a concepção de principios na hermeneutica filosófica

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Filosofia

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  • 0

    FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS

    MARIA ROSILENE DOS SANTOS

    A CONCEPO DE PRINCPIOS JURDICOS NA

    HERMENUTICA FILOSFICA

    POUSO ALEGRE-MG 2012

  • 1

    MARIA ROSILENE DOS SANTOS

    A CONCEPO DE PRINCPIOS JURDICOS NA

    HERMENUTICA FILOSFICA

    Dissertao apresentada como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Direito Constitucional ao Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Direito do Sul de Minas.

    Orientador: Prof. Dr. Rafael Lazzarotto Simioni.

    FDSM MG 2012

  • 2

    MARIA ROSILENE DOS SANTOS

    A CONCEPO DE PRINCPIOS JURDICOS NA HERMENUTICA

    FILOSFICA

    FACULDADE DE DIREITO DO SUL DE MINAS

    Data da Aprovao ___/___/___

    Banca Examinadora

    ____________________________ Prof. Dr. Rafael Lazzarotto Simioni

    Faculdade de Direito do Sul de Minas

    _____________________________ Prof. Dr. Agostinho Oli Koppe Pereira

    Universidade de Caxias do Sul

    ______________________________ Prof. Dr. Eduardo Henrique Lopes Figueiredo

    Faculdade de Direito do Sul de Minas

    Pouso Alegre - MG

    2012

  • 3

    Aos meus pais que contriburam de forma mpar na concretizao deste meu objetivo.

  • 4

    AGRADECIMENTO

    Ao Prof. Dr. Rafael Lazzarotto Simioni, orientador e incentivador do meu

    trabalho de Ps-Graduao na Faculdade de Direito do Sul de Minas.

    Aos Profs.(a) Drs.(a) Alexandre Gustavo Franco Melo Bahia, Dierle Jos

    Coelho Nunes, Elias Kallas Filho, Eduardo Henrique Lopes Figueiredo, Gustavo

    Ferraz de Campos Mnaco, Irene Patrcia Nohara, Jos Luiz Quadros de Magalhes,

    Liliana Lyra Jubilut e Renato Maia pelo estmulo e importantes sugestes.

    Aos Srs.(as) mestrandos da 1 turma de mestrado da FDSM: Ana Silvia

    Marcatto Begalli, Angela Limongi Alvarenga Alves, Gabriela Soares Balestero,

    Ludimila Ferreira Teixeira, Marco Aurlio de Oliveira Silvestre, Rgis Willyan da

    Silva Andrade, Rosyanne Silveira da Mata Furtado, Vitor Ribeiro Romeiro e

    Wellington Clair de Castro, indistintamente, pela ateno, auxlio e amizade.

    Luiz Donato Coura Jnior pelo auxlio, pacincia e incentivo.

    Aos meus amigos Marta Gizeli e Rgis Willyan pelo conforto de suas

    amizades.

  • 5

    muito melhor arriscar coisas

    grandiosas, alcanar triunfos e glrias,

    mesmo expondo-se a derrota, do que

    formar fila com os pobres de esprito que

    nem gozam muito nem sofrem muito,

    porque vivem nessa penumbra cinzenta

    que no conhece vitria nem derrota.

    (Theodore Roosevelt)

  • 6

    RESUMO SANTOS, Maria Rosilene dos. A Concepo de Princpios Jurdicos na Hermenutica Filosfica. 2012. 141f. Dissertao (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Ps-Graduao em Direito, Pouso Alegre, MG, 2012. O ordenamento jurdico composto por um conjunto de normas no qual esto inseridos os princpios. Estes princpios esto dispostos no ordenamento jurdico de forma expressa ou no, e em decorrncia disso surgem para os intrpretes jurdicos dvidas quanto interpretao do sentido destes princpios, e consequentemente, dvidas quanto aplicao deles frente ao caso concreto. Assim, com o intuito de buscar o sentido dos princpios, a presente pesquisa visa analisar estes princpios a partir de uma interpretao hermenutica jurdico-filosfica do texto legal em conjunto com os princpios jurdicos. Para tanto, se faz necessrio uma anlise reflexiva sobre a concepo dos princpios jurdicos que seja adequada aos ideais do Estado Democrtico de Direito e que tenha como objetivo o equilbrio da tenso entre constitucionalismo e democracia e que garanta a efetividade dos direitos fundamentais. Com isso se verifica que a interpretao dos princpios, assim como do texto legal, no pode ser realizada de forma metdica, pois para que seja obtido o sentido do ser necessrio que ele se desvele ao intrprete a partir do seu mundo vivido. E isto s possvel por meio da linguagem, da historicidade do ser, que desnuda o mundo prtico do ser em seu ser-a. Diante disso, se verifica que toda e qualquer interpretao hermenutica jurdico-filosfica que busque o sentido do ser sempre entender os princpios como co-originrios da norma, e no como meta-critrios de soluo de lacunas. Palavras-chave: Princpios. Hermenutica Filosfica. Direitos Fundamentais.

  • 7

    ABSTRACT SANTOS, Maria Rosilene dos. The Development of Legal Principles in Philosophical Hermenutics. 2012. 141f. Dissertation (Master in Law) Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Ps-Graduao em Direito, Pouso Alegre, MG, 2012. The legal system is composed of a set of rules which are embedded in the principles. These principles are arranged in the legal system explicitly or not, and as a result, there arises for interpreters legal doubts about the interpretation of the meaning of these principles, and therefore doubts as to their application against the case. Thus, in order to seek the meaning of the principles, this research aims to examine these principles from a legal-philosophical hermeneutic interpretation of the legal text in conjunction with legal principles. Thus, it is necessary to a reflective analysis on the design of the legal principles that is appropriate to the ideals of a democratic state and that aims to balance the tension between constitutionalism and democracy and to ensure effectiveness of fundamental rights. Thus it appears that the interpretation of principles as well as the legal text, can not be performed in a methodical manner, as to give the sense of being is necessary for him to unveil the interpreter from their lived world. And this is only possible through language, the historicity of being, which lays bare the practical world of being in its being-there. Thus, it appears that any and all legal and philosophical hermeneutic interpretation that seeks the meaning of being always understand principles such as co-originating from the norm, and not as a meta-criteria solution gaps. Keywords: Principles. Philosophical Hermenutics. Fundamental Rights.

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO...................................................................................................... 10

    1. CRTICA HERMENUTICA AO RACIONALISMO DAS CINCIAS

    SOCIAIS................................................................................................................. 17

    1.1. O Problema do Mtodo nas Cincias sociais................................................... 17

    1.2. A Contribuio de Heidegger Filosofia Hermenutica................................. 25

    1.3. As limitaes do Positivismo Jurdico............................................................. 30

    1.4. O Problema da Resposta Correta no Neopositivismo Jurdico de Hans

    Kelsen...................................................................................................................... 39

    2. A COMPREENSO HERMENUTICA DO DIREITO.............................. 44

    2.1. A Historicidade da Compreenso Hermenutica.............................................. 44

    2.2. O Crculo Hermenutico................................................................................... 49

    2.3. O Princpio da Histria Efeitual....................................................................... 54

    2.4. Interpretao, Compreenso e Aplicao do Direito........................................ 59

    3.A COMPREENSO HERMENUTICA DOS PRINCPIOS

    JURDICOS........................................................................................................... 66

    3.1. Concepes Tradicionais de Princpios............................................................ 66

    3.2. A Linguagem como Horizonte Hermenutico dos Princpios......................... 77

    3.3. Crtica s Concepes Tradicionais de Princpios........................................... 82

    3.4. O Horizonte Lingustico dos Princpios........................................................... 94

    4.OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS NA CONCEPO

    HERMENUTICA................................................................................................ 99

    4.1. O Horizonte de Sentido dos Princpios............................................................. 99

    4.2. O Equilbrio entre Constitucionalismo e Democracia..................................... 106

  • 9

    4.3. Hermenutica e Efetividade dos Direitos Fundamentais................................. 123

    4.4. Hermenutica e a Resposta Correta (Adequada Constituio)..................... 116

    CONCLUSO........................................................................................................ 127

    REFERNCIAS..................................................................................................... 137

  • 10

    INTRODUO

    Nesta investigao procurar-se- estabelecer uma reflexo sobre a concepo

    de princpios adequada aos ideais do Estado Democrtico de Direito, ao equilbrio da

    tenso entre constitucionalismo e democracia e efetividade dos direitos

    fundamentais, luz da Hermenutica Constitucional da tradio hermenutica de

    Gadamer.

    Desde o positivismo clssico do Sculo XIX, a cultura jurdica ocidental viu

    triunfar o direito positivo sobre o direito natural. Desde ento se passou a entender o

    direito como um conjunto de normas gerais que regulamentavam a vida dos seres

    humanos atribuindo regras para uma vida em sociedade, e consequentemente, para

    atingir um bem comum.

    Os princpios so garantias de ordem de uma sociedade, sendo eles

    positivados (expressamente) ou no, eles so constituintes das normas que garantem a

    efetivao de direitos fundamentais dos sujeitos. Mas, nem sempre foi assim, haja

    vista que os princpios antes de serem positivados eram tidos como princpios gerais

    do direito e que, posteriormente, a partir do constitucionalismo, foram positivados, de

    forma expressa, alguns princpios na Constituio dos Estados, principalmente, com a

    funo de servir como elementos de governo na aplicao de polticas pblicas.

    Diante disso, surge no campo do direito os problemas de sentido dos

    princpios: O que so princpios? Para que servem? Pois, se so mtodos de

    interpretao como decidir entre um ou outro princpio-mtodo que ter mais

    relevncia em relao ao outro? Ou, at mesmo, se so mtodos, como garantem a

    satisfao dos direitos fundamentais? Ou por outro lado, os princpios so normas?

    So constituintes das normas e co-originrios s regras?

    Problemas estes que se forem entendidos fora do contexto hermenutico

    jurdico-filosfico garantir-se-, ao intrprete do texto legal, um poder discricionrio

    para escolher qual princpio ter maior relevncia. Ou qual princpio ser superior ao

    outro. E, para, alm disso, se imporia cada vez mais ao judicirio uma tarefa

    extraordinria de instrumento concretizador de polticas pblicas, e consequentemente,

    a impossibilidade de se garantir a efetividade dos direitos fundamentais, pois no basta

    uma ordem para o Estado fazer, o Estado Democrtico de Direito tem que ter

  • 11

    condies de efetiv-las. Com isso, o problema dos direitos fundamentais atinge outro

    mbito, que a capacidade do Estado em ser um Estado Democrtico de Direito que

    garanta a efetividade dos direitos primordiais dos sujeitos.

    Neste sentido, se verificar que os conflitos podem, por vezes, demandar mais

    ou menos dificuldade na interpretao da norma de acordo com o caso concreto. Ou

    seja, a subsuno do fato norma poderia ser obtida de forma simples e fcil (easy

    cases), ou no caso de impossibilidade de uma subsuno, a priori, uma subsuno do

    fato norma, se deveria, ento, recorrer a uma interpretao frente aos casos difceis.

    A norma, assim, deve ser entendida no seu mbito geral, a qual engloba no

    s as regras, mas tambm os princpios, que tambm esto inseridos e positivados no

    conjunto normativo superior que Constituio do Estado.

    Estes princpios surgiram no ordenamento jurdico como princpios gerais do

    Direito, no tendo nenhuma referncia expressa no corpo textual legal. Eram

    princpios que no possuam conceitos definidos, de ordem de direito natural, ou por

    vezes tidos como regulamentaes que decorriam dos subsistemas normativos que

    derivavam de ideias polticas, sociais e jurdicas, ou ainda, como mximas

    reconhecidas no campo do ordenamento jurdico.

    Com a positivao dos princpios no texto normativo, ou pela

    constitucionalizao dos princpios, queles princpios gerais do direito passaram a

    constar expressamente na Constituio e com isso surge, doutrinariamente, a

    denominao de princpios constitucionais.

    Com isso, se verifica que durante o positivismo lgico jurdico, os princpios

    eram tidos como critrios para suprir as supostas aberturas ou falhas das regras

    jurdicas sob o pretexto de um fechamento do sistema jurdico. Ou seja, na ausncia de

    regras regulamentadoras sobre o caso concreto, o intrprete se valia dos princpios

    para sanar tais lacunas. Os princpios, portanto, eram tidos como um elemento

    metdico para a concretizao do fato norma. Com isso, as interpretaes passaram a

    ter cunho subjetivo dos intrpretes, pois a estes foram delegados poderes para

    escolherem qual princpio era mais adequado para suprir as lacunas e se amoldar ao

    caso concreto.

    Isso tambm se verificar, mesmo aps o positivismo lgico, com o advento

    do pensamento ps-positivista, pois os princpios continuaram desprovidos de

    conceitualizao predominante. Com isso, surgiram no mbito interpretativo, inmeras

  • 12

    tentativas de se estabelecer conceitos aos princpios com o fim precpuo de inseri-lo no

    contexto compatvel ao Estado Democrtico de Direito.

    Exemplo disso, a construo procedimental do conceituo de princpios

    como uma espcie de mandado de otimizao do direito, em que se defende que o

    intrprete, por meio da ponderao de valores entre princpios, teria o poder de

    escolher quais dos princpios conflitantes teriam mais peso sobre o outro. Ou seja, qual

    valor de princpio preponderaria sobre o outro. J, no plano substancial, se verifica

    uma conceituao mais material e conteudstica dos princpios, entendendo-os como

    uma enunciao do que j fora enunciado. Como normas de sentido deontolgico com

    funo principal de desvelar o sentido que a norma traz por meio do seu enunciado.

    Com isso, diante destas (para citar somente estas) concepes de princpios

    surge uma questo pertinente, que constitui a problemtica central desta pesquisa, que

    saber, dentre as vrias concepes ps-positivistas de princpios, como a perspectiva

    hermenutica encaminha seu horizonte de sentido dos princpios jurdicos, no contexto

    do Estado Democrtico de Direito.

    Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa ser investigar como a hermenutica

    jurdico-filosfica encaminha uma reflexo sobre o problema da compreenso do

    horizonte histrico-lingusitco dos princpios fundamentais e que ganhos essa

    concepo ps-positivista de direito produzir em relao concepo tradicional,

    positivista, de interpretao e aplicao do direito.

    Para serem atingidos esses resultados, no que segue procurar-se- destacar as

    principais crticas da hermenutica ao racionalismo no campo das cincias sociais em

    geral e, em especial, ao positivismo jurdico, para demonstrar como ser possvel uma

    compreenso hermenutica do direito. E assim, a partir dessa viso hermenutica do

    direito em geral, que se articula o crculo hermenutico, os princpios da histria

    efeitual e o fenmeno da historicidade da compreenso da cultura jurdica prtica, se

    tornar possvel investigar como a hermenutica possibilita uma compreenso

    autntica dos princpios jurdicos, sinalizando as crticas s concepes tradicionais de

    princpio, a historicidade-lingustica dos princpios fundamentais e a relao entre essa

    concepo hermenutica e as exigncias do Estado Democrtico de Direito. Em

    especial o equilbrio entre constitucionalismo e democracia e a efetividade dos direitos

    fundamentais-sociais.

    No campo dos direitos fundamentais ser possvel verificar que a temtica

    principiolgica um assunto de interesse importante para a realizao prtica do

  • 13

    direito, que est incluso nas Constituies dos Estados e que merece uma abordagem

    mais aprofundada, haja vista que existem inmeros estudos esparsos referente a esta

    questo. Neste sentido, se pretender, por meio da presente pesquisa, analisar como a

    hermenutica filosfica da tradio Heidegger-Gadamer constitui o sentido dos

    princpios, para que ao fim se possa obter um resultado que contribua aos operadores

    do direito no s no nvel terico, mas, sobretudo, no nvel da realizao prtica dos

    direitos fundamentais.

    Assim, a partir desta conceituao hermenutica jurdico-filosfica de

    princpios, ser possvel que o intrprete da norma legal se desvincule da metafsica

    tradicional da relao sujeito-objeto e do consequnte discricionalismo decisrio, haja

    vista a ontologizao do sentido do ser e a insero da linguagem como fio condutor

    para uma compreenso/interpretao adequada dos princpios como co-originrios e

    constitutivos das regras. Com isso, se verificar que, em tempos de ps-positivismo e

    neoconstitucionalismo, a legitimidade dos direitos fundamentais (princpios)

    pressupor um equilbrio entre a segurana do constitucionalismo e a dinmica da

    democracia.

    No plano societrio, a conceituao hermenutica jurdico-filosfica dos

    princpios proporcionar uma autntica legitimidade e efetividade dos direitos

    fundamentais. Isso porque, a partir do constitucionalismo os princpios so chamados

    instituio da norma, pois so tidos como normas, garantindo assim que os direitos

    fundamentais sejam aplicados. Tanto a efetividade, quanto a legitimidade, so

    questes relacionadas exatamente com a tenso entre constitucionalismo e democracia.

    J que a efetividade dos direitos fundamentais pressupe a positivao das polticas

    pblicas do Estado na forma do direito constitucional, ao mesmo tempo em que a sua

    legitimidade pressupe a sua definio mediante processos democrticos plurais.

    Para serem atingidos esses resultados, esse programa de investigao utilizar

    como mtodo, a fenomenologia da hermenutica filosfica de Hans-Georg Gadamer,

    que se prope a fugir das regras metdicas das cincias humanas numa perspectiva

    crtica da metafsica. E assim, por meio da hermenutica filosfica, tornar-se-

    possvel analisar como a razo deve ser recuperada na historicidade do sentido por

    meio da auto-compreenso do intrprete. Como o sujeito faz uma anlise como

    participante e intrprete da tradio histrica, da interpretao da norma se valendo de

    uma interpretao das suas prprias tradies. Um interpretar de modo progressivo em

    que haver uma auto-compreenso de quem interpreta.

  • 14

    Com base nisso, se verificar que a hermenutica filosfica insere a

    interpretao no contexto interpretativo, e com isso se tem a denominada Virada

    Hermenutica do texto para a auto-compreenso do intrprete onde Ser que pode ser

    compreendido linguagem.

    Nesse sentido afirmar-se- a importncia da hermenutica filosfica aps a

    virada lingustica na qual passou a ser considerada como condio de possibilidade de

    superao dos velhos paradigmas para um conhecimento dos acontecimentos reais.

    Uma hermenutica filosfica que possui duas dimenses que sero analisadas

    na interpretao: a dimenso hermenutica e a dimenso apofntica, ou seja, um nvel

    que estrutura a compreenso, sendo mais aprofundvel e um nvel mais explicitativo,

    lgico. Ou seja, o Crculo hermenutico. Crculo que rompe com a relao sujeito-

    objeto e consequentemente pretende impedir um deciso de cunho subjetivista ou

    objetivista que so caractersticos do pensamento metafsico, o qual a hermenutica

    busca ultrapassar.

    Com o auxlio dos pensamentos hermenuticos de Lnio Luiz Streck ser

    possvel perceber a insero da hermenutica filosfica de Hans-Georg Gadamer no

    campo da aplicao do direito no Estado Democrtico de Direito. E assim,

    consequentemente, ser realizada uma anlise da interpretao e aplicao dos

    princpios jurdicos dentro da instituio do direito.

    Para tanto ser analisado no primeiro captulo o problema do racionalismo

    das cincias sociais que introduziu os mtodos de interpretao, e que posteriormente

    com a filosofia hermenutica de Heidegger, a interpretao do sentido do ser ganha

    outros rumos, principalmente, em oposio aos limites do positivismo jurdico e do

    neopositivismo jurdico de Hans Kelsen.

    No segundo captulo ser abordada a compreenso hermenutica do direito,

    tendo como referencial terico Hans-George Gadamer a partir da sua hermenutica

    filosfica que insere a historicidade na compreenso dos princpios. E por meio desta

    historicidade que ao intrprete sero atribudos inmeros questionamentos e

    possibilidades de respostas, aos quais compreendero um crculo hermenutico da

    compreenso. Crculo este que perfaz a anlise da conscincia histrica efeitual diante

    da compreenso, interpretao e aplicao do direito.

    Na mesma linha hermenutica jurdico-filosfica o terceiro captulo ser

    desenvolvido a partir da compreenso hermenutica dos princpios jurdicos, no que

    para tanto, devero ser analisadas e criticadas as concepes tradicionais de princpios

  • 15

    para ento chegar-se- a insero da linguagem como horizonte hermenutico dos

    princpios.

    Por fim, espera-se no quarto e ltimo captulo analisar a concepo

    hermenutica jurdico-filosfica dos princpios fundamentais no seu horizonte

    histrico-lingustico. O horizonte do sentido hermenutico dos princpios que garanta

    o equilbrio entre o constitucionalismo e democracia, alm da garantia da eficcia dos

    direitos fundamentais, e com isso, a obteno de uma resposta correta ou adequada

    Constituio.

  • 16

    1. CRTICA HERMENUTICA AO RACIONALISMO DAS CINCIAS

    1.1. O Problema do mtodo nas cincias sociais

    O papel da filosofia com relao cincia comeou a ser tema de discusso

    no incio do sculo XX. Com isso, o objetivismo cientfico tornou-se questo

    problemtica a ser analisada, haja vista a tendncia por parte da racionalidade

    cientfica moderna em atribuir uma objetividade aos fenmenos.

    Esse objetivismo, tambm pode ser conhecido como a relao sujeito-

    objeto, ou seja, um modo exegtico-positivista de se compreender e interpretar textos

    normativos. A objetividade dos textos a ser interpretado se sobrepunha ao sujeito

    intrprete, em razo de uma suposta suficincia do texto normativo que dispensava

    qualquer participao do sujeito nesta interpretao.

    Havia um racionalismo metodolgico, ou seja, havia a concepo positivista

    de que a cincia era a nica fonte de conhecimento verdadeiro. Que todo

    conhecimento existente advinha da especulao racional. Ou seja, os racionalistas

    pretendiam chegar verdade, por meio da razo, por meio da cincia que conhecia

    os atos dos sujeitos sociais. Com isso, se tem a problemtica do uso do saber

    (cientfico) para manipulao instrumental do mundo, e consequentemente, exsurgiu a

    questo da pretenso de validade, ou seja, um questionamento em saber se a base

    ftica utilizada pelas cincias para a correo normativa verdadeira, correta ou no.

    Lenio Streck diz que:

    na Escola de Exegese toda a norma era geral, e o juiz em face da ciso entre fato e direito ficava restrito ao exame dos fatos, a partir de uma subsuno. Tratava-se do imprio objetivista do texto produzido pela vontade geral. A vontade geral atuava como prvia fundamentao. O juiz era a boca que pronunciava a lei.1

    Ocorre que:

    a pretenso das teorias positivistas era oferecer comunidade jurdica um objeto e um mtodo para produo do conhecimento cientfico no direito.

    1STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituio, Hermenutica e Teorias Discursivas da possibilidade necessidade de respostas corretas ao direito. 3. ed. rev., ampl. e com posfcio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009, p. 378.

  • 17

    Isso levou de acordo com a atmosfera intelectual da poca (problemtica que, entretanto, ainda no est superada) a uma aposta em uma racionalidade terica asfixiante que isolava/insulava todo contexto prtico de onde as questes jurdicas realmente haviam emergido. Melhor dizendo, essa racionalidade terica possibilitou e continua a possibilitar a entender o direito em sua autnoma objetividade. Ou ainda em outras palavras, os fatos sociais, os conflitos, enfim, a faticidade, no faziam parte das preocupaes da teoria do direito. Portanto, ironicamente, a pretenso estabilizaora e cientificizante do positivismo jurdico acabou por criar uma babel resultante da separao produzida entre questes tericas e questes prticas, entre validade e legitimidade, entre teoria do direito e teoria poltica.2

    uma tendncia de coisificar os fenmenos numa tica idealista da

    metafsica que no reconhece os fenmenos concebidos pela conscincia como

    integrantes do conhecimento. Com isso a crtica do objetivismo se tornou proposio

    fundamental para a passagem crtica da metafsica para uma filosofia em razo da

    controvrsia entre mtodo cientificista e mtodo crtico.

    Surgiu ento, no direito, o pensamento contraposto ao objetivismo por meio

    das correntes subjetivistas que afirmavam o carter individual da norma, isso porque

    no s o texto legal era feito pelo sujeito (legislador) assim como a norma extrada do

    texto tambm era interpretada pelo sujeito (intrprete). Neste caso, houve uma

    subjetividade assujeitadora de um sujeito que se considera proprietrio dos sentidos

    (abstratos) do direito e que nada deixa para a faticidade.3

    A partir desta subjetividade verifica-se a existncia de uma discricionariedade

    interpretativa-decisria realizada pelo intrprete. Lenio Streck observa que esta

    discricionariedade4 denominada como discricionariedade do sub-jectum dis-pe

    dos sentidos do direito. Com isso tal discricionariedade transforma a deciso em um

    libi para os atos de vontade do intrprete.5

    Diante disso a questo sujeito-objeto tornou-se um mtodo insuficiente para a

    aplicao do direito, pois havia a necessidade de um conhecimento metodolgico com

    base em uma forma, de um molde que no conseguia exprimir todas as possibilidades

    adstritas ao sujeito e ao objeto. Ora dispunha de um objetivismo acirrado porque o

    2STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituio, Hermenutica e Teorias Discursivas da possibilidade necessidade de respostas corretas ao direito. 3. ed. rev., ampl. e com posfcio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009, p.418. 3STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., 422. 4Ora, na medida em que sempre h um dficit de previses, as posturas positivistas delegam ao juiz uma excessiva discricionariedade (excesso de liberdade na atribuio dos sentidos), alm de dar azo tese de que o direito (apenas) um conjunto de normas (regras). Em consequncia, a interpretao jurdica transformada em filologia, forma refinada de negao da diferena ontolgica. E tambm no se pode, a pretexto de superar o problema da arbitrariedade (subjetivista-axiologista) do juiz, desoner-lo da tarefa de elaborao de discursos de fundamentao, que, na teoria do discurso de Habermas e Gnther, do-se (sempre) prima facie. STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do direito. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 364. 5STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituio, Hermenutica e Teorias Discursivas da possibilidade necessidade de respostas corretas ao direito. 3. ed. rev., ampl. e com posfcio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009, p.422.

  • 18

    sentido estava nas coisas, ora de um subjetivismo incontrolvel porque impunha o

    sentido diante da conscincia do sujeito.

    o que, embora utilizando outros referenciais tericos, verifica Edgar Morin

    ao dizer que [o] Os maiores progressos das cincias contemporneas so obtidos

    quando o observador reintegrado observao. Tal atitude logicamente necessria,

    afinal todo o conceito remete no apenas ao objeto concebido, mas ao sujeito

    conceituador.6

    A partir disso, surgiu no direito outro problema do racionalismo, que foi o

    problema do mtodo. Para Ernildo Stein, a discusso sobre o problema do mtodo

    surge com Hegel que criticava a filosofia por no haver um conceito suficiente de

    mtodo das cincias, algo mais preciso sobre o mtodo deste movimento ou da

    cincia isto , da Filosofia.7

    Mas foi com o pensamento de Martin Heidegger que a crtica ao mtodo

    racionalista conquistou nveis mais profundos de inteleco. Com a fundao da sua

    filosofia hermenutica, Heidegger pretendeu desenvolver uma nova categoria para a

    compreenso do mundo, contrria subjetividade e baseada em um novo

    entendimento, que ele denominou de analtica existencial.

    Esse movimento filosfico, por uma superao do racionalismo nas cincias,

    no aconteceu, somente, no campo da filosofia, mas em todas as reas das cincias.

    Com isso, se pode observar, tambm, em outros referenciais tericos a importncia

    dessa superao. Para Edgar Morin, por exemplo, o racionalismo deve ser abandonado

    inclusive no mbito das cincias da natureza:

    Hoje, o prprio princpio do mtodo cartesiano deve ser metodicamente posto em dvida, alm da disjuno dos objetos entre si, das noes entre elas (as idias claras e distintas) e da disjuno absoluta do objeto e do sujeito. Hoje a nossa necessidade histrica de encontrar um mtodo que detecte e no que oculte as ligaes, as articulaes, as solidariedades, as implicaes, as imbricaes, as interdependncias, as complexidades.

    8

    A partir, ento, desses problemas verifica-se (retornando perspectiva

    filosfica), a importncia do pensamento de Hans-George Gadamer, que inseriu uma

    possvel proposta de superao desses problemas, em continuao tradio

    hermenutica de Heidegger. Ou seja, enquanto Heidegger explicitou a fenomenologia

    6MORIN, Edgar. O mtodo 1: a natureza da natureza. Trad. Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 23. 7STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 14. 8MORIN, Edgar. O mtodo 1: a natureza da natureza. Trad. Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 29.

  • 19

    da compreenso em termos de uma filosofia hermenutica, Gadamer procurou

    desenvolver essa fenomenologia radicalizando a hermenutica como compreenso

    lingstica do mundo, a partir da qual a linguagem passou a ser concebida como

    condio de possibilidade do mundo e no mais meramente como mediao.

    Por essa razo, a importncia dos pensamentos hermenutico-filosficos de

    Gadamer9 para a presente pesquisa que os tm com referencial terico. Isso porque, a

    sua hermenutica filosfica tem por finalidade a edificao de um modo de conhecer

    filosfico que busca analisar o que nos acontece alm do nosso querer e fazer.10 Ou

    seja, um modo de conhecer hermenutico-filosfico distante daquela relao sujeito-

    objeto tpico da metafsica.

    Para Gadamer, o fenmeno da compreenso, assim como a maneira de se

    interpretar o compreendido, se tornou um problema hermenutico o que englobaria

    toda a experincia do homem no mundo. Porm, contrariando a tradio do

    racionalismo moderno, o fenmeno hermenutico no buscou uma anlise de um

    conhecimento seguro por meio de mtodos, mas o compreender e o interpretar das

    coisas, fenomenologicamente.11

    Gadamer buscou, assim, entender as cincias do esprito por meio do

    fenmeno hermenutico, como uma experincia superior, que a distinguiu de qualquer

    outro mtodo histrico prprio de investigao da histria da filosofia. Ou seja, ele era

    contra toda e qualquer pretenso de transformao do conhecimento em mtodo pela

    cincia clssica e pretenso de uma universalidade da metodologia cientfica,

    Para entender este fenmeno hermenutico, se deve recorrer ao que Gadamer

    props como uma espcie de liberao da questo da verdade a partir da experincia

    da arte, ou seja, a superao da dimenso esttica presente nas cincias do esprito que

    compreendem a si mesmas por meio de uma analogia ao processo indutivo das

    cincias da natureza. Isso pode se verificado em Gianni Vattimo, que apesar de ser

    adepto outros referenciais tericos, ele observa que

    9GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I. Traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Trad. Flvio Paulo Meurer, Petrpolis-RJ: Vozes, Bragana Paulista-SP: Universitria So Francisco, 2007. 10GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 14. 11Compreender e interpretar textos no um expediente reservado apenas cincia, mas pertence claramente ao todo da experincia do homem no mundo. Na sua origem, o fenmeno hermenutico no , de forma alguma, um problema de mtodo. No se interessa por um mtodo de compreenso que permita submeter os textos, como qualquer outro objeto da experincia, ao conhecimento cientfico. Tampouco se interessa primeiramente em construir um conhecimento seguro, que satisfaa aos ideais metodolgicos da cincia, embora tambm aqui se trate de conhecimento e de verdade. Ao se compreender a tradio no se compreendem apenas textos, mas tambm se adquirem discernimentos e se reconhecem verdades. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I. Traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Trad. Flvio Paulo Meurer, Petrpolis-RJ: Vozes, Bragana Paulista-SP: Universitria So Francisco, 2007, p. 29.

  • 20

    o objetivo de Gadamer recuperar a arte como experincia de verdade, contra a mentalidade cientificista moderna, que limitou a verdade ao campo das cincias matemticas da natureza, relegando todas as outras experincias, mais ou menos explicitante, ao domnio da poesia, da pontualidade esttica, do Erlebnis. (...). Pode-se dizer que a arte experincia de verdade se experincia autntica, isto , se o encontro com a obra modifica realmente o observador.

    12

    A formao da humanidade, na contemporaneidade, estava intimamente

    ligada constante evoluo do conceito de cultura, o que influenciava no

    aperfeioamento das aptides e faculdades humanas. E esta formao evolutiva da

    humanidade-cultural contraria justamente aquele estilo de cincias do esprito que

    pressupem[unham] que a conscincia cientfica j [ra] algo formado, possuindo

    assim esse tato verdadeiramente inapreensvel e inimitvel, que sustentava a formao

    do juzo e o modo de conhecimento das cincias do esprito, como um elemento.13

    o sensus communis que tambm influenciou a humanidade desde a

    Antiguidade, como ressalta Gadamer ao dizer que no significa somente aquela

    capacidade universal que existe em todos os homens, mas tambm o sentido que

    institui comunidade.14 Isso porque a atividade do juzo - de subsumir o particular no

    universal, de reconhecer algo como o caso de uma regra no pode ser demonstrada

    logicamente.15

    Com esta formao cultural (senso comum) Gadamer observa a compreenso

    da experincia da obra de arte como tambm dos princpios jurdicos e de toda a

    experincia jurdica como um fenmeno hermenutico, tendo em vista que a verdade

    da obra obtida a partir da vivncia, da experincia hermenutica, do seu modo de ser,

    seu contexto e historicidade. Com isso, Gadamer refuta todo e qualquer tipo de

    mtodo.16

    a partir desta linha de pensamento que a ontologia dos princpios e seu

    significado tomaram um cunho hermenutico, pois no importava uma conscincia

    12VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenutica na cultura ps-moderna. Trad. Eduardo Brando. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p.122. 13GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 51. 14GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I. Traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Trad. Flvio Paulo Meurer, Petrpolis-RJ: Vozes, Bragana Paulista-SP: Universitria So Francisco, 2007, p. 57. 15GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 69. 16Veja-se, nesse sentido, as percucientes crticas e advertncias acerca desse assunto feitas por Marcelo Cattoni, lvaro Souza Cruz, Menelick de Carvalho Neto e Lcio Chamon, que melhor detectaram essa problemtica em terras brasileiras. J a opo pela hermenutica filosfica implica trabalhar, mais do que com a viragem lingstica, com o giro ontolgico (ontologische Wendung), com o que ser e ente (na adaptao que fiz para a hermenutica jurdica, norma e texto) somente subsiste a partir da diferena ontolgica, o que implica igualmente evitar qualquer tipo de dualismo metafsico (palavras e coisas, questo de fato e questo de direito, essncia e aparncia, para referir apenas estas). Optar pelo paradigma hermenutico (fenomenologia hermenutica, de matriz heidggero-gadameriana) implica abandonar qualquer possibilidade de uso de mtodos, metamtodos ou metacritrios interpretativos ou a ponderao (em etapas ou no). Grifamos. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituio, Hermenutica e Teorias Discursivas da possibilidade necessidade de respostas corretas ao direito. 3. ed. rev., ampl. e com posfcio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009, p. 373-374.

  • 21

    esttica do belo, ou uma verificao da verdade ou uma reflexo da correo

    normativa, mas sim a experincia do direito, o seu modo de ser. Porm, importante

    verificar que a norma jurdica no um objeto frente ao sujeito, mas que o verdadeiro

    ser do direito obtido quando ele se torna uma experincia transformadora do sujeito

    que a experimenta.17

    Neste sentido, embora utilizando outros referenciais tericos, concorda Edgar

    Morin ao afirmar sobre a falsa racionalidade de se ter um conhecimento especializado

    de tudo, de se abs-trair ou extrair um objeto de seu contexto ou conjunto (disjuno)

    causa uma dificuldade de se atingir o cerne da questo.18

    Trata-se de entender o pensamento que separa e que reduz, no lugar do pensamento que distingue e une. No se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da anlise pela sntese; preciso conjug-las. Existem desafios da complexidade com os quais os desenvolvimentos prprios de nossa era planetria nos confrontam inelutavelmente.

    19

    Por outro lado, seguindo uma linha mais crtica, Karl Popper tambm conclui

    que devemos encarar todas as leis ou teorias como hipotticas ou conjecturais; isto ,

    como suposies.20 Isso porque nenhuma quantidade de asseres de teste

    verdadeiras justificaria a alegao de que uma teoria explanativa universal

    verdadeira,21 ou at mesmo porque o mtodo da cincia o mtodo de conjecturas

    ousadas e de tentativas engenhosas e severas para refut-las, ou seja, nenhuma

    teoria contm a verdade eterna, apenas uma aproximao da verdade melhor do que

    outra teoria.

    Karl Popper espera, assim, que com a existncia do denominado terceiro

    mundo, 22 ele pudesse contribuir teoria da compreenso hermenutica. Para isso,

    Karl Popper diz:

    17O sujeito da experincia da arte, o que fica e permanece, no a subjetividade de quem a experimenta, mas a prpria obra de arte. GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 155. 18 Desse modo, o sculo XX viveu sob o domnio da pseudo-racionalidade que presumia ser a nica racionalidade, mas atrofiou a compreenso, a reflexo e a viso em logo prazo. Sua insuficincia para lidar com os problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade. Da decorre o paradoxo: o sculo XX produziu avanos gigantescos em todas as reas do conhecimento cientfico, assim como em todos os campos da tcnica. Ao mesmo tempo, produziu nova cegueira para os problemas globais, fundamentais e complexos, e esta cegueira gerou inmeros erros e iluses, a comear por parte dos cientistas, tcnicos e especialistas. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessrios educao do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; reviso tcnica de Edgard Assis Carvalho. 6. ed. So Paulo: Cortez; Braslia-DF: Unesco, 2002, p. 45. 19MORIN, Edgar. O mtodo 1: a natureza da natureza. Trad. Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 46. 20POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionria; Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; So Paulo: Universidade de So Paulo, 1975.p. 20. 21POPPER, Karl Raimund. Op. cit., p. 17. 22Popper faz uma anlise epistemolgica (estudo do grau de certeza do conhecimento cientfico) no que apresenta o denominado terceiro mundo que seria um mundo de contedos objetivos de pensamento, especialmente de pensamentos cientficos e poticos e de obras de arte em contrapartida ao primeiro e segundo mundo, de estados materiais e estado de conscincia, respectivamente. Este terceiro mundo trabalha com uma significao objetiva, de contedo lgico objetivo em que a informao

  • 22

    Comearei aqui partindo da admisso de que a compreenso de objetos pertencentes ao terceiro mundo que constitui o problema central das humanidades. Isto, parece, afastar-se radicalmente do dogma fundamental aceito por quase todos os estudiosos das humanidades (como o termo indica) e especialmente por aqueles que esto interessados no problema da compreenso. Refiro-me, naturalmente, ao dogma de que os objetos de nossa compreenso pertencem principalmente ao segundo mundo, o de que devem, de qualquer modo, ser explicados em termos psicolgicos. Admitidamente, as atividades ou processos cobertos pelo guarda-chuva do termo compreenso so atividades subjetivas, ou pessoais, ou pessoais, ou psicolgicas. Devem ser distinguidas do produto (mais ou menos bem sucedido) dessas atividades, de seu resultado: o estado final (por enquanto) da compreenso, a compreenso, pode ser tambm um objeto de terceiro mundo, especialmente uma teoria; e o ltimo caso , em minha opinio, o mais importante. Encarada como um objeto de terceiro mundo a interpretao ser sempre uma teoria; por exemplo, uma explicao histrica apoiada por uma corrente de argumentos e, talvez por evidncia documentria.23

    Embora Karl Popper possua outros referenciais tericos, os objetivos

    hermenutico-filosficos de superao da metodologia tpica da tradio racionalista

    tambm so por ele comungados. No entanto, a sua viso crtica o impede de ver um

    detalhe importante no que diz respeito constituio lingustica do mundo.

    Neste sentido tambm, Edgar Morin, que tambm adepto a outros

    referenciais tericos, observa que

    a qualidade do sujeito garante a autonomia do indivduo. Contudo, este pode ser submetido. Ser submetido no significa ser dominado de fora, como um prisioneiro ou um escravo; significa que uma potncia subjetiva mais forte impe-se no centro do programa egocntrico e, literalmente, subjuga o indivduo, que acaba possudo dentro de si mesmo. Assim, o sujeito (no sentido autnomo do termo) pode tornar-se sujeito (no sentido dependente do termo) quando o Superego Estado, Ptria, Deus ou Chefe prepondera dentro do programa de incluso, ou quando o Amor subjuga o professor Unrath a Lola Lola, no Anjo azul. Podemos ser possudos subjetivamente por um Deus, um Mito, uma Idia, e essa idia, esse mito, que, instalados como um vrus no programa egocntrico, nos comandar, imperativamente, enquanto cremos servir voluntariamente.24,25

    E este autor ainda ressalta que:

    Foi a partir dessa aptido que o indivduo humano tomou conscincia de si, objetivando-se no seu duplo, pois o esprito humano pde se auto-examinar, praticar a introspeco, a auto-anlise, o dilogo consigo mesmo. Paradoxo: objetividade s pode vir de um sujeito. Idia inacreditvel para quem subjetivamente nega toda existncia ao sujeito.

    ou a mensagem transmitida s tem significao por meio do que foi dito ou escrito, de forma transcendental (feito pelo homem, sobre-humano ao mesmo tempo). 23POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionria. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia; So Paulo: Universidade de So Paulo, 1975, p. 157-158. 24MORIN, Edgar. O mtodo 5: a humanidade da humanidade. Trad. Juremir Marchado da Silva. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 79. 25A referida obra Anjo azul um clssico alemo baseado na histria do rgido e severo Professor Unrath que se apaixona por Lola Lola que uma cantora de cabar. Eles se casam, mas a vida de casados se torna desastrosa no que leva runa daquele professor. Cfr. Disponvel em: < http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/leni.htm > Acesso em: 20 dez. 2011.

  • 23

    O ponto capital que cada sujeito humano pode considerar-se ao mesmo tempo, como sujeito e objetivar o outro enquanto o reconhece como sujeito. Infelizmente, capaz de parar de ver a subjetividade dos outros e consider-los somente como objetos. A partir da, torna-se inumano, pois deixa de ver a humanidade deles ou, ao contrrio, s pode amar ou odiar cegamente.26

    Neste sentido, Gadamer verifica que toda interpretao deve ser temporal. A

    temporalidade o prprio modo de ser da compreenso. Da que toda repetio to

    original quanto prpria obra,27 porque ter-se- sempre uma produo do sentido dos

    princpios jurdicos e no uma mera reproduo, haja vista o contedo temporal

    implcito. Um fenmeno natural pode ocorrer em vrios lugares e ser diferente em

    cada um deles em decorrncia do contedo histrico, da experincia do modo de ser da

    obra de cada lugar.

    Isso porque, toda representao/apresentao de uma obra interpretada

    produo de uma obra nova, e que em decorrncia disso, foi acrescentado obra um

    contedo da experincia. Isso acontece, por exemplo, na pretenso de padronizao da

    experincia jurdica na forma de smulas vinculantes, que na realidade no tem

    nenhum teor relativo aos julgamentos por precedentes do direito ingls e norte-

    americano, isso porque o precedente um caso especfico (possui o nome dos

    envolvidos) que apreciado e julgado por um juiz ou tribunal, e para que seja usado

    como precedente, as peculiaridades dos casos (atual e o precedente) devem ser

    semelhantes, e at mesmo o fato ser correlato norma.

    Neste sentido, Lenio Streck analisa as smulas (denominadas vinculantes)

    como aquelas que buscam um retorno daquele positivismo racional, como oposio a

    positividade da relao sujeito-objeto. Para Lenio Streck existe uma necessidade de se

    ter tudo expresso em texto, e

    por isso, possvel dizer que quem transforma as smulas vinculantes em um mal em si so as suas equivocadas compreenso e aplicao. Explico: pensa-se, cada vez mais, que, com a edio de uma smula, o enunciado se autonomiza da faticidade que lhe deu origem. como se, na prpria commom law, a ratio decidendi pudesse ser exclusivamente uma proposio de direito, abstrada da questo de fato. Se isso crvel, ento realmente a smula e qualquer enunciado ou verbete (e como gostamos de verbetes, no?) ser um problema. E dos grandes. E como respondo a isso? Com uma exigncia hermenutica que se traduz na frase de Gadamer: s

    26MORIN, Edgar. O mtodo 5: a humanidade da humanidade. Trad. Juremir Marchado da Silva. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 80. 27GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I. Traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Trad. Flvio Paulo Meurer, Petrpolis-RJ: Vozes, Bragana Paulista-SP: Universitria So Francisco, 2007, p. 181.

  • 24

    podemos compreender o que diz o texto a partir da situao concreta na qual foi produzido.

    28

    Lenio Streck ainda observa que:

    As smulas, assim como os ementrios que (pr)dominam as prticas judicirias, tem a pretenso de possurem uma substncia comum a todas as demandas (causas). Isso explica as razes pelas quais no mais discutimos causas no direito e, sim, somente teses. Essas teses transformadas em super-enunciados proporcionam respostas antecipadas. No fundo trata-se de um sonho de que a interpretao do direito seja isomrfica.29

    A hermenutica filosfica, neste sentido, se ocupa da compreenso de textos

    de modo amplo que, por consequncia, ultrapassa a conscincia esttica. E por isso

    pode-se concluir que a compreenso deve ser entendida como parte do acontecimento

    semntico, que se forma e realiza o sentido de todo enunciado. Tanto os enunciados da

    arte quanto os de qualquer outra tradio.30 Inclusive, as tradies jurdicas.

    Com isso verifica-se que, a partir de uma anlise hermenutica, a expectativa

    de uma reconstruo das condies originais de sentido de um texto ou de uma

    experincia no pode ser auferida como originais, face historicidade do ser.

    Parafraseando Gadamer, se pode concluir que a simples restituio do passado no

    suficiente para que se possa chegar essncia do esprito histrico, mas sim por meio

    da correlao desta restituio do passado com a vida atual, com o pensamento do

    mundo-vivido que se possvel chegar ao sentido do ser.

    1.2. A Contribuio De Heidegger Filosofia Hermenutica

    Em decorrncia desta problemtica sobre o mtodo cientificista, se verifica

    que no h como discutir sobre os conceitos do ser sob um olhar exterior ao objeto,

    muito menos sem se pretender fixar tais conceitos a partir do mundo vivido do ser.

    28STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. constituio, hermenutica e teoria discursivas da possibilidade necessidade de resposta corretas em direito. 3. ed. rev., ampl. e com posfcio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2009. Assim tambm para Gadamer, em termos mais gerais, quando afirma que: A imagem um processo ontolgico; nele o ser torna-se uma fenmeno visvel e pleno de sentido. O carter original da imagem, portanto, no se limita funo copiadora da imagem, e nem sequer ao domnio particular da pintura e da escultura figurativas, do qual, por exemplo, a arquitetura ficaria totalmente excluda. O carter original da imagem , antes, um momento essencial que encontra seu fundamento no carter representativo da arte. A idealidade da obra de arte no pode ser determinada atravs da relao com uma idia como um ser a ser imitado, reproduzido, mas como diz Hegel com o aparecer da prpria idia. A partir do fundamento de uma tal ontologia da imagem, torna-se duvidosa a primazia do quadro pintado sobre madeira, que faz parte de um acervo de pinturas e que corresponde conscincia esttica. Ao contrrio, o quadro guarda uma relao indissolvel com o seu mundo. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo I. Traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Trad. Flvio Paulo Meurer, Petrpolis-RJ: Vozes; Bragana Paulista-SP: Universitria So Francisco, 2007, p. 205. 29STRECK, Lenio Luiz. O que isto decido conforme minha conscincia? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.71. 30GADAMER, Hans-Georg. Op. cit., p. 231.

  • 25

    A partir da tendncia metodolgica das cincias modernas de querer impor

    um mtodo filosofia, Heidegger partiu de uma discusso metodolgica que tinha

    como base um mtodo adequado questo prpria da filosofia, na qual consistia em

    trs concepes diferentes de mtodo:

    Do mtodo cientfico que toma formas especficas, dependendo das cincias que o utilizam; do mtodo prprio da Filosofia que se desenvolve desde Descartes e perpassa toda a metafsica da subjetividade; e do mtodo que o Filsofo esboa de forma provisria no 7 de Ser e Tempo e que se revela em exerccio nas principais instncias de sua obra filosfica, dando-lhe unidade e dimenso especulativa.31

    uma nova concepo de mtodo (mtodo fenomenolgico32) que pretendia

    ser contrrio subjetividade,33 ao ponto de Ernildo Stein ter observado tal pretenso

    como se fosse um retorno ao fundamento da metafsica, tanto sob o ponto de vista do

    portador da metafsica, atravs da analtica existencial, quanto sob o ponto de vista da

    histria da metafsica, atravs de um confronto sistemtico-crtico com a Histria da

    Filosofia.34

    Heidegger se desponta com a introduo de estudos filosfico-hermenuticos

    em uma poca em que preponderavam mtodos da relao sujeito-objeto. Ou seja,

    como assim observa Ernildo Stein:

    preciso no apenas coragem para subverter da maneira como Heidegger o fez, a questo do princpio da razo e a questo do fundamento, basilares em toda a tradio. Sem um mtodo que d coerncia e sentido, tentativas destas desembocam em experimentos sem consistncia. Somente a maneira de ver fenomenolgica pde conduzir a uma ruptura da rigidez de categorias como transcendncia, finitude, liberdade.35

    No entanto, esta nova categoria de pensamento de Heidegger se fundou em

    modelo binrio de velamento-desvelamento. Ou seja, o mtodo fenomenolgico de

    Heidegger procurou pensar o ser numa concepo de ser-velado, encoberto pelo

    pensamento subjetivo que necessitava ser descoberto, desvelado pela histria do seu

    prprio ser. Esta nova concepo est ligada questo do sentido do ser (do ser-a). O

    31STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 17. 32 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I e II. Traduo de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrpolis-RJ: Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005. 33 A subjetividade que assim caracteriza a metafsica ocidental por isso o sinal e a causa do esquecimento do ser. Causa porque nela se esconde a atitude ingnua diante do ser-a na medida em que este no visto em seu carter ambguo na relao com o ser; sinal que preciso ser interpretado para se compreender a estrutura binria e ambgua do ser-a para ento se problematizar a essncia da metafsica considerada mesmo intocvel como rea que nenhum questionamento filosfico pode ultrapassar. STEIN, Ernildo. Op. cit., p. 126. 34 STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 21. 35STEIN, Ernildo In: HEIDEGGER, Martin. Sobre a essncia do fundamento. A determinao do ser do ente segundo Leibniz. Hegel e os gregos. Trad. e notas com uma introduo ao mtodo fenomenolgico heideggeriano de Ernildo Stein. Reviso de Jos Geraldo Nogueira Moutinho. So Paulo: Livraria Duas Cidades, 1971, p.10.

  • 26

    mostrar do ser como coisa mesma, em que a compreenso e a interpretao do ser

    passavam a ser analisadas, ontologicamente, como uma forma de interpretao da pre-

    sena, do ser-no-mundo a partir dele mesmo do ser-em como tal.36,37

    A compreenso do ser teve incio com um projetar-se dele mesmo para

    possibilidades de interpretao, isto , um poder-ser que repercute sobre a pre-sena

    das possibilidades enquanto aberturas.38 Por isso da afirmativa de que sempre

    compreendemos para interpretar e no o inverso, como assim observa Lenio Streck.39

    Todo conhecimento do ser baseado na sua temporalidade exige uma abertura,

    um desvelamento em que faz surgir uma transcendentalidade. Nisso reside a meta da

    fenomenologia hermenutica,40 do ser-a que a explicao do tempo como o

    horizonte transcendental da questo do sentido do ser. O tempo fundado na

    temporalidade do ser-a transcendental porque conota a abertura do ser-a.41

    A ao interpretativa possui significado a partir da elaborao das

    possibilidades do ser que so projetadas na compreenso. o descobrir algo a partir

    dele mesmo, a partir da circunviso do seu ser. Tudo que se tem disposio

    compreendido como isto ou aquilo, e esse como a interpretao.

    o entender de tudo que se pe nossa frente numa articulao de acepo

    do seu ser. Um objeto que posto a ns para ser interpretado ser apreendido de forma

    livre, de maneira meramente compreensiva, e ao mesmo tempo, ser transposto em seu

    sentido levando em considerao o ser-no-mundo. Com isso tem-se a interpretao do

    ser.

    Neste sentido a assertiva em dizer que no h como traar limite quanto ao

    incio ou fim dos atos de uma interpretao. Pois o como interpretativo no se

    distingue do ato de compreender. Na realidade ambos os atos fazem parte de um todo,

    36HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Trad. de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed.. Petrpolis-RJ: Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005, p. 184-227. 37O mundo da vida no se apresent, portanto, para Heidegger como um desafio para a radicalidade reflexiva, mas antes a reflexo recebe dele seu objeto e movimento. O mundo da facticidade do ser-a era para Heidegger a rea em que se impunha o problema do ser caso se quisesse fugir do objetivismo ingnuo. STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983.p. 47. 38HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Trad. de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed.. Petrpolis-RJ: Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005, p. 204. 39STRECK, Lenio Luiz. Diferena (ontolgica) entre texto e norma: afastando o fantasma do relativismo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. v. 46 n.1, Coimbra: Coimbra, 2005, p. 66-77. 40 Fenomenologia hermenutica, segundo Stein surge em razo da escolha do mtodo por meio do entendimento de fenmenos na filosofia que almejava elaborar uma ontologia, mas que ao ser utilizada pelos pensamentos de Heidegger sofreu influncia de uma base a hermenutica. Por isso uma fenomenologia de cunho hermenutico. STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 82. 41STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 67.

  • 27

    pois a partir do momento em que se compreende algo como tal sinal de que isto j

    foi interpretado diante de uma circunviso da experincia do ser-no-mundo. Isso

    porque, se aquilo que se v ou se interpreta faz sentido, quer dizer que j havia uma

    posio prvia compatvel (implcita) sobre aquele ser objeto da compreenso.42

    Heidegger afirma que interpretar a estrutura-como, que est

    numa posio prvia, viso prvia e concepo prvia. A interpretao nunca apreenso de um dado preliminar, isenta de pressuposies. Se a concreo da interpretao, no sentido da interpretao textual exata se compraz em se basear nisso que est no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais do que a opinio prvia, indiscutida e supostamente evidente, do intrprete. Em todo princpio de interpretao necessariamente j pe, ou seja, que preliminarmente dado na posio prvia, viso prvia e concepo prvia.43

    Com isso a interpretao se move num campo circular em que sempre se

    movimenta no j compreendido e dele se faz compreender de modo adequado. Ou

    seja, o sentido de algo dado como possibilidade na articulao de sua compreenso o

    modo como se articula na interpretao.44

    O juzo (a proposio) que obtido de algo por meio de uma demonstrao

    que [se] determina atravs da comunicao,45 ganha sentido, na medida em que se

    funda na compreenso de uma interpretao. H assim um crculo hermenutico da

    finitude porque o ser no acontece sem o ser-a.

    Este crculo interpretativo compreende em um como hermenutico de

    existencialidade, que busca uma interpretao baseada na compreenso do mundo da

    vida, em contrapartida ao como apofntico da proposio que determina o que

    simplesmente foi dado. Toda delimitao formal do crculo da compreenso j

    resultado da prpria conscincia de que o autor se movimenta nele,46 porque sempre

    antecipamos o horizonte a partir do qual compreendemos tal e tal coisa.47

    Podemos assim afirmar que seria o modo de encontro/confronto entre a

    compreenso e a interpretao, pois a partir do momento que se discute algo, ou que se

    42A pre-sena s tem sentido na medida em que a abertura do ser-no-mundo pode ser preenchida por um ente que nela se pode descobrir. Somente a pre-sena pode ser com sentido ou sem sentido. Isso significa: o seu prprio ser e o ente que se lhe abre podem se apropriados na compreenso ou recusados na incompreenso. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I e II. Trad. de Mrcia S Cavalcante Schuback. 15. ed.. Petrpolis-RJ: Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005, p. 208. 43HEIDEGGER, Martin. Op. cit., p. 207. 44 por isso que o mtodo fenomenolgico que se aplica ao fenmeno no sentido fenomenolgico consiste em mostrar aquilo que em seu prprio ato de manifestao se vela. STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p.73. 45HEIDEGGER, Martin. Op. cit., p. 214. 46STEIN, Ernildo. Compreenso e finitude: estrutura e movimento da interrogao heideggeriana. Coleo ensaios poltica e filosofia. Iju-RS: Uniju, 2001, p. 250. 47STEIN, Ernildo. Compreenso e finitude: estrutura e movimento da interrogao heideggeriana. Op. cit., p. 254.

  • 28

    desvela seu sentido por meio da interpretao, a sua compreenso j dada deixa de ser

    esttica (como-hermenutico) e passa a ser discutida, iluminada. Ao fim desta

    interpretao o seu contedo se tornar indiscutvel (como apofntico), at o

    momento em que for submetida a uma nova compreenso que a levar ao como

    hermenutico e, por conseguinte ao como apofntico, e assim por diante.

    Neste sentido verificamos que o ser-a est limitado a manifestar o ser por

    meio do velamento, ou seja, h uma finitude do ser-a. O ser-a, portanto, pensando

    e compreendido como finitude em funo da finitude da compreenso do ser. O ser

    finito porque compreendido pelo ser-a que finito enquanto preocupao e

    temporalidade.48

    Por meio da disposio e da compreenso tem-se a abertura do ser-no-mundo,

    ou seja, o ser apresentado de forma a garantir possibilidades para uma interpretao

    apropriada dele mesmo. E interpretao a partir do veculo condutor e articulador que

    o discurso. Isso porque,

    o discurso um existencial originrio da abertura, constitudo primordialmente pelo ser-no-mundo, ele tambm deve possuir, em sua essncia, um modo de ser especificamente mundano. A compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposio, se pronuncia como discurso. A totalidade significativa da compreensibilidade vem palavra. Das significaes brotam palavras. As palavras, porm, no so coisas dotadas de significados.49

    No discurso a pre-sena, o ser-a dos princpios jurdicos se prenuncia a partir

    do momento que est ali para se abrir ao mundo. O que se comunica o que foi

    apreendido dos princpios, e por isso se acha exterior, desvelado. o que se pronuncia

    justamente o estar fora, isto , o modo cada vez diferente da disposio (ou do humor)

    que, como se indicou, alcana toda a abertura do ser-em.50

    Diante disso, aquela abstrao do ente de forma objetiva havida naquela

    relao sujeito-objeto perde totalmente seu sentido quando, por meio de Heidegger, se

    chega ao ente pelo recurso transcendental (historicidade) da compreenso do ser pelo

    ser-a.51

    48STEIN, Ernildo. Compreenso e finitude: estrutura e movimento da interrogao heideggeriana. Op. cit., p. 295. 49HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Traduo de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrpolis/RJ, Bragana Paulista/SP: Editora Vozes: Universidade So Francisco. 2005, p.219. 50HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Traduo de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrpolis-RJ Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005, p. 221. 51o ser-a no pode exercer a funo de fundamento, o que ainda era tpico da subjetividade da filosofia moderna e da fenomenologia de Husserl. STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. 3. ed. Porto Alegre: Movimento, 1983, p. 149.

  • 29

    No entanto, importante ressaltar que toda interpretao dos princpios

    jurdicos s foi possvel porque houve uma conexo entre o discurso e a compreenso

    que resultou numa compreensibilidade que se tornou clara a partir da escuta. Ou seja,

    o ser-a dos princpios s foi transmitido porque havia um sujeito que, a princpio,

    compreendeu o que ouviu e porque ouviu.52

    Assim como o homem se entifica (se mostra como um ente) no discurso, os

    princpios e toda experincia jurdica tambm se mostram a partir do discurso, que se

    compreende na disposio, compreenso, interpretao e proposio da sua pre-sena,

    do seu ser-a.

    Esta, portanto, foi a contribuio de Heidegger, isso porque [a]A

    manifestao hermenutica do ser enquanto fenmeno que o homem realiza a

    prpria mensagem que recebe do ser. Se o homem realiza um papel hermenutico

    porque o ser faz com que comunique e assim possibilita a comunicao de sua

    mensagem53. A diferena ontolgica somada ao crculo hermenutico procura

    extirpar a subjetividade, a representao e objetificao do ser. No entificar o ser,

    identificando-o com o ente ou um ente significa, para Heidegger, superar a

    metafsica.54

    Ou seja, Heidegger rompe com a metafsica clssica que designa sentido a

    partir das coisas (coisificao do ser), e com a metafsica moderna que atribui

    sentido ao ser a partir da conscincia do sujeito (subjetividade), do cientificismo das

    cincias socais que se reconheciam (erroneamente) como suficientes portadores do

    conhecimento jurdico.

    Os pensamentos filosfico-hermenuticos de Heidegger contribuem, assim,

    para o que podemos denominar de uma ps-metafsica que atribui sentido na

    linguagem e a partir dela. Heidegger prope uma superao do pensamento metafsico

    por meio do Dasein, ou seja, do ser-a, do ser no seu mundo vivido. Ele insere o

    mundo do ser na sua interpretao e aplicao. Uma transcendentalidade do sentido do

    ser que apresentada ao intrprete que desde j compreende o ser, haja vista a

    insuficincia do ente (objetivismo) em revelar o sentido do ser. Ou seja, a tentativa de

    superao das limitaes do positivismo jurdico. 52[s]Somente quem j compreendeu que poder escutar. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I e II. Traduo de Marcia S Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrpolis-RJ Vozes; Bragana Paulista-SP: Universidade So Francisco. 2005, p. 223. 53STEIN, Ernildo. A questo do mtodo na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. Op. cit., p.91. 54STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do direito. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 207.

  • 30

    1.3. As Limitaes Do Positivismo Jurdico

    Quando se fala em positivismo jurdico, hoje, torna-se importante distinguir

    as diversas concepes que existiram, ao menos a partir da modernidade. A primeira

    expresso positivista do direito foi com a Escola da Exegese, na Frana do Sculo

    XIX, que partia de uma concepo legalista do direito, segundo a qual todo o direito se

    continha, exclusivamente, nos textos legais positivados, em especial no Cdigo Civil

    de Napoleo. Mas aps o desenvolvimento de vrias escolas da interpretao e da

    metotologia da deciso jurdica, tais como a Escola Histrica do Direito, o Movimento

    do Direito Livre, a Jurisprudncia dos Conceitos, dos Interesses e dos Valores, e por

    fim com o neopositivismo lgico de Hans Kelsen, o pensamento positivista foi sendo

    alterado.

    O positivismo jurdico foi uma manifestao tpica de ordenamento de um

    conjunto de regras e mtodos para dar validade ao direito, e com isso a cincia do

    direito passou de modo racional a conhecer-se e aplicar-se.

    O mtodo positivista surgiu, no direito, como uma construo de

    doutrinadores que tinham o intuito de apresentar alguns modelos e processos que

    entendiam ser corretos e que deveriam ser cumprido pelos juristas. Ou seja, eles

    prescreviam, prvia e autonomamente ordens e mtodos jurdicos, por eles

    considerados corretos, de aplicao no mundo jurdico global.

    Neste sentido, Castanheira Neves diz que [n]No deparamos agora com uma

    prtica jurdica em que se reconhece uma certa metdica, estamos perante um terico

    (doutrinal) M.J.[mtodo jurdico] que se define a priori e pretende impor prtica.55

    Ou seja, M.J. que traduzia, em suma, uma concepo e um tratamento do direito

    positivo independentemente de fins e valores, fundada somente sobre a validade

    absoluta de categorias formais e sobre a eficcia da argumentao lgica.56

    Com isso, a partir dessa metdica do positivismo57, possvel distinguir a

    constituio do conhecimento do direito j constitudo. Isso se evidencia diante de

    55CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v.2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.p. 303. 56CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v.2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 305. 57Lenio Streck afirma que o positivismo pode ser traduzido pelos seguintes aspectos (suas teses centrais): a) que a existncia (vigncia e validade) do direito em uma dada sociedade depende das prticas dos membros dessa sociedade; so pois, as fontes sociais do direito; b)que a validade de uma norma independe de sua validade moral; trata-se pois, da separao entre direito e moral (secularizao); c) que as normas jurdicas de um ordenamento no cobrem todas as hipteses de aplicao; isto quer dizer que haver casos difceis que no sero solucionveis pelas normas jurdicas existentes; da o recurso discricionaridade,

  • 31

    duas escolas de pensamento do direito daquela poca: a Escola Histrica e a Escola de

    Exegese. Isto , o que para a Escola Histrica o constituir do direito se dava a partir do

    elemento histrico-comunitrio, para a Escola de Exegese seria a partir do poder

    legislativo. Alm de que o conhecimento do direito se apresentava por meio da letra

    da lei, ou seja, um legalismo ps-revolucionrio com tendncia codificadora da norma,

    enquanto que, para a Escola Histrica o direito tinha cunho cultural e com isso

    impunha um sistema de conceitos racional lgico-abstrato dedutivo (positivismo

    cientfico).

    O positivismo jurdico, portanto, generalizou a definio metodolgica da

    cincia do direito pelo fato de reduzir a interpretao, conceitualizao e

    sistematizao a uma mera deduo silogstico-subsuntiva a uma mera operao

    puramente lgica.58 Isso porque, o direito era considerado como um sistema

    autnomo, que subsistia em si diante da outras referncias como a tica, a poltica,

    dentre outras; um sistema normativo unitariamente consistente (sem contradies),

    pleno (sem lacunas) e fechado (auto-suficiente);59 de razo terica, com juzos

    coerentes dogmtica conceitual e de aplicao lgico-dedutiva ou subsuntiva.

    Lenio Streck observa que o positivismo indissocivel da

    discricionariedde/arbitrariedade e [d]o sujeito do esquema sujeito-objeto,60 que

    ainda se faz presente no sculo XXI, por meio de discursos objetivistas, que no se

    distingue texto de norma, ou que submeta tais textos subjetivao do intrprete que

    subsume o fato norma.

    Neste sentido, Castanheira Neves, apresenta crticas61 ao mtodo jurdico

    positivista, sob dois sentidos: um de cunho analtico e outro metodolgico. Sendo o

    analtico: aquele que versa sobre a aplicao do direito que no era puramente lgica,

    dedutiva, mas que havia ponderaes prtica, juzos de valores e consideraes

    teleolgicas, alm do problema de no se localizar na deduo de premissas j postas

    ao caso, mas no juzo prvio e autnomo do julgador em selecionar tais premissas e

    preparar a subsuno. E ainda que a elaborao da norma era realizada com cunho

    poder delegado aos juzes ( neste ponto que o positivismo se liga umbilicalmente ao sujeito solipsista Selbstschtiger da modernidade). STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do direito. 8. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 335. 58CASTANHEIRA NEVES, A. Op. cit., p.307. 59CASTANHEIRA NEVES, A. Op. cit., p.307-308. 60STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica jurdica e(m) crise: uma explorao hermenutica da construo do direito. Op. cit., p.336. 61CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. Op. cit., p. 309-310.

  • 32

    prtico e subjetivista do jurista, de acordo com os objetivos prticos deste, para ento,

    como interpretao realizar uma mera explicitao analtica do seu contedo objetivo.

    J no sentido metodolgico a crtica se assenta relacionada, principalmente,

    Escola de Exegese (no entanto as outras escolas de pensamento tambm tiveram

    parcela criticvel), pois se direito positivo tem uma base regulamentativa prtica na

    vida social (histrica), impossvel que um pensamento jurdico de carter,

    estritamente, lgico seja suficientemente capaz de abarcar todas as peculiaridades do

    caso. Da, a implantao da figura das lacunas no direito, por parte da Escola de

    Exegese, pois, eles no conseguiam impor um sistema pleno. Ou seja, um sistema

    jurdico auto-subsistente que se constri no contexto humano-histrico-social.

    No entanto, verificamos que o positivismo jurdico alcanou o seu maior grau

    de cientificidade e objetividade com os aportes tericos do neopositivismo lgico de

    Hans Kelsen. Um projeto terico neopositivista que visava a edificao de uma cincia

    especificamente jurdica do direito. Uma cincia autnoma do acontecimento jurdico,

    blindada em relao s demais reflexes externas ao direito. Uma cincia pura no

    sentido do isolamento do objeto cientfico do direito - a norma jurdica.

    O neopositivismo, assim, se apresentou como uma tendncia metodolgica

    consistente em um:

    processo teleolgico de actividade intelectual, ou o complexo estruturado de regras e actos intelectuais que cumpre realizar para atingir um determinado objectivo cultural, em que se v, simultaneamente, o modelo de actividade de um certo domnio cultural e a condio e critrio da validade das produes desse mesmo domnio.62

    Embora utilizando outro referencial terico (pragmtico-sistmico), Leonel

    Severo Rocha concorda quando diz que tanto Norberto Bobbio quanto Hans Kelsen,

    principalmente Kelsen, pode ser considerado como neopositivista, pois o

    neopositivismo uma matriz ainda bem centrada nos aspectos descritivos e estruturais

    do Direito, mantendo ainda, no tocante aos seus aspectos polticos, uma viso de

    neutralidade, por enquadrar-se no tipo de Estado Liberal clssico, no interventor, ou

    porque;

    postulam uma cincia do direito alicerada em proposies normativistas que descrevem sistematicamente o objeto direito. Trata-se de uma metateoria do direito, que ao contrrio do positivismo legalista dominante

    62CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta: escritos acerca do direito do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. Op. cit., p. 301-302.

  • 33

    na tradio jurdica (que confunde lei e direito), prope uma cincia do direito como uma metalinguagem distinta de seu objeto.63

    Ou seja, a teoria pura de Kelsen o direito enquanto se distingue da cincia

    do direito. O direito a linguagem objeto, e a cincia do direito, a metalinguagem:

    dois planos lingsticos diferentes.64 Uma teoria carregada de pressupostos terico-

    epistemolgicos (normativismo) de perspectiva racionalista ligada ao normativismo e

    ao Estado. Por isso uma teoria extremamente limitada.65 Com isso,

    se entende a necessidade de criticar-se a epistemologia do neo-positivismo analtico, da linguagem da denotao pura, introduzindo-se uma epistemologia construtivista que privilegie para a globalizao a temtica da pluralidade social, da complexidade, dos paradoxos e riscos, e mostre algumas das consequncias que esta perspectiva est provocando na teoria do Direito.66

    Neste sentido, Castanheira Neves acrescenta alguns apontamentos67 Teoria

    Pura de Hans Kelsen com base na unidade do seu sistema jurdico. Para Castanheira

    Neves, o problema da teoria defendida por Kelsen foi sua restrio epistemolgica.

    Kelsen buscava desvincular o direito da sociologia e da poltica, ou seja, deixar de t-

    los como ultima ratio. Inteno esta fruto da herana positivista (cientismo do sculo

    XIX e epistemologicamente depurado na radicalizao emprico-analtica),68

    influenciadora daquela poca. Para isso, Castanheira Neves afirma que,

    se tambm entendemos que no deve procurar-se quer na sociologia quer na poltica a ultima ratio (e comearemos j a dizer ultima ratio no epistemolgica, mas axiolgica) do jurdico, justamente por isso, ou para isso, no devemos excluir do nosso horizonte problemtico, e da intencionalidade normativo-jurdica, tanto a dialtica entre o direito e o facto (facto histrico-social) como a relao, em que o sentido e a validade da prxis se ter de decidir, entre o jurdico e o poltico.69

    Castanheira ainda observa:

    A preocupao de constituir o pensamento jurdico como pensamento de verdade ou de cincia, i., como uma cincia e na perspectiva de uma certa concepo de cincia, no poder legitimar que nele se omita ou sequer se neutralize a sua inteno e o seu compromisso prtico-normativos, de modo

    63ROCHA, Leonel Severo. Da epistemologia jurdica normativista ao construtivismo sistmico. In: Introduo teoria do sistema autopoitico do Direito. Leonel Severo Rocha, [et. Al.]. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.16. 64ROCHA, Leonel Severo. Da epistemologia jurdica normativista ao construtivismo sistmico. In: Introduo teoria do sistema autopoitico do Direito. Op. cit., p.17. 65ROCHA, Leonel Severo. O direito na forma de sociedade globalizada. In: Anurio do Programa de Ps-graduao em Direito, Centro de Cincias Jurdicas UNISINOS. So Leopoldo. 2000, p.118. 66ROCHA, Leonel Severo. O direito na forma de sociedade globalizada. In: Anurio do Programa de Ps-graduao em Direito, Op. cit., p.118. 67Castanheira Neves acentua que em razo do conhecimento de Kelsen, ele prefere no chamar tais comentrios como sendo crticas, mas um debate de ideias. Cfr. NEVES, A. CASTANHEIRA. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v.2. Coimbra: Coimbra, 1995, p.101. 68Ibidem, p.101. 69Ibidem, p.102.

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    que metologicamente se o forme (deforme) para melhor o orientar para servir a ideia de direito (i., a normativa inteno de justia).

    70

    Castanheira Neves analisa com isso a unidade do sistema jurdico (o

    problema a ser resolvido deve ser de direito e no problema acerca do direito) e a

    sua normatividade objetiva. Deve haver um postulado da inteno prtica do direito,

    haja vista que o direito mediador em seu modus objetivo de uma dimenso de

    existncia e condio de possibilidade da realizao humana (da realizao do homem

    como pessoa).71O direito, em sua sistematicidade, objetiva uma ordem

    (transcendental) de convivncia humana. No entanto, o positivismo crtico de Kelsen

    no consegue se desvencilhar dos critrios distintivos resultantes da dialtica, ou seja,

    distingue entre o constitudo (critrio normativo pressuposto) e um constituendo (o

    normativo de [sic] contnua integrao).72Com isso, Castanheira Neves afirma que

    o sistema positivo legal acaba por ser apenas um conjunto de formais critrios jurdicos utilizados ao servio de uma inteno normativo que o ultrapassa. O que do mesmo passo significa que o direito histrico-socialmente realizado bem mais vasto e rico do que aquele que apenas pela legalidade se defina, no seu corpus formalmente prescrito.73

    Neste sentido a constituio histrica do normativo jurdico, em Kelsen, se

    resume ao desenvolvimento de um sistema pressuposto um mero desenvolvimento ou

    enriquecimento progressivamente intra-sistemtico (...) [que] se circunscreve a um s

    momento, a um s domnio ou a um s nvel do pensamento jurdico na sua tarefa de

    realizao do direito.74

    O direito, para Castanheira Neves, segue quatro dimenses, ou pressupostos:

    axiolgica, dogmtica, problemtica dialtica e praxista. Ou seja, um momento

    axiolgico que define a ndole essencial da normatividade jurdica e a constitui como

    direito (validao social plena), de inteno material autnoma validao do direito

    perante o poltico;75 um momento dogmtico em que os princpios normativo-jurdicos

    constituem o direito, o dogmtico da normatividade jurdica, no exclui, nem

    dispensa e antes implica, a abertura sistemtica e uma problemtica dialctica, na sua

    70Ibidem, p.105-106. 71Ibidem, p.113. 72CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v. 2. Coimbra: Coimbra, 1995, p.130. 73CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v. 2. Coimbra: Coimbra, 1995, p.131. 74Ibidem, p.132. 75Como afirma Castanheira Neves: apenas, uma axiolgica inteno especfica que se reconhea o direito capaz de ultrapassar a positivstica concepo da neutralidade formal do jurdico, em que vai tambm indirectamente admitido o primado do poltico, sem ter no entanto de fazer coincidir a inteno jurdica fundamental (...) com um qualquer programtico ideal social. CASTANHEIRA NEVES, A. Op. cit., p.139.

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    constituio e na sua realizao;76,77 um momento ou dimenso problemtico-

    dialctica, ou seja, os problemas histrico-sociais;78 e por fim, uma dimenso praxista

    em que a deciso concreta aquela que se assume como prxis. No entanto,

    Castanheira Neves ressalta que o sistema jurdico na perspectiva destas quatro

    dimenses:

    no poder ser um sistema simplesmente funcional e antes h-de manifestar um contedo axiolgico, que no haver de ser um sistema to-s social ou de perspectivao sociolgica e sim de ndole dogmtico-normativa, de uma dogmtica normativa, no entanto, problematiza dialecticamente e no de plenitude e auto-suficincia objectiva e que, por ltimo, no poder ser assimilado por um pensamento jurdico apenas cognitivo (analtico ou hermenutico), j que no sistema se ter de pensar unitariamente o juzo-deciso prtica concretamente constitutiva.79

    Diante do todo sistemtico e da sua unidade normativa, Castanheira Neves

    faz apontamentos modalidade de unidade normativo-sistemtica (ou unidade lgica a

    priori) proposta pela Teoria Pura do Direito de Kelsen, pois:

    no se trata, nesses pensamentos, de uma unidade lgico-conceitualmente abstracta obtida atravs da formal identidade de significaes subsistentes, mas uma unidade de institucionalizao que simultaneamente um processo normativamente estruturado e dinmico de aplicao-produao (aplicao que simultaneamente produo) do direito. E a garantia da unidade t-la-amos aqui num nico fundamento normativo a Gurndnorm que legitimaria, enquanto objectivaria, o sistema institudo e a que teria de ir redutivamente referido todo o direito que se constitua e aplique no quadro do mesmo sistema (no quadro da ordem jurdica que esse sistema). Unidade por reduo (e reduo analtico-transcendental) a um s fundamento normativo.80

    Com isso, Kelsen propunha a partir da norma superior uma ideia de totalidade

    normativa. Porm, quando as regras eram incapazes de prever as peculiaridades

    prticas do caso (importante notar que esta incapacidade confirmada com base na

    Hermenutica filosfico-jurdica), foi necessrio implantar a ideia de uma aparente

    lacuna no ordenamento, ou antinominas normativas. Ou seja,

    o sistema jurdico kelseniano no susceptvel de compreender a constituio problemtico-dialctica do normativo jurdico e, por conseguinte, de a pensar numa unidade sistemtica. Falta-lhe a outra

    76Ibidem, p.145. 77Para Castanheira Neves: nosso momento jurdico-cultural se v superada a dogmtica de autoridade (seja carismtica, tradicional ou sustentada simplesmente pelo poder) por uma dogmtica de fundamentao e esta inteno de fundamentao que ir inserir no sistema jurdico, no obstante a sua dimenso dogmtica e mesmo como correlativa dela, tambm uma dimenso dialctica. CASTANHEIRA NEVES, A. Op. cit., p.144. 78Castanheira Neves afirma que: um normativo sistema jurdico pressuposto se problematiza e dialectiza na problemtica da realizao histrico-prtica do direito, (...) a alternativa para o momento dialctico, a inserir no problema do sistema e da sua unidade, volta a ser um direito-poder ou um direito em que o critrio a fora. Por tudo o que se compreende tambm que o pluralismo dialgico ele prprio a situao existencial do problema da justia e que s atravs dele este problema pode ir obtendo a sua soluo. NEVES, A. CASTANHEIRA. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. v. 2. Coimbra: Coimbra, 1995, p.153. 79CASTANHEIRA NEVES, A. Digesta. Escritos acerca do direito, do pensamento jurdico, da sua metodologia e outros. Op. cit., p.155. 80 Ibidem, p.157-158.

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    dimenso dialctica, aquela que acrescenta a perspectiva unicamente considerada de cima para baixo. que a Reine Rechtslehre [Teoria Pura do Direito] provm do racionalismo teortico-sistemtico e analtico e a racionalidade prtica (prtico-constitutiva) o que justamente no compreende e por isso dela abstrai. Na linguagem de PARSONS, o sistema de KELSEN pensa a normatividade, mas no pensa a condicionalidade (condicionamento histrico-concreto do jurdico), sendo certo que sem esta, em dialctica com aquela, no h autntica realizao do direito nem verdadeiramente direito.81

    Ou seja, a referida Grundnorm e todas as normas do sistema jurdico

    kelseniano so pressupostas sem uma verificao. Segundo Castanheira Neves,

    o sistema kelseniano juridicionaliza apenas uma organizao coactiva do poder atravs de um coerente sistema de normas, por que aquele actue e com os limites to-s da lgica instituda por esse sistema, e renuncia a pensar a dimenso de justia, i. , a totalizante e unitria integrao materialmente comunitria, sem a qual tambm no h uma ordem de direito e simplesmente um sistema de pensamento. E renncia dimenso de justia sem que, todavia, a segurana se veja melhor assegurada, pois a continuidade-constituio normativa dinamiza-se nesse sistema to-s afinal por um decisionismo, com toda a sua possibilidade de subjectivo arbtrio, conformadamente aceite.82

    Para, alm disso, Castanheira Neves ainda incita que, em caso de afastar a

    interpretao para observao na Grundnorm de um pressuposto hipottico de

    validade, o nico resultado seria que

    ao servio de uma funo na verdade simplesmente epistemolgica, ento a unidade sistemtica pensada por KELSEN a