a compensação de débitos de icms com precatórios

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Carla Regina Lohn Rodrigues A compensação de débitos de ICMS com precatórios MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carla Regina Lohn Rodrigues

A compensação de débitos de ICMS com precatórios

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carla Regina Lohn Rodrigues

A compensação de débitos de ICMS com precatórios

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Elizabeth Nazar Carrazza.

SÃO PAULO

2008

Banca Examinadora

“Enquanto estivermos tentando, estaremos felizes,

lutando pela definição do indefinido, pela conquista do

impossível, pelo limite do ilimitado, pela ilusão de viver.

Quando o impossível tornar-se um desafio, a satisfação

está no esforço, e não apenas na realização final.”

Ghandi

AGRADECIMENTOS Ao chegar até aqui, reconheço Deus como verdadeiro e único Senhor de

nossas vidas e de nosso destino. Que eu saiba, no decorrer dos meus dias,

corresponder à Sua confiança.

A meus pais: amor, carinho, sacrifícios e renúncias sempre pautaram as

suas vidas para me oferecer o melhor. Exemplos de integridade e de trabalho que

continuarão a iluminar meus passos.

Agradeço ainda o amor, a compreensão e o apoio do meu marido Luiz

Gustavo.

Aos meus irmãos, pelo incentivo indispensável na conclusão de mais esta

etapa de minha vida.

E, por fim, à minha orientadora, Elizabeth Nazar Carrazza, que, juntamente

comigo, acreditou na realização desta dissertação.

RESUMO

O presente trabalho tem por fim estudar a possibilidade da compensação

de débitos de ICMS com créditos de precatórios vencidos e não honrados pela

entidade devedora. O estudo divide-se em duas partes. Na primeira, explora

algumas categorias de sistema, evidenciando alguns princípios constitucionais,

traz ainda os contornos constitucionais da regra-padrão de incidência do ICMS e

o princípio da não-cumulatividade; ademais discorre sobre os precatórios e sobre

o poder liberatório conferido a esses títulos pela Emenda Constitucional n.º 30.

Resta, assim, contextualizada a possibilidade de compensação de débitos de

ICMS com precatórios. Na segunda parte, é apresentada uma reflexão acerca da

possibilidade dessa compensação com base na auto-aplicabilidade do artigo 78

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Assim, são apresentados os

principais argumentos para tal prática, que pretende avançar nos mecanismos

disponíveis no sistema jurídico para a liquidação de obrigações tributárias.

Palavras-chave: Precatórios, Poder Liberatório, Compensação, Liquidação.

ABSTRACT

The present study aims to study the possibility for ICMS debt compensation

via past due precatory credits which were not honored by the owning entity. This

study is divided into two parts. It explores a few system categories on the first

one, highlighting some constitutional principles plus it also brings the

constitutional outlines of the standard rules for ICMS incidence and the principle

of non-cumulativeness; further it converses about the precatories and the

releasing power given to these titles by the Constitutional Amendment 30. It so

remains contextualized the possibility for ICMS debt compensation with

precatories. In the second part a thought is presented regarding the possibility of

compensation based on self-applicability of article 78 of the Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. Therefore the main arguments are presented for

such practice, which intends to advance onto the available mechanisms of the

juridical system for the liquidation of tributary obligations.

Keywords: Precatories, Releasing power, Compensation, Settlement.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11

1. SISTEMA .............................................................................................................. 14

1.1. Sistema jurídico................................................................................................. 16

1.2. Sistema constitucional ...................................................................................... 18

2. A CONSTITUIÇÃO COMO LEI FUNDAMENTAL ............................................... 21

2.1. Diferença entre regras e princípios .................................................................. 23

3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ................................................................. 28

3.1. Princípio republicano ........................................................................................ 30

3.2. Princípio da igualdade ...................................................................................... 32

3.3. Princípio da legalidade ..................................................................................... 37

3.4. Princípio da segurança jurídica ........................................................................ 40

4. O ICMS – CONTORNOS CONSTITUCIONAIS .................................................. 44

4.1. Considerações iniciais ...................................................................................... 44

4.2. A regra-padrão de incidência do ICMS............................................................ 45 4.2.1. O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias ........ 45 4.2.2. O imposto sobre prestação de serviços de transportes interestadual e intermunicipal ........................................................................................................ 50 4.2.3. O imposto sobre prestação de serviço de comunicação.......................... 52 4.2.4. O imposto sobre operações de circulação de lubrificantes, combustíveis líquidos ou gasosos, de energia elétrica e minerais ........................................... 54 4.2.5. Os critérios espacial e temporal da regra-padrão de incidência do ICMS............................................................................................................................... 55 4.2.6. O critério quantitativo da regra-padrão de incidência do ICMS – base de cálculo e alíquota .................................................................................................. 57 4.2.7. O critério pessoal da regra-padrão de incidência do ICMS – sujeito ativo e sujeito passivo ................................................................................................... 61

4.3. O princípio constitucional da não-cumulatividade ........................................... 64

5. A COMPENSAÇÃO COMO FORMA DE APURAÇÃO E LIQUIDAÇÃO DO DÉBITO DO ICMS .................................................................................................... 70

5.1. O termo compensação e suas acepções ........................................................... 70

5.2. A compensação e o princípio da não-cumulatividade como forma de apuração do ICMS devido ......................................................................................................... 71

5.2.1. O “direito de compensar” e o princípio da não-cumulatividade ................... 72 5.2.2. O crédito do contribuinte e o princípio da não-cumulatividade .................... 73

5.3. A compensação como forma de extinção do débito de ICMS............................ 75 5.3.1. A compensação e o artigo 170 do Código Tributário Nacional.................... 78

6. OS PRECATÓRIOS – CONSIDERAÇÕES CONSTITUCIONAIS ........................ 81

7. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 30 .............................................................. 94

7.1. A Emenda Constitucional n.º 30 e o artigo 100 da Constituição Federal ...... 95

7.2. A Emenda Constitucional n.º 30 e o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias..................................................................................... 96

7.2.1. Os precatórios e a cessão de crédito .......................................................... 98 7.2.2. O “poder liberatório” dos precatórios ......................................................... 100 7.2.3. A auto-aplicabilidade do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT ............................................................................................ 103

7.2.3.1. Da não aplicação do artigo 170 do Código Tributário Nacional ...... 105

8. REFLEXÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS DE ICMS COM PRECATÓRIOS .......................................................... 108

8.1. Considerações preliminares ........................................................................... 108

8.2. O fenômeno jurídico da compensação tributária do ICMS ........................... 109

8.3. A possibilidade da compensação de débitos de ICMS com créditos de precatórios à luz do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias................................................................................................................................. 113

9. SÍNTESE CONCLUSIVA.................................................................................... 117

10. BIBLIOGRAFIA................................................................................................. 128

11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por fim estudar a possibilidade da compensação

de débitos de ICMS com créditos de precatórios vencidos e não honrados pela

entidade devedora, à luz da auto-aplicabilidade do artigo 78 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias.

O interesse para o desenvolvimento deste estudo advém da problemática

surgida em decorrência do inadimplemento desses títulos de dívida pública pela

entidade devedora, que acaba por romper o equilíbrio que deve reinar em toda a

ordem jurídica.

A compreensão do tema abordado requer, primeiramente, uma análise dos

princípios fundamentais consagrados pela Carta Fundamental, que deverão ser

interpretados sistematicamente, pois olvidar o cunho sistemático do Direito é o

mesmo que admitir que seus dispositivos formem um amontoado desordenado,

de partes independentes entre si, podendo ser interpretados e aplicados

aleatoriamente.

A interpretação de uma norma jurídica dissociada da sistemática

estabelecida levar-nos-ia a alcançar resultados desordenados, imprevisíveis e

arbitrários que comprometem a segurança jurídica e a certeza do direito no

ordenamento jurídico.

A Constituição Federal, como veremos adiante, é a base de todo o

ordenamento jurídico. No âmbito tributário, especificamente, cuidou de tratar

pormenorizadamente de seus contornos legais.

Não descurando desse entendimento, iniciamos nosso estudo dividindo-o

em oito capítulos, além da presente introdução e da síntese conclusiva.

No primeiro capítulo desenvolvemos a idéia de sistema, e em seguida

tratamos do sistema jurídico, oportunidade em que constatamos que a sua

12

estrutura fundamental tem por base um sistema constitucional que legitima toda a

ordem jurídica.

No segundo capítulo analisamos a estrutura do sistema constitucional, que

dispõe de um conjunto de normas hierarquicamente organizadas que orientam

todo o ordenamento jurídico e cujos preceitos subordinam a criação das demais

normas jurídicas hierarquicamente inferiores, da qual as demais retiram seu

fundamento de validade.

No terceiro capítulo não poderíamos deixar de destacar a importância dos

princípios, já que orientam e alicerçam toda a ordem jurídica. Assim, entre os

princípios fundamentais que terão pertinência no presente estudo, cabe destacar

o republicano, o da legalidade, o da isonomia e, por fim, o da segurança jurídica.

No quarto capítulo avançamos para tratar dos contornos constitucionais do

ICMS, dissecando, principalmente, a estrutura da regra-padrão de incidência

disposta pelo Texto Supremo, bem como do princípio da não-cumulatividade, que

à luz das diretrizes básicas consagradas pelo sistema é entendido como o direito

subjetivo do contribuinte de compensar em cada operação subseqüente o crédito

advindo de operações anteriores.

No quinto capítulo tratamos da compensação como forma de apuração e

extinção do débito do ICMS. A apuração do imposto devido realiza-se por meio

da aplicação do princípio da não-cumulatividade. Já a compensação como forma

de extinção do crédito tributário encontra-se prevista nos artigos 156 e 170 do

Código Tributário Nacional, que dispõe sobre as formas de extinção da obrigação

tributária.

Já no capítulo seis examinaremos as considerações acerca dos

precatórios, traçando o seu perfil constitucional de acordo com que estabelece a

Carta Magna.

Precatórios são requisições expedidas pelo juiz da execução ao Presidente

do Tribunal competente em face de uma sentença condenatória transitada em

julgado em desfavor da Fazenda Pública para que se expeça as respectivas

ordens de pagamento dessas dívidas.

Acontece que esses títulos, mesmo dotados de todos os requisitos

indispensáveis à sua exigibilidade, uma vez apresentados, não estão sendo

13

honrados pela entidade devedora dentro do prazo constitucionalmente previsto, o

que faz surgir a questão da inadimplência dos precatórios.

Por esse motivo, no capítulo sete desta dissertação não poderíamos deixar

de abordar as principais mudanças advindas com a Emenda Constitucional n.º

30. Entre elas cabe destacar a previsão do artigo 78 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, que previu a possibilidade de cessão de créditos dos

precatórios, bem como dispôs que os precatórios não satisfeitos dentro do prazo

estabelecido terão o “poder liberatório” para a liquidação de dívidas fiscais junto à

mesma entidade devedora.

Por fim, no capítulo oitavo procuramos interligar e aplicar todos os itens

desenvolvidos neste trabalho e refletir acerca da possibilidade da compensação

de débitos de ICMS com créditos de precatórios vencidos e não-honrados pela

entidade devedora através da auto-aplicabilidade do artigo 78 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias.

14

1. SISTEMA

O sistema pode ser definido a partir de quatro acepções principais.

Sistema pode ser conceituado como: 1) conjunto de partes coordenadas entre

si; 2) reunião de proposições, de princípios coordenados de modo a formarem

um todo científico ou um corpo de doutrina; 3) reunião, combinação de partes

reunidas para concorrerem para um certo resultado; plano; 4) método,

combinação de meios de processo destinados a produzirem um certo resultado1.

Sistema, na definição de Alfred Tarski2, é um conjunto de elementos que

têm em comum uma mesma propriedade.

Paulo Bonavides3 define sistema como:

(...) o conjunto organizado de partes, relacionadas entre si e postas em mútua

dependência.

A compreensão de sistema traduz-se na reunião de elementos

individualmente considerados e harmonicamente relacionados, que ao

interagirem entre si permitem revelar a sua completude.

Para uma melhor compreensão de sistema, cabe explicitar as lições de

Celso Ribeiro Bastos4:

1 AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo de língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Delta, 1978, p. 3762. 2 TARSKI, Alfred. Introducción a la lógica y la metodologia de las ciências deductivas. Trad. T. R. Bachiller e José Ramón Fuentes. 2ª ed. Argentina: Espesa Calpe, 1968, p. 95 a 115. 3 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6ª ed. rev. atualiz e amp. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 89. 4 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. 6ª ed. amp. atualiz. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 106.

15

(...) nos sistemas o significado de cada parte é dado pelo todo a que pertence,

da mesma maneira que uma modificação qualquer das suas partes repercute

sobre o todo.

Em síntese, completa Roque Antonio Carrazza5:

Sistema, pois, é a reunião ordenada de várias partes que formam um todo, de

tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas

primeiras. As que dão razão as outras chamam-se princípios e o sistema é

tanto mais perfeito, quanto em menor número existam.

Marcelo Neves6, ao tratar do assunto, entende que os sistemas deverão

ser classificados em reais e proposicionais. Para o autor os sistemas reais são

aqueles não constituídos pela linguagem, mas os oriundos do mundo

fenomênico, da natureza, por exemplo, o sistema solar e o sistema sangüíneo.

Por outro lado, os sistemas proposicionais são aqueles constituídos pela

linguagem, podendo subdividir-se ainda em nomológicos e nomoempíricos.

Paulo de Barros Carvalho7 entende como sistema proposicional

nomológico aquele estritamente formal, em que os elementos são entidades

ideais, por exemplo, a Matemática.

Por sua vez, o sistema nomoempírico deve, antes mesmo de ser

conceituado, ser subdividido em sistema nomoempírico descritivo e prescritivo.

O sistema nomoempírico descritivo tem função gnosiológica, cumpre a função

de sobreproposição, isto é, serve para descrever outras linguagens, já o sistema

nomoempírico prescritivo tem a função de prescrever comportamentos.

5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16ª ed. rev. amp. atualiz. até a Emenda Constitucional n. 31/2000. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 31. 6 NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 3-6. 7 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 2ª ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34.

16

Contudo, como nos ensina AGUSTÍN GORDILLO8,

(...) não há classificações certas ou erradas, mais classificações mais úteis ou

menos úteis.

Em resumo, fica claro que a análise de sistema traz sempre a idéia de

organização. Por esse motivo, o ordenamento jurídico é constantemente tratado

como sinônimo de sistema jurídico, tendo em vista que é composto por normas

sistematicamente organizadas, fundadas numa norma fundamental, que

constitui a unidade desta inter-relação.

Reforçando esse entendimento, discorre Celso Ribeiro Bastos9:

(...) não se atinge o sistema sem conhecer o princípio que o unifica, isto é, qual

o critério em função do qual ele está construído.

1.1. Sistema jurídico

O ponto de partida para uma análise sistematizada do ordenamento

jurídico está na definição do princípio que o unifica, em outras palavras, na

definição do critério eleito.

O sistema jurídico pode ser conceituado como um conjunto de normas

jurídicas orientadas por um critério unificador na busca da realização de um fim

comum.

8 Apud CARRAZA, op. cit., p. 306. 9 BASTOS, op. cit., p. 106.

17

Aprofundando o raciocínio, Lourival Vilanova10 nos esclarece ainda que:

O sistema jurídico – ao contrario de ser caótico e desordenado – tem profunda

harmonia interna. Esta se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual

algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em

princípios que, de seu lado, se assentam em outros princípios mais

importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as

diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes

subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras.

Dentro da idéia de sistema jurídico, ressalte-se que esse sistema poderá

ser considerado como aberto de regras e princípios, conforme nos acrescenta o

professor Canotilho11:

(1) – é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas;

(2) – é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess)

traduzida na disponibilidade e “capacidade de aprendizagem” das normas

constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às

concepções cambiantes da “verdade” e da “justiça”;

(3) – é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas

referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas;

(4) – é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto

podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.

Complementando o exposto, Canotilho12 acrescenta:

A existência de regras e princípios, tal como se acaba de expor, permite a

10 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 115. 11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 165. 12 CANOTILHO, op. cit., p. 168.

18

decodificação, em termos de um, da estrutura sistêmica, isto é, possibilita a

compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios.

Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a

um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina

legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando, em

termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas.

Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço

livre para a complementação e o desenvolvimento de um sistema, como o

constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um

legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das

concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade

pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política

monodimensional.

O modelo ou o sistema baseado exclusivamente em princípios levar-nos-ia a

umas conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de

regras precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do

fático e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança

jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio

sistema. Daí a proposta aqui sugerida. Qualquer sistema jurídico carece de

regras jurídicas (...) Contudo, o sistema jurídico necessita de princípios(ou os

valores que eles exprimem) (...)."

Conclui-se, dessa forma, que é traço característico do sistema jurídico a

sua íntima relação com a hermenêutica constitucional. É a Constituição,

considerada a gênese do ordenamento, que alicerça todo o sistema jurídico,

dada a superioridade de suas disposições em relação às demais normas do

ordenamento.

1.2. Sistema constitucional

A estrutura fundamental do sistema jurídico encontra-se no sistema

constitucional, pois é a partir da Constituição que há legitimação de toda a

19

ordem jurídica.

O sistema constitucional pode ser compreendido como aquele que

fundamenta todo o ordenamento, tendo em vista a superioridade hierárquica dos

dispositivos previstos explícita ou implicitamente no Texto Constitucional.

A Constituição da República Federativa do Brasil é norma fundante que

organiza internamente os seres e entidades dentro de uma sociedade,

observados os valores axiológicos a serem preservados dentro de determinado

contexto social.

Nesta linha de entendimento, cabe registrar aqui as lições de Hans

Kelsen13:

a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo

plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada

de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto

da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma,

que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra

norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por

diante, até chegar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma

fundamental – hipotética, nesses termos – é, portanto, o fundamento de

validade último que constitui a unidade desta inter-relação. Se começarmos

levando em conta apenas a ordem jurídica do Estado, a Constituição

representa o escalão de Direito positivo mais elevado.

Corroborando a assertiva acima mencionada, leciona Mizabel Derzi14:

Hoje, o Constitucionalismo vê a Constituição como um sistema de normas que

aspira a uma unidade de sentido e de compreensão, unidade essa que

13 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução José Baptista Machado. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 240. 14 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. rev. e atualiz. por Mizabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 34.

20

somente pode ser dada por meio de princípios, continuamente revistos,

recompreendidos e reimpressos pelos intérpretes e aplicadores do Texto

Magno. Ou seja, a análise estruturadora sistêmica é necessariamente aberta,

visto que, não raramente, normas e princípios estão em tensão e aparentam

conflitos. Chamados tais conflitos e tensões de “aparente”, porque a

compreensão profunda da Constituição é sempre buscada, sempre descoberta,

de forma contínua.

Em síntese, o sistema constitucional é composto por uma norma

fundamental que por meio de seus preceitos imperativos determina o modo de

ser de um Estado, gizando seus aspectos fundamentais.

21

2. A CONSTITUIÇÃO COMO LEI FUNDAMENTAL

O ordenamento jurídico pode ser entendido como um conjunto

hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide

abstrata, cuja norma mais importante, que subordina as demais normas

jurídicas de hierarquia inferior, é a denominada norma hipotética fundamental,

da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

A Constituição Federal, considerada a primeira expressão do direito

positivo, ocupa um lugar de preeminência no ordenamento jurídico.

A partir da concepção kelseniana15, conclui-se que a Carta Fundamental é

lei suprema, na qual suas normas ocupam a cúspide da pirâmide jurídica, em

virtude da imperatividade de seus comandos que dão fundamento de validade

para a criação das normas hierarquicamente inferiores. Nestes termos os

ensinamentos de Kelsen:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma

fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma

fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a

uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato

de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em

que o seu último fundamento de validade pode ser reconduzida a uma norma a

cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que forma o

ordenamento, como o particular ao geral.

15 KELSEN, op. cit., p. 217.

22

Corroborando o exposto, Roque Antonio Carrazza16 nos esclarece que:

A Constituição, num Estado de Direito, é a lei máxima, que submete todos os

cidadãos e os próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Uma norma

jurídica só será considerada válida se estiver em harmonia com as normas

constitucionais.

A partir dessa análise, fácil perceber que as normas constitucionais,

dada a superioridade hierárquica de seus comandos, é que organizam

internamente os seres e entidades, na busca da preservação de um convívio

harmônico dentro de uma sociedade.

José Afonso da Silva17 faz oportunas considerações a respeito de normas

jurídicas:

As normas são preceitos que tutelam situações objetivas de vantagem ou de

vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a

faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou

abstenção de outrem e, por um lado, vinculam pessoas ou entidades à

obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou

abstenção em favor de outrem.

Dentro desse estudo, importante ainda salientar que as normas jurídicas

constitucionais ora aparecem como princípios, ora como regras dentro do

ordenamento jurídico.

16 CARRAZZA, op. cit., p. 28 17 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12ª ed. rev. e atualiz. nos termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 93-94.

23

Dentro dessa classificação, Luís Roberto Barroso18 aduz:

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em

geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em

duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As

normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às

situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou

simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma

finalidade mais destacada dentro do sistema.

2.1. Diferença entre regras e princípios

São incontáveis as propostas de critérios para a diferenciação dos

princípios e das regras. Paulo Bonavides19, pautado nos ensinamentos de

Robert Alexy, entende que a principal distinção dessas espécies normativas

encontra-se no traço da generalidade que as distinguem: os princípios possuem

um alto índice de generalidade, por outro lado, as regras possuem um grau de

generalidade muito inferior.

Nesses termos, oportuno registrar os parâmetros de diferenciação

estabelecidos por Gomes Canotilho20:

Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre regras e

18 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141. 19 BONAVIDES, op. cit., p. 249. Paulo Bonavides, em sua obra, enumera, ainda, outros critérios distintivos propostos por alguns autores: “Os demais critérios distintivos aparecem a seguir enunciados: o da ‘determinabilidade dos casos de aplicação’ (Esser), o da origem, o da diferenciação entre normas ‘criadas’ (geschaffenen) e normas ‘medradas’ ou ‘crescidas’ (gewachsenen Normen), referido por Schuman e Eckhoff, o da explicação do teor da valoração (Canaris), o da relação com a idéia do Direito (Larenz) ou com a lei suprema do Direito (Bezugzu einem oberten Rechtsgesetz), segundo H. J. Wolff, e, finalmente, o da importância que têm para a ordem jurídica (entre outros, Peczenik e Ziembinski) (idem, p. 249) 20 CANOTILHO, op. cit., p. 166-167.

24

princípios, é uma tarefa particularmente complexa. Vários são os critérios

sugeridos.Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de

abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma

abstração relativamente reduzida.

Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por

serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do

legislador? do juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação directa.

Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: os princípios

são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento

jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios

constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico

(ex.: princípio do Estado de Direito).

Proximidade da idéia de direito: os princípios são juridicamente vinculantes

radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz);

as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente

funcional.

Natureza normogenética: os princípios são fundamentais de regras, isto é, são

normas que estão na base ou constituem o ratio de regras jurídicas

desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

Etimologicamente, o termo “princípio” – do latim principium, principii –

traduz a idéia de começo, origem, isto é, o fundamento de qualquer

procedimento.

Para definirmos princípio, faz-se imprescindível realçar os ensinamentos

de Geraldo Ataliba21:

(...) princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas

do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade

e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes

constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus

objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da

jurisdição. Por estas, não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até

as últimas conseqüências.

21 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.

25

Sobre princípio jurídico complementa Roque Carrazza22:

(...) é inconcebível em estado de isolamento. Ele – até por exigência do direito

(que forma um todo pleno, unitário e harmônico) – se apresenta sempre

relacionado com outros princípios e normas, que lhe dão equilíbrio e proporção

e lhe reafirmam a importância.

Aduz, ademais23:

(...) os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento

jurídico-positivo, já que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das

normas jurídicas em geral, aí incluídos os próprios mandamentos

constitucionais. A aplicação destes mandamentos deve dar-se de modo

consentâneo com as diretrizes fixadas nos princípios.

A definição de princípios também foi brilhantemente exposta por Celso

Antônio Bandeira de Mello24:

Princípio – como já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear

de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia

sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para

sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá

sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção

das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema

jurídico positivo. 22 CARRAZZA, op. cit., p. 34. 23 CARRAZZA, op. cit., p. 34. 24 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23a ed. rev. e atualiz. até a Emenda Constitucional n. 53 de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 926-927.

26

Por outro lado, as regras jurídicas são consideradas normas de

padronização dos comportamentos sociais, que estabelecem limites para o

convívio harmônico dos indivíduos, membros de uma determinada sociedade,

subordinando-os.

Gomes Canotilho25, no intuito de elucidar melhor a compreensão das

regras jurídicas, classifica-as de acordo com o papel que ocupam dentro do

ordenamento jurídico:

(I) Regras jurídico-organizatórias: regulam o estatuto da organização do

Estado e a ordem de domínio;

(a) Regras de competência: estabelecem as atribuições ou as esferas de

competência dos vários órgãos constitucionais;

(b) Regra de criação de órgãos (normas orgânicas): disciplinam a criação de

certos órgãos. Podem, ainda, atribuir competência a esses órgãos,

transformando-se em normas orgânicas e de competência;

(c) Regras de Procedimento: usadas somente quando o procedimento é

elemento fundamental da formação da vontade política ou do exercício das

competências consagradas na Constituição.

(II) Regras jurídico-materiais: regulam os limites e programas da ação do

Estado em relação aos cidadãos – classificam-se em quatro grupos:

a) Regras de direitos fundamentais: destinam-se ao reconhecimento, à

garantia ou à conformação constitutiva dos direitos fundamentais;

b) Regras de garantias institucionais: são usadas para a proteção das

instituições, sejam públicas ou particulares;

c) Regras determinadoras de fins e tarefas do Estado:fixam, de maneira

abstrata e global, os fins e as tarefas prioritárias do Estado;

d) Regras constitucionais impositivas: impõem deveres concretos e

permanentes, materialmente determinados. São normas constitucionais

impositivas em sentido restrito, podendo apresentar uma subdivisão em: (1)

ordens de legislar; (2) imposições legiferantes ou imposições constitucionais.

25 CANOTILHO, op. cit., p. 170-179.

27

Uma vez exposta essa diferenciação, vislumbramos a fundamental

importância do estudo das normas jurídicas constitucionais como um todo

harmônico que constitui o Texto Constitucional.

Ressalte-se que as normas jurídicas constitucionais não consistem

apenas em um repositório de recomendações, que poderão ou não ser

observadas pelo legislador e aplicador da lei. Pelo contrário, configuram

preceitos que deverão ser incondicionalmente observadas na elaboração e

execução das normas jurídicas infraconstitucionais.

Conclui-se, moldando-as com o objetivo maior desta dissertação, que é

possibilitar a compensação débitos de ICMS com créditos de precatórios, que

as normas jurídicas aqui analisadas só serão válidas se se conformarem com a

imperatividade dos comandos constitucionais, impondo aos envolvidos nessa

relação jurídica a obrigatoriedade da obediência às suas prescrições.

28

3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Como conseqüência da supremacia hierárquica dos dispositivos

constitucionais, todos os atos normativos decorrentes de leis infraconstitucionais

deverão estar de acordo com a Carta Fundamental, ou seja, de acordo com as

normas jurídicas constitucionais, que dispõe de princípios que submetem não só

os cidadãos, como também os representantes do Poder Público.

Dessa forma, a Constituição Federal, que é a gênese do ordenamento,

estabelece preceitos fundamentais que alicerçam e orientam toda a ordem

jurídica.

Assim, os princípios constitucionais, dentro do contexto no qual são

inseridos, devem ser aplicados e observados de acordo com o bem jurídico a

ser preservado.

Osvaldo dos Santos Carvalho26 traz importantes considerações sobre o

tema:

Nesse diapasão, é hialino perceber que as normas se sobrepõem, revelando a

existência de um grau de importância entre elas, podendo-se afirmar a

existência de normas estabelecedoras de condutas e de outras mais elevadas

que consagram verdadeiros princípios, informadoras das primeiras. Em

resumo, pode-se afirmar que os princípios encontrados espraiados por todo o

sistema jurídico pátrio são os grandes comandos, ou, em outras palavras, em

homenagem ao rigor semântico, o princípio é a gênese sobre a qual

descansam todas as demais normas jurídicas. Os princípios também são

escalonados, o que indica a existência deles em toda a pirâmide jurídica,

dispostos em nível de importância, todavia, perfeitamente harmônicos e

coerentes, realçando sua importância para o sistema. Assim é que no

ordenamento jurídico têm-se aqueles princípios maiores, erigidos a condição

de verdadeiros sobreprincípios, que determinam as diretrizes basilares do

sistema e subordinam os demais princípios e normas jurídicas.

26 CARVALHO, Osvaldo dos Santos. A guerra fiscal no âmbito do ICMS. Considerações sobre os benefícios fiscais e financeiros concedidos pelos Estados e Distrito Federal, 2006, p. 42.

29

Sobre a imprescindibilidade da observância dos princípios constitucionais,

Roque Antonio Carrazza27 conclui que a sua inobservância conduziria à

nulidade do ato praticado.

Os princípios constitucionais são mandamentos fundamentais que têm a

função de direcionar toda a execução da lei, sendo de grande valia para a

exegese e a perfeita aplicação do direito positivo, a ponto de se falar que eles

moldam, interferem e de certo modo até antecipam o conteúdo jurídico a ser

veiculado.

Humberto Ávila28, dissertando sobre o tema, afirma:

(...) privilegia-se a proclamação da importância dos princípios, qualificando-os

como alicerces ou pilares do ordenamento jurídico.

Em decorrência do exposto, a Constituição que é o vértice primordial para

a preservação dos direitos fundamentais, estabeleceu alguns princípios como o

republicano, da igualdade, da legalidade e da segurança jurídica, na busca de

promover os valores supremos da sociedade.

Esses princípios, independentemente da perspectiva em que forem

analisados, deverão ser necessariamente observados no contexto do

ordenamento jurídico brasileiro, de tal forma que a sua aplicação seja

consentânea com as diretrizes básicas que informam o direito positivo.

Com efeito, são preceitos impregnados de grande força axiológica,

dispondo sobre os elementos basilares nos quais se assentam as razões

27 CARRAZZA, op. cit., p. 31. 28 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 6a ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64-65.

30

fundantes do Estado, traçando o perfil de uma sociedade e revelando os seus

objetivos e metas.

Por fim, a estrutura fundamental do direito positivo deve ser produzida em

absoluta consonância com esses princípios constitucionais que fundamentam

esse e os demais sub-ramos do direito positivo, pois, do contrário, essas

normas correm o sério risco de ser invalidades pelo próprio sistema.

3.1. Princípio republicano

República, na definição de Geraldo Ataliba29,

(...) é o regime político em que os exercentes das funções políticas (executivas

e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com

responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos renováveis

periodicamente.

Nessa mesma linha de raciocínio, cabe trazer os ensinamentos de Roque

Antonio Carrazza30:

República é o tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em

que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo,

representativo (de regra), transitório e com responsabilidade.

29 ATALIBA, op. cit., p. 49. 30 CARRAZZA, op. cit., p. 48.

31

A Constituição da República Federativa do Brasil31 proclama em seu

artigo 1º a forma republicana de governo, formada pela união dos Estados,

Municípios e Distrito Federal, constituindo um Estado Democrático de Direito,

em que o poder é exercido por representantes do povo, que os elegem

periodicamente.

Fácil perceber, assim, que a República caracteriza-se pela eletividade,

representatividade, transitoriedade, responsabilidade dos governantes e

igualdade das pessoas.

Desta forma, o povo, por meio de processos eleitorais livres, elege seus

representantes para cargos periódicos como forma de excluir o arbítrio,

exaltando a expressão de poder, todavia, desde que respeitados os limites

impostos pelo Texto Constitucional.

Dentro desse raciocínio importante ressaltar que numa República os

governantes deverão exercer seus mandatos com responsabilidade, isto é,

obedecendo a Constituição, que lhe traça e limita os poderes.

Para Geraldo Ataliba32, a responsabilidade numa forma republicana de

governo pode ser entendida como

(...) a contrapartida dos poderes em que, em razão da representação da

soberania popular, são investidos os mandatários. É lógico corolário da

situação de administradores, lato sensu, ou seja, gestores da coisa alheia.

Diversos matizes tem a responsabilidade dos mandatários executivos, no

regime republicano: político, penal e civil. Quer dizer: nos termos da

Constituição e das leis, respondem eles (presidente, governadores e, por

extensão, prefeitos) perante o povo, ou o Legislativo ou o Judiciário por seus

atos e deliberações. Nisso opõe-se a República às demais formas de governo,

principalmente a Monarquia, regime no qual o chefe do Estado é irresponsável

(the king can do no wrong) e, por isso, investido vitaliciamente.

31 BRASIL, Constituição Federal (1988). A Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, Senado, 1988. 32 ATALIBA, op. cit., p. 38-39.

32

Outro traço característico da República é a igualdade de tratamento entre

os cidadãos.

No âmbito tributário, o princípio republicano irradia seus efeitos quando

veda a concessão de vantagens tributárias pautadas em privilégios pessoais,

isto é, com base neste princípio, garante-se que a tributação seja exercitada de

forma isonômica entre os contribuintes, combatendo qualquer tipo de

arbitrariedade por parte dos Entes Públicos.

Em síntese, Geraldo Ataliba33 endossa o que foi até agora exposto:

Como princípio fundamental e básico, informador de todo o nosso sistema

jurídico, a idéia de república domina não só a legislação, como o próprio Texto

Magno, inteiramente, de modo inexorável, penetrando todos os seus institutos

e esparramando seus efeitos sobre seus mais modestos escaninhos ou

recônditos meandros.

3.2. Princípio da igualdade

O princípio da igualdade é um preceito fundamental inerente ao regime

republicano. A forma republicana de governo veda qualquer tipo de privilégios

como forma de preservar a igualdade fundamental.

A Constituição Federal34, no caput do artigo 5º, dispõe sobre o princípio

da igualdade dos indivíduos perante a lei:

33 ATALIBA, op. cit., p. 32. 34 BRASIL, Constituição Federal (1988). A Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, Senado, 1988.

33

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a

propriedade.

Pelo princípio da igualdade, a Constituição Federal garante que a lei será

aplicada igualmente a todos os indivíduos pertencentes a uma mesma

sociedade.

Sobre o princípio da igualdade, registrem-se os ensinamentos de Geraldo

Ataliba35:

A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e

condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de

quantas funções o povo, republicanamente, decidiu criar. A isonomia há de se

expressar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua

maioria se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu

desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar

ou subtrair-se às exigências da igualdade.

É um princípio de conteúdo significativamente valorativo, pois visa a

preservar a Justiça a tal ponto que levou a autora Mizabel Derzi36 a lecionar que

a isonomia, hoje, é o princípio nuclear de todo o sistema constitucional. É o

princípio básico de nosso regime democrático. Não se pode pretender ter uma

compreensão precisa da democracia, se não tivermos um entendimento real de

seu alcance. Sem igualdade não há república, não há Federação, não há

democracia, não há Justiça.

35 ATALIBA, op. cit., p. 160. 36 DERZI, op. cit., p. 34.

34

Acerca do assunto, José Afonso da Silva37, por essa mesma razão,

discorre sobre este princípio:

(...) o princípio da igualdade consubstancia uma limitação ao legislador, que,

sendo violada, importa na inconstitucionalidade da lei, em termos que

especificaremos mais adiante. Constitui, por outro lado, uma regra de

interpretação para o juiz, que deverá sempre dar a lei o entendimento que não

crie distinções.

A igualdade perante o juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como

garantia constitucional indissoluvelmente ligada à democracia.

O princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto,

sob dois prismas: (1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações

iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdição ao legislador de editar leis que

possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a

situações desiguais por parte da Justiça.

Foi a partir do nascimento do Estado Democrático de Direito que se

buscou traçar as reais dimensões da igualdade fundamental. Ressalte-se que

esse preceito constitucional visa a assegurar o mesmo tratamento às pessoas

que se encontrem em situações análogas, concebendo as indispensáveis

distinções, desde que razoáveis.

Nessa linha de raciocínio disciplina Celso Antônio Bandeira de Mello38:

(...) ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos hão de receber tratamento

parificado, sendo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir

disciplinas diversas para situações equivalentes.

37 SILVA, op. cit., p. 213. 38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 14.

35

A respeito do tema, Elizabeth Nazar Carrazza39 sintetiza:

Ocorre, porém, que no mundo fático não existe a igualdade absoluta. As

desigualdades existem e decorrem da própria natureza. Devem, porém, ser

minimizadas pelo Estado, no desempenho de suas funções, sempre que, ao

lume da Carta Fundamental, sejam ilegítimas. Assim, por exemplo, a igualdade

de oportunidades constitui postulado fundamental de todo sistema

democrático. Não se pode aceitar que, com base nas desigualdades naturais,

sejam dadas oportunidades diferentes a pessoas que se encontrem na mesma

situação.

E acrescenta:

Por isso, é de fundamental importância que se tenha presente o real

significado do princípio da igualdade. Seu alcance e seus contornos

constitucionais hão de ser exatamente entendidos, para que os direitos dos

cidadãos de não sofrerem quaisquer tipo de discriminações injustas (assim

entendidas aquelas não autorizadas pelo sistema jurídico) possam ser

exercitados.40

O princípio da igualdade ganhou maiores contornos no âmbito tributário

por meio da disposição contida no artigo 150, II, do Texto Supremo41:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II -

instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em uma

situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação

39 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade igualdade e capacidade contributiva. Curitiba: Juruá, 1992, p. 27-28. 40 Idem, p. 25. 41 BRASIL, Constituição Federal (1988). A Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, Senado, 1988.

36

profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação

jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (...).

Em observância a essa garantia constitucional tributária é possível a lei

desigualar situações, respeitada a categoria de contribuintes, desde que por

motivo razoável, como forma de afastar os atos arbitrários e injustos dos Entes

Públicos no exercício da tributação.

José Artur Lima Gonçalves42, valendo-se dos critérios utilizados por Celso

Antônio Bandeira de Mello para identificar a violação ao princípio da igualdade,

adequou-os para identificação de infringência ao princípio da isonomia tributária,

e assim sustentou:

1. Dissecar a norma jurídica tributária, a regra matriz de incidência, em seus

cinco critérios, que, repita-se, são o material, o temporal, o pessoal, o espacial

e o quantitativo; 2. Detectar a existência de discriminação implementada pela

regra matriz de incidência analisada; 3. Identificar qual é o elemento de

discriminação utilizado pela norma analisada; 4. Uma vez identificado o

discrímen, analisar se a norma onera ou beneficia singularmente um indivíduo

ou categoria ou atividade desde já determinadas e se o elemento de

discriminação reside na própria pessoa ou situação discriminada; 5. Aferir a

existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação e o

tratamento diferenciado; e 6. Perquirir a efetiva ocorrência da relação de

subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores

positivados no texto constitucional.

Por essa razão conclui-se que há violação do princípio da igualdade

tributária, quando não haja uma justificativa razoável para o tratamento

diferenciado dos contribuintes, ou pelo menos, um motivo relevante.

42 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia da norma jurídica. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 69.

37

3.3. Princípio da legalidade

Num Estado Democrático de Direito, todos os atos praticados pela

Administração Pública no exercício de suas funções devem estar

fundamentados em leis impessoais e genéricas.

É por essa razão que Celso Antônio Bandeira de Mello43, ao tratar do

tema, aduz:

Ela é abstrata (isto é, abstrai dos casos concretos, para evitar o arbítrio,

traduzido no favorecimento de pessoas determinadas em detrimento de outras

pessoas também determinadas), porque deve ser impessoal; sendo impessoal,

abrange gêneros de situações, categoria de pessoas e não casos isolados, “é

geral quando apanha uma classe de sujeitos”.

Importante registrar os ensinamentos de José Afonso da Silva44, que

corrobora o exposto:

O princípio da legalidade é nota essencial no Estado de Direito. É também, por

conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como

vimos, porquanto é da essência de seu conceito subordinar-se a Constituição e

fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei

que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade,

mas pela busca da igualdade de condições dos socialmente desiguais. Toda a

sua atividade fica sujeita a lei, entendida como expressão da vontade geral,

que só se materializa num regime de divisão dos poderes em que ela seja o

ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com

o processo legislativo estabelecido na Constituição.”

43 MELLO, op. cit., p. 33. 44 SILVA, op. cit., p. 400.

38

A legalidade pode ser vista sob duas dimensões: a formal e a material. A

legalidade formal se expressa por meio dos veículos introdutores da norma

jurídica, na natureza do veículo normativo.

Por outro lado, a legalidade material traduz-se no conteúdo da norma

introduzida. A obrigatoriedade de condutas se circunscreve a ela, conforme

dispõe o artigo 5º, II, da Constituição Federal45:

Art. 5º. (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei.

O princípio da legalidade é considerado um dos principais fundamentos

sobre os quais se assenta a aplicação do Direito. Com base nele todos os atos

e funções jurisdicionais estão subordinados a lei, em virtude de sua

indisponibilidade jurídica.

Irrefutável, assim, considerar a lei como fonte de produção primária por

excelência do direito.

Pautado no princípio da legalidade previsto no artigo 5º, II, o legislador

infraconstitucional, ao dispor das limitações constitucionais ao poder de tributar,

disciplinou no artigo 150, I, da Carta Fundamental46 o princípio da estrita

legalidade tributária, como convencionou chamá-lo Geraldo Ataliba, a saber:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir

ou aumentar tributos sem lei que estabeleça; (...).

45 BRASIL, Constituição Federal (1988). A Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, Senado, 1988. 46 BRASIL, Constituição Federal (1988). A Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, Senado, 1988.

39

Por meio do princípio da estrita legalidade, garante-se ao contribuinte o

direito de fazer valer seus direitos naquilo que esteja convencionado em lei

prevenindo-se arbitrariedades por parte dos Entes Públicos no exercício da

tributação.

Sobre o tema, importantes as considerações trazidas por Roque

Carrazza47:

Estamos percebendo que a lei, no Direito Tributário brasileiro, assume uma

importância ainda maior que noutras searas jurídicas. Em linhas gerais, só ela

pode disciplinar questões que girem em torno da criação e extinção de tributos.

É a fonte de produção primária por excelência das normas tributárias, abaixo

apenas da Constituição Federal.

É bem verdade que, em sua gênese, o princípio da legalidade dentro do

Direito Tributário assumiu papel de máxima importância, alcançando e

subordinando todas as pessoas envolvidas numa determinada relação jurídica,

elevando o clima de segurança, certeza e previsibilidade da ação estatal.

Arremata, por fim, Hugo de Brito Machado48:

O que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os

seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da

relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência

e o conseqüente mandamento. A descrição do fato temporal e da

correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a

sanção, para o caso de não prestação.

47 CARRAZZA, op. cit., p. 218. 48 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 23ª ed. rev. atualiz. e amp. São Paulo: Malheiros, 2003, p.47.

40

Em resumo, é hialina que a atuação dos Entes Públicos deve estar

necessariamente vinculada à reserva de lei, no sentido de que os fins

constitucionalmente consagrados, e não a livre vontade do legislador, dominem

as formas de legislação.

3.4. Princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica é um princípio implícito na Carta

Fundamental49 e que tem por fim manter a estabilidade da ordem jurídica. É um

princípio que postula a absoluta e completa previsibilidade da ação estatal pelos

cidadãos e administrados.

No âmbito tributário é um princípio que veda a surpresa no exercício da

tributação, pois, como bem sustentou Geraldo Ataliba50,

(...) a previsibilidade da ação estatal é magno desígnio que ressuma de todo o

contexto de preceitos orgânicos e funcionais postos no âmago do sistema

constitucional.

Como pondera Alfredo Augusto Becker51:

O direito positivo é o instrumento para dominar e reger os fatos constitutivos do

49 Leciona Souto Maior Borges que “o princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos o mesmo grau de positividade, não há uma positividade ‘forte’ (a expressa) e outra ‘fraca’ (a implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeito) muito mais acentuada do que um princípio expresso” (Revista de Direito Tributário, vol. 63, p. 207). 50 ATALIBA, op. cit., p. 145. 51 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 73.

41

ambiente social (forças, ideais, interesses e necessidades sempre em

movimento freqüentemente antagônicas). Por isso, o legislador, antes de tomar

uma decisão a respeito deles, deverá esforçar-se para compreendê-los e para

tal é imprescindível a ciência e a experiência do meio social considerado. Uma

das funções do direito positivo é precisamente conferir certeza à incerteza das

relações sociais. Constituição da República Federativa do Brasil, lei das leis,

através de seus preceitos fundamentais, regula, orienta e fiscaliza a atuação

estatal numa determinada ordem jurídica.

Tal também o ensinamento de Geraldo Ataliba52:

O direito é, por excelência, acima de tudo, instrumento de segurança. Ele é que

assegura aos governantes e governados os recíprocos direito e deveres, tornando

viável a vida social. Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o direito é

objetivamente um e que comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos dele

não discreparão.

O princípio da segurança jurídica, por meio da efetiva atuação de outros

princípios constitucionalmente garantidos, por exemplo, os princípios

republicano, da igualdade e da legalidade, busca promover os valores supremos

de uma sociedade, expressando a máxima certeza do direito.

Em matéria tributária, por exemplo, o princípio da segurança jurídica

impede que o Fisco aja com surpresa e discricionariedade na execução da

tributação, possibilitando ao contribuinte a elaboração de um orçamento no qual

estão previstas as verbas que terá que dispor para pagamento de tributos

durante aquele exercício financeiro.

Com base ainda na certeza do direito e na previsibilidade da atuação

estatal, o princípio da segurança jurídica permite que o contribuinte, dentro das

limitações impostas pelo ordenamento jurídico, antecipe o resultado das

52 ATALIBA, op. cit., p. 184.

42

pretensões requeridas, e, principalmente, viabilize-os, na busca da realização

do direito.

Seguindo essa linha de raciocínio Alberto Xavier53, faz as seguintes

anotações:

(...) traduz-se, praticamente, na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer

e computar os seus encargos com base exclusivamente na lei.

Arrematando o tema, Américo Lourenço Masset Lacombe54 traz

indispensável observação:

(...) mas, além de ser decorrência lógica da isonomia, pois só poderá haver

igualdade (perante a lei e na lei) onde houver segurança jurídica, ele vem

implementado pelo princípio da igualdade, pela garantia da coisa julgada, ao

direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, cujo corolário é a irretroatividade das

leis. Vem ainda implementado pelo princípio da separação dos poderes e pela

possibilidade de recurso à Justiça, exercida por magistratura independente.

Em resumo, realizar-se-á o direito quando houver a certeza da proteção

do bem jurídico resguardado na aplicação dos ditames legais previstos no

ordenamento jurídico brasileiro.

As pessoas envolvidas numa relação jurídica só estarão seguras quando

a autoridade, exercitada pelos representantes dos Entes Públicos, não violar os

direitos e garantias fundamentais, preservando a norma jurídica, sem criar

embaraços a efetivação dos direitos protegidos.

53 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1978, p. 46. 54 LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios constitucionais tributários. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 50.

43

Para concluir, na prática, a observância dos princípios constitucionais que

dão confiança, certeza, lealdade, previsibilidade, consentimento, e assim,

conferem segurança à ordem jurídica, vêm sendo, paulatinamente,

desrespeitados pelo intérprete e aplicador da lei, por exemplo, no

inadimplemento contumaz dos precatórios vencidos e não honrados pela

entidade devedora dentro do prazo constitucionalmente estabelecido.

44

4. O ICMS – CONTORNOS CONSTITUCIONAIS

4.1. Considerações iniciais

Como norma inaugural do sistema jurídico, os comandos estabelecidos

pela Carta Fundamental não podem ser ignorados, modificados, extintos ou,

ainda, ter seu alcance ampliado ou restringido pelo legislador infraconstitucional

e aplicador da lei, sob pena de derruir a ordem jurídica.

Dessa forma, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao dispor

sobre o sistema tributário nacional, não instituiu os impostos, mas demarcou

minudentemente o perfil constitucional de cada um deles, escolhendo os fatos

que podem ser eleitos pelo legislador infraconstitucional para a criação dos

tributos.

No que concerne ao ICMS, a Constituição Federal55, em seu artigo 155,

II, delimitou competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir imposto

sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS,

ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Ao dispor sobre a moldura fundamental desse imposto, o Texto Supremo

previu que a regra-padrão do ICMS está sujeita a incidência do princípio

constitucional da não-cumulatividade, que é um direito subjetivo do contribuinte

de compensar os créditos decorrentes de operações anteriores com o valor a

ser cobrado nas operações subseqüentes.

55 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

45

A partir da leitura do dispositivo constitucional, denota-se que o imposto

em questão, o ICMS, alberga pelo menos quatro impostos distintos: a) imposto

sobre operações relativas a circulação de mercadoria; b) imposto sobre

transporte de serviço interestadual e intermunicipal; c) imposto sobre serviços

de comunicação; d) imposto sobre operações de circulação de lubrificantes,

combustíveis líquidos e gasosos, de energia elétrica e minerais.

4.2. A regra-padrão de incidência do ICMS

4.2.1. O imposto sobre operações relativas à circulação de

mercadorias

O ICMS relativo a operações de circulação de mercadoria encontra-se

disciplinado no artigo 155, II, da Constituição Federal56, a saber: “Compete aos

Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: (...) II – operações relativas

à circulação de mercadorias (...) ainda que as operações se iniciem no exterior”.

Para efeito de tributação pelo ICMS considera-se a hipótese de incidência

válida aquela que descreve uma operação relativa à circulação de mercadoria.

Primeiro, cabe destacar que a hipótese de incidência em questão é tema

de inúmeras discussões, principalmente, sobre o que podem ser consideradas

“operações de circulação de mercadoria” passíveis de tributação.

Para uma melhor análise da hipótese de incidência apontada, cabe traçar

características essências na definição de “operação”, “circulação”, bem como

“mercadoria”.

56 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

46

Cumpre assinalar que o vocábulo “operações” tem vários sentidos.

Contudo, no presente trabalho, interessa-nos apenas analisar o sentido jurídico

do termo para que reste configurada a hipótese de incidência do imposto em

comento.

No entendimento de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino57, o conceito de

“operações” pode ser entendido como:

Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo direito como produtores de

determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes: circulação e

mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito subjetivo

de operações.

(...)

Os autores que vêm no ICMS um imposto sobre circulação ou sobre

mercadorias estão ignorando a Constituição; estão deslocando o cerne da

hipótese de incidência do tributo, da operação – aí posta pelo próprio Texto

Magno – para seus aspectos objetivos, com graves conseqüências deletérias

do sistema.

No mesmo sentido, complementa Paulo de Barros Carvalho58:

(...) as operações que o Excelso Texto menciona são aqueles “atos” ou

“negócios jurídicos” celebrados entre pessoas e que têm o predicado de

consumar os efeitos próprios à circulação de mercadorias. Temos formas

usuais e corriqueiras, como a compra e venda, a consignação, a doação, a

troca, a locação, o comodato, ao lado de outras maneiras atípicas, que os usos

e costumes vão plasmando sob o pálio de atos ou de contratos inominados. E

a certeza inconcussa do que acabamos de acentuar é a circunstância de não

encontrarmos outra operações, que não a jurídica, ocasionando o fenômeno da

circulação de mercadorias.

57 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber. Núcleo de definição constitucional do ICM. Revista de Direito Tributário, vols. 25/26, 1983, p. 104. (a sigla ICM foi atualizada para ICMS) 58 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra-matriz do ICM. Tese apresentada para a obtenção do Título de Livre Docente da Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, p. 170-182.

47

Cabe trazer, ainda, os ensinamentos de José Eduardo Soares de Melo59:

“Operações” configuram o verdadeiro sentido de fato juridicizado, a prática de

ato jurídico como a transmissão de um direito (posse ou propriedade).

Consoante as razões expendidas, não há dúvidas de que o vocábulo

“operação” deve ser entendido como negócio jurídico que tem por objeto a

transferência ou a titularidade de mercadorias.

Após as considerações tecidas acerca do termo de “operação”, faz-se

indispensável a análise dos vocábulos “circulação” e “mercadoria” para melhor

compreensão da regra-padrão de incidência tributária do ICMS – relativo à

operação de circulação de mercadoria.

Cabe destacar que a hipótese em comento requer uma análise conjunta

desses termos, uma vez que a interpretação isolada desses vocábulos não

configura a norma hipoteticamente prevista.

Assim, não é qualquer operação que gera a hipótese de incidência do

ICMS, mas apenas aquelas operações que resultem na circulação de

mercadorias. A circulação é conseqüência do negócio jurídico, devendo tão-

somente ser qualificada juridicamente, tendo em vista ser o efeito da operação

jurídica.

Por esse motivo, faz-se imprescindível buscar a exata proporção

semântica do termo “circulação” nos ditames legais.

Na concepção de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino60:

59 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS teoria e prática. 7ª ed. (atualizada com a Emenda Constitucional nº 42/03). São Paulo: Dialética, 2004, p. 11. 60 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber, op. cit., p. 111.

48

(...) circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma

mercadoria muda de titular, circula, para efeitos jurídicos. Convenciona-se

designar por titularidade de uma mercadoria à circunstância de alguém deter

poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário

(disponibilidade jurídica). Esse fenômeno é que importa, no plano do ICMS.

Sempre que haja operação jurídica negocial, de um lado, e mercadoria, de

outro, haverá circulação, quando o sujeito (que detém a mercadoria e foi parte

na operação) é titular de direito de dono e os transfere totalmente ou

parcialmente (pela operação) a outrem. Assim, aquele que – tendo sido parte

na operação – transferiu a outrem direitos de dono, promoveu circulação (ao

realizar a operação). Por direitos de dono entendem-se os direitos inerentes à

propriedade (basicamente a disposição da coisa).

Paulo de Barros Carvalho entende como circulação61:

(...) a passagem de mercadoria de uma pessoa para outra, sob o manto de um

título jurídico, equivale a declarar, à sombra de um ato ou de um contrato,

nominado ou inominado. Movimentação com mudança de patrimônio.

Fácil concluir que a “circulação” deve ser entendida não apenas como a

mudança de titularidade da coisa sujeita a circulação. O termo “circulação”

poderá ser dilargado ainda para a hipótese de mera transferência da posse a

título negocial, ou seja, quando não se transfere o domínio da coisa, mas

apenas se transmite a disponibilidade jurídica da mesma.

Feitas essas colocações, indispensável dentro desse contexto, analisar o

termo “mercadoria”.

Assim, “mercadoria”, para fins de incidência de ICMS, compreende as

coisas móveis que são colocadas em mercancia. Contudo, nada é mercadoria 61 CARVALHO, op. cit., p. 174-175.

49

por sua própria natureza, mas adquire essa titularidade quando colocado in

commercium.

José Eduardo Soares de Melo62 assim define “mercadoria”:

Mercadoria, tradicionalmente, é bem corpóreo da atividade empresarial do

produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para

consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das

coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o

caso do ativo permanente.

Ainda sobre o termo “mercadoria”, arremata Roque Carrazza63:

Temos, assim, que o conceito de mercadoria, no que diz com ICMS, há de ser

entendido como em Direito Comercial. E, mercadoria, tornamos a repetir, é o

bem móvel, que se submete à mercancia, ou seja, que é colocado no mundo

do comércio (“in commercium”), sendo submetido, pois, ao regime de direito

mercantil, que se caracteriza, como corre magistério, pela autonomia das

vontades e pela igualdade das partes contratantes. Tanto é mercadoria o

gênero alimentício que é exposto à venda num supermercado, como a

escultura que uma galeria de arte coloca em comércio, como, ainda, o relógio

que está à venda numa relojoaria. Mercadoria, enfim, é coisa fungível (que se

pode substituir por outra que tenha as mesmas características e sirva para

satisfazer as mesmas necessidades) que se destina ao comércio. Continua

sendo mercadoria o bem adquirido para ser vendido, mas só depois de

submetido a processo de industrialização”.

62 MELLO, op. cit., p. 16. 63 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed. rev. e amp. de acordo com a Lei Complementar 87/96 e suas ulteriores modificações. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 42.

50

Fácil perceber que, para efeitos de tributação de ICMS, as operações

jurídicas deverão implicar a circulação de mercadorias, que nada mais são que

as coisas móveis consideradas como objeto de circulação comercial.

Em resumo, ao dispor sobre a hipótese de incidência do ICMS Mizabel

Derzi64 conclui que:

(...) a hipótese de incidência do ICMS deve concentrar os seguintes pontos,

igualmente relevantes e a serem observados cumulativamente:

qualquer operação jurídica mercantil, que transfira a titularidade da mercadoria

(sua propriedade ou posse-exteriorização de domínio), como a compra e

venda, a dação em pagamento, etc.; além disso é necessário que ocorra a

circulação, representativa da tradição, como fenômeno jurídico da execução de

ato ou negócio translativo da posse-indireta ou da propriedade da mercadoria.

Em resumo, para a realização da hipótese de incidência do ICMS –

relativo à operação de circulação de mercadorias – indispensável a análise

conjunta dos institutos acima discriminados, não havendo como considerá-los

separadamente.

4.2.2. O imposto sobre prestação de serviços de transportes

interestadual e intermunicipal

A hipótese de incidência de ICMS sobre serviço de transportes

interestadual e intermunicipal encontra-se disciplinada nos termos do artigo 155,

II, do Texto Supremo65, que assim dispõe: “Compete aos Estados e ao Distrito

64 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª ed. rev. e complementada à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional n. 10/96. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 377. 65 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

51

Federal instituir imposto sobre: (...) prestações de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as

prestações se iniciem no exterior”.

O núcleo da hipótese de incidência de ICMS sobre serviço de transportes

interestadual e intermunicipal reside na “prestação de serviços”, em caráter

negocial.

Desse modo, cumpre elucidar a expressão “prestação de serviços” no

âmbito jurídico para fins de tributação.

Paulo de Barros Carvalho66 entende como “prestação de serviços”:

(...) aquela decorrente de esforço humano a terceiros, com conteúdo

econômico, em caráter negocial, sob regime de Direito Privado, tendente à

obtenção de um bem material ou imaterial.

Roque Antonio Carrazza67 ao dispor sobre a hipótese de incidência da

“prestação de serviços” leciona no mesmo sentido:

Diante do exposto e considerado temos que, nos termos da Constituição, a

hipótese de incidência possível do ICMS em questão é a circunstância de uma

pessoa prestar, a terceiro, um serviço de transporte intermunicipal ou

interestadual, com conteúdo econômico, sob regime de Direito Privado (em

caráter negocial, pois).

Nesses termos, a “prestação de serviço” restará configurada quando

66 CARVALHO, Paulo de Barros. A natureza jurídica do ISS. Aplicação prática – incidência nos casos de promoção de bailes por agremiações esportivas. Revista de Direito Tributário, São Paulo, vols. 23/24, 1983, p. 152. 67 CARRAZZA, op. cit., p. 140.

52

houver a realização de um negócio jurídico, no qual uma pessoa presta serviços

a terceiros em caráter negocial.

Por fim, destaque-se que, na “prestação de serviço” de transporte que se

inicia no exterior, o imposto caberá ao Estado onde estiver situado o domicílio

ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço68.

4.2.3. O imposto sobre prestação de serviço de comunicação

O ICMS sobre a prestação de serviço de comunicação está consagrado

no artigo 155, II, da Carta Magna69, a saber: “Compete aos Estados e ao Distrito

Federal instituir imposto sobre: (...) prestações de serviços de transporte

intermunicipal e interestadual e de comunicação, ainda que as operações se

iniciem no exterior”.

Feita a leitura do preceito constitucional, fácil perceber que o cerne da

materialidade desse imposto incide na “prestação de serviços de comunicação”

em caráter negocial em que alguém se vincule a uma obrigação de fazer.

Nesses termos, o que vem a ser comunicação?

Para De Plácido e Silva70, o vocábulo comunicação pode ser entendido

como:

68 CF, Art. 155: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) § 2º: O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte: (...) IX: incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. 69 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 70 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 326.

53

Derivado do latim communicatio, de communicare (tornar comum), possui o

vocábulo, seguindo próprio conceito de comum, várias acepções.

Comunicação tem, assim, o sentido de ciência ou de conhecimento que se dá

a outrem de certo fato ocorrido, ou de certo ato praticado. Tem, pois, o sentido

de aviso ou transmissão de ordem, ou de qualquer outro fato de que se precise

tornar de conhecimento comum, isto é, do conhecimento de mais de uma

pessoa, além daquele que avisa ou ordena.

Sobre a “prestação de serviço de comunicação” nos acrescenta Roque

Antonio Carrazza71:

É preciso, pois, que a mensagem seja assimilada pelo receptor, que captando

e compreendendo o sinal enviado pelo emissor, com ele passa a interautar.

Noutras palavras, o receptor deve ter condições de ocupar a condição oposta,

vale dizer, de dialogar com o emissor (que, assim, passará a ocupar a posição

de receptor).

Portanto, para que haja comunicação basta existam dois sujeitos: o emissor e

o receptor. Todavia, para que haja prestação onerosa do serviço de

comunicação – esta, sim, tributável por meio de ICMS – é mister que ambos

sejam postos em contato por um terceiro, que, mediante contraprestação

econômica, disponibiliza-lhes os meios para que troquem mensagem.

O Texto Constitucional, ainda que trate da regra-padrão do ICMS com

grande riqueza de pormenores, não faz alusão quanto ao sentido em que o

vocábulo “comunicação” deve ser compreendido para fins de tributação.

Contudo, dada a amplitude do sentido do termo comunicação, conclui

Clélio Chiesa72:

71 CARRAZZA, op. cit., p. 156-157. 72 CHIESA, Clélio. Sistema constitucional tributário. Dissertação apresentada à Banca Examinadora da PUC/SP, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Doutor Roque Antonio Carrazza. 1995, p. 137.

54

A hipótese de incidência delineada constitucionalmente, insiste-se, não faz

nenhuma restrição às significações do vocábulo “comunicação”. Como

conseqüência, não cabe ao exegeta proceder nenhuma limitação que não seja

decorrente do contexto normativo em que a norma está inserida. De sorte que

não se pode estabelecer nenhuma distinção entre difusão, divulgação,

radiodifusão, pois todas são espécies do gênero comunicação. Não há na

Constituição norma que autorize restrição de tal ordem, para efeito de

tributação por meio de ICMS.

4.2.4. O imposto sobre operações de circulação de lubrificantes,

combustíveis líquidos ou gasosos, de energia elétrica e minerais

O ICMS poderá incidir ainda sobre a energia elétrica, os lubrificantes e os

combustíveis líquidos e gasosos, conforme disposto no artigo 155, § 2º, X, “b”, e

§ 3º da Carta Fundamental73:

Art. 155: Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre:

(...) § 2º: O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) X: não

incidirá: (...) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo,

inclusive lubrificantes líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;

§ 3º: À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e

o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas

a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo,

combustíveis e minerais do País.

A partir da leitura do artigo mencionado, percebe-se que a operação de

circulação, que não destine a outros Estados, lubrificantes, energia elétrica,

combustíveis líquidos e gasosos e minerais, será passível de tributação por

meio do ICMS. 73 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

55

4.2.5. Os critérios espacial e temporal da regra-padrão de incidência

do ICMS

Para que haja a subsunção do fato à norma hipoteticamente prevista na

regra-padrão de incidência tributária, faz-se necessária, ademais, a observância

das condicionantes de espaço e tempo.

Ao tratar do tema, Clélio Chiesa74 nos expõe que:

(...) o critério espacial está diretamente relacionado à competência do ente

impositivo, enquanto o aspecto temporal determina o exato momento em que

nasce a obrigação tributária. Daí ser importantíssimo fixar com precisão o

espaço territorial em que incide a norma tributária e qual o momento que se

considera ocorrido o fato jurídico tributário, para efeito de tributação via ICMS.

A Constituição Federal, no que toca ao aspecto temporal, não disciplinou

expressamente qual o momento em que nasce a obrigação tributária.

Assim, cabe à lei infraconstitucional dos Estados e do Distrito Federal

estabelecer o momento em que se caracteriza o aspecto temporal do ICMS,

desde que observados os preceitos constitucionais que delimitam o tema75.

Contudo, tratando do tema em exame, cabe destacar os ensinamentos de

Roque Carrazza76 em que aponta casos nos quais “a saída” da mercadoria do

estabelecimento comercial não caracteriza a incidência do ICMS:

74 CHIESA, op. cit., p. 111. 75 Lei Complementar n.º 87/1996. Art. 12: “Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (...)” 76 CARRAZZA, op. cit., p. 44.

56

Se a saída de mercadorias fosse realmente a hipótese de incidência do

imposto em pauta, o comerciante furtado em mercadorias – como frisa Aliomar

Baleeiro – teria não só que suportar os prejuízos, como pagar o ICMS devido

por elas. E mais: se não levasse a “notitia criminis” ao conhecimento da

autoridade fazendária estaria praticando uma evasão tributária, já que estaria

escondendo ao fisco a ocorrência do fato imponível ao ICMS.

Vejamos outro exemplo: um incêndio ameaça destruir um estabelecimento

comercial. Para evitar que o fogo consuma as mercadorias, o comerciante,

ajudado por seus empregados e por transeuntes, providencia para que elas

sejam postas na rua. Houve a saída das mercadorias. É devido o ICMS por

isso? Parece-nos claro que não.

Bem a propósito, cabe explicitar o critério espacial que influi na

caracterização da regra-padrão do imposto em questão.

Geraldo Ataliba77 designa o aspecto espacial como:

(...) a indicação de circunstâncias de lugar – contida explícita ou implicitamente

na h. i. – relevantes para a configuração do fato imponível.

No que diz respeito ao critério espacial, a Constituição Federal78, em seu

artigo 155, § 2º, XII, “d”, determinou que cabe a lei complementar fixar, para

efeitos de tributação, o local das operações relativas à circulação de

mercadoria e das prestações de serviços.

Em síntese, ainda que regulamentadas unicamente nos textos de lei

infraconstitucionais, essas condicionantes são pressupostos exigidos pela

Constituição Federal, que ao serem analisadas conjuntamente com os demais

77 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 87. 78 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

57

critérios da regra-padrão de incidência tributária fortalecem e garantem

legalmente a subsunção do fato a norma jurídica tributária.

4.2.6. O critério quantitativo da regra-padrão de incidência do ICMS –

base de cálculo e alíquota

A base de cálculo prevista na norma jurídica tributária tem por fim

mensurar a materialidade do imposto. Isto é, analisada juntamente com a

alíquota, dimensiona o montante do tributo a ser recolhido.

Nessa linha de raciocínio nos ensina Geraldo Ataliba79:

(...) à perspectiva dimensional da hipótese de incidência se costuma designar

por base de cálculo, base tributável ou base imponível. A base imponível é

ínsita à hipótese de incidência. É atributo essencial, que, por isso, não deixa

de existir em nenhum caso. Todo tributo tem base de cálculo, por exigência

constitucional. (...) Base imponível é uma perspectiva dimensível do aspecto

material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para

determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur.

Destaque-se, ademais, que a base de cálculo serve não apenas para

mensurar o valor do imposto a ser pago, mais também, para configurar o tipo

tributário.

Nesse entendimento, leciona Roque Antonio Carrazza80:

(...) o que distingue um tributo de outro é o seu binômio hipótese de

79 ATALIBA, op. cit., p. 108-109. 80 CARRAZZA, op. cit., p. 35.

58

incidência/base de cálculo. A base de cálculo, há de colaborar na

determinação da dívida tributária, dimensionando o fato imponível, reafirma o

critério material da hipótese de incidência do tributo. Em suma, a base de

cálculo deve apontar para a hipótese de incidência do tributo, confirmando-a.

Do contrário, o tributo terá sido mal instituído e, por isso mesmo, será

inexigível. Donde podemos concluir que a base de cálculo é absolutamente

indispensável, para qualquer tributo.

No que concerne à instituição da base de cálculo, importante anotar que a

Constituição Federal81, no artigo 155, § 2º, XI, dispôs que o valor pago a título

de IPI não pode integrar a base de cálculo do ICMS quando o mesmo fato

jurídico tributário configurar hipótese de incidência dos dois impostos. Assim,

não poderá o legislador ordinário dispor em sentido contrário, sob pena de violar

direito subjetivo do contribuinte.

A partir do exposto, fácil perceber que a base de cálculo tem por fim

dimensionar uma operação mercantil realizada ou, ainda, a prestação de um

serviço. Assim, na apuração do ICMS devido, em regra geral, a base de cálculo

será o valor relativo à operação de circulação de mercadoria ou preço da

prestação do serviço.

Pontue-se ainda que, na ausência de indicação do valor da operação ou

mesmo na falta de determinação do preço do serviço prestado, o valor

dimensionado será o preço atual da mercadoria ou de seu similar no mercado

do local da operação, e o valor corrente do serviço no local da sua prestação.

Mais uma vez, a Constituição Federal82 não tratou especificamente da

base de cálculo, apenas disciplinou que cabe a lei complementar defini-la.

81 CF, art. 155: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) § 2º: O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XI: não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerados dos dois impostos”. 82 CF, art. 155: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre: (...) § 2º: o imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII: cabe à lei complementar: (...) ‘i’: fixar a base de

59

Dentro do critério quantitativo, cabe analisar ainda as alíquotas a serem

aplicadas na apuração do quantum debeatur. A Constituição Federal não

estabeleceu especificamente as alíquotas aplicáveis à base de cálculo do ICMS,

deixando a cargo do legislador relacioná-las, todavia, desde que respeitadas as

limitações constitucionais impostas.

No que concerne às alíquotas, Paulo de Barros Carvalho83 nos ensina

que:

(...) congregada à base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida,

produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da

obrigação que nasce pelo acontecimento do fato típico.

Ainda sobre a alíquota, leciona Geraldo Ataliba84:

A alíquota é um termo do mandamento da norma tributária, mandamento esse

que incide se e quando se consuma o fato imponível dando nascimento à

obrigação tributária concreta.

Cabe esclarecer desde logo que não se pretende no presente trabalho

demonstrar as alíquotas aplicáveis por cada um dos Estados e o Distrito

Federal, mas sim, gizar os limites estabelecidos pelo Texto Supremo.

Assim, a Carta Fundamental dispõe sobre os limites a serem observados

quando da fixação das alíquotas, com o intuito de restringir a atuação dos Entes

cálculo, de modo que o montante do imposto à integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”. 83 CARVALHO, op. cit., p. 209. 84 ATALIBA, op. cit., p. 113.

60

Públicos. Ressalte-se que são limites que não podem ser alterados pelo

legislador infraconstitucional.

Dessa forma, dispõe o artigo 155, § 2º, IV, V, VI, VII e VIII, do Texto

Supremo85:

Art. 155. (...). §2º: (...), IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do

Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria

absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações

e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado

Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante

resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus

membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver

conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de

iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI

- salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos

do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à

circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser

inferiores às previstas para as operações interestaduais; VII - em relação às

operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final

localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o

destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o

destinatário não for contribuinte dele; VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso

anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto

correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Entretanto, mesmo se concedendo o direito ao legislador

infraconstitucional para fixar suas alíquotas, dentro dos limites

constitucionalmente previstos, caberá à União, representada pelo Senado

Federal, controlar a aplicação irregular das alíquotas definida para cada

operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviço. Tal

85 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

61

disciplinamento visa a resguardar a ordem nacional e, ainda, a capacidade

contributiva daqueles que estão sujeitos ao recolhimento do ICMS.

4.2.7. O critério pessoal da regra-padrão de incidência do ICMS –

sujeito ativo e sujeito passivo

A regra-padrão de incidência tributária contempla, ademais, o sujeito ativo

e o sujeito passivo da relação jurídica.

Lecionando a respeito, assinala Dino Jarach86:

(...) o aspecto subjetivo da hipótese de incidência consiste na definição dos

sujeitos ativo e passivo que estão relacionados com as circunstâncias objetivas

definidas na lei, de forma tal que surja para uns a obrigação e para outros a

pretensão ao imposto.

Na composição desse critério, o sujeito ativo, também denominado como

credor da obrigação tributária, é aquele que tem o direito subjetivo de exigir o

tributo.

Delineados os limites constitucionais do ICMS percebe-se que esse

tributo pode ser instituído pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal.

Todavia o artigo 147 do Texto Fundamental87 excepciona a regra em comento

ao permitir que a União institua-os no âmbito do território federal.

86 JARACH, Dino. Aspectos da hipótese de incidência tributária. Revista de Direito Público, São Paulo, vol. 17, p. 287. 87 CF, art. 147: “Competem à União em Território Federal, os impostos estaduais e, se o território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais”.

62

Por outro lado, o poder atribuído à pessoa para exigir esse imposto, ou

seja, a capacidade tributária ativa, pode ser delegada a qualquer pessoa que os

Entes competentes, ao instituírem o imposto indicarem, desde que possua

finalidade pública.

Já em contrapartida, no pólo passivo da obrigação tributária encontra-se

o contribuinte do imposto, também chamado de devedor da exação tributária,

ou, ainda, aquele que tem o dever de depositar para os cofres públicos o valor

do imposto devido.

Nessa linha nos ensina Rubens Gomes de Sousa88:

O segundo elemento da obrigação tributária é o sujeito passivo ou devedor,

isto é a pessoa obrigada a cumprir a prestação que constitui o objeto da

obrigação que o sujeito ativo tem o direito de exigir.

No que concerne ao contribuinte desse imposto, o Texto Supremo89,

ainda que implicitamente, fixou os limites para a caracterização da sujeição

passiva, todavia, dispôs que caberá a lei complementar tratar

pormenorizadamente do tema90.

88 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Coordenação IBET, Instituto Brasileiro de Estudos Tributários: obra póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 91. 89 CF, art. 155: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) §2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII – cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes”. 90 LC 87/96, art. 4º: “Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização. Art. 5º. Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo. Art. 6º. Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. § 1º. A responsabilidade poderá ser

63

Neste ponto, cabe registrar que, o Código Tributário Nacional91 em seu

artigo 126, estabeleceu que a capacidade tributária passiva independe de a

pessoa jurídica estar regularmente constituída, bastando apenas que configure

uma unidade econômica e pessoal, independente da capacidade civil das

pessoas naturais.

Corroborando a configuração da capacidade tributária passiva enfatiza

Aliomar Baleeiro92:

(...) assim, diz ser a pessoa física ou jurídica que pratique a operação jurídica

mercantil de circulação ou de prestador de serviços. A habitualidade ou o

volume que caracterize o intuito comercial são características presuntivas do

ato de comércio.

Em síntese, certo é que somente poderão configurar como contribuintes

da obrigação tributária do ICMS aquelas pessoas que realizem operações

jurídicas de circulação de mercadoria, ou, ainda, que prestem serviços, sejam

de transporte ou de comunicação.

atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. § 2º A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado. Art. 7º. Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado”. 91 CTN, art. 126: “A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis comerciais ou profissionais, ou da administração direta de bens e negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”. 92 BALEEIRO, op. cit., p. 448.

64

4.3. O princípio constitucional da não-cumulatividade

Estabelecidos os contornos constitucionais da regra-padrão de incidência

do ICMS, cabe ainda destacar o disposto no artigo 155, § 2º, I, da Carta

Fundamental93, que dispõe sobre o princípio da não-cumulatividade, a saber:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...) § 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-

cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à

circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado

nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Importante evidenciar, ademais, que o Texto Supremo94, ao tratar do

princípio da não-cumulatividade, disciplinou que as hipóteses de não-incidência

e isenção não geram direito a créditos que impliquem a compensação com o

valor devido nas operações posteriores.

Embora lecionando sobre o IPI, mas em entendimento que cabe

perfeitamente ao ICMS, já que esses dois impostos estão sujeitos ao mesmo

comando constitucional, cabe trazer os ensinamento de Eduardo Domingos

Botallo95:

93 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 94 CF, art. 155: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) § 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. 95 BOTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI – imposto sobre produtos industrializados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p, 44-45.

65

O propósito fundamental para o qual se volta o princípio da não-cumulatividade

tem na figura da compensação o seu mecanismo de maior eficácia.

Pode-se dizer, portanto, que a compensação é o meio cujo emprego afasta o

efeito da “cumulatividade” do IPI, que a Constituição veda. Dito de outro modo,

o “combate”, por assim dizer, à cumulatividade está preso à eficácia do

sistema de compensação previsto na Constituição.

A exegese que mais se coaduna com a diretriz da não-cumulatividade é a

de que, por estar prevista no Texto Constitucional, essa garantia traduz um

mandamento obrigatório, cuja infringência compromete todo o sistema jurídico.

Identificando a natureza principiológica da não-cumulatividade aduzem

José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo96:

A não-cumulatividade tributária, de fato, é um princípio jurídico constitucional.

É um comando normativo repleto de valores extraídos de anseios da

sociedade constituído e permeado de forte conteúdo axiológico. Foi a partir da

vontade do povo brasileiro que o legislador constituinte encontrou os

argumentos necessários para disciplinar a instituição de tributos cuja

característica essencial para a apuração do quantum debeatur deve ser o

confronto matemático entre a soma dos montantes do imposto registrado em

cada relação correspondente às operações comerciais realizadas com os

produtos e mercadorias e serviços do estabelecimento do contribuinte, e a

soma dos montantes do imposto registrado em cada relação correspondente

as mercadorias, produtos e serviços adquiridos pelo mesmo contribuintes, em

dado período. Ou seja, esse princípio constitucional deve ser necessariamente

observado à luz do Direito, não resta dúvida. Assim, tratando-se basicamente

de uma operação matemática, como se verá adiante, haveremos de encontrar

no interior da Constituição Federal o seu conteúdo jurídico.

96 MELO, José Eduardo Soares de e LIPPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária (ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS). 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 101.

66

No que toca à não-cumulatividade, Mizabel Derzi97 nos esclarece:

Já destacamos que a Constituição de 1988 não autoriza que o ICMS onere o

contribuinte de iure. Ao contrário, por meio do princípio da não-cumulatividade,

garante-se que o contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira

ao adquirente o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo,

possa ele creditar-se do imposto que suportou nas operações anteriores. A Lei

Fundamental somente se concilia com um só entendimento: o ICMS não deve

ser suportado pelo contribuinte (comerciante, industrial ou produtor).

O comando constitucional da não-cumulatividade faz nascer para o

contribuinte do imposto o direito de compensar nas operações futuras créditos

do imposto cobrado nas operações anteriores. Assim, ocorrido o fato jurídico

tributário, nasce para o contribuinte desse imposto o direito de “abatimento”,

conforme lecionam Geraldo Ataliba e Cléber Giardino98:

O “abatimento” é, nitidamente, categoria jurídica de hierarquia constitucional:

porque criada pela Constituição. Mais que isso: é direito subjetivo

constitucional reservado ao contribuinte do ICMS; direito público subjetivo de

nível constitucional, oponível ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual.

O próprio Texto Constitucional, que outorgou ao Estado o poder de exigir o

ICMS, deu ao contribuinte o direito de abatimento.

Discorrendo sobre a importância do imposto não-cumulativo, Tércio

Sampaio Ferraz Jr.99 argumenta:

97 BALEEIRO, op. cit., p. 419. 98 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cleber. ICM – Abatimento constitucional – princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário, São Paulo, vols. 29/30, 1984, p. 116. 99 FERRAZ JUNIOR. Tércio Sampaio. ICMS – não-cumulatividade e suas exceções constitucionais. Revista de Direito Tributário, São Paulo, vol. 48, p. 19.

67

A opção do Constituinte por um imposto não-cumulativo responde obviamente

aos problemas gerados pela cumulatividade dos impostos multifásicos, no que

diz respeito aos efeitos econômicos de uma política tributária. O primeiro

desses problemas pode ser visto na incidência repetida sobre bases de cálculo

que, por superposição em cascata, tornam-se cada vez mais elevadas pela

adição de novas margens de lucro, de novas despesas acessórias e do próprio

incidente sobre operações posteriores. O inchaço artificial provocado no preço

das mercadorias tem um efeito indesejável que levou as nações modernas a

optar pela não-cumulatividade. Uma segunda razão, não menos importante, é

o fato que um imposto multifásico cumulativo acaba por estimular a integração,

vertical das empresas, posto que a superposição em cascata faz com que

quanto mais integralizada verticalmente uma empresa, tanto menor seria o

ônus a que ficariam sujeitas as mercadorias por ela vendidas. (...) Um terceiro

problema atesta o sentido do princípio da não-cumulatividade: a

cumulatividade em cascata num imposto multifásico produz uma falta de

uniformidade na carga tributária para todos os consumidores, os quais são os

que, de fato, a suportam. Este efeito, que torna tão mais extenso quanto mais

longo é o ciclo de produção e de comercialização, que acaba por gerar uma

espécie de perversão da justiça tributária, fazendo com que seja menor a

carga de produtos supérfluos e mais onerosa a de produtos essenciais.

Compara-se, neste sentido, o ciclo de produção e comercialização de jóias

com o de carne, o primeiro, por natureza, mais curto que o segundo.

Em síntese, cabe trazer à baila a lição lapidar de Roque Antonio

Carrazza100:

(...) por meio do princípio da não-cumulatividade do ICMS o Constituinte

beneficiou o contribuinte (de direito) deste tributo e, ao mesmo tempo, o

consumidor final (contribuinte de fato), a quem convêm preços mais reduzidos

ou menos gravemente onerados pela carga tributária.

É de se destacar ainda, no mesmo comando constitucional, que a

expressão “montante cobrado nas anteriores” deve ser entendida como

100 CARRAZZA, op. cit., p. 257.

68

“montante relativo às anteriores operações”, tendo em vista que esse preceito

constitucional não limitou o direito ao crédito ao efetivo pagamento do tributo.

Arrematando o tema, afirmam Geraldo Ataliba e Cléber Giardino101:

(...) é uma relação jurídica obrigacional (porque dotada de conteúdo

econômico), constitucional (porque disciplinada exaustivamente na

Constituição), e que se pode qualificar como financeira, em oposição a

tributária, no sentido de que, embora envolvendo valores econômicos, nada

tem a ver com as relações tributárias. Todas estas considerações estão a

mostrar que a relação de abatimento de ICMS engendradora do chamado

“crédito de ICMS” – não é uma relação obrigacional tributária, não estando

sujeita, por conseqüência, à disciplina e regime típicos de direito tributário. Em

outras palavras: como a relação jurídica de ICMS é de natureza tributária, ao

regime próprio da espécie se submete. Já, o abatimento constitucional é mera

figura financeira, operante no instante da liquidação do tributo, com a função

de cobrir parte de seu pagamento, por compensação. Funciona como “moeda

de pagamento”. Tem sua operacionalidade limitada à função de atender à

dedução constitucionalmente previstas.

Dessa forma, o comando constitucional da não-cumulatividade a ser

observado na tributação do ICMS faz surgir para o contribuinte desse imposto

um direito-dever de compensar o crédito cobrado nas operações anteriores com

o débito do imposto a ser recolhido nas operações posteriores. É ,assim,

garantia absoluta e incondicional do contribuinte, e, mais, pressuposto

inafastável para a boa aplicação do direito.

Desse modo, traçadas as características constitucionais da regra-padrão

de incidência tributária do ICMS, bem como destacada a importância da

observação do comando fundamental da não-cumulatividade, far-se-á

indispensável um aprofundamento do tema por meio da análise da

101 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber, op. cit., p. 122.

69

compensação tributária, agora como uma das formas de extinção do crédito

tributário.

70

5. A COMPENSAÇÃO COMO FORMA DE APURAÇÃO E LIQUIDAÇÃO

DO DÉBITO DO ICMS

5.1. O termo compensação e suas acepções

Eduardo Domingos Botallo102 entende que no âmbito do direito tributário a

palavra compensação revela-se de três modos, a saber:

Na primeira, ela se mostra intimamente ligado ao mecanismo de formação da

base de cálculo (base imponível) de alguns impostos, entre os quais o imposto

de renda.

Assim, a legislação daquele tributo permite, por exemplo, que, sob

determinadas condições, o quantum do lucro tributável em um exercício seja

parcialmente “compensado” com prejuízos ocorridos em exercícios anteriores.

A expressão aparece, também, com grande relevância, associada à técnica da

não-cumulatividade do ICMS e do IPI. Aqui, a compensação se faz presente

não mais ligada à formação da base imponível, mas, sim, ao processo de

apuração (quantificação) do montante a recolher.

(...)

Finalmente, numa terceira acepção, compensação apresenta-se como um dos

meios de extinção do crédito tributário.

Sob tal significação, a compensação tem, como tantos outros institutos, suas

raízes assentadas no direito privado, pois nele foi originalmente desenvolvida.

Cumpre-nos, no presente estudo, analisar a segunda e a terceria

acepções do termo compensação, que correspondem respectivamente às

formas de apuração e extinção, do débito de ICMS.

102 BOTALLO, op. cit., p. 169-170.

71

5.2. A compensação e o princípio da não-cumulatividade como forma de apuração do ICMS devido

A Constituição Federal, ao dispor sobre o sistema constitucional

tributário, elencou princípios dotados de plena imperatividade, que visam, como

fim maior, a assegurar garantias inalienáveis dos contribuintes em face dos atos

arbitrários do Ente tributante no exercício da tributação.

O princípio da não-cumulatividade disposto no artigo 155, § 2º, I, do Texto

Fundamental é comando específico do direito tributário que possui uma função

única dentro do ordenamento jurídico. Ele é de grande valia para a exegese e

perfeita apuração do ICMS devido numa operação de circulação de mercadorias

ou prestação de serviços.

Trata-se de comando fundamental que consagra um direito subjetivo do

contribuinte de “compensar o que for devido” nas operações subseqüentes, os

créditos decorrentes de operações anteriores.

É princípio constitucional explícito, que deve ser totalmente observado

pelas Entidades Públicas nas palavras de Paulo de Barros Carvalho103:

O primado da não cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser

cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam como pelos próprios agentes

da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela

aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI, cansagra a

obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo

“contribuinte”, de considerar-lhes os créditos, ainda que contra a sua vontade.

103 CARVALHO, op. cit., p. 377.

72

Lecionando sobre IPI, mas trazendo considerações que cabem

perfeitamente ao ICMS, já que ambos os impostos estão sujeitos ao princípio da

não-cumulatividade, reforça Eduardo Domingos Botallo104:

Pode-se dizer, portanto, que a compensação é o meio cujo emprego afasta o

efeito da “cumulatividade” do IPI, que a Constituição veda. Dito de outro modo, o

“combate”, por assim dizer, à cumulatividade está preso à eficácia do sistema de

compensação previsto na Constituição.

Em síntese, pelo princípio da não-cumulatividade fica constitucionalmente

vedada a cumulatividade em função da eficácia da compensação na apuração

do quantum devido a título de ICMS.

5.2.1. O “direito de compensar” e o princípio da não-cumulatividade

O “direito de compensar” nada tem a ver com a gênese do imposto sobre

operações de circulação de mercadorias e serviços. É momento posterior à

incidência do imposto de ICMS. Trata-se de fenômeno que encontra na figura da

compensação seu fundamento de validade e eficácia dentro do sistema jurídico.

Por esse motivo, a realização do princípio da não-cumulatividade não

está condicionada à cobrança do ICMS. O “direito de compensar” se dá no

momento da liquidação do tributo, assim, para a hipótese de incidência do

imposto não lhe é parte sine qua non.

Em idêntico sentido, leciona Paulo de Barros Carvalho105:

104 BOTALLO, op. cit., p. 45. 105 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de incidência e base de cálculo do ICM. Cadernos de Pesquisas Tributárias, n. 3, São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p. 351.

73

Uma coisa há de ser a base de cálculo, qualidade ínsita ao fato jurídico tributário;

outra, o regime de deduções, que o Texto Constitucional impõe, para a realização

do princípio da não-cumulatividade. Confundir-se as duas realidades significa

detrimento da compreensão do fenômeno jurídico do imposto, porquanto a fórmula

de abatimentos corresponde a estágio ulterior à pesquisa da base de cálculo,

quando se cuida de determinar os valores que devem ser recolhidos, em lapso

temporal considerado.

Pelo exposto, fácil perceber que a natureza jurídica do “direito de

compensar” é financeira e não tributária, pois não faz parte da hipótese de

incidência tributária do ICMS. Esse direito surge de um preceito constitucional,

de uma preocupação do legislador constitucional com os efeitos econômicos

decorrentes da cumulatividade do imposto em questão.

5.2.2. O crédito do contribuinte e o princípio da não-cumulatividade

A posição por nós assumida é a de que o princípio da não-cumulatividade

garante ao contribuinte um “direito de compensar” créditos (montantes pagos ou

a pagar) advindos de operaçãos anteriores, com operações subseqüentes de

ICMS.

Nesse sentido, importante relembrar que a Constituição Federal veda,

para efeitos do princípio da não-cumulatividade, os casos de isenção e não-

incidência, de acordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e

“b”.

Respeitadas as exceções previstas na Carta Fundamental, o princípio da

não-cumulatividade é direito potestativo do contribuinte de restituir os créditos

74

decorrentes da incidência do imposto nas operações anteriores por meio do

sistema de compensações.

Assim, ocorrendo a hipótese de incidência do ICMS, nasce

automaticamente o direito ao crédito em favor do contribuinte contra a Fazenda

Pública.

Todavia, para que o contribuinte tenha direito de compensar os créditos

assegurados pelo princípio da não-cumulatividade, imprescindível a observância

dos requisitos elencados por Aires Fernandino Barreto106:

a) o crédito é consequência inexorável e automática de todas as operações

tributáveis; b) só o que pode (e deve) a lei (complementar ou ordinária) é atribuir

créditos nos casos excepcionados; c) a lei não pode vedar ou reduzir crédito em

nenhuma hipótese; d) a norma que institui o crédito é a própria Constituição: logo,

nenhuma lei pode dispor em sentido contrário; e) a interpretação dessa exceção

há de ser restritiva e não pode conduzir a converter o ICMS em “cumulativo”; f) por

conseguinte, toda e qualquer aquisição decorrente de operação tributada

(inclusive de bens de capital) é geradora de crédito de ICMS.

Em resumo, o princípio da não-cumulatividade, por meio de uma dedução

(abatimento) que decorre de uma confrontação de todas as entradas e saídas

de mercadorias ou prestação de serviços ocorridas dentro de um lapso

temporal, apura o quantum remanescente do ICMS devido em uma determinada

operação, que poderá ser liquidado de acordo com uma das hipóteses previstas

no artigo 156 do Código Tributário Nacional.

Concluindo o tópico, sábias palavras de Roque Antonio Carrazza107:

106 BARRETO, Aires Fernandino. Créditos de ICMS – limites da Lei Complementar. O ICMS, a LC 87/96 e questões jurídicas atuais. São Paulo: Dialética, 1997. p. 11-17. 107 CARRAZZA, op. cit. 265.

75

Conforme já acenamos, o princípio da não-cumulatividade outorga ao contribuinte

o direito público subjetivo de pagar, à guisa de ICMS, apenas a diferença apurada,

no encerramento do período, entre seus créditos e débitos.

De fato, a compensação a que estamos aludindo efetiva-se por intermédio da

chamada “conta corrente fiscal”, em que o saldo, se devedor, é pago pelo

contribuinte e, se credor, é transferido para aproveitamento em períodos

subseqüentes.

5.3. A compensação como forma de extinção do débito de ICMS

A Constituição Federal108, em seu artigo 146, III, “b”, dispôs que caberá a

lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre crédito tributário.

Com base nesta previsão constitucional o Código Tributário Nacional –

CTN –, em seu artigo 156109, previu as formas de extinção do crédito tributário.

Com regra geral, o artigo 156 do CTN prevê que o crédito tributário será

satisfeito por meio do pagamento em espécie. Todavia, o mesmo dispositivo

legal contempla outras hipóteses de extinção do crédito tributário, que não se

aperfeiçoam com o “pagamento” no sentido literal do termo, mas sim por meio

de outros institutos, por exemplo, o da compensação, que é o que nos interessa

no presente trabalho.

Apenas para conhecimento, no direito privado, a compensação vem

regida pelos artigos 368 e seguintes do Código Civil110. 108 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 109 CTN, art. 156: “Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação, III – a transação; IV – remissão, V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão do depósito em renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X – a decisão judicial passada em julgado XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149”.

76

Ainda dentro do capítulo da compensação, o Código Civil111 previa em

seu artigo 374 que a compensação concernente às dívidas fiscais e parafiscais

seria regida pelos dispositivos constantes naquele capítulo.

Acontece que, antes mesmo da sua entrada em vigor, foi editada a

Medida Provisória n.º 75, que mais tarde foi convertida na Lei n.º 10.677, de 22

de maio de 2003, que revogou o artigo 374 do Código Civil.

Em linhas gerais, a compensação é uma forma de extinção de créditos

tributários, que se dá pelo encontro de crédito e débito advindos da mesma

entidade devedora.

Sobre a compensação leciona Hugo de Brito Machado112:

(...) a compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao

pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma

compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário.

Mizabel Derzi113, cuidando do assunto, assim se posicionou:

Dá-se o nome de compensação ao encontro das dívidas recíprocas dos

sujeitos que integram relações obrigacionais distintas.

Aprofundando ainda mais o estudo do instituto da compensação, Mizabel

Derzi114 entende que

110 CC, art. 368: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. 111 CC, art. 374: “A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capítulo”. 112 MACHADO, op. cit., p. 195. 113 BALEEIRO, op. cit., p. 900. 114 BALEEIRO, op. cit., p. 899-900.

77

as condições e as garantias da compensação, criadas pelo legislador tributário,

podem ser peculiares e singulares. É que, no Direito Tributário, sendo

imperativos os princípios da segurança jurídica, da indisponibilidade dos bens

públicos e da moralidade administrativa, o direito à compensação é e deve ser

modelado na lei que lhe dita os pressupostos e requisitos essenciais.

Pois bem. Definida a compensação como forma de extinção da obrigação

tributária, percebe-se que a realização desse instituto no ordenamento está

condicionada ao cumprimento de alguns requisitos entendidos pelo sistema

como indispensáveis para que gerem efeitos jurídicos.

Paulo de Barros Carvalho115 aponta quatro requisitos indispensáveis para

que se opere a compensação, a saber:

Quatro requisitos são tidos como necessários à compensação: a) reciprocidade

das obrigações; b) liquidez das dívidas; c) exigibilidade das obrigações; e d)

fungibilidade das coisas devidas.

Na mesma vereda, vale trazer os ensinamentos de José Eduardo Soares

de Melo116:

A compensação pressupõe que o devedor seja titular do contracrédito,

envolvendo a existência e contraposição de dois ou mais créditos. Trata-se de

bilateralidade de créditos e dívidas, e não, propriamente, de negócio jurídico.

É, portanto, a extinção de obrigações recíprocas entre as mesmas pessoas

que se reputam pagas (totalmente ou parcialmente). Existem uma garantia,

uma preferência, e dois pagamentos, sem que nenhum dos devedores tenha

de fazer qualquer desembolso.

115 CARVALHO, op. cit., p. 455. 116 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 229.

78

Dívida líquida e certa é aquela certa quanto à sua existência e determinada

quanto ao seu objeto, enquanto que a ilíquida depende de um prestação de

contas, para se apurar o saldo devedor.

A reciprocidade representa a extinção total dos créditos (se iguais), ou parcial

(se desiguais), ou maior até que a ocorrência do menor, que desaparecerá por

completo. A exigível é aquela dívida cujo pagamento pode ser pleiteado em

juízo. A fungibilidade das coisas compensadas constitui conseqüência

necessária do princípio legal de que ninguém pode ser obrigado a receber

coisa diversa daquela que lhe é devida.

Detalhando o tema, cabe ainda destacar que a compensação poderá

realizar-se com títulos de natureza diversa, dito de outra forma, não se exige

que o crédito do contribuinte seja desta ou daquela espécie, a lei

infraconstitucional requer apenas que o crédito seja líquido, certo e exigível.

Acresça-se aos requisitos acima mencionados o disposto no artigo 170 do

Código Tributário Nacional. Nessas condições, o que se denota é que esse

Diploma Legal elencou a maior especificidade da compensação tributária, tal

seja, a dependência de lei específica que a autorize.

5.3.1. A compensação e o artigo 170 do Código Tributário Nacional

As linhas gerais da compensação tributária encontram-se traçadas no

artigo 170, caput, do Código Tributário Nacional:

A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação

em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de

créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do

sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

79

Corolário dessa orientação normativa, há exigência de lei formal para que

se possa constituir um direito subjetivo à compensação de créditos tributários

com créditos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.

A existência de lei formal veda à Fazenda Pública abster-se de receber

seus créditos por compensação de obrigações contrapostas que preeencham os

demais requisitos exigidos pelo sistema jurídico.

Esclareça-se que o artigo 170 do CTN, por si só, não dispõe de direito

subjetivo à compensação. Ele apenas prevê a possibilidade de os Entes

Políticos autorizarem por lei específica a compensação de créditos do sujeito

passivo com créditos da Entidade Tributante.

Sobre o tema, sintetiza Diva Malerbi117:

(...) como norma geral, a Lei 5.172/66 não cria, por si só, direito subjetivo à

compensação tributária. Este é fruto exclusivo da lei, da pessoa política

compentente, que conterá a previsão das condições e garantias sob as quais

as dívidas recíprocas serão compensadas. São assim, requisitos da

compensação tributária: a) a existência de crédito do Fisco; b) a existência de

débito do Fisco; c) ato, quer do Fisco, quer do particular, que realize esse

encontro de relações jurídicas; e d) lei, da pessoa política compentente, que

autorize.

Ainda, sobre a expressão “nas condições e garantias que estipular” não

há dúvidas de que a mesma induz o interpréte a admitir a total vinculação da

autoridade administrativa ao disposto na lei que autorizar essa compensação.

Paulo de Barros Carvalho118 pensa do mesmo modo:

117 MALERBI, Diva. A cláusula pétrea da legalidade tributária e o instituto da compensação. Revista de Direito Tributário, n. 67, São Paulo: Malheiros, p. 280. 118 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 311.

80

A lei que autoriza a compensação pode estipular condições e garantias, ou

instituir os limites para que a autoridade administrativa o faça. Quer isso

significar que, num ou noutro caso, a atividade é vinculada, não sobrando ao

agente público qualquer campo de discricionariedade.

Com essas colocações, é notório que a compensação permanece

aplicável e vigente quando autorizada por lei própria, desde que o contribuinte

comprove que o crédito é capaz de conferir o direito da compensação, para

contrapor-se ao débito tributário devido a Fazenda Pública.

Aqui aportados, resta-nos refletir sobre a possibilidade de compensação

dos débitos remanescentes de ICMS com precatórios de acordo com o disposto

no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que concedeu

o “poder liberatório” para os precatórios vencidos e não honrados pela Entidade

Pública.

81

6. OS PRECATÓRIOS – CONSIDERAÇÕES CONSTITUCIONAIS

A palavra “precatório” vem do latim precatorius. É um termo

especialmente utilizado que se traduz em requerimento.

Precatórios são requisições expedidas pelo juiz da execução ao

Presidente do Tribunal competente em face de uma sentença condenatória

transitada em julgado em desfavor da Fazenda Pública para que expeça as

respectivas ordens de pagamentos dessas dívidas.

Humberto Theodoro Júnior define precatórios como119:

(...) a requisição de um juiz de 1º grau, mediante ofício, à autoridade

administrativa, que é o Presidente do Tribunal, de numerário para pagamento

decorrente de decisão judicial de 1º e 2º graus, transitada em julgado.

No mesmo sentido, conceitua Bruno Espiñeira Lemos120:

O termo precatório deriva do latim precatorius. É especialmente empregado

para indicar a requisição, ou propriamente a carta expedida pelos juízes da

execução de sentenças, em que a Fazenda Pública foi condenada a certo

pagamento, ao Presidente do Tribunal, a fim de que, por seu intermédio, se

autorizem e se expeçam as necessárias ordens de pagamento às respectivas

repartições pagadoras.

119 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Precatórios – problemas e soluções. Orlando Vaz coordenador. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 51. 120 LEMOS, Bruno Espiñeira. Precatório – trajetória e desvirtuamento de um instituto. Necessidade de novos paradigmas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editores, 2004, p. 41.

82

Aprofundando o tema, cabe destacar os ensinamentos de Humberto

Theodoro Júnior121:

(...) dois órgãos da Justiça, como se vê, participam necessariamente da

execução especial de que se cuida: a diligência parte de juiz de 1º grau, mas

só se completa com a interferência do Presidente do Tribunal. Sob o rótulo,

portanto, de precatório, há duas fases procedimentais distintas a cargo de

autoridades diferentes: em primeiro lugar o juiz da execução expede o ofício

requisitório, que é encaminhado ao Presidente do Tribunal. Após a tramitação

burocrática de comprovação de sua regularidade e de registro, o Presidente

expede o precatório propriamente dito para o órgão da Administração

encarregado do cumprimento da sentença.

A propósito da citação de Humberto Theodoro Júnior, lembramos que a

satisfação dos precatórios depende de uma outra atividade de cunho

administrativo. Ou seja, de acordo com as normas estabelecidas no Direito

Financeiro, o Poder Executivo deverá dotar o Poder Judiciário dos orçamentos

originalmente previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA), para que possa

liquidar seus débitos representados por títulos líquidos, certos e exigíveis.

Com efeito, a verba orçamentária direcionada ao pagamento dos

precatórios deve ser disponibilizada para o Presidente do Tribunal competente,

para que assim possa satisfazer as diversas dívidas de precatórios à conta dos

respectivos créditos.

Aprofundando o estudo, cabe ainda destacar que o precatório é um

instituto criado pelo ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade específica

de evitar que o Poder Público seja submetido ao processo ordinário de

execução.

121 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 51.

83

Dessa forma, com base no princípio da impenhorabilidade dos bens

públicos, o Texto Supremo, em seu artigo 100, disciplinou o pagamento dos

débitos devidos pela Fazenda Federal, Estadual, Distrital e Municipal por meio

dos precatórios.

Dispõe o artigo 100 do Texto Constitucional122:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos

devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença

judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação de

precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos

ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos

para este fim.

Parágrafo 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de

interesse público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos

de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários,

apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício

seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Parágrafo 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles

decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas

complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou

invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença

transitada em julgado.

Parágrafo 2º. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão

consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do

Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo

as possibilidades do depósito, e autorizam a requerimento do credor, e

exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o

seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

Parágrafo 3º. O disposto no caput desse artigo, relativamente à expedição de

precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei

como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal

deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Parágrafo 4º. A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no §3º

deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito 122 BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

84

público.

Parágrafo 5º. O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou

omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá

em crime de responsabilidade.

Da análise do artigo em questão percebe-se que o caput desse

dispositivo constitucional dispõe sobre a ordem cronológica de satisfação dos

precatórios. Assim, pautada no princípio da impessoalidade da Administração

Pública no exercício de suas funções, a satisfação dos precatórios deverá

necessariamente observar a ordem cronológica estabelecida123.

Sobre o princípio da impessoalidade da Administração Pública, cabe

descrever breves considerações aduzidas por Celso Antônio Bandeira de

Mello124:

Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os

administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem

favoritismo, nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades

pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação

administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de

qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da

igualdade e da isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da

Constituição. Além disso, assim como “todos são iguais perante a lei” artigo 5º,

caput, a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração.

A propósito, cabe lembrar que, para que o precatório seja satisfeito até o

final do exercício seguinte ao que forem expedidos, deverá ser necessariamente

apresentado até o último dia do primeiro semestre do ano anterior.

123 CF, art. 37, caput: “A administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também o seguinte: (...)”. 124 MELLO, op. cit., p. 110.

85

Entretanto, se o precatório for apresentado apenas no segundo semestre

do ano corrente, deverá ser inserido no orçamento do ano subseqüente.

Por sua vez, a verba necessária para o pagamento atualizado desses

títulos de dívidas públicas apresentados até 1º de julho daquele ano deverá

estar incluída na Lei Orçamentária Anual, de acordo com § 1º do artigo

mencionado.

Discorrendo sobre o pagamento atualizado do precatório, pontua Hugo de

Brito Machado125:

A verdadeira solução para o problema, a nosso ver, não está no pagamento

direto, mas na correta colocação da sistemática do precatório. E é simples.

Basta que a verba orçamentária destinada ao pagamento dos precatórios seja

uma previsão.

Aliás, nada justifica que não sejam assim. O orçamento, por sua própria

natureza, é uma previsão. Tanto as receitas, como as despesas, nele são

apenas previstas. Razão nenhuma existe para que, relativamente aos

precatórios, a verba orçamentária corresponda ao valor efetivo dos mesmos, e

não uma previsão. Feita esta correção na forma de inclusão no orçamento de

verba para os pagamentos dos precatórios, cada um deles, poderá ser pago

integralmente, isso é, com valor atualizado até a data do efetivo pagamento, e

logo em seguida a respectiva apresentação ao Tribunal, com efetiva

observância da ordem cronológica dessa apresentação.

Acerca desse tema, convém salientar que essa correção monetária será

feita até o dia 1º de julho do ano em que for apresentada. Todo o desgaste

decorrente do título, seja ele pela economia global ou atraso no pagamento,

ressalte-se, todo esse período, não será computado quando da efetiva

satisfação do crédito.

125 MACHADO, Hugo de Brito. Precatório e orçamento. Revista da Procuradoria Geral do Estado de Ceará, 7 (9), 1990, p. 144.

86

Quanto à incidência dos juros de mora, uma vez pagos os precatórios

dentro do prazo previsto na Lei Fundamental, não há que se falar na sua

incidência.

Neste sentido, Humberto Theodoro Júnior126 esclarece:

(...) a) o cumprimento seria feito até o final do exercício seguinte à

apresentação do precatório; b) durante esse prazo, o montante do precatório

ficaria sujeito à correção monetária, de sorte que o respectivo cumprimento

seria feito pelo valor atualizado na data do efetivo pagamento; c) não se

incluíram na referida atualização os juros de mora, certamente porque se

entendeu que, havendo um prazo legal para o pagamento, não estaria o

devedor, dentro dele, em mora.

Abrangendo ainda mais o assunto, importante mencionarmos a figura do

precatório complementar, que nada mais seria que o precatório expedido em

face da insuficiência do valor depositado para a liquidação do título atual.

Far-se-á mais uma vez necessária a expedição do precatório

complementar quando o pagamento do título vencido ocorrer após o prazo

estabelecido constitucionalmente, uma vez que o Presidente do Tribunal

competente não tem poderes para alterar o valor originário do título a ser

liquidado.

A forma de satisfação dos precatórios deverá obedecer ao disposto nos

artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil127.

126 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 63. 127 CPC, art. 730: “Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não o opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I – o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II – far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta e ordem do respectivo crédito”. CPC, art. 731: “Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito”.

87

Observado esse procedimento, se, uma vez citada, a Fazenda Pública

não opuser embargos no prazo estabelecido, o juiz requisitará o pagamento por

intermédio do Presidente do Tribunal competente.

Caso contrário, se, citada, a Fazenda Pública oferecer embargos, iniciar-

se-á uma nova discussão quanto ao valor devido pela entidade devedora até

que sejam expedidas novas ordens de pagamento, agora de acordo com o

decidido em sentença judicial transitada em julgado.

Ademais, cabe pontuar que, caso seja o credor preterido do seu direito de

preferência na satisfação do precatório, o Presidente do Tribunal, que expediu a

ordem poderá ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o

débito, como forma de preservar a ordem cronológica da satisfação dos débitos

públicos.

Mudando de assunto, do exame do artigo em comento não há dúvidas de

que os precatórios foram divididos em dois grupos, ou seja, os comuns e os de

natureza alimentícia.

Os precatórios de natureza alimentícia são aqueles decorrentes de

salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios

previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na

responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado,

conforme dispõe o § 1º-A do artigo citado.

Os precatórios de natureza alimentícia poderão ser satisfeitos com

preferência sobre os precatórios comuns. Contudo, faz-se necessária a

observância da ordem cronológica de pagamento dentro da sua categoria.

Como observa Bruno Espiñeira Lemos128, o § 1º-A do artigo 100 da

Constituição Federal teve como fim maior estabelecer limites para que se

possam caracterizar os precatórios de natureza alimentícia, afastando-se em

128 LEMOS, op. cit., p. 46.

88

definitivo as polêmicas que surgiram no momento de adequar-se o precatório

em sua ordem cronológica.

Reafirmando as razões expostas, cabe trazer aqui o verbete n.º 655 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal, que, após várias decisões no mesmo

sentido, assim se posicionou:

A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos

de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se

a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes

de condenações de outra natureza.

É, também, pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que

previu no verbete n.º 144 da sua Súmula:

Os créditos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os

precatórios de ordem cronológica dos créditos de natureza diversa.

Ainda no que toca a liquidação dos precatórios de natureza alimentícia,

importante ressaltar que a sua satisfação não está sujeita ao parcelamento

concedido à entidade devedora para o cumprimento dos precatórios comuns,

conforme previsão introduzida no caput do artigo 78 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias129.

129 ADTC, art. 78, caput: “Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorreram de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão de créditos”. ADCT, art. 33, caput: “Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros

89

É relevante frisar que o pagamento dos precatórios de natureza

alimentícia será feito em uma única parcela, com valores devidamente

atualizados na data da sua efetivação.

Por outro lado, os precatórios comuns previstos no artigo 100 da Carta

Magna deverão observar a ordem cronológica de apresentação, sem qualquer

tipo de preferência sobre os demais, à conta dos créditos respectivos, sob pena

de aplicação do disposto no artigo 731 do Código de Processo Civil.

Ao tratarmos da natureza jurídica dessas requisições, não poderíamos

deixar de mencionar o previsto no artigo 100, § 3º, do Texto Supremo, que fora

introduzido originariamente pela Emenda Constitucional n.º 20/98 e que instituiu

as “requisições de pequeno valor” – RPVs.

Convém realçar que essas “requisições de pequeno valor” foram

excluídas do regime processual dos precatórios, ainda que sujeitas à execução

por quantia certa contra a Fazenda Pública.

Nas “requisições de pequeno valor” não há ordem cronológica de

satisfação dos débitos. As requisições deverão ser cumpridas dentro do prazo

nela previstos, sob pena de seqüestro ou bloqueio das verbas públicas, no valor

suficiente para o seu pagamento.

Serão consideradas “requisições de pequeno valor” aquelas provenientes

de sentença relativa a dívidas definidas em lei como de pequeno valor.

Primeiramente, a Lei Federal n.º 10.099, de 19 de dezembro de 2000130,

pretendeu regulamentar os limites aplicáveis para que esses débitos pudessem

ser considerados “requisições de pequeno valor”.

e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição”. 130 Lei Federal n.º 10.099, art. 1º: “O art. 128 da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991, alterado pela Lei n.º 9.032, de 28 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e vinte oito reais e vinte cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitada no prazo de

90

Todavia, essa lei, ao regulamentar esse dispositivo constitucional, ou

seja, definindo os limites aplicáveis para que as requisições pudessem ser

consideradas de pequeno valor, disciplinou unicamente obrigações para a

Previdência Social, não sendo possível aplicá-la aos demais entes de direito

público.

Nada obstante, em 2001 foi editada a Lei n.º 10.259, que dispõe sobre a

instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça

Federal, e que regulamentou o § 4º do artigo 100 da Constituição Federal,

estabelecendo como “requisições de pequeno valor” aquelas condenações que

não ultrapassem o valor de 60 salários mínimos, tornando, assim, inaplicável a

regra constante da Lei n.º 10.099/00131.

Já nos âmbitos estaduais, distrital e municipais, a Constituição Federal,

em seu artigo 100, § 4º, estabeleceu que a lei poderá fixar valores distintos,

segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.

até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade de expedição de precatório. Parágrafo 1º. É vedado o fracionamento, repartição ou quebra de valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no caput e, em parte, mediante expedição de precatório. Parágrafo 2º. É vedada a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago na forma do caput. Parágrafo 3º. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no caput, o pagamento far-se-á sempre por meio de precatório. Parágrafo 4º. É facultada a parte exeqüente a renúncia ao crédito, no que exceder ao valor estabelecido no caput para que possa optar pelo pagamento do saldo sem precatório, na forma ali prevista. Parágrafo 5º. A opção exercida pela parte para receber os seus créditos na forma prevista no caput implica a renúncia do restante dos créditos porventura existentes e que sejam oriundos do mesmo processo. Parágrafo 6º. O pagamento sem precatório, na forma prevista neste artigo, implica quitação total do pedido constante na petição inicial e determina a extinção do processo. Parágrafo 7º. O disposto neste artigo não obsta a interposição de embargos a execução por parte do INSS. Art. 2º. O disposto no art. 128, da Lei n.º 8.213, de 1991, aplica-se aos benefícios da prestação continuada de que trata a Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Art. 3º. Os precatórios inscritos no Orçamento para o exercício de 2000 que se enquadrem nas demandas judiciais de que trata o art. 128 da Lei n.º 8.213, de 1991, ou no art. 2º desta Lei, poderão ser liquidados em até noventa dias da data da sua publicação, fora da ordem cronológica de apresentação. Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” 131 Lei n.º 10.259, art. 17: “Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do juiz, a autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório. Parágrafo 1º. Para os efeitos do parágrafo 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal – art. 3º, caput. Art. 3º, caput. Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.”

91

Ante a falta de regulamentação dos limites a serem considerados, a

Emenda Constitucional n.º 37/01, que introduziu no Texto Constitucional o artigo

87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias132, estabeleceu os

parâmetros para as “requisições de pequeno valor”, ou seja, limitou em 40

salários mínimos as requisições para a Fazenda dos Estados e do Distrito

Federal, e 30 salários mínimos para os Municípios.

Ademais, quando nas execuções das “requisições de pequeno valor” o

valor a ser recebido ultrapassar o limite previsto nesse artigo, será facultada à

parte exeqüente a renúncia do valor excedente, para que possa optar pelo

pagamento do saldo sem precatório, na forma estabelecida no artigo 100, § 3º,

do Texto Constitucional.

Acontece que esses títulos, mesmo dotados de todos os requisitos

indispensáveis à sua exigibilidade, uma vez apresentados, não estão sendo

honrados pela entidade devedora dentro do prazo constitucionalmente previsto,

o que faz surgir a questão da inadimplência dos precatórios.

Em contrapartida, o efetivo respeito às decisões judiciais transitadas em

julgado é corolário do Estado Democrático de Direito.

Assim, o inadimplemento dos precatórios dentro do prazo estabelecido

pelo nosso ordenamento jurídico viola o princípio da harmonia dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como os objetivos

fundamentais traçados pela República Federativa do Brasil.

Reforçando a assertiva, a questão da não-satisfação dos precatórios

desrespeita, acima de tudo, a construção de uma sociedade justa. O

inadimplemento desses títulos de dívida pública, que ao mesmo tempo pode ser

132 ADCT, art. 87: “Para efeito do que dispõe o parágrafo 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato de Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação. Observado o disposto no parágrafo 4º do Art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I – quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II – trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios”.

92

entendido como dinheiro do cidadão retido indevidamente pelos Entes Públicos,

compromete o incremento das atividades econômicas que influenciam

diretamente no desenvolvimento nacional.

Nessa linha de raciocínio, sintetiza muito bem Vicenzo Demetrio

Florenzano133:

(...) o não-pagamento dos precatórios é, sem dúvida, um problema grave que

poderíamos classificar como transdisciplinar complexo, sendo ao mesmo

tempo jurídico, econômico e social. É um problema jurídico porque o não-

pagamento dos precatórios configura um descumprimento de decisões judiciais

transitadas em julgado. Ora, se o próprio Estado não cumpre as decisões

judiciais, não se pode sequer falar em Estado de Direito. É também, no

entanto, um problema econômico porque afeta o desenvolvimento da atividade

econômica e diz respeito à alocação de recursos escassos. É, ainda, um

problema social, porque envolve a distribuição e aplicação de recursos

públicos.

Oportuna, nesse contexto, a contundente crítica de Martins da Silva

quanto ao endividamento constante do Estado e o não cumprimento dos

precatórios134:

A respeito ainda dos efeitos dos excessos de endividamento do Estado,

acreditamos ser oportuno ressaltar, antecipadamente, que, ao nosso ver, o

sistema atual de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, no

Brasil, bastante diferente da execução contra o particular, é um dos sintomas

do sufocante endividamento do Estado, uma vez que somente a extrema

desordem financeira dos governos explica a criação desse privilégio exclusivo,

também chamado “precatório-requisitório” através do qual a Fazenda Pública

obtém meios legais de procrastinar, durante longo tempo, o pagamento da

dívida passiva cobrada judicialmente.

133 THEODORO JUNIOR, op. cit., p. 18. 134 SILVA, Américo Luis Martins da. Do precatório-requisitório na execução contra a fazenda pública. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 4.

93

É cediço a partir do exposto que a questão da inadimplência dos

precatórios rompe o equilíbrio que deve reinar em toda a ordem jurídica,

levando o constituinte derivado a adotar posturas cada vez mais eficientes na

liquidação desses títulos.

Como corolário disso, foi editada a Emenda Constitucional n.º 30, que, ao

acrescentar o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

previu que os precatórios não satisfeitos dentro do prazo previsto terão o “poder

liberatório” para a liquidação de tributos junto à mesma entidade devedora.

Pensamos, por fim, que ao assim dispor o artigo em comento forneceu os

instrumentos jurídicos necessários e aptos para a solução dessa questão.

94

7. A EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 30

Na tentativa de solucionar a questão do inadimplemento dos precatórios

foi promulgada em 13 de setembro de 2000 a Emenda Constitucional n.º 30.

Assim, ao trazer alterações ao disposto nos §§ 1º, 2º, 3º, do artigo 100 do

Texto Supremo, e acrescer ao mesmo dispositivo constitucional os §§ 1º-A, 4º e

5º, bem como, ao introduzir o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, a Emenda Constitucional n.º 30 privilegiou a moralidade

administrativa, diminuindo os inconvenientes encontrados pelos credores dos

precatórios no momento do seu pagamento.

De fato, com essa Emenda pretendeu-se resolver o problema da

morosidade contumaz no pagamento das dívidas advindas dos precatórios,

proporcionando relevantes modificações na forma de extinção desses débitos

da Administração Pública.

Bruno Espiñeira Lemos135, ao lecionar sobre o tema, aduz:

A tentativa de se traçar argumentos jurídicos, de cunho cientifico, com relação

à eficácia e necessidade do sistema de precatório no Brasil é tarefa de

dificuldade extrema diante das mazelas e abusos que vem sendo cometidos

em nome das “necessidades” do Poder Público, com malferimentos via

Emenda 30/00, da própria ordem constitucional, diante de rolagem de dívidas

de modo irresponsável e assistemático, sem qualquer estudo preciso e

atuarial, sem observância mesmo do princípio da proporcionalidade, com

resultados de difícil projeção e de futuro duvidoso para o Erário, pois tudo isso

aguça a revolta legítima dos cidadãos comuns e ainda da própria comunidade

jurídica do nosso país, contra o instituto do precatório.

135 LEMOS, op. cit., p. 50.

95

7.1. A Emenda Constitucional n.º 30 e o artigo 100 da Constituição Federal

Como forma de se preservar a impessoalidade da Administração Pública

e a igualdade entre os administrados, a Emenda Constitucional n. º 30 alterou

os dispositivos do artigo 100 da Carta Fundamental, bem como acresceu ao

mesmo dispositivo constitucional os §§ 1º-A, 4º e 5º.

Dessa forma, convém explicitar, pela relevância e atualidade do tema, as

mudanças introduzidas pela citada emenda. Pontua-se:

a) no § 1º ficou disciplinado que os precatórios deverão ser pagos

devidamente atualizados dentro do prazo constitucional, afastando-se a prática

do pagamento do título pelo seu valor nominal;

b) outra novidade introduzida pela Emenda foi a definição dos precatórios

de natureza alimentícia, diferençando-os dos precatórios de natureza comum

previsto na artigo 100, caput da Constituição, excluindo-os da ordem

cronológica de apresentação desses últimos, acabando com as polêmicas

existentes de adequação dos precatórios na sua ordem cronológica;

c) no § 2º determinou-se que a verba orçamentária deverá ser

“diretamente” consignada ao Poder Judiciário, eliminando-se a intermediação

entre orçamento, órgão e Poder Judiciário;

d) no § 3º foi corrigida a omissão contida na parágrafo anterior, incluindo-

se no dispositivo a Fazenda Pública do Distrito Federal;

e) com a introdução do § 4º, permitiu-se diferençar os valores a serem

considerados quando da satisfação das requisições de pequeno valor, de

acordo com a capacidade de cada entidade de direito público;

96

f) por fim, ao acrescentar o § 5º o constituinte derivado tipificou o crime

de responsabilidade nas hipóteses de omissão ou comissão do Presidente do

Tribunal competente para processar os precatórios, quando no exercício de

suas funções retardar ou frustrar a liquidação regular desses títulos.

7.2. A Emenda Constitucional n.º 30 e o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Retomando o foco do assunto, interessa-nos no presente estudo a análise

do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que previu

formas alternativas de extinção dos precatórios.

Numa atitude de extravagância ímpar, a Emenda Constitucional n.º 30, de

13 de setembro de 2000, ao acrescentar o artigo 78 ao Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias – ADCT, atribuiu aos precatórios, de acordo com o

que consta no § 2º, o “poder liberatório” quando estes não forem liquidados até

o final do exercício a que se referem, a saber:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os

de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 deste Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os

seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios

pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações

iniciais ajuizadas até o dia 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu

valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações

anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão

de créditos.

Parágrafo 1º. É permitida a decomposição de parcelas a critério do credor.

Parágrafo 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão,

se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório de

pagamento de tributos da entidade devedora.

Parágrafo 3º. O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois

97

anos nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de

imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da

imissão na posse.

Parágrafo 4º. O Presidente do Tribunal compentente deverá, vencido o prazo

ou em casos de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de

precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de

recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da

prestação.

Da leitura do dispositivo constitucional, fácil perceber que, após a entrada

em vigor da emenda, ficou estabelecido um novo prazo para as Fazendas

Públicas satisfazerem os seus débitos decorrentes de precatórios pendentes em

13/09/2000 (data da promulgação da Emenda Constitucional n. 30), bem como

os decorrentes de ações ajuizadas até 31/12/1999.

Desse modo, os precatórios poderão ser liquidados pelo seu valor real,

em moeda corrente, acrescido dos juros legais, em prestações anuais, iguais e

sucessivas, no prazo máximo de dez anos.

Desenvolvendo a idéia do parcelamento dessa dívida, José Otávio de

Vianna Vaz136 leciona:

(...) tal entendimento decorre do fato de que as parcelas devem ser “anuais,

iguais e sucessivas”, fato pelo qual a Fazenda deveria estipular o número de

pagamentos e, conseqüentemente, o valor (nominal) das parcelas. De fato,

tratando-se de direito potestativo da Fazenda, esta deveria exercê-lo no prazo

de pagamento da primeira parcela.

Ao estabelecer a moratória para a Entidade Pública liquidar seus débitos,

representados por precatórios, permitiu a cessão desses títulos, ou seja,

136 VAZ, op. cit., p. 120.

98

possibilitou a transferência desse crédito a terceiro estranho a relação jurídica

originária.

7.2.1. Os precatórios e a cessão de crédito

Dispõe o caput do artigo 78 do ADCT:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os

de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 deste Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os

seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios

pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações

iniciais ajuizadas até o dia 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu

valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações

anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão

de créditos.

(...)

A cessão de crédito é instituto previsto nos artigos 286 e ss. do Código

Civil, a saber:

O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da

obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da

cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do

instrumento da obrigação.

99

Maria Helena Diniz137 entende a cessão de crédito como:

é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma

obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário),

independentemente do consentimento do devedor (cedido), sua posição na

relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição

em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional.

E complementa138:

Quanto ao objeto da cessão, é preciso lembrar que qualquer crédito poderá ser

cedido, conste ou não de um título, esteja vencido ou por vencer, se a isso não

se opuser (CC, art. 286): a) a natureza da obrigação, pois é óbvio que serão

incedíveis os créditos oriundos dos direitos personalíssimos (...); b) a lei, visto

que serão cedíveis a herança da pessoa viva (CC, art. 426) (...); c) a

convenção com o devedor, pois não poderá ser cedido os créditos quando as

partes ajustaram a sua intransmissibilidade.

Convém acrescer ainda que a cessão de crédito pode ser gratuita ou

onerosa, total ou parcial e, ainda, convencional, legal ou judicial. A convencional

é aquela que decorre da livre vontade das partes e pode ser onerosa ou

gratuita; a legal é a que decorre de lei; por fim, a judicial é a que advém de

sentença judicial.

Ademais, no que concerne à validade da cessão de crédito, estabelece o

artigo 290 do Código Civil que não tem eficácia em relação ao devedor senão

137 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 2º volume. Teoria geral das obrigações. 17ª ed. revista e atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406 de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 421. 138 Idem, p. 421.

100

quando a este notificada, contudo, por notificado se tem o devedor que, em

escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

Dessa forma, se o devedor paga ao cedente, sem que seja notificado da

cessão de crédito, o pagamento reputar-se-á válido. Caberá ao cedente

transferir ao cessionário o valor recebido.

Do exposto, podemos concluir que todo o crédito poderá ser cedido,

desde que não contrarie o disposto no artigo 286 do Código Civil.

7.2.2. O “poder liberatório” dos precatórios

Preceitua o artigo 78, parágrafo 2º, do ADCT que, se a primeira dessas

prestações anuais não for liquidada até o final do exercício a que se refere, terá

o credor do precatório “poder liberatório” para o pagamento de tributos junto à

mesma entidade devedora.

Noutras palavras, o não-pagamento pela Fazenda Pública da primeira das

dez parcelas, dentro do prazo constitucionalmente previsto, faz caducar o direito

do parcelamento, passando a ser devedora do montante integral da dívida

constante no precatório.

Desse modo, o credor do precatório que ao mesmo tempo for contribuinte

de imposto a ser recolhido junto à mesma entidade devedora poderá, a partir do

“poder liberatório” desses títulos, liquidar seus débitos, por meio da

compensação tributária, uma vez que esse “poder” mais se assemelha à

compensação, que é uma das formas de extinção de obrigações tributárias.

José Otávio de Vianna Vaz139 faz coro a esse posicionamento, concluindo

que,

139 VAZ, op. cit., p. 120-121.

101

tendo em vista, entretanto, que o “poder liberatório” é efeito, faz-se necessário

verificar com qual dos mencionados institutos (causas) ele se identifica, para

se adotar, por analogia, o melhor regime jurídico para a sua aplicação.

Como já se afirmou, o “poder liberatório”, como conseqüência, equipara-se a

todas as formas de extinção de obrigações aqui enumeradas. Tendo em vista,

no entanto, que se trata de direito oponível à Fazenda, a este deve ser dado

tratamento semelhante às formas de extinção das obrigações tributárias

constantes no CTN.

Não poderia, assim, ser assemelhado ao “pagamento”, porque neste há a

transferência de numerário do sujeito passivo (devedor tributário-credor do

precatório) para o sujeito ativo (credor tributário-devedor do precatório),

consistindo em uma prestação de “dar dinheiro”, o que não ocorre; pelo mesmo

motivo, não se pode equipará-lo à “dação em pagamento em bens imóveis”, à

“conversão do depósito em renda”, ao “pagamento antecipado ou a sua

homologação” e à “consignação em pagamento”, pois todas essas formas de

extinção envolvem, de certa forma, uma obrigação de “dar”, seja em dinheiro,

seja em imóveis; a “transação”, em geral, envolve acordo, o que não ocorre no

caso do “poder liberatório”, por ser este um direito potestativo do credor da

Fazenda; a “remissão” exige ato unilateral do credor, o que também não ocorre

no caso; “a prescrição e a decadência” necessitam, para sua ocorrência, de

lapso de tempo pré-definido e inércia do titular, para o exercício do direito ou

da ação, requisitos inexistentes no caso em questão; a “decisão administrativa

irreformável” e a “decisão judicial passada em julgado”, às quais se refere a lei,

são formas de reconhecimento do direito material invocado pela parte, que

pode ser qualquer uma das hipóteses já mencionadas. Resta, portanto, a

compensação.

E conclui Vianna Vaz140:

Por óbvio, o “poder liberatório” do valor do precatório somente ocorre quando

não há seu pagamento. Assim, o “poder liberatório” dos precatórios mais se

assemelha à compensação, que se dá pela extinção das dívidas até o

montante em que se compensarem, quando duas pessoas forem, ao mesmo

140 Idem, p. 122.

102

tempo, credora e devedora uma da outra. Verifica-se, destarte, não ter

aplicação, no caso, o caput do art. 100, uma vez que não se trata de

“pagamento”, mas de espécie de compensação de dívida.

Reforçando o entendimento do “poder liberatório” como forma de

compensação, aduz Sacha Calmon Navarro Coelho141:

Agora não há como protelar e nem o Judiciário deve compartilhar com tal

propósito, o que nos cabe é ofertar à expressão “poder liberatório” o mesmo

significado da “solutio” dos romanos, isto é, como todo fato jurídico que tenha

efeito de extinguir a obrigação. Na verdade, o vocábulo pagamento deve ser

entendido no sentido jurídico mais amplo, ou seja, não está ele

necessariamente ligado a uma instrumentalização, pois, tanto se paga em

dinheiro, moeda corrente, através de outros títulos, inclusive no tradicional

abate de contas, tão comum no Direito Comercial, de onde surge a expressão

compensação, isso porque, nesta modalidade de instrumento, o que se busca

é contrabalançar as contas, ou seja, créditos havidos por causa de um dos

títulos, isso porque se a pessoa é ao mesmo tempo devedor e credor, ajustam-

se as contas, de tal forma que uma paga a outra.

A evolução do instituto, por meio dessa norma inovadora que conferiu o

“poder liberatório” aos precatórios, possibilitou aos credores duas alternativas

para quitar seus débitos fiscais junto à mesma entidade devedora, quais sejam:

o primeiro seria por meio do instituto da compensação tributária, que é uma das

formas de extinção do débito tributário; o segundo decorre da execução fiscal

movida em face do titular do precatório, pois esse credor poderia nomear o

precatório como forma de garantir a execução fiscal e, caso fosse vencido na

execução, o precatório seria revertido em renda a favor da Fazenda Pública

devedora do título garantidor142.

141 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Os precatórios, a solução. Disponível em <www.sacha.adv.br/admin/arq_opiniao/7a9e5de95f737b31cb6dfe05b616e644.pdf>. 142 A propósito cabe trazer decisão do Superior Tribunal de Justiça, admitindo a possibilidade da

103

Cada uma das possibilidades acima discriminadas apresenta

particularidades, além de serem regidas por legislação própria e distintas.

Interessa-nos a análise da primeira forma de utilização dos precatórios, ou seja,

convém estudar a previsão do “poder liberatório” como sendo uma forma de

“compensação” que extingue as obrigações tributárias.

7.2.3. A auto-aplicabilidade do artigo 78 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias – ADCT

A Emenda Constitucional n.º 30/2000, ao acrescentar o artigo 78 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias, garantiu o “poder liberatório” para

os créditos decorrentes de precatórios correspondentes às prestações anuais,

que não forem liquidadas até o final do exercício a que se referem.

Em outras palavras, a emenda em comento estabeleceu um direito

subjetivo a esses credores de utilizar esses precatórios para liquidar impostos

de competência da Entidade Pública devedora.

Convém realçar que esse “poder liberatório”, que mais se equipara a

compensação como forma de extinção de débitos tributários, não condiciona a

utilização de precatórios como garantia, em Execução Fiscal: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO À PENHORA. PRECATÓRIOS JUDICIAIS DE ESTADO. GARANTIA DO JUÍZO. ENTIDADE AUTÁRQUICA EXTINTA. DÍVIDA TRANSFERIDA AO ESTADO. POSSIBILIDADE. 1. ‘O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Assim, a recusa, por parte do exeqüente, da nomeação feita pelo executado, pode ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido.’ (EREsp 870428/RS, 1ª Seção, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 13.08.2007 p. 328). 2. ‘[...] I – A gradação estabelecida no artigo 11 da Lei nº 6.830/80 e no artigo 656 do Código de Processo Civil tem caráter relativo, por força das circunstâncias e do interesse das partes de cada caso concreto. II - A jurisprudência deste Tribunal tem admitido a nomeação à penhora de crédito da própria Fazenda Estadual, atinente a precatório expedido para fins de garantia do juízo.’ (AgRg no Ag 447126/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU 03.02.2003). 3. Não se observa empeço legal a que a penhora recaia sobre créditos existentes em favor do executado, ora recorrente, máxime, in casu, em que os créditos ofertados, em fase de precatório, são devidos pelo próprio Estado que promove a execução fiscal, preenchendo, por via de conseqüência, os requisitos essenciais de liqüidez e certeza. 4. Recurso Especial provido” (REsp 954543 / RS, Relator Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), julgado em 25 de março de 2008 e publicado em 14 de abril de 2008, p. 1).

104

fruição de tal garantia ao cumprimento de requisitos outros senão aqueles

previstos no artigo em análise. Ou seja, dado o disposto no artigo 78 do ADCT,

o “poder liberatório” se sobressai automaticamente.

Pormenorizando o assunto, o precatório, uma vez expedido, recebe um

número específico de acordo com a sua ordem cronológica. Por sua vez, a

Fazenda Pública, anualmente, procede aos pagamentos devidamente

atualizados, de modo igual e sucessivo. Todavia, se a Fazenda, dentro do prazo

determinado, não honra com o pagamento desses títulos junto ao credor, resta

caracterizada a mora da Entidade Pública, que enseja no “poder liberátorio”

para pagamento de tributos junto a mesma entidade devedora.

Como se vê, a Emenda Constitucional n.º 30, ao dispor sobre o “poder

liberatório” dos precatórios, estabaleceu direito potestativo ao credor desses

títulos de dívida pública, nada havendo nela que se exija regulamentação.

Complementado o exposto, sábias palavras de Thomas Cooley citado por

Paulo Bonavides143:

Pode-se dizer que uma disposição constitucional é auto-executável (self

executing), quando nos fornece uma regra mediante a qual se possa fruir e

resguardar o direito outorgado, ou executar o dever imposto, e que é não auto-

aplicável, quando meramente indica princípio, sem estabelecer normas, por cujo

meio se logre dar a esses princípios vigor de lei.

Destaque-se que a disposição contida no artigo 78 da ADCT é norma

auto-executável que não necessita de uma regulamentação mais acurada. O

direito de compensar se apresenta vinculado exclusivamente ao fato

característico de mora da Fazenda Pública no que toca à liquidação dos

143 BONAVIDES, op. cit., p. 216.

105

precatórios. Ou seja, a mora, por si só, gera o direito subjetivo do credor à

compensação.

Por outro lado, cumpre esclarecer que o artigo 78 do ADCT em nenhum

momento usa a expressão “na forma da lei”, o que reforça ainda mais a idéia da

auto-aplicabilidade do comando constitucional, sujeito apenas às limitações do

sistema no qual se encontra inserido.

Os limites desse preceito fundamental encontram-se delimitados na

própria Carta Magna, não havendo a possibilidade de sua regulamentação por

normas infraconstitucionais; a essas normas hierarquicamente inferiores,

caberá, quando muito, dispor no mesmo sentido do comando legal.

À vista do exposto, importante acrescentar que o “poder liberatório” dos

precatórios é conferido apenas aos títulos de natureza comum, não irradiando

efeitos quando se tratar de precatórios alimentares.

Veja-se. O artigo 78, caput do ADCT excetua claramente de sua

disposição os créditos definidos em lei como de pequeno valor e os créditos de

natureza alimentar. Por esse motivo, o pagamento desses créditos deverá

obedecer o disposto no artigo 100 da Constituição Federal.

7.2.3.1. Da não aplicação do artigo 170 do Código Tributário Nacional

A compensação, forma extintiva da obrigação tributária prevista no artigo

156, II, do Código Tributário Nacional, e tratada com maior riqueza no artigo 170

do mesmo Diploma Legal, é fruto exclusivo de lei, da pessoa política

compentente, que conterá a previsão das condições e garantias sob as quais as

dívidas serão compensadas.

106

Evidentemente, no direito tributário, para que se produzam os efeitos

desejados pelo sistema positivo, a compensação está sujeita ao primado da

legalidade.

No mesmo sentido, Diva Malerbi144:

À luz da Lei 5.172/66, a compensação pode pôr fim a obrigações tributárias, pois

vem definida como um dos modos de extinção do crédito tributário (CTN, art. 156,

II). Crédito tributários podem ser objeto de compensação com créditos líquidos e

certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (CTN,

art. 170).

A partir das considerações supra, fácil perceber que a compensação

estabelecida no artigo 78 do ADCT não está condicionada ao disposto no artigo

170 do CTN.

Conforme já expusemos, esse dispositivo constitucional criou direito

potestativo ao credor de precatórios vencidos e não honrados, que não está

sujeito às previsões de comandos infralegais, ou seja, não há como submeter os

dispositivos constitucionais às exigências infralegais.

Noutras palavras, importante realçar que a garantia em questão provém

do Texto Constitucional e não de legislação infraconstitucional, não se podendo

restringir esse direito com fundamento em normas hierarquicamente inferiores à

Constituição Federal.

Realizada essa primeira etapa, resta-nos interligar e aplicar todos itens

desenvolvidos neste trabalho e refletir sobre a possibilidade da compensação de

débitos de ICMS com precatórios vencidos e ainda não honrados pela entidade

devedora.

144 MALERBI, op. cit., p. 280.

107

A tarefa é árdua, restando à autora desta dissertação mostrar uma das

possibilidades encontradas, a partir das normas previstas dentro do

ordenamento jurídico, de compensar os débitos de ICMS com créditos de

precatórios, posto que, de modo geral, tanto a doutrina quanto a jurisprudência

têm tratado o assunto com certo preconceito.

108

8. REFLEXÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE

DÉBITOS DE ICMS COM PRECATÓRIOS

8.1. Considerações preliminares

Dada a relevância do estudo do tema sob o enfoque sistêmico, buscamos

na primeira parte deste trabalho, discorrer sobre o sistema, bem como sobre o

sistema jurídico, oportunidade em que constatamos que a sua estrutura

fundamental tem por base um sistema constitucional que legitima toda a ordem

jurídica.

Considerando que a legitimidade do sistema jurídico pressupõe a correta

aplicação e interpretação dos ditames fundamentais que regem o ordenamento,

é preciso que esses comandos constitucionais sejam aplicados nos exatos

limites estabelecidos pela Constituição Federal.

Com efeito, procuramos traçar o perfil constitucional da regra-padrão de

incidência tributária do ICMS. Dentro do contexto, não poderíamos deixar de

destacar, sobremodo, o comando constitucional que dispõe sobre a não-

cumulatividade, que é o direito subjetivo previsto ao contribuinte desse imposto,

de compensar débitos advindos de operações futuras com crédito decorrente

das operações anteriores.

Dentro do contexto, dispomos sobre a compensação como forma de

apuração e liquidação dos débitos de ICMS, oportunidade, que nos coube falar

sobre o princípio da não-cumulatividade e a compensação como forma de

extinção da obrigação tributária prevista no artigo 156, II, do Código Tributário

Nacional.

109

Para um melhor entendimento do tema, indo mais além, foram pontuados

os contornos constitucionais dos precatórios previstos no artigo 100 do Texto

Supremo, bem como as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. º 30,

de 13 de setembro de 2000.

Essa Emenda Constitucional n.º 30 ganhou destaque no cenário nacional

ao acrescentar o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Com base no disposto no comando constitucional, possibilitou-se a cessão de

créditos de precatórios, e ainda, restou garantido o “poder liberatório” para

liquidar débitos tributários junto à mesma entidade devedora, quando estes não

forem satisfeitos até o final do exercício a que se referem.

Logo, ao dispor sobre o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, não poderíamos deixar de tratar da auto-aplicabilidade do artigo

em questão, e conseqüentemente da não aplicação do artigo 170 do Código

Tributário Nacional.

Por fim, buscar-se-á, na segunda parte desta dissertação, implementar a

interpretação dos comandos constitucionais na busca de possibilitar a

compensação dos débitos de ICMS com créditos decorrentes de precatórios

vencidos, como forma de resgatar a credibilidade tanto do instituto, quanto dos

seus governantes.

8.2. O fenômeno jurídico da compensação tributária do ICMS

Embora regulamentado por lei infraconstitucional, os contornos do ICMS

encontram-se previstos no Texto Constitucional.

É nesse patamar que vamos delimitar pormenorizadamente a subsunção

do um suposto fato ocorrido no mundo fenomênico à norma padrão de

incidência do ICMS.

110

Assim, para que reste configurada a hipótese prevista na regra-padrão de

incidência do ICMS, necessário que o sujeito passivo realize uma operação de

circulação de mercadorias, ou, ainda, preste serviços de transporte ou

comunicação conforme disposto anteriormente.

Cabe ainda destacar que, observado o princípio constitucional da não-

cumulatividade, o fenômeno da incidência da regra-padrão do ICMS, conforme

veremos no exemplo prático, faz com que se estabeleçam duas obrigações de

naturezas distintas: uma tributária e outra financeira.

Na obrigação tributária, o Estado – sujeito ativo da relação jurídica – é o

credor da obrigação tributária. Por outro lado, na obrigação de natureza

financeira, o contribuinte – também denominado de sujeito passivo – é que

passa a ser o credor da relação jurídica, uma vez que lhe é assegurado o direito

de compensar os créditos advindos das operações anteriores com as operações

subseqüentes.

Para uma melhor compreensão da regra-padrão de ICMS, bem como da

incidência do princípio da não-cumulatividade, necessário exemplificarmos com

um caso prático, que assim se exterioriza:

No exemplo prático em exame, uma indústria de toalhas vende os

produtos por ela produzidos no valor de R$ 2.000,00 para um comerciante

atacadista. Por sua vez, esse atacadista comercializa esse mesmo produto para

um varejista no valor de R$ 2.500,00, que o revende para o consumidor final por

R$ 3.000,00.

Supondo que nesse caso a alíquota aplicada em toda operação, ou seja,

desde a indústria até o consumidor final, seja de 18%, observado ainda o

princípio da não-cumulatividade, o valor devido em cada uma das etapas será o

seguinte:

111

1) operação da indústria para o atacado:

Valor da operação: R$ 2.000,00

Imposto a ser recolhido: 18% x 2.000,00 = R$ 360,00

2) operação do estabelecimento atacadista para o estabelecimento

varejista:

Valor da operação: R$ 2.500,00

Imposto a ser recolhido: 18% x 2.500,00 = 450,00 (+)

Compensando o valor recolhido na operação anterior R$ 360,00 (-)

O imposto a recolher é de R$ 90,00

3) operação do estabelecimento varejista para o consumidor final:

Valor da operação: R$ 3.000,00

Imposto a ser recolhido: 18% x 3.000,00: R$ 540,00 (+)

Compensando o valor recolhido na operação anterior R$ 450,00 (-)

O imposto a recolher é de R$ 90,00.

Nota-se, assim, que o comando constitucional da não-cumulatividade,

quando aplicado na regra-padrão do ICMS, faz com que surja para o

contribuinte desse imposto o direito à compensação quando da apuração do

imposto devido.

112

Por outro lado, o saldo, ainda remanescente do imposto, poderá ser

liquidado com o pagamento em espécie, ou com a verificação de qualquer outra

causa extintiva da obrigação tributária.

A compensação, forma extintiva de obrigação tributária, prevista no artigo

156, II, do Código Tributário Nacional, encontra-se detalhadamente disciplinada

no artigo 170 do mesmo Diploma Legal.

Como sabemos, o artigo 170 do CTN condiciona a compensação de

tributos fiscais à expressa previsão legal. Assim, uma vez editada tal lei

autorizadora, nasce para o sujeito passivo desse imposto o direito de

compensar seus créditos com os débitos fiscais devidos.

Dentro desse contexto, importante salientar, que o ICMS é o tributo de

maior repercussão econômica no cenário nacional, e por ser a principal, e a

maior fonte de arrecadação dos Estados é um dos que mais contribuintes

alcançam.

Acontece que, mesmo sendo os credores de uma das maiores

arrecadações tributárias, os Estados brasileiros vêm enfrentando nos últimos

anos uma grave crise orçamentária e financeira decorrente do significativo

aumento de número de precatórios judiciais vencidos e não honrados dentro do

prazo constitucionalmente previsto.

Realçando o quadro da inadimplência contumaz dos Estados, verifica-se,

ainda, com muita freqüência a não realização da receita prevista na Lei

Orçamentária, o que acarreta o acúmulo de precatórios não quitados de um

exercício para o seguinte, comprometendo, desse modo, o pagamento dos

precatórios orçados posteriormente.

Por outro lado, não há uma preocupação maior dos Estados em autorizar

leis que disponham sobre a compensação como forma de extinção de débitos

fiscais, vingando a insegurança jurídica e levando os contribuintes desse

imposto através do direito subjetivo disposto no artigo 78 do ADCT.

113

Por essa razão, e conforme entendimento a ser demonstrado adiante,

uma das melhores alternativas para satisfazer os interesses do Estado-devedor

e do contribuinte-credor é a aplicação do artigo 78 do ADCT, pois do contrário a

ordem jurídica feneceria em decorrência de sua inflexibilidade.

8.3. A possibilidade da compensação de débitos de ICMS com créditos de precatórios à luz do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Pairam no meio jurídico e no contexto social um descrédito e um

desânimo em torno da satisfação dos precatórios vencidos e não honrados pela

entidade devedora.

Essa inadimplência contumaz do Estado nos levou a crer, por muito

tempo, que no ordenamento jurídico não havia normas ou instrumentos capazes

de compelir a Administração Pública a honrar com suas dívidas.

Isto é, a obsolescência no pagamento dos precatórios, no mínimo injusta,

consagrada pelo desestímulo da entidade devedora em liquidar seus débitos,

fez com que se clamasse, por muito tempo, por um aperfeiçoamento da ordem

jurídica, uma mudança consentânea com os direitos assegurados aos indivíduos

pelo Texto Supremo.

Não por acaso, foi editada a Emenda Constitucional n.º 30, que

representou um marco no sistema do direito positivo. Vejamos. Ao acrescer o

artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assegurou ao

credor do precatório não honrado dentro do prazo previsto pelo Texto Supremo

o “poder liberatório” para quitar débitos tributários junto à mesma entidade

devedora, em outras palavras, previu formas alternativas para a satisfação

dessas dívidas.

114

Assim, o “poder liberatório” garantiu um direito potestativo ao credor-

contribuinte de liquidar seus débitos junto à Fazenda Pública, tendo, ainda, um

papel bastante motivador no resgate da credibilidade desses títulos, como forma

de realçar a segurança e a certeza do direito.

Importante destacar, ademais, que a Emenda Constitucional n.º 30, ao

prever o “poder liberatório” para a satisfação dos precatórios, contribuiu

significativamente na valorização da moralidade administrativa e, mais, procurou

combater os atos arbitrários dos Entes Públicos, mediante a previsão de meios

alternativos para a liquidação dos títulos vencidos e não honrados.

O cenário atual é propício a esse movimento moralizador, pois, no

momento em que o desrespeito ao adimplemento dos precatórios estaduais

atinge as raias do absurdo, os credores desses títulos, que ao mesmo tempo

são contribuintes de ICMS, encontram no preceito fundamental do “poder

liberatório” a oportunidade para a extinção de suas obrigações tributárias.

Pois bem. Conforme ressaltado alhures, a Constituição Federal, ao dispor

sobre o “poder liberatório”, garantiu ao contribuinte de ICMS o direito de liquidar

débitos fiscais junto à mesma entidade devedora, funcionando esse crédito

como “moeda de pagamento”, nos dizeres de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino.

Bem de ver que o “poder liberatório”, dadas as suas características

próprias, é uma forma de extinção de obrigação tributária, que se exterioriza

pela compensação de obrigações tributárias, contudo, não se sujeitando ao

disposto no artigo 170 do CTN.

É de simples compreensão que a Constituição Federal, ao garantir o

“poder liberatório” aos precatórios, pretendeu avançar nos mecanismos

disponíveis no sistema jurídico para a liquidação de débitos fiscais, já que não

há uma preocupação maior dos Entes Políticos em autorizarem leis que

disponham sobre a compensação tributária.

115

O uso do “poder liberatório” para a compensação de débitos de ICMS

com créditos de precatórios permitiria conferir ao ordenamento jurídico

estabilidade nas relações jurídicas, pois o clima de completa insegurança

decorrente da inadimplência desses títulos pelos Entes estatais e, ainda, da

falta de leis estaduais dispondo sobre a compensação tributária, como é sabido,

abala a ordem jurídica, econômica e social dos Estados.

Além disso, o disposto no artigo 78 do ADCT, dentro dos limites

estabelecidos pelo ordenamento, é uma alternativa jurídica para satisfazer os

interesses dos sujeitos envolvidos numa determinada relação de direito, como

forma de viabilizar a máxima justiça possível. E mais, será tanto melhor e mais

legítima quanto mais conferir ao sistema coerência e possibilidade para uma

melhor sintonia com os justos anseios sociais.

Nessa medida, a impossibilidade da compensação de débitos de ICMS

com precatórios por meio do “poder liberatório” levar-nos-ia admitir ser lícito ao

Estado ficar com o indevido e, em contrapartida, exigir o devido, vindo a

desequilibrar por meio de atos ilegais e imorais o desenvolvimento econômico

do país.

Com o intuito de corroborar a posição defendida, não podemos esquecer

que os princípios fundamentais devem iluminar todas as searas do direito,

sendo sua observância pressuposto basilar que visa a coibir a perpetuação de

um ordenamento jurídico injusto.

Desse modo, esses princípios devem exercer a função de diretrizes

superiores do sistema, vinculando a atuação dos operadores jurídicos na

aplicação das normas, no sentido de preservar o direito dos contribuintes, uma

vez que tais preceitos não configuram como enunciados meramente retóricos e

distantes da realidade, mas possuem plena juridicidade.

Assim, proibir o uso do “poder liberatório” no caso em análise seria o

mesmo que desrespeitar o comando constitucional da segurança jurídica, pois

colocaria o contribuinte em posição de vulnerabilidade em face dos atos

116

arbitrários do Ente Público, ou seja, condicionaria um direito do credor às

vontades do Estado.

Como decorrência lógica, restaria afrontado, ainda, o princípio

republicano, que reza por uma democracia representativa, em que se há de

zelar pela atuação de regras e garantias fundamentais como forma de se

alcançar a isonomia e a justiça na aplicação do direito.

Reforçando esse entendimento, a Constituição Federal, como lei

suprema, não permite nessas hipóteses que nenhum dos credores em questão

se oponha à compensação como forma de se preservar a igualdade processual

dos sujeitos na relação jurídica, combatendo irregularidades lesivas ao

patrimônio do contribuinte desse imposto.

Com efeito, é fácil imaginar o impulso que seria dado à economia do país

se, por meio do “poder liberatório”, os débitos de ICMS fossem compensados

com os créditos de precatórios, já que os precatórios nada mais são que

dinheiro dos contribuintes.

Em resumo, não é por outra razão que a aplicação imediata do artigo 78

do ADCT seria uma importante ferramenta na administração do passivo

tributário, especialmente no caso dos contribuintes desse imposto, tornando-se

o meio mais eficaz para a retomada de uma sociedade na qual impere o valor

Justiça.

117

9. SÍNTESE CONCLUSIVA

Com a pretensão de sintetizar tudo o que foi exposto, elencaremos abaixo

os principais apontamentos desenvolvidos ao longo desta dissertação:

1 - O sistema traduz-se na reunião de elementos individualmente

considerados e harmonicamente relacionados, que ao interagirem entre si

permitem revelar a sua completude.

2 - Assim, o sistema jurídico pode ser conceituado como um conjunto de

normas jurídicas orientadas por um critério unificador na busca da realização de

um fim comum.

3 - O traço característico do sistema jurídico é a sua íntima relação com a

hermenêutica constitucional. É a Constituição Federal, considerada a gênese do

ordenamento, que alicerça todo o sistema jurídico, dada a superioridade de

suas disposições em relação às demais normas do ordenamento.

4 - A Constituição da República Federativa do Brasil é norma fundante

que organiza internamente os seres e entidades dentro de uma sociedade,

observados os valores axiológicos a serem preservados dentro de determinado

contexto social.

5 - A partir da concepção kelseniana, o ordenamento jurídico pode ser

entendido como um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na

forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante, que subordina as

demais normas jurídicas de hierarquia inferior, é a denominada norma hipotética

fundamental, da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

6 - A Constituição Federal, considerada a primeira expressão do direito

positivo, ocupa um lugar de preeminência no ordenamento jurídico.

118

7 - A superioridade do Texto Constitucional é representada por normas

jurídicas constitucionais que ora aparecem como princípios, ora como regras

dentro do ordenamento jurídico.

8 - Os princípios constitucionais são mandamentos fundamentais que têm

a função de direcionar toda a execução da lei, sendo de grande valia para a

exegese e a perfeita aplicação do direito positivo, a ponto de se falar que eles

moldam, interferem e de certo modo até antecipam o conteúdo jurídico a ser

veiculado.

9 - Por sua vez, as regras jurídicas são consideradas normas de

padronização dos comportamentos sociais, que estabelecem limites para o

convívio harmônico dos indivíduos, membros de uma determinada sociedade,

subordinando-os.

10 - Considerada o vértice primordial para a preservação dos direitos

fundamentais, a Constituição Federal estabeleceu alguns princípios como o

republicano, da igualdade, da legalidade e da segurança jurídica como forma de

promover os valores supremos da sociedade.

11 - O princípio republicano, no âmbito tributário, irradia seus efeitos

quando veda a concessão de vantagens tributárias pautadas em privilégios

pessoais, isto é, quando garante que a tributação seja exercitada de forma

isonômica entre os contribuintes, combatendo qualquer tipo de arbitrariedade

por parte dos Entes Públicos.

12 - O princípio da igualdade é um preceito fundamental inerente ao

regime republicano. A forma republicana de governo discrimina qualquer tipo de

privilégios como forma de preservar a igualdade fundamental.

13 - Contudo, ressalte-se que esse preceito constitucional visa a

assegurar o mesmo tratamento as pessoas que se encontrem em situações

equivalentes, concebendo as indispensáveis distinções, desde que razoáveis.

119

14 - O princípio da igualdade ganhou maiores contornos no âmbito

tributário por meio disposição contida no artigo 150, II, do Texto Supremo, que

estabeleceu que é vedado às pessoas políticas “instituir tratamento desigual

entre contribuintes que se encontrem em uma situação equivalente”.

15 - Num Estado Democrático de Direito, todos os atos praticados pela

Administração Pública no exercício de suas funções devem estar

fundamentados em lei impessoais e genéricas.

16 - O princípio da legalidade é considerado um dos principais

fundamentos sobre qual se assenta a aplicação do Direito. Com base nesse

preceito, todos os atos e funções jurisdicionais estão subordinados à lei, em

virtude de sua indisponibilidade jurídica.

17 - Ainda com base no princípio da legalidade, o legislador , ao dispor

sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar, disciplinou no artigo

150, I, do mesmo Diploma Legal o princípio da estrita legalidade tributária.

18 - Por meio do princípio da estrita legalidade, garante-se ao contribuinte

o direito de fazer valer seus direitos naquilo que esteja convencionado em lei,

busca-se, ademais, prevenir arbitrariedades por parte dos Entes Públicos no

exercício da tributação.

19 - Já O princípio da segurança jurídica é um princípio implícito na Carta

Fundamental que tem por fim manter a estabilidade da ordem jurídica. É um

princípio que postula a absoluta e completa previsibilidade da ação estatal pelos

cidadãos e administrados. No âmbito tributário é um princípio que veda a

surpresa no exercício da tributação.

20 - O princípio da segurança jurídica por meio da efetiva atuação de

outros princípios constitucionalmente garantidos, por exemplo, os princípio

republicano, da igualdade e da legalidade promovem os valores supremos de

uma sociedade, expressando a máxima certeza do direito.

120

21 - Com base ainda na certeza do direito e na previsibilidade da atuação

estatal, o princípio da segurança jurídica permite que o contribuinte, dentro das

limitações impostas pelo ordenamento jurídico, antecipe o resultado das

pretensões requeridas e, principalmente, viabilize-as, na busca da realização do

direito.

22 - Acontece que, na prática, a observância dos princípios

constitucionais que dão confiança, certeza, lealdade, previsibilidade,

consentimento, e, assim, conferem segurança e certeza à ordem jurídica, vem

sendo, paulatinamente, desrespeitada pelos aplicadores e intérpretes do direito.

23 - Vimos, ademais, que a Carta Fundamental como norma inaugural do

sistema jurídico dispõe de comandos que não podem ser ignorados,

modificados, extintos, ou, ainda, ter seu alcance ampliado ou restringido pelo

legislador infraconstitucional e aplicador da lei, sob pena de derruir o

ordenamento.

24 - Dessa forma, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao

dispor sobre o sistema tributário nacional, não instituiu os impostos, mas

demarcou minudentemente o perfil constitucional de cada deles, escolhendo os

fatos que podem ser eleitos pelo legislador infraconstitucional para a criação

dos tributos.

25 - No que concerne ao ICMS, o Texto Constitucional, em seu artigo

155, II, delimitou competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituir

imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação – ICMS, ainda que as operações e as prestações se iniciem no

exterior.

26 - Ao dispor sobre a moldura fundamental desse imposto, a Carta

Magna previu ainda que a regra-padrão do ICMS está sujeita a aplicação do

princípio constitucional da não-cumulatividade, que é um direito subjetivo do

121

contribuinte de compensar os créditos decorrentes de operações anteriores com

o valor a ser cobrado nas operações subseqüentes.

27 - A partir da leitura do dispositivo constitucional, denota-se que o

imposto em questão, o ICMS, alberga pelo menos quatro impostos distintos: a)

imposto sobre operações relativas a circulação de mercadoria; b) o imposto

sobre transporte de serviço interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre

serviços de comunicação; d) o imposto sobre operações de circulação de

lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos, de energia elétrica e minerais.

28 - No que concerne ao aspecto temporal desse imposto, a Carta

Fundamental não disciplinou expressamente qual o momento em que se

configura o fato jurídico que dá ensejo a obrigação tributária.

29 - Estabeleceu que cabe à lei infraconstitucional dos Estados e do

Distrito Federal determinar o momento em que se caracteriza o aspecto

temporal do ICMS, desde que observados os preceitos constitucionais que

delimitam o tema.

30 - No que diz respeito ao critério espacial a Constituição Federal

determinou, ademais, que cabe a lei complementar fixar, para efeitos de

tributação, o local das operações relativas à circulação de mercadoria e das

prestações de serviços.

31 - Contudo, mesmo dispostas apenas nos textos de lei

infraconstitucionais, essas condicionantes são pressupostos exigidos pela

Constituição Federal, que deverão ser analisadas conjuntamente com os demais

critérios da regra-padrão de incidência tributária, fortalecendo e garantido

legalmente a subsunção do fato a norma jurídica tributária.

32 - Dentro da análise da regra-padrão de incidência tributária, cabe

ainda mencionar o critério quantitativo que, por meio da base de cálculo e

alíquota, mensura o valor do imposto a ser recolhido pelo sujeito passivo da

obrigação tributária.

122

33 - A base de cálculo tem por fim dimensionar uma operação mercantil

realizada ou ainda, a prestação de um serviço. Assim, na apuração do ICMS

devido, em regra geral, a base de cálculo será o valor relativo à operação de

circulação de mercadoria ou preço da prestação do serviço.

34 - Já no que concerne à alíquota desse imposto, o Texto Fundamental

não tratou de estabelecer especificamente as alíquotas aplicáveis à base de

cálculo do ICMS, deixando a cargo do legislador infraconstitucional, contudo,

desde que respeitadas as limitações constitucionais determinadas.

35 - O critério pessoal da regra-padrão de incidência tributária do ICMS

contempla o sujeito ativo e sujeito passivo da obrigação tributária.

36 - O sujeito ativo, também denominado como credor da obrigação

tributária, é aquele que tem o direito subjetivo de exigir o tributo.

37 - No pólo passivo da obrigação tributária encontra-se o contribuinte do

imposto, também chamado de devedor da exação tributária, ou, ainda, aquele

que tem o dever de depositar para os cofres públicos o valor do imposto devido.

38 - Estabelecidos os contornos constitucionais da regra-padrão de

incidência do ICMS, cabe ainda destacar o princípio da não-cumulatividade, que

é uma garantia absoluta do contribuinte desse imposto.

39 - O princípio constitucional da não-cumulatividade faz nascer para o

contribuinte do ICMS o direito de compensar nas operações futuras créditos do

imposto cobrado nas operações anteriores.

40 - O princípio da não-cumulatividade disposto no artigo 155, § 2º, I, do

Texto Fundamental é comando específico do direito tributário que possui uma

função única dentro do ordenamento jurídico. Ele é de grande valia para a

exegese e perfeita apuração do ICMS devido numa operação de circulação de

mercadorias ou prestação de serviços.

123

41 - No âmbito do direito tributário a palavra compensação revela-se de

três modos; primeiramo, ela se mostra intimamente ligada ao mecanismo de

formação da base de cálculo de alguns impostos, a exemplo do imposto de

renda. Depois, aparece com grande relevância associada à técnica da não-

cumulatividade do ICMS e IPI. Por fim, a compensação apresenta-se como

forma de extinção do crédito tributário, prevista no artigo 156, II, do Código

Tributário Nacional.

42 - O “direito de compensar” decorrente do princípio da não-

cumulatividade nada tem a ver com a gênese do imposto sobre operações de

circulação de mercadorias e serviços. É momento posterior à incidência do

imposto de ICMS. Trata-se de fenômeno que encontra na figura da

compensação seu fundamento de validade e eficácia dentro do sistema jurídico.

43 - Respeitadas as exceções previstas no artigo 155, parágrafo 2º, II,

alíneas “a” e “b”, da Carta Fundamental, o princípio da não-cumulatividade é

direito potestativo do contribuinte de restituir os créditos decorrentes da

incidência do imposto nas operações anteriores por meio do sistema de

compensações com débitos decorrentes de operações subseqüentes.

44 - Todavia, a compensação pode aparecer como forma de extinção da

obrigação tributária, conforme dispõe o artigo 156, II, do Código Tributário

Nacional.

45 - A compensação é uma forma de extinção do crédito tributário na qual

duas pessoas são consideradas ao mesmo tempo credora e devedora uma da

outra de obrigação de cunho patrimonial.

46 - A compensação permanece aplicável e vigente a todas as relações

jurídicas que com ela se identifiquem, sendo imprescindível, além da

autorização expressa de lei, que o contribuinte comprove que o crédito é capaz

de conferir o direito da compensação, para contrapor-se ao débito tributário

devido a Fazenda Pública.

124

47 - Avançando no tema desta dissertação, coube-nos tratar dos

precatórios, explicitando as peculiariedades contidas na Carta Fundamental.

Definimos precatórios como “requisições expedidas pelo juiz da execução ao

Presidente do Tribunal competente em face de uma sentença condenatória

transitada em julgado em desfavor da Fazenda Pública para que expeça as

respectivas ordens de pagamentos dessas dívidas”.

48 - Destacamos, ademais, que o precatório é instituto criado pelo

ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade específica de evitar que o

Poder Público seja submetido ao processo ordinário de execução.

49 - Dessa forma, a Constituição da República Federativa do Brasil, em

seu artigo 100, disciplinou o pagamento dos débitos devidos pela Fazenda

Federal, Estadual, Distrital e Municipal por meio dos precatórios.

50 - Acontece que esses títulos, mesmo dotados de todos os requisitos

indispensáveis à sua exigibilidade, uma vez apresentados, não estão sendo

honrados pela entidade devedora dentro do prazo constitucionalmente previsto,

o que faz surgir a questão da inadimplência dos precatórios.

51 - Em contrapartida, o efetivo respeito às decisões judiciais transitadas

em julgado é corolário do Estado Democrático de Direito.

52 - Como corolário disso, foi editada a Emenda Constitucional n.º 30,

que alterou o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º do artigo 100 do Texto Supremo, bem

como acrescentou ao mesmo dispositivo constitucional os §§ 1º-A, 4º e 5º e,

ainda, introduziu o artigo 78 no Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, prevendo nesse dispositivo a permissão de cessão de créditos de

precatórios, bem como “poder liberatório” para a liquidação de tributos junto à

mesma entidade devedora.

53 - No tocante à cessão de créditos, concluiu-se que todo o crédito

poderá ser cedido, desde que não contrarie o disposto no artigo 286 do Código

Civil.

125

54 - A Emenda Constitucional n.º 30/2000, ao acrescentar o artigo 78 no

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, garantiu o “poder liberatório”

para os créditos decorrentes de precatórios correspondentes às prestações

anuais que não forem liquidadas até o final do exercício a que se referem.

55 - Como se vê, a Emenda Constitucional n.º 30, ao dispor sobre o

“poder liberatório” dos precatórios, estabeleceu direito potestativo ao credor

desses títulos de dívida pública, nada havendo nela que exija regulamentação.

56 - Destaque-se que a disposição contida no artigo 78 da ADCT é norma

auto-aplicável que não necessita de uma regulamentação mais acurada. O

direito de compensar se apresenta vinculado exclusivamente ao fato

característico de mora da Fazenda Pública no que toca à liquidação dos

precatórios. Ou seja, a mora, por si só, gera o direito subjetivo do credor à

compensação.

57 - Por outro lado, cumpre esclarecer que o artigo 78 do ADCT em

nenhum momento dispõe a expressão “na forma da lei”, o que reforça ainda

mais a idéia da auto-aplicabilidade do comando constitucional, sujeito apenas

às limitações do sistema no qual se encontra inserido.

58 - A compensação estabelecida no artigo 78 do ADCT não está

condicionada ao disposto no artigo 170 do CTN.

59 - Conforme já expusemos, esse dispositivo constitucional criou direito

potestativo ao credor de precatórios vencidos e não honrados, que não está

sujeito as previsões de comandos infralegais, ou seja, não há como submeter os

dispositivos constitucionais às exigências infralegais.

60 - Numa atitude de extravagância ímpar, a Emenda Constitucional n.º

30 de 13, de setembro de 2000, ao acrescentar o artigo 78 ao Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, privilegiou a moralidade

administrativa, bem como pretendeu diminuir os inconvenientes encontrados

pelos credores quando da satisfação dos precatórios.

126

61 - Percebe-se, sobremodo, que essa norma inovadora mais se

assemelha ao instituto da compensação, uma vez que se pugna pela extinção

de dívidas tributárias, por meio da equivalência das obrigações.

62 - Conforme ressaltado alhures, o sistema jurídico é um conjunto de

disposições coordenadas entre si que buscam positivar todas as relações

sociais existentes no mundo fenomênico, observados os preceitos fundamentais

dispostos pela Carta Fundamental.

63 - Importante destacar que o sistema jurídico, ao dispor sobre o “poder

liberatório” dos precatórios, previu uma via alternativa, sendo, talvez, a melhor

forma de viabilizar o pagamento dos precatórios.

64 - O uso do “poder liberatório” na compensação de débitos de ICMS

com créditos de precatórios permitiria conferir ao ordenamento jurídico

estabilidade nas relações jurídicas, pois o clima de completa insegurança

decorrente da inadimplência desses títulos pelos Entes estatais e, ainda, da

falta de leis estaduais dispondo sobre a compensação tributária, como é sabido,

abala a ordem jurídica, econômica e social do Estado.

65 - Com o intuito de corroborar a posição defendida, não podemos

esquecer que os princípios fundamentais devem iluminar todas as searas do

direito, sendo sua observância pressuposto basilar que visa a coibir a

perpetuação de um ordenamento jurídico injusto.

66 - Desse modo, esses princípios devem exercer a função de diretrizes

superiores do sistema, vinculando a atuação dos operadores jurídicos na

aplicação das normas, no sentido de preservar o direito dos credores-

contribuintes, uma vez que tais preceitos não configuram enunciados

meramente retóricos e distantes da realidade, mas possuem plena juridicidade.

67 - Assim, proibir o uso do “poder liberatório” no caso em análise seria o

mesmo que desrespeitar o comando constitucional da segurança jurídica, em

face da posição de vulnerabilidade do contribuinte em relação aos atos

127

arbitrários do Ente Público, condicionando um direito do credor às vontades do

Estado.

68 - Como decorrência lógica, restaria afrontado, ainda, o princípio

republicano, que reza por uma democracia representativa, em que se há de

zelar pela atuação de regras e garantias fundamentais como forma de se

alcançar a isonomia e a justiça na aplicação do direito.

69 - Por fim, a possibilidade da compensação de débitos de ICMS com

créditos de precatórios, por força do artigo 78 do ADCT, visa a reforçar a

garantia de liquidez, certeza e efetividade desses títulos de dívidas pública,

resgatando a credibilidade e a respeitabilidade dessas requisições, que, até o

advento da Emenda n.º 30, fizeram inúmeras vítimas pela injustificável e

inaceitável inércia do Poder Estatal.

128

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