a concreticidade no processo de ensinar e … · - para desenhar as sete peças do tangran...

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Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS A CONCRETICIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER ÁLGEBRA NO CONTEXTO ESCOLAR GT 01 – Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental MSc. Isabel Koltermann Battisti – UNIJUÍ – [email protected] Dra. Cátia Maria Nehring – UNIJUÍ – [email protected] Resumo: O presente texto se constitui a partir da reflexão de situações vivenciadas em aulas de matemática relacionadas ao ensino e aprendizagem de álgebra. As referidas situações são analisadas considerando implicações do concreto e do abstrato no contexto escolar, a partir da abordagem histórico-cultural. No entendimento proposto são as abstrações que tornam possível agir sobre um concreto mais complexo, diferentes estruturações do concreto podem ser organizadas a partir de diferentes sistemas de abstrações. As abstrações são consideradas mediações capazes de possibilitar a produção de sentidos, tornando as relações conceituais significativas, indispensáveis, desta forma, no processo de elaboração conceitual e/ou de evolução nos níveis de uma determinada conceituação. São entendimentos que podem desencadear e fundamentar reflexões capazes de orientar o ensino de conceitos e procedimentos algébricos, possibilitando ações docentes as quais podem oportunizar ao educando a apropriação de saberes matemáticos relacionados a este campo de saber. Palavras-chave: ensino e aprendizagem de álgebra; concreto/abstrato; concreticidade; significação de conceitos matemáticos. Introdução A necessidade de compreender o processo de apreensão, pelos educandos, de conceitos matemáticos relacionados à Álgebra e à necessidade de pensar sobre situações que possibilitam e orientam o ensino de tais conceitos no contexto escolar, gerou o presente texto. As reflexões aqui expostas estão embasadas teoricamente na perspectiva histórico- cultural. A partir desta abordagem, a apreensão de saberes matemáticos num espaço formal de aprendizagens, se estabelece, fundamentalmente, nas possibilidades que o indivíduo tem de, nas suas interações, se apropriar das significações historicamente construídas relacionadas aos conceitos que constituem os referidos saberes. Para Vigotski (2001), os conceitos são significações históricas que foram organizadas sobre uma lógica e tiveram, durante sua evolução, uma função específica na solução de problemas reais. No entendimento proposto, o saber matemático é um construto humano inserido no processo de desenvolvimento histórico e cultural no qual é produzido e interfere no desenvolvimento da sociedade. Sendo assim, na evolução da história da humanidade, no movimento da interação em diferentes momentos históricos e sociais, o saber matemático foi/é construído e a matemática constitui/constitui-se como ciência. O empirismo, a contextualização e a percepção/produção de sentidos pelos alunos estão sendo considerados fatores fundamentais no processo de ensinar e aprender matemática no contexto escolar. Mas, para que o aluno tenha possibilidade de apropriar-se dos significados dos conceitos matemáticos, faz-se necessário também uma etapa de

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Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS

A CONCRETICIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER ÁLGEBRA NO CONTEXTO ESCOLAR

GT 01 – Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

MSc. Isabel Koltermann Battisti – UNIJUÍ – [email protected] Dra. Cátia Maria Nehring – UNIJUÍ – [email protected]

Resumo: O presente texto se constitui a partir da reflexão de situações vivenciadas em aulas de matemática relacionadas ao ensino e aprendizagem de álgebra. As referidas situações são analisadas considerando implicações do concreto e do abstrato no contexto escolar, a partir da abordagem histórico-cultural. No entendimento proposto são as abstrações que tornam possível agir sobre um concreto mais complexo, diferentes estruturações do concreto podem ser organizadas a partir de diferentes sistemas de abstrações. As abstrações são consideradas mediações capazes de possibilitar a produção de sentidos, tornando as relações conceituais significativas, indispensáveis, desta forma, no processo de elaboração conceitual e/ou de evolução nos níveis de uma determinada conceituação. São entendimentos que podem desencadear e fundamentar reflexões capazes de orientar o ensino de conceitos e procedimentos algébricos, possibilitando ações docentes as quais podem oportunizar ao educando a apropriação de saberes matemáticos relacionados a este campo de saber. Palavras-chave: ensino e aprendizagem de álgebra; concreto/abstrato; concreticidade; significação de conceitos matemáticos.

Introdução

A necessidade de compreender o processo de apreensão, pelos educandos, de

conceitos matemáticos relacionados à Álgebra e à necessidade de pensar sobre situações que

possibilitam e orientam o ensino de tais conceitos no contexto escolar, gerou o presente texto.

As reflexões aqui expostas estão embasadas teoricamente na perspectiva histórico-

cultural. A partir desta abordagem, a apreensão de saberes matemáticos num espaço formal de

aprendizagens, se estabelece, fundamentalmente, nas possibilidades que o indivíduo tem de,

nas suas interações, se apropriar das significações historicamente construídas relacionadas aos

conceitos que constituem os referidos saberes. Para Vigotski (2001), os conceitos são

significações históricas que foram organizadas sobre uma lógica e tiveram, durante sua

evolução, uma função específica na solução de problemas reais.

No entendimento proposto, o saber matemático é um construto humano inserido no

processo de desenvolvimento histórico e cultural no qual é produzido e interfere no

desenvolvimento da sociedade. Sendo assim, na evolução da história da humanidade, no

movimento da interação em diferentes momentos históricos e sociais, o saber matemático

foi/é construído e a matemática constitui/constitui-se como ciência.

O empirismo, a contextualização e a percepção/produção de sentidos pelos alunos

estão sendo considerados fatores fundamentais no processo de ensinar e aprender matemática

no contexto escolar. Mas, para que o aluno tenha possibilidade de apropriar-se dos

significados dos conceitos matemáticos, faz-se necessário também uma etapa de

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS descontextualização, o qual exige que o objeto de saber adquira o status de saber matemático

abstrato e independente do contexto. O avanço nos níveis de apropriação das significações

dos conceitos matemáticos está relacionado a um movimento didático pedagógico de

contextualização e descontextualização e a uma etapa de descontextualização dos conceitos

com relação a situações e/ou circunstâncias imediatas, em que a abstração é um elemento

essencial para que o aluno produza seu saber.

A apropriação das significações dos conceitos matemáticos se estabelece a partir de

abstrações e generalizações1, estando fundamentada em representações de diferentes níveis,

que precisam ser expressas por uma linguagem própria. Mesmo que as primeiras

representações, tanto na história da matemática como na do indivíduo, estejam relacionadas a

situações empíricas ou imagináveis, o avanço no processo de elaboração conceitual está

relacionado à desvinculação dos mencionados aspectos e às suas formalizações.

Para Fontana (1996), a elaboração conceitual é resultante de um processo de análise

(abstração) e de síntese (generalização) dos dados sensoriais, o qual é mediado pela palavra e

nela materializado. Porém, não se desenvolve naturalmente, é objetivada nas condições reais

de interação nas diferentes instituições humanas, tendo no contexto escolar uma orientação

deliberada e explícita no sentido da apreensão, pelo aluno, de conhecimentos sistematizados2.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998, p. 115),

“o estudo da Álgebra constitui um espaço bastante significativo para que o aluno desenvolva e

exercite sua capacidade de abstração e generalização,...”. A compreensão da especificidade do

pensamento, de procedimentos e da linguagem algébrica, constituída de símbolos e signos os

quais sintetizam verdadeiros conceitos, destaca a importância de trabalhar em sala de aula

com o movimento de análise e síntese, pois quando o aluno é apresentado ao simbolismo e

formalismo da álgebra de forma direta (somente pelas operações com os símbolos) nem

sempre se apropria do significado de seus conceitos, pronuncia e trabalha com um som vazio.

Para Vigotski (2001, p.246–7), o processo de desenvolvimento dos conceitos é um

processo psicológico complexo que requer o desenvolvimento de uma série de funções

(atenção arbitrária, memória lógica, abstração, comparação e discriminação), as quais não

podem ser simplesmente memorizadas ou assimiladas. Para este autor, dificilmente poderia

haver dúvidas sobre a total inconsistência da concepção segundo a qual, no processo de 1 Para Vigotski “[...] generalização significa ao mesmo tempo tomada de consciência e sistematização de conceitos” (2001, p. 292). Na medida em que o aluno se apropria de significações, ele passa a ter condição de tomada de consciência, não age mecanicamente, o que é muito comum nas aulas de matemática. E as significações já apreendidas passam a ser utilizadas como ferramentas para novas apropriações. Neste enredamento de significações é que as generalizações vão acontecendo e os conceitos elaborados. 2 Também entendidos como científicos na expressão vigotskiana.

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS aprendizagem escolar, os conceitos são aprendidos pela criança de forma pronta e final. O

ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril, seu

resultado consiste no fato de a criança não assimilar o conceito, mas a palavra captada mais de

memória que de pensamento e sentir-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego

consciente do conhecimento assimilado. O autor destaca que esse método de ensino direto de

conceitos “[...] é a falha principal do rejeitado método escolástico de ensino, que substitui a

apreensão do conhecimento vivo pela apreensão de esquemas verbais mortos e vazios”

(VIGOTSKI, 2001, p. 247).

Entendimentos produzidos a partir da vivência pedagógica

As questões abordadas no presente texto surgiram da reflexão de situações vivenciadas

em aulas de matemática no Ensino Fundamental. Para um grupo considerável de alunos a

Álgebra apresenta-se estéril e vazia, fazendo com que muitos educandos busquem outros

caminhos, distantes deste campo de saber, para a resolução de diferentes situações-problemas

que lhes são propostos. Em muitos deles percebe-se que não acontece, efetivamente, um

pensamento algébrico e que os procedimentos utilizados, bem como sua linguagem, são

desprovidos de significados. Assim, questões relacionadas ao ensino e a aprendizagem da

Álgebra no contexto escolar se põem, neste momento, como central e desencadeador de

discussões e teorizações. Considerando que na 7ª série do Ensino Fundamental é designada

uma atenção especial a alguns conceitos algébricos, situações de ensino propostas e vivencias

em turmas desta série delineiam o referido estudo.

Com o intuito de oportunizar aos educandos a apropriação de significações de

conceitos e procedimentos algébricos, no decorrer do ano de 2008, foram propostas aos

alunos de 7ª série de uma escola pública, as seguintes atividades3:

���� COSNTRUINDO E EXPLORANDO O TANGRAN

1) Conversa sobre o TANGRAN e lendas sobre a sua origem. 2) Leitura e comentário de um folheto informativo relacionado ao TANGRAN. 3) Convite aos alunos para construir um TANGRAN. 4) Construção do TANGRAN:

� Desenhar um quadrado e recortá-lo (não muito pequeno). � Dividir o quadrado em 16 quadrados iguais, pontilhando as divisões. � Observando as divisões traçadas no quadrado maior, desenhar as sete peças do TANGRAN:

3 Desenvolvidas em pequenos grupos no transcorrer do segundo semestre de 2008.

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS

5) Questionamentos: - Os quadrados desenhados pelos alunos possuem as mais diferentes medidas, assim

como a medida do lado dos quadrinhos pontilhados. Para desenvolver algumas atividades se faz necessário a indicação destas medidas, como podemos representá-las?

- Para desenhar as sete peças do TANGRAN consideramos apenas a medida do lado dos quadrados pontilhados?

- Nos diferentes quadrados desenhados, as diagonais dos quadrados pontilhados possuem a mesma medida? Como podemos representá-la?

Figura 1: Quadrado desenhado por um aluno ao desenvolver atividade proposta.

6) Recorte e pintura com cores diferentes das sete peças do TANGRAN. 7) Identificação da nomenclatura de cada uma das peças(polígonos) considerando a

maior face de cada uma delas, observando o nº de lados, a posição das linhas e nº de vértices. 8) Construção diferentes figuras usando as sete peças do TANGRAN.

���� OPERANDO COM EXPRESSÕES ALGÉBRICAS 1) Considerando a medida indicada nos lados e na diagonal dos quadrinhos

pontilhados, descubra o perímetro da maior face de cada uma das peças: 2) Considerando a medida indicada nos lados e na diagonal dos quadrinhos

pontilhados, descubra a área da maior face de cada uma das peças. 3) Utilizando dois Triângulos grandes, dois Triângulos pequenos e o Triângulo médio,

construa uma figura (sem sobrepor as peças), desenhe-a e a seguir calcule o seu perímetro e sua área.

4) Utilizando dois Triângulos pequenos, o Triângulo Médio e o Quadrado, construa uma figura, desenhe-a e a seguir calcule seu perímetro e sua área.

5) Utilizando um Triângulo grande, dois Triângulos pequenos e o Quadrado, construir uma figura, desenhá-la e a seguir calcular seu perímetro e sua área.

TG

TG TP

TP Q

P

TM

Sete Peças do TANGRAN

2 Triângulos Grandes (TG) 1 Triângulo Médio (TM) 2 Triângulos Pequenos (TP) 1 Paralelogramo (P) 1 Quadrado (Q)

(A partir de questionamentos, orientar os alunos para representar com letras diferentes (pois representam medidas diferentes) a medida do lado e da diagonal dos quadrados pontilhados, percebendo o limite de cada uma das peças.)

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS ���� SOCIALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

A primeira etapa das atividades propostas possibilita a construção e a exploração do

Tangran, permitindo aos alunos uma maior familiaridade com o referido “quebra cabeça”

como todo e com suas peças4. A sua construção, da forma como foi encaminhada, possibilita

ao educando a percepção com maior propriedade do limite, dos lados e da superfície de cada

uma das peças. Na medida em que estas propriedades vão ficando claras para o aluno, as

possibilidades da produção de sentidos da representação da medida dos limites das figuras

(peças) aumentam consideravelmente. É necessário que os alunos percebam que as letras

usadas representam determinas medidas (como mostra a Figura 1), que estas têm uma razão

por estarem ali e que assim possuem um significado.

Parece ser tão simples a referida representação, caracterizar o concreto, o real, o

palpável relacionando-o ao abstrato, mas se nos distanciarmos do senso comum, passa a ser

complexo este procedimento, como também impróprias as conotações negativas associadas às

abstrações. De acordo com Machado (1998, p.45-50), as idéias e os objetos matemáticos,

desde os mais simples até as estruturas mais complexas, são classificados como abstrações e

grande parte das conotações negativas relacionadas ao termo decorre de uma caracterização

inadequada do seu papel na apreensão de saberes no contexto escolar.

Em muitas situações, de acordo com Jardinetti (1996, p. 46), o abstrato é entendido

como algo difícil de ser assimilado na medida em que se traduz um vínculo não imediato com

o real e o concreto entendido como o imediato. A partir deste entendimento, é habitual,

segundo Jardinetti, perceber duas interpretações de concreto. Uma se traduz na utilização de

“materiais concretos”, seja manipulando, observando, construindo, desenhando, etc, e a outra

de se tomar o concreto como o imediato, associando-o ao cotidiano.

Sob estas duas visões, o referido autor afirma que o concreto aparece como a solução

mágica para a superação das dificuldades de apreensão dos conceitos matemáticos, pois,

mediante a mera utilização do concreto/objeto, espera-se que o aluno seja conduzido a um

processo de aprendizagem. Porém, observa-se que, em muitas situações, este tipo de

atividades, por serem decorrentes de uma reflexão a - crítica, não auxiliam no processo de

apreensão das significações conceituais pelo aluno. O concreto pode, desta forma, tornar-se

totalmente inadequado para os fins a que se propõe, e sua ineficácia, de acordo com Jardinetti

(1996, p. 48), reside no fato de sua utilização não estar imbuída da lógica que permeia os

conceitos matemáticos.

4 Etapa considerada fundamental para o desenvolvimento da seqüência das atividades propostas.

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS

Figura 2: recorte do material do aluno M.

Na medida em que o aluno se apropriar da lógica a qual permeia as representações

aqui abordadas há possibilidades de usá-las no desenvolvimento das atividades propostas na

segunda etapa. Neste momento também se faz necessário, que além das representações, o

aluno use como ferramenta as significações do conceito de perímetro, medida de superfícies e

potenciação. Ao calcular a medida do perímetro de diferentes figuras o aluno está

significando o “x” e o “y”, por exemplo, e ele, mesmo com a intervenção da professora, tem

condições de perceber que as referidas letras representam valores diferentes e que assim, por

esta razão, não podem ser somadas. O aluno tem condições de perceber a especificidade de

cada representação. Atrelado a outros conceitos, desta forma, o pensamento e os

procedimentos algébricos podem ir se desenvolvendo no pensamento do aluno, sustentado

pela lógica a qual permeia as referidas relações conceituais.

A Figura 2 mostra a montagem feita por um aluno usando um triângulo grande, os dois

pequenos e o quadrado, bem como, os procedimentos para a determinação do seu perímetro e

da sua área. A Figura 3 apresenta a montagem de outro aluno envolvendo dois triângulos

grandes, um médio e dois pequenos e o desenvolvimento do cálculo do perímetro e da área da

referida figura.

Observa-se que os alunos5 dos referidos recortes usaram com propriedade as medidas

indicadas e encontraram o perímetro, o mesmo acontecendo no cálculo da medida da

superfície total das figuras. Como mostra a Figura 2, o aluno dividiu a figura em duas partes,

calculou a área do triângulo e a área do restante da figura, um retângulo, e a seguir somou a

duas áreas.

5 Os alunos foram indicados pela primeira letra dos seus nomes.

Figura 3: recorte do material da aluna S.

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Figura 4: Recorte do material da aluna J.

Para efetuar tal cálculo com expressões algébricas, fundamentadas numa elaboração

conceitual, supõe-se que o aluno tenha, efetivamente, se apropriado da significação conceitual

de cada y2 e que assim, na medida em que tem 2y2 + 2y2, obterá 4y2. Se estas significações

estiverem sido internalizadas, o aluno terá maior possibilidade de desenvolver procedimentos

algébricos, conseguindo ter uma potencialidade matemática maior e melhor. No

desenvolvimento apresentado na Figura 2, observa-se que o aluno considerou a figura como

um todo e calculou a área do retângulo formado, multiplicando sua base pela altura. São

procedimentos que se estiverem enredados com outras significações conceituais não serão

operados mecanicamente, mas envolto de uma rede de significações. E assim, os

procedimentos algébricos terão significados para os alunos.

Cabe destacar que, no decorrer do desenvolvimento das atividades, a professora

intervinha nos grupos de diferentes formas, por vezes os instigando a pensar sobre os

procedimentos que estavam realizando, outras questionando como se calculava a área de

determinadas figuras, outras vezes dando algumas dicas consideradas importantes para o

desenvolvimento e ainda outras vezes sua intervenção esteve relacionada à forma como

podiam expressar as multiplicações “y” vezes “y” ou “x” vezes “x”, situações estas as quais

envolveram conceito de potenciação.

Uma aluna, a qual fazia parte do mesmo grupo dos alunos cujos recortes foram

apresentados na Figura 2 e 3, efetuou o cálculo da área de uma forma diferente. Considerou a

área calculada na segunda atividade e somou as áreas de cada peça que compõem a figura

como mostra a Figura 4 e a Figura 5.

São formas diferentes de calcular a área das figuras, mas em ambas se fez necessário

que o aluno opere com as expressões algébricas e que suas ações estejam imbuídas das

significações dos conceitos envolvidos, não de uma forma estanque, mas relacionados entre

si, como também, da lógica que os permeia.

Estas relações puderam ser melhor explicitadas no momento da socialização das

atividades. Ocasião em que os alunos tiveram que expor a resposta encontrada e, de certa

forma, defendê-la, justificá-la, demonstrando os procedimentos adotados. Em determinadas

exposições, as respostas não estavam corretas, mas, com a defesa do outro grupo ou de outro

Figura 5: Recorte do material da aluna J.

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS aluno, que apresenta diferentes argumentações, o aluno aprende a identificar o seu erro e

perceber que há necessidade de estabelecer relações diferentes daquelas adotadas. Percebe-se

que as elaborações produzidas se dão num movimento dialético de produção de sentidos, o

enunciado de um é composto pelas falas dos demais interlocutores, sejam eles alunos ou

professora. Que, como afirma Fontana (1996, p. 126), os sentidos elaborados são em parte

nossos e em parte do outro, são o efeito da interação entre os interlocutores num movimento

de compreensão e expressão.

O movimento da interlocução proporciona que novos entendimentos, novas

compreensões sejam internalizadas e, pela interferência da professora, na elaboração

conceitual, novos níveis de sistematização sejam alcançados pelos alunos. À luz do princípio

dialógico de Bakhtin (2004), o processo de elaboração conceitual configura-se como um

processo discursivo, pela articulação e pelo confronto de múltiplas vozes em condição de

interação (compreensão/expressão).

Diante do exposto, entende-se a socialização como um valioso momento para a

argumentação e justificação, no qual os alunos são questionados, instigados pela professora,

são lançadas algumas pistas ou possibilidades e encaminhados à sistematização6 .

Considerações

Os conceitos matemáticos apresentam uma lógica própria de elaboração, que se revela

essencialmente fundamentada em relações. Assim, no processo de ensino e aprendizagem no

contexto escolar, o desafio que se apresenta, de acordo com Jardinetti (1996, p. 49), é propor

ações didáticas e pedagógicas as quais, efetivamente, estabeleçam condições para que o aluno

se aproprie dessa lógica das relações, das significações dos conceitos matemáticos enquanto

relações.

No contexto escolar, é muito difundida a concepção segundo a qual o processo de

apreensão de saberes, de uma maneira geral, desenvolve-se numa ascensão da realidade aos

modelos teóricos, do concreto ao abstrato. Nesta concepção, as abstrações são consideradas

como um objeto em si mesmo, eliminando seu verdadeiro papel. Para Machado (1998, p. 51),

não parece ser possível compreender o processo de construção do conhecimento como um

movimento unidirecional e de único sentido, do concreto ao abstrato ou do abstrato ao

concreto.

6 Importante etapa na apropriação da significação de conceitos matemáticos e neste caso, no desenvolvimento de conceitos e procedimentos algébricos.

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS

Machado (1998, p.51) afirma que as abstrações não se situam nem no ponto de

chegada, nem no ponto de partida, mas no meio do processo, constituindo condição para o

estabelecimento de um processo de aprendizagem em qualquer área. Considera-se as

abstrações como mediações indispensáveis, pois por meio delas se estabelece o

reconhecimento e a estruturação de relações progressivamente mais significativas, que passam

a caracterizar um concreto mais complexo e viabilizam a ação sobre ele. Neste sentido, cada

patamar alcançado,

[...] pode tornar-se – e em geral se torna – um novo ponto de partida, que conduzirá a novo estágio, onde as relações determinantes estruturam-se de modo ainda mais significativo. E o processo pode seguir assim, numa cadeia sem fim. Uma cadeia em geral não linear, onde podem coexistir, em um mesmo nível, diferentes estruturações do concreto organizadas a partir de distintos sistemas de abstrações e que podem dar origem a diversos prosseguimentos (MACHADO, 1998, p. 52).

Machado entende que as abstrações são consideradas mediações capazes de

possibilitar, a cada estágio alcançado, a produção de sentidos, tornando as relações

estabelecidas significativas. Sendo, desta forma, consideradas como indispensáveis no

processo de ensinar e aprender matemática. São as abstrações que tornam possível agir sobre

um concreto mais complexo, pois diferentes estruturações do concreto podem ser organizadas

a partir de diferentes sistemas de abstrações.

Jardinetti (1996, p. 49-50), fundamentado em Marx, afirma que, para a dialética, o

concreto é ponto de partida e de chegada do processo de conhecimento, e não é apreensível de

imediato pelo pensamento, mas é sim, mediatizado por abstrações. O ponto de partida refere-

se ao concreto em seu aspecto sincrético, sensorial e empírico captado de manifestações mais

imediatas, possibilitando um conhecimento superficial e fragmentário. O concreto ponto de

chegada, de acordo com Jardinetti, refere-se ao seu aspecto multifacetado, aprendido na

multiplicidade de suas determinações. É revelado em sua essência, em suas propriedades não

acessíveis à apreensão sensorial. Nesta abordagem, a relação entre concreto e abstrato é

entendida, conforme afirma Jardinetti (1996, p. 50), como um movimento, cuja tendência é

caracterizada a partir de um empírico, passando pelo abstrato, o qual identifica como análise

para, através de uma síntese, chegar a uma totalidade rica de múltiplas determinações, o

concreto-pensado.

Tanto o concreto como o abstrato, nessa perspectiva, não podem ser interpretados

como algo pronto e acabado e são aspectos importantes no processo de ensinar e aprender

matemática na medida em que são capazes de possibilitar a percepção das relações, as quais

constituem os conceitos matemáticos. Percebe-se, então, que há abstrações que podem

mostrar-se concretas para o aluno, e há materiais concretos que podem mostrar-se totalmente

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS desprovidos de significados. De acordo com Jardinetti, “as abstrações revelam ser concretas

no momento em que possibilitam a elaboração de procedimentos metodológicos que traduzem

um sistema orgânico e multirrelacional que englobe e dê sentido às abstrações” (1996, p. 52).

Inseridas num sistema de relações, as abstrações não são percebidas como vazias; quando

examinadas sob uma lógica operatória revelam-se concretas, revelam-se impregnadas de

concreticidade.

Neste sentido, o concreto não está apenas relacionado ao empírico. Se não estiver

inserido numa rede de significações, também pode mostrar-se estéril e vazio, sem utilidade no

processo de ensino e aprendizagem. Conforme Jardinetti (1996, p. 53), a eficácia de um

material concreto está na sua necessidade de encarnar as propriedades ou parte das

propriedades lógicas do conceito a ser apropriado, não justificando sua presença se não

houver esta necessidade. E o abstrato pode estar impregnado de concretude na medida em que

for capaz de produzir significados para os alunos.

A visão dicotômica do concreto e abstrato, no processo de elaboração conceitual,

distorce, desta forma, o próprio entendimento do processo de ensinar e aprender matemática

no contexto escolar. Esta visão, de acordo com Jardinetti, reduz a abstração a uma etapa do

processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos, por estar relacionada apenas ao

domínio de fórmulas matemáticas. E distorce, também, o entendimento do concreto,

reduzindo-o ao empírico.

Numa proposta de elaboração conceitual, considerando os aspectos já salientados, não

cabe uma relação dicotômica entre o concreto e o abstrato. Mas percebem-se aproximações

com outra visão, na qual o concreto e o abstrato são dois importantes aspectos no processo de

ensino e aprendizagem no contexto escolar. Quando conjugados criam possibilidades de

concreticidade de extrema importância, na medida em que se estabelece com e a partir de

relações conceituais, ou seja, é considerada a sistematicidade dos conceitos envolvidos.

Olhar as atividades apresentadas, considerando o concreto e o abstrato sob esta

perspectiva, denota olhar a capacidade das atividades em revelar e instigar aos/os alunos a

perceberem as relações que se estabelecem entre os conceitos matemáticos envolvidos e a

linguagem algébrica, como também a capacidade destas em potencializar o desenvolvimento

do pensamento e procedimentos algébrico nos alunos.

Na atividade proposta usou-se uma linguagem algébrica para representar a medida dos

lados de cada polígono (peças do Tangran). Este ”material concreto” pode estar impregnado

de abstrato, o que dá sentido às representações e assim, fundidos, possibilitam aos educandos

a produção de sentidos para a linguagem e operações efetuadas. Podem ser abstrações

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS impregnadas de concreticidade na medida em que possibilitarem, para os alunos, a

produção/apropriação de significações dos conceitos envolvidos. Assim, o referido “material

concreto” será capaz de potencializar novos entendimentos e o desenvolvimento do

pensamento e procedimentos algébricos.

De acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 121), a visualização de expressões

algébricas, por meio de cálculos de áreas e perímetros, é um recurso que facilita a

aprendizagem de noções algébricas, pois possibilita ao aluno conferir um tipo de significado

às expressões. Porém, salientam que o aluno deve perceber que é possível atribuir outros

significados, além dos geométricos, às expressões e que desta forma, o trabalho com álgebra

no contexto escolar não pode apoiar-se exclusivamente em representações geométricas.

Para que haja evolução no desenvolvimento do pensamento algébrico, se faz

necessária a proposição ao aluno de uma diversidade de atividades, envolvendo distintas

situações-problemas, e estas inter-relacionem as diferentes concepções da Álgebra. A Figura 6

mostra, de forma simplificada, as diferentes interpretações da álgebra escolar e as diferentes

funções das “letras”.

FIGURA 6: Interpretações da Álgebra e funções das letras FONTE: Parâmetros Curriculares Nacionais - 5ª a 8ª série. (BRASIL, 1998, p 116)

Nas atividades apresentadas no presente texto, a álgebra foi usada como procedimento

para a resolução de problemas, no qual as letras foram consideradas variáveis para expressar

relações e funções; focaram, desta forma, especialmente, a dimensão funcional da Álgebra.

Para a compreensão de conceitos e procedimentos algébricos, conforme os PCN, é necessário

que se estabeleça em sala de aula um trabalho articulado que envolva as quatro dimensões da

Álgebra propostas na Figura 6. Assim, a multiplicidade de perspectivas que a álgebra pode ser

vista revela os diferentes enfoques possíveis para o seu ensino, os quais, fundamentalmente

precisam ser considerados.

Na aula parcialmente apresentada, os alunos usaram a Linguagem Algébrica, com o

Trabalhos X EGEM X Encontro Gaúcho de Educação Matemática Comunicação Científica 02 a 05 de junho de 2009, Ijuí/RS intuito de potencializar o desenvolvimento do pensamento e de procedimentos algébricos,

porém, a aula não iniciou com uma definição7. Foi proposto aos alunos uma dinâmica a qual,

no decorrer da aula, possibilitou um pensar e um caminhar na busca de significações com um

maior nível de generalização de conceitos e procedimentos algébricos. De acordo com o

referencial vigotskiano, no processo de elaboração conceitual a significação não acontece de

imediato, numa forma pronta e acabada, há, no processo, sempre um devir.

Desta forma, de acordo com os pressupostos teóricos que fundamentam estas reflexões

e as condições apresentadas nos PCN, não é na aula, parcialmente apresentada, que os alunos

alcançaram/alcançam a significação final/formal dos referidos conceitos, a aula é apenas o

início do processo. Processo o qual se estabelece na concreticidade, a partir de e nas

articulações entre o concreto e o abstrato.

Percebe-se, no decorrer das análises, que antes de qualquer apresentação formal de

conceitos matemáticos, há necessidade de haver um processo de elaboração conceitual

propiciando aos alunos a apropriação de significações dos conceitos envolvidos. Desta forma,

o processo de formalização algébrica não pode antecipar-se ao processo de investigação, de

exploração e elaboração. A partir de uma diversidade de investigações e explorações, os

alunos podem ser conduzidos à apropriação de significações de conceitos e procedimentos

algébricos, considerando as várias dimensões as quais constituem os referidos conceitos.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.

BATTISTI, Isabel Koltermann. A significação conceitual de medida de superfície sob uma abordagem histórico-cultural: uma vivência no contexto escolar. Dissertação. (Mestrado em Educação nas Ciências) – Universidade regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2007.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998.

FONTANA, Roseli Ap. Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. 2.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1996. (Coleção educação contemporânea)

JARDINETTI, José Roberto Boettger. Abstrato e concreto no ensino da matemática: algumas reflexões. Bolema, ano 11, nº 12. p. 45-57. 1996.

MACHAD0, Nilson José. Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1998.

VIGOTSKI, L. V.. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

7 É muito presente nas aulas de matemática iniciar um determinado conteúdo pela definição, seguindo por alguns modelos/procedimentos e aplicações.