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A comunhão nossa de cada dia A reforma da unidade da igreja 2 a edição Pedro Arruda

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Acomunhão

nossa decada dia

A reforma da unidade da igreja

2a edição

Pedro Arruda

ISBN: 978-85- 87832-63- 4

A Comunhão nossa de cada Dia, Pedro Arruda

© 2010 Editora dos Clássicos

Revisão: Christopher Walker, Maurício Bronzatto e Paulo César de OliveiraDiagramação: Rita Motta (Editora Tribo da Ilha)Capa: Wesley MendonçaEditor: Gerson Lima

1.ª edição: junho de 20102.ª edição: junho de 2017

Todos os direitos reservados na língua portuguesaEditora dos Clássicos 19 3217-7089 / 19 3889-1368

[email protected]

Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização escrita dos editores.

As citações bíblicas usadas são da Versão Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida, 2a edição, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo quando indicado pelas abreviaturas.

editoradosclassicos.com.br

SUMÁRIO

Agradecimentos ............................................................... 7Prefácio .............................................................................. 9Apresentação .................................................................... 13

Capítulo 1 Origem e Morte da Comunhão............................ 17

Capítulo 2 Discernindo a Comunhão..................................... 23

Capítulo 3 Da Solidão para a Koinocracia ............................. 31

Capítulo 4 De Solitário a Solidário ......................................... 39

Capítulo 5 Comunhão ou Divisão? ........................................ 45

Capítulo 6 Comunhão e Separação à Maneira de Deus ...... 53

Capítulo 7 Confissão, a Força de nossa Fraqueza ................ 61

Capítulo 8 Reconhecendo Cristo no Outro ........................... 69

Capítulo 9 Comunhão e Oração como Resposta à Vontade de Deus.................................................................... 77

Capítulo 10 Comunhão e Palavra de Deus – Pensamento e Linguagem .............................................................. 85

Capítulo 11 Comunhão e Fé ...................................................... 93

Capítulo 12 Comunhão e Vontade de Deus ............................ 105

Conclusão A Reforma da Unidade da Igreja ........................ 111

Sobre o Autor .................................................................... 117

A

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Além dos inúmeros anônimos, quero fazer justiça e destacar alguns nomes que não esgotam, mas representam as muitas pessoas que participaram

diretamente deste empreendimento:Minha família original, especialmente através de

meu pai Benedito e minha mãe Maria, meio pelo qual Deus evidenciou seu cuidado para comigo.

Minha esposa Clélia e meus filhos Débora, Cristina e Pedro, os primeiros no meu ministério.

Dentre os que caminham comigo no grupo de Co-munhão, que sempre me suportaram, distingo o Maurício Bronzatto como o seu representante.

Minhas origens de um berço católico natural e evan-gélico por adoção, que marcaram estes quase 40 anos de caminhada, não podem ser negadas. Alguns já partiram para estar com o Senhor, e honro meu pai na fé – Offini Franco –, que, juntamente com sua esposa Elza, me pro-porcionou muitos irmãos.

Dentre os alunos do CPP – Curso de Preparação Pro-fética em Monte Mor – SP, que, por me ouvir, perguntar e

AGRADECIMENTOS

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

8

contribuir com as aulas, produziram as anotações que me ajudaram a organizar o texto, destaco a Ana Paula.

Dentre os amigos de longa data do Ministério Impac-to, que sempre proporcionaram condições de ver além do natural, cito o Christopher Walker e os leitores da Revista Impacto, que me apreciaram com suas críticas e sugestões.

E mais recentemente o pessoal do EnCristus, com quem me identifiquei de pronto, cuja feição pode ser mui-to bem representada pelo Pe. Marcial Maçaneiro, voca-cionado à unidade em busca do cumprimento da oração de Jesus, em João 17, não obstante as dificuldades criadas pelas boas intenções das muitas denominações cristãs.

S

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Seguramente, comunhão é uma palavra que, embora es-teja distanciada da realidade de seu significado bíblico original, faz parte do vocabulário religioso da cristan-

dade. E como pode a comunhão, e todas as suas implica-ções, sobreviver num tempo de extremo individualismo e competição, em que reinam a desconfiança e a frouxidão nos relacionamentos, os vínculos familiares se desintegram e os valores milenares e sagrados acabam pulverizados? O que sobra, então, neste cenário para a comunhão?

Este livro nos oferece muitas razões para pensar que sua permanência, não importa se como ritual ou liturgia, é o indício de algo muito mais profundo. A comunhão, mesmo que estranha à que se verificava na comunidade cristã primitiva, ainda é uma realidade presente na igreja: a eucaristia continua sendo o grande motivo da missa ca-tólica e a santa ceia permanece como a maior atração do culto protestante e evangélico. Em nenhum outro acon-tecimento o tema do paraíso perdido é tão atualizado e, inconscientemente, desejado.

PREFÁCIO

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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Séculos de institucionalismo, domesticação da fé e liturgização da vida soterraram a realidade mais preciosa do corpo de Cristo, mas não conseguiram erradicá-la to-talmente: a comunhão sobrevive como uma nostalgia de algo quase desconhecido. Redescobri-la é tocar a eterni-dade, mas não é só isso: retornar à comunhão é receber a vida e o amor em suas expressões plenas, pois tudo o que existe e foi criado traz este selo original. É experimentar satisfação sem igual, tal como nenhuma outra experiência nesta Terra pode proporcionar. É encontrar o propósito para o que se vive. É fazer cessarem as perguntas e as inquietações, não porque elas deixaram de existir, mas porque perderam sua urgência.

A comunhão nossa de cada dia não é uma investigação teológica sobre fundamento tão importante nem trabalho de gabinete distanciado de uma prática, embora traga ensinamento profundo e, acima de tudo, bíblico. Ensina-mento, sim, porém não sem a autenticação da experiência vivida coletivamente.

A comunhão é “nossa” porque o autor nunca se ima-ginou destacado de sua comunidade de amigos. E o fato de ser “nossa” não torna a experiência excludente nem pa-trimônio de um clube fechado. É a de “cada dia” porque vem sendo gradativamente construída: seja quando alguns amigos andam juntos pelo caminho, seja quando se sentam ao redor de uma mesa, seja num momento de compartilha-mento de experiências, seja numa roda de confissão, seja em atitudes de exortações e encorajamentos, seja quando alguém lava os pés ao sobrecarregado, seja quando entrega os próprios pés para receberem os devidos cuidados...

PREFÁCIO

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Pedro Arruda tornou-se menino novamente quan-do começou a enxergar e a viver as coisas que compartilha neste livro. Eu mesmo ouvi cada um desses ensinamentos quando eles começavam a se transformar em convicção no autor. Estive muitas horas, juntamente com outros, ora aos seus pés, ora ombro a ombro com ele, tendo o privi-légio de estar entre os primeiros a quem Pedro submeteu as revelações que lhe chegavam. Sou testemunha de que este livro foi, de fato, experimentado em muitas horas de preciosa comunhão.

E há algo que contribui para tornar as experiências do autor bastante singulares: ele não está a serviço de co-municar uma visão de comunhão circunscrita a este ou àquele segmento cristão. Ele não representa uma ou outra vertente. Seu lugar no corpo de Cristo é bastante eloquen-te e profético da unidade pela qual Jesus intercedeu.

A comunhão nossa de cada dia não é um manual nem um roteiro de como se deve praticar a comunhão, mas um diário, verdadeiro como os diários devem ser: o registro das reflexões de um homem abrasado pela paixão de ver o sonho de Deus tocando o chão da história.

Eu tenho certeza: você será impactado se ler este livro com devoção. As revelações sobre a comunhão do corpo de Cristo poderão lhe trazer duplo benefício: iniciá-lo num processo que irá desconstruir algumas coisas em sua vida, ao mesmo tempo em que o levará para mais per-to da vontade de Deus.

Maurício BronzattoMogi Mirim, SP, início de junho de 2010

E

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Este livro deve ser lido tendo-se em mente que a Co-munhão não tem outra base senão a vontade de Deus e o seu exercício comunitário.

Comunhão foi um termo que se desgastou no trans-correr da história e ganhou diversos sentidos. Ele está pre-sente tanto na eucaristia católica como na correspondente santa ceia evangélica e até em um dia de lazer da igreja. Com certeza não tinha tanta amplitude para os primeiros cristãos, que perseveravam nela juntamente com a doutrina dos apóstolos, as orações e o partir do pão. Destes quatro aspectos, os três que se revestem de maior objetividade aca-baram por encobrir a comunhão, mas se ele está expresso distintamente é porque não se confunde com os outros três.

Este livro é resultado de investigação bíblica alia-da à experiência. Considerando a Comunhão como algo que dá sustentação à Comunidade, procuramos seu sig-nificado bíblico estritamente atrelado à vontade de Deus ao mesmo tempo em que colocamos em prática cada pos-sibilidade experimentável abordada, inclusive no que se refere à confissão.

APRESENTAÇÃO

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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A primeira divisão oficial signifi-cativa na igreja se deu após o primeiro milênio com o cisma católico entre oci-dentais em Roma e orientais em Cons-tantinopla1. A segunda não demorou 500 anos, quando da Reforma Protes-tante. Essas divisões foram se tornan-do mais frequentes e desenfrearam-se com o surgimento do Pentecostalismo a partir do século XX. A Reforma Pro-

testante revalorizou a Bíblia, o Movimento Pentecostal a experiência carismática e da oração, mas junto com estes benefícios veio também a tragédia do divisionismo. Por-tanto, resta uma reforma que restaure a unidade dos cris-tãos em atenção à vontade de Deus expressa na oração de Jesus em João 17. Só assim os movimentos anteriores poderão cumprir com plenitude a razão de eles terem sur-gido na história.

No dia em que encontrarmos com o Senhor Jesus não seremos cobrados pelo que fizemos às instituições, mas sim às pessoas. É muito mais provável que não te-nhamos que prestar contas em qual igreja congregamos, se era grande ou pequena, mas o quanto colaboramos com sua igreja (o corpo de Cristo), pois é nos vínculos de comunhão que encontramos a casa da Trindade.

Este texto não está divorciado de seu objeto, pois é produto de incontáveis mãos, especialmente algumas mais próximas. Dentre elas cito as da minha família e dos meus companheiros de jornada com os quais compartilho a vida

1 No século XI.

Este livro deve ser lido tendo-se em mente que a Comu-nhão não tem outra base senão a vonta-de de Deus e o seu exercício comunitário.

APRESENTAÇÃO

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de fé, alguns dos quais sabem tanto quanto eu de minha vida.

Por isso incentivo que a sua lei-tura seja acompanhada da audácia de pôr em prática a experiência da Comu-nhão nos termos aqui apresentados.

A Reforma Protestante revalorizou a Bíblia, o Movimento Pentecostal a experiência carismática e da oração, mas junto com es-tes benefícios veio também a tragédia do divisionismo.

P

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Penso que nunca se falou tanto sobre comunhão como nestes dias. Parece até mesmo um clamor, até então não atendido, pelo preenchimento de um vazio nos

corações de uma maneira geral. No meu íntimo, chego a considerar que a redescoberta deste assunto será de uma importância ainda maior do que a da restauração iniciada pelo movimento Pentecostal na virada para o século XX.

Exatamente por se falar tanto em comunhão, consi-dero necessário iniciar propondo um pequeno, mas fun-damental, ajuste no conceito que temos desse termo. No início da década de 60, morávamos num sítio que distava uma hora de caminhada da cidade. Lá não havia eletri-cidade e, portanto, nenhum aparelho doméstico; quando papai adquiriu seu primeiro rádio portátil que funciona-va a pilha, este se tornou o centro das atenções. Todas as noites, após o jantar, reuníamo-nos em torno da mesa para ouvir uma novela chamada “Juvêncio, o justiceiro do sertão”. Nossa imaginação não tinha limites diante das cenas heroicas ou de perigo que eram narradas.

ORIGEM E MORTE DA COMUNHÃO

CAPÍTULO 1

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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Tudo estava ótimo, porém havia uma dificuldade: a sintonia das estações se fazia girando um botão, para o que se exigia muita sensibilidade, coisa difícil de encon-trar nas mãos de um trabalhador rural. Consequentemen-te, era muito comum ouvirmos o rádio com um chiado, que podia ser eliminado com um milimétrico ajuste, não fosse o razoável receio de comprometer ainda mais a aris-ca sintonia. Penso que precisamos fazer, igualmente, um delicado ajuste em nosso conceito de comunhão para per-mitir que, eliminados os ruídos, possamos ouvir com niti-dez a voz do Espírito em nosso coração.

Quando Deus começou a falar com Samuel, o menino ouviu e soube que estava sendo chamado; entretanto, por ainda não conhecer a voz do Senhor, dirigiu-se a Eli, pois esse era seu costume (1 Sm 3). Semelhantemente, quando se fala na necessidade de comunhão, há muitos que pen-sam imediatamente no dia de lazer da igreja, partida de futebol ou churrasco, incluindo a participação de parentes e amigos não convertidos. Outros talvez considerem que seja uma conversa descompromissada e leve, acompanha-da de um almoço, cafezinho ou coisa parecida.

Para que entendamos algo, o melhor que temos a fazer é investigar a sua natureza ou a sua origem. E é isso que vamos fazer com relação à comunhão. Natureza da comunhão

Vamos entrar devagar. Teremos que pisar com cau-

tela, pois precisamos tocar em áreas que estão além da nossa plena compreensão humana.

ORIGEM E MORTE DA COMUNHÃO

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Para que Deus seja realmente Deus, é necessário que ele seja único. Caso existisse mais de um, isso gera-ria uma relação de subordinação entre eles, e o menor estaria despojado do atributo divino de ser absoluto e todo-poderoso. Se resolvessem decidir a questão atra-vés de uma luta, isso seria de uma violência tal que inviabilizaria a existência do universo. Já a busca de uma solução pacífica através de um acordo implicaria que ambos estariam abrindo mão dos atributos divinos pessoais, pois, ao se submeterem ao acordo proposto, estariam subordinando-se um ao outro, uma vez que tal acordo, supremo sobre ambos, conteria a vontade do outro também. Logo, a própria existência do univer-so testemunha não somente a existência de Deus, mas também a verdade de ele ser único.

Contudo, o cristianismo, além da crença em um único Deus, acrescenta um aspecto extraordinário que desafia até mesmo a compreensão de outros monote-ístas, que é o mistério da Trindade: três Pessoas iguais nos seus atributos, que não geram a problemática po-liteísta rapidamente mencionada anteriormente, pois são um só Deus. Esse mistério de não haver divergên-cias entre as Pessoas da Trindade pode ser compreen-dido em partes, considerando que todas elas têm uma mesma vontade, caracterizando a unidade e a unici-dade de Deus.

Como não pode haver mais de uma vontade gover-nando o universo, Deus, então, nos chama para nos incor-porarmos à sua vontade. Isso é, ao mesmo tempo, lógico e quase inconcebível à nossa mente, quando comparamos a

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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dignidade divina à humana. Não obs-tante todas as objeções que nossa men-te possa produzir, Deus, em sua oni-potência, resolveu fazer as coisas junto com o homem e através do homem. A esse convite de participação damos o nome de comunhão (Jo 17.21-23). Comunhão e relacionamento

Antes de continuar, devemos fa-

zer um pequeno ajuste em nossa sin-tonia fina, distinguindo Comunhão e Relacionamento. Embora sejam pró-ximos, esses conceitos não devem ser

confundidos. Relacionamento pode ser apenas um conta-to bilateral, é insuficiente para definir comunhão e não lhe serve de sinônimo.

Quando Deus criou o homem, deu-lhe como mis-são que dominasse e sujeitasse a Terra, a partir do Éden. Como era uma tarefa impossível de ser feita individual-mente, ele precisava de mais recursos humanos, os quais seriam providos mediante a fecundidade para multipli-car e encher a Terra, implicando um empreendimento a ser levado adiante através da família.

Embora Adão tivesse tudo a seu dispor, inclusive relacionamento com Deus, havia um sentimento de frus-tração por não ser capaz de cumprir-lhe plenamente a vontade. Isso fica evidente pelo fato de, sem lograr êxito, realizar a tarefa de nomear todos os animais com uma es-perança implícita de encontrar entre eles uma companhia

Não obstante todas as obje-ções que nossa mente possa produzir, Deus, em sua onipotência, resolveu fazer as coisas junto com o homem e através do homem. A esse convite de participação damos o nome de comunhão.

ORIGEM E MORTE DA COMUNHÃO

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para si. A satisfação que procurava somente é demonstra-da quando Deus lhe apresenta Eva.

A expressão “afinal”, ou “agora”, traduz três con-clusões. Primeira, que Adão tinha diante de si uma cria-tura de uma beleza que nunca antes vira, em conformi-dade com a perfeição de Deus para criar. Segunda, que Adão via em Eva a mesma glória de Deus que o revestia e que podia ser vista pelas outras criaturas, mas não por ele mesmo. Terceira, que Adão, sozinho até então, via agora o potencial para solucionar a sua frustração de não ser capaz de cumprir a vontade de Deus.

Antes de Eva, Adão desfrutava de um relacionamen-to perfeito, bilateral com Deus; depois dela, passou a des-frutar da comunhão, propósito para o qual Deus o criara. Isso porque um podia ver e desfrutar no outro a mesma glória de Deus que havia em si (embora oculta aos pró-prios olhos), através da manifestação da vontade de Deus de um para o outro. Somente a partir do casal havia a pos-sibilidade de se conhecer a imagem e semelhança de Deus que cada um possuía. De certa forma, é como se Adão tivesse agora um espelho.

Em outras palavras, Adão, assim como Eva, tinha relacionamento com Deus; ao se relacionarem entre si, so-mente abordavam aquilo que era estritamente a vontade de Deus. Portanto, as palavras de um ao outro eram, antes de tudo, como se fossem as palavras do próprio Deus, ex-pressão da mente de Deus. Estavam perfeitamente envol-vidos pela vontade de Deus. Essa harmonia com a vontade divina pode ser confirmada pela maneira como Deus acatou a nomeação que Adão fizera aos animais sem realizar ne-nhum reparo sequer, ratificando que teria feito exatamente

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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o mesmo se ele próprio se incumbisse da tarefa.

Assim como Deus não quer executar seu plano sozinho, ele também deseja que o homem o faça acompanhado. Esse período de co-munhão vigorou até o surgimento do pecado do homem, quando ele morreu espiritualmente, e sua vida passou a ser dependente da alma.

Com o pecado cessa a comunhão, mas Deus ainda mantém relacionamento com o homem, da mesma forma como aconteceu entre o primeiro casal, depois da queda, e entre eles e seus filhos, Abel e Caim. Devemos notar que o relacionamento nem sempre é positivo, uma vez que pelo lado do homem é regido pela sua alma, o que o faz optar muitas vezes por ignorar ou quebrar deliberada-mente as bases para o convívio bilateral. Exemplos disso podem ser vistos no próprio Caim e, posteriormente, no profeta Jonas.

Portanto, sob esse ponto de vista, a partir do peca-do, não seria correto dizer que Deus mantém comunhão com o homem, mas sim relacionamento. A comunhão só será possível novamente a partir da vinda do Espírito Santo em Pentecostes, após a morte vicária de Cristo e sua ressurreição. Comunhão pressupõe homens sem pecado e com o espírito vivo. Essa possibilidade está presente em duas ocasiões: em Adão e Eva antes de pecarem e nos nas-cidos de novo, nascidos do Espírito, cujos pecados foram remidos pelo sangue de Jesus Cristo.

Com o pe-cado cessa a comunhão, mas Deus ainda mantém relaciona-mento com o homem…

E

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É bem provável que neste livro você leia algumas coisas abordadas de forma diferente de como são tratadas na literatura cristã em geral. Sem desmere-

cer a capacidade crítica de cada um, proponho que se não houver uma aceitação imediata, não a refute de pronto: antes, com paciência, considere o que está sendo exposto e vá guardando tudo até que cheguemos ao final. Muitas vezes, quando é difícil, de saída, compreender um pensa-mento de forma linear, no final podemos nos surpreender com a descoberta de um belo mosaico diante de nós, no qual pensamentos rejeitados isoladamente começam a se complementar mutuamente.

Um exemplo disso observamos quando os termos comunhão, relacionamento, amizade e afinidade (entre outros) são usados indistintamente por alguns autores como sinônimos. A dificuldade maior em se distinguir entre duas coisas está no grau de semelhança e proximi-dade entre elas. Por isso é bom insistirmos um pouco mais sobre a diferença que há entre os mencionados termos.

DISCERNINDO A COMUNHÃO

CAPÍTULO 2

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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Segundo propõe Watchman Nee (acertadamente, a meu ver), comunhão é uma função do espírito (O Ho-mem Espiritual, Ed. Betânia). Consequentemente, para exercer essa atividade, há necessidade de que o espíri-to do homem esteja vivo. Ora, sabemos que a senten-ça preanunciada por Deus ao homem foi que no dia em que comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal ele morreria. Isso de fato aconteceu, pois, ao pecar, o homem imediatamente morreu espi-ritualmente. A morte física, porém, veio mais tarde. A solução para a morte espiritual foi o novo nascimento, e para a morte física, a ressurreição – ambas possibili-tadas através de Jesus.

Portanto, a primeira condição para uma pessoa par-ticipar da comunhão é ter nascido de novo. Isso supõe que ela tenha crido em Jesus, recebendo o perdão de seus pecados e a habitação do Espírito Santo em seu interior.

A segunda condição para a prática da comunhão é haver pelo menos duas pessoas nessa mesma condição para se relacionarem. Ou seja, duas pessoas nas quais se manifeste o Espírito Santo, de uma para a outra.

A comunhão é também diferente de um acordo. Acordo demanda que as pessoas abram mão de sua vontade própria em determinados pontos, acolhendo a vontade alheia e obtendo a mesma atitude em retri-buição. Na comunhão legítima a vontade humana é excluída. As pessoas em comunhão devem abrir mão totalmente da vontade própria para juntas acolherem, em seu lugar, a vontade de Deus.

DISCERNINDO A COMUNHÃO

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Afinidade e cumplicidade

Comunhão também difere de afinidade, que diz res-peito aos aspectos da alma. Dizemos que pessoas são afina-das quando se identificam com os mesmos pensamentos, preferências, sentimentos, etc. Nesse caso, as questões pes-soais estão mais presentes do que nunca, o que pode rele-gar a vontade de Deus. Com facilidade, a afinidade pode desembocar em cumplicidade, e esta, em oposição declara-da à vontade de Deus. Como exemplo, podemos citar Ana-nias e Safira, que entraram em acordo entre si para mentir ao Espírito Santo; ou a mãe de Tiago e João, que buscava obter privilégios aos filhos, assegurando os lugares mais próximos ao Rei.

Além disso, vemos que Jesus não fez concessão à afi-nidade. Ele foi explícito ao recusar o conforto que Pedro lhe oferecia para se desviar da perspectiva da cruz, para permanecer no monte da transfiguração e para evitar a sua prisão no Jardim do Getsêmani; nesta última vez, inclusive, vendo seu discí-pulo agindo intempestivamente como um segurança pessoal. Embora Pedro fosse seu amigo verdadeiro e houves-se manifestado verbalmente uma dis-posição à prova de qualquer sacrifício para defendê-lo, Jesus recusou as pro-postas dele a seu favor, porque eram contrárias à vontade do Pai.

O próprio Pedro nos antecipa um trailer da experiência de comu-nhão na cena de Mateus 16, em que

Na comunhão legítima a

vontade hu-mana é excluí-da. As pessoas em comunhão

devem abrir mão totalmen-te da vontade própria para

juntas acolhe-rem, em seu

lugar, a vonta-de de Deus.

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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Jesus pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!”, responde Pedro. Na complementação de Jesus há uma explicação do que é co-munhão: “Não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai que está nos céus!”. O Filho Jesus (Deus) pergun-ta a Pedro. Quem dá a resposta é o Pai (Deus), através de Pedro. Deus perguntou a Pedro e Deus respondeu atra-vés de Pedro.

Deve ficar mais fácil agora entender o equívoco existente quando cristãos dizem ter mais comunhão com pessoas não cristãs de seu ambiente familiar, do trabalho ou da escola. É muito comum jovens cristãos desenvol-verem relacionamentos que desfecham em namoro com pessoas não convertidas, alegando ter mais comunhão com elas do que com irmãos da igreja. Ora, podemos cha-mar isso de amizade, afinidade, relacionamento positivo, etc., mas jamais dizer que se trata de comunhão. O fato de serem pessoas que não nasceram de novo torna impossí-vel o recebimento da plena luz de Deus para conhecerem a vontade dele. Ora, sem conhecer a Deus não há como conhecer a vontade de Deus, a qual só será revelada a quem está disposto a cumpri-la. A comunhão na história

O que Abraão, Moisés e Davi mantinham com

Deus não pode ser qualificado como comunhão no sen-tido mais preciso que estamos querendo dar à palavra, mas como relacionamento. Embora fosse sobremodo ex-celente, assemelhava-se à situação de Adão sem Eva, an-tes do pecado. Era um relacionamento bilateral, que não

DISCERNINDO A COMUNHÃO

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contemplava a condição de haver, no mínimo, duas pessoas através das quais o Espírito de Deus pudesse se expressar de uma para a outra.

Isso não é negar que esses ho-mens experimentaram algo muito ma-ravilhoso; no entanto, ainda não se pode comparar com o que está disponível à igreja nestes dias. A eles couberam as experiências preliminares, enquanto à

igreja está reservada a principal. Era sombra do que haveria de vir. Individualmente, jamais alcançaremos o ministério de qualquer um deles, mas como igreja – em comunhão – faremos não somente as obras que Jesus fez, mas até mesmo maiores que elas (Jo 14.12). Isso pode ser assustador a ponto de nos causar um grande temor, porém é a verdade!

Para ajudar nossa compreensão, podemos observar na história os períodos em que relacionamento e comunhão se intercalam entre Deus e o homem. O primeiro período é o da criação inconclusa, no qual só houve relacionamento; compreende desde a criação de Adão até a apresentação de Eva. Foi um período de insatisfação, pois, de um lado, Deus concluía que não era bom o homem estar só e, do outro, o homem não achava uma companheira idônea para si. Com Eva a criação se completa e inicia-se o segundo período. Nele o homem e a mulher desfrutarão da comunhão com Deus, um vendo a imagem de Deus no outro. Esse período findou-se com o cometimento do primeiro pecado.

Entramos, a seguir, num terceiro período, já que para o homem, com seu espírito morto, não era mais possível a prática da comunhão. A convivência com Deus ficava

Ora, sem conhecer a Deus não há como conhecer a vontade de Deus, a qual só será reve-lada a quem está disposto a cumpri-la.

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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restrita ao relacionamento, como se pode ver no diálogo logo após o pecado, a respeito da constatação e das provi-dências tomadas por Deus (Gn 3.9-19). Também podemos observar suas conversas com Caim, Noé, Abraão, Moisés, Davi e muitos outros, particularmente com os profetas, todas restritas ao relacionamento. Este período vigorou até o dia de Pentecostes.

No final desse terceiro período, logo antes do início do quarto, situa-se o ministério de Jesus. A maior obra de Jesus foi sua obediência total ao Pai. Muito embora seus milagres nos encham os olhos e sua pregação nos deixe extasiados, nada disso teria algum valor se apenas, numa única questão menor, ele optasse por fazer algo de si próprio, independentemente do Pai. Desobedecer é pecado, e Jesus viveu como homem sem pecar. Fazer a vontade do Pai era mais importante que comer, beber ou se vestir. Ele viveu apenas para obedecer e, por isso, também morreu. Da obediência desse último Adão re-sultaram as condições para o surgimento de uma nova raça na humanidade, a de homens sem pecado. Não por-que não os tivessem cometido, mas porque foram redi-midos pelo sangue do Cordeiro.

O Pentecostes marca o final desse terceiro período e o início do quarto, com a vinda do Espírito Santo. A partir desse ponto, com o Espírito de Deus habitando no homem nascido de novo, nascido do Espírito, restaura-se a possibilidade da comunhão e, consequentemente, de o homem realizar as suas atividades em conformi-dade com a vontade de Deus, exatamente como Adão fizera antes do pecado e como fez Jesus durante toda a sua permanência na Terra.

DISCERNINDO A COMUNHÃO

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Podemos dizer que a próxima mudança de período se dará com a volta de Jesus, quando os ressuscitados e os vivos que tiverem seus corpos transformados entra-rão em atividade numa condição definitiva do exercício de plena comunhão, enquanto aqueles que continuarem a viver em corpos mortais ainda poderão ser limitados ao nível de relacionamento, até o final do milênio.

Por fim, na eternidade, todos os salvos gozarão de comunhão, com a prevalência exclusiva da vontade de Deus. Teremos, então, chegado ao ápice e ao objetivo final daquilo que Deus sempre planejou para o homem, desde antes de sua criação. Dali em diante, relacionamento será apenas algo que se passou na história.

D

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Deus planejou a existência de toda a população humana a partir de um casal, multiplicando-a através das gerações. Em vez de criá-la direta-

mente, preferiu contar com a participação do homem em seu projeto e, paralelamente, abrir o caminho para a en-carnação de Jesus.

A comunhão faz parte do plano de Deus para o ho-mem, de forma absoluta, desde a missão dada a Adão, cujo cumprimento só poderia ser levado a efeito com a ajuda de outra pessoa – no caso, Eva. O propósito era que esse casal fizesse tudo de acordo com a vontade de Deus, gerando filhos de igual caráter e fazendo com que a glória de Deus enchesse toda a Terra, de maneira que a vontade dele prevalecesse sempre e em todos os lugares. A missão do homem era, e é, a implantação da vontade de Deus sobre a Terra, como ensinou Jesus: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como [é feita] no céu” (Mt 6.10). Quando os homens interagem uns com os outros dentro da vontade de Deus, podemos chamar isso de comunhão.

DA SOLIDÃO PARA A KOINOCRACIA

CAPÍTULO 3

A COMUNHÃO NOSSA DE CADA DIA

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Solidão antes da comunhão

Qualquer pessoa está sujeita a sofrer de solidão – ainda que esteja no meio de uma multidão. Relacio-namentos significativos, mesmo que poucos, podem preencher uma parte

dessa solidão, mas somente a comunhão consegue satis-fazer plenamente, a ponto de a pessoa não se sentir mais solitária. Há um claro paralelo entre a solidão humana e a solidão de Deus. Para que o homem consiga compreender a solidão divina, Deus pode levá-lo por uma experiência pessoal e até aguda dela, especialmente quando procura manifestar-se através de um símile profético.

Vamos observar primeiramente a experiência de Adão. Mesmo tendo relacionamento com Deus, sentia-se solitário, pois não havia outra pessoa com quem pudes-se compartilhar Deus. Isso ficou muito evidente quando deu nomes aos animais, tarefa que executou com perfei-ção, porém com a expectativa de encontrar esse alguém que viabilizasse o projeto de Deus através da comunhão. Somente depois que ele experimentou e reconheceu essa solidão foi que Deus o preencheu com Eva.

Podemos recorrer, igualmente, a Abraão, que expe-rimentou a solidão ao deixar sua terra e, gradativamente, sua parentela, chegando ao extremo de se ver separado de seu próprio e único filho – e só depois desfrutar ple-namente das bênçãos de Deus. Vemos o mesmo princípio com os profetas que, curiosamente, anunciavam uma men-sagem de comunhão quando diziam que Deus ainda teria um povo para si e, no entanto, exerciam seu ministério da

A comunhão faz parte do plano de Deus para o ho-mem…

DISCERNINDO A COMUNHÃO

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maneira mais solitária possível. Isso demonstra o kairós (tempo determinado, escatológico) de Deus. A solidão da-ria lugar à comunhão, conforme proposto inicialmente. A transição para a Nova Aliança

Se olharmos a Bíblia usando a perspectiva da his-

tória das relações entre Deus e os homens e dos homens entre si, considerando a alternância entre relacionamento e comunhão existente nos períodos anteriormente des-critos (ver capítulo 2), a vinda do Espírito Santo ganha importância especial. Foi através dela que as condições se tornaram propícias para que os homens realizassem jun-tos a vontade de Deus, que é a base da comunhão. Assim considerando, a Nova Aliança começa a ser posta em prá-tica, de fato, no dia de Pentecostes.

A condição existente no Velho Testamento persiste ainda nas primeiras páginas do Novo, tendo em João Ba-tista um perfeito e último representante dessa velha classe profética. Como referimos, apesar de apresentarem uma mensagem que tratava da formação de uma coletividade, um povo para Deus, os profetas eram pessoas solitárias, pois representavam a solidão de Deus, aguardando a comunhão que haveria de vir. Normalmente o ministério de-les era precedido por um chamamento dramático que lhes marcava defini-tivamente a alma. Eram solicitados a subir aos montes, descer aos vales ou à beira dos rios para, solitariamente,

A missão do homem era, e é, a implanta-ção da vontade de Deus sobre a Terra, como ensinou Jesus: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como [é feita] no céu”

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receberem a mensagem, que os impac-tava terrivelmente.

Jesus é, então, quem faz a pon-te, encerrando o Velho e antecipan-do o que seria o Novo. Por um lado, no início do seu ministério, vemos a solidão típica do Velho Testamento quando, após ser batizado, ficou 40 dias e noites em jejum, sozinho no deserto. Por outro lado, a partir desse

ponto, sempre vamos encontrá-lo no meio das pessoas, revelando Deus à procura de comunhão, à semelhança de Adão tentando encontrar sua companheira idônea.

Ninguém em bom juízo convidaria um profeta para uma festa, pois seria grande o risco de o convite não ser aceito ou, mesmo que o fosse, de que sua pre-sença estragasse a festa, dado o humor desfavorável que tinha a esse tipo de evento. Jesus, no entanto, não so-mente aceita o convite, como ainda colabora com a festa transformando água em vinho. Já no final de seus dias, ele se interna numa casa de família em Betânia (entre suas idas a Jerusalém), cerra fileira em torno dos discí-pulos mais íntimos e abre o coração a eles, vivendo o lava-pés, a última ceia, a angústia do Getsêmani e a pri-são. Suas últimas horas, especialmente depois da sepa-ração de Judas Iscariotes, são de uma intimidade divina sem precedentes, conforme nos relata João nos capítulos 13 a 17 de seu evangelho. Digno de atenção especial é o capítulo 17, no qual Jesus nos revela em detalhes o que é a comunhão e como Deus a deseja, encerrando com essa nota o ministério que começara solitariamente.

… o ministé-rio de Jesus deu lugar ao ministério do Espírito Santo, que é o provimento da comunhão…

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Antes de partir, Jesus alerta que o trabalho não está acabado, pois o que ele fez foi preparar as condições para a próxima etapa. Era preciso que ele fosse embora para que o Consolador viesse. O que Deus prometera através dos sé-culos pelos profetas estava prestes a acontecer: o momento de receber a Promessa do Pai, o que de fato se deu no dia de Pentecostes.

Dessa forma, o ministério de Jesus deu lugar ao mi-nistério do Espírito Santo, que é o provimento da comu-nhão: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Co 13.13). O ministério (serviço a Deus) foi transformado de solitá-rio em solidário.

Em vez de marcar um encontro solitário e individual no alto de uma montanha, num deserto, num vale ou à beira de um rio, Deus escolhe a efervescente capital do país para visitar não apenas uma pessoa, mas um grupo de 120 pessoas, aproximadamente, experiência que, em seguida, transbordou para outros milhares. O que era promessa agora passou a realidade.

A partir desse momento, a solidão dá lugar à comu-nidade. Não se veem mais pessoas se isolando para lon-gos períodos de retiro ou jejum, mas apenas para breves intervalos, voltando logo a retomar o convívio. Em vez de montanhas, vales ou rios, os lugares para se encontrar com Deus agora são as casas, praças, ruas e estradas. Sob o ministério do Espí-rito, o novo modelo era não fazer as coisas sozinhos, mas sempre juntos! A solidão passou a ser exceção, reduzida a pequenos períodos, em secreto no quarto, ou a breves vigílias.

O ministé-rio (serviço a Deus) foi transformado de solitário em solidário.

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O governo proposto por Deus: koinocracia

O universo inanimado é gover-

nado por Deus através de leis naturais e impessoais. Muitos pensam que é a esse tipo de teocracia que os homens serão submetidos na eternidade. No

entanto, o governo que Deus propôs para o homem é re-vestido de pessoalidade, em que cada um tem seu pró-prio nome e função a desempenhar. Com certeza, a eter-nidade não será um tédio infindável, pois Deus pretende compartilhar seu governo com o homem, especialmente no que se refere a governar outros homens e até mesmo a julgar os anjos (1 Co 6.1-3). Portanto, seria muito mais adequado chamar essa forma de governo compartilhado de koinocracia, o governo da comunhão.

A verdadeira igreja deve antecipar esse governo, vi-vendo como corpo cuja cabeça é Cristo. Temos exemplo disso no livro de Atos dos Apóstolos, em que as decisões levavam duas assinaturas conjuntas: “pareceu bem ao Es-pírito Santo e a nós” (At 15.28). Isso é um prelúdio, pois os salvos hão de se assentar no trono para governar com Cris-to (1 Co 6.2; Ap 3.21), na condição de herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17). Deus, em sua sobera-nia, propôs compartilhar o governo de seu reino, e isso será feito através de comunhão. Para que esse governo comece a ser viabilizado desde já, precisamos conhecer e praticar a vontade de Deus juntos. Assim como a salvação é uma realidade imediata que se concretizará em plenitude após a ressurreição, da mesma forma o governo de Deus por meio

Sob o ministé-rio do Espí-rito, o novo modelo era não fazer as coisas sozinhos, mas sempre juntos!

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da igreja pode ser experimentado por antecipação agora, ainda que sua plena implantação só se dê posteriormente.

Portanto, a comunhão é para ser experimentada desde já, embora se te-nha que aguardar para o futuro a sua plenitude. Devemos considerar que se Deus não abre mão do homem para implantar seu governo, é evidente que ele espera o mesmo de nós, ou seja, que não desprezemos as pessoas. Não são poucas as vezes em que sentimos que se fizéssemos sozinhos, faríamos melhor e mais rápido, mas nada há que nos autorize a passar por cima dos outros para fazer a obra de Deus, já que o próprio Deus não a considera mais importante que as pessoas. Precisamos de muita longanimi-dade do Espírito para ter a paciência necessária.

Essa prática deve começar pela liderança da igreja. Se a comunhão é uma questão central da igreja, a lide-rança plural é indispensável, exercida através de homens radicalmente comprometidos com a vontade de Deus, de maneira absoluta e prioritária. Sem essa liderança plural não há como esperar que a igreja pratique a comunhão, pois nesse tipo de ensinamento não reproduzimos o que falamos, e sim o que somos.

Deus, em sua soberania, pro-pôs comparti-lhar o governo de seu reino, e isso será feito através de co-munhão.