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Page 1: A concep»c~ao dos alunos sobre a f¶‡sica do ensino m¶edio ... · 252 Ricardo e Freire continuar seus estudos. Um ponto importante da LDB/96 ¶e a nova identi-dade dada ao ensino

Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 29, n. 2, p. 251-266, (2007)www.sbfisica.org.br

Pesquisa em Ensino de Fısica

A concepcao dos alunos sobre a fısica do ensino medio:

um estudo exploratorio(The students’ conceptions about high school’s physics subject: an exploratory study)

Elio C. Ricardo1 e Janaına C.A. Freire

Curso de Fısica, Universidade Catolica de Brasılia, Brasılia, DF, BrasilRecebido em 26/9/06; Aceito em 17/11/06

Este artigo apresenta e discute os resultados de um estudo exploratorio realizado com alunos do nıvel mediode duas escolas do Distrito Federal. O objetivo foi identificar suas concepcoes acerca do ensino da fısica e elaborarum cenario de investigacao para futuros professores de fısica. A fim de superar o simples discurso especulativo,os saberes escolares e as praticas educacionais sao questionados e tres temas que surgiram durante a pesquisasao retomados: a relacao entre a fısica e a tecnologia, a fısica e a matematica e a fısica e o cotidiano.Palavras-chave: saberes escolares, praticas educacionais, fısica e tecnologia, fısica e matematica, fısica e coti-diano.

This paper presents and discusses the results of the exploratory study with high-school students of two stateschools of Distrito Federal. The main objective was to identify their conceptions about physics teaching and tobuild a scenario of investigation to future physics teachers. In order to overcome the speculative discourse, theschool knowledge and the educational practices are questioned and three subjects are exploited: the relationshipbetween physics and technology, physics and mathematics, physics and daily life.Keywords: school knowledge, educational practices, physics and technology, physics and mathematics, physicsand daily life.

1. Introducao

O contexto escolar atual esta cada vez mais associado asincertezas, a diversidade, a heterogeneidade e a novosdesafios. Da escola se exige uma formacao compatıvelcom o chamado mundo contemporaneo, no sentido deassegurar uma preparacao para o enfrentamento do quese espera encontrar depois dela. Isso fica mais evidenteem um ambiente de crises economicas e crescente de-semprego. Nao e por acaso que a importancia da es-cola, e da educacao de modo geral, domina os discursosem todas as areas, tais como: economica, empresarial,polıtica, governamental e academica. Mas, sera que to-dos falam, efetivamente, da mesma coisa? Sera que osobjetivos e o papel da escola na constituicao de umasociedade sao claros? Paradoxalmente, a adesao dosalunos ao projeto escolar esta se enfraquecendo. Ouseja, a estrutura escolar atual parece estar cada vez me-nos capaz de atender as expectativas dos seus alunos,embora o numero de matrıculas tenha crescido consi-deravelmente nos ultimos anos.

Entretanto, esse cenario pode esconder uma exces-siva fatalidade, na medida em que, talvez, os desafios

da escola nao sejam tao novos como se pensa e nem suaheterogeneidade ou diversidade. E certo, todavia, queo mundo passa por transformacoes sociais, polıticas eeconomicas que acentuam as diferencas e evidenciam acompetitividade. Mas, ao mesmo tempo, a leitura su-perficial do problema pode levar a uma atitude fatalista,priorizando tao somente uma adaptacao, e a situacaoexistencial concreta, ou ainda a analise crıtica destaacaba perdendo importancia em detrimento de falsasprioridades. Assim, qualquer possibilidade de mudancae fragilizada.

O ensino medio e o nıvel escolar que mais sente essapressao social, pois sua conclusao coincide com a idadeem que os jovens estarao ingressando no mercado de tra-balho, embora alguns ja o tenham feito, ou darao pros-seguimento em seus estudos, vislumbrando uma pro-fissao tecnica ou de nıvel superior. Isso faz com quepermaneca no ensino medio dicotomias que a LDB/96pretende superar, a saber: preparacao para o vestibu-lar vs. formacao profissional; ou ensino propedeutico vs.ensino profissionalizante. Ocorre, todavia, que um en-sino apoiado unicamente no acumulo de saberes acabaatendendo apenas a uma minoria que tera a chance de

1E-mail: elio [email protected]. Apoio PRPGP/UCB-DF.

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

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continuar seus estudos.

Um ponto importante da LDB/96 e a nova identi-dade dada ao ensino medio: a de etapa final daeducacao basica. Isso exige, entre outras coisas, queesse nıvel de ensino nao esteja direcionado unicamentea preparacao para o vestibular, tampouco para umaformacao profissional, muito embora tais aspectos naosejam ignorados nos princıpios da lei. Desse modo, oensino medio deveria assegurar a formacao geral sufi-ciente para que o aluno pudesse decidir sobre seu fu-turo. No entanto, isso parece longe de acontecer, poisa escola ainda nao incorporou esse espırito em seusprojetos. E, apesar dos Parametros Curriculares ofere-cerem orientacoes que sintetizam algumas alternativasque as pesquisas na area de ensino vinham sugerindo econtemplem as expectativas desse novo ensino medio,sao pouco discutidos no ambiente escolar e, por conse-guinte, suas propostas se encontram distantes da salade aula [1,2].

Esse quadro descrito acima sugere a necessidade ur-gente de se (re)pensar a estrutura escolar e as praticaseducacionais correntes, mas, por outro lado, ha aindaum sentimento de recusa em relacao aos documentosdo MEC, com justificativas nem sempre solidas, apoia-das, muitas vezes, em obstaculos que assumem statusde verdade para alguns professores, com argumentosdo tipo: sao documentos feitos por quem nao conhecea sala de aula! Sao bonitos no papel, mas na praticanao funcionam!

Evidentemente, uma aceitacao irrestrita, sem dis-cussao e reflexao, tanto das Diretrizes Curriculares,como dos Parametros Curriculares, tambem nao pareceser um caminho adequado, mas a atitude reacionariaacaba levando a uma permanencia de praticas envelhe-cidas, apegadas excessivamente aos livros didaticos eaos exames vestibulares. Essa atitude se torna aindamenos recomendavel quando se exige um professor ca-paz de gerenciar as incertezas e a heterogeneidade ede criar situacoes de aprendizagem que assegurem aosalunos a pertinencia dos saberes escolares.

A partir dessa perspectiva desenvolveu-se o presentetrabalho. O objetivo foi realizar um estudo exploratorioa respeito das concepcoes dos alunos do ensino medioacerca da disciplina de fısica. No entanto, nao se trataapenas de levantar os problemas, mas de elaborar umcenario e transforma-lo em objeto de investigacao, afim de oferecer aos envolvidos instrumentos para umaanalise e reflexao das praticas e dos saberes escolares.Para tanto, alguns temas oriundos do estudo realizadoforam eleitos para aprofundamento nos itens finais.

2. Aspectos metodologicos

A presente pesquisa foi desenvolvida durante o primeirosemestre do ano de 2005, por alunos da disciplina dePratica de Ensino em Fısica I, do curso de Licencia-tura em Fısica da Universidade Catolica de Brasılia. Amesma pesquisa se repetiu no semestre seguinte daqueleano e, ao todo, envolveu dezoito turmas de ensino mediode escolas publicas, num total aproximado de trezentose cinquenta alunos.

Entretanto, neste trabalho foram utilizados os mate-riais de quatro turmas de ensino medio de duas escolasde localidades distintas do Distrito Federal. Pesquisou-se uma turma de primeiro ano e outra de terceiro anoem cada uma das escolas, perfazendo um total de no-venta alunos. Essa amostra foi considerada suficientepara representar o perfil do total investigado,2 uma vezque ha sobreposicao de informacoes3 referentes as con-cepcoes e/ou representacoes sociais da fısica escolar.

O instrumento utilizado para a coleta dos materiaisfoi o questionario aberto, pois o numero de entrevista-dos era grande e nao haveria tempo disponıvel com cadaaluno para entrevistas de outra natureza. Alem disso,buscou-se realizar, nesse momento, um estudo explo-ratorio, o qual possibilita ao “investigador aumentarsua experiencia em torno de determinado problema”.4

Ou seja, como se estava trabalhando com futuros pro-fessores, a natureza exploratoria da pesquisa teve comoobjetivo fazer surgir da pratica cotidiana elementos ne-cessarios para prosseguir em pesquisas futuras, supe-rando exercıcios especulativos e utilizando instrumen-tos teoricos discutidos em sala para a analise e re-flexao dos aspectos historico-sociais, possıveis causas,contradicoes e significados das posicoes assumidas pe-los entrevistados. Procurou-se evidenciar muito mais arelevancia de se (re)pensar a escola e as praticas docen-tes a esgotar o assunto neste trabalho.

Desse modo, o questionario aberto se aproximavamelhor das perspectivas colocadas para a pesquisa eevidenciou, inclusive, uma grande dificuldade de ex-pressao escrita pelos alunos do nıvel medio. Apos opreenchimento e entrega dos questionarios, iniciava-seum dialogo no grande grupo com os alunos (do nıvelmedio) que responderam o questionario, a fim de verifi-car se algum tema relevante teria escapado no momentoda elaboracao das respostas e, se sim, balizar melhor asanalises posteriores dos materiais obtidos. As pergun-tas realizadas foram: a) Voce gosta de estudar fısica?Por que?; b) Qual a diferenca que voce ve entre a fısicae a matematica?; c) Voce acha o ensino de fısica impor-tante? Por que?; d) Em sua opiniao, como seria um(a)bom(a) professor(a) de fısica? e e) Voce ve relacao como que aprende em fısica com o seu cotidiano e com as

2Foram pesquisadas tambem algumas escolas privadas, mas nao estao incluıdas neste trabalho.3Evidentemente, ha singularidades, mas expressam bem mais historias e contextos individuais do que uma concepcao e/ou repre-

sentacao acerca da disciplina.4Ref. [3], p. 109.

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tecnologias?E importante ressaltar que esse instrumento de pes-

quisa foi elaborado pelos alunos da disciplina de Praticade Ensino em Fısica I e teve como ponto de partidaas discussoes feitas em sala de aula sobre algumas dasdificuldades dos alunos em aprender fısica ja presen-tes na literatura. Certamente, outros questionamentospoderiam ser feitos, mas no presente momento essasindagacoes pareceram centrais para que a turma ela-borasse um cenario das concepcoes que os alunos temem relacao a disciplina que irao ensinar em um futuroproximo.5

Procurou-se aqui dar um enfoque de pesquisa qua-litativa, conforme Trivinos [3], aos materiais coleta-dos, por entender que seria importante compreendertambem o processo ao inves de centrar-se unicamenteno produto. Foi uma tentativa de aproximar aspectosquantitativos de uma reflexao qualitativa, visando a su-peracao da dicotomia quantitativo – qualitativo. Esseexercıcio faz parte da formacao dos futuros professores.Ou seja, ir alem do que os dados podem mostrar.

3. Discussao dos resultados

Embora os materiais obtidos recebam aqui um trata-mento qualitativo, o enfoque estatıstico pode reforcaralguns pontos que mereceriam enfase especial, ate paraverificar que escondem representacoes e concepcoes naoreveladas em um primeiro olhar para respostas obje-tivas. Para a quarta pergunta, que faz referencia aoprofessor de fısica, nao foi possıvel um tratamentoestatıstico dada a diversidade das respostas, as quaisserao tratadas apenas qualitativamente. No Apendice,encontra-se a tabela com os resultados quantitativos.

3.1. Gostar de estudar fısica

Em relacao a primeira pergunta, 45,5% dos alunos res-ponderam que gostam da fısica. Mas, o que poderia pa-recer uma aceitacao razoavel esconde que cerca de umterco desse percentual fez essa afirmacao porque gostade calculos, conforme se observa em alguns exemplos:6

“Sim. Por que e uma materia muito di-namica. Gosto de fazer contas.” (aluno do1◦ ano)

“Sim pois a fisica mexe com coisas quesao transformadas e fisica usa calculos e eume desempenho melhor em materias queutiliza o calculo apesar da fisica mexer comformulas tambem tem o nome de muitos fi-losofos e tudo que pede raciocinio e otimo.”(aluno do 1◦ ano)

“Sim, porque eu gosto muito de calcu-los.” (aluno do 3◦ ano)

“Gosto, alem de ser interessante e ma-tematica em cima de formulas, que e uti-lizada tambem em outras materias.” (alunodo 3◦ ano)

Embora seja indispensavel a habilidade matematicana fısica, nao e a unica e, tampouco, esta se reduzaquela. Assim, verifica-se que esses alunos tiveramacesso a um ensino de fısica excessivamente preso a ma-tematizacao e a aplicacao de formulas, conforme ficaclaro na ultima declaracao, na qual o aluno se referea fısica como “matematica em cima de formulas”. Nasegunda fala observa-se que o aluno mencionou a pre-senca de filosofos na disciplina e acaba fazendo umaconfusao ao relacionar esta com “coisas que sao trans-formadas”, o que caracterizaria melhor a quımica e naoa fısica. Outras respostas ilustram uma compreensaofragmentada da fısica:

“Sim pois gosto de calcular areas, parater condicoes sair me melhor no meu dia adia.” (aluno do 3◦ ano)

“Gosto porque si tem a nocao de medi-das de peso, velocidade, si tem a base deenergia tambem quilometragem, massa e eimportante para a matematica.” (aluno do1◦ ano)

“Sim, porque nos podemos calcular a ve-locidade de objetos, as distancias percor-ridas e etc. sem contar que em algumasprofissoes temos que usar esses calculos.”(aluno do 1◦ ano)

Mais uma vez a reducao da fısica aos calculos eobservada, alem de uma confusao na primeira fala, re-lacionando a fısica com calculo de area e, note-se, trata-se de um aluno de terceiro ano. Na ultima declaracaoverifica-se uma relacao com conceitos basicos da fısica,em especial da cinematica, o que e natural em se tra-tando de aluno do primeiro ano. Interessante perce-ber que na primeira e na ultima resposta dos alunosha mencao ao dia a dia e a profissoes que podem seutilizar de conhecimentos fısicos. Parece haver uma re-presentacao social implıcita do reconhecimento da im-portancia da fısica, embora seu ensino, na maioria doscasos, nao seja condizente com essa expectativa, con-forme sera discutido mais adiante. Ha tambem algu-mas justificativas mais pragmaticas, referindo-se espe-cialmente a provas de concursos. A respeito dessa legi-timacao cultural da fısica, um exemplo pode esclarecer:

5De um semestre para outro houve pequenas modificacoes nas questoes elaboradas, mas nao interferiram nos resultados.6Todas as respostas dos alunos foram transcritas literalmente no presente trabalho.

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“Eu sei que e necessaria mas eu nao gos-to muito da fısica, quando comeca a teraqueles problemas eu me complico demaisacho que se eu conseguisse entender a mate-matica nao me complicaria tanto na fisica.”(aluno do 1◦ ano)

O que para alguns e motivo para gostar da fısica,para outros torna-se obstaculo, conforme se vera maisadiante. Entretanto, algumas respostas exprimem umacompreensao das potencialidades da fısica escolar e ex-pressam um gosto pela disciplina, como se observa nasfalas a seguir:

“Sim, porque e importante para o nossoconhecimento, e tambem a Fısica e sem-pre um desafio e que e sempre um prazerpessoal e para proveito da comunidade.”(aluno do 1◦ ano)

“Sim. Porque atraves da fısica pode-mos descobrir varias coisas legais, nos ex-perimentos podemos descobrir coisas quejamais descobririamos sozinhos. Com issopodemos ate nos tornarmos grandes cien-tistas.” (aluno do 1◦ ano)

“Sim. Porque estudando fısica eu en-tendo melhor o mundo.” (aluno do 3◦ ano)

“Gosto. Fısica tem relacao com o nossocotidiano.” (aluno do 3◦ ano)

Verifica-se que alguns alunos depositam uma expec-tativa na disciplina, a qual lhes proporcionara melhorcompreensao do mundo e das coisas que os cercam. Valedestacar que esse sentimento foi mais comum nos alu-nos de primeiro ano, os quais ainda viram pouca coisada disciplina, especialmente se se considerar que a ci-nematica se estende frequentemente por todo o primeirosemestre. Na primeira fala o aluno destaca o prazerpessoal que o conhecimento do mundo pode dar e fazreferencia a aspectos coletivos. Normalmente, quandose pretende justificar o ensino da fısica, apoia-se maisnos aspectos sociais e suas relacoes com essa ciencia doque na dimensao pessoal do desejo de conhecer as coi-sas. Sao difıceis as respostas bem estruturadas, masalgumas se aproximam disso. A declaracao a seguir eum bom exemplo, embora nao expresse um gosto in-condicional pela fısica:

“As vezes sim: porque a fısica nosdar mais entendimento do nosso dia a dia.Como por exemplo: como funciona o ar con-dicionado sabemos que o ar frio e mais densoe desse e o ar quente sobe. Quando fecha-mos a geladeira e ela prende. Isso e muitomais.” (aluno do 3◦ ano)

Como se salientou anteriormente, alguns alunosafirmam gostar de fısica porque tal disciplina contemcalculos. Curiosamente, um significativo numero entreos que nao gostam de fısica o fazem justamente por-que esta disciplina contem muito calculo, conforme seobserva em algumas falas:

“Nao: porque eu acho uma materiamuito difıcil dar muita dor de cabeca p/fazer os calculos: e quando pega um pro-fessor ruim ainda e pior.” (aluno do 3◦ ano)

“Nao. E um assunto muito cansativo, ecomo envolve calculo fica mais chato estu-dar as vezes.” (aluno do 1◦ ano)

“Nao, pois tem calculos muito grandesas vezes as conta da errada por causa domacete. que varia com muita facilidade.”(aluno do 1◦ ano)

A grande maioria das respostas dos alunos a pri-meira pergunta foi simplesmente “sim” ou “nao”. Algu-mas delas, no entanto, trazem mais informacoes, comoe o caso da primeira fala acima, que remete a aspec-tos didaticos de alguma experiencia que o aluno teveem sua vida escolar, ja que se trata de um aluno de ter-ceiro ano. Ele atribui a dificuldade de se aprender fısicaaos calculos e ao professor. Na segunda fala tambem sepode inferir que ha problemas nas praticas educativasvividas pelo aluno, pois utiliza os adjetivos “cansativo”e “chato” para descrever o que sente em relacao ao en-sino da fısica. E, na terceira fala, encontra-se um outroindıcio de problemas quanto aos aspectos metodologicosdas aulas de fısica: o ensino por macetes. Esse e opreco de um ensino de fısica apoiado exclusivamenteou excessivamente nos exames vestibulares. Talvez, oaluno tenha feito referencia ao fato de que tais artifıciospara a resolucao de problemas sejam aplicaveis em ca-sos especıficos, desarticulados da compreensao do pro-blema, o que leva a maioria dos educandos a decorara resolucao mecanica desse tipo de exercıcio sem com-preender os conhecimentos de fısica envolvidos.

3.2. A diferenca entre a fısica e a matematica

A associacao rasa entre a fısica e a matematica presenteem muitas das declaracoes acima se confirma nas res-postas dadas a segunda pergunta, pois apenas 35,5%dos alunos declararam haver diferenca entre essas duasdisciplinas. Para esses as diferencas sao:

“A matematica e uma materia quasesem sentido, somente calculos e mais calcu-los, a fısica ja e mais complexa e procuraentender coisas simples do nosso cotidianoquerendo entender e descobrir o que estapor tras em oculto dos olhos que ainda nao

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estao abertos.” (aluno do 1◦ ano)

“A matematica e uma relacao entre osnumeros e calculos e a fısica tem como obje-tivo saber o porque ou desvendar ou acharrespostas usando a matematica.” (aluno do1◦ ano)

“A fısica e a matematica tem algo emcomum pois ambas trabalham com calculose medidas, pois para se saber fısica e pre-ciso saber matematica, ao contrario da ma-tematica nao se precisa conhecer a fısica.”(aluno do 3◦ ano)

As respostas acima relacionam a fısica ao cotidianoe sua capacidade em oferecer uma compreensao deste.Contem ainda o entendimento de que a matematica euma ferramenta indispensavel a fısica, especialmentena ultima declaracao. Observa-se que os alunos atri-buem a matematica apenas o papel de instrumentodas demais disciplinas cientıficas, o que sera discutidomais adiante, e consideram-na ausente de significado.Afirmacoes como as que aparecem na primeira fala fo-ram comuns nas respostas dos entrevistados: “a ma-tematica e uma materia quase sem sentido, somentecalculos e mais calculos”. Essa impressao contamina avisao que alguns alunos tem da fısica, em especial aque-les que nao gostam desta disciplina justamente porquecontem calculos. Mas, embora uma parte dos alunostenha declarado haver diferenca entre a fısica e a ma-tematica, muitas respostas foram confusas ou apresen-tam concepcoes acerca das duas disciplinas, o que indicadificuldades em diferencia-las:

“A fısica calcula a distancia e a matema-tica calcula os numeros.” (aluno do 3◦ ano)

“Apenas a formula que e usada na re-solucao.” (aluno do 3◦ ano)

“A fısica usa muita formula e a matema-tica e mais calculos.” (aluno do 3◦ ano)

“Na matematica as formulas foram cria-das, mas sem explicacoes e aquilo e pronto.E na fısica e do contrario, tem um por que.”(aluno do 3◦ ano)

Propositadamente foram escolhidas as falas de alu-nos do terceiro ano para exemplificar suas repre-sentacoes e/ou concepcoes em relacao a fısica e a ma-tematica. Ao analisar tais respostas isso se torna maisgrave, pois a maioria ja passou por pelo menos doisanos de ensino dessas disciplinas. Pode-se inferir dasafirmacoes acima que a fısica a que tiveram acesso emsua vida escolar nao foi muito alem de aplicacao deformulas. Para um aluno de terceiro ano reduzir a

fısica a uma disciplina que “calcula a distancia” e de seperguntar o que ficou dos outros assuntos tratados poressa area do conhecimento. Sera que lhe ocorre apenasisso a respeito da fısica? Nao se admira que nao gostede estuda-la. Vale registrar uma resposta, no mınimo,curiosa dada por um dos entrevistados em relacao adiferenca entre a fısica e a matematica e que foi com-putada nos 35,5% que expressaram haver alguma dife-renca entre essas duas componentes curriculares:

“A fısica e mais para homens e a ma-tematica tem mulheres tambem.” (aluno do3◦ ano)

Essa declaracao encerra uma representacao socialda ciencia, exemplificada aqui pela disciplina de fısica.Como os alunos tem a matematica presente no currıculoem praticamente toda sua trajetoria escolar, as chancesde se ter uma professora de matematica e bem maiorque uma professora de fısica, ja que tem contato comesta disciplina apenas no ensino medio, embora em al-gumas escolas a professora (ou professor) de cienciasda oitava serie discuta alguma coisa de fısica. Mas,a grande maioria das respostas foi que nao ha dife-rencas entre a fısica e a matematica, ou que sao dis-ciplinas muito parecidas. Algumas respostas ilustramessas posicoes:

“Nenhuma porque tudo acaba em cal-culo.” (aluno do 3◦ ano)

“Particularmente nao vejo diferencianenhuma as duas materias envolve calcu-los creio que a matematica e fisica estaoligadas.” (aluno do 3◦ ano)

“Nenhuma a matematica faz parte dafısica.” (aluno do 1◦ ano)

“Quase nenhuma, a fısica e praticamentea matematica, so que, com menos calculosde raciocınio.” (aluno do 1◦ ano)

Mais uma vez as respostas apontam para aspectosmetodologicos que possivelmente orientaram o ensinode fısica que esses alunos tiveram, a ponto de nao di-ferenciarem claramente uma disciplina da outra. Sese considerar a forma com que a fısica e apresentadana maioria dos livros didaticos, fica mais facil enten-der as declaracoes acima, pois predomina a resolucaode exercıcios pela aplicacao de formulas, sem qualquerdiscussao conceitual dos princıpios fısicos envolvidos.A maioria das respostas dos alunos que nao veem dife-renca entre a fısica e a matematica foi mais dramaticaainda, resumindo-se em afirmacoes do tipo “nenhuma”ou “nao sei”. Vale lembrar mais uma vez que uma partedessas respostas vem de alunos do terceiro ano, o quetorna o problema mais grave.

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3.3. A importancia do ensino da fısica

Quanto a terceira pergunta do questionario, “voce achao ensino de fısica importante? Por que?”, pretendia-severificar se haveria coerencia com a primeira pergun-ta, pois assim se poderia identificar melhor a opiniaodos alunos. Cerca de 79% dos entrevistados responde-ram afirmativamente a essa pergunta, o que indica quemesmo os alunos que responderam nao gostar de estu-dar fısica na primeira pergunta entendem que e umadisciplina importante. Algumas falas podem exemplifi-car:

“Claro, com certesa, Albert Einstein,homem de grande cultura e conhecimentoja fazia parte da fısica a tempos a tras afısica e um grande misterio que ainda naofoi descifrado. O homem precisa ir alemdos seus limites do conhecimento a Fısicaprecisa estar mais e mais em nosso dia adia.” (aluno do 1◦ ano)

“Sim, acho o ensino da fısica importan-te porque eu adoro fısica, principalmente afısica que estuda astronomia, adoro esse as-sunto. A fısica e importante como todas asmaterias porque adquirimos conhecimento edepois o aplicamos para o nosso benefıcio.”(aluno do 1◦ ano)

Apesar dos erros ortograficos,7 sao duas respostasbem elaboradas, em se tratando de alunos de primeiroano. Na primeira, o aluno faz referencia a Einsteine a necessidade permanente de ampliar nosso conheci-mento. Na segunda resposta o entrevistado se referea astronomia como um assunto de sua predilecao, oque pode ser um indicativo de que tomou contato comesse tema fora da escola, pois nao e usual trata-lo noinıcio da primeira serie. Pode ocorrer, inclusive, queesse aluno se decepcione ao nunca estudar astronomiano ensino medio; ao contrario, e bem mais provavel quetenha um semestre inteiro de cinematica! Esse alunoainda faz referencia a aplicabilidade da fısica em be-nefıcio da sociedade, uma visao rara nas respostas da-das pelos alunos. Outras declaracoes que reconhecem aimportancia do ensino da fısica sao mais pragmaticas,tais como:

“Sim, pois se nao fosse por ela nos naosaberiamos explicar varios fatos, que acon-tecem no dia-a-dia.” (aluno do 1◦ ano)

“Sim, porque futuramente serve paranosso conhecimento e as geracoes futu-ras porque estudando tudo fica mais facil,pois, se formos algum cursinho e dissermos,

nunca vi essa materia, fica chato e vergonho-so por isso e importante esse conhecimentobasico.” (aluno do 3◦ ano)

“Sim, para passarmos no vestibular.”(aluno do 3◦ ano)

“Sim, futuramente na faculdade nos con-cursos.” (aluno do 3◦ ano)

Varios alunos fizeram relacao da fısica com ex-plicacoes do cotidiano. Foi a justificativa predominante.Outros atribuem importancia ao ensino da fısica por-que esta presente nos exames vestibulares, conforme severifica nas ultimas respostas.

As posicoes contrarias a relevancia do ensino dafısica, embora estejam presentes em uma porcentagembaixa, sao bem mais diretas, limitando-se algumas delasa categoricos “nao”. Outras expressam alguma justifi-cativa:

“Nao, porque matematica ja e o ecen-sial.” (aluno do 1◦ ano)

“Nao, porque deveria ser apenas espe-cifico para que quisesse entrar na area.”(aluno do 3◦ ano)

“Sinceramente, nao porque eu nao querosair aprendendo tudo, e sim o que eu gostoe o que eu vou usar na minha vida.” (alunodo 3◦ ano)

“Nao. Nao serve para nada.” (aluno do3◦ ano)

E lamentavel que alguns alunos tenham chegado aoterceiro ano do nıvel medio e entendam que a fısica “naoserve para nada”. Ou que a matematica e suficientepara se construir as competencias da fısica, o que pa-rece indicar a primeira fala. Isso e reflexo das opinioesanteriores em relacao as diferencas entre a fısica e amatematica. Afirmacoes como essas vindas dos alu-nos, embora seja uma porcentagem pequena na amos-tra, nao podem ser ignoradas, respeitando-se, evidente-mente, o fato de que nem todos os alunos sao obrigadosa gostar de fısica, ou de qualquer outra disciplina esco-lar.

Em relacao a opiniao dos alunos quanto a um(a)bom(a) professor(a) de fısica, as respostas foram muitovariadas e se resumem a adjetivos do tipo: inteligente,maluco, curioso, chato, arrogante e outros. Em muitoscasos foi possıvel verificar a manifestacao de algumas re-presentacoes sociais em relacao ao cientista como sendoalguem alienado do mundo e em desacordo com os cos-tumes usuais. Algumas descricoes se aplicariam ao que

7De modo simplificado, chama-se aqui de erro ortografico a um conjunto de erros, como pontuacao, concordancia e outros. Os PCN+para a area de Linguagens e Codigos especificam esse assunto tecnicamente.

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se costuma passar da figura de Albert Einstein, o queraramente reflete a realidade. Mas algumas respostasmerecem atencao especial porque se referem a aspectosmetodologicos, tais como:

“Seria doutores de completo conheci-mento, que trouxesse uma maneira maisprofissional de levar o ensino ao aluno.Fosse talves mais inteligente do que e. Enao ficasse aqui na frente so ocupando otempo p/ ganhar seu pobre salario. Pre-cisam se atualisar mais. P/ que o alunotenha confiansa no ensino de seu profes-sor.” (aluno do 1◦ ano)

“Que consiga da uma aula inovadora,sem deixar que vire uma aula monotona edesmotivante.” (aluno do 1◦ ano)

“A professora tem que saber o que estapassando realmente para os alunos ela temque buscar renovar seu conteudos a cada diaelaborar exercicios que desenvolva mais avontade de aprender a materia e que naoseja uma coisa monotona.” (aluno do 1◦

ano)

Essas declaracoes sao, talvez, bastante duras comos professores, pois e comum atribuir somente a estesa culpa pela situacao do ensino atual. Entretanto, taisrespostas nao deixam de expressar um cenario comumnas escolas. O que parece recorrente nas falas acima ea monotonia das aulas de fısica e a necessidade de re-visao dos conteudos ensinados. Curioso que nas demaisperguntas foi comum respostas curtas do tipo “sim”,“nao”, “nao sei”. Mas, nessa questao varios alunos ten-taram elaborar melhor suas respostas. Outra regulari-dade na maioria das respostas foi a exigencia de aulaspraticas, conforme se observa nos exemplos a seguir:

“Como na fısica estuda muitos expe-rimentos, logo um(a) professor(a) deveriaestar mais ligados a ciencia e assim da maisaulas praticas em laboratorios.” (aluno do1◦ ano)

“Seria uma pessoa que conseguissepassar para os alunos uma fısica maispratica e cotidiana.” (aluno do 1◦ ano)

“Que desse o conteudo com muitaspraticas e quase nada de teoria.” (aluno do3◦ ano)

Essa exigencia se associa ao que os alunos chamamde aula monotona, pois se e verdade que a maioria de-les nao ve diferenca entre a matematica e a fısica, eteve contato com um ensino de fısica apoiado predo-minantemente em aplicacao de formulas para resolucao

de exercıcios, entao praticas de laboratorio ou demons-tracoes seria a saıda mais evidente. Isso e reforcado pelaprimeira fala acima, que indica certo conhecimento doaluno sobre a relacao que ha entre a ciencia e o uso delaboratorios/experimentos, embora tal concepcao me-recesse maiores discussoes epistemologicas. Um outrofato observado em algumas respostas e o apego dos alu-nos a aspectos afetivos na relacao professor – aluno.Uma das respostas dada sintetiza bem essa impressao:

“Dedicada, verdadeira, atenciosa, aber-ta e rigorosa em seu ensinamento.” (alunodo 3◦ ano)

Pode-se observar que poucas respostas a quartapergunta fizeram referencia ao domınio do conteudoespecıfico, embora tenham aparecido algumas. A maio-ria fazia mencao a aspectos metodologicos, incluindo aexigencia de aulas praticas e a aspectos afetivos. Aosadjetivos da declaracao acima ainda se poderia incluira paciencia, que tambem apareceu em algumas falas.

3.4. A relacao entre a fısica escolar, o cotidianoe as tecnologias

A ultima pergunta do questionario buscou verificar seos alunos tiveram acesso a um ensino de fısica que lhespossibilitasse fazer relacao dessa disciplina com seu co-tidiano e/ou com a tecnologia. Aproximadamente 68%dos alunos responderam afirmativamente a essa pergun-ta. No entanto, essa porcentagem pode esconder umadistorcao, pois a minoria conseguiu justificar suas res-postas ou dar algum exemplo. A maior parte dos alunoslimitou-se a afirmar apenas “sim” ou “nao”. Mas algu-mas respostas dadas procuram evidenciar essas apro-ximacoes:

“Sim, no telefones em geral.” (aluno do3◦ ano)

“Sim, gosto de ler muitos livros de,eletronica, informatica, quımica e biologia,nesses livros ja vi muitos assuntos de fısica,tambem nos vıdeos games, tv, e na vidatambem.” (aluno do 1◦ ano)

“Sim, porque estudo, aprendo sobre ve-locidade, e e importante no meu cotidiano.Na parte de astronomia atraves da parce-ria do conhecimento da fısica e a tecnologia,sabemos a previsao do tempo, estudamos aterra e isso e muito importante para todosnos.” (aluno do 1◦ ano)

A primeira declaracao e mais direta e pontual. En-tretanto, as duas outras sao bem mais elaboradas, prin-cipalmente em se tratando de alunos de primeiro ano, epercebe-se que o aluno consegue relacionar assuntos dafısica com avancos tecnologicos, salientando, no caso da

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segunda fala, que viu tal assunto em outras fontes, alemda sala de aula. Esse talvez seja um dos motivos pelosquais alguns dos entrevistados conseguiram responderas perguntas de modo diferenciado da maioria. Ou seja,sao alunos que procuram outras referencias e fontes deinformacao. Algumas outras declaracoes destacaramtemas pontuais bem mais presos a assuntos da propriafısica e relacionados ao cotidiano, conforme ilustram osexemplos a seguir:

“Sim, eu vejo muitas coisas como porexemplo o vidro, para fazer tem que es-quentar a areia a um grau muito auto e aivira um vidro e varias cousas.” (aluno do1◦ ano)

“Encontramos a fısica nas construcoesem geral.” (aluno do 3◦ ano)

“Sim, a eletricidade, ∆s/∆t, a gravi-dade.” (aluno do 3◦ ano)

“Sim, exemplo: a dilatacao do ferro.”(aluno do 3◦ ano)

Sao respostas que recuperam fragmentos de assun-tos presentes na fısica escolar e tem relacao com o co-tidiano dos alunos. Observa-se pelo pequeno numerode respostas que a maior dificuldade e articular a fısicacom a tecnologia. Nenhuma resposta entre os noventaquestionarios respondidos fez essa relacao. Mesmo nasrespostas precedentes, em que ha mencao ao telefone,a eletronica e a previsao do tempo, sao relacoes bemmais proximas de uma fısica aplicada. E comum essareducao da tecnologia a mera ciencia aplicada no meioescolar, conforme sera tratado mais adiante. Frente adificuldade dos entrevistados em responder essa ultimapergunta, infere-se que estabelecer uma relacao entre afısica escolar e o cotidiano e/ou a tecnologia nao e umapratica usual no ensino de fısica a que tiveram acessoesses alunos, ou, quando ocorre, nao ultrapassa a sim-ples ilustracao.

Vale ressaltar que foi levantado um perfil socio-eco-nomico dos entrevistados e todos pertencem a famıliasde baixa renda, predominando as profissoes do setor deprestacao de servicos. Acesso a Internet, por exemplo,nao faz parte da realidade da grande maioria dessesalunos, dentre os quais alguns ja trabalham.

A partir dos dados obtidos seria possıvel fazer mui-tas reflexoes, inclusive em relacao a dificuldade de ex-pressao escrita dos alunos, evidenciada nas discussoesprecedentes. Entretanto, isso excederia as possibilida-des deste trabalho. Alguns pontos principais serao re-tomados para uma reflexao teorica. Antes disso, serafeita, a seguir, uma articulacao entre as expectativas edificuldades expressas pelos alunos e as propostas suge-ridas pelos Parametros Curriculares.

4. A proposta de mudanca dos parame-tros curriculares

O ponto de partida para a elaboracao das DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Medio (DCNEM)e dos Parametros Curriculares (PCN e PCN+) foi aLDB/96. As propostas contidas nesses documentosapontam para uma reforma substancial na educacaobasica, o que nao significa que esteja acontecendo nessaproporcao. Poder-se-ia dizer, inclusive, que talvez apropria dimensao da reforma nao tenha sido compreen-dida. E bem conhecido o contexto polıtico-economico(ou seria melhor dizer economico-polıtico) em que sedeu a elaboracao desses documentos e qualquer dis-cussao nesse campo excederia o espaco deste trabalho,o que nao significa que se deva ignorar tais reflexoes.

O Art. 35 da LDB/96, que dispoe a respeito dasfinalidades do ensino medio, destaca que esse nıvel e “aetapa final da educacao basica”. Nessa direcao, as DC-NEM ressaltam que a educacao tera um novo papel: “aformacao geral, em oposicao a formacao especıfica”,8

o que implicara, segundo esse mesmo documento, umareorientacao nos objetivos de formacao do nıvel medio.Ou seja, este devera priorizar o desenvolvimento da au-tonomia intelectual e do pensamento crıtico do aluno.Verifica-se, portanto, que o ensino medio passa a teruma identidade que supera tanto a formacao profissio-nal como a preparacao para o vestibular. Embora taisobjetivos possam ser vislumbrados, o que se espera aofinal desse nıvel de ensino e que o aluno tenha umaformacao que lhe assegure decidir seu proprio projetopessoal: se prosseguira nos estudos, se entrara no mer-cado de trabalho, ou ambos.

Busca-se, desse modo, superar um ensino que estejavoltado unicamente para aqueles que irao entrar no en-sino superior. E importante lembrar que no momentoem que esses documentos foram elaborados falava-sede uma taxa lıquida de 25% da populacao entre 15e 18 anos com escolaridade de nıvel medio no Brasile uma estimativa de 12 milhoes de adolescentes comidade entre 15 e 18 anos para o ano de 2007 [4]. Essesnumeros ja sao suficientes para evidenciar a estrategiaequivocada em oferecer um ensino medio estruturadopara aquela pequena porcentagem que ira para o en-sino superior. Qual formacao tera a grande maioriaque nao ultrapassar o nıvel medio?

Esse cenario da a dimensao da proposta de reformado ensino medio e nao se trata de mera revisao deconteudos ou de praticas educacionais, o que ja se-ria muito, mas principalmente da escola (re)orientarseus objetivos para alem de seus muros. Esse e umdos pontos centrais dos Parametros Curriculares (PCN)e de suas Orientacoes Educacionais Complementares(PCN+). Nesse sentido, os PCN sugerem que a es-trutura curricular deve ser orientada de modo a desen-volver “conhecimentos praticos, contextualizados, que

8Ref. [4], p. 16.

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respondam as necessidades da vida contemporanea, eo desenvolvimento de conhecimentos mais amplos eabstratos, que correspondam a uma cultura geral e auma visao de mundo”.9 Ou seja, os conteudos e aspraticas deveriam ser tais que os alunos percebessemque os saberes escolares podem auxilia-los a compreen-der sua realidade vivida e nao apenas para serem apli-cados em resolucao de exercıcios idealizados e que temsentido e validade tao somente na sala de aula.

O ensino medio como etapa final da educacao basicaexige que se de sentido aos saberes trabalhados ja nessenıvel de ensino e nao em etapas posteriores, que paramuitos nao ocorrerao. Todavia, os desafios nao paramaı, pois os processos cada vez mais globais colocam osjovens diante de um cenario de expectativas e incer-tezas e com exigencias cada vez maiores em relacao asqualificacoes para o emprego. Por isso, nao se pode jo-gar para a escola a responsabilidade em resolver todosos problemas sociais oriundos de decadas de polıticasexcludentes. Ao mesmo tempo, a escola nao pode seesquivar de exercer o papel de ambiente privilegiado deeducacao formal. Em que outro lugar os alunos teraoencontros semanais com fısicos, biologos, quımicos, his-toriadores, sociologos para discutir a respeito dos maisvariados temas? Desse modo, os PCN+ vislumbramobjetivos futuros ao destacarem que a escola deveria“promover todos os seus alunos, e nao selecionar alguns;emancipa-los para a participacao, e nao domestica-lospara a obediencia; valoriza-los em suas diferencas indi-viduais, e nao nivela-los por baixo ou pela media”.10

Cumprindo o seu papel de oferecer orientacoes esubsıdios aos professores para alcancar os objetivos pro-postos, os PCN+ sugerem uma organizacao curricu-lar a partir de temas estruturadores,11 tendo como su-porte os eixos da interdisciplinaridade e da contextua-lizacao.12 Essa estrategia metodologica adotada pelosPCN+ procura relacionar conteudos e competencias,sendo que estas sao entendidas como qualificacoes hu-manas amplas e multiplas, que superam a mera memo-rizacao ou aplicacao de formulas, ou ainda o acumulode informacoes com um fim em si mesmo, sem umaperspectiva posterior de mobilizacao em novos contex-tos. Para isso, salientam que “a contextualizacao noensino de ciencias abarca competencias de insercao daciencia e de suas tecnologias em um processo historico,social e cultural e o reconhecimento e discussao deaspectos praticos e eticos da ciencia no mundo contem-poraneo”.13 Destacam ainda que possıveis articulacoesentre disciplinas, ou entre distintas areas dos saberes

humanos, deveriam superar a visao de saberes escola-res fragmentados e irem alem de simples ilustracoes.

Especificamente para a fısica, os PCN+ recolocam arelevancia de se dar um novo sentido para o ensino dessadisciplina: “trata-se de construir uma visao da Fısicavoltada para a formacao de um cidadao contemporaneo,atuante e solidario, com instrumentos para compreen-der, intervir e participar na realidade”.14 Ressaltamtambem que as competencias tem sentido se construıdasem um presente contextualizado e em articulacao comoutros conhecimentos. A rigor, para aquele documento,nao tem sentido separar competencias de conteudos,pois aquelas sao consideradas conteudos escolares, as-sim como valores e atitudes tambem o sao. Isso se tornamais claro quando os PCN+ destacam que os saberesespecıficos da fısica sao pertinentes quando deixam deter um fim em si mesmo, mas passam a “ser compreen-didos como um instrumento para a compreensao domundo”.15 Entretanto, tal posicao nao deveria ser con-fundida com uma visao pragmatica, mas sim com umadimensao humanista, conforme afirma o documento.

Na tentativa de aproximar a fısica escolar do mundodos alunos e de exemplificar as acoes pedagogicas de-sencadeadas pela estrategia dos temas estruturadores,os PCN+ sugerem que:

O desenvolvimento dos fenomenos eletricose magneticos, por exemplo, pode ser diri-gido para a compreensao dos equipamentoseletricos que povoam nosso cotidiano, desdeaqueles de uso domestico aos geradores emotores de uso industrial, provendo com-petencias para utiliza-los, dimensiona-los ouanalisar condicoes de sua utilizacao. Dessaforma, o sentido para o estudo da eletrici-dade e do eletromagnetismo pode ser orga-nizado em torno de equipamentos eletricose telecomunicacoes.16

Os Parametros Curriculares assumem o mundo vi-vencial do aluno como ponto de partida para o desenvol-vimento de conhecimentos praticos, contextualizados euma cultura geral que correspondam a sua expectativa,a fim de dar sentido ao que se ensina na escola. Essatentativa de relacionar a realidade vivida e a busca desentido na fısica escolar se torna mais evidente quandoos PCN+ afirmam que “os criterios para selecao, esta-belecimento de sequencias e o planejamento devem tercomo linhas mestras as competencias e a necessidadede impregnar de significado pratico e visao de mundo o

9Ref. [4], p. 207.10Ref. [5], p. 12.11Para a fısica foram propostos seis grandes temas, com seus respectivos sub-temas.12Para uma discussao sobre esses temas e uma possıvel compreensao para o ensino das ciencias, ver Ref. [6].13Ref. [5], p. 31.14Ref. [5], p. 59.15Ref. [5], p. 6116Ref. [5], p. 70.17Ref. [5], p. 80.

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conhecimento fısico apresentado ao jovem”.17 Emborapareca destoar um pouco do enfoque cognitivo dado ascompetencias, o carater pratico atribuıdo aos saberesescolares visa a atrair o aluno e fazer com que as com-petencias construıdas se transformem em acao.

Para isso, os Parametros Curriculares apontampara a necessidade de uma fısica escolar enriquecidapelo contexto, superando-se a apresentacao de sabe-res fragmentados e orientados apenas para a resolucaode exercıcios idealizados. Nesse sentido, alertam que“a formalizacao matematica continua sendo essencial,desde que desenvolvida como sıntese de conceitos erelacoes, compreendidos anteriormente de forma feno-menologica e qualitativa”.18 Compreender o papel damatematica na fısica torna-se essencial para cumprir asugestao acima. Esse sera um dos pontos tratados noitem final.

A partir das discussoes precedentes e possıvel veri-ficar que os PCN e PCN+ apontam para um novo en-sino de fısica, com novas orientacoes tanto de conteudoscomo de praticas. Se esse ensino fosse implementadonas escolas, atenderia as expectativas e poderia modi-ficar algumas das concepcoes dos alunos tratadas ante-riormente? Ao que parece, tanto os anseios dos alunoscomo os subsıdios apresentados pelos documentos se-guem para uma mesma direcao. Todavia, os propriosParametros assumem que ha dificuldades para que taispropostas se tornem efetivas na sala de aula, destacandoinclusive a falta de materiais didaticos e a necessidadede se repensar a formacao dos professores. Esta quedeveria assegurar a permanente analise e reflexao dapratica docente. Seria exagero afirmar que, dessa vez,os alunos reprovaram a escola? E o tema discutido aseguir.

5. Os saberes e as praticas a prova

Toda a proposta de reforma educacional, mesmo quecontemple em seus pressupostos os sentimentos de mu-danca dos envolvidos, encontrara varios obstaculos paraser levada a efeito. Isso nao deveria ser ignorado. Naultima decada, principalmente, a escola vem sendo co-locada em questao ou, mais precisamente, o papel daescola na sociedade e o que se pode esperar dela. Phi-lippe Perrenoud resume bem essa preocupacao ao en-fatizar que os jovens “acreditam cada vez menos queo sucesso escolar ira protege-los das dificuldades daexistencia. Assim, pede-se a escola que instrua umajuventude cuja adesao ao projeto de escolarizacao naoesta mais garantida”.19 Ao que parece, as expectati-vas e anseios de cada um dos envolvidos no ambienteescolar apontam para caminhos divergentes, quando de-veria ser o contrario. Ou seja, a escola deveria estar em

consonancia com um projeto social mais amplo.Ao mesmo tempo em que nao ha uma adesao ao

projeto de escolarizacao, cresce a demanda por vagasnos sistemas de ensino. Isso constitui um paradoxo: aescola e vista como incapaz de suprir as necessidadesde formacao esperadas, mas, por outro lado, ha umacrescente procura por vagas, inclusive da parte daque-les que ha muito haviam deixado os bancos escolares.Isso impoe a escola nao apenas a revisao do seu papelna construcao de uma sociedade, mas exige que com-preenda o momento historico e economico-social no qualse encontra, pois parece evidente que suas praticas esaberes tem se mostrado frageis para lidar com a con-temporaneidade.

Conforme afirma Philippe Meirieu [8], ainda naohouve uma democratizacao da escola, mas uma mas-sificacao e, sob a desculpa de oferecer a todos opor-tunidades iguais, foram mantidos os mesmos modelospedagogicos, que antes serviam para aqueles que iriamprosseguir nos estudos. Perrenoud parece concordarcom esse cenario ao destacar que “o acumulo de saberesdescontextualizados nao serve realmente senao aquelesque tiverem o privilegio de aprofunda-los durante lon-gos estudos ou uma formacao profissional, contextuali-zando alguns deles e se exercitando para utiliza-los naresolucao de problemas e na tomada de decisoes”.20 Arevisao dessa fatalidade se impoe a escola que esperacontribuir para a superacao ou a diminuicao das desi-gualdades. Isso nao e tarefa facil. Alem disso, o ele-vado numero de matrıculas no nıvel medio implica queas estrategias didaticas e as situacoes de aprendizagemdevem ser tais que possam administrar a heterogenei-dade.

Uma das formas dos professores e futuros professo-res enfrentarem esses desafios e assumir uma atitudereflexiva a respeito de suas praticas e experiencias su-perando, conforme alerta Maurice Tardif [10], a visaodesta ultima como mero acumulo de realizacoes sucessi-vas e revendo as representacoes que acabam assumindostatus de verdade, sustentadas, muitas vezes, por com-preensoes parciais de modelos de ensino. Para isso,Tardif defende a necessidade de uma epistemologia dapratica profissional, entendida como “o estudo do con-junto dos saberes utilizados realmente pelos profissio-nais em seu espaco de trabalho cotidiano para desem-penhar todas as suas tarefas”.21 Esse e um dos pontoscentrais do presente trabalho, pois foi um dos motorespara a escolha de um estudo exploratorio como refe-rencial de partida para novas questoes de pesquisa epara evidenciar aos futuros professores a importanciaem transformar as suas praticas em objeto de reflexao.

Para isso e preciso dispor de instrumentos teoricosque auxiliem a analise e iluminem as acoes docentes e

18Ref. [5], p. 85.19Ref. [7], p. 15.20Ref. [9], p. 7.21Ref. [11], p. 10.

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seus problemas. Nesse sentido, Perrenoud salienta quee conveniente recorrer a certos saberes capazes de equi-par a reflexao sobre a realidade: “a experiencia sin-gular so produz aprendizagens se ela estiver estrutu-rada em conceitos, se estiver vinculada a saberes quea tornam inteligıvel e inserem-se em alguma forma deregularidade”22. Com isso, buscou-se dar significadoas discussoes realizadas na sala de aula com os futu-ros professores, antes e depois do estudo exploratorioaqui exposto. Essa necessidade se torna mais verda-deira na medida em que os professores tem dificulda-des em abstrair suas experiencias e dar-lhes um carateranalıtico, superando um enfoque meramente discursivoe caindo em modelos simplificados e rotinizados de en-sinar. Todavia, e conveniente lembrar que a propriaescola impoe, em grande medida, acoes rotineiras tantoaos professores como aos alunos [7, 10].

Ao lado disso permanece um outro problema: a per-tinencia dos saberes escolares, em particular da fısica,nao e tao obvia. Ou seja, nao se sustenta por si mesmae, se nao promover uma aproximacao entre o aluno esua realidade vivida, desaparece no momento em queas situacoes escolares idealizadas acabem, fazendo comque os alunos permanecam com uma fısica para os exa-mes e provas (a fısica escolar), e uma “fısica” para assuas relacoes com o mundo e com os outros.

Desse modo, nao apenas as praticas educacionaisestao a prova como tambem os saberes escolares. Subes-timar ou negligenciar uma dessas dimensoes da relacaodidatica implica atribuir ao problema uma compreensaoparcial. Yves Chevallard [13], ao recuperar as dis-cussoes de Michel Verret [14] e trazer para a matematicao modelo da transposicao didatica, apresentando ar-gumentos em favor do reconhecimento de distintos sa-beres, desde sua producao ate a sala de aula, con-tribui para o inıcio de uma discussao acerca das re-ferencias dos saberes escolares. Se, por um lado, hacrıticas quanto a utilizacao da nocao de transposicaodidatica para outras disciplinas, por outro lado, depoisdas “denuncias” feitas por Chevallard a didatizacao dossaberes escolares nao e mais vista sem causar certo des-conforto.

Mas, em que consistem efetivamente essas denun-cias? E a de que “nenhum saber ensinado se autorizapor si mesmo”.23 Ou seja, se a fısica dos fısicos, o quecaracteriza o saber sabio para Chevallard, tem sua cre-dibilidade assegurada pela legitimidade epistemologica,sustentada por uma comunidade cientıfica, na perspec-tiva de Thomas Kuhn, a fısica ensinada na escola, osaber ensinado, nao tem essa mesma garantia, uma vezque sao distintos saberes, embora tenham uma relacao,mas nao de superposicao. E na construcao desse novo

saber, aquele presente nos programas e livros/manuais,e o que sera ensinado pelo professor, que se concentra omodelo teorico de Chevallard, o qual torna possıvel “to-mar distancia, interrogar as evidencias, por em questaoas ideias simples, desprender-se da familiaridade enga-nosa de seu objeto de estudo”.24 Essa possibilidade ecentral para o presente trabalho e se associa as expec-tativas de um estudo exploratorio como o que foi rea-lizado, principalmente em se tratando de futuros pro-fessores.

Essa exigencia de uma constante vigilancia dos sa-beres ensinados na escola pode ser recebida com hosti-lidades, pois ao ser revelado que nao e a ciencia fısica,aquela dos fısicos, que esta na escola, mas uma variantelocal didatizada, o professor se depara com dificuldadespara justificar o seu ensino. Para justificar a cienciafısica bastava fazer referencia aos benefıcios sociais queela proporciona. Ja o ensino da fısica carece de umalegitimidade cultural, principalmente aos olhos dos alu-nos, que frequentemente perguntam ao professor: porque eu tenho que aprender isso? Tal questionamento re-mete ao que alertou Perrenoud anteriormente. Ou seja,o aluno nao sente que a escola possa lhe dizer algumacoisa. As distancias entre a realidade vivida do aluno eos saberes escolares sao tais que ao cessar as situacoesdidaticas que originaram estes saberes, cessa tambemseu contexto de validade.

Ao mesmo tempo em que a nocao de transposicaodidatica e um instrumento teorico importante para acompreensao do processo de didatizacao dos saberesescolares, seu entendimento nao e tao trivial como pa-rece. Nao se trata de mera simplificacao de saberes, masde um conjunto de reestruturacao de um novo saber.Orange [16] destaca, pelo menos, tres aspectos: o epis-temologico, o psicologico e o pedagogico. Acrescentaainda que “o primeiro concerne a pratica de referenciae a significacao dos problemas que ela tenta responder; osegundo, o aluno, suas representacoes, suas estrategiasde resolucao de problemas, os obstaculos que ele en-contra; o terceiro, a estrutura escolar e as condicoesde ensino”.25 Ha inclusive crıticas quanto a utilizacaoda nocao da transposicao didatica para outras discipli-nas alem da matematica [17] e da visao excessivamente,talvez exclusivamente, sociologica dos saberes escola-res [6].

Uma outra tentativa de resposta a questao da ori-gem dos saberes escolares e apresentada por Jean-LouisMartinand [18] em sua nocao de Praticas Sociais de Re-ferencia. Segundo o autor, “essas sao atividades obje-tivas de transformacao de um dado natural ou humano(“pratica”); elas se referem a um conjunto de um se-tor social, e nao de papeis individuais (“social”); a

22Ref. [12] p. 52.23Ref. [15], p. 146.24Ref. [13], p. 16.25Ref. [16], p. 3.26Ref. [18], p. 137.

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relacao com as atividades didaticas nao e de identidade,ha somente um termo de comparacao (“referencia”)”.26

Mais adiante, Martinand ressalta ainda que para ele osentido de pratica esta associado a uma praxis transfor-madora e estreitamente vinculada a uma reflexao sobrea acao, o que leva a supor que ao colocar as praticassociais como referencia dos saberes escolares o autor es-pera que tais escolhas e, portanto, a escola atendam aobjetivos sociais mais amplos.

Em outro momento, Martinand e Durey [19] colo-cam uma questao que expressa muito bem os objeti-vos do estudo exploratorio aqui discutido e as reflexoesteoricas subjacentes: “esses saberes escolares, dos quaisse diz que sao descontextualizados, desarticulados e se-parados da pratica social que lhes fundou historica-mente, sao funcionais ainda hoje em uma pratica exte-rior a escola e a qual preco?”27 Teria sido uma pergun-ta como essa que levou Perrenoud a defender a nocaode competencias como orientacao curricular para a es-cola? Esse autor, ao mesmo tempo em que questionapara quem sao feitos os currıculos, ressalta que “a abor-dagem por competencias leva a fazer menos coisas, adedicar-se a um pequeno numero de situacoes fortes efecundas, que produzem aprendizados e giram em tornode importantes conhecimentos. Isso obriga a abrir maode boa parte dos conteudos tidos, ainda hoje, como in-dispensaveis”.28 Sao indispensaveis para que? Paracumprir o programa? Parece que a urgencia em ana-lisar, discutir e explicitar de modo mais claro as razoesdas escolhas didaticas feitas na escola esta evidente.

6. Consideracoes finais

A pesquisa de natureza exploratoria realizada pelos fu-turos professores de fısica, tema de discussao do pre-sente trabalho, alcancou seus objetivos na medida emque permitiu uma aproximacao com o contexto escolare a elaboracao de um cenario a respeito das opinioes dosalunos em relacao a disciplina de fısica. Alem disso, aexpectativa e de superar o discurso especulativo e par-tir para uma analise dos problemas encontrados. Issose da com o apoio de instrumentos teoricos que auxi-liem a iluminar ao menos alguns problemas eleitos paraaprofundamento e a encontrar alternativas didatico-pedagogicas para enfrenta-los.

Os itens subsequentes a discussao dos materiais edados obtidos pela pesquisa contribuem para mostrarque os documentos oficiais oferecem subsıdios para mu-dancas substanciais na escola e, ainda que possam serobjetos de crıticas pontuais, apontam para os anseiosrequeridos pelos alunos e, de certa forma, pela socie-dade. O item seguinte, por sua vez, faz um exercıcio de

reflexao teorica de alguns dos problemas evidenciadospela pesquisa realizada e convida os futuros professo-res a superar as falsas familiaridades com os objetos in-vestigados, as representacoes construıdas que assumem,muitas vezes, status de verdade e acabam se tornandoobstaculos para uma analise e crıtica das praticas do-centes. Talvez, para superar o discurso de que “e bonitona teoria, mas na pratica nao funciona” seja relevantelembrar que nao se trata de tentar aplicar a teoria napratica, mas de mudar a pratica. Esta sim e a que estapresente na escola e, ao que sugerem as declaracoes dosalunos, foi reprovada, ao menos para o caso da disci-plina de fısica.

Ao mesmo tempo em que a disciplina de fısica pa-rece nao ter boa aceitacao entre os alunos, paradoxal-mente, a ciencia fısica desfruta de significativo prestıgiona sociedade29. Todavia, e preciso considerar que issonao e efeito singular da escola, pois esta nao e a unicainstituicao promotora da “cultura cientıfica”. Essas di-versas formas de comunicacao a respeito da ciencia, epoder-se-ia acrescentar nesse caso a tecnologia, con-tribuem para a construcao da percepcao publica daciencia. Vale destacar que isso nao se da somente comos alunos, mas tambem com os professores, uma vez quetodos sao suscetıveis a criar suas representacoes sociaisacerca do empreendimento cientıfico e tecnologico, comreflexos, no caso dos ultimos, nas escolhas didaticas.Pode mesmo ocorrer casos em que a ciencia seja deobvia relevancia para a sociedade de tal maneira queseu ensino seria, por conseguinte, naturalmente justifi-cado. Isso e uma conclusao discutıvel, pois sao saberesdistintos, conforme tratam as reflexoes anteriores.

Em certo sentido os meios nao formais de divulgacaocientıfica assumem o papel que deveria ser da es-cola: tornar possıvel o acesso aos avancos da cienciaa todas as pessoas, assegurando-lhes uma alfabetizacaocientıfica e tecnologica30 no sentido de garantir-lhescondicoes mınimas de participar de debates atuais ede tomada de decisoes, pessoais e coletivas, que en-volvam conhecimentos tecnico-cientıficos em aconteci-mentos sociais significativos. Nesse sentido a propostade considerar a tecnologia como objeto de ensino pre-sente nos Parametros Curriculares parece apropriada.No entanto, a implementacao disso na escola encontradificuldades. Uma delas e a propria compreensao datecnologia como um saber a ensinar. Isso aponta paraos tres temas que foram escolhidos a partir do estudoexploratorio para serem discutidos aqui: a relacao entrea ciencia e a tecnologia, a fısica e o cotidiano e a relacaoentre a fısica e a matematica.

A tecnologia funciona, de certo modo, como uma27Ref. [19], p. 77.28Ref. [7], p. 64.29Ha dados interessantes a esse respeito na Ref. [20].30Metafora utilizada aqui no mesmo sentido atribuıdo por Fourez [21].

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ponte entre a ciencia e as pessoas em geral. Isso naosignifica, entretanto, que se esteja reduzindo a tecnolo-gia a mera ciencia aplicada. Um equıvoco comum nocenario escolar [22]. Gerard Fourez alerta para esse pro-blema ao afirmar que “a ideologia dominante dos pro-fessores e que as tecnologias sao aplicacoes das ciencias.Quando as tecnologias sao assim apresentadas, e comose uma vez compreendidas as ciencias, as tecnologias seseguissem automaticamente”.31 Essa transicao de umaarea para outra nao e tao linear como se pode pensar.Ha producao de saberes dentro da propria tecnologiacom a interferencia de muitos parametros, inclusive deaplicacao dos saberes cientıficos, mas nao so, pois “aconstrucao de uma tecnologia implica em consideracoessociais, economicas e culturais que vai muito alem deuma aplicacao das ciencias”.32 O mundo tecnologicocontemporaneo e usado, muitas vezes, no contexto es-colar como resposta a pergunta “por que ensinar fısica”.No entanto, a fısica ensinada tem nada ou muito poucoa ver com as tecnologias atuais. Na maior parte dotempo, esta serve apenas como simples ilustracao e naoe considerada como uma referencia dos saberes a ensi-nar.

A ausencia da tecnologia na formacao geral e pa-radoxal, na medida em que cada vez mais os saberescientıficos e tecnologicos estao presentes nas tomadasde decisoes e as pessoas estao mais e mais dependentesdos seus avancos. Em contrapartida, em nenhum mo-mento, ou em raras ocasioes, os alunos recebem umaformacao explıcita em tecnologia [24]. Mas, a perguntaque se segue e: quais saberes da tecnologia seriam perti-nentes para a formacao dos alunos? Talvez uma possibi-lidade seria associar a crescente presenca de atividadesrelacionadas a elaboracao de projetos nas escolas coma tecnologia. Embora a compreensao e implementacaodessa tendencia na escola seja discutıvel, pois em muitoscasos ha uma confusao entre se trabalhar com projetose a Parte Diversificada do currıculo, conforme estabe-lece a LDB/96, seria, por outro lado, uma oportunidadepara inovacoes didatico-pedagogicas.

Alem de conteudos que permeiam tanto a fısicacomo a tecnologia, a saber, as telecomunicacoes, a ele-tronica, entre outros, a tecnologia como referencia dossaberes escolares poderia contribuir tambem como refe-rencial metodologico para elaboracao e execucao de pro-jetos em seus aspectos tecnicos, metodologicos e orga-nizacionais. Alem disso, podem contribuir para a cons-trucao de competencias de analise de riscos, vantagens edesvantagens de escolhas feitas, ponderar as restricoese utilizacao de recursos de modo racional e criativo.Conforme ressaltam Utges et al. [25], a tecnologia inte-gra tanto os saberes sistematizados (saber fazer) como

processos (modos de fazer) e produtos (as coisas feitas)e possibilita a compreensao crıtica do mundo artificial.Essas competencias poderiam integrar os currıculos es-colares.

Tais reflexoes apontam para o segundo tema esco-lhido para discussao: a fısica e o cotidiano. A neces-sidade de relacionar a fısica escolar com o cotidianodos alunos e um assunto presente no discurso escolar, oque nao significa que esteja ocorrendo efetivamente napratica docente, para alem, evidentemente, de simplesilustracoes de final de capıtulo. Nesse ultimo caso, o co-tidiano serviria apenas como motivacao e ponto de par-tida para uma substituicao de conhecimentos praticos eancorados no senso comum por saberes elaborados. Aspesquisas sobre concepcoes alternativas ja mostraramque essa “substituicao” nao e tao simples como podeparecer, alem de outros obstaculos presentes na relacaodidatica [26]. Novamente Cajas ilustra o problema e,desse modo, destaca a importancia de estudos explo-ratorios como este aqui apresentado ao afirmar que “ocerto e que a relacao entre ciencia escolar e vida co-tidiana quase nao tem sido estudada; daı que nao setenha as ferramentas conceituais para analisa-la, nemsequer o vocabulario para falar dela”.33

Uma possibilidade seria ampliar a nocao de trans-posicao didatica daquela proposta inicialmente porYves Chevallard para o ensino das matematicas, queja foi tratada anteriormente. Ou seja, a compreensaodesse processo de didatizacao dos saberes escolares po-deria auxiliar a encontrar novas formas de transformarconteudos cientıficos e tecnologicos em saberes escola-res, ou mesmo de rever a forma como sao apresenta-dos os conteudos disciplinares atuais. Parece trivial,mas a estrutura e a maneira como sao didatizados ossaberes de fısica do nıvel medio estao longe de ser asunicas possıveis. Ao contrario, e preciso questionar asevidencias e identificar criacoes didaticas que nao temsentido para o aluno, tais como: associacao de resisto-res, distribuicao de eletrons em orbitais (que se resu-mem em “caixinhas”) e assim por diante.

A transposicao didatica e mais que uma simpli-ficacao ou uma translacao de saberes de um contextopara outro. Trata-se da construcao de um novo saber: osaber escolar. Nesse caso, e conveniente lembrar que setrata de didatizar uma fısica para quem nao vai ser cien-tista e que se dispoe de pouco tempo para ensina-la. As-sim, escolhas bem feitas devem ser priorizadas em detri-mento de uma extensa lista de conteudos vistos superfi-cialmente que funcionam, na grande maioria das vezes,apenas dentro das situacoes didaticas que os geraram.Veja-se as tao conhecidas expressoes: desprezando-seo atrito, gases ideais, condicoes ideais e outras tantas.

31Ref. [23], p. 10.32Ref. [23], p. 10.33Ref. [24], p. 247.

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Nao e de se estranhar que o aluno permaneca com sua“fısica” para fora da escola e tenha grandes dificuldadesem transpor os conhecimentos (supostamente) adquiri-dos para alem dos muros escolares.

Cajas [24] e Delizoicov [27, 28], partindo de refe-renciais distintos, defendem que a realidade vivida peloaluno deveria ser o contexto privilegiado da aprendiza-gem e da aplicacao do conhecimento. O ponto de par-tida nao seria propriamente o cotidiano, mas a analisecrıtica deste e se completaria com um retorno a essarealidade com novos conhecimentos que permitam naoapenas sua compreensao, mas a possibilidade de resol-ver problemas, encontrar saıdas, enfim, ampliar a re-levancia dos saberes escolares na vida cotidiana dos alu-nos. Isso se aproxima do que Paulo Freire chamou desuperacao da “consciencia ingenua” pela “conscienciacrıtica”.

Entretanto, e preciso entender que a fısica mode-liza o real e atribui a este propriedades que possam sertratadas por teorias. Constitui-se, entao, o que MarioBunge [29] chama de objeto-modelo. Esses objetos-modelos ou modelos conceituais sao descritos por mo-delos teoricos que apreendem uma parcela do objeto re-presentado e o experimento assume o papel de atestarse os modelos teoricos correspondem aos objetos reais,estes que sao o referente de qualquer teoria fısica [30].Isso e fundamental para se entender a relacao entre teo-ria e realidade, pois frequentemente ocorrem certas difi-culdades para relacionar a estrutura formal dos saberescientıficos aprendidos com o mundo real, mesmo comos professores de fısica. Nesse sentido, compreendero papel da matematica na construcao do pensamentofısico torna-se relevante, pois aquela vai alem de meralinguagem de comunicacao deste.

Ao que parece, a relacao entre a fısica e a matema-tica nao e clara entre aqueles que ensinam essas discipli-nas na escola. Assim, nao e de se estranhar a dificuldadedos alunos em diferenciar a fısica da matematica. Jafoi dito que uma das causas pode ser a forma como oslivros didaticos costumam apresentar a fısica, excessi-vamente presa a aplicacao de formulas. Os propriosPCN+ destacam esse problema ao ressaltarem que aformalizacao matematica carece de uma compreensaofenomenologica e qualitativa. Outra razao pode estarrelacionada a formacao inicial dos professores e a faltade discussoes epistemologicas e historicas acerca dasteorias fısicas. E comum encontrar professores que aoresolverem exercıcios com seus alunos utilizam frasesdo tipo: daqui para frente nao e mais fısica, e so ma-tematica. Ou que atribuem a dificuldade dos alunosem aprender fısica a deficiencias na matematica. Con-forme Pietrocola, “admitir que boa parte dos problemas

de aprendizagem da fısica se localiza no domınio damatematica reflete um posicionamento epistemologicoingenuo – acaba-se por atribuir a segunda a funcao deinstrumento da primeira!”.34 Essa e uma visao parcial,pois ha dificuldades de aprendizagem que sao ineren-tes a fısica e podem ter origem, por exemplo, nas con-cepcoes espontaneas dos alunos.

Essa visao equivocada do papel da matematicana construcao das teorias fısicas se apoia em concep-coes pouco claras acerca do empreendimento cientıfico.Pensa-se usualmente que tais teorias seguem o caminhoda observacao/experimentacao - modelizacao/teoriza-cao - matematizacao. Nem sempre essa linearidadee verdadeira. Abrantes [32], Nersessian [33] e Silvae Pietrocola [34] apresentam uma discussao historica,com implicacoes epistemologicas, da construcao dasteorias do eletromagnetismo por Maxwell com a uti-lizacao de analogias formais. Ou seja, Maxwell bus-cou em equacoes ja existentes modelos algebricos paradescrever problemas fısicos do eletromagnetismo. Issomostra que a matematica esta presente na estruturaconceitual dessas teorias. Alem disso, a forma como afısica escolar e apresentada aos alunos nao garante aaplicacao de explicacoes cientıficas na compreensao dedeterminadas situacoes, mesmo as didaticas, prevale-cendo as concepcoes espontaneas e/ou as representacoessociais. Muitos princıpios fundamentais da fısica, comoconservacao da energia e conservacao dos momentos,nao sao empregados pelos educandos na modelizacaode fenomenos, pois frequentemente tais assuntos saoreduzidos a aplicacao de formulas para a resolucao deexercıcios excessivamente didatizados [35].

Pietrocola aponta uma alternativa para enfrentaresse problema, salientando que “uma maneira produ-tiva de refletir sobre a relacao entre linguagem ma-tematica e o ensino de conhecimentos cientıficos e con-siderar a evolucao historica do pensamento sobre omundo natural”.35 Isso remete diretamente a formacaoinicial dos professores de fısica. Uma formacao emaspectos historicos e epistemologicos a respeito daforma como o pensamento se apropria da materia ecomo sao construıdas as teorias fısicas pode contribuirsignificativamente para o professor, desprender-se dafamiliaridade enganosa com seu objeto de estudo ou deensino.

Essa foi a principal intencao do estudo exploratoriorealizado pelos alunos de licenciatura em fısica discu-tido no presente trabalho e espera-se que todos aceitemo convite para refletir sobre suas praticas educacionaise buscar uma resposta, ao menos uma, para a pergunta“por que ensinar fısica no nıvel medio?”

34Ref. [31], p. 329.35Ref. [31], p. 329.

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Apendice

Tabela 1 - Tratamento estatıstico das respostas dos alunos.

Voce gosta de estudar fısica? Por que? I Porcentagem

Nao I 38,8%

As vezes 12,2%Sim 45,5%Sem opiniao 3,4%

Qual a diferenca que voce ve entre Ia fısica e a matematica? Porcentagem

Nenhuma diferenca I 27,7%Tem diferenca 35,5%Pouca diferenca/Parecidas 28,8%Sem opiniao 8,0%

Voce acha o ensino de fısica importante? I Porcentagem

Sim I 78,8%Nao 14,4%

As vezes 6,0%

Voce ve relacao com o que aprende em fısica Icom o seu cotidiano e com as tecnologias? Porcentagem

Sim I 67,7%Nao 7,8%Nao sabe 6,6%

As vezes 8,9%Em branco 8,9%

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