morais, filosóficos, éticos e religiosos nas diferentes culturas:

Este não é um dado apenas histórico, de épocas anteriores aodesenvolvimento científico; ao contrário, até os dias de hojeobserva-se que a atitude para com o indivíduo excepcionalexpressa, de um modo geral, a atitude de cada sociedade, decada cultura e de cada indivíduo para com cada um de seusmembros. (AMIRALIAM, 1986: 1)

11 Cf. in Larroyo, F., 1970.12 Cf. in Foucault, M., 1994.

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As ações registradas pela História a respeito da rejeição, dos maus tratos e da falta de visão,

relacionadas aos que apresentavam alguma deficiência, abriram lugar ao paternalismo e ao

assistencialismo, resistindo ao conhecimento dos direitos do cidadão.

O Brasil, em função de suas relações internacionais, foi influenciado por países da Europa e

pelos Estados Unidos, por volta do século XIX, formando grupos para o atendimento a cegos, surdos,

deficientes mentais e físicos, por iniciativa de órgãos oficiais e, em alguns casos privados, por meio

de alguns educadores que, preocupados com a questão, empenharam-se na concretização de

atividades inovadoras em função delas.

No entanto, apesar da formação desses grupos, somente no século XX, entre o término da

década de cinqüenta e início da década de sessenta, foi que a política educacional do país incluiu a

educação especial13 no rol de suas atenções. Todavia, a sociedade mostrou-se interessada desde o

começo deste século, com publicações de trabalhos de origem técnica e científica relacionados à

educação daqueles indivíduos especiais.

Mazzotta (1996) nos relata que, até o ano de 1956, todas as iniciativas educacionais com

relação à educação especial foram de caráter isolado, manifestadas por alguns órgãos oficiais e por

iniciativas particulares. Neste período criaram-se instituições14 diversas para o atendimento

especializado de crianças cegas, surdas, deficientes mentais e físicas. Além das entidades citadas,

de caráter cível, particular e sem fins lucrativos, mais quarenta estabelecimentos de ensino regular do

governo público mantinham alguma espécie de atendimento escolar especial voltado à pessoa com

deficiência.

Acompanhando o desenrolar da história da educação especial brasileira, na segunda metade

do século XX, de 1957 a 1993, foram surgindo as iniciativas oficiais por meio de campanhas para

essa finalidade, realizadas por todo país, através de movimentos promovidos pelas instituições

privadas e apoiadas pelo Ministério da Educação e Cultura, as quais propunham a educação e a

reabilitação do deficiente mental.

A reabilitação era entendida como um processo de tratamento às deficiências, com uma

programação terapêutica específica de fundo clínico, pretendendo-se tratar o aluno em suas

condições físicas, psicológicas e sociais, ao mesmo tempo em que envolvia o aspecto educacional,

apenas como uma parte ou um serviço prestado pela equipe multidisciplinar no atendimento global

desse indivíduo.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 4.024/61, regulamenta as políticas e

propostas educacionais para as pessoas com deficiência, determinando as ações dos serviços

públicos e privados e suas formas de atendimento. Afirma em seu Artigo 88 que, para haver

integração de deficientes na comunidade, é preciso que sua educação seja enquadrada no sistema

geral de educação, tanto quanto for preciso. No entanto, não deixa clara a sua real intenção, pois, por

um lado, pode-se interpretar que essa educação se dê tanto nos serviços educacionais regulares

comuns, como nos especiais; ou, então, entender o não-enquadramento desse indivíduo no sistema

13 Este é atualmente, o termo utilizado, anteriormente, teria sido: educação de deficientes e educaçãode excepcionais.14 Mazzotta (1996: 28-49) comenta em seu livro quais foram as Instituições criadas neste período emordem cronológica.

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geral de educação, deixando-o à margem do sistema escolar, separado em um sistema especial de

educação.

A Lei 4.024/61, no Artigo 89, registra um compromisso claro dos Poderes Públicos de

conceder "tratamento especial, mediante bolsas de estudos, empréstimos e subvenções" a toda

iniciativa privada, relativa à educação de excepcionais, considerada eficiente pelos Conselhos

Estaduais de Educação. Mais uma vez, não fica explicitada a circunstância de existência da educação

de excepcionais, se ela se daria através de prestação de serviços especializados ou comuns, por

meio do sistema geral de educação ou fora dele.

Tais indagações geraram embaraços de origens políticas, técnicas e legais, pela

consideração eficaz advinda dos Conselhos Estaduais de Educação, referentes a quaisquer

atendimentos educacionais15 aos excepcionais como escolhidos para a concessão de bolsas de

estudos, subvenções e empréstimos. Em razão desta indefinição da condição do atendimento

educacional, a educação foi, mais uma vez, agredida no que concerne à destinação das verbas

públicas; porém, dentro da confusão premeditada, o liberalismo clássico aparecia intencionalmente,

colocando a educação no ludibrioso altar da inspiração "nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana".

No ano de 1971, foi aprovado o Decreto-lei nº. 5.692/71, que citava no Artigo 9º, a

necessidade de um "tratamento especial aos excepcionais", reconhecida no Parecer n. º 848/72 do

Conselho Federal de Educação, com o propósito de contribuir para a solução do problema inerente à

educação dos excepcionais. A mesma Lei define, como objetivo geral (comum ou especial), o

proporcionamento da formação precisa ao desenvolvimento do potencial do educando como

elemento de sua realização própria, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da

cidadania.

Assegura, ainda, em seu Artigo 9º o "tratamento especial" aos "alunos que apresentem

deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular

de matrícula e os superdotados", com a definição dos Conselhos Estaduais de Educação. Novamente

a dúvida aparece: essa lembrança traz contradições ao Artigo 88 da Lei 4.024/61 o qual observa que,

apesar de desenvolver-se por meio de serviços especiais, a "educação dos excepcionais" pode

encaixar-se no "sistema geral de educação".

Percebe-se que, na trajetória de 1971 até 1985, a educação especial, como forma de

tratamento, passou a ser uma medida participante de uma política educacional que passou a ver

"educação de excepcionais" como um caminho de conduta objetivando, no final, a escolarização.

Definiu-se, também, o conjunto de clientes atendidos pelos serviços especializados de origem

educacional,16 por órgãos ou entidades participantes do Centro nacional de Educação Especial, pelos

serviços de reabilitação da fundação Brasileira de Assistência, pelos serviços de saúde da

15 Mesmo que os atendimentos não fossem colocados como escolares, pois em sua grande maioria,eram apenas de caráter terapêutico e não educacional.16 Excepcionais de características e tipos variados que, passando ou não pelo tratamento dereabilitação, mostravam-se aptos a serem aceitos nos sistemas de ensino, quer fossem regular,supletiva e /ou especializada.

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Previdência Social e serviços de reabilitação profissional prestados pelo INPS/MPAS. A denominação

usada para essa clientela foi "os excepcionais", sendo a linha seguida de característica preventiva e

corretiva,17 exigindo-se diagnóstico de excepcionalidade para tais atendimentos encaminhados pelos

serviços da LBA/MPAS ou, na falta desses, pelos serviços especializados de origem médico-

psicossocial e educacional, existentes na comunidade.

Nota-se que, durante um período de treze anos (1972-1985), as tendências políticas

educacionais privilegiavam uma educação especial plenamente terapêutica, deixando os termos

"preferencialmente" e "sempre que possível", darem a aparência de existirem reais preocupações

com a educação do indivíduo em questão. Na realidade, conforme se situa na Portaria Interministerial

n. º 186, numa atitude astuta, nem sequer havia exigência de professor especializado para a

condução de classes especiais, mas este seria contratado "sempre que possível".

Evitava-se, dessa forma, um posicionamento político e transformador que acarretaria a

desacomodação geral de todos os órgãos do Governo, das verbas destinadas e do não-

conhecimento pleno de seus direitos, propostos na Constituição, desviados pelas conotações

ambíguas e premeditadas. A razão específica da educação especial fica emaranhada nos refugos de

uma política não muito bem compreendida, em que os instrumentos legais e os recursos não

correspondem às necessidades e demandas dessa modalidade de ensino.

A partir de 1986, época da construção de um governo democrático, a Educação Especial

passou a ser compreendida como inerente à Educação, enfatizando o pleno desenvolvimento das

potencialidades "do educando com necessidades especiais" 18 por meio da Portaria CENESP/MEC n.

º 69, de 28 de agosto de 1986, além de ditar normas à prestação de serviços de apoio técnico e/ou

financeiro à Educação Especial nos sistemas públicos e privados de ensino.

Dois anos depois desse avanço com relação à educação especial, foi publicada oficialmente

a nova Constituição Brasileira19, que colocava como dever do Estado o atendimento educacional

especializado às pessoas com deficiência na rede regular de ensino, e que passavam, a partir de

então, a ser vistas como cidadãos brasileiros com seus direitos assegurados por normas ditadas pela

Constituição. As preocupações relacionadas às suas necessidades especiais começavam a surgir e a

legislação iniciou seu trabalho, já em atraso, a fim de melhorar-lhes as condições de vida em

sociedade.

Para tanto, foram promulgadas leis dispondo sobre normas de construções e adequação de

logradouros e edifícios de utilização pública e de transportes coletivos para a pessoa com deficiência,

além da criação da CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência.20Aqui vale lembrar que, diante da estreita visão educacional seguida durante longos

17 O sentido clínico e/ou terapêutico continuava a abafar o fim real da educação especial. Oencaminhamento da criança era submetido sempre a um diagnóstico estigmatizante, objetivando arigorosidade da cientificidade e adequabilidade.18 Expressão usada pela primeira vez em substituição do termo "aluno excepcional".19 Cf. in BRASIL (Congresso Nacional). Redação final do projeto de lei nº. 1258-C, de 1988.20 Cf. Lei 7.853, de 24 de outubro/1989. Estabelece normas gerais para o exercício dos direitosindividuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência e sua efetiva integração social

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anos, as propostas de mudanças apresentadas depois de 1986, mesmo com expressões dúbias e

tendencionalmente discriminatórias, vêm beneficiando as pessoas com deficiência em seus aspectos

sociais e educacionais e que estão em busca de seu espaço dentro da sociedade.

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei n.º 8.069, de 13 de julho de

1990, foi um avanço para o exercício de direitos, rumo à cidadania, pois não há distinção entre a

criança ou o adolescente portador ou não de deficiência; simplesmente, é legal para todos, fazendo

valer sua condição pessoal de indivíduo em desenvolvimento. Logo em seguida, no ano de 1991, foi

editada a Resolução n.º 01/91, pelo fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação,

condicionando o repasse do salário-educação para aplicação, de pelo menos oito por cento dos

recursos educacionais no ensino especial, para os Estados e Municípios.21

Em 1993, foi fixado um dos mais importantes projetos de Lei22 para a educação nacional,

disciplinando a educação escolar como dever do Estado e da família, cabendo ao Poder Público o

atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, na rede regular de ensino,

preferencialmente, e condições especiais de escolarização para os superdotados.

Passos significativos foram dados

para a melhoria da educação especial,

desde o ano de 1957 até 1993. Não cabe

aqui discutir toda a questão política, os

entraves sociais ou financeiros que

impediram uma tomada de posição mais

ativa, relacionada aos direitos da pessoa

com necessidades especiais como

cidadão brasileiro. No Brasil, as políticas

que deveriam ser responsáveis pela

concretização de uma educação

compromissada com as pessoas com

necessidades especiais costumam ser

contraditórias, pois trazem consigo o

reflexo dos conflitos socioeconômicos,

entre outras dificuldades.

No período de 1993 até 1996, muitos projetos foramencaminhados ao Senado para a exigência de medidas mais

21 Infelizmente, no ano seguinte, foi encaminhado pelo governo Collor um projeto solicitandoalterações nesse orçamento, recorrendo à retirada de vários bilhões de cruzeiros destinados àeducação especial, para outros fins.22 Projeto de Lei n.º 101, da Câmara Federal, que afirma as Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB (Senado Federal, 1993).

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contundentes quanto aos direitos da pessoa com deficiência e,como resultado de vinte e cinco anos de seguimentos definidos

pela Lei n.º 5692/71, saiu a Nova Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional, n.º 9.394, em 20 de dezembro de 1996,

alterando antigos padrões da educação brasileira, inclusive osreferentes à educação especial.

De maneira geral, forma-se uma nova perspectiva para a educação especial. O marco

diferencial é dado por colocá-la mais unida à educação escolar e ao ensino público, que passa a ser

caracterizada como modalidade de educação escolar, designada às pessoas com necessidades

educacionais especiais, iniciada ainda na educação infantil.23

É preciso um trabalho constante de conscientização da sociedade, no que se

refere às necessidades de atendimento às pessoas com exigências educativas

especiais. Pesquisas comprovam que a segregação tende a piorar o

desenvolvimento global de qualquer pessoa que se encontra nessas situações, seja

por ter nascido com alguma deficiência, ou por tê-la adquirido em virtude de

qualquer outro fator.

Na medida em que se asseguram os direitos à adequação de subsídios

educativos, metodologias e recursos específicos para o atendimento desses

indivíduos inseridos no ensino regular, é preciso preparação e investimento

correspondentes a tais necessidades, de modo a estarem à disposição do professor

no estabelecimento de ensino, com o objetivo de se otimizar qualidade e tempo no

ensino-aprendizagem desse aluno. A Lei também é fundamental à preparação e capacitação do professor em plano nacional,

para o trabalho heterogêneo e includente da pessoa com necessidades especiais no ensino regular,

medida essa24 que colabora com a educação nacional, exigindo melhor qualificação do professor para

ministrar aulas.

No embate gerado pela atualpolítica de inclusão, um aspectofundamental é o de que a educação

especial, em sua trajetóriahistórica, nos apresenta uma

concepção centrada no déficit e/oudoença no que diz respeito à pessoa

com deficiência, desmerecendo aimportância dos aspectos sócio-

23 Cf. LDBEN 9.394, Capítulo V, da Educação Especial: Artigo nº. 58, 1996.24Cf. LDBEN, 9394, Artigo 60, 1996.

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culturais próprios da condiçãohumana. Assim, o conceito de

deficiência paira sobre a pessoa queapresenta um déficit intelectual comfuncionamento abaixo da média, somada

a problemas de comportamento eadaptação social, rotulando-a como

incapaz de aprender ou de acompanharum ensino regular, além de não

problematizar seu contexto sócio-histórico, destinando-a, desse modo,a processos de exclusão de espaços

sociais na comunidade à qualpertence.

Para dar racionalidade científicaaos processos sociais de exclusão, aeducação muito se apoiou em medidas

psicométricas de inteligência.Infelizmente, as avaliações norteadas

pelas disposições da psicometriaabalaram os sistemas escolares no que

se refere à educabilidade dacapacidade intelectual, os quais

ficaram inativos quanto à educação eà reabilitação dessas crianças.

A literatura científica mostra que as práticas educacionais, desenvolvidas até então, pouco

podem contribuir para a inserção da pessoa com deficiência na sociedade. Isto nos remete à

necessidade de transcendermos os aspectos técnicos e clínicos já mencionados, principalmente na

esfera da formação de educadores, tendo em vista a educação da pessoa e não apenas seu treino

em certas competências.

A problemática sobre as necessidades

educativas especiais tem sido concebida,

em diversas sociedades, como uma

questão abrangente dos aspectos

culturais e sociais de um povo que difere

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nas aparências o "deficiente" e o "não-

deficiente", deixando o rastro do estigma

acompanhar e marcar a vida de muitos

que, não fosse a cultura, teria impedido

sua capacidade de realização como

sujeito.

Entre o término do século XIX e começo do século XX, Marxnos traz contribuições acerca da concepção de homem, que

categorizam a noção de sujeito e de indivíduo, desencadeando umquestionamento arrojado, problematizando o sujeito como “osenhor de si” para submetê-lo “à ideologia, à linguagem, ao

inconsciente” (SMOLKA, 1997:33). De acordo com Marx, o ser humanose diferencia dos demais animais não por causa de suas

propriedades biológicas, mas por suas propriedades histórico-sociais, caracterizando a concepção de homem a partir de sua

concretude e não como um ser abstrato, puramente biológico, mascomo um produto histórico que sofre transformações a partir do

correr da evolução da sociedade e, inclusive, no contexto dasclasses sociais.

Marx, por meio de sua concepção ontológica do homem como ser social, revela as relações

sociais que existem nos bastidores dos próprios fenômenos sociais e seu aspecto histórico. Logo, tal

como expôs de maneira sucinta em sua VI tese sobre Feuerbach: “a essência humana não é uma

abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais”.

(MARX e ENGELS, 1999: 13)

Portanto, a pessoa com necessidades especiais, enquanto ser humano, vive e também aspira

por desfrutar de seus sonhos, deseja, o que vem implicar sua constituição de sujeito que

não é apenas “influenciado” ou diretamente “controlado” numarelação causa-efeito pelo contexto social. A sociedade não é ummero “contexto” no qual o homem irá se desenvolver. É constitutivado homem, pois as “condições sociais” estão na origem da suaconsciência. Ao participar do processo de constituição (tanto social,quanto o de sua particularidade), o homem se constitui. O homemtraz em sua especificidade, em sua individualidade, aspectos daprópria sociedade. (KASSAR, 1999:8)

Vigotsky (1989) nos indica que o processo

educacional baseado na concepção do

déficit, praticamente impossibilita a pessoa

com deficiência de desenvolver-se no

âmbito das funções psicológicas

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superiores, na medida em que as práticas

educativas ficam reduzidas. Esta redução

ocorre nas concepções tecnicistas de

educação que são hegemônicas na

educação especial e na formação de seus

recursos humanos:

baseada no empirismo associacionista, onde a aprendizagem éentendida como mudança comportamental e onde se postula que oconhecimento da realidade está dado independente do sujeito e a elechega através dos sentidos, na ocorrência das experiênciasindividuais, sendo papel da educação o desenvolvimento dehabilidades, atitudes e a transmissão de conhecimentos. (…) estassão práticas que se fundamentam no positivismo funcionalista e estetem sido predominante na orientação das escolas formadoras derecursos humanos para a educação especial. (FERREIRA, 1994:6)

Assim sendo, podemos, então,

perceber e compreender que o fracasso

escolar e a exclusão da pessoa com

necessidades especiais têm sido

conseqüência da história de cada criança,

pertencente a uma realidade social, e

também rotulada a partir dos critérios e

procedimentos, muitas vezes

estabelecidos no próprio meio escolar,

como determinantes do fracasso ou não

desse ser humano. Nessa história, o

sujeito acaba sendo concebido de maneira

fragmentada, numa perspectiva

mecanicista ou organicista de ser humano,

não sendo compreendido como

constituído pelo mundo cultural e sua

história enquanto ser social.Nas entrelinhas, os critérios utilizados estão afirmando que esta criança está sujeita não

apenas ao fracasso escolar, mas, também, ao fracasso de ser concebida como um ser humano, pois,

em geral, a criança é encaminhada a alguma instituição especializada, onde se encontra com

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diversos profissionais da área da saúde, e com professores que se deixam dirigir por concepções

firmadas nas limitações de tal criança, naquilo que ela não pode ou não consegue fazer sozinha.

Dessa mesma forma aconteceu com as pessoas com autismo:foram criadas instituições especializadas para onde são

encaminhadas, ali ficando segregadas e limitadas às concepçõesreducionistas.

Na maioria das vezes, a criança com autismo convive em uma sala de aula com mais duas ou

três crianças com o mesmo perfil. A criança exposta a essa situação não tem referências sociais que

a auxiliem a superar suas dificuldades, as quais costumam ser relatadas nos critérios diagnósticos,

pois seus colegas manifestam as mesmas características que ela própria apresenta.

Entretanto, a educação especial tem sido repensada a partir da influência de

novos paradigmas na educação, relevando a necessidade de se respeitar a

heterogeneidade de capacidades e de comportamentos dos sujeitos envolvidos na

ação de educar, procurando reorientar o trabalho do educador, até então,

estruturado pela descrição e hierarquização de características imutáveis nos

quadros das deficiências, distantes de sua condição histórica.Somente a partir da reflexão sobre a concepção que temos de indivíduo, apoiada em

pressupostos explicativos acerca do seu desenvolvimento deficiente ou não, é que podemos

compreender a deficiência como uma categoria presente na sociedade.

As abordagens educacionais para o trabalho junto a alunos com autismo têm ficado em torno

da visão behaviorista25, em razão de sua hegemonia, sobressaindo no trabalho com autistas a

vertente da modificação do comportamento por condicionamento operante.

2.2. Os estudos da análise do comportamento e a modificação docomportamento no trabalho com autistas – uma forte tendência

A teoria behaviorista tem comocaracterística não abordar conceitos

referentes aos estados mentais,fazendo-o apenas em relação a

comportamentos observáveis. Pavlov eWatson, em seus estudos e pesquisas a

respeito do comportamento humano,contribuíram para o surgimento dessa

25 A psicanálise e as teorias cognitivistas também fizeram considerações acerca do trabalho comautistas. No entanto, o que prevalece na maioria dos métodos utilizados ainda é a abordagemcomportamental.

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teoria através do método de trabalhocentrado na observação e na

experiência laboratorial, pelos quaisos estados mentais são influenciadose se constituem de forma lógica, a

partir de disposições docomportamento.

Skinner (1904 - 1990), psicólogoamericano, que foi aluno de Watson, é

um dos proponentes para obehaviorismo com relação aocomportamento (observável)

determinado pela sua relação com omeio químico, físico e social na

forma de estímulos antecedentes comodiscriminativos de uma contingência,

e conseqüentes como reforço oupunição que vem fortalecer ou

enfraquecer a freqüência de emissãodo comportamento com a instituição doconceito de condicionamento operante,

em que todo o comportamento ficasujeito a mecanismos de controle,através de situações de reforço ou

punições.

Skinner procurava trabalharcientificamente com o que era

observável, dando maior atenção paraa definição de como o comportamentoera provocado pelas forças externas.Em sua concepção, todas as nossasações e nossa maneira de ser são

formadas como resultado de

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experiências de punição, reforçamentoou extinção.

Skinner fez do associacionismo ofundamento de suas concepções

psicológicas acerca do comportamento,as quais são assinaladas pela

preocupação em relação às questõesreferentes à aprendizagem. Fez usoda Lei do Efeito para conceituar que

a aprendizagem é composta pelaassociação estímulo-resposta, seja

positivo ou negativo, às respostas doindivíduo.

De acordo com os estudos deSkinner (1974:7-11) suas conjecturas

teóricas são:- O comportamento é equivalente ao

que pode ser estudado comobjetividade.

- O homem é compreendido como sendouma máquina que responde a

estímulos externos.- Há necessidade de instrumentos(aprendizagem) que cooperem para

a modificação e melhoramentodessa máquina.

- As idéias sobre liberdade,autonomia, dignidade e

criatividade são dissimulaçõesacerca do comportamento, sem

mérito explicativo e científico,quando expressam somente formasdiversas de condicionamento.

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- Os fenômenos são revelados para opesquisador, de forma que a

Psicologia recusa toda alusão àconsciência, já que esta não pode

ser observada de maneiraexperimental.

- O comportamento pode ser formadopor meio do controle de reforçospositivos e negativos, resultando

numa relação eventual entrereforço (causa) e comportamento

(efeito).

O modelo utilizado pararepresentação, no behaviorismo, é a

máquina. Assim, com relação ao homem,este é entendido como um ser passivo,um organismo que é reativo, definido,controlado e manipulado pelo meio esuas forças externas. Sua mente écompreendida como sendo uma tabularasa, e todos os fenômenos humanoscomo reações do organismo às forçasexternas. Logo, qualquer criança

normal pode ser transformada em umespecialista, por meio de estímulosselecionados, tal como afirma Watson(1925) apud Freire, I. R. (1997:108):

Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, de boaconstituição e a liberdade de poder criá-las à

minha maneira. Tenho a certeza de que, se escolheruma delas ao acaso e puder educá-la

convenientemente, poderei transformá-la em qualquertipo de especialista que eu queira: médico,

advogado, artista, grande comerciante e até mesmoem mendigo e ladrão, independente de seus talentos,

propensões, tendências, aptidões, vocações e daraça de seus ascendentes.

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Para os behavioristas, o fator quedetermina o desenvolvimento e a

aprendizagem como dois processos quese sobrepõem é a relação com o meio-ambiente. A aprendizagem é concebida

como uma mudança observável noscomportamentos do indivíduo. A

circunstância de aprendizagem envolverecompensa e controle, planejamento

criterioso das contingências deaprendizagem, das seqüências de

atividades e modelagem docomportamento do homem, por meio de

manipulações de reforços,desconsiderando os elementos que nãopodem ser observados ou sujeitos a

esse mesmo comportamento. Nessa abordagem, a aprendizagem

pode ser diretamente observável pelasrespostas emitidas pelo aluno; o

professor tem a função de manipularas condições do ambiente do aluno, oqual, por sua vez, assume o papel dereceptor do conhecimento. A avaliação

das metas de ensino é realizada apartir da média das respostas do

aluno, evidenciadas pelas mudançasocorridas em seu comportamento.Na Educação Especial, o modelo

comportamental está centrado nainterdependência entre intervenção eavaliação, portanto, o diagnóstico érealizado mediante a observação das

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competências e dificuldadesapresentadas por meio de testes, com

base em critério e observação docomportamento, que responderão o que

o aluno poderá ou não realizar.A abordagem comportamental, em sua

concepção mecanicista de mundo e dehomem, compreende a aprendizagem e o

desenvolvimento como processossemelhantes, em que a aprendizagemcorresponde, reciprocamente, ao

desenvolvimento. Logo, odesenvolvimento é uma reação dosujeito aos estímulos do meioambiente, similar a um reflexo

mecânico da aprendizagem.Naturalmente, a aprendizagem e odesenvolvimento são resultados do

condicionamento do meio, e a educaçãoé tida como um programa de formaçãoque treinaria nos alunos passivos,com comportamentos inadaptados, os

conteúdos, hábitos, comportamentos eações desejáveis para conviverem em

sociedade.Dessa forma, quanto ao

desenvolvimento da linguagem,percebe-se o diálogo como cadeia

complexa de comportamento verbal erelações de reciprocidade entre o

aluno e seu professor, o aluno e seuscolegas, sendo todas as ações

reduzidas ao condicionamento dosujeito através de conteúdos

selecionados pelo professor para a

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memorização reprodutiva decomportamentos, vazios de sentido e

de significado.Em prol do condicionamento de

habilidades e comportamentos, éempregada uma técnica denominada

Análise de Tarefas, que estárelacionada com a lógica pedagógicano estabelecimento de seqüências deaprendizagem. Assim, são analisadasas tarefas referentes aos objetivos

determinados pelo professor.Posteriormente, estabelecem-se as

seqüências de atividades e,finalmente, é avaliado o que os

alunos respondem daquela seqüência.Com essa técnica, o professor separaem partes o comportamento que deseja

alcançar do aluno como resultadofinal. São passos fragmentados que

vão do mais simples ao mais complexo,visando a facilitar-lhe a

aprendizagem.Para Skinner, é possível controlar

a evolução da aprendizagem do alunopor meio da apresentação das

informações em períodos não longos,oportunidade em que é avaliado a

partir de sua participação ativa pormeio de respostas reproduzidas,

tendo, como indicação de acerto ouerro, a emissão imediata de um

reforço.As primeiras pesquisas

comportamentais enfocando a criança

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com autismo foram as de Ferster(1961) e Ferster e DeMyer (1961,1962), realizadas em laboratório,

cuja contribuição foi explicitar, deforma concreta, a aplicabilidade dosprincípios de aprendizagem ao estudo

de crianças com distúrbios dedesenvolvimento, a partir de

adequações ambientais que provocavamalterações no comportamento delas. Asmuitas pesquisas publicadas a partirda década de 60 relataram diversos

programas de intervenção queapresentavam os princípios da teoriade aprendizagem como aplicáveis, nãoapenas a comportamentos simples, mas

também a outros de natureza maiscomplexa e clinicamente

significantes.No trabalho com alunos autistas,

Ferster (1961) discutiu a questão daaprendizagem do comportamento autistatendo como fundamento os pressupostos

operantes que entendem ser ocomportamento humano controlado porsuas conseqüências e, em razão de

variáveis históricas e ambientais, ocomportamento da criança com autismo

não é funcional.Segundo essa concepção, haveria

uma relação mútua entre a baixafreqüência de respostas e a baixa

freqüência de reforçadorescondicionados e estímulos

discriminativos, o que concordaria

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com o curso dos acontecimentosreferentes à interação e à aquisição

empobrecida e um tanto ineficazdaquelas crianças com a síndrome.Numa abordagem comportamental, os

procedimentos para o trabalho comautistas compreendem a avaliação

comportamental, treino de repertóriosde apoio, verbais e perceptivo-

motores, treino em interação social,comportamento verbal e comportamentosacadêmicos, cujo objetivo é a redução

de comportamentos excessivos26 e aampliação da atenção do sujeito. Como

procedimento do treinamento decomportamentos dos repertórios

citados, são utilizadas as ações deimitar e de observar instruções

apresentadas (repertórios de apoio),nomeação, posse de objetos edescrição de ações diversas

(verbais); reconhecimento das partesdo corpo e discriminações perceptivo-

motoras. A ação de imitar sempreacontece a partir do modelo que éfornecido pelo professor, seguindo

uma determinada seqüência.No treino das instruções verbais

que visam ao aprendizado de respondera instruções simples e complexas, oprofessor induz o aluno a emitir as

respostas desejadas por meio depistas verbais que vão, aos poucos,

26 Entendem-se, comportamentos estereotipados e fala ecolálica acompanhados de falta de atenção.

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se dissipando, conforme as respostasdo aluno estejam sob o controle dasinstruções que foram repassadas.

Detalhando: o professor apresenta aoaluno blocos lógicos e lhe diz o nome

de cada um deles. Solicita que oaluno pegue a forma que representa oquadrado. Na ausência da resposta

correta, o professor ajuda o aluno areconhecer a peça solicitada por meiode repetições verbais e indicações,até que este seja capaz de pegar

aquela peça corretamente.Para o analista do comportamento,

o tratamento do autismo envolve umprocedimento abrangente e estruturadode ensino-aprendizagem, em conjuntocom terapias médicas, seguindo os

critérios funcionais e sociais, a fimde superar rótulos, diagnósticos ouresultados psicométricos nem sempreprecisos. A terapia comportamental

trabalha com três fases que sedividem em: avaliação comportamental,

seleção de metas e objetivos,elaboração de programas de tratamento

e intervenção. Enfim, todas as ações pretendidaspor um professor na abordagem

comportamental são fartas de treino ede repetições para que o aluno

aprenda a realizar o comportamentodesejado e adequado. No trabalho comautistas, o professor procura reduzirao máximo a possibilidade de erro nas

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respostas de seu aluno, para que estenão se encontre em situação defrustração. Ocorre que em tais

pressupostos, próprios dobehaviorismo, não são privilegiadas

as relações sociais genuínas epróprias do ser humano, das quaisprocedem o desenvolvimento da

atividade consciente do homem, ainternalização de conhecimentos, ageneralização, o desenvolvimento do

sentido e do significado.Os métodos educacionais

fundamentados na teoriacomportamental buscam o treino dosujeito, a partir da emissão decomportamentos exploratórios e

adequados, sob instruções previamentecolocadas. Posteriormente, ocorre aavaliação comportamental, mediante

observação direta e com registros quedemonstram a freqüência doscomportamentos manifestados.

2.3. O programa TEACCH e amodificação do comportamento

No percorrer da perspectiva teórica behaviorista se desenvolve, dentre as

poucas abordagens educativas pertinentes ao autismo, o método TEACCH.O TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication hadicapped

Children) - Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados à

Comunicação surgiu em 1966, como uma prática psicopedagógica, a partir de um projeto de pesquisa

desenvolvido na Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, pelo Dr. Eric Schopler

que questionava a prática clínica de sua época – a mesma que concebia a origem do autismo a partir

de uma causa emocional, devendo ser tratado pela concepção da psicanálise.

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Atualmente, é um dos métodos freqüentemente utilizados no Brasil e no mundo por

instituições que trabalham com autistas e tem seus princípios baseados na teoria comportamental.

Ele é considerado um programa educacional e clínico com uma prática psicopedagógica que observa

os comportamentos de crianças autistas em distintas situações, a partir de vários estímulos.

O programa TEACCH visa indicar,especificar e definir de maneiraoperacional os comportamentos que

devem ser trabalhados. Elepossibilita o desenvolvimento derepertórios que são usados paraavaliar os aspectos referentes à

interação e organização docomportamento, além do

desenvolvimento do indivíduo nosdiferentes níveis. O ambiente é

totalmente manipulado pelo professorou pelo profissional que atua junto

ao autista, visando aodesaparecimento ou à redução de

comportamentos inadequados a partirde reforço positivo.

O método TEACCH utiliza estímulosvisuais e audiocinestesicovisuais

para produzir comunicação. Asatividades são programadas

individualmente e mediadas por umprofissional. Nas salas de aula, emgeral, costumam estar um máximo de

cinco alunos com a síndrome. Oprofessor, entendido como um

mediador, aplica uma tarefa a um dosalunos, enquanto os demais permanecemtrabalhando sozinhos, com o auxíliode um assistente treinado que os

observa. A metodologia de ensino se

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dá a partir da condução das mãos doaluno que faz uso dos símbolos, numcontínuo direcionamento de sua açãoaté que se encontre em condições (ou

se mostre capaz) de realizar aatividade proposta sozinho, porém,

com o uso do recurso visual.O método procura, principalmente,

enfocar a comunicação receptiva27 doaluno, crendo que a ela se antepõe alinguagem expressiva. As atividades

realizadas são conduzidas pelalinguagem dos símbolos apresentados.

Os princípios do TEACCH tambémenfocam que é muito difícil e mesmoimprovável que um autista construa ageneralização do que aprendeu e arealização de analogias, por isso

estrutura totalmente o ambiente comos símbolos e direciona suas

atividades. (FARAH, L.S.D.; GOLDENBERG, M., 2001: 22)Por outro lado, afirma que o

autista possui a capacidade de pensare compreender, porém, de maneiradistinta, individualizada. Paratanto, desenvolve repertórios de

comportamentos baseados em rotinasque são direcionadas por meio derecurso visual numa estruturação

física e de material utilizado, queprima por reduzir problemas decomportamentos inadequados e

organizar seu comportamento para que

27 Comunicação receptiva/emitiva são termos utilizados neste método.

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possa haver aprendizagem. O programacria condições para avaliar o alunopor tarefas que o classifiquem de

acordo com o nível de desenvolvimentocognitivo e interacional apresentado,por acreditar que o desenvolvimentode comportamentos adequados gera

autonomia.As características educativas do TEACCH são encontradas em sua compreensão das

técnicas de atuação a partir de trabalho individualizado, objetivos a serem alcançados em curto prazo,

observação e avaliação contínuas, material apropriado e adequado à criança que pode ser

disponibilizado com facilidade e que permite comunicação. Os códigos28 utilizados são imagens que

podem substituir, na comunicação, a inexistência de linguagem, conduzindo a criança a

comportamentos cada vez mais satisfatórios, por meio de interações sucessivas e compreensão de

seu ambiente. O programa também prima pela organização e estruturação do ambiente físico e por

uma rotina diária previsível que não dê margem a erros e confusão para a criança, em função dos

déficits inerentes ao seu problema.

O TEACCH é relevante no trabalho junto a autistas, no que diz respeito a uma metodologia

eficaz para as modificações de comportamentos. Tem sido adotado e aplicado em países anglo-

saxões pelas diversas associações e instituições existentes. No entanto, tal programa educativo se

atém ao aspecto do condicionamento em que o sucesso ou o fracasso pode estar sujeito a atos de

recompensa ou de reprovações.

Primando pela eficiência, o TEACCH desenvolveu a escala CARS (Childhood Autism Rating

Scale) destinada à avaliação e ao diagnóstico do autismo, com o objetivo de classificar o nível de

manifestação da síndrome em crianças em idade pré-escolar. Foi criado também o PEP

(Psychoeducational Profile) como instrumento avaliativo para crianças entre seis meses e sete anos,

a partir de observação minuciosa de oito áreas do desenvolvimento. Visando ao atendimento dos

adolescentes com autismo, com qualidade eficiente, foi desenvolvido o APEP (Adolescent and Adult

Psychoeducational Profile) como uma continuação do PEP, enfocando comportamentos e

planejamento educacional.

Por ser observado como uma síndrome que acomete severamente o indivíduo, o autismo traz

consigo o estigma de que não há nada, ou quase nada, que se possa fazer no âmbito educacional,

aos seus portadores. Assim, as terapias e métodos de atuação se restringem mais a modificações de

comportamento.

Nossa tese se origina da percepçãode que as concepções e os métodos

28 Os códigos atualmente são conhecidos como Comunicação Suplementar e/ou Alternativa e seconstituem elementos imprescindíveis no método TEACCH.

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acima citados se fundamentam nosdéficits que impossibilitam a pessoacom autismo a desenvolver as funçõespsicológicas superiores, na medida em

que a síndrome a restringe a umaexistência empobrecida socialmente,isolando-a de experiências a seremvivenciadas em diferentes espaços

culturais. É preciso atentar para anecessidade de transformação no

âmbito educacional desse aluno, deforma a superar a falta de sentido

inerente a treinos isolados decomportamentos, e de forma a ampliaro universo cultural e social de suas

escolas.

2.4 . Comunicação, autismo e linguagem

Entre as funções da linguagem temos a 'comunicação' que se faz por meio da

ação de emitir, transmitir e de receber informações através de métodos e/ou

processos estabelecidos que podem decorrer da linguagem falada, escrita ou

codificada por signos ou símbolos, que permitem e possibilitam a sua efetivação.

(FERREIRA, 1986)

Essa visão de comunicação está numa perspectiva comportamental e é

concebida como um ato de conduta social que ocorre entre, pelo menos, duas

pessoas que se comunicam em formas diversas e por diferenciadas razões. A

princípio, a comunicação ocorre quando uma pessoa envia uma mensagem e uma

outra pessoa a recebe, havendo aqui uma comunicação expressiva29, partida da

intencionalidade de se impactar o comportamento da outra pessoa. A comunicação

que não é intencional é uma conduta que acaba sendo interpretada por outros, não

deixando, no entanto, de ter algum significado.

29 O termo comunicação expressiva corresponde a expressão de sentimentos afetos e emoções. Écomumente utilizado no método Teacch. Cf. MEC (2004:21).

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A comunicação é um processo complexo de transmissão de informação

utilizado pelo ser humano com o propósito de influenciar o comportamento daqueles

que nos rodeiam, compartilhando informação, exprimindo desejos e necessidades.

Esse processo contínuo que ocorre num ambiente natural e no cotidiano, pode ser

preenchido por outras formas, tais como a mímica, as ações práticas, as expressões

faciais, a orientação corporal, gestos como o indicar, desenhos, símbolos ou

palavras que se materializam segundo uma forma multimodal.

A comunicação verbal é o meio de comunicação mais comum entre os seres

humanos. Contudo, nem todas as pessoas são capazes de verbalizar ou de utilizar a

fala de modo a serem compreendidas, como é o caso daquelas que se encontram

impossibilitadas de falar ou de escrever, devido à sua incapacidade neuromotora,

originada pela patologia que portam.

O modo de pensar a função comunicativa da linguagem, descrito acima,

ensejou a possibilidade da criação de sistema de comunicação não-verbal para as

pessoas com deficiência em relação ao desenvolvimento da linguagem falada. Tais

sistemas de comunicação são os que proporcionam expressão por meio de símbolos

distintos da fala funcional de quem se comunica, sendo classificados em sistemas de

comunicação sem ajuda e sistemas de comunicação com ajuda. (BASIL, 1988)

Os sistemas classificados como “sem ajuda” não requerem nenhum

instrumento ou auxílio técnico externo para que a comunicação se efetue, e se

exprimem com:

- Gestos de uso comum, pertencentes a uma comunidade (afirmação,

negação com a cabeça, aceno com as mãos...).

- Códigos gestuais não-lingüísticos (sistema de comunicação manual detribos indígenas).

Já os sistemas de comunicação “com ajuda” abarcam de forma ampla os

elementos de representação, desde os iconográficos até os mais complexos e

abstratos. Assim,

- Sistemas com elementos muito representativos: objetos, fotografias,

desenhos representativos.

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- Sistemas constituídos por desenhos lineares, como é o caso dos

pictogramas.

A fim de que tais pessoas possam desenvolver a capacidade de exprimir seus

pensamentos e sentimentos, foi desenvolvida a Comunicação Suplementar e/ou

Alternativa como um meio de comunicação que pode ser considerado uma

verdadeira ferramenta de apoio ao professor, aos familiares e ao grupo social a que

aqueles indivíduos pertencem. A Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA)

toma como referência todo o tipo de comunicação suplementar ou de suporte,

especialmente baseada em símbolos gráficos e em tecnologias de apoio

(nomeadamente os computadores e as interfaces específicas) de suporte ao

processo de comunicação, permitindo à pessoa que se encontra nesta situação

exceder os limites de parte de suas incapacidades, conforme o quadro e o ritmo de

cada um.

De acordo com Chun (1991), não seria possível obter a história em detalhes a

respeito do desenvolvimento da Comunicação Suplementar e/ou Alternativa no

Brasil, já que os primeiros trabalhos sobre o assunto se encontram desconhecidos

por terem sido registrados de maneira informal. A partir da década de 70, novas

concepções surgiram com relação à imagem da pessoa com deficiência, não a

vendo apenas por meio de seus comprometimentos e danos, mas também pelas

suas habilidades, enfatizando sua integração social. Antes, a abordagem oralista

predominava nas intervenções em reabilitação; contudo, por meio desse novo olhar

acerca da pessoa com deficiência, a ação social da comunicação se torna mais

saliente e visível.

No ano de 1971, uma equipe de profissionais do Ontário Crippled Children‘s

Centre, em Toronto, Canadá, desenvolveu um estudo dedicado à descoberta de um

meio alternativo de comunicação para a clientela com distúrbios neuromotores, que

não manifestavam a fala funcional. Até então, dos diversos métodos investigados em

instituições especializadas para o processo de ensino/tratamento de crianças em

circunstâncias semelhantes, todos se mostravam não satisfatórios, limitando o

desempenho lingüístico a poucos contextos, desprestigiando outras diversas

situações de comunicação que poderiam ser aproveitadas.

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Diante de tal situação, descobriram em Signs and Symbols around the World,

de Elizabeth Helfman, um sistema simbólico de nível internacional criado por Charles

K. Bliss (baseado na escrita pictográfica chinesa e nas idéias do filósofo Leibniz), o

Blissymbolics – Sistema Bliss de Comunicação. Seu objetivo era o de desenvolver

uma maneira de criar uma linguagem universal entre os homens (desenvolvido entre

1942 e 1965), ou seja, um instrumento de comunicação mundial. Esse sistema não

foi inicialmente destinado a pessoas com distúrbios de comunicação, começando

apenas a ser usado com esta finalidade em 1971, depois de algumas adaptações

realizadas juntamente com Charles Bliss e a equipe canadense, cuja principal

responsável era Shirley MacNaughton. (CHUN, R. Y; MOREIRA, E. C, 1997: 137-175)

No início, o método foi aplicado com crianças que não falavam, devido à

paralisia cerebral, sendo tempos depois estendido a pessoas com outras patologias

(retardo mental, afasia, autismo, entre outras). A partir de 1974, a utilização do

Sistema Bliss de Comunicação acabou extrapolando os limites daquele centro,

passando, em 1975, à criação da Blissymbolics Communication Foundation,

conhecida presentemente como Blissymbolics Communication International em

Toronto.

No Brasil, em 1978, a Associação Educacional Quero-Quero de Reabilitação

Motora e Educação Especial foi uma das instituições pioneiras na implantação desse

sistema como método de ensino nos anos 80. Na década de 80, a Comunicação

Suplementar e/ou Alternativa se expandiu pelo Canadá, desenvolvendo-se

principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália. Como fonte inspiradora,

no ano de 1981, foi desenvolvido nos Estados Unidos o Picture Communication

Symbols, por Roxana Mayer Johnson.

O termo Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) é utilizado para

definir outras formas de comunicação como o uso de gestos, língua de sinais,

expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos e até o

uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada. Tem em vista o

auxílio ao desenvolvimento da autonomia pessoal por meio de recursos

tecnológicos, técnicas de inteligência artificial, como a utilização de esquemas

montados por fotos, figuras extraídas de revistas, conforme o contexto e a

necessidade a ser suprida. A terminologia básica a define da seguinte forma:

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- Comunicação aumentativa é "toda comunicação que suplemente a fala

(gestos, expressão facial, linguagem corporal, comunicação gráfica, etc)"

(BLACKSTONE, 1986).

- Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: "é uma área da prática clínica que se destina a

compensar (temporária ou permanentemente) os prejuízos ou incapacidades dos

indivíduos com severos distúrbios da comunicação expressiva” (ASHA, 1991)30.

Segundo Vanderheiden e Yoder (1986), o termo alternativa empregado em

conjunto com aumentativa, refere-se a indivíduos que têm a fala prejudicada, de

maneira que necessitam de um meio de comunicação (não que o amplie) alternativo

a ela.

Chun (1991) considera que o termo mais apropriado seja Comunicação

Suplementar e/ou Alternativa, pois aborda toda forma de comunicação que

complemente, substitua ou apóie a fala (olhar, vocalizações, gestos, expressão

facial, sorriso, alteração de tônus muscular, etc).

A CSA é constituída por símbolos que possibilitam representações visuais,

auditivas ou táteis. Eles podem ser divididos em:

- Símbolos que não necessitam de recursos externos: quando a pessoa

utiliza apenas o seu corpo para se comunicar. São exemplos desse

sistema os gestos, os sinais manuais, as vocalizações e as expressões

faciais.

- Símbolos que necessitam de recursos externos: requerem instrumentos ou

equipamentos, além do corpo do usuário, para produzir uma mensagem. Esses sistemas

podem ser muito simples, ou de baixa tecnologia; tecnologicamente complexos ou de alta

tecnologia.

O objetivo da CSA é favorecer a capacidade das pessoas no estabelecimento

e na manutenção da interação social, e a possibilidade da comunicação. O símbolo,

seu formato de produção e o ato de emissão e recepção de informações, são um

meio e não um fim em si mesmo. Também objetiva que as pessoas que utilizam o

sistema de comunicação generalizem o que aprendem de comunicação, de forma a

poderem interagir com pessoas distintas em seus variados contextos e experiências.

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Há diversos sistemas simbólicos que estão englobados na CSA e que auxiliam no trabalho

com pessoas com déficits nas habilidades de comunicação. Vários desses sistemas já vêm sendo

incorporados a recursos de informática, que facilitam o armazenamento de símbolos. Dentre eles

podemos citar:

- Core Picture Vocabulary: Código pictográfico criado por Don Jonston no ano

de 1985. Constitui-se por um vocabulário de 109 significados. Sua versão é

padronizada e auto-adesiva.

- Picture Communication Symbols: Código pictográfico desenvolvido por

Roxana Mayer em 1980. Constitui-se com cerca de 3000 símbolos. Está

disponível em programas de computador, no formato de selos e adesivos.

- Pictogram Ideogram Communication: Código que em parte é pictográfico, em

parte, é ideográfico. Criado pela George Goudation. Constitui-se por 416

elementos.

- PICSYMS: Sistema gráfico criado por F. Carlson nos Estados Unidos. É

utilizado em idade infantil e constituído por cerca de 850 símbolos.

- Símbolos Bliss: Sinais gráficos fundamentados no significado e não na

fonética. Desenvolvidos por Charles K. Bliss. Seu uso iniciou-se na década de

70 a nível internacional.

- PECS - Picture Exchange Communication System: O Sistema de Intercâmbio

de imagens PECS foi desenvolvido pelas dificuldades ao longo dos anos, com

outros programas de comunicação (BONDY e FROST, 1994).

- Rebus: Inicialmente, criado em 1968 e adaptado e expandido para indivíduos com problemas

de comunicação nos Estados Unidos. É composto por 800 símbolos em preto e branco que,

combinados, podem representar mais de 2000 palavras.

Essas alternativas de comunicação, a partir da utilização de sistemas de símbolos, permitem

a representação do vocabulário e de imagens representativas de situações diversas que podem ser

dispostas em cartões individuais, cartazes, agendas ou cadernos de comunicação, possibilitando a

criação de frases, o apontamento do que se deseja, a expressão de sentimentos, o conhecimento

adquirido, a interação social, além de aumentar a qualidade de vida das pessoas, principalmente

daquelas com dificuldades graves, que acabam sendo isoladas do convívio social.

Sua utilização tanto pode ser um meio temporário de comunicação até que a pessoa adquira

uma fala funcional, como também um meio permanente de comunicação, no caso de

comprometimentos severos de fala. A CSA é um mecanismo facilitador para o desenvolvimento da

30 American Speech-Language-Hearing Association.

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comunicação oral e que pode ser trabalhada por meio da mediação do outro (professor, família, grupo

social...), também otimizando o desenvolvimento de habilidades, conceitos, estruturas lingüísticas e o

processo de aprendizagem da leitura e escrita.

A CSA é um instrumento a ser utilizado como ferramenta de apoio no

desenvolvimento da linguagem e no suporte pedagógico para o trabalho com

pessoas que possuem dificuldades de comunicação inerentes à dificuldade na

pronúncia e articulação das palavras (disartria) que se apresentam em patologias

degenerativas, retirada parcial ou total da laringe (laringectomia) e fala

incompreensível. Também é utilizada como auxiliar no caso de alterações de

linguagem adquirida, como a perda total ou parcial da fala (afasia), incapacidade

verbal na execução de movimentos coordenados, sem que exista paralisia (apraxia

verbal), perda ou perturbações da condição de reconhecimento perceptivo sensorial

que impossibilitam a pessoa de reconhecer a natureza e a significação das coisas

em geral, a nível auditivo, visual ou táctil (agnosias).

Todavia, embora a CSA seja significativa para o ato de ensinar e interagir

com pessoas que se encontram nas situações mencionadas, para haver eficácia é

preciso que seu usuário apresente motivação para se comunicar, demonstrada por

meio do desejo de estabelecer uma comunicação interativa; que haja aceitação e

envolvimento de sua parte e das pessoas que o acompanham na utilização de um

determinado sistema de comunicação, atenção aos estímulos do contexto em que o

usuário está inserido – pois há a necessidade de que a pessoa tenha certa

habilidade cognitiva e nível de acuidade visual – e de envolvimento de outros

profissionais que o acompanham em seu desenvolvimento e tratamento.

No ato de se desenvolver umtrabalho com CSA foi preciso levar emconsideração alguns fatores que, comcerteza, intervêm no processo. É desuma importância ao educador, em seutrabalho junto à pessoa, fazendo usode CSA, que construa um programa deintervenção baseado no perfil de seuusuário, no seu contexto e na suahistória de vida. Esse programa de

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intervenção deverá ser pensado econstruído, levando-se em conta, além

do usuário, seus interlocutoresprincipais e os contextos mais

respectivos com suas necessidadescruciais a serem relevadas. Comoparte integrante do programa de

intervenção, devem estar incluídos,de forma significativa, os aspectosreferentes às implicações emocionaispróprias das relações interpessoais

de comunicação.Devido a experiências vivenciadas e acumuladas em nosso trabalho, vamos nos ater ao

Picture Communication Symbols (PCS)31 - Sistema Pictográfico de Comunicação, utilizado por

crianças com autismo. O sistema, desenvolvido em 1981 por Roxana Mayer Johnson, compunha-se

de 700 símbolos iniciais, sendo, posteriormente, ampliado para aproximadamente 3200 símbolos. É

um sistema gráfico visual que compreende desenhos simples, podendo ser acrescido de fotografias,

figuras, números, círculos para as cores, o alfabeto e outros desenhos ou conjuntos de símbolos.

Suas características referentes a vocabulário estão compostas numa divisão

de seis categorias principais, representadas por cores, conforme a função de cada

símbolo. O Branco (miscelânea) representa: artigos, conjunções, preposições,

conceito de tempo, alfabeto, cores, etc. O Amarelo representa pessoas e pronomes

pessoais. A cor Laranja os substantivos. O Azul representa advérbios e adjetivos e a

cor Rosa os símbolos referentes a expressões sociais.

O suporte físico para a disposição dos símbolos varia, desde suportes de

baixa tecnologia, tais como pranchas de comunicação, pastas, agendas, álbum de

fotos, cartazes de pregas, até equipamentos eletrônicos de alta tecnologia como

softwares, microcomputadores, sintetizadores de voz, pranchas eletrônicas.

Por sua vez, a seleção dos símbolos a serem utilizados é decorrente de

avaliações das habilidades motoras e cognitivas do usuário, no intuito de verificar a

forma aplicada para a indicação dos símbolos (apontar, indicar com o olhar, apontar

31 Anexo 3 - Picture Communication Symbols (PCS): exemplos de figuras do PCS. O PCS écomumente utilizado pelo método TEACCH no trabalho junto a alunos com autismo e paralisiacerebral. Por ter sido criado em formato de software, garante maior facilidade em sua implantação nocotidiano do profissional e do aluno.

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por meio de ponteiras adaptadas, acionar dispositivos eletrônicos...). Para a definição

dessa disposição, a técnica de seleção mais apropriada ao usuário releva qual a sua

posição em relação ao suporte físico de comunicação, sua precisão na indicação dos

símbolos, o nível de cansaço resultante do trabalho e o ritmo em que se dá a

comunicação.

Por meio de anamnese e de uma avaliação detalhada em abordagem

conjunta com a equipe multidisciplinar, é que serão determinados quais os aspectos

importantes do processo educacional e terapêutico. Logo, há necessidade de se

auxiliar o futuro usuário no desenvolvimento de pré-habilidades para a utilização do

sistema suplementar e/ou alternativo de comunicação escolhido e, para tanto,

realizar a seleção do repertório básico de símbolos a ser utilizado e estar atento ao

ritmo na introdução de novos símbolos.

O sistema de trabalho do TEACCH e da maioria das formas de trabalhar com

comunicação suplementar alternativa, não mencionadas aqui, são fundamentadas

na relação causa-efeito e noção de seqüência por meio de atividades individuais.

Tais atividades informam o aluno sobre qual atividade ele deve realizar, quantas

vezes e por quanto tempo deverá fazê-la, dando-lhe pistas para saber quando

concluiu a atividade e qual será sua próxima tarefa. Após o ensino individual e a

apresentação de domínio da atividade, o aluno passará a realizar tais atividades de

maneira sistemática.

O professor ou profissional procurará encontrar atrativos aceitos pelo aluno.

Uma vez encontrados o profissional apresenta ao aluno um símbolo pictórico que

representa aquele objeto. Por exemplo, o aluno gosta de bolachas. Enquanto o

aluno tenta pegar as bolachas o profissional o orienta a apontar para pedir primeiro a

figura que representa este objeto e a entrega em sua mão. No momento em que o

aluno faz o solicitado o profissional lhe diz: “Você quer bolachas!”, entregando-as

nas mãos do aluno. Então, percebe-se aqui que o profissional não pergunta ao

aluno o que ele deseja, mas espera-se que todas as ações aconteçam a partir das

indicações por meio das figuras que representam algum objeto ou ação a ser

realizada. Os alunos são ensinados a darem a figura representativa em troca daquilo

que desejam obter sem, contudo, haver relações dialógicas entre os comunicantes.

A sistematização desse trabalho costuma ocorrer da seguinte maneira:

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• O profissional dispõe de diversas figuras durante o período de treinamento

que costumam ficar dentro de pouchet, aventais ou caixas, além de haver um

quadro ou algo semelhante onde tais símbolos se encontram disponíveis para

os alunos;

• O profissional sempre procura evitar que o aluno cometa algum erro que lhe

reforce o fracasso na atividade;

• Sempre que o aluno queira algo, deverá apresentar ao profissional a figura

correspondente; somente após essa conduta é que obterá a resposta

desejada;

• Em geral, não se costuma dar incentivos verbais; evita-se dizer ao aluno “O

que você quer? O que aconteceu? Pegue a figura.”.

• Todas as ações são organizadas pelo profissional para que, no decorrer do

dia, o aluno possa solicitar-lhe algumas delas;

• Sempre que o aluno alcance a figura correspondente, deverá ser

recompensado;

• A ação de o profissional estender a mão é a dica para que o aluno lhe dê a

figura esperada;

• O treino de figuras é realizado com um grupo de figuras utilizando uma por

vez; (Ex. grupo de figuras referente a frutas. Faz-se o treino da figura da

maçã, posteriormente, o da laranja etc.).

• A forma de o aluno solicitar o que deseja é se direcionar ao quadro onde

estão dispostas as figuras, selecionar a figura adequada e a entregar na mão

do profissional;

• O profissional procura fazer elogios ao aluno, apenas quando este consegue

associar corretamente a figura ao objeto desejado; no entanto, em caso de

erro, o profissional procura não demonstrar um tipo de reação contrária;

• A quantidade de figuras introduzidas depende da valorização do estímulo e

do número de vezes que o aluno teve sucesso em suas respostas para ser

capaz de dominar a atividade proposta;

• Cada aluno deve ter seu próprio sistema individual de comunicação, de forma

a que possa sempre estar com ele, e devem ser; de preferência, apenas

aquelas figuras já dominadas por ele em forma de temas de trabalho;

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• Um aluno que não consegue identificar os reforços colocados deverá ser

observado para receber uma recompensa mais satisfatória e que tenha maior

potencial, a fim de que ele tenha a oportunidade de ser capaz de dar a

resposta desejada.

Portanto, percebemos no TEACCH, que a associação entre o símbolo

pictórico e o significado da informação a ser veiculada nem sempre é requerida em

situações dialógicas nas relações sociais.

Vemos, como resultado desta investigação educativa que, embora a síndrome

do autismo desencadeie diversos comprometimentos no desenvolvimento global,

muitas vezes a criança observada não apresenta um melhor desenvolvimento em

sua interação social, linguagem e aprendizagem, não em razão da síndrome

propriamente dita, mas em razão da sua privação social e cultural.

De acordo com Amaral (1995: 63-65) pode ocorrer algo com o indivíduo, que

lhe provoque alterações na estrutura ou no funcionamento do corpo (patologia). Tais

alterações, quando evidentes, são exteriorizadas por anomalias na estrutura,

aparência ou no funcionamento de um órgão ou sistema, gerando a deficiência e

esta, por sua vez, modifica a capacidade de realização (incapacidade), podendo o

indivíduo se encontrar em situação de (prejuízo) desvantagem que resulta em

deficiência ou incapacidade em relação a outros indivíduos.

Em relação à pessoa com autismo, por ser acometida pela síndrome que traz

alterações e transtornos globais em seu desenvolvimento e desencadeia

manifestações que podem ser observadas, principalmente, no seu comportamento

alterando-lhe a capacidade de desenvolvimento na área da linguagem, da interação

social e das representações simbólicas, é evidente que o autista apresentará

desvantagens diversas, se for comparado a outros indivíduos.

No mesmo sentido de Amaral (ibidem), Vigotski fundamenta a participação do

outro na constituição do sujeito em sua relação com o mundo, por meio da ação

mediadora.

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suasatividades adquirem um significado próprio num sistema decomportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, sãorefratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho doobjeto até a criança e desta até o objeto passa através de outrapessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um

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processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligaçõesentre história individual e história social. (VYGOTSKY, 1994:40)

Vê-se, então, que a linguagem, embora comunicativa e constitutiva do

pensamento, é, também, organizadora, planejadora da ação e reguladora do

comportamento .Portanto, embora os Sistemas Suplementares e ou Alternativos de

comunicação sejam de grande utilidade como um apoio para o trabalho junto a

pessoas que apresentam déficits no desenvolvimento da linguagem, cognitivo e

emocional, como nos casos de deficiência mental e autismo, é essencial a atuação

de um educador que mantenha diálogo e ação mediadora constante com seus

alunos.

Evidentemente, a diferença do resultado obtido durante o processo de ensino

e aprendizagem da criança com autismo está na proposta da abordagem utilizada,

pois os símbolos em si mesmos não têm vida própria. Falta, ao autista uma

abordagem educacional que não se reduza ao treinamento de habilidades de

comunicação, mas sim que esteja aberta à sua constituição enquanto sujeito, a partir

do desenvolvimento da linguagem, da interação social, de sua contextualização

histórica. Nessa perspectiva, para efeito desta tese, a CSA é utilizada como um

mediador semiótico à construção do signo, para auxiliar na construção da linguagem

que traz consigo a possibilidade de produção de significações, geradas na relação

com o outro, em ambientes culturalmente contextualizados.

Logo, atuar sob o signo dacomunicação é reduzir a questão dalinguagem humana e seu papel no

desenvolvimento de um sujeito, pois éno processo de interação entre a

criança e seus interlocutores que sedá a aquisição da linguagem em si,

desenvolvendo, deste modo, suacapacidade de simbolizar o mundo quea cerca, para o outro, dando sentidoaos processos de interação social e,

para si, na forma internalizada

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necessária ao desenvolvimento dasfunções psicológicas superiores.

2.5. Bases conceituais para a compreensão da linguagem

Após anos de estudos sobre o comportamento, a personalidade e a constituição subjetiva da

pessoa, os estudos da psicologia, numa perspectiva histórico-dialética do marxismo, têm procurado

demonstrar que a gênese das funções psicológicas reside na interação sócio-cultural, e não em uma

competência endógena.

Vigotsky (1994), há mais de 50 anos, afirmava que o desenvolvimento cultural da criança se

dá, primeiramente, em nível social e depois, em nível individual, no interior da própria criança. Ele

assim explica essa gênese:

primeiramente o indivíduo realiza ações externas, que serãointerpretadas pelas pessoas a seu redor, de acordo com ossignificados culturalmente estabelecidos. A partir dessa interpretaçãoé que será possível para o indivíduo atribuir significados a suaspróprias ações e desenvolver processos psicológicos internos quepodem ser interpretados por ele próprio a partir dos mecanismosestabelecidos pelo grupo cultural e compreendidos por meio doscódigos compartilhados pelos membros desse grupo. (VYGOTSKY,1994: 15)

Neste sentido:

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duasvezes: primeiro no nível social, e, depois, no nível individual; primeiroentre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança(intrapsicológica). [...]. Todas as funções superiores originam-se dasrelações reais entre indivíduos humanos. (VYGOTSKY, 1994: 75)

Para Vigotski, as funções psicológicas superiores deveriam ser compreendidas nas relações

sociais presentes na vida do indivíduo, sendo o homem participante do processo de criação de seu

meio, e não determinado por ele. Ele é um ser social e cultural numa história de desenvolvimento,

que parte do interpessoal para o intrapessoal, tendo a linguagem como mediadora de todas as suas

relações.

Com relação à linguagem, esta é compreendida por Lúria (1987) como um sistema complexo

de sinais convencionais que representam objetos, ações, características ou relações, e possibilitam a

transmissão de conhecimentos constituídos no processo histórico-social e de fundamental relevância

no que condiz ao desenvolvimento dos processos cognitivos e da consciência do ser humano; age,

inclusive, como uma ponte do conhecimento sensorial para o racional, como um processo de

contínua conscientização, constituído por meio das formas sociais de vivências históricas humanas.

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A palavra faz pelo homem o grandioso trabalho de análise eclassificação dos objetos, que se formou no longo processo dahistória social. Isto dá à linguagem a possibilidade de tornar-se nãoapenas meio de comunicação, mas também o veículo maisimportante do pensamento, que assegura a transmissão do sensorialao racional na representação do mundo. (LÚRIA, 1987:81)

Aceita-se, comumente, a afirmação de

que o homem é um ser consciente de

suas ações; porém, embora enquanto ser,

ele seja o único que se encontra imerso

num contexto histórico, social e cultural,

de onde emergem sentidos e significados,

há correntes de pensamentos que, não

raramente, conflitam com tal

posicionamento, alegando serem os

motivos biológicos a melhor explicação

para uma compreensão científica do

comportamento do ser humano.

O homem é o único ser capaz de assimilar

a experiência que não é a sua própria e

repassá-la para outros indivíduos de

geração em geração. A imitação, portanto,

é limitada na formação do comportamento

do animal, sendo esta transmitida de

maneira prática e direta, advinda da

própria experiência. No homem, porém, a

transmissão da experiência ocorre de

forma articulada pelas muitas informações

presentes na história das gerações

passadas.

Dessa assimilação de experiências

materiais ou intelectuais é que se

caracteriza a história social do homem, de

onde emana sua atividade consciente, a

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qual, de acordo com Lúria (1979), pode

ser explicada em três traços

fundamentais:

Primeiramente, a atividade consciente do

homem não se encontra,

necessariamente, vinculada a motivos

biológicos, pois a maioria de nossas ações

não depende das necessidades

biológicas. Ao contrário, a atividade do

homem é regulada por necessidades mais

complexas que, costumeiramente, são

chamadas de superiores ou intelectuais.

Entre elas, encontramos as “necessidades

cognitivas que incitam o homem à

aquisição de novos conhecimentos, à

necessidade de comunicação, à

necessidade de ser útil à sociedade e

ocupar nesta, determinada posição, etc”.

(LÚRIA, 1979: 71-72). A atividade

consciente do homem vai além das

questões biológicas, pois, muitas vezes,

se encontra em embate com elas, vindo

até mesmo a contê-las ou, contrariamente,

a colocar-se em situações de risco pela

autonomia de seu comportamento em

relação aos motivos biológicos.

Em segundo lugar, a atividade consciente

do homem não se encontra delimitada

pelos efeitos causados por estímulos

exteriores sobre a mente ou os sentidos,

acrescidos das experiências individuais

repentinas. O homem tem a capacidade

de pensar e ponderar sobre as condições

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do meio, de maneira muito mais

penetrante e intensa do que o animal.

Assim, é-lhe possível separar

mentalmente seus pensamentos e

sentimentos por algum fato ou objeto e

também transpor as relações de

dependência profundas das coisas e seus

conhecimentos acerca das relações e

sujeições casuais dos acontecimentos. A

partir deles é capaz de fazer sua

interpretação e tomar tais ocorrências

como orientações que foram acrescidas

por leis e razões mais profundas do que

apenas por impressões exteriores. Desse

modo, é possível perceber a razão de

haver um fundamento que declara, com

firmeza, que o comportamento humano,

firmado no reconhecimento da

necessidade, é livre. Como exemplo,

Lúria (1979:73) comenta:

Ao sair a passeio num claro dia de outono, o homem pode levarguarda-chuva, pois sabe que o tempo é instável no outono. Aqui eleobedece a um profundo conhecimento das leis da natureza e não daimpressão imediata de um tempo de sol e céu claro. Sabendo que aágua do poço está envenenada, o homem nunca irá bebê-la, mesmoque esteja com muita sede; neste caso, seu comportamento não éorientado pela impressão imediata da água que o atrai, mas por umconhecimento mais profundo que ele tem da situação.

O terceiro aspecto, chamado por Lúria

(1979: 73) de traço característico que

distingue a atividade consciente do

homem do comportamento animal, é que

ao contrário do animal, cujo

comportamento tem apenas duas fontes –

a) os programas hereditários de

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comportamento, jacentes no genótipo e b)

os resultados da experiência individual

direta – a atividade consciente do homem

também apresenta uma terceira fonte, ou

seja, a assimilação da experiência de

toda a humanidade que se constrói, no

processo de sua história social, pelo

acúmulo de conhecimentos e habilidades

que são transmitidos de geração a

geração no processo de aprendizagem.

Desde a mais tenra idade, a criança

constrói seu comportamento a partir da

influência do que acontece à sua volta,

assimilando habilidades diversas que

foram construídas no processo da história

social. Pela fala, as outras pessoas lhe

repassam os conhecimentos rudimentares

e num tempo vindouro, por meio da

linguagem, assimila as mais importantes

aquisições da humanidade no espaço

escolar. Grande parte desses

conhecimentos, habilidades e maneiras de

proceder é o resultado de aquisições

ocorridas pela assimilação da experiência

histórico-social de gerações. Esse é o

principal quesito que distingue a atividade

consciente do homem do comportamento

animal.

A Psicologia fundamentada no

marxismo sustenta que as particularidades

inerentes apenas ao homem podem ser

encontradas numa perspectiva histórico-

social de atividade, sendo esta

relacionada com trabalho social, com a

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utilização de instrumentos de trabalho e

com o emergir da linguagem. Com os

animais, não acontece dessa maneira,

pois toda a atividade psíquica se origina

das condições das formas de vida para

sua orientação no meio ambiente.

Os fundamentos a respeito da origem

da atividade consciente do homem devem

ser procurados nas condições sociais de

vida historicamente produzidas que

possibilitam transformações estruturais do

comportamento. Portanto, os motivos

biológicos do comportamento, os motivos

superiores e as necessidades surgidas

acompanham o comportamento que se

subordina à percepção imediata. As

formas superiores de comportamento

como resultado da abstração das

influências imediatas do meio, em

conjunto com “os programas de

comportamento consolidados por via

hereditária, e a influência da experiência

passada do próprio indivíduo”

proporcionam o nascer da transmissão e

assimilação da experiência de toda a

humanidade como uma terceira fonte

formadora da atividade. (LÚRIA, 1979: 75)

Encontramos, na ciência histórica, o

trabalho social, o emprego de

instrumentos de trabalho e também o

surgimento da linguagem como fatores

fundamentais que dizem respeito à

passagem da história natural dos animais

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para a história social do homem,

contribuindo para o emergir da sua

consciência.

Durante a sua história, o homem

tanto utilizou instrumentos de trabalho,

como também os preparou, conforme

suas necessidades de sobrevivência,

distinguindo, dessa forma, sua atividade

daquela do comportamento do animal, já

que, para tanto, era preciso fazer uso de

um processo de elaboração repleto de

sentidos e significados, o que requer uma

atividade consciente.

O fato de o homem perceber a

necessidade de preparar seus

instrumentos de trabalho interfere

totalmente em sua estrutura de

comportamento, pois esta é uma atividade

complexa em prol de uma necessidade a

ser suprida e que, no caso do homem

primitivo, era a sua alimentação. Na

passagem da história natural do animal

para a história social do homem, há um

momento em que o homem não age mais

impulsionado por motivos biológicos e sim

com ações próprias e exclusivas, regidas

por objetivos tomados pela consciência

que vão adquirindo, conforme os

resultados se concretizam.

Na medida em que o homem realiza as

diversas ações para chegar a um

determinado objetivo, seu comportamento

sofre transformações, surgindo, assim,

uma atividade própria que é consciente e

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que, portanto, vem a influir em novas

formas de comportamento, não mais

conduzidos pelos motivos biológicos, mas

por uma atividade consciente, produto de

novas formas histórico-sociais.

Como segunda condição para a

formação da atividade consciente do

homem está o surgimento da linguagem.

Por tempos, a Psicologia não deu atenção

merecida à linguagem como fator

fundamental na formação dos processos

mentais da criança. Eram atitudes

baseadas no pensamento behaviorista,

orientado por Thorndike, Watson e

Guthrie, em que as formas complexas da

atividade da criança tinham sua origem no

convencionamento de hábitos que

determinavam a linguagem como um dos

aspectos dos hábitos motores, sem

qualquer relação específica com a

conduta e formação intelectual.

Juntamente com esta concepção

mecanicista, surgiu o pensamento

idealista que compreendia o

desenvolvimento dos processos psíquicos

como originários de uma fonte ou

atividade interna, em que a linguagem

estava longe de fazer parte no complexo

de atividade e desenvolvimento das

capacidades intelectuais da criança.

Contudo, no ano de 1934, Vigotski

apresentou a linguagem como decisiva na

formação dos processos psíquicos,

colocando em execução diversos

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experimentos referentes à formação da

atenção ativa, processos de

desenvolvimento da memória em que, por

meio da aquisição da linguagem, a

memorização se tornava ativa e

voluntária.

Como já exposto, de acordo com Lúria

(1979: 78) “costuma-se entender por

linguagem um sistema de códigos por

meio dos quais são designados os objetos

do mundo exterior, suas ações,

qualidades, relações entre eles, etc”. Na

linguagem, as palavras qualificam objetos,

ações, características de objetos. Tal

linguagem, constituída por palavras que

se unem em frases, é o principal meio de

comunicação do homem, utilizado para

que informações sejam conservadas e

transmitidas, e experiências assimiladas

sejam repassadas de geração em

geração.

Segundo a concepção marxista, a origem

da linguagem está nas condições

possibilitadas pelas relações sociais do

trabalho, cujo início se refere ao período

de passagem da história natural para a

história humana, enfocando a

necessidade de compartilhar e repassar

às gerações, informações e experiências

anteriormente assimiladas.

Enquanto a língua se constituiu como um

sistema de códigos independentes que

nomeava os objetos, as ações e

características, servindo como forma de

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transmissão de informações, a linguagem,

por sua vez, foi fundamental para que,

posteriormente, o homem organizasse sua

atividade consciente, dando forma à

consciência. Assim, no decorrer da

História, a atividade consciente do homem

sofre transformações, das quais Lúria

(1979: 80-81) ressalta três:

1) Ao nomear os objetos e acontecimentos do mundo exterior com

palavras isoladas ou combinadas, a linguagem proporciona a

discriminação desses objetos, possibilita o voltar a atenção para eles e

preservá-los na memória, sendo possível trabalhar com sua imagem,

mesmo não estando eles presentes. A linguagem “duplica o mundo

perceptível!” permanecendo a informação advinda do mundo exterior e

criando um mundo de imagens interiores.

2) As palavras de uma língua nomeiam coisas como também abstraem as

suas peculiaridades. Relacionam o que é perceptível a determinadas

categorias, garantindo o processo de abstração e generalização como

contribuinte para a formação da consciência. A exemplo, “a palavra

relógio indica que esse objeto serve para marcar as horas; a palavra

mesa indica que esse objeto serve para ser coberto”. Ambas as

palavras também indicam todas as propriedades desses objetos, não

importando seu aspecto exterior ou seu tamanho. A palavra, portanto,

abstrai o que diz respeito aos indícios do objeto e generaliza objetos

diferentes pelas características exteriores, porém inerentes à mesma

categoria, transmitindo ao homem a experiência das gerações. A

palavra opera, por meio do homem, a ação de analisar e classificar os

objetos que foram sendo construídos ao longo da história social,

possibilitando à linguagem transformar-se no instrumento mais

importante do pensamento para a passagem do sensorial para o

racional na representação do mundo, além de ser uma forma de

comunicação.

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3) Como instrumento fundamental para a transmissão de informação da

história social do homem, a linguagem possibilita a assimilação de toda

a informação e experiência produzidas ao longo da prática histórico-

social, sendo possível ao homem dominar um conjunto ilimitado de

conhecimentos, habilidades e formas de comportamento que não

poderiam ser desenvolvidas por um indivíduo que se encontrasse

isolado. A linguagem é, no homem, uma nova espécie de

desenvolvimento psíquico, não conhecido nos animais, constituindo-se

imprescindível no desenvolvimento da consciência.

A linguagem se transpõe em todos os

campos da atividade consciente do

homem proporcionando uma renovação

superior aos processos psíquicos,

reorganizando de maneira sólida os

processos de percepção do mundo

exterior e gerando outras leis dessa

percepção. A linguagem, portanto,

interfere e transforma, no homem, seus

processos de atenção, proporcionado-lhe

condições de regê-la com livre arbítrio. Ela

também altera os processos de memória

humana quando, apoiada nos processos

do discurso, se torna atividade mnemônica

consciente, com a qual o homem dispõe

de fins especiais referentes às ações de

lembrar, de organizar o que deve ser

lembrado, encontrando-se apto para

ampliar seu volume de informações na

memória e de se colocar de maneira

arbitrária para o passado, a fim de

selecionar nele, pelo processo de

memorização, o que lhe é relevante em

determinada circunstância.

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É por meio da linguagem que o homem se

aparta da experiência imediata e principia

a imaginação, fato não existente com os

animais. Pela linguagem, são constituídas

as complexas formas de pensamento

abstrato e generalizado que são

aquisições muito importantes da história

da humanidade, garantindo a passagem

do sensorial para o racional. Da mesma

forma, a linguagem contribui para

transformações na reorganização da

vivência emocional, o que gera um outro

novo nível dos processos psíquicos. Nas

palavras de Lúria (1979: 84):

Basta instruir o homem no sentido de erguer o braço ou girar a chaveem resposta a um sinal vermelho e não fazer nenhum movimento aum azul para surgir imediatamente e consolidar-se essa novarelação. O advento de qualquer ação, executável com base eminstrução discursiva, dispensa qualquer reforço incondicional (oubiológico).

A atividade consciente do homem o difere,

radicalmente, do comportamento animal,

sendo possível perceber sua ilimitada

plasticidade e o caráter dirigível de seus

processos. Lúria, mesmo preocupado com

tais questões que conduziam a psicologia

para a compreensão do homem como ser

histórico, social e cultural não

desconsiderava os aspectos fisiológicos e

biológicos. Ao contrário, colocava que a

compreensão dos fenômenos de

consciência do homem, enquanto ser

social, estava também relacionada aos

motivos biológicos, já que o

comportamento não pode se fazer

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compreender tão-somente pelas

condições sociais de vida, mas,

juntamente, com as possibilidades de

comportamento que foram sendo

consolidados por meio da hereditariedade

jacente no genótipo, além das condições

orgânicas reais vivenciadas pelo indivíduo.

Segundo Vygotsky (1987:40):

Como el desarrollo orgánico tiene lugar en un medio cultural, seconvierte en un proceso biológico condicionado históricamente. Porotro lado, el desarrollo cultural adquiere un carácter particular eincomparable, ya que se realiza simultánea y fusionadamente con lamaduración orgánica, por tanto, su portador resulta ser el organismodel niño que madura, que cambia, crece.

Conquanto o pensamento e a linguagem, em suas origens, não sejam iguais,

O principal fato com que deparamos na análise genética dopensamento e da linguagem é o de que a relação entre essesprocessos não é uma grandeza constante, imutável, ao longo de todoo desenvolvimento, mas uma grandeza variável. A relação entrepensamento e linguagem modifica-se no processo dedesenvolvimento tanto no sentido quantitativo quanto qualitativo.Noutros termos, o desenvolvimento da linguagem e do pensamentorealiza-se de forma não paralela e desigual. As curvas dessedesenvolvimento convergem e divergem constantemente, cruzam-se,nivelam-se em determinados períodos e seguem paralelamente,chegam a confluir em algumas de suas partes para depois tornar abifurcar-se. (VIGOTSKI, 2000:111)

Conforme o autor, numa perspectiva dialética de desenvolvimento, o cognitivo, assim como

todas as funções psicológicas superiores, durante o processo de desenvolvimento se inter-relacionam

como, por exemplo, a partir de uma revolução, a linguagem passa a ser linguagem pensada e o

pensamento se torna pensamento verbal, de forma a operar sobre a organização do pensamento,

mas dele também dependendo.

Na essência da tese histórico-social, no que diz respeito ao funcionamento psicológico do ser

humano, este se constitui na inter-relação de diferentes funções, desempenhando a linguagem um

papel fundamental em todo o processo. Durante seus estudos, Vigotski, concentrou-se no caráter

histórico e social da mente do homem e nos mecanismos do tornar-se ser humano, procurando

compor categorias e conceitos para a construção de uma teoria psicológica que respondesse a

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questões referentes ao psiquismo humano a partir da dialética. Nessa busca emerge o conceito de

mediação.

A ação do homem tem impacto de

desenvolvimento por encontrar-se sob a

dependência da criação de condições

técnicas e semióticas. É pela atividade

humana que o homem produz, modifica a

natureza e a estabelece em objeto de

conhecimento, transformando-se

simultaneamente em sujeito do

conhecimento. A relação do sujeito é

dialética e é mediada pela semiótica,

sendo os meios técnicos e semióticos,

sempre da esfera social e cultural.

Nesse processo, os objetos são

compreendidos por representações ou

imagens sensoriais, inerentes ao próprio

objeto. Para a transposição entre o que é

próprio do objeto e sua generalização e

abstração, a imagem deve ser simbolizada

pelo signo que está repleto de significados

de origem cultural e social. Assim sendo,

pode-se perceber, na criança, a

compreensão do objeto semiótico em

razão de a imagem estar ligada a seu

significado, a partir da utilização da

palavra. Logo, a representação simbólica

é tanto uma função para fazer presente

alguma coisa que não se encontra

presente, como também é o próprio objeto

representado em seu significante. A

palavra é o signo que tem a função de

apontar o objeto e de significar o seu

conceito como sendo um instrumento do

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pensamento. Tal como afirma Vigotski

(2000:398), “encontramos no significado

da palavra essa unidade que reflete da

forma mais simples a unidade do

pensamento e da linguagem”.

Desse modo, podemos perceber a

existência da relação entre a atividade

produtiva do ser humano e sua atividade

cognitiva, já que a produtiva envolve a

transmutação de saberes históricos

produzidos pelos homens, em saberes do

indivíduo, proporcionando-lhe, por meio da

atividade cognitiva, a apropriação dos

saberes produzidos pela história e pelas

formas de saber e de pensar do próprio

homem. Nesse processo de apropriação

cultural está a linguagem como mediadora

e formadora da consciência.Na relação entre pensamento e linguagem, Vygotsky (1987:108-109) destaca a relação entre

pensamento e palavra:

A relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas umprocesso, um movimento contínuo de vaivém do pensamento para apalavra, e vice-versa. Nesse processo, a relação entre o pensamentoe a palavra passa por transformações que, em si mesmas, podemser consideradas um movimento no sentido funcional. O pensamentonão é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que elepassa a existir. [...] O pensamento passa por muitas transformaçõesaté transformar-se em fala. Não é só expressão que encontra na fala:encontra a sua realidade e a sua forma.

Para Vigotski, o pensamento é o reflexo generalizado da realidade que se concretiza por meio

da linguagem, estando sempre conectado ao pensamento geral, diferenciando-se da palavra que traz

consigo uma característica de abstração. Exemplificando, a expressão de um pensamento se dá por

meio de palavras separadas; no entanto, o pensamento engloba de uma só vez a ação pensada, o

contexto, a cor, o local etc. Dessa forma, tornando existentes objetos e acontecimentos da realidade

por meio da utilização da palavra, o ser humano ultrapassa as percepções e sensações imediatas, e

passa a conceber que tudo aquilo que pensa está além de uma extensão daquilo que se pode

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perceber. Ou seja, a ação de formar idéias por meio da palavra gera a possibilidade de se atingir o

que comumente é incompreensível para a capacidade de perceber e para a representação.

Uma palavra não se refere a um objeto isolado, mas a um grupo ouclasse de objetos; portanto, cada palavra já é uma generalização. Ageneralização é um ato verbal do pensamento e reflete a realidadede modo bem diverso daquele da sensação e da percepção. Essadiferença está implícita na proposição segundo a qual há um saltodialético não apenas entre a total ausência da consciência (namatéria inanimada) e a sensação, mas também entre a sensação e opensamento. (VYGOTSKY, 1987:4)

Assim, é pela generalização que o ser humano pode tirar conclusões a respeito daquilo que

não percebe de imediato, indo além da percepção por meio do real para maior rigor e profundidade, a

partir da generalização encontrada nos objetos e nos fenômenos que são resultados das associações

reais e fundamentais entre si. É do pensamento que emanam os conhecimentos adquiridos pelo ser

humano em sua relação com o mundo natural e cultural, estando unido de forma dialética ao

conhecimento sensorial.

Para Vigotski, o processo de aquisição da

língua na fala da criança tem suas raízes

no processo social, partindo do meio

externo para, aos poucos, se transformar

num sistema de signos. Quando isto

acontece, a fala da criança se distingue

em dois sistemas de pensamento que se

encontram extremados, porém,

simultaneamente entrosados. Enquanto

um dos sistemas procura se adaptar ao

mundo externo, surgindo como fala social

adulta, o outro inicia sua internalização,

transformando-se, progressivamente,

numa linguagem pessoal. Nesse processo

de discurso interno, o sentido da palavra

torna-se ascendente ao significado da

mesma palavra. Importante ressaltar que,

segundo Vigotski, existe uma diferença

entre significado e sentido. Nas palavras

de Pino (2000:39):

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Para ele o sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavraevoca na consciência. É um todo fluido e dinâmico, com zonas deestabilidade variável, uma das quais, a mais estável e precisa é osignificado. Esta é uma construção social, de origem convencional(ou sócio-histórica) e de natureza relativamente estável. Asalterações de sentido não afetam a estabilidade do significado.Segundo Vigotsky, as palavras adquirem seu sentido no contexto dodiscurso. A variação de contexto implica, portanto, variação desentido.

A linguagem é, portanto, um

instrumento da consciência com o atributo

de compor, controlar e planejar o

pensamento numa função de intercâmbio

social. Os significados das palavras

constituem a consciência do indivíduo, ao

mesmo tempo em que são constituídos no

contexto interindividual. Dessa maneira,

percebemos a existência das relações de

interdependência entre pensamento e fala,

entre a fala interior e a exterior, entre o

sentido e o significado, entre o homem e o

mundo.

Para Vigotski, a formação da

consciência e o desenvolvimento cognitivo

ocorrem de fora para dentro do indivíduo,

seguindo um processo de internalização,

não de forma mecânica, mas impregnada

de atitude por parte do sujeito. Esse

processo de transformação possibilita a

construção do conhecimento e da cultura

e está relacionado a uma atividade mental

que responde pelo domínio dos

instrumentos de mediação do homem com

o mundo. Portanto, “o pensamento e a

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linguagem são a chave para a construção

da natureza da consciência humana”.(VIGOTSKI, 2000: 485).

Os meios culturais – aqui, em

específico, a fala – não são externos às

nossas mentes, ao contrário, eles se

desenvolvem nelas, transformando-as.

Assim, uma criança que passou a dominar

a linguagem como ferramenta cultural,

jamais será novamente a mesma.

Portanto, a cultura e a mediação semiótica

constituem o eixo da teoria de Vigotski

sobre o funcionamento mental do homem,

estando ela relacionada com a existência

concreta do sujeito em seu processo

social, ao mesmo tempo em que é produto

da sua vida e de suas atividades sociais.

A mediação semiótica, por sua vez,

como cerne em sua teoria, possibilita a

explicação dos processos de

internalização e objetivação, as relações

entre pensamento e linguagem e a

interação entre o sujeito e o objeto do

conhecimento. É por meio da atividade

mediada que o sujeito se encontra ativo,

construindo seu próprio conhecimento.

Na abordagem histórico-cultural, a

mediação semiótica é indispensável para

a interioriorização de signos; a palavra,

por sua vez, é o elemento principal e

comum entre o locutor e o interlocutor, e

está sempre repleta de conteúdos ou

sentidos. Segundo Vigotski (1987:104):

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O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreitodo pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata deum fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Umapalavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é umcritério da “palavra”, seu componente indispensável.

A palavra se encontra presente em todas as ações nas quais existem compreensão e

interpretação, de forma que todos os signos, mesmo aqueles não-verbais e que não são trocados por

palavras, também se apóiam nas próprias palavras e se juntam com elas. A palavra não é algo

possuído pelo indivíduo, mas é a mediação de circunstâncias interativas diversas.

A mediação semiótica, que é fundamentalmente humana, torna o diálogo imprescindível. Este

não deve ser compreendido somente como vozes que se revezam entre si, mas como o encontro à

inclusão de falas em um espaço e um tempo onde o social e o histórico estão presentes. Na

concepção vigotskiana, são as relações sociais e a linguagem, as constituintes da atividade mental.

De acordo com Pino (2000:42):

O conceito de mediação semiótica na perspectiva e nas dimensõesaqui propostas é um bom instrumento conceitual para pensar opsiquismo humano como um processo permanente de produção queenvolve o indivíduo e seu meio sócio-cultural numa interaçãoconstante. Esse conceito revela-nos não só a origem social dasfunções psíquicas como também a natureza semiótica da atividadepsíquica.

A teoria histórico-cultural aponta também para a mediação semiótica através do signo e o

outro, como constitutivos do sujeito. A palavra é que vai constituindo as relações entre as pessoas,

normatizando, conceituando o certo e o errado, definindo verdades e mentiras, delimitando os

discursos, distinguindo o normal do anormal, o deficiente do não-deficiente. Enfoca que o homem

participa de uma realidade social apenas por meio de interação entre sujeitos, sendo esta mediada

pelos signos. Aponta horizontes de natureza prática, norteando argumentações tanto para a criança

dita “normal” como para a “anormal”.

Na abordagem histórico-cultural, Vigotski (1998:73) enfoca a função que é tomada pelos

instrumentos e signos como mediadores da ação do homem no mundo, sendo o instrumento utilizado

na transformação da natureza, e o signo na regulação do comportamento do indivíduo. "O controle da

natureza e o controle do comportamento estão mutuamente ligados, assim como a alteração

provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria natureza do homem".

Vigotski contribui para a importância da criação e utilização de signos na constituição da

espécie humana, sendo a linguagem o principal deles, inclusive para exprimir o próprio pensamento:

“a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema

mediador, cujo protótipo é a fala humana, oriunda da necessidade de intercâmbio durante o trabalho”

(VYGOTSKY, 1987:5). Ela implica fatores que determinam o desenvolvimento da consciência que,

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por sua vez, permite haver a discriminação e conservação de um objeto na memória por meio de seu

nome, realizando a transição do sensorial para o racional na representação do mundo.

Complementando, segundo Kassar (1999: 69,70):

é em um determinado mundo (no contato com o outro) que o sujeito nasce,cresce, se desenvolve, se constitui. É nesse mundo (de incontáveis eencantáveis outros) que será, por ele, internalizado, no processo de suaconstituição social. (...) Na ontogênese, cada novo ser humano passa porprocessos de apropriação dos signos e, assim, a utilização desses signosexternos vai, pela apropriação individual, transformando-se em processosinternos de mediação. Os processos de mediação vão se constituindo aolongo do desenvolvimento, não estando presentes nas crianças aonascerem, sofrendo, portanto, transformações ao longo da vida de cadapessoa. A esse processo contínuo dá-se o nome de internalização. Ocontato com o outro – com o mundo humano – possibilita odesenvolvimento cultural. (...) Dessa forma, os sistemas simbólicos sedesenvolvem e organizam os signos em estruturas complexas e articuladas.O processo de significação marca toda a atividade humana.

Pode-se notar que os sinais que evidenciam a sociedade se empregam como constitutivos do

sujeito, tornando os signos próprios dos princípios elementares da mediação que alteram e

transformam o desenvolvimento humano, da mesma forma que os instrumentos criados pelo homem.

A linguagem, portanto, proporciona a constituição da atividade psicológica, a transformação e o

desenvolvimento do pensamento, sendo constitutiva para o homem e permitindo haver a interação

social, a internalização e a generalização de significados. Para tais processos concorre a

aprendizagem, que ocorre mediante a transformação construtiva de pensamentos, sentimentos e

ações, envolvendo uma interação entre conhecimentos preliminares e conhecimentos novos que

constroem outros significados psicológicos, resultantes em outras ações, pensamento e linguagem.

Sobre desenvolvimento e aprendizagem, Vigotski diz que são fatos distintos e relacionados,

sendo preciso considerar o nível de desenvolvimento já conquistado e também o nível de

desenvolvimento proximal, ligado à capacidade de resolução de problemas, a partir do auxílio de

outras pessoas que se encontram mais possibilitadas, indicando que poderá ser autônoma no porvir

quando o seu nível de desenvolvimento o permitir.

O aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que osprocessos de desenvolvimento não coincidem com os processos deaprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride deforma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; destaseqüenciação, resultam, então as zonas de desenvolvimentoproximal. [...] Embora o aprendizado esteja diretamente relacionadoao curso do desenvolvimento da criança, os dois nunca sãorealizados em igual medida ou em paralelo. O desenvolvimento nascrianças nunca acompanha o aprendizado escolar da mesmamaneira como uma sombra acompanha o objeto que o projeta. Narealidade, existem relações dinâmicas altamente complexas entre os

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processos de desenvolvimento e de aprendizado, as quais nãopodem ser englobadas por uma formulação hipotética imutável.(VYGOTSKY:1994:118-119)

Vigotski, estudando a questão da aprendizagem e sua influência no processo de

desenvolvimento mental, elaborou o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), no qual

explica que:

À distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costumadeterminar através da solução independente de problemas, e o nívelde desenvolvimento potencial, determinado através da solução deproblemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração comcompanheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1984:97)

Com relação às atividades escolares, a ação mediada na Zona de Desenvolvimento Proximal

desperta processos internos diversos e executa funções e processos até então não maduros no

aluno, auxiliando o professor, enquanto agente de mediações, como um instrumento importante em

seu trabalho, levando-se em conta as mediações histórico-culturais presentes em situações e

contextos escolares.

O professor, em sua relação com o aluno, conduz a apreensão dos significados tomados,

como também dos os conceitos elaborados, além de fazer uso de instrumentos e da própria

linguagem em seu processo de ensino-aprendizagem, tornando o conhecimento mais acessível. Ele

atua como um agente de mediações entre o contato de seu aluno e a cultura que é desenvolvida na

relação com os outros, proporcionando aquisição de conhecimentos a partir de circunstâncias

diversas que geram a compreensão significativa. De acordo com Vygotsky (1989:300),

La concepción del nivel actual y de la zona de desarrollo potencial sefundamenta en la Idea sobre la ampliación de la zona de desarrollo próximoy la ampliación de las posibilidades potenciales del niño. (...) Esta idea, quedemuestra el carácter dialéctico del proceso de desarrollo, se puso enpráctica y continúa sirviendo a la causa del estudio y de la enseñanza de losniños anormales y al análisis de la efectividad del proceso pedagógico. Suspostulados llevaron a una nueva comprensión del problema de lasinterrelaciones de la enseñanza especial, diferenciada y oportuna y deldesarrollo del niño anormal, lo que permitió entender de un nuevo modo elproblema del diagnóstico, compensación y corrección de los diferentesdefectos.

Para ele, a criança se encontra exposta a inúmeros signos – que necessitam ser

interpretados – e aos significados dentro de um contexto organizado por criações simbólicas

inerentes a uma determinada cultura. Logo, além das condições genéticas e neurológicas que são

imprescindíveis na transformação do indivíduo, também há uma solicitação para que o meio cultural

proporcione à criança o desenvolvimento de perímetros de comunicação complexos e alternativos

para a incorporação do conteúdo cultural, das capacidades e do conhecimento construído pelo

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homem na sociedade. Esses perímetros de comunicação progridem na mesma proporção de seus

perímetros neurológicos, permitem o desenvolvimento gradual do pensamento e da linguagem como

condições básicas para o indivíduo tomar significado do mundo no qual está inserido.

A partir da Zona de Desenvolvimento Proximal, as atividades escolares passam a ter uma

relação estreita com a compreensão da qualidade social do desenvolvimento humano e dos

contextos escolares, por meio do desenvolvimento de habilidades e capacidades que se constroem

no aluno com o auxílio de outra pessoa mais experiente, no caso, o professor. Após serem

internalizadas, tais habilidades e capacidades se tornam conquistas independentes da criança.

Importante, também, é ressaltar que as interações constituídas entre a criança e o professor não se

caracterizam como uma mediação estritamente harmoniosa, ao contrário, podem se dar em meio a

tensões e conflitos e, por isso, a mediação deve ser entendida como um processo complexo. A isto,

se refere Vigotsky (1987:50):

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexaem que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. Noentanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção,à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes.Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo,ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operaçõesmentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção àsolução do problema que enfrentamos.

O processo de formação de conceitos pelo sujeito é fundamental para seu conhecimento do

mundo, qualificando o real e seus significados. Neste sentido, Vigotski traz relevantes contribuições

para o ensino e para as atividades escolares no desenvolvimento da consciência reflexiva do aluno,

já que tais processos são proventos de conceitos surgidos ainda na infância, sendo as funções

intelectuais básicas desenvolvidas na puberdade, quando as abstrações transcendem os significados

resultantes de suas experiências imediatas. Contudo, vale ressaltar que a relação entre o sujeito e o

contexto se dá de maneira interdependente, dialética e contraditória, estando a apropriação dos

significados subordinada aos contextos determinados, às atividades e à participação dos sujeitos.

Vigotsky (1987), em sua investigação, divide o processo de formação de conceitos em três

etapas.

- A primeira é por ele denominada de “conglomerado vago e sincrético de objetos isolados”. O

sujeito estabelece elos subjetivos com elos reais entre os objetos. Tais objetos são

agrupados a partir do significado de uma palavra que, mesmo refletindo elos objetivos com as

coisas nomeadas, igualmente refletem elos casuais referentes às impressões subjetivas e

percepções próprias do sujeito.

- A segunda etapa, “pensamento por complexos”, se dá quando os objetos isolados se

associam na mente do indivíduo, em razão das impressões subjetivas ocorridas ao acaso,

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como também em razão das relações que realmente existem entre eles, sendo

obrigatoriamente concretos e baseados em fatos.

- A terceira etapa, “pensamento por conceitos” ocorre quando o indivíduo tem a capacidade da

abstração e do isolamento de elementos que fazem parte de sua experiência, resumindo-os

de maneira abstrata para sua utilização instrumental em outros contextos concretos. Esse

conteúdo presente nas experiências pode iniciar sua organização de forma abstrata, sem

relacionar-se a impressões ou circunstâncias concretas.

Portanto, de acordo com Vigotsky

(1987:66) para a formação de conceitos é

preciso observar que:

A principal função dos complexos é estabelecer elos e relações. Opensamento por complexos dá início à unificação das impressõesdesordenadas: ao organizar elementos discretos da experiência emgrupos, cria uma base para generalizações posteriores. Mas oconceito desenvolvido pressupõe algo além da unificação. Paraformar esse conceito também é necessário abstrair, isolar elementos,e examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade daexperiência concreta de que fazem parte. Na verdadeira formação deconceitos, é igualmente importante unir e separar: a síntese devecombinar-se com a análise. O pensamento por complexos não écapaz de realizar essas duas operações.

No processo de formação de conceitos é

necessário atentar para as especificidades

e as relações ocorrentes entre conceitos

cotidianos e conceitos científicos, pois

tanto os conceitos espontâneos como os

conceitos que não o são, interagem e

influenciam-se mutuamente, fazendo parte

de um mesmo processo que é o

desenvolvimento da formação de

conceitos. Este é atingido pelas distintas

situações externas e internas num

processo único, em que o aprendizado é

primordial para a formação de conceitos

da criança em idade escolar.

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Na perspectiva da abordagem histórico-

cultural, o aluno é sujeito ativo de seu

processo de formação e desenvolvimento

intelectual, social e afetivo. O professor

cumpre o papel de agente nas mediações

desse processo com o proporcionamento

e favorecimento da inter-relação

(encontro/confronto) entre o sujeito, o

aluno, e o objeto de seu conhecimento,

que é o conteúdo escolar. Nesse processo

de mediação, o saber do aluno, enquanto

sujeito ativo, é muito importante na

formação de seu conhecimento. O ensino

é compreendido como uma intervenção

repleta de intencionalidade, inferindo nos

processos intelectuais, sociais e afetivos

do aluno, visando à construção do

conhecimento por parte do mesmo, sendo

ele o centro do ensino, o sujeito do

processo.

A linguagem, como uma ferramenta do

pensamento, encontra sua unidade com o

próprio pensamento no significado das

palavras. Assim, o trabalho com o

significado traz consigo a realização do

processo de generalização durante a

busca da apropriação de conhecimentos

por parte do aluno. A formação de

conceitos é decorrente da generalização,

em distintos níveis conceituais,

consistindo na organização de um sistema

que tem como critério o nível de

generalização. Nas palavras de Vigotsky

(2000: 09):

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A palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupoou classe de objetos. Por essa razão, cada palavra é umageneralização latente, toda palavra já generaliza, e, em termospsicológicos, é antes de tudo uma generalização. Mas ageneralização, como é fácil perceber, é um excepcional ato verbal dopensamento, ato esse que reflete a realidade de modo inteiramentediverso daquele como esta é refletida nas sensações e percepçõesimediatas.

Tomando a obra de Vigotski como

referencial teórico para o trabalho com

autistas, entendemos que o processo de

ensino e aprendizagem desse aluno deve

contemplar, necessariamente, uma

criteriosa relação entre mediação

pedagógica, cotidiano e formação de

conceitos, possibilitando o

encontro/confronto das experiências

cotidianas no contexto em que elas

ocorrem para a formação de conceitos,

quer sejam acadêmicos ou não, numa

maior internalização consciente do que

está sendo vivenciado e concebido.

Como agente de mediações, o

professor, deve explorar sua sensibilidade,

a fim de perceber quais são os

significados construídos por seus alunos

com referência aos conceitos que estão

sendo formados, quer sejam conceitos

mais elementares ou complexos. Vigotsky

(2000:247) por meio de sua investigação

afirma que:

A experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto deconceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril. Oprofessor que envereda por esse caminho costuma não conseguirsenão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro esimples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitosna criança, mas, na prática, esconde o vazio. Em tais casos a

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criança não assimila o conceito, mas a palavra, capta mais dememória que de pensamento e sente-se impotente diante dequalquer tentativa de emprego consciente do conhecimentoassimilado. No fundo, esse método de ensino de conceitos é a falhaprincipal do rejeitado método puramente escolástico de ensino, quesubstitui a apreensão do conhecimento vivo pela apreensão deverbais mortos e vazios.

Com relação às alterações de conduta e de personalidade de crianças com

autismo, distintos autores entre os anos 50 e 60 atribuíram maior relevância à

síndrome, no que se refere a possuírem uma anomalia de compreensão lingüística

(RUTTER,1979), alterações relacionadas ao déficit simbólico, além de dificuldades na

imitação e integração sensório-motora.

Esta questão implica o repensar e o

reorganizar a questão da educação do

aluno com autismo, pois nos métodos

baseados na concepção behaviorista, em

que o condicionamento operante é

evidenciado, ocorre o ensino direto de

conceitos que, na verdade, não são por

eles assimilados, e sim, quando muito,

memorizados de forma mecânica e sem

consciência, produzindo ações

automatizadas; havendo verbalização, por

vezes ela será vazia de significados, de

sentidos.

Logo, o processo de ensino e

aprendizagem de alunos com autismo

carece de ser orientado pela perspectiva

do desenvolvimento da linguagem,

rompendo e transcendendo o ensino

mecanizado de hábitos e à concepção

reducionista acerca do desenvolvimento

da aprendizagem deste aluno. Quando

falamos de aprendizagem, entendemos

estarem implícitas todas as formas de

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conhecimento, não nos limitando tão-

somente aos conhecimentos acadêmicos,

mas a conhecimentos do cotidiano,

abrangendo, inclusive, as ações de afeto e

sentimento e de valor. Sob esta ótica, tal

como nos diz Vigotsky (2000:486) de

maneira brilhante:

A consciência se reflete na palavra como o sol em uma gota deágua. A palavra está para a consciência como o pequeno mundoestá para o grande mundo, como a célula viva está para oorganismo, como o átomo para o cosmo. Ela é o pequeno mundo daconsciência. A palavra consciente é o microcosmo da consciênciahumana.

As proposições de Vigotski acerca da

pessoa com necessidades especiais e seu

desenvolvimento são significativas com

relação à determinação da maneira como

essa condição ("ser deficiente") deve ser

compreendida e trabalhada no contexto da

educação, conferindo-lhe o direito a seu

papel ativo na construção de seu

desenvolvimento, a partir de sua

capacidade individual de apropriar-se e

internalizar formas sociais de

comportamento como participante de seu

processo de conhecimento como sujeito

histórico. Somente assim, tal pessoa

passa a ser percebida e compreendida

como indivíduo possuidora de diferentes

capacidades e potencialidades em

emergência, as quais devem ser

encorajadas para que se transformem no

alicerce do desenvolvimento das funções

superiores.

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A partir dos pressupostos da abordagem histórico-cultural centrada em Vigotski, podemos

perceber a realidade educacional em que vivemos, muitas vezes impedindo a pessoa com

necessidades especiais de se desenvolver plenamente, devido a conclusões preconceituosas acerca

da sua aprendizagem. No entanto, se ela tiver acesso ao contato com o outro, e a orientação

pedagógica adequada e organizada, seu desenvolvimento poderá ocorrer pelo acesso à cultura que é

produzida historicamente.

Nos pressupostos de Vigotski, fica claro que a apropriação doconhecimento é construída de forma histórica e mediada em suarelação com o professor por meio da linguagem que é o cerne de

tudo o que é social, que interage, que dialoga, que exercecidadania. Igualmente, rejeita as posições dicotômicas de suaépoca, relativas à Psicologia da Linguagem, caracterizada pelo

racionalismo e empirismo, buscando uma concepção de psicologiaque compreendesse o homem em sua totalidade, e uma educaçãoem que se resguarda o espaço do sujeito. Enfatiza que o sentido

para o homem se constrói na linguagem e que nela se encontram odiálogo e a interação no qual estão presentes o sujeito e o outro, a

todo instante.A partir de uma concepção dialógica da linguagem em que as

condições de produção, a fala e as estruturas sociais sãoinseparáveis, no que diz respeito à educação de crianças autistas,

foi preciso que organizássemos o processo de ensino-aprendizagem no tocante ao programa curricular. Então, as

tradições cristalizadas de ensino foram revistas, assim como aformação continuada de professores e a concepção de avaliaçãopara que então pudéssemos intervir no processo educativo dessa

criança. Desse forma, compreendemos a necessidade de refletir

como pessoas e profissionais sobre a nossa própria constituiçãoenquanto sujeitos para, finalmente, elaborarmos e trabalharmos

dentro de uma abordagem que releva a história, a cultura, o socialcomo aspectos imprescindíveis na constituição do sujeito, mesmo

sendo este uma criança com autismo, o que nos faz crer que o fatorbiológico, enfocado nas Ciências Naturais, não pode ser o

determinante para seu desenvolvimento. Assim, a organização econstrução da atividade mental não se encontram no interior do

sujeito, mas sim, na interação verbal pela qual é gerada aexpressão que organiza tal atividade de forma relativa ao seu nível

de ajustamento social.Tomando essa concepção de linguagem como um processo

de interação e construção do sujeito e, inclusive, da próprialinguagem em meio à formação social do indivíduo, mencionamosaqui a superficialidade do ensino da criança autista na escola, no

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que se refere ao desenvolvimento de sua linguagem. No caso dacriança autista que verbaliza, infelizmente, na maioria das vezes,sua linguagem não é desenvolvida de forma adequada, devido à

ausência de se contextualizar a criança num ambiente natural emsituações de interação social. Dessa forma, as palavras ditas são

reproduções do que foi ouvido, gerando a ecolalia que, por sua vez,não é preenchida de significados que possibilitam a compreensão,

construção e apropriação do conhecimento.Para crianças autistas não-verbais, a situação muitas vezes se

agrava, pois, não havendo linguagem oral, a criança se encontraainda mais isolada e restrita a um ambiente precário e de

segregação, frente às suas necessidades. Se o discurso se dá emsituações de interação social e contextualização, num processo

dialógico e polissêmico que valoriza o real ao invés do artificial– enão no interior do indivíduo – crianças autistas podem, então,

melhor desenvolver sua linguagem.Podem, ainda, ser auxiliadaspela CSA, que serviria como um apoio na construção do signo,desde que mediadas pelo professor, transformando-se, assim,constantemente o meio. Dessa maneira, possibilita-se a essas

crianças a construção de significados dentro de seus contextos enecessidades específicas, gerando a compreensão recíproca entre

o autista e o outro, ambos compreendidos como sujeitos.Sob as idéias de Vigotski, são percebidas as intenções de

uma concepção de linguagem que releve os diversos sentidos queuma determinada palavra pode encontrar na amplitude entre o

verbal e não-verbal, em que o movimento de elaboração dopsiquismo humano seja prioridade aos condicionamentos

institucionais. Isso propiciaria o desenvolvimento de uma propostapedagógica não-reducionista do potencial da criança autista e que

se afasta dos atendimentos de origem behaviorista e da acentuaçãode maneirismos produzidos pelas atuações mecanicistas,

centradas no estímulo-resposta dos diversos profissionais que seencontram ao lado desta criança, pois a linguagem deve ser como

um espaço que recobra o indivíduo, enquanto sujeito, como serhistórico e social.

Tendo em vista a importância da linguagem, cabe aqui colocarmos a razão de

sermos seres sociais. As características do ser humano se desenvolvem no meio em

que se desencadeia a vida do próprio homem, como ocorria nos povos primitivos e

ainda hoje, mesmo considerando a evolução do próprio cérebro, no propósito de

solucionar questões mais complexas. Logo, a linguagem tem, mais uma vez, seu

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papel memorável, já que a comunicação por meio dela e da emoção é um

componente essencial para a evolução e adaptação do homem.

Então, mesmo que o autismo possa gerar alterações temporárias ou

permanentes e que, em decorrência dele, possam surgir incapacidades refletidas no

desempenho e na atividade funcional da pessoa, os quais implicarão em

desvantagens para sua adaptação e interação com a sociedade, é possível haver

possibilidades de compensação para se conseguir um desenvolvimento psicológico

mais significativo, nos casos de deficiência e suas conseqüências. Tal compensação

depende da existência de relações sociais e das mediações semióticas que tornam

possível vencer os déficits.

La peculiaridad positiva de niño con deficiencias también se origina,en primer lugar, no porque en el desaparecen unas u otras funcionesobservadas en un niño normal, sino porque esta desaparición de lafunciones hace que surjan nuevas fomarciones que representan, ensu unidad, una reacción de la personalidad ante la deficiencia, lacompensación en el proceso de desarrollo. Si un niño ciego o sordoalcanza en el desarrollo lo mismo que un niño normal, entonces losniños con deficiencia lo alcanzan de un modo diferente, por otra vía,con otros medios y para el pedagogo es muy importante conocer lapeculiaridad de la vía por la cual el debe conducir al niño. La ley de latransformación del menos de la deficiencia en el más de lacompensación proporciona la clave para llegar a esa peculiaridad.(VIGOTSKY, 1989:7)

Da mesma forma, no que diz respeito à competência social – e isso inclui a

contribuição de todo o cérebro em específico – segundo pesquisas atuais, o

cerebelo, que recebe e coordena constantemente informações visuais, auditivas e

somatossensoriais, também parece coordenar alguns processos mentais como a

cognição e a atenção, implicando o funcionamento e desenvolvimento do

comportamento social, inclusive como mediador na cognição. Tal como nos mostra a

revisão da literatura acerca do autismo, crianças com a síndrome apresentam

alterações diversas no cerebelo. Esse fato pode ser constatado nos estudos de

Courchesne:

Eric Courchesne produziu um estudo em que sujeitos olham parauma tela de computador contendo duas caixas quadrangularesvazias com um X entre elas. Os sujeitos eram solicitados a fixar avista no X e a apertar um botão assim que vissem que uma luz tinhasido acesa em uma das caixas. Tanto os pacientes autistas quanto

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os cerebelares levaram muito mais tempo para registrar a luz do queos sujeitos normais. A lição é que os autistas e os portadores delesão cerebelar são mais lentos em captar e reagir a novos estímulosno meio ambiente, o que torna obviamente mais difícil para elesadministrarem interações sociais, as quais são caracterizadas pelaconstante variação de estímulos. Ele também apurou que enquanto obebê normal pode deslocar sua atenção do nariz para um olho ouboca da mãe ou do pai numa fração de segundo, o bebê autistanecessitará de até cinco ou seis segundos para fazer essastransferências. Quando nos imaginamos na posição do bebê autista,o autismo adquire mais lógica: se são precisos cinco a seis segundospara transferir o olhar do nariz do pai para os seus olhos, o rostopaterno não será visto como uma imagem coesa. O que se verá sãopartes díspares de um rosto que não se combinam, na memória, numtodo significativo. Serão armazenadas, simplesmente, comofragmentos de rosto. (...) Autópsias de pessoas autistas mostram quequase todos eles tinham malformações cerebelares e que havia umasignificativa perda de neurônios de Purkinje, os quais fornecem oúnico caminho para as informações que deixam no cerebelo. Aincapacidade para coordenar funções cognitivas fundamentaispoderia estar na base das deficiências comportamentais e sociais doautismo: memória irregular, insistência na uniformidade, noscomportamentos repetitivos, entre outras. Essas deficiênciaspoderiam também criar um mundo caótico, incoerente (RATEY, op.cit., p. 338-339).

Os casos aqui apresentados são relatos de autistas produtivos que

mencionavam sua incapacidade de ver um objeto por inteiro ou como um todo de

uma só vez. Ele poderia ver um galho, porém não uma árvore inteira de forma coesa

e espontânea. Obviamente, tal incapacidade de transferência de atenção agrava a

habilidade em iniciar e manter relações sociais, pois a informação social acaba por

se dissipar, devido à sua incapacidade de coordenar a atenção o que afetaria,

inclusive, o desenvolvimento da linguagem.

Entretanto, de acordo com Vigotsky (1989: 32-33)

La educación de los niños con diferentes defectos debe basarse enel hecho de que simultáneamente con el defecto estén dadastambién las tendencias psicológicas de una dirección opuesta; esténdadas las posibilidades de compensación para vencer el defecto y deque precisamente esas posibilidades se presentan en primer planoen el desarrollo del niño y deben ser incluidas en el procesoeducativo como su fuerza motriz. Estructurar todo el procesoeducativo según la línea de las tendencias naturales a lasupercompensación, significa no atenuar las dificultades que surgendel defecto, sino tensar todas las fuerzas para su compensación,presentar solo las tareas y en un orden que respondan al caráctergradual del proceso de formación de toda la personalidad bajo unnuevo punto de vista.

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No caso de pessoas com autismo, numa perspectiva de desenvolvimento e educação

tradicional centrada na doença ou nos sintomas, as condições normalmente encontradas envolvem

dificuldades de aprendizagem, interação e comunicação, gerando certa complexidade no que se

refere ao trabalho a ser realizado pelo educador. Porém, mesmo em tais circunstâncias, na

perspectiva da abordagem histórico-cultural, espera-se um salto a ser dado por esse indivíduo, a

partir do contexto de relações pessoais, das atitudes possibilitadas e envolventes do educador e da

ação mediadora dos signos.

A linguagem, portanto, para nós, enquanto atividade da espécie humana, pode ser

compreendida como qualquer sistema de signos encontrados na comunicação recíproca social para

dar a entender, a conhecer e a tornar comuns representações mentais concretas ou abstratas e

sentimentos que podem ser entendidos como conservados em nossa consciência, tendo-se em conta

que essa se constrói historicamente, nas relações sociais do indivíduo em seu ambiente cultural. Na

abordagem histórico-cultural encontramos um entendimento mais amplo e de expressiva clareza

sobre a dialética do interior e do exterior, a partir da interação verbal como mediadora.

Levando-se em conta os problemas encontrados na interação social, na

produção do significado das pessoas com autismo e a ação do cérebro em tratar as

imagens como informação visual, defendemos que os Sistemas Suplementares

Alternativos de Comunicação são de valia no tratamento terapêutico, e o trabalho

pedagógico junto ao autista, devido aos recursos compensatórios que informações

visuais32 pode mobilizar de forma mais eficiente que as auditivas.

Nessa perspectiva, o nosso objetivo é o desenvolvimento da linguagem da

criança autista como atividade constitutiva do sujeito, a partir da mediação exercida

pelo professor, numa perspectiva não reduzida à simples troca de informações ou

comunicação mecanizada, mas em situações dialógicas com significado cultural.

Cremos num trabalho educativo a partir da relação com o outro, em busca da

construção deste sujeito imerso na cultura de uma sociedade que, através da

mediação pelo outro, por meio da linguagem, proporcione à criança autista ser

reconhecida como sujeito que também interage, dentro de suas possibilidades e dos

recursos utilizados.

O aluno com autismo é um ser

humano que deve ser respeitado em seus

limites. Assim sendo, a linguagem adentra

todas as áreas de seu desenvolvimento,

32 Cf. Ritvo (1976).

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orientando sua percepção sobre todas as

coisas e o mundo no qual está inserido. É

pela linguagem que o aluno com autismo,

em seu processo de aprendizagem,

sofrerá transformações em seu campo de

atenção, aprendendo a diferenciar um

determinado objeto de outros existentes,

assim como a construir ferramentas

internas para integrar estas informações.

Pela linguagem, também modificará seus

processos de memória, deixando de ser

engessado por uma ação mecânica de

memorização, o que facilitará o

desenvolvimento de uma atividade

consciente que organiza o que deve ser

lembrado. A linguagem proporcionará ao

aluno com autismo maior qualidade em

seu processo de desenvolvimento da

imaginação, ação essa, em geral, tão

comprometida em pessoas com a

síndrome. Igualmente, serão constituídas

de maneira concreta e contextual as

formas de pensamento que terão maior

generalização em seu cotidiano, a partir

das experiências vivenciadas nas relações

sociais de onde os conceitos são

formulados.

O professor que trabalha junto a seu aluno

com autismo, na perspectiva do

desenvolvimento da linguagem, contribuirá

como agente de mediações para a

reconstituição e a melhora da vivência

emocional de seu aluno para que seu ser,

muitas vezes revelado em suas ações,

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transcenda as reações afetivas imediatas

para outras mais duradouras.

Semelhantemente, a linguagem

contribuirá para a compreensão e

estabelecimento de regras que são

formuladas nas relações com o outro, no

contexto real e natural e por meio do

diálogo.

Sob uma metodologia de ensino, fundamentada na perspectiva do

desenvolvimento da linguagem, o aluno com autismo passa a ser compreendido de

uma outra forma, e isso implica ações diferenciadas por parte dos professores que

também se transformam a partir de novos princípios que regem seu papel de

agentes de mediação. Deste modo, instrumentos utilizados no processo de ensino e

de aprendizagem desse aluno, tal como a CSA, também devem sofrer modificações

em sua utilização, pois serão determinantes nesse processo, como instrumentos

inseridos no contexto onde as relações sociais e a aprendizagem significativa

acontecem.

Procuramos, neste capítulo, retratar a pessoa com autismo no contexto da

Educação Especial e sua trajetória, enquanto aluno passivo, em uma educação

submersa por longo período nas concepções fundamentadas no behaviorismo, as

quais também influíram consideravelmente no que se refere ao diagnóstico,

tratamento e educação de pessoas com autismo, baseados em fatores biológicos

condicionados aos sintomas próprios da síndrome do autismo.

Apresentamos o programa TEACCH como método de tratamento terapêutico

e educacional aceito nas instituições especializadas para autistas, tendo como base

a abordagem comportamental, fazendo uso da CSA como instrumento fundamental

para intervir na modificação do comportamento do aluno, numa perspectiva estímulo

- resposta.

Abordamos a teoria histórico-cultural de Vigotski e a tomamos como nosso

referencial teórico, por acreditar que a constituição do sujeito não é determinada

somente por fatores biológicos. Igualmente, não concebemos a pessoa com autismo

como a representação de uma máquina, nem tão-somente como um organismo, mas

sim como um sujeito social que se constrói nas relações sociais, culturais e

históricas por meio da mediação de um outro sujeito e dos signos existentes nessa

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mediação. Nessa perspectiva teórica, a linguagem exerce papel e função inigualável,

concebendo o ser humano como um ser eminentemente simbólico, sendo a

linguagem a responsável pelo processo de mudança de funções psicológicas

interpessoal em intramental, constituindo, assim, o pensamento, a consciência e as

outras funções psíquicas superiores, próprias da espécie humana.No próximo capítulo, trataremos a respeito da metodologia utilizada, apresentando os sujeitos

da pesquisa e o processo educativo, usando a CSA para o desenvolvimento da linguagem de alunos

com autismo, processo este orientado sob a perspectiva histórico-cultural.

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CAPÍTULO 3DA AÇÃO À PESQUISA

"Esta tarefa educativa é provavelmente a experiênciamais comovedora e radical que pode ter o professor.Esta relação põe à prova, mais do que nenhuma outra,os recursos e as habilidades do educador. Como ajudaraos autistas a aproximarem-se de um mundo designificados e de relações humanas significativas? Quemeios podemos empregar para ajudá-los acomunicarem-se, atrair sua atenção e interesse pelomundo das pessoas para retirá-los do seu mundoritualizado, inflexível e fechado em si mesmo?"

Angel Rivière

A lei geral do desenvolvimento humano define oindivíduo a partir das relações interpessoais, econsidera que o processo de transformação das funçõesmentais requer uma reconstrução interna da açãopsicológica por meio das operações com signos e, apartir dessa definição, podemos dizer que odesenvolvimento do indivíduo é um processo mediado deforma semiótica. Tomamos, então, tais pressupostos daabordagem histórico-cultural, por entender a culturacomo construída historicamente em cada grupo social; alinguagem como constitutiva do sujeito e sua história,e a mediação como ação intencional entre o sujeito e oobjeto.

Compreendemos o processo educativo das criançascom autismo como fundamentado nas relações sociais ena construção de significados culturalmenteconvencionais, tomando a Comunicação Suplementar e/ouAlternativa (CSA) como um apoio para a construção designos no desenvolvimento da linguagem, o que lhefacilita a promoção do desenvolvimento escolar.Complementando, entendemos como implícita à linguagema capacidade de expressar sentimentos, desejos, de sefazer entender e de compreender por meio decomunicação verbal e/ou não verbal.

Nossa investigação se caracteriza como umapesquisa colaborativa que se desenvolve junto àscrianças com autismo, numa escola de educação especial

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no interior do estado de São Paulo, de onde emergiram,de forma empírica, os nossos relatos. Esses relatos,dos quais faremos uso em nossa pesquisa, resultam doprocesso de implantação de um programa de intervençãoeducacional na proposta pedagógica de trabalho, juntoaos alunos com autismo da referida escola, e que emnada foi adaptado para fins desta investigação.

A fim de contextualizar o início e odesenvolvimento da pesquisa, situamos osacontecimentos descritos abaixo.

3.1. A colaboração – alterando a proposta deatendimento educacional para alunos com autismo

A escola, localizada na zona rural de uma cidadedo interior do Estado de São Paulo, atende a 130pessoas com deficiência mental, entre crianças,adolescentes, jovens, adultos e idosos, variando de 0a 80 anos de idade. A escola oferece educaçãoinfantil, séries iniciais do ensino fundamental,educação de jovens e adultos, além de oficinas detrabalho terapêutico e profissionalizante. Oferece,também, atendimento terapêutico nas seguintes áreas:fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, serviçosocial e terapia ocupacional. O local conta com umamplo espaço de área verde, piscina, campo de futebole parque com brinquedos diversos. Possui, também, umsalão com TV, vídeo- cassete e som, onde os alunos têmacesso a diversas atividades.

No ano de 1997, fomos trabalhar nessa escola emum cargo administrativo. Aos poucos, fomos conhecendoo trabalho pedagógico ali desenvolvido, até que um dianos deparamos com três alunos, ainda crianças, comcomportamentos diferentes dos demais33 e cujainvestigação diagnóstica realizada pelosprofissionais34 da saúde estava incompleta.

Não tínhamos contato direto com esses alunos, masobservávamos que eram mantidos separados do contatocom os demais alunos da escola, tendo apenas umprofessor com quem mantinham contato. Em conversas coma Diretora da escola soubemos que os três alunostinham um diagnóstico ainda não concluído, porém, coma hipótese de autismo, em razão do comportamentoapresentado.

33 A maioria dos alunos são deficientes mentais. Alguns com síndrome de Down, deficiência auditiva evisual. Outros são alunos com paralisia cerebral.34 Os profissionais da saúde compunham a equipe técnica da escola. Os professores não faziamparte das avaliações diagnósticas realizadas.

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No ano seguinte, notamos que outros alunos tinhamcomportamentos muito parecido com aqueles três equestionamos a Direção da escola, que nos deu aberturapara discutirmos o assunto com os demaisprofissionais. Esses alunos eram agrupados com outroscom deficiência mental e pouco se esperava deles.

Para nós, não parecia correto que tais alunosestivessem sempre separados dos demais estudantes daescola. Essa separação acontecia na hora da entrada eda saída da escola, durante o intervalo, refeições eoutras recreações. Isto porque se acreditava que, porsupostamente terem a síndrome do autismo, poderiam seracometidos de surtos indesejáveis. No entanto, porfracassarmos em demonstrar que a forma de tratá-lospoderia ser diferente, no ano de 1999 resolvemosestudar sobre o autismo para conhecer melhor asíndrome e suas características. Com a permissão daDireção da escola tivemos a oportunidade de realizarconversas e estudos com os professores desses alunos,mesmo sem o envolvimento dos profissionais da saúdeque os atendiam.

Agora já não eram mais apenas três crianças esim nove alunos na instituição com os mesmoscomportamentos. Sugerimos à direção da escola que, emconjunto com a equipe multidisciplinar, fosselevantado o diagnóstico completo desses alunos. Nãohavendo a participação dos profissionais da própriainstituição, convidamos uma psicóloga de uma outrainstituição, e que se dedicava ao estudo do autismo,para efetuar parte da avaliação diagnóstica. Algunsdos alunos que tiveram seus comportamentos compatíveiscom os descritos na CID 10 e no DSM IV para odiagnóstico desta síndrome foram encaminhados aodepartamento de genética da Unicamp para averiguaroutras condições associadas à síndrome.

Após essas avaliações, conversamos com os paisdos alunos e comunicamos que haveria algumasmodificações no trabalho realizado com seus filhos naescola. Iniciamos as alterações no atendimento dosalunos com autismo, começando pela abordagem detrabalho pedagógico dos professores.

No início do ano 2000, passamos a realizarreuniões semanais com os professores, aos quaisapresentamos uma proposta de trabalho baseada namediação nas relações sociais. Explicamos que osalunos não seriam privados socialmente do contato como outro, tal como vinha acontecendo até então, e alinguagem teria lugar de destaque no procedimento.Trabalhamos com as cinco professoras por um período de

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dez meses35. Durante esse período, proporcionamosorientações teórico-práticas dentro e fora da sala deaula, conhecimentos científicos sobre a síndrome doautismo, identificamos as características peculiaresde cada um dos alunos e seu contexto sócio-histórico.Realizamos, em conjunto, leituras e participamos dediscussões sobre a nova abordagem que estava sendocontemplada na prática pedagógica e o porquê de suaescolha.

Apresentamos, também, a CSA como uma ferramentade apoio no trabalho com os alunos autistas, tendo emvista a possibilidade de facilitar seu processo dedesenvolvimento da linguagem. A ferramenta tambémpossibilitaria maior aproximação entre os professorese seus alunos, por meio dos símbolos visuais querepresentavam objetos e situações na maioria das vezesnão expressados verbalmente pelos alunos ou nãocompreendida por eles na fala de seus professores. Noentanto, a CSA não seria trabalhada da maneira como osprofessores a conheciam de outras instituições. Elanão seria o eixo do processo de ensino e aprendizagem,em processos de treino associativo de figura palavra,como acontece no programa TEACCH que usa ocondicionamento do comportamento. separei

A CSA seria um instrumento inserido no contextode existência cultural das relações sociais em que alinguagem e a mediação semiótica estariam presentes,tendo nelas a fundamentação de toda aquisição deconhecimentos escolares ou práticos. Assim, a CSA foiinserida paulatinamente no contexto escolar.Escolhemos um dos Sistemas Suplementares e ouAlternativos de Comunicação, o Picture CommunicationSymbols (PCS) / Sistema Pictográfico de Comunicação,em razão da variedade de figuras dispostas em softwarena forma colorida e em branco e preto.

No caso de alunos autistas, à sua condição de ser humano com necessidades especiais,

ainda são somadas outras necessidades reclamadas pela síndrome, as quais dificultam ainda mais o

seu desenvolvimento pleno. Para tanto, foi preciso nos cercarmos de uma metodologia de trabalho

minuciosa no tocante aos objetivos que desejávamos alcançar com cada um dos alunos.

Tínhamos, como meta, a educação daqueles alunos a partir de sua inserção em contextos

culturais e sociais, até então não ocorrida na escola devido à concepção dos profissionais centrada

na deficiência, incapacidade e desvantagem desencadeada pelo autismo. Porém, para colocarmos

em prática essa metodologia, foi necessário construir junto com as professoras o conceito de

mediação, para que mudanças de atitude fossem ocorrendo no trabalho pedagógico com os alunos.

Desta forma, esperávamos que as professoras se modificassem na maneira de conceber o

aluno com autismo para, então, serem capazes de compreendê-los e conseguirem desenvolver

35 Ano letivo de 2000.

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trabalhos pedagógicos voltados para o progresso da aprendizagem de cada um. Nessa perspectiva, a

CSA foi utilizada para o favorecimento da constituição da linguagem dos alunos com autismo. Ela foi

inserida em todos os contextos reais e típicos dos ambientes sociais escolares onde a linguagem oral

normalmente está presente acrescentando oportunidades e possibilidades para o desenvolvimento

dessa modalidade da linguagem.

O professor, como um agente na mediação entre o aluno, os conhecimentos (objetos) e os

contextos (ambiente escolar), também mediava o contato do aluno com o símbolo representativo do

conhecimento em questão, dentro do contexto em que estavam inseridos; dessa forma, os símbolos

do PCS tinham uma presença generalizada e sempre em uma condição de ser acompanhada de

linguagem. Fazendo uso do PCS como um instrumento que possibilitava melhor compreensão e

reconhecimento por parte do aluno, o professor também explorava as cores presentes no símbolo e

no ambiente, bem como os objetos representados e os objetos existentes no próprio ambiente,

sempre produzindo diálogos (verbais e não-verbais), manifestações de comportamentos sociais

presentes na vida do ser humano (carinho, toque, expressão de sentimentos e desejos).

O contexto e as atividades pedagógicas não limitavam o uso da CSA, da mesma forma que

esta não limitava o desenvolvimento das atividades propostas, nem tampouco o desenvolvimento das

relações sociais e da linguagem entre eles; buscávamos inserir o PCS sempre que necessário, de

forma natural, sem o estabelecimento de rotinas inflexíveis e sem a repetição contínua de um mesmo

símbolo visando à sua memorização. A utilização do PCS para o professor e para o aluno estava

justamente na forma natural e processual com que o ensino e a aprendizagem ocorriam, tornando

possível o reconhecimento e o aproveitamento do potencial que o aluno com autismo tem de

compreender melhor por meio da capacidade de visualizar o real e concreto.

Dada à organização do PCS em diversos temas, era prático para as professoras

selecionarem os símbolo que desejavam obter. Logo, toda vez que o contexto nos quais esses

símbolos estavam inseridos e que o conhecimento explorado solicitava um novo símbolo

representativo, a professora indicava o que lhe seria apropriado. Então, este era impresso no

tamanho e nas cores desejadas. Como os símbolos eram sempre manuseados pelos alunos, todos

eram plastificados, para sua maior durabilidade.

Dessa forma, trabalhamos o conceito de mediação em nossas reuniões com os professores e

nas orientações em sala de aula, relevando e construindo com eles os aspectos inerentes a uma

ação mediadora que fosse capaz de produzir sentido.

Durante a efetivação das mudanças a seremrealizadas, as professoras foram personagensimportantes ao sustentar a função interpessoal comalunos que eram pouco ou nada interativos com aspessoas. Elas, então, intervinham nas situaçõesdiversas junto aos alunos, com o objetivo e a intençãode construir condições de mediação, adaptando-as àsnecessidades de cada sujeito, interferindo no contextoe, simultaneamente, se atendo de forma atenciosa, aoque estava acontecendo.

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Durante o processo de se realizar uma propostapedagógica diferenciada para a educação de alunos comautismo, foram desencadeados sentimentos de dúvida arespeito de sua eficácia na vida dos alunos, receiosvoltados para possibilidades de surtos, afirmaçõescontrárias à capacidade potencial desses alunos,preocupação com custos financeiros, conflitosprofissionais, insegurança de pais e educadores. Todavia, entendemos que permitir o isolamentodesses alunos do restante da escola, acentuar anecessidade de rotina, comportar-se mecanicamente comeles, contribuiria para que as características dadascomo inerentes à síndrome do autismo se confirmassem ese agravassem ainda mais. Deste modo, o desafio foiaceito e o processo de conscientização da necessidadede mudança teve seu início. Procuramos, em um primeiro momento, conversarcom as educadoras e debater com elas as razõesmotivadoras para a construção de uma nova forma detrabalhar com os alunos autistas. Vimos a necessidadede uma ancoragem teórica que desse suporte às açõescom o aluno na sala de aula e segurança nesse agir.Recorremos, então, a uma abordagem que se centrasse noaprender, a partir das relações com o outro e por meioda mediação do professor. A escolha por essa linha de pensamento e detrabalho educacional decorreu da postura filosófica devida que ela exige, sendo um referencial que provocareflexão e transformação nas ações do professor apartir das experiências que vão sendo vivenciadasjunto aos alunos. Outro motivo de sua escolha foi aliberdade para que o professor fosse ele mesmo, sem aimposição de regras preestabelecidas e mecanizadas,distanciadas da realidade vigente e sem "receitas"prontas sobre como trabalhar com o aluno. O suporte didático firmado com a equipedocente na mediação do processo de ensino eaprendizagem ia no sentido de também realizar oobjetivo proposto de valorizar a prática docente, poistais critérios proporcionam êxito nas ações com osalunos, por meio da incitação do professor pararefletir sobre seus atos, sem ferir as característicasindividuais de cada aluno.

Quando iniciamos a proposta de uma nova forma dese trabalhar com estes alunos, tínhamos comosujeitos36:

36 Alguns meses depois de termos iniciado a nova proposta de trabalho os alunos Dani e Rogersaíram da escola por irem viver em outra cidade. Para fins desta pesquisa, ambos fizeram parte delamesma, porém concluímos a pesquisa com seis alunos.

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- 3 alunos não-verbais com um quadrosintomático que sugeria o diagnóstico deautismo, porém, ainda não avaliados pordiagnóstico apropriado. Eles freqüentavamuma mesma sala de aula sem terem contato comos demais alunos ou professores da escola,devido ao comportamento hiperativo, e pelafalta de compreensão apresentada diante dasnormas e rotinas escolares.

- 5 alunos com diagnóstico de deficiênciamental, hiperatividade, síndrome de Down eparalisia cerebral. Freqüentavam classesdistintas, de acordo com a idade cronológicae proximidade patológica.

Encontramos, nesses casos37, fatores genéticos, hereditários, perinatais e

decursivos de outras condições clínicas associadas ao autismo. Tal como é descrito

nas literaturas, prevalece a síndrome, em maior número, nos indivíduos do sexo

masculino, sendo essa amostra de dois para o sexo feminino e seis para o

masculino. As avaliações diagnósticas foram realizadas por equipe multiprofissional

constituída por: psicólogo, fisioterapeuta, pedagogo, médico geneticista, neurologista

e pediatra.

Após o levantamento diagnóstico dos alunos, passamos a realizar reuniões

semanais com as cinco professoras. Nesses encontros, discutíamos cada um dos

casos de forma detalhada e estudávamos a síndrome do autismo bem como as

condições clínicas a ele associadas, para que os professores conhecessem as

características que delineavam o perfil de seus alunos, as quais faziam a diferença

no momento do trabalho em sala de aula. Conversávamos a respeito de uma nova

forma de atuar em sala de aula, dentro de uma prática pedagógica que valorizasse

cada um dos alunos e os levasse a aprender a conhecer o mundo no qual estavam

inseridos.

Até então, os oito alunos se encontravam completamente isolados das

relações sociais com outros alunos e professores. Entendemos por “isolamento” uma

tendência comportamental, inerente ao próprio quadro sintomático da síndrome, de

evitar o contato físico e social com outras pessoas. A esse isolamento, somava-se a

ação de isolar, advinda dos professores e dos outros alunos que, em razão de

ausência de informações a respeito do autismo, acabavam por se afastar ou evitar

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tanto o contato social e, como conseqüência, também se evitava o contato físico

com eles. Então, esses alunos não participavam de atividades recreativas, festivas

ou passeios junto com seus colegas.

Os alunos Luca, Ana, Marco, Rodrigo, Renato, Dani, Thiago e Roger38 se

encontravam isolados por motivo de comportamento hiperativo, não-verbalização,

agressividade e ausência significativa de compreensão de ordens simples. Não eram

aceitos no grupo, por manifestarem atitudes fora das desejáveis; assim, tanto

professores como outros alunos se mostravam com medo, receio e sem saber o que

fazer diante deles. A maioria dos profissionais cria que eles não compreendiam nada

do que acontecia ao seu redor, nem tampouco teriam a capacidade de desenvolver

comportamentos e aprendizagem significantes.

Diante da nova proposta, os alunos Luca, Marco e Rodrigo39 foram agrupados

numa classe com uma criança com visão subnormal. Eles passaram a ser

trabalhados com atividades pedagógicas, pela professora, a partir da mediação nas

relações entre si, com os objetos no ambiente e com os demais alunos da escola

nos horários de entrada, atividades no parque e almoço. A aceitação da professora e

dos demais colegas foi sendo construída nas relações dentro de um processo lento,

mas constante. O refeitório foi de grande importância nesse processo para os alunos

Luca e Marco, pois ali entravam em contato com os demais e aprendiam a se

comportar à mesa, a aprender a tolerância em meio aos outros, com a intervenção

de professores de outras classes que, pouco a pouco, foram se envolvendo em

algumas atividades. Rodrigo, muito comprometido pela síndrome da Hipomelanose

de Ito, pôde experimentar maior atenção tanto por alguns colegas jovens que

percebiam quando sua ajuda poderia ser bem vinda, como também pelo novo

professor que o conhecia e que, mediante seu perfil, havia traçado metas a serem

alcançadas.

Os alunos Ana e Renato permaneceram juntos, pois estavam matriculados no

período da tarde e, por isso, não tinham uma classe com alunos da mesma idade40

onde pudessem ser agrupados. No entanto, participavam de algumas atividades

37 Anexo 4 - Descrição dos casos e seu quadro diagnóstico.38 Os nomes aqui mencionados são fictícios a fim de preservarmos a identidade dos alunos.39 A escola tinha muitas dificuldades referentes a forma e local de realizar o agrupamento dos alunos.Isto em razão de falta de espaço por um lado e classes cheias por outro. Os alunos foram agrupadoscom outro com visão subnormal, tendo em vista que este último se mostrava dinâmico e oralizava.40 No período da tarde funcionavam as classes de alfabetização para jovens e adultos.

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com os demais e passaram a freqüentar o refeitório no mesmo horário que eles, bem

como ir ao parque, piscina, bosque.

Roger, Dani e Thiago ficaram juntos num primeiro momento, até que fosse

possível rever seu agrupamento. Porém, meses depois, Roger e Dani mudaram de

escola e Thiago, que sempre necessitava ter alguém que ficasse apenas com ele

devido à sua auto-agressividade, passou a freqüentar uma outra classe, onde

estavam dois alunos com deficiência mental.

Ao término de cada semestre, os professores também realizavam uma

avaliação pedagógica41 de caráter global com cada aluno, com a finalidade de

avaliarmos de maneira objetiva sua evolução a partir dos registros realizados pelas

professoras.

Criamos uma avaliação formal constituída de itens relacionados aos critérios

da CID-10 e do DSM-V para o diagnóstico do autismo. Recordamos que tais critérios

costumam identificar, de maneira engessada, as limitações da pessoa com autismo

e, por isso, pensamos, naquela época, que seria a melhor forma de avaliá-los com o

objetivo de superarmos tais dificuldades.

Tal objetivo, entretanto, não era medir o progresso dos alunos, mas verificar

os objetivos propostos alcançados, ao lado de outros que necessitavam de maior

atenção e alterações na estratégia de trabalho. Para tanto, foi preciso trabalhar com

uma escala que possibilitasse tal verificação, contemplando uma legenda com

contextos em que se encontravam os alunos e seus respectivos valores. Os

contextos se referiam a situações específicas que eram trabalhadas pelos

professores no ambiente escolar, enfocando as relações sociais como meio de

aprendizagem e mediação nesse processo de ensino e aprendizagem. A legenda

apresentava a seguinte composição:

- Preocupante: quando o aluno se encontramuito aquém de um desenvolvimentosatisfatório, sendo necessário um trabalhoefetivo por parte dos profissionais. Muitasvezes, pode ser algo relacionado ao quadrosintomático/ síndrome que transcende o queo profissional pode fazer. O valorestipulado em pontos é 0 (zero).

- Deficitário: embora o aluno se encontre numcontexto de prejuízo qualitativo em seu

41 Anexo 5 - Avaliação pedagógica do aluno.

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desenvolvimento, apresenta alguns indíciosde evolução que necessitam ser trabalhadospermanentemente pelo profissional. O valorreferente a esse contexto é 1 ponto.

- Emergente: o aluno se encontra em contextode desenvolvimento e evolução próximo aoesperado, apresentando sinais visíveis paraserem trabalhados cuidadosamente peloprofissional. Valor referente a 2 pontos.

- Satisfatório: o aluno se encontra numdesenvolvimento satisfatório em relação aosobjetivos propostos, apresentandocapacidade de agir de maneira aceitável naespecificidade avaliada. A esse contexto ovalor colocado é de 3 pontos.

- Excelente: o aluno apresenta qualidade noque está sendo avaliado, tendo alcançado osobjetivos propostos. Valor determinado de 4pontos.

Recordamos que essa avaliação pedagógica foiformulada, não em razão de nossa pesquisa, mas nocontexto da escola especial, pois era necessárioverificar o desenvolvimento dos alunos de formadetalhada, principalmente nos aspectos específicos emque a sintomática da síndrome costuma causarcomprometimentos como uma exigência própria. Contudo,fizemos proveito desses dados obtidos com o propósitode levantar alguns indícios sobre a contribuição daCSA, na perspectiva do desenvolvimento da linguagem eescolar.

A avaliação com os alunos contemplou os seguintesaspectos abaixo relacionados:

- A relação com a família do aluno: questões queabordam o relacionamento e o compromisso dafamília com a escola; os cuidados relacionadosao próprio filho no que diz respeito aosaspectos pessoais e farmacológicos.

- O comportamento geral: contemplam umadiversidade de ações e capacidades a seremavaliadas no aluno. São aspectos específicos derelevância a serem observados, trabalhados eanalisados, já que o quadro sintomático doautismo desencadeia involução e estereotipiasresponsáveis por grandes transtornos nocomportamento geral.

- A interpessoalidade: refere-se a ações que seefetuam, necessariamente, entre duas ou mais

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pessoas. A interpessoalidade, totalmenterelacionada à interação social, é uma dascapacidades mais afetadas pelo autismo. Seucomprometimento origina a tendência aoisolamento. Para nós, o seu desenvolvimentopossibilita e determina melhoria na qualidadede vida da pessoa com autismo.

- A linguagem/compreensão: em razão da expressivaausência de significação dos contextos, ações eobjetos para a pessoa com autismo, odesenvolvimento da linguagem, no que dizrespeito à capacidade de compreender o que estáao meu redor e ao que o outro me diz das maisdiversas maneiras formas de expressão, éseriamente agravada. Este aspecto é avaliado apartir de situações do cotidiano dos alunosreferentes à sua compreensão nas relaçõessociais estabelecidas.

- A linguagem/emissão: similar à categoriaanterior, o aluno é avaliado na sua capacidadede responder ao outro a partir das diversasformas de expressão por ele desenvolvida. Aimportância de sua observação se dá pelo usoestereotipado de chamar a atenção ou até mesmopelo modo de se comportar diante das situações,o que é muito comum a indivíduos com asíndrome.

- As atividades de vida prática e diária: estacategoria diz respeito a atividades realizadaspelos alunos, relativas ao seu cotidiano, quesão avaliadas de maneira específica econdizente com o ambiente escolar, emboraalgumas das questões abranjam a própria vida doaluno como um todo.

- O desenvolvimento cognitivo: relativo acapacidades e habilidades desenvolvidas noespaço escolar, de característica acadêmica.

- O desenvolvimento perceptivo-motor: refere-seao desenvolvimento de capacidades motorasglobais, coordenação motora fina, capacidadesperceptivo-auditivas, visuais, tácticos e dereconhecimento do esquema corporal. Arelevância dessa categoria de análise se deve àimportância do desenvolvimento do domínio dosmovimentos por parte da criança, pois esses lheproporcionam o desenvolvimento da autonomialocomotora que se encontra implícita em suasexperiências de socialização.

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- A alimentação: pelo motivo de a hora destinadaàs refeições fornecer momentos relevantes emnosso trabalho junto aos alunos, destacamosalgumas especificidades que necessitavam serobservadas no contexto do ambiente escolar eque eram apreendidas conforme a experiênciavivenciada com os demais colegas, pela açãomediadora do professor.

A avaliação pedagógica feita com os alunos comautismo constituiu-se de itens específicos que, decerta forma, nos auxiliavam a registrar e mensurar odesenvolvimento dos alunos, a partir de sua entrada naescola, priorizando ações e ambientes antes nãoexperimentados por eles, tendo o professor como seumediador e a interação social como o ponto de partidapara toda a aprendizagem.

A avaliação, representada posteriormente em formade gráficos42, também auxiliava o professor a melhorvisualizar o processo pelo qual seu aluno estavapassando em termos de aprendizagem e desenvolvimentoglobal, já que, por ser um processo lento, muitasvezes o professor tinha a impressão de que seu alunonão havia apresentado qualquer evolução. Por outrolado, também trabalhavam com o desapontamento por nãoatingirem os objetivos almejados em determinadasatividades ou, com relação a dois alunos, perceberemque os mesmos não respondiam a nenhum dos aspectostrabalhados.

3.2. Configurando a pesquisa

Nossa pesquisa enfoca um, dentre os elementos queestiveram presentes no processo de alteração daproposta pedagógica da escola mencionada em seutrabalho com alunos autistas. Esse foco recaiu nautilização da Comunicação Suplementar Alternativa,inserida no contexto escolar, na relação professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem.

O contexto escolar envolvia, no eixo dodesenvolvimento da linguagem, a necessidade de tornaro conhecimento escolar claro e objetivo junto aosalunos, sempre apontando para a construção designificados por meio de situações reais e concretas,simbolicamente representada por figuras, explorando a

42 Anexo 6 - Avaliação Pedagógicado Período de 2000 a 2004:representação gráfica.

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capacidade visual dos alunos, tendo como norte aperspectiva do desenvolvimento da linguagem dentro daqual a significação é produzida.

A utilização da CSA para a construção do signo tendo em vista o

desenvolvimento da linguagem foi inserida nas diversas situações do ambiente

escolar, e de acordo com as necessidades de cada aluno. Este recurso não foi o

único eixo no trabalho pedagógico (os objetivos curriculares da educação escolar

também estiveram presentes), embora o seja para esta pesquisa, cujo objetivo é

verificar se a CSA, no processo de educação de alunos com autismo, pode se

constituir como apoio na construção de signos e no desenvolvimento da linguagem.

Seria a CSA um recurso que possibilita aelevação da ação do sujeito, no caso, os alunos comautismo, do contexto simbólico por meio da capacidadevisual para desenvolver os signos verbais, mediante aação mediadora do professor em situações em que asrelações sociais são privilegiadas e culturalmentesignificativas? Na situação do programa escolardesenvolvido segundo nossa colaboração técnica estaquestão poderia ser analisada.

A fim de captar aspectos empíricos que nospermitissem construir dados que nos possibilitassem aanálise atinente aos nossos propósitos, utilizamos osregistros43 das professoras sobre o que acontecia comos alunos na escola como suas avaliações. Também sefizeram observações44 da pesquisadora que foram sendonarradas em diário de campo. Estes registros cobrem osanos de 2000 a 2004.

Por meio de tais registros, os professoresprocuravam apresentar desde as pequenas alterações decomportamentos observadas até outras mais notáveis queiam se sucedendo, mediante as ações que foram sendoconstruídas de forma a priorizar o desenvolvimento dainteração social desses alunos junto a outros sem asíndrome. e em atividades diversificadas. Os registrostambém serviam para a colaboradora/pesquisadorareorientar com as professoras as atividadeseducativas.

Realizamos apenas uma gravação em vídeo por nãomais ser permitido filmar os alunos. Além dosregistros das professoras e das observações, iniciamos

43 Registros diários eram realizados em um caderno específico para isso, dado a cada professora,sendo estes utilizados na pesquisa. Esses registros serviam para que as professorasacompanhassem o desenvolvimento de seus alunos desde iniciaram o trabalho sob a nova propostaeducacional para os alunos com autismo.44 O processo de orientação das professoras para o trabalho com os alunos autistas foi sendoregistrado em diário de campo para fins desta pesquisa.

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o nosso próprio registro a partir das conversas quetínhamos com as professoras, no horário das aulasdurante o período de observação, e durante aconstrução da proposta de trabalho junto a elas. Emnossos registros, procuramos ser minuciosos sobre osacontecimentos, principalmente sobre mudançasapresentadas pelas crianças, mudanças estas sobre asquais tínhamos, muitas vezes,suspeitas ou hipóteses doque as gerava; todavia, nem sempre isso ocorria, o quenos impulsionava à investigação sobre qual seria ocanal de interesse de cada um.

Os cadernos de registros forneciam o nome do aluno, a data, a rotina escolar

do dia, os conteúdos abordados e o comportamento apresentado pelas crianças, de

modo a possibilitar o acompanhamento de forma cronológica e verificar o que estava

implicando o trabalho educacional junto a eles, suas transformações, seu

desenvolvimento. Em diversas ocasiões, não tínhamos novidades nos registros, mas

sim o relato da continuidade ou reedição de ações do ensino de um determinado

conteúdo ou atividade.

Procuramos, em nossa pesquisa, centrar o foco dabusca de dados nos registros das situações de relatosobre o desenvolvimento que as professoras faziam dasrelações sociais, da compreensão do contexto escolar.Nelas buscamos os indicadores da CSA como recursoimportante para o aluno com autismo devido à suacaracterística promotora da construção da linguagem,quando trabalhada com este fim por meio da mediação doprofessor.

A análise da pesquisa realizada segue no próximocapítulo.

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CAPÍTULO 4A CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM DE ALUNOS AUTISTAS

APOIADA EM COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR ALTERNATIVA

“Los niños saben más de lo que parecen, y siles dijeran que escribiesen lo que saben, muybuenas cosas que escribirían.”

José Marti (1853-1895)

Para esta análise, focamo-nos nas narrativas45 e em registros de diário de

campo que envolviam aspectos trabalhados com os alunos na proposta educacional

sobre desenvolvimento da linguagem, interação social, comportamento social e

desenvolvimento cognitivo, pois nessas narrativas melhor poderíamos captar a

presença de atividade dialógica que nos forneceriam os indícios sobre nosso

problema: a utilização da CSA pode servir como apoio à construção de signos?

Ao longo da leitura e análise das narrativas e do diário de campo, pudemos

constatar os indícios de que os alunos estavam desenvolvendo a linguagem, muito

freqüentemente, para si mesmos e, às vezes, para o outro, e que o uso da CSA

possibilitava e favorecia tal desenvolvimento.

Narrativa da Profª Érica: Em fevereiro de 2000, relata a professora, “Luca

chegou atrasado, não chorou e foi direto para onde estavam os materiais da sala,

dando atenção, principalmente, para um carro amarelo e um brinquedo que toca

música, enquanto o desenho das ovelhinhas pulando se movimenta. Não atende

quando é chamado, não sabe recortar, não come e põe qualquer coisa na boca”.

Num outro dia ainda do mesmo mês, comenta: “Enquanto eu contava a história dos

45 Os nomes das professoras são fictícios para preservar a identidade.

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gatinhos e das cores, Luca ficou sentado, mas parecia não ouvir e não se interessar.

Recusou-se a realizar a atividade de carimbar as mãos. Não foi ao banheiro sozinho

e atirou novamente o sabonete da pia no vaso sanitário. Não brincou com ninguém e

quando alguma criança se aproximava dele, no parque, ele a mordia e chorava”.

Nesse contexto, a CSA foi inserida no cotidiano do aluno, de forma que a

professora passou a usar os símbolos com gravuras ou sinais para apoiar as falas

durante as interações interpessoais com ele. (dados de diário de campo).

Cerca de oito meses depois, a mesma professora registra: “Luca estava

calmo, jogou boliche e fez o pareamento das letras de seu nome muito bem. [...]

Aproveitei para trabalhar os órgãos dos sentidos e ele respondeu bem aos símbolos

de olhos, boca, nariz, orelha, de acordo com o quebra-cabeça do esquema corporal.

Ele não se esconde mais; quando conto histórias, ele sempre me chama, ou vem me

mostrar as coisas que faz sozinho".

Percebíamos que as relações estavam se firmando, principalmente, entre

professor aluno e, em alguns dos casos, entre aluno/aluno. Luca estava procurando

se comunicar, estabelecer relações, compreender e interpretar os signos mediados

pela professora. Essas relações se construíam por gestos, palavras, desenhos e o

que mais nos chamou atenção, por manifestações de desejos e sentimentos até

então despercebidos pelos professores e profissionais e/ou não expressados, até

então, pelos alunos. Tal como afirma Vygotsky (1996:185) “A palavra, crescendo na

consciência, modifica as relações e todos os processos; o próprio significado da

palavra evolui em função da mudança da consciência”. Da mesma forma, as

modificações nas relações ocorriam não apenas por parte do aluno para com a

professora, mas também dele para com o outro aluno.

No caso de Marco, este foi integrado numa classe com outros três alunos e

teve a CSA inserida em seu cotidiano. No segundo semestre de 2000, a professora

estava trabalhando com eles as formas geométricas e as cores dos blocos lógicos.

Apresentava a Marco os símbolos do PCS, em conjunto com os blocos lógicos e,

nas atividades em grupo, utilizava os mesmos símbolos com os demais alunos da

classe, para que não apenas Marco, mas também os outros colegas tivessem

contato com elas, compartilhando o mesmo material, nas mesmas atividades (diário

de campo).

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Aos poucos, Marco foi se comunicando com a professora e seus colegas por

meio dos símbolos do PCS. Indicava a cor e a forma que estava sendo trabalhada, a

cada vez que lhe era solicitado nas atividades e, oralmente, pela professora.

Igualmente, recorria ao próprio material para mostrar ou entregá-lo à professora,

com seu referido símbolo visual. Da mesma maneira, fazia com seu colega Luca,

quando queria brincar com o mesmo brinquedo que o outro tinha. Marco se

encontrava num processo de mudança social; o que antes acontecia “para si” agora

era “para os outros” num contínuo desenvolvimento sócio-cultural.

Paulatinamente, Marco passou a compreender que essas formas geométricas

e suas cores eram também representadas por sons emitidos pela professora, alguns

colegas e outras pessoas que, indiretamente, estavam envolvidas nas atividades

escolares. Desse modo, ele começou a desenvolver sua linguagem oral, fazendo

uso da CSA e do material pedagógico em situações nas quais a professora mediava

as atividades, com perguntas e desafios lúdicos no grupo. A cada conquista de

Marco, a professora o chamava, conversava com ele e, principalmente, lhe sorria e

lhe dava um abraço.

Nesse processo de compreensão e percepção do que estava acontecendo ao

seu redor, mediado pela própria linguagem, Marco ampliava a consciência de si

mesmo, a partir dos significados de que se apropriava nas relações sociais com os

outros, no cotidiano escolar. Ao perceber a atenção da professora, passou a

expressar em seu rosto sentimentos de alegria por meio de sorrisos; houve

aceitação do toque, tanto que começou a procurar receber um abraço; a ficar bravo

quando não conseguia executar algo que havia aprendido, e também passou a

tentar conversar com os outros para contar algo.

Na história de Marco, podemos perceber que ele estava em um processo de

formação de conceitos acerca de formas geométricas e cores. Sua aprendizagem se

deu em sala de aula, com o favorecimento da CSA, no processo de mediação

realizado pela professora. Nesse fluir das relações sociais com a professora e seus

colegas, vemos desenvolver em Marco o processo de internalização de conceitos,

cuja gênese é dada, tal como diz a base teórica, ao afirmar que “todas as funções no

desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e,

depois, no nível individual” (VYGOTSKY, 1994:75).

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Narrativa da Profª Érica: “Hoje, Marco ouviu uma história, pegou de dentro da

caixa os símbolos que representam as formas geométricas envolvidas na história,

sem que eu pedisse, e também a caixa de blocos lógicos. Trabalhou com a

fonoaudióloga sem fazer gracinhas. Ele conhece as iniciais do nome de seus

colegas, mostra as letras e diz o nome de todos, menos o dele”.

Com o tempo, a partir do desenvolvimento das atividades realizadas, Marco

não precisou mais utilizar a CSA para aquela atividade, pois se consolidara o

significado, enquanto conceito, e também a função denotativa da linguagem.

Quando não era capaz de verbalizar o desejado, apontava diretamente para o que

queria. Seu comportamento, que até então mais dado ao isolamento, sofreu

transformações, pois já era capaz de realizar um maior número de atividades em

grupo; de manifestar carinho com alguns colegas e com a professora por meio de

abraços e beijos; de manifestar o desejo de se sentar no colo da professora; de ter a

iniciativa de pedir à professora, por meio da CSA, e depois, verbalmente, de ir ao

parque brincar; de contar alguns fatos acontecidos no dia em sua casa, ou mesmo

na escola.

O fato de Marco não mais necessitar do apoio da CSA para algumas de suas

atividades e utilizar linguagem verbal ou gestual para expressar algo desejado,

evidencia o desenvolvimento de sua atenção, da qual dependem as operações

básicas. A atenção é auxiliada pela fala que possibilita a reorganização do campo

perceptivo. Logo,

O campo de atenção da criança engloba não uma, mas a totalidadedas séries de campos perceptivos potenciais que formam estruturasdinâmicas e sucessivas ao longo do tempo. [...] A possibilidade decombinar elementos dos campos visuais, presente e passado (porexemplo, o instrumento e o objeto-alvo), num único campo deatenção leva, por sua vez, à reconstrução básica de uma outrafunção fundamental: a memória. Através de formulações verbais desituações e atividades passadas, a criança liberta-se das limitaçõesda lembrança direta; ela sintetiza, com sucesso, o passado e opresente de modo conveniente a seus propósitos. [...] A memória dacriança não somente torna disponíveis fragmentos do passadocomo, também, transforma-se num novo método de unir elementosda experiência passada com o presente. (VYGOTSKY, 1994:47-48)

Vigotski (1994:53) afirma que a utilização dos signos leva o homem a uma

estrutura específica de comportamento que se sobressai do desenvolvimento

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biológico e cria novas formas de processos psicológicos que estão enraizados na

cultura. O signo opera sobre o indivíduo com um papel importante na atenção

voluntária e na memória a partir da mediação.

O exemplo de Marco nos mostra como a interação social com a professora e

a utilização da CSA, para construção do signo, puderam auxiliar no desenvolvimento

de sua linguagem. A mediação da professora, em contextos reais e sociais e a CSA,

proporcionaram atenção e ação direcionadas ao que gera sentido e significado para

si e para o outro, tanto no nível individual como social.

Narrativa da Profª Érica: “Marco fez todas as atividades propostas e esperou

sua vez para jogar boliche. Chorou, porque queria que eu pegasse o rádio. Colocou

cada letra de seu nome, perto de onde eu o tinha escrito. Peguei o rádio - ele iria

fazer a maior birra se eu não o pegasse, pois ele pegou a símbolo do rádio na mão e

ficou no portão me mostrando a sala onde o rádio estava”.

Importante destacar que a mediação torna possível a construção e re-

construção de conhecimentos, na medida em que os sentidos e significados

possibilitados são discutidos e planejados, em experiências e contextos reais.

Ao discutir a questão da linguagem do aluno com autismo, na perspectiva da

abordagem histórico-cultural, deparamo-nos com maneiras de ser e de agir de

nossos alunos que trazem consigo sentidos e significados, gerados por sua

participação no mundo das relações e interações sociais com os outros, o que

implica sua participação nos processos de construção de significação. Inserindo a

CSA para a construção do signo, como auxílio à compreensão recíproca entre

professor/aluno e aluno/aluno para o desenvolvimento da linguagem,

experimentamos uma alternativa de trabalho educacional significativa e produtiva

para os envolvidos na pesquisa.

Como exemplo, quando Ana estava com 4 anos de idade e já freqüentando a

escola, ela não interagia com nenhuma pessoa dali. Ficava de frente para a parede

batendo palmas e emitindo alguns sons. Víamos apenas um rosto sério, ou com

lágrimas. Ana, então, passou a freqüentar a escola todos os dias, na mesma classe

que Renato, tendo como diferencial a convivência com uma professora muito alegre

e dinâmica, e a inserção da CSA em seu dia-a-dia. A professora conversava com

Ana mesmo sem obter respostas suas. Usava a CSA nas atividades em classe e

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recreativas, ao mesmo tempo em que procurava ter com ela contato físico, mesmo

percebendo que ela não o desejava.

As atividades realizadas, principalmente fora da classe, despertaram mais o

interesse de Ana. A professora relata que, certo dia, estava trabalhando com cores

diversas existentes no espaço escolar. De frente para uma mangueira, pegou três

folhas de tamanho pequeno, médio e grande e disse que aquelas folhas, em seus

tamanhos variados, eram de cor verde, apresentando em conjunto o símbolo que

representava o verde na CSA. Ana, que já estava verbalizando em alguns

momentos, não disse nada e, aparentemente, não demonstrou nenhum interesse

pelo fato. Três dias depois daquela atividade, a professora saiu com os dois alunos e

Ana foi ao encontro da mangueira, apontou para uma folha de tamanho grande e

disse:

“ – Grande! Verde”.

Tal fato deveu-se, justamente, à integração de Ana em situações e contexto

em que a ação mediadora da professora estivera presente e imersa nas relações

sociais, possibilitando o desenvolvimento de sua linguagem, num processo contínuo

de significação do mundo ao seu redor. A contribuição da CSA vem na medida em

que ela facilitou o desenvolvimento da atenção de Ana para a situação apresentada,

que era a de conhecer as cores, previstas naquela atividade com seus significados

simbólicos, específicos daquele momento.

Narrativa da Profª Bruna: “A Ana chegou feliz. Ela continua querendo

observar tudo, anda em todos os lugares possíveis. É tudo novidade para ela, são

muitas pessoas diferentes. Ela adora ficar na janela observando o movimento das

pessoas, dos carros, motos... Ela ainda precisa ser muito bem trabalhada na

questão de limites, pois é teimosa e quase passa por cima das crianças quando quer

algo. Em questão de observação, ela está ótima! Percebo que, no dia em que

trabalhamos a música, ela fica mais agitada, pois são muitas as novidades. Há

muitas coisas para serem trabalhadas com Ana. É preciso ir com calma para que ela

compreenda”.

Além disso, ressaltamos a sensibilidade e a perseverança da professora, em

continuar mediando situações por meio de conversas, manifestações de afeto em

vivências que privilegiam as relações sociais, numa constante troca de experiências.

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A interação entre o professor e seu aluno

é fundamental. No caso de crianças com

autismo, nem sempre o professor vê

atitudes que demonstram uma ação de

reciprocidade vinda de seu aluno. Foi

primordial a identificação de quais eram os

interesses do aluno, para que fossem

tomados como o ponto de partida. Após a

identificação de tal interesse, o professor

organizava em seu contexto o ambiente

para a aprendizagem, as motivações a

serem trabalhadas por meio de conteúdos

e materiais diversos, valorizando toda

ação realizada por seu aluno, por meio da

sua mediação.

Narrativa da Profª Bruna: “Primeiro dia

após as férias. Ana e Renato estão bem.

No caderno de Renato vieram dois

recados do pai dizendo que Renato está

bem mais calmo e começando a interagir

com a irmã de quatro anos. No caderno de

Ana, a mãe escreveu quase todos os dias

das férias. Ana fez 12 anos! Renato

abraçou muito o João (auxiliar das

professoras) e andou observando toda a

sala, abriu as gavetas. Ana estava muito

falante. Peço ao Renato fazer pequenos

favores e Ana já faz alguns deles”.

Observamos que a mediação deve estar

sempre repleta de intencionalidade por

parte da professora, pois não há êxito em

uma ação desprovida do propósito

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consciente de mediar e intervir com

objetivos claros para serem alcançados,

no processo de aprendizagem de seu

aluno. O significado, por sua vez, está

presente na relação dialógica entre

professora e aluno, na ação de usar o

símbolo visual e no objetivo que se

pretende alcançar, desde que a utilização

da CSA esteja contextualizada na própria

ação da professora e no espaço escolar.

Quando o aluno faz uso do símbolo que

representa aquilo que ele deseja

expressar, dentro de um contexto real de

acontecimentos e ações, encontramo-nos

num processo educativo que possibilita

seu desenvolvimento sócio-cultural. Logo,

esse processo coloca-se no lugar do

treino de habilidades diversas e vai

configurando as condições de

desenvolvimento da linguagem, dentro de

suas funções para o outro e para si. Renato, por exemplo, ainda usava fraldas aos 5 anos. Na sala de aula, a professora

destinou um horário para trabalhar os objetos, referentes ao uso do banheiro, que tinha preparado. O

horário, por ela escolhido, era alguns minutos antes da hora do lanche da tarde, quando os alunos

deveriam ir ao banheiro para lavar as mãos. Aproveitando a iniciativa de alguns alunos de usarem o

banheiro para urinar, a professora também passou a mediar essa situação com o aluno, tendo o

símbolo do banheiro como apoio visual. Alguns meses depois, Renato deixou de usar as fraldas,

tanto na escola como em sua casa e, todas as vezes que desejava ir ao banheiro, mesmo em

horários diferentes dos da hora do lanche, ele recorria ao símbolo e o mostrava para a professora.

Com o tempo, não usava mais o símbolo; pegava o braço da professora levando-a até o banheiro.

Finalmente, dirigia-se ao banheiro sozinho, quando sentia necessidade.

Narrativa da Profª Bruna: “Renato está se comportando bem e brincando bastante. Está

compreendendo ordens simples e cumprindo o que lhe é solicitado. Achei muito interessante sua

atividade na agenda. O primeiro símbolo que estava na agenda era o que representava o momento

de cantar. Renato pulou vários símbolos; então, pegou o símbolo e mostrou o que representa a hora

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do lanche. Não foi por acaso, mas sim intencional. Ele está uma gracinha! [...] Renato parece estar

compreendendo o símbolo representativo do ´ silêncio`, pois hoje não gritou tanto”.

Se a forma de trabalho fosse a de expor o símbolo fora do contexto real, objetivando a

memorização e troca do símbolo com a ação e/ou objeto, teríamos aqui uma proposta de trabalho de

modificação de comportamento, por meio do exercício do treino de habilidades. Estando ausente a

intencionalidade da construção de significado e de sentido, este último se encontra no porquê de a

ação estar sendo realizada.

Quando temos, como propósito, as funções culturais da linguagem, os sentidos produzidos

podem ser múltiplos. No caso de Renato, vimos a comunicação de sua necessidade de ir ao

banheiro, a mobilização do outro para auxiliá-lo e o desenvolvimento de sua auto-regulação. No

exemplo anterior, Ana adquire o conhecimento do tamanho e da cor da folha de uma mangueira. Em

Marco, vemos a expressão de seus sentimentos de alegria ou de raiva, diante de uma atividade que

conseguiu, ou não, realizar.

Nos exemplos acima, percebemos como as experiências mediadas e

vivenciadas nas relações sociais, em conjunto com as funções da linguagem,

possibilitam a produção de sentidos. Assim, não há razão para a existência de algo

se também não houver a produção de sentido e significado. Um dos grandes

obstáculos para a aprendizagem do aluno autista está na ausência de significado

que as coisas e as situações apresentam. Toda ação mediadora deve estar repleta

de significado entre o professor e seu aluno. Não haverá interação social, nem

tampouco o desenvolvimento da linguagem, sem a existência de sentido e

significado. A simples inserção de atividades não resulta em transformações de

atitudes, de comportamento ou de aprendizagem; é preciso que em cada atividade

proposta, em cada mínima ação, o significado seja explorado com o propósito de

provocar transformações geradas pela internalização de conhecimentos apreendidos

pelo aluno.

Narrativa da Profª Bruna: “Renato está começando a folhear revistas e a rasgar papéis. Ele

está inventando brincadeiras e suas atitudes estão se mostrando diferentes”.

Para tanto, todo gesto e expressão do professor é parte do processo de mediação e influi na

construção de conceitos por meio da significação de tudo o que nos cerca. Aqui também estão

implícitas todas as questões de ordem sócio-cultural e de interação a serem trabalhadas. A CSA,

como um recurso pedagógico à construção do signo, auxilia dentro do processo de mediação da

aprendizagem.

Se observarmos a linguagem, uma de suas principais funções é a de regular

a ação humana, de forma direta ou indireta. Falar a respeito da função reguladora da

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linguagem, relacionada a alunos com autismo, parece contrariar todas as

expectativas que cercam a síndrome, uma vez que a auto-regulação é uma

capacidade que se adquire e que se encontra ligada à emergência da consciência

dentro do processo de interação social que é mediado pela linguagem.

Tal função está relacionada com a interação social com o outro e, também,

com o desenvolvimento lingüístico e da consciência, logo, é necessário que seja

desenvolvida a consciência de si, para a internalização de significados de ações e

palavras, presentes nas relações e experiências sociais, de que brotam a atenção,

os desejos, os sentimentos, a memória, os gestos e a regulação da própria ação.

Encontramos em nossos alunos com autismo a capacidade de planejar,

organizar e estruturar muitas de suas ações que foram se desenvolvendo

processualmente, por meio de linguagem verbal e/ou não-verbal, caracterizando,

dessa forma, a atividade lingüístico-cognitiva. Essas capacidades são ações

reguladas pela linguagem, também ocorrendo de maneira indireta pelo uso da CSA

para a construção do signo, em contextos de interação social e de mediação de

situações e objetos.

Para Vigotski, o ser humano se desenvolve no social que precede a cultura,

que, por sua vez, determina o social que vai adquirindo, simultaneamente, novas

formas de existência. O contínuo movimento do desenvolvimento das práticas

sociais que sucedem em si, do outro para si, de si para o outro e para si, indica que

toda a função psicológica superior já foi, em algum momento, externa, sendo social

muito antes de se tornar função, por meio da relação social entre duas pessoas

Nas palavras de Pino (2000:53), “sob a ação criadora do homem a

sociabilidade biológica adquire formas humanas, tornando-se modos de organização

das relações sociais dos homens. Nesse sentido, o social é, ao mesmo tempo,

condição e resultado do aparecimento da cultura”

Narrativa da Profª Bruna: “Ana veio à festa junina e ficou super bem. Todos

ficaram admirados com seu comportamento na festa. Percebi nela, momentos de

limites que ela mesma estava colocando para si. Aproveitou tudo: dançou, comeu,

correu, falou, cantou, até laçou uma garrafa na argola e ganhou um dominó. Fiquei

muito realizada com essa interação”.

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Em sua maioria, os alunos desenvolveram a capacidade de indicar à

professora o que desejavam, inclusive fazendo escolhas entre um e outro objeto

quando lhes era perguntado, usando também o PCS indicando o símbolo

representativo do que se desejavam. Para tanto, a fim de facilitar o processo de

mediação, de interação e até mesmo de reconhecimento do espaço da sala de aula,

a professora representou os locais, na estante, onde deveria ser colocado cada um

dos materiais pedagógicos utilizados pelos alunos. Assim, no momento de guardar o

material, a professora entregava ao aluno um símbolo que era igual ao que estava

fixado numa certa repartição da estante. O aluno, reconhecendo o símbolo,

guardava, ele próprio, o material. Esta atividade contribuía para o desenvolvimento

de sua autonomia e organização mental, em meio a tantas informações e ações que

estava aprendendo a praticar.

Luca, que a princípio apresentava estereotipias diversas quando queria algo e

não era compreendido, desenvolveu a capacidade de indicar ao professor (de si

para o outro), com sua mão, o que desejava pegar na estante de materiais e,

posteriormente, a recolocá-lo em seu devido lugar. Em outra fase, tinha a iniciativa

de escolher o que desejava, sem o auxílio do professor (do outro para si), e depois

guardar o objeto no mesmo local, quando o momento daquela atividade era

concluído.

O desenvolvimento da capacidade de utilizar os gestos para interagir e se

comunicar, quando a oralidade não é suficiente para exprimir o que se deseja

realizar, é uma ação simbólica exercida pela criança e contribui para o processo da

escrita. Os gestos representam situações e objetos que tomam a função de signo

aos objetos e lhes atribuem significado. Por meio de gestos e do uso de objetos as

crianças dão existência e cultivam representações simbólicas que se tornam sempre

mais complexas. (VYGOTSKY, 1994: 141-143)

Como resultado, as estereotipias foram diminuindo; o comportamento agitado

foi se transformando em atitudes de tolerância; a compreensão do que era mediado

pelo professor melhor se consolidou e sua capacidade de verbalizar começou a ser

desenvolvida.

Narrativa da Profª Érica: “Luca, quando se cansou de ficar comigo

trabalhando sentado, foi até a sua agenda e mostrou o símbolo que representa a

hora de brincar. Ele nunca tinha feito isso antes sozinho!”

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Vygotsky (1987/1994) coloca que o conceito em si e para o outro existe antes

de existir para a própria criança. Da mesma forma, a princípio, todo o conhecimento

é interpsicológico (entre as pessoas) para depois ser intrapsicológico (no interior da

criança). Luca, ao se cansar daquela atividade, tomou a iniciativa de expressar seu

desejo à professora, utilizando-se da CSA e do gesto, como uma forma de

linguagem por ele apropriada, a partir das relações sociais e experiências vividas no

cotidiano escolar.

O desenvolvimento da linguagem, objetivo de nosso trabalho, visando à

constituição do sujeito é de considerável complexidade, no que diz respeito a

indivíduos com autismo. No propósito de dedicarmos especial atenção à linguagem,

utilizamos a CSA como promotora para sua construção, percebemos que isso trouxe

benefícios desencadeados em todas as áreas do desenvolvimento dos alunos, como

conseqüência de maior qualidade na capacidade de compreender o significado que

tem o “mundo” no qual estamos inseridos, como também da capacidade de melhor

responder a esse mesmo “mundo”.

Narrativa da Profª Bruna: “Ana está independente dos símbolos do PCS. Está

cantando as músicas de forma mais completa. Seu vocabulário está ótimo, em sua

linguagem verbal há mais frases. Ela adorou os símbolos que representam os

animais, principalmente, a da borboleta; até imitou alguns dos animais (cachorro,

gato e cavalo). Está nomeando e até identificando algumas cores secundárias (cinza

e rosa)”.

Chamamos a atenção para uma das características próprias do autismo que,

segundo a literatura, é a dificuldade que o autista possui em processar em seu

cérebro as informações recebidas, perdendo-se uma gama de informações, quando

essas ocorrem apenas por vias orais pelo emissor da mensagem. No caso da CSA,

as mensagens são expressas por meio de símbolos e desenvolvidas no ambiente

cultural regular em que as situações se desenvolvem, a partir da ação mediadora do

professor que gera experiências vivenciadas pelo próprio aluno. O diferencial do uso

da CSA, a partir da abordagem histórico-cultural, está, justamente, em não realizar

trocas de objetos por CSA, de maneira mecânica e descontextualizada, mas em

inserir este sistema nas experiências e contextos em seu cotidiano, na perspectiva

da produção de sentidos.

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Ao inserirmos a CSA como recurso para a promoção do desenvolvimento da

linguagem, pensando em melhor mediar o processo de ensino e aprendizagem, a

partir da melhoria de sua compreensão, percebemos que os alunos passaram a

desenvolver a capacidade de se comunicar, até então não muito percebida ou

compreendida pelos professores e outros profissionais. Por meio do uso da CSA,

também expressavam seus desejos como, por exemplo: ir ao banheiro, tomar água,

comer pão ou bolachas, lavar as mãos, ir ao parque, à piscina, ir para a casa.

O desenvolvimento da capacidade de interagir e ter ciência dos significados

construídos nas relações motivou-os de tal maneira, que os alunos Luca, Ana e

Marco, que não verbalizavam, passassem a desenvolver sua linguagem oral e – o

que é mais significativo para nós – comunicaram-se oralmente com sentido e

significado apropriados, nas relações sociais vivenciadas, pois, segundo Vigotski

(2000:419) “a comunicação da criança através da linguagem está diretamente

vinculada à diferenciação dos significados das palavras em sua linguagem e à

tomada de consciência desses casos”.

Luca emite palavras isoladas com significado, no momento em que ele próprio

deseja interagir com outra pessoa. Marco emite palavras isoladas e está sempre

balbuciando algo sozinho, porém é capaz de responder ao outro, quando este lhe

chama a atenção. Ana, além de emitir palavras isoladas, já forma algumas frases

fazendo uso, principalmente, de verbos e substantivos e de substantivos

acompanhados de adjetivos.

Ainda, sobre o desenvolvimento da linguagem e seu passar do plano interior

para o plano exterior, Vigotski (2000:425) coloca que “a linguagem interior é uma

linguagem para si” (como é o caso de Marco), enquanto “a linguagem exterior é uma

linguagem para os outros” (tal como acontece com Luca). Em Ana, vemos uma

linguagem exterior mais estruturada do que em Luca e Marco. Contudo,

a própria existência ou inexistência de vocalização não é a causaque nos explique a natureza da linguagem interior, masconseqüência dessa natureza. Em certo sentido, pode-se dizer quea linguagem interior não é só aquilo que antecede a linguagemexterior ou a reproduz na memória, mas é oposta à linguagemexterior. Este é um processo de transformação do pensamento empalavra, é a sua materialização e sua objetivação. (ibidem)

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Narrativa da Profª Bruna: “Hoje uma professora veio até a minha sala me

dar um recado. Assim que ela chegou, Ana a olhou, colocou a mão na blusa dela e

disse:

´ – Rosa!`. A professora ficou encantada, porque Ana reconheceu a cor de

sua blusa. Achei muito legal a Ana entender que não podia ir à piscina, pois

expliquei a ela que a piscina estava suja. Ela está falando e reconhecendo vários

objetos de forma extremamente correta”.

Como a linguagem interior não é uma fala menos som, a linguagemexterior não é linguagem interior mais som. A passagem dalinguagem interior para a exterior é uma complexa transformaçãodinâmica – uma transformação da linguagem predicativa eidiomática em uma linguagem sintaticamente decomposta ecompreensível para todos. (VIGOTSKI, 2000:474)

No relato da professora, percebe-se que Ana estava exteriorizando seu

pensamento que havia passado pelo processo de formação do conceito da cor rosa,

cujo conhecimento construído foi internalizado, apropriado das relações sociais

mediadas pela professora (do outro) para si mesma. Por fim, esse conhecimento

passou a ser compreensível para todos, por meio da linguagem exterior.

Acompanhando o desenvolvimento da linguagem, temos uma ampliação de

possibilidades de interações sociais que se reverte em mais desenvolvimento de

linguagem da criança com autismo. A interação social permite ao ser humano viver

experiências subjetivas que se constroem coletivamente nos acontecimentos

diversos, num processo histórico-sócio-cultural. Ele é exposto a situações e

contextos que lhe permitem sentir, agir e reagir diante das distintas circunstâncias.

A inserção dos alunos em situações em que as relações sociais eram

mediadas por suas professoras, em contextos onde estavam presentes outros

alunos sem a síndrome, proporcionou momentos diários em que eles passaram a

conviver com outros colegas. Esses momentos se deram no refeitório, no parque,

nos corredores da escola, no salão de TV e som, em festas, em passeios e em

visitas programadas às outras classes da escola. Todos os alunos sofreram

transformações significativas com as experiências advindas da interação social.

Narrativa do diário de campo: “A professora de Thiago levava-o a uma

classe onde havia alunos mais novos do que ele, em momentos de atividade livre.

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Ao estar junto com os demais alunos e em ambiente com música e movimento,

Thiago se apresentava mais calmo. Às vezes, sorria; diminuía o balanço de tronco.

Quando queria água, levantava-se e ficava em pé, na frente do bebedouro.

Demonstrava sentir-se bem nas atividades de equoterapia, pela diminuição da auto-

agressividade.

Rodrigo aprendeu a permanecer sentado junto a outros alunos diante da

mesa de atividades, sem jogar tudo no chão, como fazia anteriormente. Tomou

gosto pela atividade de pintura a dedo. Na hora do almoço, saía da mesa, arrastava-

se sentado até a porta da classe e olhava para o símbolo que representava o

momento da refeição. Quando demoravam a sair por algum motivo, começava a

chorar.

Envolvidos num ambiente cultural e simbólico, todos os alunos passaram a

interagir com o professor e colegas por meio de comunicação funcional, utilizando

oralidade ou a CSA, já que os símbolos eram usados em todos os ambientes. “

Para nós, fica claro que a CSA não é um fim em si mesma, pois seu objetivo é o

desenvolvimento humano dos alunos mas, sim,um recurso cujo efeito está na forma de trabalhar com

eles num contínuo processo de integração social em suas relações com o outro. É, assim também,

nas relações com o outro que se originam as experiências subjetivas que demonstram como cada

aluno, enquanto ser humano, é influenciado pelas suas vivências experimentadas.

Nos critérios do DSM IV (APA, 1995) para transtorno autista é citado “uso estereotipado e

repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática, falta de jogos ou brincadeiras, de imitação social

variados e espontâneos, apropriados ao nível do desenvolvimento”. Se sabemos que essa

característica tem sido identificada como uma marca do autista, na nossa perspectiva, ela é uma

marca com uma base em construção social. Por isso mesmo, não há por que deixá-los ainda mais

expostos a maneirismos de outros alunos com a mesma síndrome e a privá-los, socialmente, de se

relacionarem com outras pessoas, impedindo-as de conhecerem outros espaços onde o

desenvolvimento da linguagem é privilegiado pelas relações culturais e sociais, próprias da espécie

humana. separei

A interação social junto a outros alunos, sem a síndrome, permite ao aluno com autismo a

possibilidade de aprender e se transformar, diminuindo, ou até mesmo eliminando certos

comportamentos por meio da ação mediadora do professor e dos colegas com os quais convive, e

pela construção de um novo repertório de ações mais significativas. Atentarmos para um ensino

personalizado que potencialize habilidades individuais do aluno autista não é equivalente a isolá-lo

do convívio com outras pessoas. Reconhecer que apresentam problemas de comunicação e de

interação social é diferente de conformidade e passividade diante das suas ações.

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Uma das características singulares da síndrome do autismo é a dificuldade de

interagir com outras pessoas. Devido a isso, encontramos a criança sorrindo ou

chorando sem um motivo aparente, o que é denominado de labilidade de humor. Por

isso, muitas vezes o profissional deixa de observar e trabalhar manifestações de

sorrisos e choros com o aluno autista. Ocorre que, a partir destas expressões de

afetividade a mobilização provocada na professora ou nos colegas é de fundamental

importância, como momento propício de interação junto às pessoas com autismo,

para que tais manifestações tomem significado e sentido, no processo de

desenvolvimento de sua interação social. De acordo com Pino:

O sorriso faz sua aparição muito cedo, nas primeiras semanas devida. Trata-se, todavia, de uma resposta mais fisiológica que afetiva.Pouco a pouco, porém, ele vai tornando-se mais específico,revelando características inequívocas de reconhecimento do outro.(...). A resposta pelo sorriso à figura humana constitui um claroindicador de um início de relação. (sd,: 140, mimeo)

A convivência dos alunos autistas entre si e com os demais alunos da escola

resultou em descobertas de sentimentos e desejos, até então não percebidas pela

característica da tendência ao isolamento, próprias da síndrome, segundo é

encontrado na literatura. O ser humano precisa do outro, da palavra do outro, das

relações com o outro, das expressões do outro, da mediação do outro para

desenvolver suas mais diversas formas de expressão significantes em si, para si e

para o outro, próprias do ser humano. No início do processo, a CSA tinha uma

presença importante como função simbólica, mas, com o tempo, dava espaço para

formas de expressões semióticas tipicamente humanas.

As crianças passaram a trocar abraços e beijos; a apontar para a professora

com rosto expressivo quando um colega estava chorando ou gritando; a contar ao

professor quando um colega havia dado um beliscão ou um tapa, dizendo ou

apontando para o local que estava doendo. Sorrisos foram aprendidos e birras

também. Constantemente, demonstravam o que queriam e o que não queriam fazer

nas atividades, o que vinha, muitas vezes, a desestruturar o professor em sua

atuação, devido à dificuldade em mediar o “não pode!”.

Para nós, as manifestações de sentimentos e desejos são uma das maiores

conquistas junto aos alunos com autismo, dependentes da ação do meio sócio-

cultural. Por isso, sempre insistimos com aos professores para que não desanimem,

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nem fiquem impacientes pelas birras dos alunos, mas que vejam essas

manifestações como um canal importantíssimo de atuação e que ações podem ser

mediadas de forma interativa, significativa e contextual para aquelas crianças. Isto

porque mais satisfatório e recompensador é trabalhar junto a um aluno com autismo

que manifesta seus sentimentos e desejos, do que junto a um aluno de quem você

não consegue extrair reações, e em quem a inércia parece reinar.

Narrativa da: Profª Carla 46: “Estou surpresa com o Rodrigo, pois está

reagindo bem. Está demonstrando suas vontades, preferências e ainda mais, está

descendo da cadeira sozinho! [...] Continuo auxiliando-o a comer, mas sinto que a

cada dia que passa fica mais fácil levar a colher à boca. [...] Trabalhar com Rodrigo

se torna muitas vezes difícil! Mas mesmo assim não desisto, pois o respeito e sei

que pode reagir, apesar das poucas respostas que dá. [...] Levei-o ao refeitório com

muito sacrifício, mas acho que não é para eu desistir nunca. Quando estou me

sentindo cansada, achando que ele não está bem, as coisas mudam. Apresentei o

símbolo do parque, ele sorriu e foi até lá embaixo andando com mais facilidade”.

Trabalhar os sentidos e significados dos sentimentos, por meio de CSA foi

mais complexo, não sendo apreendida pela maioria dos alunos tal forma de

expressão para si mesmos. Era preciso a mediação permanente e contextualizada

para a organização das situações de aprendizagem, apropriação e competência dos

significados das palavras e sentimentos para a criação e interpretação de signos

culturalmente construídos nas relações sociais.

Todavia as experiências afetivas, vivenciadas junto aos profissionais

envolvidos, foram construindo uma qualidade nas relações sociais, possibilitando a

capacidade do aluno em estabelecer vínculos mais duradouros com seus

professores, colegas e familiares. Nessas vivências e ações, estão presentes as

representações do que é próprio da espécie humana, do que é cultural e que se

movimenta nos alunos de si para os outros.

Para auxiliar a professora, durante um período em que sua classe passou a

funcionar à tarde, como sendo a única com alunos naquela faixa etária, um

funcionário do sexo masculino, da área de serviços gerais, iniciou seu novo trabalho

de estar presente, das 13 às 15 horas, nas atividades ali desenvolvidas. À medida

46 Professora que substituiu a professora Érica quando esta deixou a classe.

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que foi se envolvendo com os alunos, o funcionário começou a brincar com as

crianças de maneira mais espontânea, a colocá-las em seu colo, sempre

conversando, fazendo um carinho no rosto, abraçando e cantando canções, batendo

palmas.

Renato, que sempre se encontrava “distante” e que não tolerava muito a

aproximação ou o toque de outras pessoas, passou a se identificar com a presença

e ações do funcionário, as quais parecem tê-lo conquistado. Sorria e batia palmas

no ritmo das canções de seu novo amigo. Quando acontecia de o funcionário faltar

ao serviço, percebíamos claramente que sua presença, ou ausência alteravam o

comportamento de Renato. O funcionário fazia uso da CSA nas diversas atividades

realizadas, porém o que mais nos marcou foi a maneira como Renato internalizou e

generalizou as experiências afetivas de manifestações de carinho e de alegria.

Nesse episódio, observamos, mais uma vez, a diferença que existe pela utilização

da CSA em contextos onde estão presentes as relações sociais e culturais.Em seu novo amigo, Renato encontrou como articular seus sentimentos e desejos, próprios

da condição da existência humana. Esta relação é cultural e marcada pela linguagem, pelo que o ser

humano se constitui sujeito a partir do outro. A CSA estando inserida nessa relação contribui para a

construção de significados para o desenvolvimento da linguagem, mas não substitui a importância

das relações sócio-culturais do aluno com o outro.

O comportamento dos alunos, até então de hiperatividade, incompreensão,

birra constante, inércia, inquietude, ansiedade diante das novas situações, sofreu

transformações significativas. A partir da imersão num universo cultural e simbólico

no qual as relações sociais estão presentes, os alunos passaram a aprender como

se comportar diante das situações. Na convivência com o outro, a partir das relações

sócio-culturais é que os alunos formaram conceitos, se apropriaram deles,

generalizaram e transferiram conhecimentos para outras situações, num processo

dialético do outro para si mesmos.

Muitas vezes, principalmente nos dois primeiros anos de trabalho, a CSA

possibilitou a compreensão do significado da palavra dita, tais como: “espera”, “não

pode”, “depois”, “agora não”, “pare!”, dentre outras, conforme as situações

demandavam.

A palavra “não” foi uma das mais complexas de serem ensinadas, pois,

embora muitas vezes tivéssemos que negar algo ou chamar a atenção dos alunos,

também nos preocupávamos em não lhes tirar a iniciativa, quando teimavam em

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insistir no que desejavam fazer. Isso, em razão de vivenciarmos a falta de iniciativa,

autonomia e interesse deles ao iniciamos o trabalho.

Todavia, o “não” também tem seu papel nas relações interpessoais,

constituindo uma aprendizagem da criança quando esta começa a desenvolver sua

autonomia. Assim, nas diversas experiências vivenciadas pelos alunos com suas

professoras e colegas, a palavra “não” foi tomando parte do contexto escolar, de sua

vida e do seu processo de aprendizagem. Essa aprendizagem relativa à negação foi

fundamental durante o desenvolvimento das relações sociais, contribuindo para a

afirmação do “eu” de nossos alunos.

Nesse processo, foi iniciada a delimitação dos espaços sociais, em que a

questão do respeito à privacidade e vontade alheia, não bem percebida por

indivíduos com autismo, foi trabalhada de maneira contextualizada no ambiente

escolar, apoiada pela CSA. Do mesmo modo, foi dada atenção ao desenvolvimento

da ação de desejar do aluno, enquanto sujeito, de maneira a valorizar-lhe a vida

social.

Em Ana e Marco encontramos as maiores manifestações do desenvolvimento

de seu “eu”, manifestados pela exposição de seus desejos em momentos de recusa

a alguma atividade proposta pelo professor. Igualmente, em situações em que um

brinquedo era desejado também pelo colega, e o professor mediava a situação,

propondo que cada um brincasse um pouco, emprestando-o depois ao colega.

Apesar de algumas dificuldades com os alunos em tais circunstâncias, procuramos

sempre orientar os professores a verem aspectos muito positivos nestas

manifestações, pois eles estavam aprendendo a ser eles mesmos, tornando-se

sujeitos de suas ações.

Esses alunos, até então, isolados de todas as atividades sociais da escola,

passaram a freqüentar, aos poucos e sucessivamente, as salas de aulas. Da mesma

forma que os demais alunos, foram com suas professoras e colegas à sorveteria, a

parques de diversão, praia e outros locais públicos. Por nenhuma vez foram

acometidos por surtos ou comportamentos descontextualizados, como era previsto

por alguns profissionais, descrentes da proposta educacional colocada. As

atividades então realizadas para os outros foram tomando espaço no cotidiano e nas

formas de convivência dos alunos de modo que agiam sobre si mesmos no controle

e regulação de seus sentimentos e comportamentos.

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Os alunos Renato, Luca, Ana e Marco apresentaram significativa evolução na

compreensão e apreensão de ações que envolvem o comportamento em nível

global. Cremos que o envolvimento dos alunos em atividades, dentro e fora da sala

de aula, norteadas por experiências mediadas, ocorridas nas relações sociais foi o

que possibilitou e promoveu a qualidade no seu desenvolvimento.

Conseqüentemente, seu comportamento também sofreu transformações sólidas e

duradouras devido ao desenvolvimento qualitativo da linguagem que traz consigo o

significado dos significantes trabalhados, presentes na vida dos alunos.

Ana, Luca, Marco e Renato passaram a atender pelo nome todas as vezes

em que eram chamados; tiveram diminuídas as apresentações de comportamentos

estereotipados; compreendiam melhor as frases simples e de maior complexidade.

Desenvolveram a capacidade de seguir modelos, melhoraram contato visual com o

professor e passaram a ter controle esfincteriano. Aprenderam a realizar diversas

atividades tanto em grupo como individualmente.

Já os alunos Rodrigo e Thiago, apresentaram grandes dificuldades, não

apenas com relação ao comportamento social, mas em todas as áreas de seu

desenvolvimento global.

O desenvolvimento da interpessoalidade é um dos aspectos de extrema

importância e significância para nós. O cerne de toda modificação do trabalho

realizado na escola é, justamente, a inserção dos alunos com autismo em

ambientes, situações e atividades em que esteja presente a necessidade de

interação social e demanda de linguagem.

No gráfico47 anexo, apontamos para Marco que sofreu profundas

transformações desde que começamos a trabalhar com ele de forma interativa. A

CSA muito contribuiu, principalmente, em relação ao desenvolvimento de sua

atenção, o que resultou em maior qualidade de sua interação com o professor e,

passo a passo, com outras pessoas.

O processo de desenvolvimento das funções psicológicas tem sua origem

vinculada às relações sociais entre as pessoas, e com o uso de signos, no caso, a

CSA como recurso para a construção da linguagem. Esta, por sua vez, está

presente nas práticas sociais onde a atenção, a auto-regulação e a memória são

exigidas.

47 Conferir o gráfico referente ao desenvolvimento da interpessoalidade no anexo 6.

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A maioria dos demais alunos apresentou transformações visíveis a toda a

escola, a partir do instante em que eles começaram a participar das variadas

atividades junto com os colegas, aprendendo, também, a expressar melhor seus

sentimentos como alegria, tristeza, aborrecimento, desejos, carinho, dentre outros.

Da mesma forma, ainda foi possível observar um maior desenvolvimento na

construção de hábitos que contribuem para o desenvolvimento da autonomia, os

quais lhes permitem maiores possibilidades de participação dinâmica no ambiente

escolar e fora dele. Todas as atividades trabalhadas se desenvolveram de acordo

com o ritmo dos alunos e em consonância com ambiente e contextos culturais

apropriados para os objetivos propostos e mencionados na avaliação pedagógica.

A maneira como foram conduzidas tais atividades baseou-se nos contextos

das relações sociais, com apoio da CSA, permitindo que sua aprendizagem fosse

generalizada, o que significaria a apropriação de conhecimentos e hábitos que são

colocados em prática tanto no ambiente onde se desenvolveram, como nos demais

ambientes em que o indivíduo esteja. Exemplo: o fato de o aluno se alimentar

sozinho tanto na escola, onde ele recebeu estas orientações, como também

continuar se alimentando sozinho, sem o auxílio de um adulto, em casa, ou em

outros ambientes.

O ato de alimentar-se, muitas vezes é exaustivopara o indivíduo com autismo, quando se trata deseguir normas de conduta que estão presentes no dia-a-dia do homem em sua sociedade. No entanto, com exceçãodos alunos Rodrigo e Thiago, todos os demais tiveramevolução significativa no desenvolvimento do aspectoobservado e analisado.

Narrativa da Profª Bruna: “ Ana, após o lanche medeu trabalho. Teimosa e beliscando a todos! Sempreapós o lanche eles ficam mais agitados” .

A CSA contribuiu para que significados fossemformados, facilitando a auto-regulação da conduta dosalunos. A utilização significativa da CSA junto aosobjetos culturais, mais uma vez possibilitou que osalunos, por si mesmos, apreendessem e dominassem açõespróprias do ser humano.

A princípio, os alunos Renato, Luca, Ana e Marcoapresentaram dificuldades em se situarem e secomportarem adequadamente no refeitório. O ambiente dorefeitório era mais conturbado para eles, devido aobarulho do falar das pessoas que ali estavam. Seus

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movimentos, muitas vezes bruscos para se levantarem esentarem à mesa chamavam a atenção de nossos alunos,fazendo com que se encontrassem em diversas ocasiõesestressados e agitados. Contudo, com o tempo eperseverante atuação dos professores, eles passaram ase acostumar com aquela situação, compartilhando domesmo local para as refeições e, assim, aprendendo aconvivência com as demais pessoas que ali seencontravam.

Narrativa da Profª Bruna: “ No lanche, Ana secomportou bem. Não mexeu com ninguém. Ela estavatranqüila” .

Luca e Marco, que até então não utilizavamtalheres, aprenderam a fazer uso da colher e,posteriormente, do garfo. Ao se alimentarem, já nãoderrubavam mais alimento sobre a mesa e no chão, comoacontecia anteriormente. A própria família, nãopercebia o desenvolvimento de seu filho, mascomentava, ingenuamente, as coisas que aconteciam emcasa e que eram, na verdade, indicativas de progresso.

Uma das afirmações mais comuns sobre autistas é a de que eles não brincam

por não interagirem. De fato, quase concordamos: não brincam porque não sabem

brincar devido à ausência de relações sociais. De acordo com Vigotski (1994: 136)

“em um sentido, no brinquedo a criança é livre para determinar suas próprias ações”.

Dos nove casos aqui trabalhados, sete aprenderam a brincar. Luca brincava

com o carrinho, fazendo uso, inclusive, do imaginário quando reproduzia o som do

carro em alta velocidade pelo chão da sala de aula. Ana indicava, pelo símbolo

representativo da piscina, seu desejo de ir brincar e pular na água e, de fato, o fazia

quando lá estava puxando a mão da professora para também entrar na piscina e

jogar água para cima. Roger sorria quando via a professora pegar a bola para

jogarem no pátio. Ainda com pouca coordenação motora aprendeu a jogar a bola

para a professora e outros colegas, bem como a chutá-la e correr atrás dela quando

queria pegá-la.

As brincadeiras foram sempre inseridas pela professora em grupo, em dupla,

ou até individualmente com certos jogos pedagógicos, dentro e fora da sala de aula.

Desta forma, o brincar “em outro sentido, é uma liberdade ilusória, pois suas ações

são, de fato, subordinadas aos significados dos objetos, e a criança age de acordo

com eles”. (ibidem).

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Aprenderam a tolerar e a dividir com o colega que também queria o mesmo

brinquedo, a esperar sua vez mesmo com birras; a guardarem seus brinquedos no

mesmo local onde os pegaram. Aliás, todas as salas de aula possuem estantes com

diversos brinquedos, material pedagógico e aparelho de som, o que não veio a

afetar a atenção das crianças como alguns dizem, sugerindo que o ambiente seja

limpo de poluições visuais.

Sob o ponto de vista do desenvolvimento, a criação de uma situaçãoimaginária pode ser considerada como um meio para desenvolver opensamento abstrato. O desenvolvimento correspondente de regrasconduz as ações, com base nas quais torna-se possível a divisãoentre trabalho e brinquedo, divisão era esta encontrada na idadeescolar como um fato fundamental. (ibidem)

As brincadeiras no parque e na piscina foram essenciais para que relações

sociais se construíssem na própria prática social dos alunos, dos outros para si, e de

si para os outros. Os sorrisos e expressão de concentração surgiam nesses

momentos; percebíamos, em alguns alunos habilidades peculiares por meio do

brinquedo que escolhiam.

Luca se interessava por montar cidades com o brinquedo de blocos

conhecido como o “pequeno construtor”. Demonstrava precisão em montar encaixes

e quebra-cabeças. Montava sua cidade fazendo uso dos blocos para construir os

prédios, ruas, pontes; colocava árvores e carrinhos vermelhos nas ruas.

Marco e Ana manifestavam seu gosto pela música, a partir da própria escolha

do que desejavam ouvir no aparelho de som e no acompanhar com instrumentos de

bandinha rítmica. Ao desenvolverem sua capacidade de verbalizar, acompanhavam

a música cantando, ou como quem está cochichando.

Narrativa da Profª Bruna: “Roger fez as atividades resmungando um pouco, mas fez

corretamente e sozinho. Achei surpreendente como ele está ”arteiro”, tomando iniciativas de brincar.

Hoje, por incrível que pareça, ele comeu dois pãezinhos e um copo de gelatina. Acho que Roger é

muito esperto e está ficando brincalhão. Separou corretamente as cores, encaixou as formas

geométricas, está entendendo o que lhe é pedido para fazer (às vezes, é um pouco teimoso). Sua

interação está muito boa. [...] Às vezes ele e o Renato se entendem ou até mesmo se estranham na

maneira de ser. É engraçado como o Renato procura o Roger para brincar, coisa que ele não fazia

antes. Parece que entre os dois está havendo interação.”

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Quando Roger resmunga, está exprimindo seus desejos e sentimentos. Ele não desejava

estar dentro da sala de aula realizando algumas atividades pedidas pela professora, mas sim estar

brincando, jogando no pátio da escola como costumavam fazer. A respeito da importância do brincar

Vygotsky (1994:136-137) coloca: “a essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o

campo do significado e o campo da percepção visual - ou seja, entre situações no pensamento e

situações reais”. No entanto, as brincadeiras somente se concretizaram a partir do momento em que

as crianças foram inseridas no grupo social, aprendendo a brincar junto com outras crianças e com a

própria professora.

Com a introdução da CSA, como um código de apoio à construção do signo

por meio de suas imagens representativas, a formação de conceitos foi facilitada,

possibilitando maior desenvolvimento e qualidade da interação social e do

pensamento generalizante. Logo, com relação à CSA, como recurso que favorece o

desenvolvimento da linguagem, pensamos, tal como Vigotski (2000:174) que “a

própria linguagem não se funda em vínculos puramente associativos, mas requer

uma relação essencialmente nova, efetivamente característica dos processos

intelectuais superiores entre o signo e o conjunto da estrutura intelectual”.

Portanto, a internalização da significação do que será concretizado se

constrói no decorrer do desenvolvimento da consciência dos alunos nas relações

sócio-culturais com o outro. Nesse processo, ocorre o que Vigotski chama de

pensamento por complexos. No primeiro estágio de formação do conceito, que se

manifesta como um amontoado desorganizado de objetos desiguais sem

fundamentos, há o predomínio do sincretismo, momento em que o conceito no

sentido real ainda não está desenvolvido.

Nesse estágio, estavam Ana, Luca, Marco e Renato quando iniciamos o

trabalho, tendo a CSA como apoio para o desenvolvimento da linguagem. Com o

tempo, passaram, então, a fazer uso da linguagem não-verbal para a nomeação de

objetos no contexto escolar e a desenvolverem a capacidade de classificar os

mesmos de acordo com suas características peculiares. Nessa etapa do

desenvolvimento, encontravam-se no segundo estágio denominado por Vigotski

(1987:66) de “pensamento por complexos”. Os objetos isolados eram associados na

mente dos alunos, por meio das impressões subjetivas que aconteciam ao acaso e

pelas relações realmente existentes, entre esses objetos no processo de percepção

imediata onde estão presentes os encontros espaciais, temporais e o contato

imediato com os mencionados objetos.

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Narrativa da Profª Érica: “Marco se comportou bem quando fomos ao lago

municipal. Quando voltamos, pegou a caixa de blocos lógicos, foi até a caixa onde

ficam os símbolos, pegou os referentes às formas geométricas e ficou fazendo o

pareamento sozinho (eu só fiquei observando). [...] Trabalhamos com Marco os

nomes das cores e suas letras, mas ele não diz o nome de todas as cores. Faz a

correspondência com os símbolos representativos dos meios de transporte e cores.

Está nomeando vários animais e meios de transporte. Eu mostro a ele o símbolo que

os representa e ele diz verbalmente o nome”.

Marco e Ana desenvolveram a capacidade de usar a palavra oralizada,

constituindo signos representativos de um determinado objeto cujo conceito foi

formado. Logo, a CSA não atrapalha o desenvolvimento da linguagem oral, como foi

afirmado por alguns profissionais na literatura encontrada, mas auxilia no seu

desenvolvimento. Encontramos aqui, principalmente em Ana, o terceiro estágio

denominado “pensamento por conceitos”, em que a imagem sincrética é equivalente

ao conceito. Vemos nos alunos a capacidade da abstração e do isolamento de

elementos que faziam parte de sua experiência e foram utilizados em outros

contextos reais. Assim, o que está contido nessas experiências vivenciadas pode dar

início a uma organização abstrata, sem que haja impressões ou circunstâncias

concretas.

A mãe de Renato se queixava de que ele não se comportava em casa da

mesma forma que na escola. Dizia que Renato não fazia uso do banheiro em casa,

sendo que na escola já havia deixado de usar fraldas. A professora, por sua vez,

trabalhava as questões relacionadas à higiene no banheiro da escola, aproveitando

também os passeios realizados para que os alunos usassem os banheiros de outros

locais, utilizando a CSA para indicar as diversas ações que estavam sendo

mediadas. Com o tempo, Renato formou conceitos relativos às atividades de higiene

nas experiências que vivenciou, passando a concebê-las de maneira generalizante,

fazendo uso do banheiro tanto em casa como em outros locais.

A CSA, inserida no contexto escolar, onde as experiências vivenciadas são

mediadas intencionalmente pelo professor, contribui para a construção de conceitos

que são internalizados pelo aluno com autismo, durante seu processo de

desenvolvimento, a partir de sua interação nas relações sociais com o outro. Esses

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conceitos estabelecidos pela cultura são encontrados no mundo real e somente

podem ser internalizados e apreendidos se esse indivíduo estiver inserido no grupo

cultural em que os significados que constituem o concreto em categorias conceituais

são nomeados por palavras da língua do grupo.

No entanto, a diferença de se utilizar a CSA numa abordagem centrada na

modificação do comportamento, pelo condicionamento operante do próprio

comportamento, para a abordagem sócio-cultural na perspectiva do desenvolvimento

da linguagem, está no fato de a CSA não ser um instrumento com objetivo em si

mesma como determinante no processo de ensino e aprendizagem do aluno com

autismo, por meio de memorização e condicionamento. Ela é um instrumento

constituído por símbolos do mundo real e opera como promotora para a construção

do signo, a partir de sua inserção nas experiências vivenciadas no grupo cultural,

nas relações sociais com o outro.

Uma das dificuldades encontradas pelas professoras foi organizar a rotina

escolar dos alunos que, em geral, não a aceitavam bem. Na verdade, a falta de

aceitação decorria da incompreensão do que fosse rotina, ou seja, daquilo que

deveria ser feito por eles durante o dia. O PCS foi utilizado como uma agenda diária

para cada aluno. Para tornar mais significativa para o aluno, cada agenda tinha uma

foto do aluno, o que possibilitava a cada criança o reconhecimento de ser sua. A

organização da rotina não era inflexível, pelo contrário, a fim de se trabalhar a

tolerância dos alunos, propositalmente, a professora, por algumas vezes na semana,

alterava, junto com o aluno, certa atividade por outra.

Assim, por exemplo, a existência de uma piscina na escola era, muitas vezes,

motivo de conflitos entre Ana e a professora, pois a menina queria, ao chegar à

escola, ir imediatamente para a piscina. Ao inserirmos a CSA na organização da

rotina escolar, o conflito foi sendo resolvido. A professora colocava na agenda

símbolos que representavam determinadas atividades em sua ordem de realização.

Ana, gostando muito de ir à piscina, sempre chorava ou fazia birra para que o

símbolo de representação da piscina fosse colocado em primeiro lugar nas

atividades a serem realizadas A professora passou a conversar com Ana e a explicar

que ela iria, sim, à piscina, mas que antes precisava realizar outras atividades.

Algumas vezes, concordava com Ana e alteravam, juntas, o horário de ir à piscina.

Ainda em relação à Ana, em outras ocasiões, a ida à piscina não era

contemplada, estando o símbolo que simbolizava a ida ao parque, em seu lugar.

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Esta situação, de não ter sua vontade realizada, resultava em exaustão para a

professora, porém, era necessário trabalhar com a aluna a organização das

atividades propostas para aquele dia, pois em meio a outras situações,

principalmente, fora da escola, Ana deveria aprender a se comportar.

Nesse processo contínuo de aprendizagem mediada, a CSA contribuiu para

dar significado, inclusive, na organização da rotina escolar. Em meio às birras de

Ana, conseguir sua atenção era algo impossível naquele momento, através de

palavras verbalizadas. Mas, fazendo uso da CSA, era possível que, ao se acalmar,

Ana expressasse por meio do símbolo aquilo que desejava fazer, compreendendo

que havia um momento para sua realização. Aos poucos e com muito trabalho, Ana

apresentou resultados positivos quanto ao desenvolvimento de sua tolerância.

Narrativa da Profª Bruna: “Não precisei, neste semestre, da ajuda do auxiliar

com relação ao comportamento da Ana e do Renato, pois ambos estão realmente

mais calmos. O trabalho durante o semestre foi bom. Eles já estão com a rotina

diária bem estruturada e estão tendo muitas iniciativas dentro da sala de aula.

Ambos já não precisam mais tanto da utilização dos símbolos para comunicação,

salvo em situações diferentes da rotina ou em situações de dificuldades maiores na

comunicação”.

Em geral, pessoas com autismo manifestam comportamentos estereotipados

em situações em que não sabem e/ou compreendem o que irão fazer naquele

momento. Nesse sentido, a CSA auxilia tanto na organização da rotina escolar para

o professor como na organização do processamento de informações para o aluno

com autismo.

Nem todos os alunos apresentavam habilidades com tesoura, cola, papel,

encaixes, dentre outras, por isso nem sempre todos realizavam as mesmas

atividades. No aprendizado de novas atividades a mediação nas relações foi

importante para que houvesse a observação de um aluno para com seu colega. O

PCS como uma agenda de mesa que apresentava a seqüência de atividades que o

aluno deveria realizar, permitia à professora dar atenção a todos os alunos em razão

de se ter uma maior organização. Por certo que as atividades em mesa são mais

trabalhosas, exigindo da professora uma ação mediadora constante no que diz

respeito ao ensino do novo, à realização completa das atividades, ao

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comportamento dos alunos em classe, ao respeito com o colega que faz uso de

certo material.

A princípio, Marco não compreendia quando a professora lhe dizia: “Marco,

pegue a tesoura”. Para ele não havia significado, o som emitido pela professora que

para nós significa a palavra tesoura, representando um objeto classificado e

nomeado desta forma, generalizando todos os mesmos objetos iguais a ela e que

servem para cortar papel. Com o apoio simbólico da CSA, Marco foi construindo em

meio ao contexto da sala de aula seu conceito de tesoura. Com o tempo, já não

precisava mais do PCS para representar simbolicamente a tesoura; ele já

compreendia quando a professora lhe solicitava o objeto verbalmente e sabia para

que aquele objeto servia. Assim como o exemplo citado, aconteceu com os demais

alunos nas diversas atividades em classe.

Cabe recordar que, com exceção do aluno Luca, todos os demais apresentam

em comorbitância com o autismo, a deficiência mental. Os alunos, Ana e Marco,

tiveram um desenvolvimento significante com relação ao desenvolvimento cognitivo

e ritmo que possuíam. Os objetivos das atividades propostas eram relacionados ao

desempenho de capacidades de cunho acadêmico.

As atividades de discriminação e realização de tarefas com materiais

pedagógicos para pareamentos, encaixes, empilhamentos, montagem,

reconhecimentos de formas geométricas e figuras diversas, reproduções de canções

e identificação das partes do corpo humano foram as mais aprendidas por estes

alunos.

Narrativa da Profª Bruna: “Ana adora pegar lápis e papel e ficar desenhando.

Faz círculos, riscos, mostrando-se super concentrada. Hoje, ficou cerca de 15

minutos desenhando. Adorou ouvir o Hino Nacional e já pegou um pouco da

melodia. [...] Ana está recortando com a tesoura, sozinha (usa a mãe esquerda para

recortar). Hoje ela queria recortar tudo o que era papel na sala. Renato e eu fizemos

atividades de pintura, recorte e colagem”.

Também desenvolveram maior autonomia e a capacidade de compreender e

responder a solicitações de níveis mais complexos. A utilização da CSA para o

desenvolvimento cognitivo também veio a contribuir para a apreensão e

internalização dos conhecimentos e atividades trabalhadas, em razão da

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possibilidade de poderem visualizar nos símbolos pictóricos alguns exemplos e

“dicas” de como poderiam realizar suas tarefas.

Narrativa da Profª Bruna: “Ana e Renato têm tido iniciativas como: pegar o

material que vamos trabalhar: Renato vai para a mesa, pega uma atividade de

encaixe, realiza-a e depois a guarda. Ana pega lápis de cor e papel e diz “-

desenhar!”. Desenha e guarda o lápis, depois quer pendurar seu desenho. Quando

eu falo: “- agora vamos lavar as mãos e ir ao banheiro”, ambos vão, usam o banheiro

e lavam as mãos, sem que eu precise ficar falando.”

Segundo Vigotski (1994:149) “o desenho é uma linguagem gráfica que surge

tendo por base a linguagem verbal”, trazendo consigo o simbolismo que significa

algo para si mesmo como também para o outro. O desenho acompanhado e

permeado pela fala se constitui em um processo decisivo para o desenvolvimento da

escrita. Por meio do desenho, Ana lidava com representações mentais que

substituíam o real, de forma que tais representações mediavam a sua relação com o

mundo, num contínuo processo de conhecimento de si, do outro, para si e para o

outro nas experiências cotidianas, no espaço escolar e fora dele.

O aluno Renato, no que diz respeito à sua condição, também demonstrou

evolução em seu desenvolvimento cognitivo, contudo, num ritmo mais lento do que

os demais, dentro de suas possibilidades. Ele pouco desenvolveu sua autonomia e

iniciativa diante das situações, bem como a compreensão de solicitações mais

complexas, isto é, a compreensão de mensagens mais longas e que demandam

maior atenção. Porém, desenvolveu, de modo relevante, sua capacidade e

habilidade referentes à coordenação motora fina para atividades com materiais

pedagógicos e jogos de encaixe.

Com relação ao desenvolvimento perceptivo-motoros alunos Renato, Luca, Ana e Marco desenvolveramsatisfatoriamente as capacidades relativas àmotricidade fina e global, auditivas, visuais etáticas. Como essas habilidades estão relacionadas aodesenvolvimento e desempenho físico, não há dúvida deque todos se apresentavam aptos. Entretanto, o que nosinteressa é a aprendizagem das atividades inerentes aodesenvolvimento perceptivo-motor.

Os referidos alunos, ao chegarem à escola nãosabiam realizar muitas atividades como, por exemplo,chutar a bola para um colega; arrastar-se e saltar

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dentro de algo, ou outra atividade física proposta;realizar movimentos coordenados de mãos numabrincadeira rítmica de bater palmas; não tinhamcoordenação grafo-manual no colorir um desenho.Portanto, a aprendizagem de tais atividades e o prazerde realizá-las sucedeu na interação social construídanas experiências mediadas pelo professor.

No que diz respeito à utilização da CSA na construção do signo para o

desenvolvimento da linguagem, em que o ato de indicar representações simbólicas é

uma constante, reportamo-nos a um texto de Vigotski (1984: 63,64), comentando

acerca do gesto de indicar, que a constituição desta ação do gesto pode ser

entendida como uma evidência do surgir da compreensão de significados e sentidos

de movimentos, ações, verbalizações que se iniciam dos outros para a criança e

depois da criança para ela mesma e para os outros. Vejamos:

Inicialmente, este gesto não é nada mais que uma tentativa semsucesso de pegar alguma coisa, um movimento dirigido para umcerto objetivo, que desencadeia a atividade de aproximação. (...)Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seumovimento indica alguma coisa, a situação mudafundamentalmente. O apontar torna-se um gesto para os outros. Atentativa mal sucedida da criança engendra uma reação, não doobjeto que ela procura, mas de uma outra pessoa.Conseqüentemente, o significado primário daquele movimento malsucedido de pegar é estabelecido por outros. Somente mais tarde(...) é que ela, de fato, começa a compreender esse movimentocomo um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma mudançanaquela função do movimento: de movimento orientado pelo objeto,torna-se um movimento dirigido para uma outra pessoa, um meio deestabelecer relações.

Aos poucos, os alunos foram se desprendendo do PCS. Todavia, muitas

vezes quando algo novo era inserido no contexto desses alunos, a CSA era

retomada para auxiliá-los, facilitando desta forma sua aprendizagem.

Para nós, vale ressaltar a importância do significado das interpretações48 que

vão surgindo em meio ao processo de ensino e aprendizagem, feitas pelo professor.

Como ele é o mediador nas ações e situações existentes, sua interpretação para

construir os sentidos em resposta às manifestações dos alunos é o centro nesse

processo complexo.

48 Anexo 7 - Avaliação longitudinal da equipe.

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Tomando a abordagem histórico-cultural na perspectiva do desenvolvimento

da linguagem, a partir do ato de mediar as relações e práticas sociais, fica-nos

evidente que é mediante o grupo social em que a pessoa com autismo está inserida,

que suas produções verbais e representativas, por meio de gestos ou de indicações

com e/ou sem o auxílio do PCS, vão se construindo e re-desenhando aquele

contexto com as referidas significações, dando-lhe o sentido de maneira adequada

dentro das muitas possibilidades.

A produção do sentido e do significado, de modo a serem apropriados pelo

indivíduo, ocorre de forma processual e contínua, a partir de sua inserção e imersão

na coletividade onde está presente o mundo cultural e social que constrói regras e

significados, compreendidos socialmente como convencionais, que cria, modifica e

os coloca em desuso, sendo necessária a participação da linguagem para que os

mesmos sejam apreendidos e apropriados para si mesmos.

Com relação à produção de sentido e significado, gestos, indicações,

verbalizações, vocalizações, entonação, modo de olhar, expressão de sentimentos,

desejos e outros aspectos mais, todos são elementos geradores de distintos

sentidos e que necessitam ser atentamente observados e interpretados pelo

professor para serem mediados em seus contextos com o objetivo de se

constituírem significados realmente apropriados pelas crianças, de maneira que

possam generalizar o conhecimento aprendido nos diversos ambientes de que

participa.

O gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita dacriança [...]. os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos são,freqüentemente, simples gestos que foram fixados. [...] O própriomovimento da criança, seus próprios gestos, é que atribuem afunção de signo ao objeto e lhe dão significado. Toda atividaderepresentativa simbólica é plena desses gestos indicativos [...](VYGOTSKY, 1994: 141-143)

Para os alunos que oralizam ou emitem alguns sons mais freqüentes em

determinadas situações, sendo esses, portanto, referências de construção de

significados, é necessário que o professor realize o ensino de forma a articular seu

modo de expressão, com a orientação do que é convencionalmente aceito para a

participação ativa do aluno no gerar sentido em meio à reciprocidade de

comunicação nas relações sociais.

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Tal como afirma Vigotski em seus pressupostos teóricos, a apropriação das

palavras ocorre em meio à interação verbal nas relações com os outros em

contextos enunciativos de origem real e concreta, considerando que o iniciar do

processo de aquisição da linguagem é complexo. Todavia, compreendemos que a

partir do instante em que o aluno faz uso de palavras isoladas e de CSA, para a

construção de sentidos e significados, ele está construindo de forma significativa,

enunciações e, desse modo, está desenvolvendo sua linguagem.

Para nós, a palavra e as representações simbólicas, por meio da CSA, estão

repletas de significado e vinculadas às situações de origem concreta nas quais são

enunciadas, construídas de forma dinâmica e interligadas às condições interativas

de linguagem que se alteram em contextos distintos, enquanto os significados se

estabilizam conforme os contextos.

A dependência desnecessária da CSA não contribui para o desenvolvimento

da linguagem do aluno com autismo, pelo contrário, implica sua acomodação e

involução no desempenho. Havendo percepção de que esse recurso não está sendo

necessário, o aluno deve ser incentivado pelos profissionais que com ele trabalham,

por meio da interação social e mediação das experiências vivenciadas, a exercitar

sua relação com os outros em contextos sociais para o desenvolvimento de sua

linguagem.

O que podemos afirmar com certeza é que a palavra e sua significação

devem estar necessariamente vinculadas ao contexto no qual a enunciação foi

produzida. No caso da CSA, é notável como o nível de interesse dos alunos

aumentou, proporcionando a eles possibilidades de construção de sentidos capazes

de colaborar para o desenvolvimento de verbalizações tomadas de significado e de

possibilidades de diálogo com as professoras e colegas.

O que desencadeou os resultados obtidos, porém, foi um recurso simbólico

que possibilitou o alcance de determinados objetivos com os alunos, devido à maior

clareza na construção dos significados.

A CSA auxiliou na construção dos significados de um “mundo”, até então

desconhecido e/ou pouco explorado com esses alunos. Por “mundo”, entendemos

sua relação com as outras pessoas; compreensão do significado de palavras

emitidas que eram apenas ouvidas sonoramente; aquisição de conhecimentos sobre

para que servem determinados objetos; percepção de normas que regem muitas de

nossas condutas sociais.

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Como apoio à professora, para trabalhar com os alunos a respeito de quem

são os integrantes de cada família, o uso da CSA em forma de fotografia, contribuiu

para o reconhecimento de cada pessoa e o seu papel, como ocorreu com a aluna

Ana: ela aprendeu a relação com todos os componentes de sua família e passou a

reconhecê-los.

Para trabalhar os sentidos e significados dos sentimentos com os alunos, o

PCS foi utilizado como representação simbólica dos mesmos, já que possui

símbolos visuais que expressam tristeza, alegria, raiva, dentre outros. Nessas

ocasiões, a professora apresentava aos alunos os respectivos símbolos para que

indicassem quais correspondiam ao que estavam sentindo naquele momento.

Não há dúvida de que a utilização da CSA, somada às experiências

vivenciadas em contextos sociais de aprendizagem, amplia a construção e o

entendimento de conceitos trabalhados, contribuindo para o aluno com autismo a

partir de representações visuais, como mais uma forma receptiva de comunicação,

além do modo auditivo de recepção. Assim, na apresentação de conteúdos

(conhecimento do mundo/científico/escolar) a serem aprendidos, a CSA foi um

instrumento usado para a mediação desses conhecimentos e construção de

sentidos e significados que passaram a existir na vida dos alunos e que lhes

proporcionaram maior facilidade no processo de ensino e aprendizagem.

Luca, Renato, Marco, e Ana não respondiam ao que lhes era proposto em

muitas atividades, principalmente naquelas que aconteciam dentro da sala de aula

com objetivos relativos à aquisição de conhecimentos. Embora cada um dos quatro

alunos apresentasse menor ou maior grau de comprometimento como conseqüência

da comorbitância do autismo com a deficiência mental, o que os diferenciava no

ritmo de seu processo de aprender; todos manifestavam significativa dificuldade na

construção de sentidos e significados e então, conseqüentemente, em sua

aprendizagem.

4.1. Destaque às professoras

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Tivemos momentos de dificuldades junto às professoras, no que diz respeito a

compreenderem e acreditarem que a proposta educacional, fundamentada nas

relações sociais, na mediação apoiada pelas figuras promoveria o desenvolvimento

da linguagem. Na verdade, a maior preocupação das professoras era a de que seus

alunos se comunicassem com elas, assim tudo era voltado para a comunicação.

Logo, aparentemente, era mais fácil trabalhar com métodos que promovessem uma

resposta mais rápida, por meio do condicionamento do comportamento de

apresentar figuras para expressar necessidades, do que trabalhar numa perspectiva

discursiva enunciativa, tendo em vista identificar os interesses do aluno,

contextualizá-los em meio às relações sociais e à ação mediadora para o

desenvolvimento de sentidos e significados próprios.

Alguns métodos utilizados, para alunos com autismo, privilegiam o trabalho

individualizado. Por compreenderem desta forma, procuram desenvolver as

atividades em salas de aula que variam entre dois a cinco alunos com autismo. Em

nosso entendimento, o trabalho com autistas pode ter um outro direcionamento. Os

alunos receberiam uma atenção individualizada conforme o plano de ensino

proposto, visando atuar para o suprimento de suas necessidades no aprender;

devendo, contudo, participar de classes com outros alunos sem a síndrome, pois

aqueles vão contribuir para a ampliação da circulação sígnica na sala de aula, e

colaborar com a professora na sustentação dos processos dialógicos, necessários

ao desenvolvimento da linguagem dos alunos autistas.

Durante a análise, encontramos algumas dificuldades com relação aos dados

resgatados dos registros realizados pelas professoras, pois diversas falas dos

registros continham um foco em problemas de comportamento dos alunos e em

meio a essas falas é que surgia alguma anotação que mostrava indícios de

transformações, oriundas da proposta pedagógica implantada. O fato de não

podermos mais filmar os alunos implicou a falta de mais fatos a serem explorados

nas narrativas realizadas.

Entretanto, os possíveis entraves foram mais resultantes de alterações de

professores nas salas de aula e tempo insuficiente para prepararmos os novos

professores para o trabalho escolar, dentro da abordagem então assumida. Da

mesma forma, o remanejamento dos alunos para outras salas de aula, algumas

vezes inadequadas para o que eles necessitavam, prejudicou o andamento do

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trabalho, no que se refere ao levantamento dos dados, pois os professores que

antes estavam com alguns dos alunos haviam sido remanejados49.

Para concluir esta análise não pode deixar de ser considerada a função das

professoras como sustentadoras dos processos dialógicos na escola, em especial na

sala de aula, na medida em que os grupos de alunos eram não-verbais. Para elas,

que já tinham outra experiência de ensino junto àqueles alunos, havia a necessidade

de superar conceitos e preconceitos sobre as possibilidades de as crianças

aprenderem e as professoras, de educá-las.

A partir dos registros das professoras, percebemos o quanto pode ser difícil

alterar nossa forma de conduta e nossa prática docente diante dos conceitos que já

construímos em nossa mente acerca das coisas, sendo aqui, em especifico, a

respeito das possibilidades do desenvolvimento da linguagem do aluno com

autismo. Porém, à medida que nos vamos transformando, juntamente com nossos

alunos, no processo de ensino-aprendizagem, notamos as dificuldades que vão

sendo superadas conforme a evolução deles e, também, a nossa.

Começamos pelas relações das professorasfrente ao processo de educar alunos com autismo em umasituação que se caracterizava como eminentementedialógica.Durante o primeiro período de trabalho dasprofessoras com seus alunos, percebemos que, emborafossem realizadas reuniões, estudos e leituras para oconhecimento das características da síndrome e sobre anova proposta de trabalho, algo ainda estava faltandopara dar vida às ações das professoras.

Apesar de as professoras Anita e Bruna játrabalharem com educação especial, nunca haviameducado alunos com autismo. As professoras Carla,Denise e Érica, até então, haviam trabalhado somentecom alunos da rede regular de ensino. Deste modo,enfatizamos, em primeiro lugar, o conhecimento pessoaldelas com seus alunos e depois, o incentivo para quenos falassem de suas experiências pessoais .

O caminho para esse momento de reflexão e aconsciência da importância da construção da própriaprática pedagógica foi conhecido passo a passo, apartir de pequenos trechos da vida diária, iluminadosapenas por faróis centrados no dia que estava sendovivido.

49 No ano de 2004 aconteceram alguns remanejamentos e substituições de professores que interfiramno trabalho. No entanto, não entramos em detalhes sobre esta questão por não ser o foco principalda pesquisa.

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Esse fato pode ser conhecido por meio dodepoimento da professora Érica:

"No início eu me senti apavorada! Apavorada,mesmo! Eu pensei que não iria conseguir nada, nemalcançar o objetivo que a gente tinha. Mas hoje eu mesinto mais aliviada porque sei que trabalhei e que osalunos tiveram progresso. [...] Não é uma coisa fácil,mas hoje me sinto bem mais tranqüila e confiante".

A necessidade de ter êxito no trabalho apartir de uma nova maneira de agir com os alunoscausava, naturalmente, insegurança e ansiedade nasprofessoras. Semelhante sentimento ocorreu com Denise:

"Nos primeiros dias de aula, eu saía daqui chorando.O progresso do Thiago era muito lento. No meio do ano,eu fui lecionar em um parque municipal, quando voltei,fiquei super desanimada, porque a Dani não respondia anada. Mas no dia em que falei tchau para ela e ela feztchau para mim, eu me senti realizada".

A professora Bruna mostra uma conotação umpouco diferente das anteriores. Sua experiência comeducação especial vem de cinco anos de trabalhocontínuo com alunos com deficiência mental, comparalisia cerebral, síndrome de Down e deficiênciasmúltiplas. No entanto, trabalhar junto aos alunos comautismo era um desafio e uma grande novidade. Paraela, até mesmo sua forma de pensar sofreutransformações, como se pode perceber:

"No ano passado, eu trabalhava junto a alunoscom paralisia cerebral e quando eu via os autistasficava até com medo de tocá-los, abraçá-los ouconversar com eles, por causa do tabu que existia. Masacho que este foi um dos anos mais felizes que eu tiveaqui! Porque eu pude ver as crianças tornarem-se cadavez mais independentes de mim, e isso é muitogratificante. Eles foram um prêmio para mim".

Para que esta prática pedagógica tomasseconsistência, observamos a necessidade de asprofessoras comunicarem-se e partilharem suas idéias,incertezas e experiências com as demais colegas. Dessemodo, enfocamos o valor e a relevância das discussõesem grupo, para a prática reflexiva e transformadora navida pessoal e profissional do professor.

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À medida que as professoras foram conhecendoseus alunos no cotidiano, o conhecimento teóricotambém foi adentrando a sala de aula. Visamos criarcom elas, semelhante vínculo a que procuravam comrelação a seus alunos. Assim, como suas ações deveriamser ponderadas de reflexão, consciência e mediação noatuar com o aluno, o nosso relacionamento pessoal eprofissional com essas professoras era de reflexão emediação daquilo que lhes era novo, ou poucoconhecido, com seus conhecimentos e experiências jáadquiridos durante o período de formação e tempo dedocência. A partir do momento em que as professoraspassaram a perceber que, mesmo com limitações, seusalunos poderiam também aprender coisas novas, elas sesurpreenderam com seu próprio trabalho, tal como oexemplo de Carla:

"O Rodrigo é um menino que, quando vejo minhascolegas falando, fico até um pouquinho chateada, poiso progresso dos outros alunos é muito maior e oprogresso do meu aluno é mínimo, mas para mim égrande".

Observamos que, embora as professoras jápossuíssem uma formação destinada ao ensino e tempo deprática docente, a convivência com o novo asfascinava. A possibilidade de conhecer seu aluno, departicipar de sua vida e de atribuir atenção às suasnecessidades específicas, contribuiu para o processode mediação no ensino e na aprendizagem. Notamos queas características inerentes à síndrome do autismopassaram a ser mais bem detectadas, conhecidas ecompreendidas pelas professoras. Isto mostrou que,apesar do conhecimento científico adquirido por meiode leituras, estudos e orientações, a prática docentejunto a esse aluno com autismo, intensificou o grau deconhecimento já possuído, de forma a permitir ainternalização de conhecimentos. Contudo, as professoras encontraram muitosdesafios. Bruna faz menção a um tempo desafiador, adias e dias de dúvidas e incertezas, se aquilo quefazia, era realmente o certo. Quando assumiu suaclasse, seu aluno Renato atravessava um períodoconflitante devido à mudança de local, de professor,de horário, de alimentação e de ambiente. Tinhareações um tanto agressivas e era muito difícilacalmá-lo. Sua aluna, Ana, não apresentava taiscomportamentos, mas ambos apresentavam contínua

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tendência ao isolamento. Ao investir na relaçãosocial, por meio do leve tocar de suas mãos nosalunos, paciência, perseverança e dedicação, essaprofessora, seis meses depois, pôde afirmar:

"A melhor lembrança que eu tenho, em comparaçãocom o primeiro dia de aula até hoje, é vê-los fora doisolamento e com uma interação muito boa. Ver oRenato, que antes estava em crise, e a Ana, quebrincava sozinha diante da parede, agora buscandooutras pessoas para brincar, isso é uma lembrançamuito boa".

Para nós fica claro que o espaço para gerarconhecimentos, reflexões, conscientização e tomadas dedecisão a partir de uma abordagem que privilegia ainteração social com o outro, garantindo apossibilidade de exprimirem seus sentimentos, suasidéias, expandirem sua criatividade, tomarem decisõesa partir de seu conhecimento e vivência diária com oaluno, é fundamental para um processo de formaçãoconsciente, contínua e de transformação tanto para osalunos como para os próprios professores.

No relato de todas as professoras percebemos que,no início do trabalho junto aos alunos com autismo,elas passaram por momentos de intensa insegurança,medo, sentimento de incapacidade e desânimo. Noentanto, após seis meses de trabalho, a partir de umaprática apoiada nos pressupostos de uma educaçãomediada e da valorização das relações sociais,obtivemos a seguinte afirmação da professora Denise emconjunto com as demais que estavam presentes:

"Eu creio que todas nós sentimos as mesmascoisas, tanto no início do trabalho, como agora. Mashoje o sentimento é outro, nós não queremos maisdeixar essas classes porque pensamos naquilo quepodemos ainda conseguir com as crianças".

Quando iniciamos nossa pesquisa com asprofessoras, solicitamos que anotassem todas equaisquer atitudes de seus alunos que lhes fossemmarcantes ou lhes parecessem importantes, em umcaderno destinado para este fim. Notamos que nosfixaram os olhos como quem perguntava: "anotar oquê?". De propósito, não demos muitos exemplos sobre oque anotar. Tínhamos a intenção de provocar-lhes umdesafio que as incitasse a observar e conhecer seusalunos. O fato de serem alunos com autismo pareciadeixá-las sob certo impacto, pois, afinal de contas,

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pareciam não reagir ou não se importar com o que querque fosse que elas fizessem. Num silêncio inquiridor,as professoras tomaram posse dos cadernos. Explicamosque os mesmos serviriam para o nosso acompanhamentosobre o desenvolvimento dos alunos. Mas nossa intençãoia além disso. Pensávamos na possibilidade de uso dasanotações realizadas para momentos não planejados, emque o conhecimento na ação pudesse nascer a partir dereflexões solitárias e, finalmente, em reflexõescoletivas. No início, com exceção da sala de aula daprofessora Anita, percorríamos as demais todos osdias. As professoras Carla, Denise e Éricamanifestavam diversas dúvidas e incertezas sobre odesenvolvimento do potencial de seus alunos. Duranteaproximadamente noventa dias, precisamos apoiá-las noincentivo à crença em sua competência, pois sentiam-seincapazes como profissionais.

No sétimo mês de trabalho, perguntamos àsprofessoras sobre qual era o significado dos cadernosde registros. E as respostas foram:

– Carla: "Eu volto sempre no primeiro dia de aulamarcado e é nesta hora que eu percebo osprogressos do Rodrigo. No começo eu esperava,para fazer as anotações, pelas grandes mudanças,mas depois entendi que deveria começar pelospequenos resultados".– Érica: "O caderninho é como se fosse um livro,a história deles durante o ano. Quando eu vejo oque está no caderno, percebo as mudanças que jáocorreram. Olho para o Luca que antes só ficavano cantinho e, hoje, ele me chama para mostrar oque deseja".– Bruna: "É um registro da vida deles e umaorientação muito grande para nós".

Essa experiência com as professoras mostrou-nosque a questão do desenvolvimento de sentidos esignificados não se restringia apenas aos alunos comautismo, mas também a elas. A partir do momento em quepassaram a dialogar, a trocar experiências, acontextualizar os fatos que ocorriam diariamente, aperceberem que o contato com o outro é essencial parao ser humano, internalizaram tais conhecimentos evivências transcendendo o conhecimento advindo daracionalidade mecanizada até então instituída. Observamos que, como conseqüência dosmomentos de diálogo e da troca de suas experiências da

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prática docente, estabeleceu-se a integração da açãoinvestigativa no dia a dia com o aluno. Notamos que oato de investigar motivou-as para um maior interessesobre quem é o seu aluno e como se dá a suaaprendizagem.

– Bruna: "Antes de qualquer coisa, precisamosconhecer o nosso aluno e saber quais são as suasnecessidades. O valor da nossa prática pedagógicaé muito grande, pois o professor tanto pode"levantar" o aluno como também destruí-lo apartir de suas ações, suas palavras. Por isso euacho que em primeiro lugar é preciso conhecer oaluno".

É importante salientar que o êxito alcançadocom a proposta de trabalho educacional, centrada nasrelações sociais e na mediação com alunos autistas, éconseqüência do trabalho realizado pelo professor.Contudo, além de um segmento teórico-prático norteadordas ações das professoras, existe a vontade e aperseverança de cada uma.

– Carla: "Eu estou acreditando nessa proposta detrabalho pedagógico como uma filosofia de vida eé por isso que estou vendo resultados. Para sersincera, antes eu pensava que o trabalho com osautistas não daria resultado nenhum. De repente,eu percebo que o que estamos conseguindo éfantástico".– Bruna: "Acima de tudo, os alunos com autismosão pessoas como a gente, tendo as suasnecessidades, as suas preferências, apesar de,muitas vezes, ainda não saberem disso. Pelosresultados que eu tenho visto, estou achando essaproposta muito boa. Eu não consigo tratá-los comoautistas. Eu brinco com eles, dou beijos eabraços e, para trabalhar com eles, não épossível o professor ser bitolado. É necessárioestar aberto para o autista".– Érica: "São pessoas como a gente e devem sertratados sem diferença. Por que os tratar de mododiferente?".– Anita: "Como qualquer outra pessoa, meu alunotambém quer aprender. Porém, na maioria dasvezes, preciso buscar alternativas diferentes detrabalho para ele ".

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Para nós, fica evidente que o diálogo e asrelações estabelecidas no contexto em que asexperiências se firmam, contribuem para umaprofissionalização consciente. Isso permite e provocao agir e o pensar sobre si mesmo, faz com que oprofessor dialogue consigo mesmo, enquanto pessoa eprofissional.

É na relação sócio-cultural que o professorconduzirá a sua prática, segundo a sua condição deatuação. Para isto, ele utilizará conhecimentosteórico-práticos, que foram internalizados nesseprocesso, para criar condições que o capacitem aintervir por meio da mediação no contexto de seu alunode forma crítica, concreta e significativa.

O educar não consiste simplesmente em desbravarlabirintos na resolução de problemas, aqui emespecífico, os inerentes aos alunos com autismo. Oeducar propicia o trilhar e o construir de um processoque vai sofrendo transformações intensas atéconstituir suas características peculiares,considerando o contexto e a individualidade de cadaum. É por meio desse processo, em que se encontrampresentes as relações sociais, a linguagem e amediação, que o professor descobre e constróialternativas de trabalho que podem ser exploradas parao ensino e a educação de seu aluno.

Ao vivermos esta experiência com as professoras eseus alunos, experimentamos um sabor diferente noprocesso de ensino e aprendizagem no qual nós,professoras, talvez tenhamos apreendido muito mais doque os próprios alunos. Referimo-nos à questão daprodução de sentidos, de significados e de umaatividade consciente no trabalho pedagógico junto aalunos com autismo.

4.2. Comentários gerais

Como esta pesquisa tinha sua dimensão empírica,calcada numa intervenção educacional, destacamos dessaintervenção os eixos que eram relevantes para a teseformulada.

Retomando os pressupostos da abordagem histórico-cultural observamos como eixo de

nossa pesquisa, os seguintes aspectos inerentes ao processo de ensino e aprendizagem, tendo em

vista que, independente de sua sintomática, o aluno com autismo também pode ser inserido nessas

condições:

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– O desenvolvimento das funções psíquicas superiores é de natureza cultural e semiótica,

sendo a linguagem um aspecto fundamental do processo. O desenvolvimento da linguagem

passa por um ambiente social rico em produção de significados.

– O que o aluno pode realizar num momento com o auxílio de outra pessoa mais capaz do

que ele, também poderá realizar futuramente, sem tal auxílio. Este aspecto dava uma outra

orientação ao uso da CSA e à atuação das professoras.

Esses aspectos nos orientavam no processo de intervenção usando a CSA,

sobre a qual procuramos garantir sua inserção em contextos sociais, como um

instrumento promotor à construção do signo para o desenvolvimento da linguagem,

trabalhada pelos professores com seus alunos.

Os professores atuavam de maneira a mediar as situações existentes com o

propósito e a intencionalidade de adequar todo o contexto no qual estavam

inseridos, segundo as necessidades de seu aluno, visando à sua aprendizagem.

Além disso, a interação entre o professor e seu aluno foi fundamental para a

construção de significados e sentidos que emergem das experiências mediadas nas

relações sociais e em contextos reais.

Observamos que a inserção da CSA pode ser feita como apoio ao

desenvolvimento da linguagem, a despeito de considerarmos o fato de que a pessoa

com autismo traz consigo uma complexidade que se estende, desde a sintomática

da síndrome que impacta, até as formas de convívio e trabalho pedagógico

educacional. E também o fato de que, além dos transtornos do autismo, muitos

trazem consigo outras condições clínicas associadas que dificultam ainda mais o

trabalho a ser realizado.

Na perspectiva da abordagem histórico-cultural para o desenvolvimento da

linguagem, a CSA deixa de ser o centro nas atividades propostas pelo professor,

como um sistema de comunicação em si, passando o foco para a interação dialógica

significativa, que considera o aluno com suas experiências vivenciadas em conjunto

com os programas e métodos trabalhados, centrados em seu interesse. Tais

experiências são sempre reconstruídas, de maneira que o processo de ensino-

aprendizagem vai se desenvolvendo e percorrendo o caminho para a transformação

social do próprio aluno.

Com relação aos alunos, sujeitos da pesquisa, à exceção de dois alunos,

todos os demais praticamente não tinham acesso a brinquedos, envolvimento com

outras crianças sem a síndrome, atenção dedicada por um adulto. Ao chegarem à

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escola apresentavam comportamentos completamente estereotipados e bizarros

como, por exemplo: comer terra e sabonete; estereotipias de mãos e tronco

acentuadas; incompreensão de comportamentos adequados ao refeitório, banheiros,

salas de aulas; ausência de interação por meio de brincadeiras e contato afetivo,

principalmente relacionado ao toque de outras pessoas.

Alguns exemplos materializam os tipos de intervenção que eram objetivo de

interesse da pesquisa e que forneciam base empírica para a construção de dados.

Exemplo: Ana foi trabalhada pela professora em situações reais e naturais.

Antes de inserirmos a CSA nos contexto em que as situações ocorriam, Ana não

sabia como se expressar quando tinha vontade de ir ao banheiro. Uma das vezes

em que ela urinou na sala de aula, a professora pegou o símbolo que tinha um

desenho representando o banheiro e foi até o local com a menina e lhe explicou que

aquele era o local para onde ela deveria se dirigir quando desejasse ir ao banheiro.

Ao mesmo tempo, outros alunos se dirigiram ao banheiro e Ana os viu ali. Esse fato

aconteceu algumas vezes até que Ana, quando sentia vontade de ir ao banheiro,

pegava o símbolo que se encontrava em local acessível na classe e apresentava à

professora. Esta, por sua vez, ia conversando com Ana sobre o fato.

Passado algum tempo, certo dia eu me dirigi à classe e Ana interrompeu

minha conversa com a professora dizendo algo que não compreendíamos. Ela

repetiu algumas vezes, mas nós não conseguíamos entender. Até que Ana se

moveu até onde estava o símbolo do banheiro e nos mostrou dizendo “xixi!”. Muito

contente, a professora disse a ela que poderia ir ao banheiro. A partir desse dia, Ana

passou a utilizar a linguagem oral todas às vezes que necessitava ir ao banheiro.

Deste momento em diante foi deixando o uso dos símbolos do PCS nesse contexto.

Exemplo: Renato demonstrava muito medo diante da piscina e mais ainda

quando Ana estava por perto. Para não pegá-lo de surpresa e como parte dos

objetivos da professora, havia uma agenda50 de atividades que seriam realizadas no

dia, dentre elas, a ida à piscina. Assim, sempre que iam à piscina a professora

pegava o símbolo da piscina e conversava com ele e com Ana, mostrava também

em revistas as figuras que apareciam outras crianças brincando na piscina. Levava-o

para ver outros alunos na piscina. Renato não produzia linguagem oral e não

prestava muita atenção quando a professora falava com ele, de modo que o PCS

contribuía para que ele desse maior atenção pela visualização do símbolo. Porém,

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aos poucos, Renato foi demonstrando compreensão sobre o que estava

acontecendo a sua volta, tal como a professora registrou Bruna:

“Renato chegou calmo na escola. Fez as atividades dando um pouco de

trabalho. Brincou muito na piscina. Está adquirindo confiança nele próprio. Já estou

deixando-o um pouco sozinho, somente com a bóia e ele está conseguindo boiar

sozinho. Dormiu um pouco quando chegamos à classe. Chorou na hora de ir embora

porque queria ir de camionete com a Ana”.

Esse fato nos mostra o desenvolvimento da linguagem de Renato, mesmo

ainda não oralizando. Com a utilização da CSA como promotora da construção da

agenda, foi possível estabelecer uma rotina previsível de atividades que, mesmo

variando dia a dia, não era motivo de ansiedade, pois estava sinalizada pelos

cartões. As figuras também auxiliavam no desenvolvimento de significados e

expectativas associados à piscina.

Em nossa pesquisa observamos que, de fato, o PCS possibilita o

desenvolvimento da linguagem em razão de acontecimentos como estes que

ocorreram, não somente uma vez, como se fosse coincidência, mas permaneceram

constantes tendo os alunos internalizado e generalizado os conhecimentos

apreendidos nas experiências vivenciadas.

A CSA utilizada por um professor mediador que atua compreendendo o

processo de ensino-aprendizagem, sob a perspectiva da abordagem histórico-

cultural, favorece algumas condições necessárias ao professor em sua relação e

mediação com o aluno. Porém, somente por si mesma, numa concepção

mecanicista, ela é insuficiente no processo de educar. Logo, o mais importante é

decidir o modo de utilizá-las em sua capacidade de contribuir com o

desenvolvimento dos processos interativos e da linguagem.

Como exemplo, vejamos o que a professora Érica comenta sobre Luca:

“Fez a atividade de nomear cada parte do corpo olhando no espelho com o

meu auxilio. Gosta de desenhar. Identifica figuras de carros e de água. Quando

solicitado para verificar suas atividades na agenda, observa aquilo que estamos

fazendo no momento. [...] Gosta de ver as figuras das revistas, principalmente carros

50 Anexo 8 - Agenda de atividades diárias utilizando os símbolos representativas do PCS.

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e relógios. Hoje quando ele estava brincando com os pinos de encaixe, eu fiz uma

escada, ele olhou, colocou os pés e disse 'pé!'".

Os símbolos possibilitaram que tanto a professora como o seu aluno se

comunicassem. Luca encontrando-se inserido num contexto onde a relação social

está presente e utilizando o PCS para favorecer sua compreensão sobre o sentido e

o significado das coisas aos poucos foi desenvolvendo sua linguagem verbal.

O professor deve utilizar a CSA em função dos objetivos que almeja alcançar,

de forma que estes não se encontrem descontextualizados da realidade de seus

alunos. Para tanto, a ação intencional do professor é essencial nesse processo de

transformação na busca da solução de problemas, pois, acima das limitações

técnicas da CSA, estão as concepções de mundo, de sujeito e de ensino e

aprendizagem, que possibilitam o empenho para a inovação das formas e métodos

de trabalho para o desenvolvimento da linguagem do aluno com autismo.

Quando dizemos que o professor deve ter a CSA em função dos objetivos

propostos, queremos dizer que esses objetivos devem estar voltados para o

processo de ensino-aprendizagem, de maneira a respeitar o aluno como sujeito

participativo do processo. Ao contrário da maneira determinante como a CSA é

utilizada em métodos fundamentados no condicionamento do comportamento, nossa

pesquisa evidencia que o aluno com autismo desenvolve sua linguagem de maneira

a apontar o que deseja, mesmo sendo oposto ao que a professora planejou, e isso é

algo positivo para que o aluno se mantenha motivado a interagir com o mundo que o

cerca, como constatamos nos relatos abaixo.

Narrativa da Profª Érica: "Luca estava muito agitado hoje. Chorava quando

contrariado, não queria fazer nada. Fez algumas construções com os blocos do

brinquedo do pequeno engenheiro e quando lhe mostrei uma torre (figura recortada

da revista) ele não se interessou em fazer uma igual conforme eu pedi. Ele mostrou

que queria brincar com a água da pia, molhava o chão e ria".

Relato no diário de campo: Marco apresentava grandes dificuldades de

prestar atenção em coisas simples, sempre se mostrava agitado, não emitia uma

palavra sequer.

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Contudo, pudemos notar por meio do relato da professora que este perfil foi

sendo transformado em razão do nascimento da atividade consciente que traz

consigo o sentido e o significado por meio da linguagem e interação social,

confirmado no relato da Profª. Érica:

"Marco estava calmo, chegou e foi olhar sua agenda, sem que eu lhe pedisse.

Identificou os olhos e nariz em seu próprio rosto. Picou e colou papel colorido dentro

do círculo. Pedi para rolar o círculo, passar em suas mãos e no seu rosto e ele

compreendeu o que eu lhe pedi. Ele gosta muito de ouvir a história da onça. No

meio da história apareceu uma barata na classe e ele pediu para que eu cantasse a

música da baratinha e a imitasse andando e subindo na parede com os dedos".

No processo de educação de um aluno com autismo, muitas condições se

encontram entrelaçadas, tornando-se difícil, mesmo para o pesquisador, abordá-las

de maneira completa e detalhada. No entanto, por meio de nossa investigação,

pudemos perceber que existe uma diferença considerável no processo de

aprendizagem e desenvolvimento entre um aluno que é inserido em contextos

mecanizados e semioticamente reduzidos em relação para contextos sociais

semioticamente enriquecidos. Da mesma forma, percebemos que, embora a CSA

seja um recurso produzido por profissionais adeptos da teoria e da educação

comportamental, como recurso ela pode ser também utilizada de maneira a auxiliar a

promoção do desenvolvimento da linguagem do aluno com autismo.

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A N E X O 1

MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DE TRANSTORNOS MENTAIS -DSM-IV

Critérios diagnósticos para 299.00 Transtorno Autista

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de(2) e um de (3):

(l) prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dosseguintes aspectos:(a) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais tais comocontato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular ainteração social;(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível dodesenvolvimento;(c) falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações comoutras pessoas (por exemplo, não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse);(d) falta de reciprocidade social ou emocional.(2) Prejuízos qualitativos da comunicação, manifestados por pelo menos um dosseguintes aspectos:(a) Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (nãoacompanhando por uma tentativa de compensar através de modos a alternativos decomunicação tais como gestos ou mímica), em indivíduos com fala adequada;(b) Acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou desenvolver uma conversação;(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem (pode aparecer ecolalia) ou linguagemidiossincrática;(d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos apropriadosao nível do desenvolvimento.(3) Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses, e atividades,manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos deinteresse, anormais em intensidade ou foco;(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais;(c) maneiras motoras estereotipadas e repetitivas (por ex., agitar ou torcer mãos oudedos, ou movimentos complexos de todo o corpo) ;(d) preocupação persistente com partes de objetos, não atentando para aspectosrelevantes do meio.

A. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, cominício antes dos 3 anos de idade;(a) interação social,(b) linguagem para fins de comunicação social,(c ) jogos imaginativos ou símbolos.

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B. O distúrbio não é melhor explicado por Transtorno de Rett ou TranstornoDesintegrativo da Infância. (Cf. Artes Médicas, 1995).

A N E X O 2

CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DEDOENÇAS – CID 10

Pelo menos 8 dos 16 itens especificados devem ser satisfeitos

a) Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por pelo menos trêsdos próximos cinco itens:

1. dificuldade em usar adequadamente o contato ocular, expressão facial, gestos e posturacorporal para lidar com a interação social;2. dificuldade no desenvolvimento de relações de companheirismo;3. raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempos de tensão ouansiedade, e/ou oferece conforto ou afeição a outras pessoas que apresentem ansiedade ouinfelicidade;

4. ausência de compartilhamento de satisfação com relação a terprazer com a felicidade de outras pessoas e/ou de procura

espontânea em compartilhar suas próprias satisfações através deenvolvimento com outras pessoas;

5. falta de reciprocidade social e emocional.

b) Marcante lesão na comunicação:1. ausência de uso social de quaisquer habilidades de linguagem existentes;2. diminuição de ações imaginativas e de imitação social;3. pouca sincronia e ausência de reciprocidade em diálogos;4. pouca flexibilidade na expressão de linguagem e relativa falta de criatividade eimaginação em processos mentais;5. ausência de resposta emocional a ações verbais e não-verbais de outras pessoas;6. pouca utilização das variações na cadência ou ênfase para refletir a modulaçãocomunicativa;7. ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação oral.

c) Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses eatividades, manifestados por pelo menos dois dos próximos seis itens:1. obsessão por padrões estereotipados e restritos de interesse;2. apego específico a objetos incomuns;3. fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais específicos;4. hábitos motores estereotipados e repetitivos;

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5. obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de recreação;6. ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do ambiente.

d) Anormalidades de desenvolvimento devem ter sido notadas nos primeiros trêsanos para que o diagnóstico seja feito. (Cf. Artes Médicas, 1993)

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A N E X O 3PICTURE COMMUNICATION SYMBOLS(PCS)SÍMBOLOS DE COMUNICAÇÃOPICTÓRICA

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A N E X O 4DESCRIÇÃO DOS CASOS E SEU QUADRO DIAGNÓSTICO

CASO 1Nome: LUCA Data de Nascimento: 14/01/1996 idade: 9 anos

Avaliação diagnostica: 01/03/2000

Anamnese: Gravidez normal, cesariana, nove meses de gestação. A criança passou a apresentar

comportamento estranho a partir dos dois anos de idade: hiperatividade acentuada que com o tempo

foi diminuindo. Falou com um ano e onze meses, mas depois de um susto que levou com dois anos

no parque de diversões (Barca Vinquem), não falou mais. Andou com um ano e sete meses. Possui

controle esfincteriano. Funções neurovegetativas ligeiramente atípicas. Aparenta não ouvir bem,

porém segundo a mãe, atende quando algo lhe interessa. Criança rápida em suas atitudes. Dorme

bem.

Outros casos na família: O pai apresenta comportamentos e características provenientes de um

quadro de autismo. Segundo sua avó, o avô paterno tinha comportamentos estranhos. Tanto do lado

paterno como materno há pessoas com deficiência mental.

Diagnóstico: Autismo Multifatorial

Aspectos relacionados com o autismo: ausência de comunicação verbal, apego inadequado a

objetos (carros, lápis e papel, brinquedos sonoros) manias, indiferença para com as pessoas,

dificuldades na alimentação, usa as pessoas para alcance de objetos e para realizar atividades

diversas, labilidade de humor, agressivo quando contrariado, ausência de iniciativas sociais,

compreende e cumpre ordens simples. Aparente surdez, estereotipias de mãos, paladar bizarro

(lambe sabonete, mastiga espuma do sofá e colchão, come terra, come comida do chão depois de

mastigada, lambe o espelho), medos infundados, atende as ordens compreendidas à risca. Tem

excelente habilidade para construir com blocos de madeira e brinquedos similares.

Conclusão: Após o levantamento dos dados realizados através de anamnese com a mãe e

observação, conclui-se que seu quadro é compatível com Autismo, segundo os critérios diagnósticos

do DSM-IV e escala CARS para autismo. Há necessidade de apoio pedagógico estruturado com

sinais visuais claros, dentro de uma mediação constante realizada pelo educador, além do incentivo à

aproximação e contato com outras pessoas que não apresentam a síndrome. Deve ser encaminhado

para investigação genética sob possíveis associações patológicas ou hereditárias.

Atendimentos: atendimento indireto de fonoaudiologia.

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CASO 2

Nome: ANA Data de Nascimento:19/07/90 Idade: 15 anos

Avaliação diagnóstica: 11/06/1999

Anamnese: Mãe fez pré-natal, escorregou e estourou a bolsa. Parto normal, nove meses de

gestação, acompanhada pela parteira. Tomou injeção para ativar o parto. Aparentemente normal até

os seis meses de idade, depois se tornou muito agitada, largava tudo que tinha na mão, logo voltava

ao normal. Família procurou um oftalmologista, resultado normal da audição. Criança apresentou

problema com seis meses de idade com dor de ouvido (não se sabe a causa).

Atendimentos: Fisioterápico: indireto visando coordenação global e equilíbrio. Terapia Ocupacional:

indireto visando atenção, habilidades refinadas e A.V.D. para controle esfincteriano. Fonoaudiológico:

atendimento direto, devido ao retardo na linguagem, funções neurovegetativas, tempo de atenção

encurtado. Recebe atendimento neurológico.

Relatório: A criança iniciou na instituição aos três anos de idade. Infecções de garganta constante.

Hiperativa. Tem o costume de cheirar as pessoas que se aproximam a ela. Houve melhora no

comportamento. Percepção voluntária a relógios de pulso. Tem controle esfincteriano. Vocabulário

pobre. Atualmente, (1999), tem um nível bom de compreensão e evolução na verbalização e

compreensão verbal.

Diagnóstico: Síndrome de West com convulsões controladas.

Aspectos relacionados com o autismo: estereotipias motoras, apego ao sensorial olfativo e

gustativo, inventa palavras, interesses restritos e repetitivos, isolamento social, usa as pessoas como

objetos, auto agressividade, compreensão literal das expressões verbais, hiperatividade, episódios de

fuga, respostas assistemáticas aos sons, ignora a presença dos outros ausência da noção real do

perigo, apego a detalhes.

Conclusão: Após o levantamento dos dados anamnéticos com os pais, profissionais e observação da

menor, conclui-se que o quadro é compatível com Autismo Secundário à Síndrome de West, de

acordo com os critérios diagnósticos do DSM IV e aplicação da escala CARS para autismo.

CASO 3

Nome: MARCO Data de Nascimento: 04/05/1994 Idade: 11 anos

Avaliação diagnóstica: 11/06/1999

Anamnese: Gestação em estado nervoso. Pré-natal. Cesariana. Parto demorado. Andou com quase

dois anos. A criança baba muito. Teve sarampo, pneumonia, bronquite, catapora. Freqüentou uma

Instituição para pessoas com deficiência por dois meses, não aceitava ser tocado por ninguém,

chorava muito. Criança irrequieta. Ambiente familiar pouco estimulador e desfavorável. Filho de pais

separados.

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Outros casos na família: Irmã mais nova e dois tios com Deficiência Mental, pai alcoólatra.

Antecedentes familiares com problemas de deficiências, tanto no lado materno como paterno.

Atendimentos: Recebe atendimento indireto de fonoaudiologia.

Relatório:. Hiperativo e com déficit de atenção. Sem interesse por brinquedos ou objetos. Sem

limites. Não reconhece seu crachá. Pouca compreensão de regras e valores.

Diagnóstico: Hiperatividade, Síndrome do X-Frágil e ADNPM.

Aspectos relacionados com o autismo: usa as pessoas como objetos, interesses restritos, invade a

privacidade alheia sem solicitação, hiperatividade acentuada, insensibilidade aos estímulos

dolorosos, apego ao sensorial, risadas sem motivos aparentes. Estereotipias motoras, auto-agressão,

destrutividade, não sabe brincar (fantasiar), movimentos repetitivos, sem noção do perigo, hábito de

tirar a roupa.

Conclusão: após o levantamento dos dados anamnéticos com os pais, profissionais e observação do

menor, conclui-se que o quadro é compatível com Autismo Secundário à possível síndrome, de

acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV e aplicação da escala CARS para autismo. Pelos

sinais faciais que indicam possível alteração, recomenda-se investigação médica detalhada como

componente associado ao autismo.

CASO 4

Nome: RODRIGO Data de Nascimento: 23/07/1990 Idade: 15 anos

Avaliação diagnóstica: 11/06/1999

Anamnese: Gestação normal. Fez pré-natal. Cesariana, nove meses de gestação.

Outros casos na família: Mãe e irmã são deficientes mentais, avô em quadro psiquiátrico. Primeiros

sinais do problema aos seis meses de idade.

Atendimentos: Direto no setor de fisioterapia e terapia ocupacional, visando fortalecimento muscular

geral, desenvolvimento motor completo e sensório-motor. Fonoaudiológico: devido à apresentação de

atraso de fala, linguagem e funções neurovegetativas. Déficits em grande parte ocorrem pela falta de

estimulação em ambiente familiar.

Obs.: A coleta de dados foi dificultada, em razão da condição familiar existente.

Relatório: Criança comprometida com ADNPM, espástica leve. Recebe atendimento direto e indireto

nos setores de Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia. Apresenta grande apatia. Não

verbaliza. Evolução regular da parte motora grossa. A fala não evoluiu. Consegue sentar sem apoio.

Anda somente com apoio de outra pessoa. Sem iniciativa. Não possui controle esfincteriano. Não

distingue sons, cores ou texturas. Sem noção da função de objetos ou de espaço. Reconhece a mãe

e a irmã. Não demonstra aspectos relacionados à emoção. Não interage com outras pessoas. Leva

tudo o que pega à boca. Pouco progresso em seu desenvolvimento global.

Aspectos relacionados com o autismo: Estereotipias motoras, apego ao sensorial, balanceio da

cabeça, olhar vago, labilidade de humor, não usa objetos de forma funcional, respostas

assistemáticas aos sons, dificuldades em fantasiar e simbolizar, baba, descontrole esfincteriano, não

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diferencia o sabor dos alimentos, expressão facial distante, apegos inusitados, atraso no

desenvolvimento neuropsicomotor.

Conclusão: Após levantamento dos dados anamnéticos com os pais, profissionais e observação do

menor, conclui-se que o quadro é compatível com Autismo Secundário à possível genética, de acordo

com os critérios diagnósticos do DSM IV e aplicação da escala CARS para autismo.

OBS.: O aluno foi encaminhado à UNICAMP para investigação genética, a fim de confirmar-se ou

refutar-se a hipótese de associação sindrômica. Diagnóstico: síndrome Hipomelanose de Ito.

CASO 5

Nome: RENATO Data de Nascimento: 11/01/1992 Idade: 13 anos

Avaliação diagnóstica: 11/06/1999

Anamnese: Gestação em estado nervoso, pai passou a desprezar a mãe devido à gravidez. Parto

normal, nove meses, acompanhada pela parteira. Precisou de oxigênio. Freqüentou maternal, mas

não parava e não interacionava com as outras crianças, nem com o irmão. Alimentação inadequada.

Fez exame BERA (resultado normal), sem controle esfincteriano até os seis anos de idade.

Dependente de A.V.D. Sono normal. Grita muito. Realizou EEG e tomografia (resultado normal).

Neurologista encaminhou para psiquiatria, mas não recebe o atendimento. Está atualmente com outro

neurologista. Tosse alérgica. Primeiros sinais perceptíveis do problema aos dois anos de idade.

Outros casos na família: Prima paterna com Deficiência Mental, irmã por parte de pai com foco. Pai

apresenta características pertinentes ao DSM IV de diagnóstico para autismo, porém não há

nenhuma avaliação ou diagnóstico realizado.

Atendimentos: Recebe atendimento indireto pelo psicólogo e fonoaudiólogo. Recebe tratamento

neurológico.

Relatório:. Criança apresenta grande atraso de fala e dificuldade de manter contato com o

fonoaudiólogo. Emite sons inteligíveis. Vocabulário pobre. Não atende ordens solicitadas. Não atende

pelo nome. Reage com estereotipias quando é contrariado. A criança foi trabalhada individualmente

com objetivos voltados à adequação de comportamento. Houve evolução positiva com relação ao

comportamento geral. Atualmente, o professor consegue trabalhar com atividades diversas de

encaixe, sentado junto à mesa. Dirige-se ao banheiro em atitude independente. Sua alimentação

continua inadequada (só come bolachas, cenoura crua, chocolate e pão). Possui paladar bizarro (leva

à boca sabonete, terra e similares). É uma criança que tem a tendência a chorar muito e a gritar.

Possui estereotipias manuais e saltitantes.

Aspectos relacionados com o autismo: Criança não se comunica verbalmente, não se interessa

por barulhos ou objetos “interessantes”, apego ao sensorial (lambe, come areia e similares), manias,

estereotipias motoras, dificuldades na alimentação, usa as pessoas como objetivos, hábitos deletérios

presentes, balanceios do corpo, labilidade de humor, sem iniciativas sociais, gosta de girar objetos.

Conclusão: Após o levantamento dos dados anamnéticos com os pais, profissionais e observação da

criança, conclui-se que o Quadro é compatível com Autismo, de acordo com os critérios diagnósticos

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do DSM-IV e aplicação da escala CARS para autismo. Há sinais claros de possível Síndrome do X –

Frágil associado ao quadro de autismo. Diagnóstico: após encaminhamento para investigação no

departamento de genética da UNICAMP contatou-se de fato que há presença da síndrome do X –

Frágil associada ao autismo.

CASO 6

Nome: THIAGO Data de Nascimento: 09/06/1993 Idade: 12 anos

Avaliação diagnóstica: 11/06/1999

Anamnese: Gestação com falta de ar, dor nas costas e barriga. Fez pré-natal. Parto normal, nove

meses, auxílio de parteira. Criança aparentemente normal até os cinco meses de idade.

Atendimentos: Terapia Ocupacional. Fisioterapia devido à hipotonia generalizada. Atendimento

Fonoaudiólogo indireto. Estimulação global em sala de aula.

Relatório: Durante o período de 02/1994 à 09/1999, a criança teve pouco progresso. Os MMSS e

MMII foram estimulados e trabalhos de origem fonoaudiológica foram realizados com objetivos

específicos, inclusive, para melhor desenvolvimento da mastigação, devido à criança engolir o

alimento sólido diretamente. Começou a andar, aproximadamente, em 1997 com 4 anos de idade e

pegar algumas coisas, porém não permanece com o objeto. Atualmente, anda e corre sozinho, mas

não se levanta do chão sem ajuda (sem iniciativa). Auto-agressividade existente e contínua, porém,

não agride outras pessoas. Continua recebendo atendimento fisioterápico e fonoaudiológico para

melhor desenvolvimento da mastigação. A criança, durante este período, não recebeu atendimento

pedagógico específico. Em maio / 99, a criança foi encaminhada por um pediatra para realizar

um diagnóstico definitivo, referente a possível associação com Autismo. Realizou-se a avaliação

diagnóstica. Dia 29/11/99, após solicitação encaminhada por ofício a sua pediatra, para informações

sobre a atual situação clínica do mesmo, a criança se encontra durante um período crítico de asma.

Suas crises auto-agressivas aumentaram. Foi permitido o trabalho de hidroterapia em água fria a céu

aberto.

Diagnóstico: Criança com Síndrome de Down e Retardo Neuropsicomotor.

Aspectos relacionados com o autismo: Movimentos repetitivos do corpo, estereotipias motoras,

agressividade (puxa o cabelo, bate a cabeça na parede, bate o queixo na mesa, bate no ouvido,

morde-se, fere-se com as unhas), labilidade de humor, comunicação verbal assistemática, uso de

visão perifÉrica, sem iniciativas sociais, sem interesse por brinquedos, interesses restritos,

dificuldades de relacionamentos sociais, dificuldades alimentares (não mastiga, precisa ser pastosa),

dependente de controle esfincteriano, sem função para objetos.

Conclusão: Após o levantamento dos dados anamenéticos com os pais, profissionais e observação

da criança, conclui-se que o quadro é compatível com Autismo Secundário à Síndrome de Down, de

acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV e aplicação da escala CARS para autismo.

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CASO 7

Nome: DANI Data de Nascimento: 17/04/1993 Idade: 12 anos

Avaliação diagnóstica: 27/04/2000

Anamnese: Gravidez normal. Cesariana. Segundo a mãe, a criança desenvolveu um quadro

convulsivo após tomar a vacina BCG com três meses de idade. Atualmente, seu quadro convulsivo

está controlado. Apresenta grande atraso à aquisição de fala e linguagem. Produz poucos vocábulos.

Alterações a nível fono-articulatório: arcada superior projetada, bruxismo, hipotonia, freio labial

superior presente e língua alargada. Possui RDPM desde o nascimento.

Diagnóstico: Epilepsia, RDPM, Autismo.

Aspectos relacionados com o autismo: ausência de comunicação verbal, apego inadequado a

objetos, manias, indiferença para com as pessoas, dificuldades na alimentação, usa as pessoas para

alcance de objetos e para realizar atividades diversas, labilidade de humor, agressivo quando

contrariado, ausência de iniciativas sociais, não compreende e não cumpre ordens simples. Aparente

surdez, estereotipias de mãos, paladar bizarro (lambe sabonete, come terra).

Conclusão: Após o levantamento dos dados realizados através de anamnese com a mãe e

observação da criança, conclui-se que seu quadro é compatível com Autismo, segundo os critérios

diagnósticos do DSM-IV e escala CARS para autismo. Há necessidade de apoio pedagógico

estruturado com sinais visuais claros, dentro de uma mediação constante realizada pelo educador. A

criança deve ser encaminhada para investigação genética sob possíveis associações patológicas.

Atendimentos: há necessidade de atendimento fonoaudiológico.

CASO 8

Nome: ROGER Data de Nascimento: 14/01/1986 Idade: 19 anos

Avaliação diagnóstica: 01/03/2000

Anamnese: Gravidez normal, cesariana, nove meses de gestação. A mãe foi ao hospital por três

vezes e diziam que não estava na hora do parto.

Diagnóstico: Encefalopatia infantil por anóxia perinatal. Microcefalia. Paralisia motora bilateral e

hiper-reflexa. EEG irregular com sinais de imaturidade centrecefálica. Primeiros sinais perceptíveis de

autismo aos nove meses, aproximadamente, após ter tido meningite e, conseqüentemente, ter ficado

com seqüelas. Apresenta atraso significativo em seu desenvolvimento neuro-psico-motor. Atende

pelo nome quando chamado.

Aspectos relacionados com o autismo: ausência de comunicação verbal, apego inadequado a

objetos) pedaços de papel e objetos de forma redonda), manias, indiferença para com as pessoas,

dificuldades na alimentação, usa as pessoas para alcance de objetos e para realizar atividades

diversas, labilidade de humor, agressivo Quando contrariado, ausência de iniciativas sociais, anda em

círculos se não estiver com alguma ocupação, possui certo controle esfincteriano, compreende e

cumpre ordens simples.

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Conclusão: Após o levantamento dos dados realizados através de anamnese com a mãe e

observação do adolescente, conclui-se que seu quadro é compatível com Autismo, segundo os

critérios diagnósticos do DSM-IV e escala CARS para autismo. Há necessidade de apoio pedagógico

estruturado com sinais visuais claros, dentro de uma mediação constante realizada pelo educador,

além do incentivo à aproximação e contato com outras pessoas que não apresentam a síndrome.

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A N E X O 5AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA DO ALUNO

Nome do aluno: _____________________________________________________

Data da avaliação: ___/___/_____.

Legenda

P = preocupante - D = deficitário - E = emergente - S = satisfatório - Ex = excelente

Valores: P = 0 D = 1 E = 2 S = 3 Ex = 4

Preoc. Defic. Emer. Satisf. Exce. Relação com a família

1Pontualidade em sua chegada à escola. 2Comparecimento às aulas. 3O aluno é asseado.

4Comparecimento da família do aluno à escola quandosolicitada.

5Comunicação da família com a escola.

6A família do aluno e seu cuidado quanto a seus aspectosmédicos e farmacológicos.

7Relação do aluno com família. Média Comportamento Geral

8Alimenta-se sozinho. 9Apresentação de auto-agressividade.

10Apresenta estereotipias durante as atividades. 11Apresentação de estereotipias motoras. 12Apresenta fala ecolálica. 13Atende quando é chamado pelo nome.

14Capacidade de caminhar de forma independente pela escola,reconhecendo os diversos ambientes.

15Capacidade de caminhar sozinho. 16Seu comportamento quando está dentro de algum transporte. 17Compreenção da seqüência de trabalho de sua agenda. 18Compreensão de ordens verbais. 19Comunicação verbal. 20Demonstração de agressividades para com outras pessoas. 21Apresentação de dificuldades para engolir. 22Apresentação de dificuldades para mastigar. 23Apresentação de dificuldades para sugar. 24Demonstração interesse para com outras pessoas.

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25Capacidade de seguir modelos ou imitações. 26Expressa suas necessidades (água, banheiro, dor, etc. ...). 27Expressa suas preferências. 28Localiza sozinho sua agenda de trabalho escolar. 29Mantém contato visual com o educador. 30Mantém contato visual com outras pessoas. 31Manuseia a tesoura. 32Compreende ordens mais complexas. 33Compreende ordens simples. 34Oferece ajuda quando solicitado. 35Olha para a atividade enquanto a realiza. 36Pendura a toalha após usá-la. 37Controle esfincteriano. 38Realização de atividades de forma ordenada e organizada. 39Realização das atividades em seu próprio ritmo. 40Realização de pareamento de cores. 41Realização de pareamento de formas. 42Realização de pareamento de fotos ou gravuras. 43Realiza sozinho uma atividade até concluí-la. 44Capacidade de colocar bebidas em copos ou xícaras. 45Capacidade de ligar e desligar o rádio, TV, etc. ... 46Capacidade de segurar o lápis de forma adequada.

47Tem iniciativa própria para comunicar-se através de suasfichas de comunicação.

Média Interpessoalidade

48Apresentação de atitudes de cooperação quando solicitado. 49Percepção da privacidade alheia.

50Manifestação de comportamentos anti-sociais como reaçõesestranhas ou atitudes esquisitas.

51Tendência a distância social. 52Capacidade de compartilhar materiais. 53Requere atenção de maneira apropriada. 54Capacidade de responder a cumprimentos. 55Tolerância à aproximação de outras pessoas. 56Tolerância a contato físico. 57Tolerância para esperar chegar a sua vez de atuar.

Média Linguagem/compreensão

58Capacidade de compartilhar objetos quando solicitado. 59Compreensão do significado da palavra não.

60Compreensão e execução de ordens simples acompanhadasde gestos.

61Manifesta compreensão de histórias ou textos lidos. 62Reconhecimento das partes de seu corpo. 63Reconhecimento das partes do corpo em outra pessoa. 64Reconhecimento e indicação de objetos e gravuras. 65Reconhecimento de seu meio ambiente.

Média Linguagem/emissão

66Capacidade de combinar sons e gestos para indicar suasprecisões.

67Capacidade de contar estórias.

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68Demonstração de interesse pelo significado de palavras. 69Desenvolvimento do discurso lógico. 70Capacidade de distinguir objetos. 71Capacidade de dizer o nome de pessoas conhecidas. 72Capacidade de dizer seu próprio nome.

73Capacidade de compreender e dizer: obrigado, por favor, comlicença ... quando preciso.

74Emissão de palavras de modo isolado.

75Emissão de palavras isoladas indicando quais são suasnecessidades.

76Capacidade de empregar artigos, pronomes e conjunções deforma adequada.

77Capacidade de empregar frases em sua linguagem.

78Manifestação de sua aprovação ou reprovação de modoadequado.

79Capacidade de nomeiar cores, formas e tamanhos. 80Capacidade de nomeiar os desenhos por si realizados. 81capacidade de nomeiar as partes do corpo. 82Procura ajuda quando necessita de algo.

83Quando não compreende algo, procura expressar-se dealguma forma.

84Capacidade de relatar experiências futuras. 85Capacidade de relatar experiências imediatas. 86Capacidade de relatar ocorrências em seqüência correta. 87Capacidade de responder a perguntas diretas.

88Capacidade de responder quando é chamado pelo nome (vira-se e olha).

89Capacidade de responder verbalmente a saudações. 90Capacidade de revelar sua opinião sobre acontecimentos. 91Capacidade de tomar parte em conversas.

92Capacidade de transmitir dados de importância significativa(endereço, telefone, nome dos pais, etc.).

93Compreensão e utilização de palavras com significado. 94Utilização das fichas de comunicação com iniciativa própria. 95Utilização dos materiais das atividades de forma correta. 96Capacidade de utilizar sua agenda para comunicar-se. 97Capacidade de vocalizar intencionalmente para comunicar-se.

98Capacidade de vocalizar para responder à atenção de outrapessoa.

Média Atividades de vida prática e diária

99Alimenta-se sozinho. 100Come bolachas ou pão com as próprias mãos. 101Come bolachas ou pão com o auxílio de um adulto. 102Respeito à propriedade alheia.

103Capacidade de dirigir-se com independência à agenda detrabalho ao indício de mudança de atividade.

104Comportamento em momentos livres e de lazer sem insistir napresença de um adulto (+/- por 30 minutos).

105Capacidade de lavar e secar as mãos. 106Mastiga e engole corretamente.

107Capacidade de perceber quando algo está quebrado ou nãofuncionando.

108Controle esfincteriano durante a noite.

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109Controle esfincteriano durante o dia.

110Capacidade de realizar a atividade proposta (já trabalhada)com independência.

111Capacidade de segurar copo ou xícara com as próprias mãos.

112Tolerância de mudanças em sua rotina ou interrupções semdemonstrar extrema ansiedade ou irritação.

113Tolerância para aguardar por alguns momentos (+/- 10m). 114Capacidade de usar o banheiro corretamente. 115 Média 116 Desenvolvimento cognitivo

117Capacidade de colocar e tirar pinos de uma pranchaperfurada.

118Capacidade de combinar seqüências ou padrões propostos. 119Capacidade de desembrulhar objetos. 120Capacidade de desenhar figuras simples e reconhecíveis. 121Capacidade de desenhar. 122Capacidade de desmontar brinquedos. 123Capacidade de distinguir diferentes gostos ou sabores. 124Capacidade de distinguir erros no desenho.

125Capacidade de distinguir estímulos táteis conforme a textura,consistência, temperatura e peso.

126Capacidade de distinguir semelhanças e diferenças. 127Capacidade de distinguir sons do ambiente. 128Capacidade de empilhar cubos. 129Capacidade de escrever seu próprio nome.

130Capacidade de estabelecer relações por meio de objetos,gravuras, numerais e palavras.

131Capacidade de folheiar livros ou revistas.

132Capacidade de identificar e nomeiar parte do corpo em si e nooutro.

133Internalisação e utilização de conceitos básicos de quantidadee número.

134Capacidade de interpretar a realidade da passagem do tempopor meio de conceitos temporais.

135Capacidade de localizar fontes sonoras. 136Capacidade de montar brinquedos. 137Capacidade de perceber a temperatura dos alimentos. 138Capacidade de perceber os diferentes odores.

139Capacidade de perceber sons de diferentes intensidades,durações e ritmos.

140Capacidade de pintar com lápis de cor ou cera. 141Capacidade de pintar com tintas com ou sem pincel.

142Capacidade de procurar objetos que situam-se fora de sualinha de visão.

143Rabisca. 144Capacidade de realizar encaixes (colocar). 145Capacidade de realizar encaixes (tirar). 146Capacidade de reconhecer canções. 147Capacidade de reproduzir canções. 148Capacidade de reproduzir formas gráficas pré-escritas.

149Capacidade de reter e evocar estímulos numéricos comsignificação.

150Capacidade de tirar e colocar objetos de um recipiente. 151Capacidade de tocar e explorar objetos.

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152 Média 153 Desenvolvimento perceptivo-motor 154Anda. 155Capacidade de aplicar conceitos de direita-esquerda. 156Arrasta-se. 157Arremessa objetos. 158Balança. 159Chuta bola. 160Corre. 161Dança. 162Desce escadas. 163Engatinha. 164Fica de pé. 165Capacidade de perceber a dominância lateral em seu corpo. 166Coordenação grafo-manual. 167Pula e dá saltos.

168Capacidade de realizar movimentos coordenados e mãos ededos.

169 Média 170 Alimentação 171Capacidade de alimentar-se sozinho.

172Capacidade de alimentar-se utilizando colher ou garfo semauxílio.

173Capacidade de comer bolacha ou pão sozinho.

174Capacidade de alimentar-se sem derrubar parte do alimentopara fora do prato.

175Não se engasga ao se alimentar. 176Ato de não levar a mão à boca. 177Mastiga com a boca fechada. 178Permanece sentado durante a alimentação. 179 Média

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A N E X O 6

AVALIAÇÃO PEDAGÓGICA DO PERÍODO DE 2000 A 2004representação gráfica

1. Relação com a família

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2. Comportamento Geral

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3. Interpessoalidade

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4. Linguagem/Compreensão

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5. Linguagem/Emissão

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6. Atividade de Vida Prática e Diária

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7. Desenvolvimento Cognitivo

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8. Desenvolvimento Perceptivo-Motor

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9. Alimentação

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A N E X O 7

AVALIAÇÃO LONGITUDINAL DA EQUIPE

LucaLuca logo que chegou a escola, aos 4 anos, não era uma criança fácil de ser

trabalhada. Chorava muito, apresentava muitas estereotipias de mão, emitia sons

incompreensíveis, não interagia com nenhuma criança, não se comportava

adequadamente no refeitório e não realizava nenhuma atividade proposta pela

professora.

A inserção de Comunicação Suplementar Alternativa com ele foi difícil, ele

não dava atenção, nem nos atendia. Não sabia realizar nenhuma atividade

pedagógica, nem mesmos recortar, pintar ou colar.

O que fizemos foi investir com a colocação de limites para seu

comportamento, afetividade e inserir a Comunicação Suplementar Alternativa. Com

o tempo passou a se interessar por brinquedos, a sentar-se no chão com as outras

duas crianças de sua classe para ouvir e principalmente, ver as gravuras dos

livrinhos de história. Embora continuasse apresentando agressividade e agitação,

percebíamos melhora.

Aprendeu a conhecer e a classificar as cores com o apoio da Comunicação

Suplementar Alternativa, a sorrir em determinados momentos em que seu colega

MARCO fazia algo engraçado ou se jogava no chão, a permanecer sentado no

refeitório e a utilizar o talher com auxílio da professora.

Com o passar do tempo e de toda a atuação da professora mediando suas

ações e proporcionado o contato social com outros alunos, LUCA aprendeu a

recortar, a colar, a fazer desenhos de objetos de seu interesse, tal como o relógio.

Passou a ser interessar muito pelo brinquedo “o pequeno engenheiro” onde nos

demonstrou grande habilidade em construir prédios e pontes com carros na rua a

partir de bloquinhos de madeira, encaixes e palitos. O interesse por esta atividade

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superou a todas as demais atividades, sendo capaz de passar longos períodos

concentrado no que se propunha a construir. Para nós a criatividade do aluno nesta

atividade seria talvez uma possibilidade de desenvolvimento em profissional em

alguma área similar.

Passou a participar mais do momento do conto em sala de aula,

permanecendo sentado com seus colegas. Porém, aparentemente, parecia não

ouvir nada do que era lido, mas era capaz de desenvolver as atividades solicitadas

pela professora como desenhar algo da história. Sua atitude de jogar as coisas pelo

chão ainda prevalece, apesar de guardá-las todas com o pedido da professora.

LUCA identifica e nomeia as partes de seu corpo, figuras diversas, objetos

que são de seu conhecimento. Realiza classificações de cores, blocos lógicos,

figuras diversas. Seu comportamento não é mais agressivo, porém necessita de

limites. Percebemos que se a família melhor trabalhasse com o garoto, apresentaria

relevante progresso, pois tem seu cognitivo preservado e é esperto.

No ano de 2002 LUCA freqüentou uma escola municipal de ensino regular.

Sua mãe muito desejava sua integração. Infelizmente, por despreparo e não

investimento tanto no aluno como no professor, ele não conseguiu permanecer na

escola. Procuramos oferecer acompanhamento, mas não obtivemos

comprometimento e aceitação da escola para essa atuação. A postura era de que

não poderíamos intervir ou atrapalhar o trabalho do professor e que o aluno é quem

deveria se adaptar a realidade da escola, caso quisesse lá permanecer. Para nós

essa visão de educação é reducionista do potencial da pessoa com necessidades

educativas especiais e preconceituosa. Ora, a preocupação daquele que educa não

deve estar voltada para a total adaptação do aluno a suas expectativas, mas sim

postas na questão: “como é que meu aluno aprende?” E deste modo buscar auxílio

e alternativas de trabalho para a educação deste aluno. Por isso, insistimos em dizer

que a visão reducionista do potencial de pessoas com autismo está atrelada também

a conformidade e aceitação dos critérios diagnósticos do autismo como fatores

determinantes para seu fracasso onde a oportunidade e o direito à interação social é

substituída pela privação social e descrença pelo menos no pouco que poderia ser

feito.

No caso de LUCA a Comunicação Suplementar Alternativa é significativa

como aquela que aponta a rotina a ser desenvolvida no dia, possibilitando melhor

entendimento e diminuindo as manifestações de ansiedade por falta de

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compreensão do que se espera do aluno. Logo, o desenvolvimento da interação

social é fato fundamental para o desenvolvimento da capacidade de se comunicar,

seja ela por meio verbal ou não verbal, sendo esta, indispensável para o processo

de ensino e aprendizagem do aluno autista.

Ana

Até o ano de 1999 Ana se mostrava muito isolada. Não interagia de

nenhuma forma com outros alunos. Por vezes a vimos “brincando” com a parede.

Não verbalizava. Os acessos de birra eram muito constantes. Dificilmente dava

alguma resposta ao professor. Dificilmente também notávamos alguma manifestação

de sentimentos.

A partir do trabalho iniciado com os educadores partindo-se da proposta da

mediação na aprendizagem e da utilização da Comunicação Suplementar Alternativa

pelo professor como apoio pedagógico, ANA; passou com o tempo a desenvolver

linguagem verbal funcional. Em dado momento a acompanhar músicas infantis e a

se comunicar utilizando algumas palavras e mostrando o símbolo visual que

comunicava seu desejo. Começou a interagir com a professora da seguinte forma:

- respondendo perguntas referentes ao tempo;

- solicitando para ir ao banheiro, tomar água;

- manifestando desejo de ir brincar no parque; ir à piscina;

- compreendendo a rotina do dia em sala de aula e fora dela;

- realizando suas atividades em sala de aula de maneira mais flexível e

obediente;

- reconhecendo diversos símbolos apresentados pela professora;

- guardando os materiais utilizados;

- melhora significante do desenvolvimento afetivo.

É notório como o trabalho educacional faz a diferença. No tempo em que Ana era tratada

como “autista”, assim mesmo ela se comportava, pois a visão contaminada de que esse indivíduo

está limitado por todos os critérios conhecidos no DSM e na CID não permite ao professor explorar

outras habilidades a serem desenvolvidas. Entretanto, tratá-la como pessoa e não privá-la de contato

social necessário a todo ser humano possibilita avançarmos no desenvolvimento da mesma.

Manifestações de felicidade como sorrisos, chegar à escola cantando, beijar a professora e

procurar contar algum acontecimento ocorrido por meio de palavras com significado ou por meio de

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símbolos visuais passam a ser motivação tanto para o aluno como para o educador. Essa experiência

pode ser considerada a mais rica de todas na prática educacional. Logo, não é a quantidade de

conteúdos acumulados ou o aprendizado de atividades complexas que significam êxito, mas o

desenvolvimento de uma interação e aprendizagem social ampla que traz consigo a conseqüência do

aprender o novo de forma significativa.

O que procuramos explicar aqui é que métodos de ensino fundamentados no

condicionamento comportamental de fato funcionam, no entanto deixam a desejar no que diz respeito

à possibilidade de se desenvolver a interação social. Assim, os símbolos da Comunicação

Suplementar Alternativa amplamente utilizados em métodos de ensino baseados no condicionamento

comportamental podem ter seu uso realizado de outra forma. E isto depende exclusivamente do

trabalho do professor como mediador.

Com o tempo, ANA aumentou seu repertório de músicas, passou a identificar e a nomear

figuras conhecidas em revistas diversas. Comportamentos agitados passaram a ser mais fáceis de

serem trabalhados, diminuindo desta forma sua agressividade e inquietude.

No entanto, sua personalidade continua a mesma. A tendência de fazer birra por desejar

fazer apenas o que quer é algo comum. Porém, em nossa perspectiva, vemos isso como algo

positivo, pois ela está demonstrando que não é um robô, mas que tem sim suas preferências e

desejos. Logo, nosso objetivo não é controlarmos tal comportamento para que o mesmo seja

modificado apenas para dar menos trabalho ao professor, mas sim trabalharmos de forma interativa

para que ela compreenda que há momentos em que nem tudo o que desejamos pode ser cumprido

da forma que queremos. Compreender que seus colegas também têm os mesmos direitos e que

esperar é algo a ser apreendido a cada momento, substituindo a raiva e a birra por outras atividades

e pelo carinho com os outros.

Ao contrário de propostas que defendem o pouco falar com indivíduos com autismo, cremos

que o falar demasiado e com frases muito longos podem de fato atrapalhar o entendimento do

mesmo, principalmente, devido às dificuldades que os autistas têm no processamento das

informações. Por outro lado, a não ser por este motivo, o diálogo é uma das fontes principais para se

alcançar êxito junto a eles e como o diálogo não se constitui apenas por uma pessoa falando, a

Comunicação Suplementar Alternativa é uma auxiliar para haver o diálogo, a interação, a

comunicação como meio necessário para seu desenvolvimento educacional.

Receber uma aluna como ANA com um abraço é algo motivador e incentivador de se investir

na interação social. Ouvir um obrigado após muitas e muitas tentativas é algo gratificante. Porém,

tanto o abraço como o obrigado podem ser conseguidos por outras formas de ensino e que muitas

vezes, quase não tem de fato, significado para a criança que o faz. Contudo, o diferencial está na

forma e no ambiente proporcionado para que o mesmo ocorra. Talvez um abraço e um obrigado até

mais demorado em sua conquista, mas duradouro após ser compreendido, após ser internalizado,

após ter tomado significado social para a criança autista. E isto, depende do trabalho pedagógico

realizado conforme a concepção de educação, de ensino e de aprendizagem que tem o educador.

Aprender a brincar também é uma ação da qual se necessita o investimento

na interação social e no aprendizado significativo. ANA que antes “brincava” com a

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parede, agora aprende a soltar bolinhas de sabão, a balançar no parque, a realizar

diversos encaixes pedagógicos, a inclusive passa a ter noção de perigo, algo

comumente não desenvolvido em autistas. Para isso, foi necessário que ANA fosse

incluída nas atividades junto a outros alunos sem a síndrome, foi necessário

interação e comunicação significativa.

Importante fato também é a sociabilização junto à família. ANA tem uma

família ativa no que diz respeito ao investimento que fazem nela. A mãe procura

manter diálogo constante, permite que desenvolva sua autonomia sem super

proteção. Vê a filha como um ser humano e não se conduz por passividade. Essa

interação entre família e escola, principalmente, com o educador tem uma grande

importância para que aja continuidade de sua educação tanto em casa como na

escola, sem diferenças profundas que atrapalham a compreensão do aluno.

Hoje ANA está com 14 anos. Reconhece as letras do alfabeto, no entanto,

ainda não sabe ler. Freqüenta agora uma classe junto a outros alunos sem autismo.

Sua interação e convivência com os outros alunos melhoraram muito. Sinto que

seria ótimo se pudesse ter uma convivência ainda maior com outras meninas sem

deficiências, contudo, o preconceito e a falsa inclusão existente emaranha a

possibilidade de desenvolver outras habilidades que com certeza possui e

necessitam ser descobertas. Atualmente, o uso da Comunicação Suplementar

Alternativa é bem menor do que anteriormente. ANA compreende praticamente tudo

o que dizem a ela. Sabe exprimir seus desejos. Nossa orientação é que não haja a

total remoção da Comunicação Suplementar Alternativa, mas que a mesma seja

utilizada quando uma nova informação ou conhecimento for construído com ANA e

que se perceber que ela esteja necessitando desse apoio visual para melhor

compreender o que lhe está sendo apresentado.

MarcoMARCO chegou à escola com um comportamento muito difícil de ser

trabalhado. Criança hiperativa que não aparentava compreender qualquer coisa que

lhe dissessem. Agressivo, com baba excessiva, sem atenção, de comportamento

super agitado, não verbalizava.

O início do trabalho com ele se deu com uma professora que nunca havia

trabalhado com autistas. Os primeiros três meses da professora foram de intenso

stress e choro de ambas as partes. Juntamente com mais dois alunos, MARCO

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deixava com que a sala de aula fosse um transtorno. Então passamos a orientar a

professora sobre como deveria agir com o aluno. A questão da interação, do diálogo

incansável e do uso de Comunicação Suplementar Alternativa como apoio

pedagógico para professor e aluno eram fundamentas no cotidiano escolar.

Diferentemente de ANA esse aluno não possui uma estrutura familiar que colabora

para seu desenvolvimento saudável. Assim, fica para a escola o desafio de educá-lo

e ensiná-lo a conviver com outras pessoas e a viver em sociedade.

Inserimos o uso de Comunicação Suplementar Alternativa também com a

fonoaudióloga. Lentamente, MARCO começou a se transformar. Aquela agitação

incontrolada diminuiu, passando a conseguir ficar alguns minutos sentado e

iniciando algum tipo de atividade com encaixe.

MARCO após quatro meses de trabalho efetivo com a professora e com o uso

de Comunicação Suplementar Alternativa se mostrou bem melhor em seu

comportamento. Seu comportamento hiperativo obteve significante alteração a partir

do momento em que “as coisas” ao seu redor foram ganhando significado para ele.

Todo o material pedagógico foi nomeado com símbolos visuais, assim, a cada vez

que a professora solicitava verbalmente algum material, entregava para o aluno seu

respectivo símbolo. O mesmo acontecia nas atividades que eram desenvolvidas,

sempre verbalizava apresentando simultaneamente as fichas com os símbolos

visuais que representavam a atividade. No entanto, essa ação de se trabalhar com

Comunicação Suplementar Alternativa era toda envolvida em um contexto

pedagógico e de mediação constante, sendo que por nenhum momento se deixava

de se comunicar verbalmente com ele.

Aos poucos MARCO foi compreendendo que tudo tinha seu devido nome e

que todos nós emitíamos sons que também significavam alguma coisa. Então, com 5

anos de idade ele começou a emitir as primeiras palavras. A princípio pareciam ser

apenas um ato ecolálico, porém, mediante as intervenções da professora e a

inserção da criança em ambiente onde as outras crianças se comunicavam com

fluência, ele passou também a desenvolver sua comunicação. Quando a professora

trabalhava uma peça de bloco lógico utilizando Comunicação Suplementar

Alternativa, MARCO pegava a peça solicitada e entregava para ela. Anteriormente,

não compreendia o que a professora desejava, mas a partir da utilização do apoio

visual seu processo de conhecimentos sobre as coisas e a construção de conceitos

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foi se desenvolvendo, até que não era mais preciso lhe apresentar uma ficha com

símbolo visual, mas apenas lhe solicitar verbalmente o que desejava.

As transformações ocorridas com MARCO não foram milagrosas, nem tão

pouco imediatas, pelo contrário, foram horas e horas de trabalho pedagógico e

muitas tentativas de acerto sobre o objeto de interesse do aluno para que

pudéssemos lhe alcançar a atenção.

Outra ferramenta indispensável de trabalho com MARCO foi o uso da música

em sala de aula. Seu interesse foi tanto que aprendeu lidar com o rádio-gravador.

Em sua rotina diária de sala de aula sempre buscava com certa animação o

momento de ouvir música. Aprendeu a cantar as canções e a escolher as fitas que

mais gostava.

Hoje MARCO está com 10 anos de idade. O apoio familiar praticamente não

existe, embora haja reconhecimento por parte da mãe e da tia que o garoto tenha

melhorado muito em seu comportamento. Reconhece todas as letras do alfabeto e

as pareia com a música “alfabeto” da cantora Xuxa. Apresenta uma fala ainda

estereotipada, porém, se comunica. Interage com outros alunos, embora

apresentando suas limitações. O comportamento hiperativo obteve melhora

relevante. Quando deseja algo que não consegue se expressar verbalmente ou que

percebe que não está sendo compreendido, faz uso de Comunicação Suplementar

Alternativa. É importante salientar que ele estaria muito melhor se estivesse em

contato diário com outras crianças sem deficiências para melhor desenvolver um

comportamento social mais adequado e melhor interação. Atualmente não faz uso

de mais nenhum medicamento para controle da hiperatividade.

RenatoRENATO sempre apresentou todo o quadro sintomático de um autista.

Quando a escola mudou de local e fomos para a zona rural, sua reação foi

dramática. Por quinze dias esteve em crise gritando, batendo e chutando a todos

nós. Suas estereotipias aumentaram e se apresentou agressivo com as pessoas.

Dava cabeçadas na professora, mordia, chorava, não comia e segundo os pais,

estava muito agitado em casa. Filho de uma família pouco estruturada

emocionalmente, percebíamos que ele era afetado por toda essa situação, pela falta

de paciência dos pais e pelo não entendimento do que desejava. Apresenta

deficiência mental e não verbaliza.

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Antes de iniciarmos a proposta pedagógica diferenciada com RENATO, ele

ficava em uma classe com ANA afastado dos outros alunos por indicação da

psicóloga que afirmava que autistas não deveriam estar em pleno contato com

pessoas desconhecidas e ambientes desestruturados. Somente a professora tinha

acesso a eles. Sempre estavam sós e não realizavam uma só atividade junto aos

demais alunos. Tal método de trabalho se deu por quatro anos.

Em 1999 inserimos RENATO na proposta de trabalho que incentivava o

contato social e a utilização de Comunicação Suplementar Alternativa como apoio

pedagógico para auxiliar o desenvolvimento da linguagem, conseqüentemente, da

comunicação. Após o período de crise que já mencionamos, a professora trabalhou

incessantemente sua aceitação pelo aluno. Demonstrações de afetividade como

passar a mão no cabelo, pelo corpo e dar um beijo eram totalmente recusadas,

fazendo com que ele gritasse e desse cabeçadas. Primeiro trabalhamos com ele

essa parte afetiva de aceitação da professora e do auxiliar. Todos os dias era levado

a brincar no parque junto aos outros alunos durante seu tempo de tolerância.

Passamos também a levá-lo para o lanche no refeitório, o que foi mais difícil, a cada

dia aumentávamos um pouco mais o período de tempo de sua permanência até foi

se acostumando com seus colegas, com o barulho natural do local e das conversas.

Após esse período de adaptação a uma nova rotina que não se prendia a

horários inflexíveis e privação social, iniciamos com ele o trabalho com Comunicação

Suplementar Alternativa. Fizemos uma agenda diária que era colocada na parede

com sua foto para trabalharmos sua própria identidade e ali as fichas com os

símbolos visuais representando as atividades a serem realizadas, a organização do

dia e fichas com objetos diversos. A princípio nos pareceu que RENATO não

aceitaria a Comunicação Suplementar Alternativa. Todavia, sua inserção com outros

alunos e em outras atividades atingiu seu interesse para algumas dessas atividades

e nos foi possível inserir a Comunicação Suplementar Alternativa.

Muitas vezes se coloca resistente, porém apresenta grande habilidade em

atividades de qualquer tipo de encaixe. Devido a não verbalização, muitas vezes

encontrávamos dificuldades para compreender o que desejava, até que passou a

levar a professora ao que queria. Percebemos que na maioria das vezes que fazia

birras era por querer algo. A mediação da professora com relação a todas as

atividades a serem realizadas foi fundamental para que RENATO nos desse retorno

procurando nos levar até seu alvo ou então, por iniciativa da professora, indicar o

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que queria por meio da Comunicação Suplementar Alternativa. Passou a

compreender ordens simples e objetivas.

Todos os dias RENATO ia para sua casa tranqüilo. A princípio tinha medo da

piscina, mas aos poucos foi se soltando, o que muito contribuiu para que melhor

interagisse por meio de carinho com a professora e auxiliar, inclusive aceitando

outras crianças a seu redor. Infelizmente, quase todos os dias chegava agitado,

algumas vezes chorando e irritado na escola. Sua relação com a família sofria

conturbações. RENATO poderia ter um desenvolvimento ainda melhor se houvesse

maior participação e comprometimento familiar. Seu comportamento na escola

melhorou significativamente, no entanto, apresenta dificuldades para aprender novas

atividades. É tratado com medicamento para diminuir sua agressividade e agitação.

Notamos que a Comunicação Suplementar Alternativa muito auxiliou nas

ocasiões em que a palavra “não” deveria ser colocada para RENATO para ele não

havia sentido algum, mas com o símbolo representante, aos poucos passou a

compreender seu significado não apenas pelo símbolo, como também a palavra dita,

sendo possível para a professora ir retirando a ficha de seu dia a dia. Contudo,

RENATO responde melhor às atividades e interage melhor com o uso da

Comunicação Suplementar Alternativa por sua maior habilidade de internalizar por

meio do visual. Apresenta apego à organização e rotinas, mas já tem sido possível

trabalhar de modo mais flexível. É sistemático no andar, vestir, guardas objetos,

comer.

Atualmente, está com 12 anos. Praticamente não apresenta contato olho a

olho, mas está muito mais aberto ao contato social mesmo com estranhos e contato

físico com pessoas mais conhecidas. Teve o mesmo trabalho pedagógico que ANA,

porém seu progresso é bem mais lento. Não apresenta linguagem verbal. Ainda grita

em diversas ocasiões, às vezes sem descobrirmos o porquê. Desenvolveu certa

habilidade em comunicar-se, entretanto, sem muita paciência quando não é atendido

brevemente. Demonstra teimosia e birra quando contrariado. Passou a alimentar-se

melhor junto com os outros alunos no refeitório e com a intervenção mediadora da

professora com relação aos alimentos, pois até então só comia pão e salgadinhos.

Aprendeu a utilizar o garfo, a tomar água e ir ao banheiro sozinho. Aprendeu a

dobrar sua roupa. Passou a se interessar por música e a escolher a sua fita

preferida. Os pais reconhecem sua melhora.

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Para nós o fundamental no desenvolvimento do aluno foi à alteração de um

método de trabalho centrado no isolamento para outro que enfoca sua inserção

social e possibilidade de aprender com os outros, aos poucos fomos reduzindo o uso

de Comunicação Suplementar Alternativa, no entanto, em alguns casos recorremos

a ela para apresentar algo novo que não está sendo compreendido por ele.

Recordando o RENATO de antes, quando fechado em uma sala de aula, sem

contato com outras pessoas, sem a possibilidade de ver, ouvir, se alegrar e se

aborrecer com acontecimentos ao seu redor nos colocamos a pensar sobre como

estaria ele hoje se continuasse dessa forma. Sua tendência ao isolamento, à rotina

inflexível, a teimosia e estereotipias diversas teriam com certeza se agravado ainda

mais. Procuramos manter com seus pais como com todos os pais dos demais alunos

um caderno de comunicação diária para melhor interagirmos com eles e sabermos

mais sobre suas vidas em casa. Desde que passamos a fazer isto, obtivemos

informações importantes para sabermos como atuar na escola.

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A N E X O 8AGENDA DE ATIVIDADES DIÁRIAS51

51 Logo acima, no início da agenda consta uma foto do aluno e seu nome.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Não pode haver seguro contra erros. Só os queescolhem nada fazer pela transformação do mundonão cometem erros, cometem um crime. Mas o quenos devia preocupar não é a imunidade contra erros,mas encontrar a direção que o movimento deve tomar.Se esta é a correta, os erros podem ser corrigidos; senão, os erros tornam-se desesperançadamenteampliados”.

Gilbert Green

Uma questão que nos inquieta, com relação ao trabalho educacional junto a alunos com

autismo, é a constatação de que o ser humano tende a se afastar de situações e contextos nos quais

ele não se sente à vontade, nem competente para dominar. Uma das razões pelas quais os alunos

com autismo têm poucas oportunidades de interação se deve às dificuldades de linguagem próprias

da síndrome e que se refletem no ato comunicativo, implicando a dificuldade em estabelecer e manter

relacionamento com as demais pessoas.

Considerando a forma excludente de educar as pessoas com deficiência, que

a educação especial imprimiu ao longo de sua história no trabalho educacional, junto

a crianças com autismo, observamos que esse aluno, quase sempre fica à margem

do processo de ensino e aprendizagem. Desde a sua entrada à escola e/ou

instituição até a sua saída, é visto como um autista, segundo o quadro sintomático

que apresenta, tendo como base a incapacidade, o déficit, principalmente, no que se

refere aos problemas de linguagem e de interação social. A educação, sob este

estigma, reafirma a existência de alterações e confusões na compreensão e no

desenvolvimento lingüístico, prejudicando a qualidade de compreensão no contexto

da linguagem, e torna a linguagem sem função no que diz respeito a ser um canal

para a aprendizagem, pela incapacidade de interpretar o comportamento e não

perceber as situações de outrem.

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Essa concepção provoca certo distanciamento do autista das outras pessoas,

gerando ainda uma maior tendência de as pessoas com autismo evitarem o uso da

linguagem, o que vem a dificultar ainda mais o processo de interação social.Nesta pesquisa, destacamos que é indispensável o desenvolvimento da sensibilidade no

educador que trabalha com um autista. Como profissional, ele deve procurar compreender quais são

e como se dão os sinais de afeto e competência dessa pessoa, os quais precisarão ser sustentados

na relação com ela, principalmente se se tratar de uma criança ou adolescente. A não-percepção

desses sinais pelo professor, implica a diminuição das chances de se estabelecer e desenvolver a

comunicação com seus alunos, levando-os a um isolamento ainda maior.

Em meio ao círculo vicioso desse processo, o educador necessita ser

capacitado para que se conscientize e perceba o que está acontecendo em sua sala

de aula. Deste modo, terá a opção de sair de uma posição passiva no processo de

ensino-aprendizagem, respeitando aquele indivíduo como ser humano que é, em

seu modo de ser, como um ser social que está situado na história, em constante

transformação, e que apreende significados de pluralidade, de resultados inferentes

e de temporalidade.Entendendo a abordagem histórico-cultural como base referencial do método de trabalho

pedagógico proposto para esses alunos com autismo, verificamos que está presente a intenção de

possibilitar o desenvolvimento da capacidade de aprender e internalizar conhecimentos com

significado e sentido para a compreensão do contexto e do mundo onde estão inseridos. Igualmente,

deve trabalhar o desenvolvimento de suas relações com este mundo de forma processual e contínua

e não-imutável. Por esse prisma, tanto o professor como seu aluno aprendem e se transformam, no

contexto da relação ensino-aprendizagem na qual ambos se constituem sujeitos desse processo,

transcendendo as limitações próprias do tecnicismo, hegemonicamente encontradas em métodos de

trabalho com autistas.

Trabalhando e analisando a problemática através da abordagem histórico-cultural,

encontramos em Vigotski referências que nos indicaram um norte, onde o desenvolvimento da

linguagem também seria possível para essas pessoas. A partir do diálogo com o autor, as respostas

foram sendo construídas e somadas à nossa idéia de utilizar a Comunicação Suplementar Alternativa

como um apoio na construção do signo, na produção de sentido e significado para nossos alunos.

Todavia, localizá-los no contexto apresentado, desafiou-nos ao estudo e à ruptura de conceitos e

idéias, já pré-concebidas pela sociedade que influem sobremaneira na família e nos profissionais

envolvidos com os alunos. Por outro lado, ficou claro que o referencial teórico que nos orientou pode

ser contextualizado para o trabalho educacional com autistas, gerando possibilidades de ação, de

significação e de sentido também para seus professores.

A atuação que tivemos, junto às professoras e aosalunos, foi de grande valia no que se refere aocontato direto em sala de aula, e a oportunidade depoder vivenciar, no ambiente da escola, o cotidiano de

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professores não preparados academicamente para otrabalho com autistas, podendo, assim, avaliar aproblemática da pesquisa pela complexidade dosregistros das observações e pela construção de umaproposta educacional viável para o professor e seualuno. Nesse contexto, as maiores dificuldadesencontradas estavam no comportamento dos alunos e naausência de relação entre professor e aluno, devidoaos problemas de linguagem, peculiares aos autistas.

Em diversas ocasiões, as professoras destetrabalho também mencionavam suas preocupações comobjetivos que tinham como alvo a ser alcançado, e paraos quais não estavam obtendo tanto êxito. No entanto,outras tiveram a oportunidade de vivenciar que aaprendizagem de seus alunos era de fato processual,envolvendo-os como um todo e acontecendo de maneiracontínua, porém, no ritmo de cada um. Em outrassituações, deparavam-se, sim, com o sentimento queadmitiam ser um “ mal estar” por não terem o retornoesperado, com relação ao que tinham planejado comoobjetivo. Nesse contexto, encontramos dois perfis deprofessores: aqueles que se viam como “ culpados” ouresponsáveis pelo insucesso de seus alunos e aquelesoutros que atribuíam ao próprio aluno e à sua condiçãode autista o fracasso resultante.

Observamos que foi significativo dedicar nossa atenção ao estudo e à

investigação sobre o autismo, tanto em nossas reuniões como nas orientações em

sala de aula, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem com

nossos alunos. Nesses processos, os profissionais responsáveis pelo trabalho, bem

como a família têm um papel fundamental para o desenvolvimento do aluno.

É necessário que os envolvidos conheçam com clareza o autismo e o que ele

acarreta. É preciso conhecer o perfil de cada indivíduo, pois o que é proveitoso com

um nem sempre o é com o outro, os interesses podem ser diversos, bem como o

próprio quadro sintomático pode apresentar diferenciações. Para tanto, além do

acesso ao prontuário do aluno, para ter ciência sobre avaliação diagnóstica

realizada, os envolvidos devem se planejar para estudos e investigações em

conjunto, visando ao crescimento em conhecimentos e o desenvolvimento de

estratégias para os problemas identificados. A troca de experiências e de conteúdos

específicos disseminados é de grande valia para toda a equipe e, principalmente,

para o aluno com autismo.

Neste trabalho de investigação qualitativa e ao mesmo tempo de

característica colaborativa, aplicada à educação de alunos com autismo,

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observamos que os pressupostos da abordagem histórico-cultural servem em

primeira instância como conteúdos e experiências de formação para os professores.

Isto possibilita a promoção de transformações individuais e coletivas, por meio de

um processo educacional que se constrói nas relações e práticas sociais com os

outros.A partir da compreensão do

contexto e do mundo onde ossujeitos estão inseridos épossível oferecer aosprofessores a oportunidade deesquadrinhar e melhor conhecer acomplexidade do ambienteescolar, para que seconscientizem dos valores alicompartilhados que interferem emsuas ações junto aos alunos edemais profissionais.

No entanto, não é suficiente apenas a apresentação de uma determinada proposta

educacional, para que os problemas sejam superados e sanados. É preciso, também, que estes

conhecimentos sejam articulados como fundamentos filosóficos de postura pessoal e profissional,

para não serem subjugados a modismos passageiros.

No propósito de se estabelecer uma relação social significativa, junto aos alunos com

autismo, para o desenvolvimento de sua linguagem e integração social por meio da mediação entre

sujeito e objeto/e ou situação, tomamos como referências as seguintes considerações:

- Todo o ser humano é passível de sofrer transformações, pois isto é próprio da espécie

humana. Para tanto, é preciso uma mudança de concepção acerca do indivíduo com

autismo.

- Como profissionais podemos intervir e proporcionar condições para que esse indivíduo se

transforme. Assim, não deve ser a doença e/ou a deficiência a enfocada, mas sim o

processo de ensino desse aluno.

- Visando aos objetivos que temos para com nosso aluno, enquanto indivíduos, também

somos passíveis de sofrer transformações no processo de mediação. Tanto o aluno como

o professor, ambos são sujeitos e estão suscetíveis de transformações, desencadeadas

no próprio contexto onde as relações acontecem, durante o processo de mediação da

experiência de aprendizagem.

- Mesmo que o processo de transformação muitas vezes pareça prolongado, a

perseverança e a busca de alternativas possibilitam mudanças e estas, por mínimas que

sejam, têm impacto social. Da mesma forma, a crença na possibilidade de transformação

por acreditar no potencial do sujeito é muito importante e significativo.

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Entre os obstáculos encontrados para o desenvolvimento deste trabalho centrado na

educação de alunos com autismo, e não em meras formas de condicionamento, encontramos,

durante o período em que realizamos nossa pesquisa, as seguintes dificuldades:

- Formação dos docentes: em sua maioria, os docentes se encontram acomodados com o

conhecimento já adquirido, o que acaba por prejudicar sua atuação em sala de aula, já

que novos desafios vão surgindo junto aos alunos;

- Atribuição de classes: por motivos institucionais referentes a verbas destinadas em

convênio com a Secretaria da Educação, muitas vezes os docentes são remanejados

devido ao fato de as classes dos alunos com autismo não possuírem mais que 5

elementos, sendo o número solicitado no convênio em torno de 12 a 15 alunos por

classe. Essas alterações prejudicam o andamento do trabalho de formação e capacitação

dos professores, já que na maior parte, os demais não têm conhecimento sobre aquele

aluno, suas dificuldades e sobre como atuar em sala de aula, não sendo, por isso,

qualificados para trabalhar com essas crianças;

- Envolvimento familiar: a escola é concebida, pela maioria dos pais, como um local onde

seus filhos podem passar melhor o tempo. Mesmo com os professores, buscando contato

direto e indireto junto à família, os resultados e atenção alcançados são mínimos. No que

diz respeito a envolvê-los no trabalho com Comunicação Suplementar Alternativa, para

que este recurso também pudesse ser utilizado em casa, não tivemos êxito pela falta de

tempo disponível dos pais e mesmo pela falta de interesse para aprender a utilizá-lo.

Transpondo-nos à situação da família, essa costumar se apresentar desolada,

emocionalmente frágil e sem esperanças, vivenciando uma experiência de dor por

concluir que não tem um filho saudável, desde o fechamento de seu diagnóstico, por

toda a vida. São diversos os sentimentos despertados, o que também costuma gerar

o afastamento da família com relação ao filho autista. No entanto, pensando que o

sujeito se constitui a partir de sua relação com o outro, é essencial o

estabelecimento da relação entre filho e família, construindo na interação familiar a

sua identidade primeira, e preparando-o para se relacionar com o mundo.

Não obstante, o autismo não deve ser causa de empobrecimento da relação

entre a família e a criança autista, de redução da experiência da interação por meio

das relações humanas afetivas. Em geral, é natural que a família se encontre

frustrada frente à sociedade, pois esta valoriza o homem que responde às regras e

valores já padronizados, revelando insensibilidade, preconceito e estigmas com

relação à pessoa que é diferente. É evidente que a questão do autista interfere na

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qualidade da vida familiar, de sua comunidade e sociedade. As relações em torno

dessa pessoa, ao se reduzirem ainda mais, a vitimarão com um comprometimento

ainda maior.

Tínhamos um caderno de comunicação com os pais para trocarmos

informações sobre como seus filhos no período que se encontravam em casa. Ter o

retorno dos pais era um dos nossos objetivos, para obtenção de dados para a

pesquisa com relação à evolução dos alunos em suas ações fora do espaço escolar,

o que nos ajudaria a avaliar o desenvolvimento dos conceitos trabalhados e que

deveriam ser generalizados para além da escola. Embora não tivéssemos alcançado

esse objetivo como esperávamos, percebíamos o contentamento dos pais, em

conversas informais, acerca da melhora de seus filhos nos aspectos referentes ao

comportamento e interação social. Infelizmente, não conseguimos avançar o

trabalho com eles, pois necessitávamos de um profissional que se dedicasse a esta

parte do trabalho, já que tanto os professores como nós nos dedicávamos às

questões pedagógicas da escola e dos alunos. A maioria dos pais não mantinha

essa comunicação, embora alguns deles se tivessem manifestado, conforme

pretendíamos que o fizessem.Durante o caminho percorrido junto aos professores e aos alunos, percebemos a realidade de

que o conhecimento científico é produto de um processo de construção coletiva, repleto de diálogo,

sentido e significado que se constrói nas relações sociais cotidianas, passo a passo. Imersos no

contexto histórico e social dos sujeitos, descobrimos caminhos e alternativas de trabalho que

implicaram em transformações profundas, tanto na vida dos alunos como em nossas próprias vidas;

isso porque nos ficou claro que as formas de se produzir linguagem e, portanto, as possibilidades de

nos comunicarmos com o outro são ilimitadas.

Contudo, este trabalho não tem a intenção de propor generalizações sobre como agir e

educar alunos com autismo, e sim mostrar que há outra possibilidade de atuação educacional que

permite a expansão dos conhecimentos fundamentados na abordagem histórico-cultural, produzindo,

desta forma, a continuidade dos diálogos não apenas com os autores, mas entre nós, profissionais e

os sujeitos.

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