a comedia latina 01 - plauto - anfitriao (1)

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Livrarias 

EDIÇÕES DE OURO

  IO DE JANEI O

Av. io Branco, 156 - loja 4 Sta. Clara, 33-D - Copacabana Pç. S. Drumont, 66 - Jóquei

Dias da Cruz, 188 - loja 103 Conde de Bonfim, 204 Mariz e Barros, 290  Prudente de Morais, 167-B 

NOVA IGUAÇU 

Av. Fl. Peixoto, 1784 

NITE ÓI

Gavião Peixoto, 92 - loja  103

SÃO GONÇALO 

Pres. Kennedy, 295 - loja 2  

(Em frente à igreja)DUQUE DE CAXIAS 

Plínio Casado, 58 — loja 5(Em frente à passarela do mercado) 

BELO HO IZONTE 

Av. Afonso Penna, 1707 

B ASÍLIA 

Conjunto Nacional,2.° Pavimento, loja 2104

SÃO PAULO

Barão de Itapetininga, 37 — loja 71 Augusta, 867Pedroso de Morais, 654 - Pinheiros

Penha de França, 771 - Penha Cons. Crispiniano, 403 Benjamim Constant, 162 

BELÉM 

  ua Santo Antonio, 260 

CU ITIBA

Voluntários da Pátria, 250

FO TALEZA

  ua Major Facundo, 680

RECIFE

  ua do Hospício, 202 - loja 2 - Ed. Olympia 

PO TO ALEG E 

Av. Ipiranga, 2821 

SALVADO

Av. 7 de Setembro, esquina da ua Politeama de Cima (Mercês)

E D I Ç Õ E S D E O U O  Sede: Dep. de Vendas e Expedição 

Dep. de Direitos e Exame de Originais ua NOVA JE USALÉM, 345 - Caixa Postal 1880 

IO DE JANEI O - CEP 20.000 

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PLAUTO E TERÊNCIO

 A COMÉDIA LATINA  ANFITRIÃO • AULULÁRIA OS CATIVOS  • O GORGULHO 

OS ADELFOS • O EUNUCO

Prefácio, seleção, tradução e notas de AGOSTINHO DA SILVA

EDIÇÕES DE OURO

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Direitos Reservados

HISTÓRIA ou ESTÓRIA?

As Edições de Ouro e o Coquetel grafam a palavra história   e não estória  por julgar a primeira forma mais correta, conforme dicionários mais categori-zados, que julgam a segunda forma imitação do inglês story,  sem correspon-dente com raízes em nossa língua.

EDITORA TECNOPRINT LTDA.

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 A COMÉDIA LATINA 

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ÍNDICE

 Agostinho da Silva — A Comédia Latina. 9Nota Sobre a Tradução ............................. 31Nota Bibliográfica .....................................  33 

PLAUTO

Nota Biográfica...........................................  35  Anfitrião........................................................ 37 

 Aululária....................................................... 121

Os Cativos  ..................................................... 179

O Gorgulho.................................................... 245 

TERÊNCIO

Nota Biográfica...........................................  301

Os Adelfos...................................................... 303 O Eunuco ...................................................... 375 

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 A COMÉDIA LATINA

 Agostinho da Silva

Como se sabe, os gregos possuíam, com muitos outros povos da Antigüidade, a tradição de que em 

tempos remotos tinham os homens vivido num estado de perfeita inocência e numa felicidade só comparável à dos deuses; tratavam-se todos como irmãos, alimenta-vam-se de frutos das árvores. Desconheciam as disputas e a guerra; havia entre eles e a natureza uma completa comunhão, a tal ponto que nem mesmo dis- tinguiam entre si próprios e o mundo que os rodeava; 

e  poderiam ter prosseguido nesta existência beatífica se não se tivesse dado uma corrupção dos costumes, se da Idade de Ouro se não tivesse passado para a Idade de Ferro, a atual, em que todas as aberrações se tornaram normais na humanidade.

 Acreditou-se durante muito tempo que essa idade de bem-aventurança tinha sido uma pura invenção 

dos gregos, sem que correspondesse a realidade alguma; tudo seria apenas uma forma poética de manifes- tar o seu desgosto dos costumes do tempo presente e as suas aspirações a uma vida de entendimento e de 

 paz. À medida, porém, que se foi estudando a natureza 

dos mitos e encontrando-os sempre relacionados quer  

com fenômenos naturais, quer com acontecimentos históricos, surgiu a suspeita de que tivesse realmente existido uma idade perfeita, um estádio de humanida-de livre de todas as misérias em que posteriormente tinham caído os homens. A questão, no entanto, era ainda de inclinação pessoal e de fé; os que propen- diam a crer a natureza humana egoísta, batalhadora

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e agressiva arrumavam as suspeitas dos etnólogos,  juntamente com a poesia teogônica dos gregos, no compartimento destinado às fantasias sem motivo e sem base. Não houvera tal Idade de Ouro e os homens 

tinham sido sempre o que a vida os mostrara: implacáveis na defesa da sua existência e dos seus bens e só capazes de se conter por um corpo de leis que, atendendo ao bem comum, reprimisse quanto possível os apetites e os impulsos individuais.

 Mas, pelos fins do século XIX, e confirmando-se  principalmente com os trabalhos dos etnógrafos e dos viajantes dos princípios do século XX, surgiu a descoberta de pequenas populações, na África, na Oceania, na América e na Ásia, que viviam uma existência totalmente diversa da que é habitual aos homens e correspondente ponto por ponto à descrição que tinham 

 feito os gregos da humanidade dos primeiros tempos.Os mais primitivos destes povos, os que se apre

sentavam com mais puras características, sem interferência alguma de povos em mais adiantado grau de civilização, viviam dos frutos que colhiam nas florestas, às vezes de caça e pesca, eram extremamente ale gres, fidelíssimos às instituições monogâmicas, dando  perfeita igualdade de tratamento às mulheres, incapazes de castigar as crianças, e sem nenhuma espécie de 

 propriedade, sem organização social e sem nenhum vestígio de religião organizada.

 Agora já não havia nem tradição de gregos nem simples fantasia de poetas; existiam homens que viviam ainda em plena idade de ouro; e era fora de dúvida que para se passar dessa idade de ouro, desse 

 paraíso, para o que o mundo fora depois, tinha sido necessária uma revolução radical, uma quase trans

 formação de natureza, uma queda, para usarmos de uma terminologia que muitos julgam ainda não histórica.

Não se via, no entanto, como se tinha dado a mudança, nem existe ainda hoje nenhuma hipótese per

 feitamente satisfatória; crê-se, porém, que deve entrar 

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em linha de conta um fator biológico importantíssimo, o da fome. A certa altura, tendo rareado os frutos da 

 floresta, o homem ter-se-ia voltado para a alimentação animal fornecida pela caça e pela pesca, e para uma 

 forma primitiva de agricultura, a que se teria seguido uma forma primitiva de pecuária. Em lugar do contato perfeito com a natureza, só possível com uma alimentação frugívora, o homem entrava agora em 

 guerra com a natureza, no que respeita às atividades de caça e pesca.

 Por outro lado, a agricultura conduzia à escravi- zação da mulher, a pecuária à escravização dos ani

mais. E é então que aparecem as primeiras sociedades, que devemos cuidadosamente distinguir do sim ples agrupamento humano, as primeiras religiões or ganizadas, o sentido da posse; é então que aparece a educação das crianças, a pedagogia de que tanto nos orgulhamos, e que não é mais do que a submissão e extinção gradual dos instintos e das espontaneidades criadoras que não podem ter cabimento na vida so

cial; surge tudo  o que depois se tomou por natureza humana e que não é senão o resultado da pressão e da deformação a que, por necessidade de defender a vida, foi submetido o homem.

Não nos interessa neste momento saber se haverá redenção para tal queda e se algum dia se poderá voltar à Idade de Ouro, com o fim da guerra à natureza  

tem sido a existência histórica da humanidade, com o fim da escravidão dos homens e da submissão de mulheres e de crianças; o que importa fixar agora,  para que possamos compreender a essência do teatro, tal como ele se nos apresenta surgindo na Grécia, é que houve uma separação entre a natureza humana e o comportamento humano, que se trocou a esponta- neidade pela regra, a alegria pelo sacrifício, a natu- reza pela sociedade;  se não receássemos ir longe de- mais, diríamos que se trocou o instinto pela razão or- denadora; houve uma quebra entre os impulsos mais

ndos e a necessária vida social; foi-se obrigado a

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remar contra a corrente do rio e só em raras ocasiões  pôde o homem voltar a esse profundo, íntimo, identifi- cante contato com o mundo natural.

Uma dessas ocasiões era a festa das colheitas, sobretudo a da vindima; é o momento em que  o homem 

tem ante si os frutos prontos ao consumo e em que se  dá como que a renovação do milagre antigo de haver  sempre à disposição de todos os alimentos necessários; tudo o que fora trabalho, disciplina, ciência e es

 forço organizado, tudo desaparecia e se esquecia diante da colheita que vinha garantir um ano mais de existência. E espontaneamente surgiam os cantos e as danças, os cortejos ruidosos; Dionísio, deus dos instin

tos e da natureza, quebrava a calma, a serenidade, e o racional saber de Apolo; com a fabricação do vinho, as festas foram um grau mais alto, porque a bebida lhes dava a facilidade de esquecerem, não a vida, mas a morte lenta e contínua em que andavam mergulhados; e era bebendo que eles reencontravam a vida verdadeira, a outra, a da alegria sem limites, a da irresponsável liberdade, a dos instintos sem grilhões.

Com o vinho, porém, não só se estava usando para reentrar em contato com a natureza, dum meio não natural, o que era contraditório, como também, com o despertar da embriaguez, mais duramente se sentia a estreiteza do mundo real, do mundo social, daquele em que se tinha de viver. O conflito entre o apetite e o dever punha-se ainda duma forma mais aguda; o que era a festa de Dionísio, o que era reatar dos laços que 

se tinham quebrado, não se conseguia ver livre do domínio, da presença, da paradoxal sombra de Apolo.Na realidade, dadas as condições de vida que 

existiam, o homem nada mais conseguia fazer que não  fosse um conflito perpétuo entre a força do instinto e a da inteligência previsora, entre a fusão completa com a natureza e a distinção entre um sujeito que pensa e um objeto que é pensado. Os gestos e as palavras das 

 festas da colheita, vindima e vinho novo nada mais eram do que a expressão deste conflito que parecia in

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sanável ao homem e que provavelmente o é, neste sentido  — de que só haverá paz para a consciência humana quando não existir distinção alguma entre o “eu” e o “outro”.

 Por um lado, aludiam ao conflito, visto no seu as pecto mais profundo, envolvendo a toda a humanidade, mas essencial para a salvação, primeiro biológica, depois até espiritual, da própria humanidade; falavam da disciplina contra a paixão, da honra contra o amor, do dever contra a piedade. Por outro lado, representavam-no em pequenos casos individuais, que não envolviam o destino humano, mas que eram, atra

vés das extravagâncias dum temperamento, aspectos do mesmo conflito. Do primeiro enfocamento do problema vinha a tragédia, do segundo a comédia; bastaria que o aspecto individual sobrelevasse  ao coletivo 

 para a tragédia se tingir de comédia, e foi o que sucedeu mais tarde, com o drama satírico e com a tragédia à maneira de Eurípides; e bastaria que a comédia apontasse a aspectos coletivos para que o tom de tra

 gédia se fizesse sentir.Todo o teatro grego vem da consciência do conflito entre natureza humana e história humana; é, segundo se põe em aspecto de predominância, uma outra das 

 faces da batalha que encontramos ou a tragédia de Ésquilo ou a comédia de Aristófanes.

* * *

Não há porventura ponto mais difícil de elucidar, no campo da etnologia ou da história das religiões, do que aquele que se refere às crenças religiosas dos povos primitivos: a princípio afirmou-se que possuíam crenças religiosas e ritos de culto, mas é fora de dúvida que a afirmação provinha não da realidade observada tal qual era, mas dum quadro de imaginação 

que se substituía ao fenômeno exato. Os estudos posteriores, feitos com mais rigor científico, chegaram à idéia contrária, à de que os povos primitivos, os ver

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dadeiramente primitivos, não teriam nenhuma espécie de religião, isto é, não acreditavam na existência de ser ou seres superiores a eles e não lhes prestavam culto por meio de cerimônias rituais; a idéia de um deus só aparecia com a evolução social, na mesma altura em que surgem a noção de propriedade e, embora rudimentarmente, a noção de Estado. O fato da inegável simultaneidade fez surgir a hipótese da relação de causalidade, hipótese sempre perigosa: teria sido para se estabelecer, ou por se estabelecer uma economia de 

 propriedade privada que a idéia de Deus e as religiões  positivas teriam surgido no mundo.

O problema, no entanto, não se pode resolver com 

uma tal simplicidade; em primeiro lugar, a idéia dum deus transcendente, ao qual, por conseqüência da sua 

 posição ante o universo e o homem, se prestará culto, mesmo que seja o de “em espírito e verdade”, tem por  si bastantes argumentos filosóficos, bastantes bases na estrutura do mundo para que se lhe atribuam origens meramente econômicas e políticas; tudo quanto se poderia dizer sobre este ponto é que, ao dar-se a trans

 formação social, se insiste de preferência, por ser mais útil ao fim em vista, no aspecto transcendente de Deus. Em segundo lugar, a experiência mística de todos os séculos, de todos os países e de todas as religiões demonstra que o auge do sentimento religioso consiste numa fusão entre objeto do culto e sujeito do culto, num transformar-se o amador na coisa amada, num aparecimento da unidade perfeita onde a dualidade 

existia. Para um observador de fora, um homem in- trinsecamente religioso, em perpétuo êxtase religioso,  poderia dar a impressão de não estar prestando nenhum culto a nenhum deus; e, na vida prática, esse homem comportar-se-ia com a alegria, a espontaneidade, o desprendimento do selvagem, sem que também 

 fosse necessário, fatal, o aparecimento de qualquer es pécie de rito: esse homem teria reconhecido a identidade fundamental de tudo quanto existe no universo, teria reconhecido Deus em si e nos outros e viveria.

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naturalmente, sem tu e sem eu, de igual a igual, num universo inteiramente divino.

Não queremos dizer de modo algum que seja isso o que sucede com  os  primitivos: provavelmente não é, 

 provavelmente o que existe é uma inconsciência reli giosa; o que desejamos que fique bem claro é que se não pode afirmar que não tenham vida religiosa; ela 

 pode ser bastante profunda para que escape aos nossos observadores civilizados só capazes de surpreender vidas religiosas imperfeitas.

O mais seguro, no entanto, é que a vida religiosa, ou melhor , a religião, só tenha aparecido, consciente

mente, com a primeira idéia dum Deus transcendente, de um ser além do humano, e que todo o progresso neste assunto tenha consistido em apurar essa noção de transcendente até ao ponto de ter sido possível o aparecimento de uma noção imanente de Deus, sem que, porém, seja necessário o opor-se uma à outra; e que todo o progresso futuro, pela insistência, agora, sob o aspecto imanente, leve a uma vida religiosa, que, 

externamente, se não distinga da vida religiosa, se a têm, dos primitivos atuais, realizando-se por aí o sonho místico de um misticismo universal.

Seja como for, o que é inegável é que, desde que se surpreendem manifestações religiosas incontestáveis, elas têm sempre um caráter de totalidade; nos tempos históricos mais longínquos todo o mundo é sagrado aos olhos dos homens, sagrado para bem ou para mal; 

não importa agora a distinção; o que importa é fixar- se que não há nenhuma ação da vida que não tenha marca sobrenatural e que não seja ocasião de cerimônias rituais; tem-se freqüentemente a impressão de que o único ser considerado natural num universo sagrado, num universo que supera a natureza, é o homem que está prestando culto; tudo se passa como se apenas ele se tivesse desprendido de uma vida inteira

mente sagrada. À medida, porém, que a civilização evolui, sempre 

no sentido dum maior poderio técnico, a noção de sa

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 grado vai atenuando-se; todos os atos da vida passam a ser civis, desligando-se de qualquer idéia de sobrenatural; o mundo aparece, não como um conjunto de sinais de Deus, que o homem venera, teme ou respeita, e de que participa pelas formas sacramentais, mas um domínio laico, como uma propriedade a seu inteiro dispor e em que ele exerce todos os direitos de usar, 

 gozar e abusar, com que se define a noção clássica de  propriedade.

O homem vive, desde então, não para adorar o que vê, como outrora, não para fazer de todos os seus atos uma tentativa de reconquistar o paraíso perdido, mas para se aproveitar do que existe, para dominar, 

 para se afastar cada vez mais da inocência da Idade de Ouro, com o risco de nunca poder reencontrar o caminho; o que seria bem trágico, porque já está na 

 posse dos meios materiais que lhe permitiriam viver a vida do primitivo, sem os inconvenientes da incerteza e da fome, sem correr os riscos de ter de novo que percorrer a longa, perigosa e dramática aventura da história; cada vez mais o homem se tem posto e conside

rado mais no mundo como o dono do mundo, com o direito de destruir os animais e as plantas, de escravizar os irmãos homens, de transformar a vida inteira nalguma coisa que não tem outro fim senão o de sustentar a sua vida material.

 A vida tornou-se laica e tornou-se feroz, implacável e, o que é pior ainda, sem sentido nenhum que eleve a vida além da vida. É uma série de momentos  

em que se produz para se consumir e se consome para se poder produzir de novo. As relações do finito com o infinito, da parte com o todo parecem, em instantes mais críticos, correr o risco de se perder por completo; o ato gracioso da oferta aos seres fraternos ou aos seres superiores, a gratuitidade de viver, desaparecem rapidamente de um mundo que se dessacratiza.

Costuma-se dizer que o progresso técnico superou 

o progresso moral; mas o que há na realidade é que o  progresso técnico se fez à custa do fundo moral da

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humanidade, do seu fundo divino; e as grandes épocas de crise são exatamente aquelas em que o progresso técnico é o mais elevado possível e a consciência moral uma luz mínima que parece a cada momento ir  apagar-se de todo no fragor das tempestades econô

micas e políticas.O que é certo, porém, é que a fome, na vida do 

homem primitivo, pôs em risco a sua alma porque não pode haver real sentido do divino com estômagos vazios; a salvação da alma do homem implicava a luta contra a fome, o que se fez e se está fazendo pelo 

 progresso técnico; os descobrimentos científicos vão  permitir viver com segurança, abater pela primeira 

vez os espectros da fome e vão permitir que as almas se salvem; vão permitir o regresso ao divino; mas os riscos da viagem têm sido enormes e têm-se marcado, como nos manômetros se marca a pressão, pelo lai- cismo progressivo da vida; e todo o esforço dos grandes pensadores, dos grandes artistas, dos grandes cientistas, dos grandes chefes religiosos, tem sido exatamente o de impedir que a centelha do sentimento do sagrado se apague de todo neste mundo.

* * * 

Se o teatro nasceu da separação entre o homem e a natureza, ou, mais profundamente, de uma distinção entre sujeito e objeto, se aparece como parte de um 

 festival sagrado, senão como o próprio festival sagrado na sua totalidade, e se, por outro lado, o grupo humano se foi progressivamente tornando menos sensível ao sagrado, é de esperar que o teatro tenha se

 guido esta marcha de dessacratização da humanidade e que, do plano sobrenatural do início, tenha resvalado aos domínios naturais, realistas, digamos civis, em que o homem se foi habituando a viver.

É certo, no entanto, que já mesmo no teatro primitivo havia, por sua própria natureza, dois planos: o  plano divino, sobrenatural, de eternidade, o do amor  absoluto, o da comunhão de todos os seres, o da re

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denção do humano pelo sacrifício, e o plano da ação humana que não era oficial mais do que o desenrolar  no tempo da luta entre a natureza humana e as circunstâncias históricas, luta porventura correspondente a uma realidade metafísica essencial na má

quina do mundo.Destes dois elementos do teatro, só um poderia so

 frer, sem que desaparecesse, o processo de dessacratização; e esse elemento era naturalmente o da ação humana; o outro devia conservar-se tal qual e especializar-se nessa representação de ação divina ante o divino, transformando os homens pela sua própria 

 participação no ato, dando-lhes categoria de eterni

dade; foi este último elemento o que se refugiou nos mistérios e que, depois, ao surgir como que um se gundo ciclo da humanidade ocidental, com o aparecimento do cristianismo, se constituiria em liturgia, em que do real só aparece quando muito uma estilização.

O elemento humano foi tendo ligações cada vez mais remotas com o elemento sagrado até que de todo se separa, sem que no entanto o teatro tenha perdido o primitivo caráter mágico de fazer do ator e do espectador um participante na vida de outros seres; ou melhor, de o transformar num outro ser, fazendo-o entender assim a identidade de todos os aspectos da criação.

O teatro foi-se tornando cada vez mais realista, tanto na tragédia como na comédia, cada vez se afastando mais de fazer participar um grande número de homens no que devia ser um sacramento; o que de 

máximo se concedeu foi o poder transformá-los, por  uma hora ou duas, em outros seres puramente humanos, enredados num jogo de paixões puramente humanas; nunca mais foi possível transportá-los a um 

 país de fantasia, que era na verdade o país real, o das idéias que são eternas, o dos sonhos que são eternos, o das ações em que o tempo não conta; quem não mais 

 podia considerar um ato sagrado ver nascer o Sol, 

comer pão, ou ajudar seus irmãos em circunstâncias

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difíceis, quem passava a ter empregos, fazia repastos apressados e emprestava a juros, não podia de modo algum manter o teatro como cerimônia sagrada.

Do drama de Dionísio, preso nas redes de Apolo, 

da realidade da vida plena na plena participação com o Universo, e no seu renascimento miraculoso na festa das colheitas, passava-se a um drama realista do mundo, à batalha em que cada um tem de ser ele, e só ele, sob pena de perecer; passava-se ao mundo da família, sustentada pelas leis e não pelo amor; ao mundo político em que se busca apenas o domínio; dos 

 predecessores de Ésquilo aos sucessores de Ibsen; de 

um ato religioso a um espetáculo puramente civil. Só a liturgia se conservou na sua pureza primitiva, mas quase inútil, porque a mentalidade do tempo a tornou incompreendida no seu sentido mais profundo; e às vezes, mesmo incompreendida nos seus aspectos mais 

 fáceis.Quanto à comédia, o processo de dessacratização 

começou já na própria Grécia e, como era natural, foi 

muito mais rápido que na tragédia. Conhecemos muito mal os antecessores de Aristófanes para nos podermos  pronunciar sobre o que teria sido nas origens a produção cômica; parece, no entanto, que o fundo seria constituído pelas manifestações de alegria tumultuosa dos vinhateiros, pela comunhão com o mundo à volta, o que se fazia de dois modos: pela transformação do ator num ser natural, animal ou fenômeno, e pela hu- 

manização do que passara a ser estranho ao homem. O cortejo de que derivaram as representações da comédia devia ser extremamente semelhante a tudo o que se imaginou sobre o cortejo de Dionísio, mas dele 

 fazia parte a representação da natureza, num sentido de animação cósmica, e de restabelecimento da unidade quebrada; e o elemento realista não devia passar de alusões aos feitos e defeitos de alguns dos com

 ponentes do cortejo ou daqueles que assistiam à sua  passagem.Dum modo geral, pode dizer-se que a comédia de 

 Aristófanes ainda se conserva na linha primitiva. To

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das as suas peças dão, e duma forma extraordinária, a impressão de marcha, de desfile impetuoso e turbi- Ihonante, em que, num mundo de fantasia, irreal e livre, se incluem as críticas de indivíduos ou de costumes sociais. O coro das Rãs, o coro das Nuvens, o coro 

das Vespas, são, com toda a sua pujança de transformação imaginativa e de audácia na transposição de  planos, o momento de auge da comunhão naturalista; o regresso da Paz é ainda o tumulto, a vibração, o dinamismo do cortejo primitivo; mas o elemento realista é já muito mais desenvolvido do que fora a princípio e só raras vezes, como, por exemplo, nas Aves, se conse gue elevar a um plano de sobrenaturalidade; apesar  

de toda a imaginação de Aristófanes, o real principia a pesar-lhe: e não há dúvida que nas peças como  A Assembléia das Mulheres e  Plutos o elemento sagrado quase que desaparece e as comédias poderiam transformar-se, com pequena modificação, em composições de tipo laico.

No entanto, a sociedade grega era ainda, não obstante todo o aspecto civil que possa ter a nossos olhos, uma sociedade de deuses, de sagrado e de sacramental; as linhas coletivas das assembléias políticas e das 

 festas cívicas mantinham este sentido de unidade, e tão fortemente, que contra ele se chocaram alguns dos que estiveram nas origens do que seria mais tarde o 

 pensamento laico. A transformação social, no sentido duma dessa- 

cratização, só se dá mais tarde com o triunfo da Macedônia; nas cidades, o Estado quase não existe e 

quase não aparece nenhum dos elementos que o afirmam, lhe dão prestígio e o mantêm; mas com Filipe, tudo muda: o objetivo agora é o de agrupar todos os homens, com o máximo de disciplina, para um trabalho comum de domínio e de organização utilitária da terra; tudo se modela mais ou menos segundo o tipo ideal do exército; não do exército tido como escola moral, à maneira de Esparta, mas do exército eficiente 

como máquina de guerra, num renascimento e num aperfeiçoamento dos assírios.

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Então a comédia, num breve lapso de tempo, num máximo de cinqüenta anos, perde todas as qualidades de fantasia irresponsável que tinha em Aristófanes; o seu plano passa a ser o da vida real, o da vida cotidiana, o da vida do indivíduo, dos casos individuais, dos interesses individuais; em Menandro, Apolodoro, Filêmon ou Dífilo, tanto quanto podemos julgar pelos 

 fragmentos que nos restam e pelas imitações romanas, não há o mínimo sopro da liturgia primitiva, o mínimo vestígio de vida coletiva, o mínimo interesse pelo que 

 possa ir além da existência social ou econômica do homem considerado como um ser à parte da natureza.

* *  *

 Historicamente, a Idade Romana não é mais do que a continuação dos esforços de Filipe e de Alexandre; mas ao passo que estes falharam na sua tentativa de unificar o mundo, derrubando as barreiras dos par- ticularismos gregos, de modo a que as descobertas he- 

lênicas pudessem chegar a todos os homens, os romanos conseguiram pela sua aparelhagem militar, jurídica e administrativa, uma construção política que deu paz aos homens e tornou patrimônio de cultura 

 geral o que até aí fora reservado apenas a uma reduzida minoria.

 A síntese, porém, não foi ainda bastante ampla: os defeitos de mentalidade dos romanos, que tinham sido, 

 por outro lado, auxiliares da sua empresa, não lhes  permitiram conceber uma noção de personalidade humana suficientemente vasta para que nela pudessem caber, por exemplo, os povos bárbaros; e a deficiência dos meios técnicos de produção não lhes permitiu também a libertação do escravo, o que tornou 

 fatal a abertura de novos capítulos na história da aventura humana.

De qualquer modo, Roma constituiu um dos pontos mais importantes da evolução da humanidade, no sentido de domínio da natureza pelo desenvolvimento das técnicas; sob este ponto de vista foi até muito mais

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importante do que os gregos; simplesmente, esta idade técnica só foi possível pela organização dos romanos como um povo de soldados e de juristas; tudo quanto é espontaneidade, liberdade de criação, fantasia, impre- vidência até, nos aparece extremamente reduzido, 

inexistente quase, durante os cinco ou seis séculos em que Roma exerceu a sua ação primacial; Roma é um  grande exército ordenado a um grande fim, e um forte corpo de leis, civis e religiosas, que estritamente travam os movimentos do indivíduo. Cada um tem de fazer o que a disciplina lhe indica e ficam banidos todos os arroubos de alma, toda as tentativas de comunicação direta com a divindade, todas as tentativas 

mesmo de comunicação direta de ser a ser; durante todo o tempo de Roma, os homens marcham lado a lado, como nas fileiras de um regimento, atentos à harmonia e à eficiência do conjunto, de modo algum interessados pelos sonhos, ou os desejos de uma vida livre.

 A grandeza de Roma, que se confunde aí com a quase vitória da humanidade sobre a fome, esmaga tudo o que seja aspiração ou saudade das almas; há 

um objetivo em vista e é este objetivo que se tem de alcançar, quaisquer que sejam os sacrifícios, quaisquer que sejam as barreiras impostas aos sentimentos que estariam mais de acordo com a verdadeira natureza humana. Foi o romano que deu ao mundo o modelo do soldado heróico: a sentinela sepultada no seu 

 posto pelas cinzas do Vesúvio é mais que uma figura histórica e mais que um símbolo de Roma; é a própria imagem da humanidade correndo o risco de se petrificar porque se recusa ao abandono das posições de combate que lhe permitirão, se a batalha for ganha, assegurar então para sempre, na liberdade e na vida criadora, a paz que Roma só conseguiu por quatrocentos anos, na escravidão e no esmagamento do espírito.

 A República, depois de assegurado o domínio do  Mediterrâneo, e o Império marcam um dos tempos em que a humanidade, a troco da segurança, cedeu um 

máximo de liberdade; e teria caído, se não houvesse recursos humanos ou, pelo menos, mais humanos, com

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que contar; os bárbaros, dum lado, os escravos e as mulheres do outro, salvaram o mundo: o cristianismo, 

 propagado pelos últimos e confirmado pelos primeiros é, fundamentalmente, um processo de ressacratização do mundo, pela afirmação da unidade do homem e da 

unidade da criação no imenso amor de Deus. O objetivo essencial que se marca não é o da segurança, mas o da liberdade, não é o da disciplina, mas o do afeto, não é o da atenção a tudo quanto possa manter unido e eficiente o corpo social, mas o da contemplação dos vôos das aves pelo céu e do colorir das floradas pelos 

 prados; a “disciplina militar prestante” parece fechar-se com Jesus; o reino de Deus que ele anuncia é o da Idade de Ouro, mas ampliado pela alegria da redenção. As realidades humanas, porém, ainda se não 

 prestavam à modelação do sonho e o modelo de Roma havia de ser, ainda por muitos séculos, embora sob vários aspectos, o modelo do mundo.

Ê muito difícil saber até que ponto vai a originalidade de forma e de conteúdo da comédia latina, em

bora se lhe possa marcar um espirito diferente da dos  gregos e disposto no sentido da evolução realista de que se acaba de falar. Efetivamente, todos os testemunhos históricos, inclusive o dos próprios poetas interessados, são concordes em afirmar que o teatro cômico romano não é mais do que uma adaptação às exigências das platéias latinas, das obras dos come- diógrafos gregos da comédia chamada “nova”, por  

oposição  à comédia antiga de Aristófanes e seus contemporâneos. Dumas vezes, as peças são-nos apresentadas como sendo puras traduções dos originais gre

 gos; doutras vezes como tendo sofrido o processo da contaminatio, isto é, da fusão de duas ou mais peças, 

 geralmente duas, numa só; os testemunhos são irrefutáveis, de modo que teremos de admirar, mesmo que 

 pretendêssemos salvaguardar o máximo de originali

dade dos romanos, que a invenção estaria quando muito nos pormenores de caráter local; no entanto, mesmo no que se chamaria de pormenor, pode romper  a originalidade de um autor, transformando quase por 

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completo o original, não importando agora pôr a questão de as modificações se fazerem para melhor ou 

 para pior; é o que sucede, por exemplo, com as traduções de Molière realizadas por Castilho; e é muito 

 provável que tenha sido esse o caso dos comediógrafos 

romanos e que se trate dum empréstimo de formas e de intrigas, o que tem realmente pouca importância; no entanto, a carência dos textos gregos e a falta de 

 precisão dos eruditos e críticos da Antiguidade não  permitem chegar a qualquer conclusão segura.

Como noutros elementos da civilização romana, deve ter-se realmente dado uma importação das idéias 

 fundamentais; o romano foi um inventor medíocre e foi 

buscar aos povos vizinhos a base de todas as suas realizações, mesmo a do direito, que nos aparece tantas vezes apontado como sua obra exclusiva; mas o que deu a todos esses elementos, apoiando-os solidamente nas suas características nacionais, foi uma solidez e uma força de expansão que, em geral, não tivera a obra dos outros povos das civilizações mediterrâneas. Pelo que respeita ao teatro, a característica 

nacional mais importante era a do gosto do cômico, mas dum cômico de feição pessoal, individual, amigo de se demorar nas troças dos defeitos de cada pessoa, visando-os quase sempre com uma grosseria brutal, e incapaz de compreender as situações gerais.

O que nas comédias de Plauto e de Terêncio foge dessa linha, o que é, raramente, estudo de tipos ou situações mais delicadamente tratadas vem, por um la

do, do fato de se tratar de adaptações, por outro lado de fato mais importante ainda e que muitas vezes se ignora, o de os dois autores serem estrangeiros. De  Pauto, o que veio da Úmbria, pouco podemos dizer,  porque só muito mais tarde a sua terra entrou na luz da história; mas, no que se refere a Terêncio, não podemos deixar de atribuir ao seu contato com a cultura da Magna Grécia tudo quanto nele há de sensibilida

de, de ternura, de fina melancolia, de graça que não insiste nos seus inventos, de recusa ante as exigências

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duma platéia mais habituada aos saltimbancos do que aos poetas comediógrafos.

Contudo o que neles aparece de mais notável, e é comum aos dois, nem veio das suas pátrias nem da cultura que tiveram nem da sensibilidade humana, 

que era sem dúvida mais profunda do que teve ocasião de mostrar-se; o que há de mais importante em  Plauto e Terêncio, como em todo grande comediógrafo, e basta para isso lembrarmo-nos do  Misantropo de  Molière, é o tom de tragédia que tão facilmente, pela  palavra duma personagem ou pelo incidente do enredo, tinge as suas composições cômicas; em Aristófanes esta qualidade aparece menos nas personagens do que 

nos discursos ao povo em determinadas situações gerais; mas nos comediógrafos romanos, como nos que se lhes seguem dentro do mesmo espírito, é no indivíduo que ela se encontra; decerto com muito menos 

 força, com muito menos entusiasmo poético do que nas  peças de Aristófanes, mas também, sem dúvida alguma, com mais pungente espírito trágico: fez-se de todo 

o divórcio entre a natureza e o homem; este já aprendeu bem a ser o lobo do homem; e de quando em quando sente a saudade da sua verdadeira natureza e sente a sua solidão perante os outros que o hão de devorar se os não abate.

Deus está longe e perto a luta pela vida. Num relance, o que é episódio individual atinge a grandeza do coletivo; e do mercador de escravas, do servo mal

tratado, do pai enganado pelo filho, do amante ludibriado pela amada, sobe como numa onda a amar gura e a revolta perante o destino que se não compreende, perante o destino que parece ter para sempre afastado os homens do paraíso onde o espírito divino respirava, e longamente e perdidamente os fez atravessar os desertos onde as esperanças quase morrem.

E é talvez esta a nota que mais fica vibrando 

 fundo no espírito depois de se ter lido a comédia latina, porque é a nota que mais intimamente nos une aos antecessores de há muitos séculos. Mas há outra que,

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 por mais baixa, e mais difícil de ouvir, não é menos dolorosa nem talvez menos duradoura: o que há provavelmente de mais terrível nestas comédias é a tranqüila mentalidade com que se aceita a existência, por  exemplo, do escravo, sem aparecer, como nos gregos, 

a menor explicação, a menor tentativa de justificar  que tal se desse; decerto o fato nos impressiona e nos deixa, no fim da leitura de cada peça, a certeza de que realmente o mundo antigo estava condenado a desa

 parecer; mas podemos também pensar que dentro de dois mil anos se lerão as nossas comédias e que porventura muitas das nossas instituições irão impressionar da mesma forma o espírito dos leitores, embora 

 possamos ter a esperança de que já não seja a mesma a sua angústia. A esperança, mas não a certeza. Pode ser que durante muito tempo se ache muita coisa tão natural como eles achavam os escravos e os parasitos e que durante muito tempo a educação para servir  seja fundamentalmente a educação dos homens.

* * *

Como o mundo antigo não continha em si próprio nenhum elemento de salvação,  só era  possível um novo avanço da história pelo desabar de tudo quanto tinham construído os homens e pela criação duma existência nova. É como se a humanidade tivesse de resolver de novo todos os seus problemas, como se se tivesse voltado às idades primevas da história. Neste 

sentido a formação da Idade Média é o verdadeiro  Renascimento e o outro, o dos séculos XIV e XVI, o regresso da vida antiga que, depurada dos elementos que lhe impediam a marcha, volta a tomar posse da humanidade, a arregimentá-la de novo e a lançá-la com gênio implacável no caminho que a poderá levar  um dia a libertar-se do fatalismo das necessidades físicas.

E imediatamente o teatro se afirma na sua primeira natureza: durante toda a Idade Média a repre

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sentação é sagrada e litúrgica e tudo gira à volta da separação do homem do mundo sobrenatural, ora 

 porque se representa a própria queda, ora porque se abrem aos olhos dos espectadores os mistérios do que 

existe para além da sua vida passageira. Representa- se nas igrejas como outrora se representava junto aos altares de Dionísio; a vida levou a humanidade ao desterro e a cada possibilidade ela volta para contemplar o que devia ser a sua pátria verdadeira e todas as fases do drama em que a envolveu a luta pelo existir, por um existir pleno, sem o terror e a fome.

O teatro medieval, de fundamento não realista, 

atento não à vida ativa mas à vida contemplativa, dá bem a medida do que poderia ter sido a nova época da história, se os romanos tivessem resolvido os problemas técnicos da produção; o conjunto dos homens medievais é um corpo místico governado por um espírito santo; todo o ato da sua vida é ou deve ser uma comunhão em Deus; toda a graça de obra que se le- vanta é uma obra coletiva; a idéia de irmandade entre os homens passa além de todas as travas políticas e econômicas; há a recusa ao nacionalismo e a recusa à comunicação direta do indivíduo com Deus, desde que 

 para isso se tenha de abandonar os irmãos que não os  podem acompanhar.

Não é por acaso que a estatuária do melhor período medieval se parece estranhamente com a esta

tuária grega: é a expressão da mesma plenitude, da mesma fidelidade à verdadeira natureza humana, quaisquer que sejam ainda os obstáculos e as imper

 feições. Mas na realidade todo o tempo medieval era mais descanso que chegada; os homens tinham parado a muito menos de meio caminho da economia, da 

 política e da técnica; tinha de se ir mais longe: então, novamente se desfaz a grande irmandade dos homens.

O real supera o ideal; o profano sobreleva ao sa grado; e o teatro reflete essa ressurreição da vida antiga que se julgava inteiramente morta. As representações cada vez mais se afastam do âmago da igreja; as

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constituições dos bispados cada vez vão ser mais severas ante a invasão do profano; ainda um momento se representou na portaria dos templos; depois, já des

 feito o encanto que as tomara, já plenamente na batalha da vida, as representações, quase sem lembrança 

do sagrado, fazem-se fora da igreja. Pareceu durante algum tempo que nem tudo se perdia e que, por um milagre, seria possível conciliar os dois elementos presentes, o da busca e o da unidade, o da religião e o da ciência, o da mística individual e o da mística da coletividade. É este, provavelmente, o sentido profundo da ação dos portugueses e dos espanhóis; tentou-se uma ciência que vai certamente contra Aristóteles, mas que 

é de linha franciscana, isto é, que nunca daria, como deu a ciência protestante, o quase esmagamento da natureza humana; tenta-se uma forma de vida reli

 giosa que dando liberdade aos vôos do espírito individual, que, reconhecendo-lhe a presença de Deus, não deixa de insistir no entanto na idéia do Corpo Místico da Igreja e na idéia dum Deus transcendente que assegure a inteligibilidade e continuidade do espírito humano.

E é exatamente na península que o teatro, por  mais tempo, se conserva fiel às linhas gerais da Idade  Média e se recusa a submeter-se às concepções romanas que, naturalmente, dada a similitude dos tempos, logo vieram e dominaram no direito, na economia, na 

 política, e nas manifestações artísticas, que, por serem criação no tempo, tão fortemente lhe estão ligadas; 

 portugueses e espanhóis lutam, com os seus místicos, os seus navegadores e exploradores, os seus artistas e os seus autores de teatro, com um Gil Vicente, um Calderón de la Barca ou um Lope de Vega, pela permanência dos ideais cristãos da Idade Média, sem pre

 juízo de tudo quanto era necessário para que se reconquistasse o paraíso perdido.

 Mas acabariam vencidos; o capitalismo, o cien- tismo e o protestantismo mais ou menos laico dos povos nórdicos eram movimentos demasiadamente fortes

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e estavam demasiado dentro da lógica da história  para que as esperanças peninsulares pudessem ter  qualquer possibilidade de triunfo; por desgraça, também se não encontrou nenhuma doutrina bem estruturada e bem sólida, capaz de resistir aos embates das 

circunstâncias; houve um vislumbre de vitória com as idéias erasmistas: mas no fundo, faltava a Erasmo a noção do sagrado; e a vitória, quando veio, foi, sob aspectos, cores e nomes diferentes, a vitória da secura, da brutalidade e da eficiência dos romanos; o Renascimento é na realidade a volta a Roma do filho pródi go.

Daí por diante a influência da comédia romana 

não fez mais do que acentuar-se: é comédia romana a de Maquiavel, a de Villalobos, a de Dryden, a de Mo- lière, a de Beaumarchais, a do “Judeu”, a de Alencar; é comédia romana a do nosso tempo e, provavelmente, 

 pelo seu realismo sem limites, pela completa solidariedade com “a vida tal como é” a mais romana de todas as comédias.

 As sementes remotas, porém, não morreram de todo e serão capazes de germinar num terreno que se lhes apresente favorável; é quase certo que está muito mais perto do que geralmente se julga o fim do tempo do sacrifício e de batalha; temos hoje à nossa disposição os meios técnicos de dominar a fome e a miséria e de dar ao homem uma liberdade sem limites para ex

 primir a sua verdadeira natureza; o que ainda trava o 

nosso caminho é a convicção em que nos encontramos quase todos de que o homem é um animal egoísta, ba- talhador e feroz, convicção que adquirimos em toda a longa experiência histórica e nos faz tomar por estrutura, o que é simplesmente acidental; só a fé no homem, nas possibilidades divinas do homem nos pode levar de novo à Idade de Ouro, tal como a representaram os poetas: tempo de fraternidade e de amor, sem 

angústia e sem dramas, tempo de contemplação e de absorção em Deus, tempo de ação mental, a mais verdadeira e a mais eficaz de todas as ações. E o teatro

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será então por completo litúrgico e sagrado, sem nenhuma tragédia e sem nenhuma comédia, porque o homem se integrará na natureza ou levará a natureza ao nível do seu próprio espírito; será o teatro da fantasia do sopro lírico, da pura dança, do louvor a Deus 

e da oferta a Deus, do esplendor que inundará as almas, depois do longo, do penoso, do quase desesperado caminhar.

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NOTA SOBRE A TRADUÇÃO

De todos os autores latinos, são provavelmente  oscomediógrafos os mais difíceis de verter para uma lín

 gua moderna. Por um lado, as formas arcaicas do latim, incompreendidas e adulteradas pelos copistas de idades mais recentes, tornam o texto muitas vezes incerto; por outro lado, o uso, como uma das fontes do cômico, dos jogos de palavras e de frases de duplo 

sentido, as alusões a fatos e costumes que eram atuais, e, numa palavra, a atmosfera diferente da época re publicana de Roma e da nossa época, fazem que em muitos pontos a tradução, para se tornar inteligível, tenha de ser, de certo modo, uma adaptação.

Não é também de somenos importância que se traduza em prosa um original em verso, e em versos que são dos mais difíceis e dos mais complicados que podemos encontrar na métrica latina; a variedade de ritmos perde-se por completo na versão e é fora de dúvida que, na maior parte das vezes, o sentido, ou a impressão sobre o leitor não é exatamente a mesma; de resto, até para um romano, a impressão sobre um leitor seria diferente da que sofreria um espectador, visto serem cantados alguns dos trechos, outros reci

tados com certa entonação musical. A presente versão procurou seguir o mais possível o original e em caso nenhum se sacrificou a fidelidade à elegância de dicção ou à facilidade de inteligência; teve-se igualmente em mira conservar quanto possível o tom geral da linguagem, que era, como se sabe, não

o latim literário de Cícero ou de César, nem o latim vulgar, que deu o acervo essencial das línguas româ- nicas, mas, basilarmente, o latim familiar ou coloquial de Roma, empregado na conversação das pessoas cultas.

 A. S.

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NOTA BIBLIOGRÁFICA 

Cartault — La poésie latine — Paris, s. d.Conradt — Die metrische Composition der Comödien des Terentius — Berlim, 1876.Couat — Aristophane et la comédie attique — Paris, 1889.Croiset — Aristophane et les partis politiques à Athè- nes — Paris, 1904.

Dénis — La comédie grecque — Paris, 1886.Du Méril — Histoire de la comédie — Paris, s. d. Deschanel — Études sur Aristophane — Paris, 1867. Girard — Études sur la poésie grecque — Paris, 1880. Guizot — Ménandre — Paris, 1885.Horkel — Lebensweisheit des Komikers Menander  —

 Berlim, 1857.Jachmann — Plautinisches und Attisches — Berlim, 

1931.Korte — Die grieschische Komödie — Berlim, 1930. Knapp — Plaute and Terence — Londres, 1932.Lejay — Plaute — Paris, 1925.Meineke — Historia Critica Comicorum Graecorum — Berlim, 1839.Oppe — The new comedy — St. Andrews, 1894.Plessis — La poésie latine — Paris, 1926.

Ribbeck — Anfànge und Entwicklung des Dionysius- cultxis in Attica — Kiel 1869.Sellar — Roman Poets of the Republic — Londres, s. d. Süss — Aristophanes und die Nachwelt — Berlim, 1911.  Van Leeuwen —  Prolegomena ad Aristophanem — Lei- den, 1908.

 A presente Nota Bibliográfica pode completar-se com asindicações dadas em: Laurand — Manuel des Études Grecques et Latines; Schmidt und Stählin - Geschichte der Gnechis- chen literatur; Schauz — Geschichte der Römischen literatur  (‘‘Handluch der Altertunswissenschat").

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PLAUTO

Tito Mácio ou Maco Plauto, que nasceu na Úm- bria, provavelmente por volta do ano 224 a.C., durante a guerra com os Cartagineses, veio para Roma em data incerta e aí se dedicou logo ao teatro, dizendo-se que teria representado a primeira peça aos dezessete anos de idade. Parece, no entanto, que os ganhos financeiros, dada a magnificência com que as peças eram apresentadas, não corresponderam aos ganhos de reputação, e que o poeta, por não ter pago as suas 

dívidas, se teria visto reduzido à condição de escravo, o que lhe deu certamente ótima oportunidade para conhecer os costumes dos seus colegas e de todo o mundo de parasitos, cortesãs, militares fanfarrões e 

 filhos-família aventureiros que tinham nas habilidades dos escravos ponto de apoio para os seus perigosos empreendimentos.

Durante o seu tempo de cativeiro, fazendo girar as 

mós de um moinho, teria Plauto composto três ou quatro peças, de que restam apenas fragmentos, mas que,  pelo êxito junto ao público, lhe garantiram a liberdade. É então que verdadeiramente começa a sua carreira de autor e ator; segundo os testemunhos antigos, o número de comédias composto por Plauto subia a cento e vinte; Varrão, no entanto, submetera o con

 junto a um exame crítico e não pusera como autênti

cas mais de vinte e três peças; as que nos restam são em número de vinte: Anfitrião, Asinária, Aululária

NOTA BIOGRÁFICA 

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Comédia da Panela),  As Baquis, O Cartaginês, Casina,O Cesto, A Corda, Os Cativos, Epidico, O Fantasma, OGorgulho, O Mercador, Menecmos, O Prodígio, Pseu-dolo, O Persa, O Rústico, O Soldado Fanfarrão, Stico.

O êxito de Plauto foi constante; superior, intelectual e moralmente, aos seus ouvintes, soube, no entanto, satisfazê-los pela vivacidade da ação, o bem travado da intriga, a insolência e a violência cômica dos militares, dos parasitos e dos escravos, o realismo das cortesãs, dos velhos que defendem o sossego da sua casa, a segurança do seu dinheiro ou a tranqüilidade dos seus prazeres, dos moços que se deixam vencer  

 por encantos fáceis e quase sempre falsos; às vezes mesmo pela coloração quase romântica e ingênua de certos tipos de moça.

É certo que freqüentemente sacrificou à grosseria do público; mas a sua tendência mais profunda era a que, por exemplo, se surpreende nos  Cativos: tendência de moralista e de poeta lírico, um pouco melancólico, mas disposto sempre a agir quando preciso; acei

tava com realismo o mundo à sua volta mas lavrava, no entanto, o seu protesto sempre que o julgava necessário contra as desigualdades da organização e da sorte.

Embora os textos não sejam muito seguros, Plauto teria tido uma vida bastante curta; o mais provável é que tivesse falecido cerca de 182 a.C.

 A. S.

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 ANFITRIÃO

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PERSONAGENS

 ANFITRIÃO, comandante-em-chefe dos tebanos

 ALCMENA, mulher de Anfitrião

JÚPITER, o rei dos deuses

MERCÚRIO, o mensageiro dos deuses

SÓSIA,1 escravo de Anfitrião

BLEFARÃO,2 general tebano, amigo de Anfitrião

BRÔMIA,3 criada de Alcmena

TESSALA, criada de Alcmena

 A ação passa-se em Tebas

Muitas personagens da comédia latina têm geralmentenomes gregos. Em notas daremos a significação da maioria

desses nomes em grego.1) Sósia: “que salva”.2) Blefarão: “que vê” ou “que pestaneja”.3) Brômia: “que vibra”.

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PRÓLOGO

 MERCÚRIO

Se quereis que eu esteja bem disposto convosco eque vos dê bons lucros nas vossas compras e nas vossas vendas e vos ajude em todas as coisas; se quereisque os vossos negócios e os vossos empreendimentoscorram bem tanto no estrangeiro como na pátria eaumentem os seus ganhos, justos, amplos e contínuos,quer naquilo que já começastes, quer no que ireisprincipiar; se quereis que eu vos traga boas notícias eque tudo quanto vos comunico seja de proveito para

vós e para a vossa comunidade (bem sabeis que me foidado e concedido, pelos outros deuses, ter a meu cargoas novas e os ganhos); se quereis que eu vos seja favorável, e me esforce por que sempre tenhais ganho; acolhei em silêncio esta peça e julgai-a com um critérioequânime e justo.

 Agora vou eu dizer quem me deu ordem de vir epor que razão venho; e, ao mesmo tempo, revelarei o

meu nome. Venho por mandado de Júpiter e o meunome é Mercúrio. Meu pai mandou-me aqui para vosfazer um pedido, embora saiba que tomareis como ordem aquilo que for dito; ele bem sabe que respeitais etemeis Júpiter, exatamente como é justo. No entantoordenou-me que vos fizesse o pedido com delicadeza ecomo se fosse um favor.

Efetivamente esse Júpiter a cujo mandado eu ve

nho não receia menos de que um de vós qualquerquestão desagradável. Nasceu de mãe humana e de pai

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humano e por isso não é de admirar que tenha certosreceios. E eu, que sou filho de Júpiter, também fiquei,por contágio, com o medo de meu pai. Por isso venhomuito em paz e é a paz que vos trago.

O que eu vos quero pedir é uma coisa fácil e justa.

É a pessoas justas que um justo como eu deve pedir oque é de justiça. Realmente não convém pedir o que éinjusto a quem é justo e é uma loucura rogar aos injustos o que é justo; de fato, os iníquos ignoram e desprezam a justiça. E agora prestai atenção àquilo que tenho para vos dizer.

Deveis querer aquilo que nós queremos; eu e meupai, bem merecemos de vós e da república. Não me

lembro de ter visto nas tragédias os outros deuses, Netuno, o Valor, a Vitória, Marte, Belona, relembrar osfavores que vos prestaram? Ora foi meu pai, rei dosdeuses, o arquiteto de todos esses benefícios. Masnunca foi costume de meu pai lançar em cara aos bonsqualquer bem que lhes tenha feito. Ele acha que vóslhe sois gratos e que é muito merecidamente que elevos faz os favores que vos faz.

Primeiro vou dizer aquilo que vos vim pedir; depois vou revelar o argumento desta tragédia Por que éque franziste o sobrolho? Por ter dito que seria umatragédia? Sou deus, de modo que, se quereis, mudo jáisto; farei que de tragédia passe a comédia, e exatamente com os mesmos versos. Quereis que sim ou quenão? Mas que bobagem, eu que sou deus, estar semsaber o que vós quereis; conheço perfeitamente avossa opinião sobre o assunto. O que eu vou fazer é

que seja uma peça mista, uma tragicomédia, porqueme não parece adequado que tenha um tom contínuode comédia e peça em que aparecem reis e deuses. Eentão, como também entra nela um escravo, farei queseja, como já disse, uma tragicomédia.

Ora Júpiter mandou-me que vos pedisse que emtodo o teatro vão cada um por seu banco certos fiscaisque, se encontrarem gente alugada para aplaudir, lhes

segurem como garantia a toga. Deseja ele que sejampunidos os que procurarem conquistar a palma para

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os comediantes, ou para algum artífice, quer por cartas, quer por mensageiros. E que sejam igualmentepunidos os próprios comediantes, se tal fizerem; e quesejam até punidos os edis que derem os prêmios commá fé. E que sejam todos punidos pela mesma lei que

castiga quem, por maus processos, conseguiu magistratura para si ou para outrem.Disse ele que as vossas vitórias vieram do valor,

não da intriga e da má fé. Por que razão não deverá alei para os comediantes ser a mesma que existe paraos cidadãos mais importantes? É pelo valor e não pelos favores que se devem conquistar os cargos; aqueleque procede bem, terá sempre bastantes sequazes, se

houver boa fé nas pessoas de quem a coisa depende.Mandou-me ele também que houvesse fiscais paraos comediantes que tivessem por costume mandarpessoas de propósito para os aplaudir ou que o fizessem para desprestigiar a outrem. Tirar-lhes-iam os vestuários e dar-lhes-iam chicotadas.

Não vos deveis admirar de que Júpiter tanto seimporte com os comediantes: o próprio Júpiter vai re

presentar nesta comédia. De que é que vos espantais?Será uma coisa nova vir Júpiter fazer de ator? Quandoos comediantes, o ano passado, o invocaram em cena,ele lá veio e lá os auxiliou. E o que é certo é que muitas vezes tem aparecido nas tragédias. Dizia eu entãoque Júpiter representará hoje, nesta peça, e eu juntamente com ele. Agora prestai atenção enquanto eu revelo o argumento da comédia.

 Aqui é a cidade de Tebas, e nesta casa mora Anfitrião que nasceu em Argo, dum pai argivo, e com oqual se casou Alcmena, filha de Electro. Neste momento está ele à frente das suas legiões, porquanto osteléboas estão em guerra com o povo tebano. Antes deter partido para a guerra engravidou sua mulher Alcmena.

Ora eu acho que vós conheceis de que espécie émeu pai, como dá rédea solta às suas inclinações ecomo está pronto a apaixonar-se pelo que lhe agradoualguma vez. Começou a gostar de Alcmena sem que o

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marido soubesse, usufruiu do corpo dela, e empre-nhou-a com seus abraços. E agora, para que saibaisperfeitamente como é tudo isto, dir-vos-ei que elaestá grávida dos dois, de seu marido e do supremo Júpiter. Meu pai está agora lá dentro deitado com ela e é

exatamente por isso que hoje a noite é maior, para queele possa ter todos os prazeres que lhe apeteçam. Etudo isto ele o faz sob o disfarce de Anfitrião. Agorapara que vos não admireis de eu ter vindo assim vestido, com este aspecto de escravo, vou expor-vos, comocoisa nova, o que é já velho e antigo; é exatamente porisso que eu apareço vestido duma nova forma.

Meu pai, Júpiter, que está lá dentro, tomou a fisio

nomia de Anfitrião e todos os escravos que o vêem julgam que efetivamente é ele, tão facilmente muda depele quando quer. Eu tomei para mim o rosto de Sósia,que foi para o exército com Anfitrião para poder assimservir a meu querido pai e para que a gente de casanão perguntasse quem eu sou ao verem-me andar porela. Como julgam que eu sou um escravo, um camarada, ninguém me pergunta quem sou ou a que vim. Meu

pai está agora lá dentro e à sua vontade, deitado eabraçando-a, que é como ele gosta mais.Meu pai está contando a Alcmena os seus feitos de

guerra, e ela, que está efetivamente com o amante, julga que está com o marido. Agora lá está meu pai acontar de que maneira pôs em fuga as legiões do inimigo e de que modo recebeu numerosos presentes. Esses presentes são os que na verdade deram a Anfitrião,

e que nós lhe tiramos. A meu pai torna-se fácil tudoquanto quer.Ora hoje chega Anfitrião da guerra com o escravo

cuja figura eu tomei para mim. Para que possaisdistinguir-nos mais facilmente pus eu no chapéu, aqui,estas peninhas, e meu pai terá no seu, uma correntezi-nha de ouro, sinal este que não terá Anfitrião. Ninguém, da gente de casa, poderá ver estes distintivos

que vós vereis. Mas aqui está o tal Sósia, escravo de Anfitrião, que chega do porto com uma lanterna. Vou

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 já embora para o afastar de casa. Aí vem ele, já lá estábatendo à porta. E quanto a vós, acho que valerá apena verdes como Júpiter e Mercúrio fazem de come

diantes.

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 ATO I

SÓSIA, MERCÚRIO

Sósia: Quem haverá mais audaz e mais confiante doque eu, que bem sei dos costumes da juventude eque ando sozinho noite fora? Que vou eu fazer se ostriúnviros me meterem na cadeia?

 Amanhã tiram-me da cela e levam-me para as chicotadas sem mesmo deixarem que me defenda; nenhum socorro tenho a esperar de meu dono e nãohaverá ninguém que não ache que mereço o castigo.Oito homens fortes malhariam em mim como se eufosse uma bigorna. E era com esta hospitalidade queeu seria recebido ao regressar. Mas a tudo isto me

obrigou a impaciência de meu amo que me levou asair do porto, sem eu querer, ainda de noite. Não éverdade que ele me poderia ter mandado de dia?Mas é duro servir um homem rico. O escravo do opulento é o mais infeliz de todos. De noite e de dia temsempre alguma coisa que se faça, alguma coisa quese tem de realizar ou de dizer, só para que se não

esteja quieto. Um amo rico e que não tem experiência nem de trabalho, nem de fadigas, julga que sepode fazer tudo o que lhe vem à cabeça; pensa quetudo está certo e não se importa com o trabalho quepossa dar. E nem vai sequer refletir se é justo ou in

 justo aquilo que mandou. É por isso que quem serve

d i i j i é

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Mercúrio  (a parte):  O mais acertado era ser eu aqueixar-me deste modo da servidão sempre fui livre,exceto hoje. Mas a ele já o pai o fez escravo; nasceuservindo, e ainda se queixa. Mas realmente só souescravo de nome.

Sósia. O que eu pensava ao chegar era dar graças aosdeuses, era mostrar-lhes alguma gratidão pelos favores que me fizeram. Por Pólux! Se eles tencionassemrecompensar-me pelos meus méritos com certeza arranjariam alguém para me partir a cara à chegada:de fato, sempre fui ingrato, nunca dei importância aobem que me fizeram.

Mercúrio  (à parte):  Este faz o que não é costume:sabe o que merece.

Sósia:  Aconteceu aquilo que eu não esperava, nem esperou nenhum dos nossos patrícios: voltar são esalvo à nossa terra. O exército regressa vitorioso, depois de derrotado o inimigo, depois de terminadaesta enorme guerra e de destruir os adversários, quetinham causado tantos desastres ao povo tebano. Acidade foi vencida e tomada de assalto pelo ímpeto,pelo valor dos nossos soldados sob o comando e aguia de meu amo, Anfitrião. Distribuiu aos seus concidadãos os despojos, as terras, e o cereal. E garantiuo seu trono a Creonte, rei de Tebas. Mesmo do portomandou-me a casa, à sua frente, para anunciar tudoisso à mulher, a forma por que ele salvou o Estado

com o seu comando, as suas ordens, a sua guia. E euagora estou a pensar de que maneira lho hei de dizerquando chegar lá. Se eu disser mentiras, não procederei senão segundo o meu costume. Quando elescombatiam com toda a coragem, fugia eu o mais quepodia e no entanto tenho de fingir que estive lá econtar-lhe o que ouvi. Mas o que eu desejo meditar asós comigo é de que modo e com que palavras me

convém mentir; o que eu vou fazer é falar assim.

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Primeiro, logo que lá chegamos, e mal se desembarcou, escolheu Anfitrião os chefes principais enomeou-os seus delegados, dando-lhes ordem de comunicar aos teléboas as suas determinações: se elesquisessem, sem violência e sem guerra, entregar os

raptores e o raptado, se restituíssem o que tinhamlevado, imediatamente ele faria regressar o exército,os argivos abandonariam o campo e ele lhes dariasossego e paz. Mas que se outra fosse a sua intenção,que se não dessem aquilo que ele pedia, ele entãotomaria de assalto com toda a violência e todo o seuexército a sua cidade.

Quando aqueles que Anfitrião tinha enviado disseram estas coisas por sua ordem aos teléboas, logo osoutros, homens corajosos, confiados nas suas forças eno seu valor, e altivos, insultam os nossos delegadoscom toda a violência; respondem que podiam muitobem guardar-se pelas armas, a si e aos seus e que,portanto, tratassem de retirar o exército dos seusterritórios, o mais depressa possível.

Quando os delegados vieram comunicar isto, Anfitrião mandou sair imediatamente do acampamentotodo o seu exército; por seu lado os teléboas formamas suas legiões fora da cidade, todas equipadas dearmas esplêndidas. Depois que duma banda e doutrasaiu uma grande quantidade de gente, ficaram dispostos os homens e ficaram dispostas as formações:nós dispusemos as tropas segundo a nossa maneira,o nosso costume, e por seu turno fazem o mesmo osinimigos com as legiões que lhes pertencem. Depoisambos os comandantes se dirigem ao meio para alémdas linhas e falam um com o outro; concordam emque os vencidos nesta batalha entreguem a cidade, ocampo, os altares, os lares, e a si próprios se entregam. Depois de feito isto, soam as trombetas de um e

de outro lado e em resposta a terra ecoa; levanta-seum clamor de ambos os lados e de ambos os ladosfaz o general seus votos a Júpiter e exorta o seuexército.

Então cada um mostra aquilo que pode o seu va

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lor, e fere com o ferro; passam os dardos, reboa o céucom o clamor dos homens; forma-se uma nuvem como seu fôlego, o seu bafo; caem prostrados pela violência das feridas e dos encontros. Finalmente, comoera nossa vontade, o nosso exército sai vencedor; os

inimigos caem em grande número, e os nossos selançam ao ataque. Vencemos pela nossa coragemterrível. Todavia, ninguém se põe em fuga, ninguémrecua do seu lugar, mas ali combate; prefere morrer arecuar um passo; cada um fica jazendo no lugar emque estivera e morre no seu posto. Logo que Anfitrião, meu amo, viu tudo isto, imediatamente mandou a cavalaria atacar pela direita. Os cavaleiros

obedecem logo e com grande clamor, com violentoímpeto, voam pela direita e derrotam, destroem comtoda a justiça as injustas tropas inimigas.

Mercúrio  (à parte):  Até agora ainda ele não dissementira nenhuma: eu e meu pai estávamos lá, enquanto se combatia.

Sósia: Os  inimigos põem-se então em fuga, o que aumenta o ardor dos nossos; os teléboas que fugiam ficam com os corpos cobertos de dardos e o próprio

 Anfitrião matou com suas mãos el-rei Ptérela.Combateu-se desde manhã até à noite, coisa que melembro perfeitamente porque nesse dia não jantei.Por fim, a noite chegou e com sua intervenção decidiu o combate. No dia seguinte, vieram os chefes

inimigos, da cidade para o acampamento para falarconosco; vinham chorando e, erguendo as mãos, pediam que lhes perdoássemos os seus erros. E todoseles se entregam, com os seus bens, com os seus deuses, com a cidade e com os filhos, ao arbítrio e à vontade do povo tebano. Depois foi entregue a meu amo,

 Anfitrião, por causa de sua coragem, uma taça deouro por onde o rei Ptérela costumava beber. É isto o

que eu vou dizer à senhora. E agora tenho de cumprir as ordens de meu amo e de entrar em casa.

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Mercúrio  (à parte):  Que é lá isso? Entrar em casa? Vou-lhe já ao encontro. Hoje não vou deixar que estehomem entre em casa e como tenho o seu aspectoacho que vou brincar um bocado com ele. E, assimcomo lhe tomei a forma e as ocupações, também tenho que praticar os mesmos feitos e mostrar osmesmos costumes. Tenho de ser ruim, esperto, astuto e de afastá-lo da porta com a malícia, que é asua arma especial. Mas que é isso? Está a olhar parao céu! Vou ver o que é que ele está a fazer.

Sósia: O que eu sei, ao certo, por Pólux, se há algumacoisa que eu realmente saiba ao certo, ou creia saber,é que me parece que esta noite Vésper se embriagoue se deixou dormir. Efetivamente nem as estrelas daUrsa se mexem no céu, nem a lua se move do lugaronde nasceu. Nem Orionte, nem Vênus, nem asPlêiades vão para o poente. Todas as estrelas estãoparadas e a noite não cede o lugar ao dia.

Mercúrio  (à parte):  Vamos, noite, continua como co-

meçaste, faze a vontade a meu Pai; fazes otimamenteuma coisa ótima a uma ótima pessoa. Vais ver comoganhas!

Sósia: Eu acho que nunca vi noite maior do que esta,a não ser quando estive pendurado a apanhar chicotadas. No entanto, por Pólux! esta noite ainda me

parece maior. Por Pólux! acho que o sol está dormindo por ter bebido em excesso e muito me admiraria se ele não tivesse ceado hoje um bocadinho amais.

Mercúrio  (à parte):  Ah é isso o que tu dizes, meu patife! Julgas que os deuses são iguais a ti? Por Pólux!

hoje é que eu te vou dar o que mereces pelos teusditos e malefícios, grande malandro! Anda cá, sequeres ver o que te acontece.

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Sósia: Onde estão esses pândegos que ficam deitadossozinhos e de má vontade? Isto é que é noite para sepassar com mocas e lhes fazer ganhar dinheiro!

Mercúrio  (à parte):  Então meu Pai está a procedermuito bem segundo a opinião deste homem, vistoque está deitado com Alcmena, abraçando-a eamando-a, segundo sua vontade.

Sósia: Pois lá vou, segundo as ordens de meu amo, adar a notícia a Alcmena. (Percebendo Mercúrio.)  Masque homem é esse que eu vejo, assim de noite, dianteda porta? Não me agrada nada.

Mercúrio  (à parte):  Nunca vi ninguém com tanto medo.

Sósia  (à parte):  Quem será? Vem-me agora à idéia queele é capaz de julgar que tem algum conserto afazer-me no manto.

Mercúrio (à  parte):  O homem está com medo; voubrincar com ele.

Sósia  (à parte):  Estou perdido! Até tenho comichãonos dentes! Acho que ele me vai mesmo receber asoco! Naturalmente por bondade: como o amo medeu ordem de ficar acordado, ele me fará dormir com

os punhos. Ai que estou mesmo morto! Por favor!Por Hércules! Que tamanho! Como é forte!

Mercúrio  (à parte):  Agora vou falar alto para ele ouvir o que digo, o que o fará ter um medo ainda muitomaior. (Alto.)  Vamos, punhos! Já há muito tempoque vós não dais comida para a barriga; e já me parece que foi há muito tempo, quando foi ontem, que

vós pusestes a dormir, e nus, aqueles quatro homens.

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Sósia  (à parte):  Do que eu estou com medo é de terque mudar de nome e passar de Sósia a Quinto.1  Elegaba-se de ter feito adormecer quatro homens! Estoucom muito receio de ir aumentar o número!

Mercúrio  (na atitude de quem se prepara para bater): Olá! Vamos embora! Toca a recebê-lo!

Sósia  (à parte):  Já está a arregaçar-se, já está apreparar-se!

Mercúrio <à parte): Quem apanhar, não agüenta!

Sósia (à parte): Mas quem?Mercúrio: Quem vier, seja quem for, há de comer-me

os socos!

Sósia  (à parte):  O quê? Agora assim de noite? Não! Acabei de cear, o melhor é tu ires oferecer essa ceia aquem esteja com fome!

Mercúrio  (à parte):  O peso deste punho não é nadamau.

Sósia  (à parte):  Estou perdido! Está pesando os punhos!

Mercúrio:  E se eu lhe tocar um bocadinho, a ver se ele

dorme?

Sósia  (à parte):  Isso é que era favor! Há três noitesseguidas que estou acordado.

Mercúrio: Mas isto é uma coisa horrível! Esta mãonão sabe senão bater à bruta; será que tem sempreque ficar doutro feitio tudo aquilo em que tocas?

1) Quinto era efetivamente um nome próprio romano e designava primitivamente o quinto filho.

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Sósia  (à parte):  Então este homem não se vai pôr atrabalhar em mim? Quer fazer-me outra cara...!

Mercúrio  (à parte):  Cara em que tu bateres a jeito,tem de ficar logo sem ossos!

Sósia  (à  parte):  Olha agora! Está pensando em tirar-

me os ossos, como se eu fosse uma moréia! Oxalá estivesse bem longe quem assim desossa gente! Se eleme vê, estou perdido!

Mercúrio (à parte): Sinto o cheiro dum desgraçado!

Sósia (à parte): Será que eu deitei algum fedor?

Mercúrio:  Acho que não deve estar longe. (Com ironia ameaçadora:) E já esteve longe...

Sósia (à parte): Mas este homem adivinha!

Mercúrio (à parte): Até as mãos já mexem!

Sósia  (à parte):  Pois se as vais exercitar em mim, omelhor era amansá-las primeiro na parede.

Mercúrio  (à parte):  Houve uma voz que voou até aosmeus ouvidos.

Sósia  (à parte):  Ai que pena que foi não lhe ter cortado as asas; tenho voz de pássaro!

Mercúrio  (à  parte):  Parece que este homem veio pro

curar carga para o burro.Sósia (à parte): Mas eu não tenho burro nenhum!

Mercúrio  lá parte):  Pois vai levar uma carga de socos!

Sósia  (à parte):  Estou cansado do navio que metrouxe aqui; ainda sinto o enjôo. Mal posso andar.

Como é possível que ainda me queiram carregar.

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Mercúrio  (à parte):  Não sei quem anda a falar poraqui.

Sósia  (à parte):  Estou salvo. Ele não me vê. Julga queanda a falar o Não-sei-quem. Ora, eu chamo-me Só

sia.Mercúrio  (à parte):  Parece que a voz me chegou

agora da direita.

Sósia  (á parte):  Se a voz lhe chegou da direita, lá mevai ele chegar a mim em vez de à voz.

Mercúrio: Ora muito bem, aqui vem ele.

Sósia  (à parte):  Estou cheio de medo, estou entorpecido de todo. Se alguém me perguntasse eu nem poderia dizer em que lugar estou da terra; e ai de mim,é tanto o medo que nem me posso mexer! Lá morrem

 juntos Sósia e os recados do amo! Mas o que tenhode fazer é de lhe replicar com coragem; talvez eu lhe

pareça bastante forte para não me pôr as mãos.

Mercúrio: Para onde vais tu, que assim levas Vulca-no2 metido num chifre?

Sósia: Que queres tu que andas aos socos a tirar ossosda cara das pessoas?

Mercúrio: Tu és escravo ou homem livre?

Sósia: Sou aquilo que me apetece.

Mercúrio: Isso é mesmo assim?

Sósia: É mesmo assim.

Mercúrio: Então, apanhas.

2) Vulcano: deus do fogo e dos trabalhos de forja.

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Sósia: Não é verdade.

Mercúrio: Ah, sim? então já vais ver que é verdade!

Sósia: Mas para que é preciso isso?

Mercúrio: Pode-se saber quando é que vais, a quempertences, e por que vieste?

Sósia:  Venho aqui; sou escravo de meu amo, sabesmais alguma coisa?

Mercúrio: Pois hoje hei de espremer-te essa línguadanada!

Sósia: Não podes, é uma língua discreta e de boa qualidade.

Mercúrio: Continuas com as graças? Que tens tu quefazer nesta casa?

Sósia: E tu? Que tens tu que fazer?

Mercúrio: El-rei Creonte sempre lhe põe sentinelas denoite.

Sósia:  E faz muito bem; guardava a casa enquanto es-távamos ausentes. Mas agora podes-te ir embora edizer-lhe que já chegou a gente de Anfitrião.

Mercúrio: Não sei que gente és tu. E se te não vaisimediatamente embora, acho que tenho de recebergente de forma nada gentil.

Sósia: Mas eu já disse que moro aqui e que sou escravo da casa.

Mercúrio: Pois olha: se te não vais embora, vou dar-tehoje uma grande honra.

Sósia: Como é isso?

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Mercúrio: É que se eu pego num pau, não irás por teupé. Vão ter que te levar.

Sósia: Mas se eu digo que pertenço à gente desta casa!

Mercúrio: Olha, se não queres apanhar pancada, omelhor é ires-te já embora.

Sósia: Mas tu não me queres deixar entrar em casa,quando eu venho assim de tão longe?

Mercúrio: Será que esta é a tua casa?

Sósia: Claro que é.

Mercúrio: Então quem é teu amo?

Sósia: É Anfitrião, que está comandando as legiões te-banas e que é marido de Alcmena.

Mercúrio: O que é que tu dizes? E tu? Que nome

tens?

Sósia: Os tebanos chamam-me Sósia e meu paichamava-se Davo.

Mercúrio: Pois tu hoje vens ao encontro da desgraça,com essas tuas mentiras audaciosas e essas falsidades mal alinhavadas.

Sósia: Com o que eu venho alinhavado não é com asmentiras. É com as túnicas.

Mercúrio:  Vês como estás a mentir. Tu não vens comas túnicas. Vens com os pés.

Sósia: Lá isso é verdade.

Mercúrio: Então agora vais apanhar pancada porcausa dessa mentira.

Sósia: Mas eu não quero, por Pólux!

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Mercúrio: Pois, por Pólux, apanhas mesmo sem querer! E não é uma pura suposição, é a verdade mesmo.(Bate-lhe.)

Sósia: Mas por favor!

Mercúrio: Então tu tens a audácia de vires dizer queés Sósia, quando sou eu que sou Sósia?

Sósia: Estou perdido!

Mercúrio: E olha que é pouco, em comparação com oque vai vir! A quem pertences tu?

Sósia:  Agora sou teu; fizeste-me teu a soco. Socorro,patrícios tebanos!

Mercúrio:  Ainda gritas, assassino! Dize lá a que é quevieste?

Sósia: Vim para haver alguém que tu abatestes a soco.

Mercúrio: A quem pertences tu?

Sósia: A Anfitrião, já disse. Sou Sósia.

Mercúrio: Então vais apanhar mais, por estares a dizer bobagens. Eu é que sou Sósia, não és tu!

Sósia: (à parte);  Queiram os deuses que tu o sejas! Eque eu me transforme em quem te chega!

Mercúrio: Ainda rosnas?!Sósia: Já me calo.

Mercúrio: Quem é teu dono?

Sósia: Quem tu quiseres.

Mercúrio: E agora, como é que tu te chamas?

Sósia: Eu  não sou ninguém a não ser quem tu manda-res.

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Mercúrio: Mas tu dizias que eras Sósia e que perten-cias a Anfitrião.

Sósia: Foi engano. O que eu queria dizer é que era umsócio de Anfitrião.

Mercúrio: Eu bem sabia que não tínhamos nenhumescravo chamado Sósia a não ser eu. Tu não estavasem teu perfeito juízo.

Sósia  (à parte):  Oxalá não o estivessem também astuas mãos.

Mercúrio: Eu  sou o Sósia que tu há bocado dizias ser

tu.

Sósia:  Por favor, deixa-me falar em paz e não me batas.

Mercúrio: Então, se queres falar, vamos fazer umastréguas.

Sósia: Eu  só falo depois de concluída a paz, porque tutens mais força do que eu.

Mercúrio: Então dize lá o que queres. Eu não te façomal.

Sósia: Posso confiar na tua lealdade?

Mercúrio: Podes.Sósia: E se me enganas?

Mercúrio: Então oxalá Mercúrio fique irritado comSósia!

Sósia: Então toma cuidado. Olha que eu agora posso

falar do que quiser. Eu sou Sósia, escravo de Anfitrião.

Mercúrio: O quê, outra vez?

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Sósia: Eu  fiz a paz, eu fiz um tratado, estou a dizer averdade.

Mercúrio: Olha que apanhas!

Sósia: Podes fazer o que quiseres, visto que tens maisforça. Mas seja o que for que tu faças, por Hércules,

 já não me calo.

Mercúrio: Tu, enquanto estiveres vivo, não conseguesque eu não seja Sósia.

Sósia: E tu, por Pólux, também nunca me impedirásque eu pertença à minha casa. Não há nenhum outroescravo a não ser eu que se chame Sósia e que tenha

ido para a guerra, juntamente com Anfitrião.Mercúrio: Este homem não está bom da cabeça.

Sósia: O defeito que me atribuis a mim és tu quem otens. — Ora esta, então eu não sou Sósia, o escravode Anfitrião? Não foi esta noite que chegou do portoPérsico o navio que me trouxe? Não foi meu amoquem me enviou para aqui? Não estou eu diante de

nossa casa? Não tenho eu uma lanterna na mão?Não sou eu quem está a falar? Não estou acordado?Não foi a mim que este homem deu socos? Por Hércules, foi o que ele fez, que ainda me doem os queixos. — Mas para que estou eu a hesitar? Por que nãoentro já em nossa casa?

Mercúrio: O quê? Em vossa casa?

Sósia: Pois claro.

Mercúrio: Tudo aquilo que disseste é mentira: sou euque sou Sósia, escravo de Anfitrião. Foi esta noiteque saiu do porto Pérsico o nosso navio; tomamos deassalto a cidade em que reinou el-rei Ptérela, vencemos em batalha as legiões dos teléboas e foi o próprio Anfitrião quem matou no combate el-rei Ptérela.

Sósia: Eu  não creio em mim quando o ouço dizer estascoisas! É que ele realmente sabe tudo o que se pas

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sou como se lá tivesse estado. Mas ouve lá, que foidado pelos teléboas a Anfitrião?

Mercúrio: Uma taça de ouro por onde costumava beber el-rei Ptérela.

Sósia: Aí está! E onde está essa taça?

Mercúrio: Num cofrezinho selado com o sinete de Anfitrião.

Sósia: E dize lá, que sinete é esse?

Mercúrio: O sol nascente com a sua quadriga. Julgasque me apanhas, assassino?

Sósia  (à  parte):  Venceu na discussão. O que eu tenho éque procurar outro nome. Não sei onde é que ele viutudo isto. Mas agora é que eu o vou atrapalhar. Porque com certeza ele não vai poder dizer o que eu fizquando estava sozinho, metido na tenda, sem maisninguém. ( Alto.)  Se tu és Sósia, dize lá o que é quefizeste na tenda, quando as legiões combatiam comtoda a violência? Se disseres, dou-me por vencido.

Mercúrio: Havia uma bilha de vinho e eu enchi umagarrafa.

Sósia: Deu logo certo.

Mercúrio: E eu bebi-o puro, tal como o deu a cepa.

Sósia:  Já não é nada de espantar se ele não estava escondido na garrafa. Aconteceu mesmo isso. Que eubebi o vinho e o bebi puro.

Mercúrio: Então, não é verdade que já te convencique não és Sósia?

Sósia: Então tu queres dizer que eu não sou eu?Mercúrio: Que hei de eu fazer? Terei por acaso de ne

gar que eu sou eu?

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Sósia: Juro por Júpiter que sou eu e que estou a dizera verdade!

Mercúrio: E eu juro por Mercúrio que Júpiter nãoacredita em ti! Mais acredita ele em mim, sem eu jurar, do que em ti, jurando tu.

Sósia: Então quem sou eu se não sou Sósia? Não farásfavor de me dizer?

Mercúrio: Quando eu não quiser ser Sósia, podes tuser Sósia, mas enquanto eu o sou, olha que apanhasse não te vais sem pio.

Sósia: Por Pólux! Realmente quando me ponho a

olhar para ele, vejo que tem o meu aspecto; é muitosemelhante a mim, pelo que tenho visto no espelho.Tem o mesmo chapéu, o mesmo vestuário: é exatamente como eu: as pernas, os pés, a estatura, o cortedo cabelo, os olhos, o nariz, a boca, a cara, o queixo,a barba, o pescoço. Tudinho! Que hei de eu dizer?!Se ele tem as costas com cicatrizes, não há nadamais parecido comigo. Mas também quando me po

nho a pensar, eu devo ser aquele que sempre fui. Euconheço o meu amo, conheço a nossa casa, estoucom juízo, tenho os sentidos a funcionar. Eu o quevou é não querer saber do que ele diz. Toca a bater àporta.

Mercúrio: Para onde é que vais?

Sósia: Para casa.

Mercúrio: Mesmo que subisses agora ao carro de Júpiter e te pusesses a fugir, dificilmente escaparias auma desgraça.

Sósia: Então não me é permitido ir comunicar à senhora aquilo de que me encarregou meu amo?

Mercúrio: Podes ir anunciar o que quiseres, mas à

tua. Aqui à minha não tens licença. E olha que se tume irritas vais sair daqui com o lombo em pedaços.

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Sósia: Então prefiro ir-me embora. Ó deuses imortais,não quereis ajudar-me? Onde é que eu morri?Quando é que eu me transformei? Onde é que euperdi a minha cara? Será que eu me deixei aqui poresquecimento? Efetivamente este tem a fisionomia

que eu possuía dantes. Fazem-me enquanto vivo oque nunca ninguém me fará depois de morto.3  Vouao porto, vou contar a meu amo o que sucedeu poraqui. A não ser que ele também me desconheça, oque Júpiter queira. Vou já hoje rapar a cabeça parausar o boné da liberdade.4 (Sai.)

MERCÚRIO 

Hoje tudo me correu bem e com felicidade. Afasteida porta o incômodo que podia ser maior, de modoque pode meu Pai abraçá-la com toda a segurança. Eo outro, quando chegar agora junto de Anfitrião seuamo, contará que o afastou da porta um escravochamado Sósia. Anfitrião julgará que ele lhe mente e

vai supor que ele não veio até aqui como lhe fora ordenado. Vou enchê-los a eles, e a toda a família de

 Anfitrião, de confusões e de enganos, até que meuPai se farte daquela de quem gosta. Por fim, todoshão de saber de que se trata e Júpiter levará Alcmena à antiga boa união com seu esposo. Ao princípio Anfitrião levantará as turbas contra sua esposa e

acusá-la-á de traição, mas meu Pai há de acalmartodo esse tumulto. Alcmena, o que ainda vos nãodisse, terá dois filhos gêmeos; um dos meninos nascerá dez meses depois de ter sido gerado, e outro, noseu sétimo mês. Um deles é de Anfitrião, o outro de

3) Era costume, nas exéquias antigas, exibir as efígies dosantepassados do morto, quando este era personagem de certasituação social. Sósia, evidentemente, não podia esperar taldistinção depois de morto.

4) O boné da liberdade: o barrete feígio que usavam os escravos libertos.

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Júpiter.5  O Pai do menino menor é o maior, o domaior o menor. Percebeis agora o que há? Mas meuPai tratou de que Alcmena, para que não haja desonra alguma, tenha apenas um parto e que com umsó trabalho se livre das duas dores, de maneira a não

ficar com suspeitas de infidelidade e a não haverqualquer suspeita clandestina. No entanto, como jádisse há bocado, Anfitrião ficará sabendo tudo. E depois? Depois, ninguém fará nenhuma censura a Alcmena, visto que não é justo que um deus deixe cairsobre um mortal o seu delírio, a sua culpa. Mas vouparar de falar: a porta fez barulho, aqui vem o falso Anfitrião com Alcmena, sua mulher de empréstimo.

JÚPITER, ALCMENA, MERCÚRIO

Júpiter: Então adeus, Alcmena. Trata bem das nossascoisas como tens feito. Mas poupa-te, por favor; bemvês que já estás quase no fim. Eu tenho de me ir embora; mas tu trata bem do menino quando ele nascer.

 Alcmena: Então que negócio urgente te obriga assim,meu querido, a ires-te embora tão depressa?

Júpiter: Por Pólux, não é porque esteja aborrecidocontigo ou com a casa; mas quando o comandantesupremo não está com o seu exército mais depressase faz aquilo que não devia ser feito do que aquilo

que tinha de se fazer.Mercúrio  (à parte):  Não há dúvida de que meu Pai é

um refinado manhoso. Vede só como ele sabe amimar a mulher!

 Alcmena: Por Castor! Bem vejo o caso que fazes de tuamulher!

5) O filho de Júpiter será Hércules, o herói que destruirá

os monstros do mundo.

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Júpiter: E não consideras bastante não haver nenhuma outra mulher de quem eu goste tanto comode ti?

Mercúrio  (à parte):  Por Pólux!, se a outra soubesse

em que tu andas ocupado, eu te garanto que prefe-rias ser Anfitrião a seres Júpiter!

 Alcmena: Tudo isso gostaria eu mais de ter na realidade do que na lembrança. Vais-te embora ainda antes de ter ficado quente o teu lugar na cama. Viesteontem a meio da noite e agora vais-te embora. Achasbem uma coisa destas?

Mercúrio  (à parte):  Eu vou lá ter com eles para ajudar meu pai. (Alto.)  Por Pólux! eu acho que nuncahouve nenhum mortal que amasse sua esposa tãoardentemente como ele te ama a ti.

Júpiter:  Ah! bandido, julgas que não te conheço?Sai-me já da vista! Que tens tu que ver com isto?

Meu pateta! Olha que eu pego neste pau... Alcmena (segurando-o): Ah, isso não!

Júpiter: Eu que te ouça!...

Mercúrio  (à parte):  Fui fazer de parasito e não me saínada bem.

Júpiter: Quanto ao que estavas dizendo, minha mulher, acho que não está bem zangares-te comigo. Euvim às escondidas do exército; faltei por ti ao meudever para que fosses a primeira a saber de mim deque maneira eu defendi o Estado. Tudo isso te contei; ora, não o faria se não gostasse imenso de ti.

Mercúrio  (a  parte):  Não é verdade? É o que eu disse?Olhai os carinhos com que ele está!

Júpiter: Ora, para que o exército não dê por nada, te-

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nho de voltar às escondidas. Não quero que digamque eu preferi minha esposa ao Estado.

 Alcmena: Mas deixas tua mulher lavada em lágrimas.

Júpiter: Cala-te. Não estragues os olhos. Eu volto logo.

 Alcmena: Ora, esse logo vai ser muito tempo.

Júpiter: Não é por gosto que eu te deixo e me vouembora.

 Alcmena: Bem sei. É por isso que te vais embora namesma noite em que vieste.

Júpiter: Por que é que me reténs? Já são horas, querosair da cidade antes que venha o dia. (Apresentando-lhe um cofrezinho.)  Mas agora, Alcmena,quero dar-te esta taça que recebi de presente pelaminha coragem e por onde bebia el-rei Ptérela queeu matei com minha própria mão.

 Alcmena: Tu procedes como sempre. Por Castor! É umpresente digno daquele que mo dá!

Mercúrio: Muito mais digno da pessoa a quem é dado!

Júpiter:  Ainda continuas?! Será que eu não te possofazer desaparecer, meu velhaco?

 Alcmena: Por favor, Anfitrião, não te irrites com Sósiapor minha causa!

Júpiter: Será como quiseres.

Mercúrio  (à parte):  Olha como ele fica bravo com oamor!

Júpiter: Que queres mais ainda?

 Alcmena: Que tu gostes de mim, mesmo ausente, emesmo de longe te lembres que sou tua.

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Mercúrio: Vamos, Anfitrião. Já vem luzindo o dia.

Júpiter:  Vai tu à frente, Sósia. Eu vou já. (A Alcmena.) Queres mais alguma coisa?

 Alcmena: Quero: que venhas depressa.

Júpiter: Muito bem. Virei antes do que tu esperas.Podes ficar sossegada. (Alcmena sai.)  E agora, ó noite, que tanto demorei, dou-te licença para que cedasao dia, e para que deixes vir aos mortais a clara luzresplandecente; e como esta noite foi mais longa quea anterior, tanto mais curto farei que seja o dia, para

que haja a mesma diferença e o dia ceda à noite. Eagora, vou seguir Mercúrio. (Sai.)

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ANFITRIÃO, SÓSIA 

 Anfitrião: Vamos, vem atrás de mim.

Sósia: Cá vou e mesmo atrás.

 Anfitrião: Acho que o que tu és é um grande patife.

Sósia: Mas por quê?

 Anfitrião: Porque me vens contar coisas que nãoexistem, nunca existiram, nem hão de existir.

Sósia: Por Ceres! Sempre arranjas as coisas de maneira que não acreditas em ninguém.

 Anfitrião: O quê? Como é isso? O que eu vou fazer-te,por Hércules, meu safado, é cortar-te essa língua safada.

Sósia: Como te pertenço, podes fazer-me aquilo quemuito bem entenderes. Agora, o que tu não podes éobrigar-me a dizer que não aconteceu o que realmente aconteceu.

 Anfitrião:  Ah! meu grandíssimo patife! Ainda ousasdizer-me o mesmo? Que estás em casa quando afinal

á i?

ATO II

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Sósia: Verdade pura.

 Anfitrião:  Vais ver o que os deuses te darão hoje, e oque te darei eu também.

Sósia: É uma coisa que está na tua mão. Bem sabes

que te pertenço.

 Anfitrião: O que, meu canalha, tu ousas brincar comteu senhor, tu ousas dizer uma coisa dessas? Como éque pode suceder uma coisa que nunca ninguém viu,estar o mesmo homem ao mesmo tempo em dois lugares?

Sósia: No entanto, é tudo exatamente como eu digo.

 Anfitrião: Júpiter te confunda!

Sósia: Mas, realmente, meu amo, que mal é que eu tefiz?

 Anfitrião:  Ainda o perguntas, meu sem-vergonha? Tu,

que te pões a brincar comigo?

Sósia: Realmente, se assim fosse, terias razão em estarcontra mim. Mas não estou a mentir, digo apenas oque sucedeu.

 Anfitrião: O que eu acho é que este homem está bêbado.Sósia: Oxalá assim fosse!

 Anfitrião: Isso é desejar o que já tens.

Sósia: Eu?

 Anfitrião: Tu, claro! Onde é que foste beber?

Sósia: Eu não bebi em parte nenhuma!

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 Anfitrião: Mas que homem este!

Sósia: Já disse mais de dez vezes que estou em casa!Estás a ouvir? E quem está junto de ti é o mesmoSósia. E agora, meu amo, achas que te falei com bas

tante clareza e com bastante eloqüência?

 Anfitrião: Vai já para longe de mim!

Sósia: Mas então que é isso?

 Anfitrião: Tu não estás bom!

Sósia: Por que é que dizes isso? Estou de excelentesaúde, estou mesmo bem, Anfitrião.

 Anfitrião: Pois eu hoje vou dar-te o tratamento quetu mereces: hás de ficar com menos saúde, mesmo defazer pena, se chegar à casa são e salvo. E agoratrata de seguir teu amo de quem tu zombas com ditos delirantes. Lá porque não estiveste para cumpriro que teu amo te mandou, vens agora rir-te dele. Issonão pode ser. Vens contar coisas que nunca ninguémouviu, meu patife. Hoje todas estas mentiras te hãode sair do lombo.

Sósia:  Ai, Anfitrião, o pior que pode suceder a um bomescravo é ver por terra todas as verdades que diz aseu amo.

 Anfitrião: Mas como é que pode ser, malandro (vamoslá discutir com ele) que tu estejas aqui e em casa?Isso é que eu quero que tu digas.

Sósia: Pois é fora de dúvida que estou aqui e lá. Claroque todos se admiram, mas realmente ninguém se

admira mais do que eu. Assim os deuses me prote jam como a principio eu nem acreditava em mim, emSósia, até que eu mesmo Sósia mo fizesse acreditar.Contou-me tintim por tintim tudo o que aconteceu

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enquanto estivemos na guerra; tirou-me a cara juntamente com o nome: leite não é mais igual a leitedo que ele é igual a mim. Quando me mandaste àcasa, do porto, antes de nascer o dia...

 Anfitrião

: E então?Sósia:  Já eu lá estava, diante de casa, muito antes de

chegar.

 Anfitrião: Qual história, meu safado! Será que tu estás bom da cabeça?

Sósia: Pois não vês que estou?

 Anfitrião: Não sei que passe de mãos lhe fizeram depois que se afastou de mim.

Sósia: É isso mesmo. Foi um passe de mãos à grande!

 Anfitrião: Quem é que te bateu?

Sósia: Quem me bateu? Fui eu que estou lá em casa!

 Anfitrião:  Vê lá se não me respondes senão ao que eute perguntar! O que eu quero que tu me digas antesde mais nada, é quem é esse Sósia.

Sósia: É este teu escravo.

 Anfitrião: Olha: com um, até eu tenho já mais do quequero! E depois que nasci nunca tive outro escravoSósia a não seres tu.

Sósia: Pois eu, Anfitrião, o que te digo é o seguinte:verás como encontras em casa um outro escravo teu,chamado Sósia, além de mim, e filho de Davo. Tem omesmo pai que eu, a mesma fisionomia, a mesmaidade. E não há mais nada a dizer: o teu Sósiatornou-se duplo.

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 Anfitrião: Contas-me coisas que são de espantar. Masouve lá: viste minha mulher?

Sósia: Não me foi possível entrar em casa.

 Anfitrião: Quem é que te impediu?

Sósia: Foi Sósia. Aquele de que já falei, aquele que mebateu.

 Anfitrião: Mas quem é esse Sósia?

Sósia: Sou  eu, já disse! Quantas vezes terei que o repe

tir?!

 Anfitrião: Mas que é que tu dizes? Não terás adormecido, por acaso?

Sósia: De modo algum!

 Anfitrião: É que podia ser que em sonhos tivessesvisto esse Sósia.

Sósia: Não costumo cumprir dormindo as ordens demeu amo. Foi acordado que o vi, é acordado que tevejo agora, é acordado que falo e foi acordado queele me encheu de socos, a mim que estava acordado.

 Anfitrião: Mas que homem?

Sósia: Sósia, já disse! Eu, e ele! Por favor, não compreendes?

 Anfitrião: Mas, grande malandro, como é possível alguém compreender alguma coisa? Só dizes bobagens.

Sósla: Agora é que tu vais ver!

 Anfitrião: Ver o quê?

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Sósia: Vê-lo, a ele, ao teu escravo Sósia.

 Anfitrião:  Vem comigo. O que eu tenho é que investigar já isto. E trata de que desembarquem já do naviotudo quanto ordenei.

Sósia:  Bem me lembro. E serei diligente em cumprirtodas as tuas ordens: não engoli nem vinho, nem oque tu mandaste.

 Anfitrião: Queiram os deuses que não haja realidadenenhuma em tudo aquilo de que falaste.

ALCMENA, ANFITRIÃO, SÓSIA, TESSALA 

 Alcmena  (sem ver Anfitrião nem Sósia):  Realmente hápoucos prazeres na vida e no passar do tempo emcomparação com tudo o que é molesto. Mas é este odestino dos homens e foi esta a vontade dos deuses,

que a tristeza venha sempre como companheira doprazer; e se alguém recebeu alguma coisa de bom,logo lhe vem maior incômodo e maior mal. É istoexatamente o que eu experimento agora, é isto o queeu sei de mim; tive algum prazer enquanto me foipossível estar com meu esposo; e foi só uma noite, láse foi ele de repente, antes que rompesse o dia. Eagora vejo-me aqui sozinha porque ele está ausente,

o único homem de quem eu gosto. Afinal mais mecustou a sua partida do que me deu prazer a suachegada. Mas o que no entanto me dá gosto é ele tervencido na guerra e voltar para casa coberto de glória; sempre é uma consolação. Pode estar ausente:mas que volte cheio de honras; sofrerei, suportarei asua ausência com ânimo forte e corajoso, se me forconcedido como recompensa que meu esposo volte

da guerra glorioso e vencedor; acharei que isso mebasta. O valor é a melhor das qualidades; o valor

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está acima de todas as coisas; é por ele que se conservam e se guardam a liberdade, a salvação, a vida,os bens, os pais, a pátria e os filhos; o valor tudocontém em si: quem tem valor consigo tem tudo oque é bom.

 Anfitrião  (sem perceber Alcmena):  Por Pólux! creioque minha mulher deseja bem que eu volte à casa;ela gosta de mim, eu gosto dela. E voltar com aguerra ganha e tendo vencido os inimigos que ninguém julgava que fosse possível derrotar! E nós osvencemos logo ao primeiro ataque por minha inspiração e sob o meu comando. Tenho a certeza de que

ela deseja imenso que eu regresse.Sósia:  E não achas que a minha amiga também deseja

muito o meu regresso?

 Alcmena  (percebendo Anfitrião):  Mas este é meu marido!

 Anfitrião  (a Sósia, sem ver Alcmena):  Vem comigopor aqui.

 Alcmena: Mas por que é que ele volta? Dizia que tinhatanta pressa de ir embora! Ou será que ele vemexperimentar-me? Mas se ele quer saber se eu realmente estou saudosa por ele ter partido, por Castor,verá bem que é com toda a alegria que eu o recebo

em casa.

Sósia  (observando Alcmena):  Anfitrião, o melhor é voltarmos para o navio.

 Anfitrião: Mas por quê?

Sósia: Porque em casa não há ninguém que nos dê de jantar, quando entrarmos.

 Anfitrião: Mas por que é que isso te veio à idéia?

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Sósia: Porque chegamos tarde.

 Anfitrião: Como é isso?

Sósia  (mostrando Alcmena grávida):  Bem vejo que Alcmena está diante de casa e bem cheia.

 anfitrião:  É que eu deixei-a grávida quando fui embora.

sósia: Ai, pobre de mim, que estou perdido.

 anfitrião: Que é que tens?

sósia: Pelo que tu dizes parece que vim mesmo de

propósito no décimo mês6  para tirar a água que fornecessária.

 anfitrião: Deixa-te estar sossegado.

sósia: Sabes que sossego vou ter? Por Pólux! O que eudigo é que se pego uma vez no balde, podes ter acerteza de que não o largo sem ter tirado a esse poçotudo quanto ele tiver lá dentro: hei de dar cabo dele.

 anfitrião:  Agora vem comigo; não tenhas medo, queeu darei a outro esse trabalho.

 Alcmena  (à parte):  Eu acho que cumprirei melhor aminha obrigação se for ao seu encontro.

 anfitrião:  Anfitrião saúda alegremente sua queridaesposa que ele acha a melhor de Tebas e cuja honestidade admiram todos os cidadãos tebanos. Tempassado bem? Estavas com vontade que eu viesse?

sósia  (à parte):  Com vontade mesmo! Nunca vi tanta!Saúda-o exatamente como se fosse a um cão!

6) No décimo mês — Trata-se de meses lunares; assim os

dez meses de Alcmena correspondem aos nove meses dos modernos.

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 anfitrião:  E tenho muito gosto em ver que a gravidezvai bem e que estás perfeitamente cheia.

 Alcmena: Por Castor! Queres dizer-me por que mesaúdas assim com essas graças e por que te diriges amim como se me não tivesses visto há pouco, como

se agora voltasses à casa, depois da guerra? Por queé que te diriges a mim como se me não tivesses vistohá muito tempo?

 anfitrião: Mas é que realmente eu não te vejo senãoagora.

 Alcmena: Mas por que é que tu negas?

 anfitrião: Porque aprendi a dizer a verdade.

 Alcmena: E de fato não se deve desaprender aquiloque se aprendeu. Mas tu estás a experimentar-mesobre o que eu sinto? Por que é que voltaste tão depressa? Foi algum mau agouro que te deteve? Mu

dou o tempo? Por que é que não foste ter com oexército como dizias há bocado?

 anfitrião: Há bocado? Mas há bocado o quê?

 Alcmena: Estás a experimentar-me... Há bocado, hápouco.

 anfitrião:  O que eu peço, por favor, é que me digas oque houve há bocado.

 Alcmena: Mas que é que tu pensas? Julgas que estou aenganar quem me engana, quem me diz que chegouagora mesmo quando há bocado se foi embora?

 anfitrião: Esta mulher só diz loucuras.

sósia: Espera um bocadinho a ver se ela acaba dedormir.

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 anfitrião: Ela sonha acordada.

 Alcmena: Por Castor! Eu estou acordada e é acordadaque falo daquilo que sucedeu. Há bocado, antes deromper o dia, vi a vós ambos: tu e ele.

 Anfitrião: Em que lugar?

 Alcmena: Aqui. Na casa em que tu moras.

 Anfitrião: Isso nunca sucedeu!

sósia  (ironicamente):  Por que é que não te calas? Porque é que nós não teríamos vindo a dormir do porto?

 Anfitrião: Então tu estás de acordo com ela?

sósia: Que queres tu que se faça? Não sabes que sequiseres opor-te a uma bacante furiosa ainda a tornas mais louca e apanhas muito mais pancada? Assim se concordares logo, liquidas tudo com umapancada.

 anfitrião: Mas, por Pólux! Eu hei de censurá-la pornão ter querido saudar-me hoje como devia, quandoeu voltava à casa.

sósia: Isso é espertar o lume

 Anfitrião  (a Sósia):  Cala-te. (Voltando-se para a es

 posa.) Alcmena, só quero perguntar-te uma coisa.

 Alcmena: O que é que tu queres perguntar-me? Pergunta lá.

 Anfitrião:  O que tu tens é um ataque de loucura ouum ataque de soberba?

 Alcmena: Mas como é que tu pudeste imaginar umacoisa dessas?

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 anfitrião: Porque tu costumavas dantes cumprimentar-me quando eu chegava e vir ao meu encontrocomo fazem com seus maridos todas as mulheres quetêm bons costumes. Mas hoje, ao chegar, verifiqueique tinhas perdido o hábito.

 Alcmena: Por Castor! Mas eu saudei-te quando tu che-gaste ontem e perguntei se estavas de saúde,peguei-te na mão e dei-te um beijo.

sósia: Tu saudaste-o ontem a ele?

 Alcmena: E a ti também, Sósia.

sósia:  Anfitrião, eu tinha esperança de que ela te pariria um filho. Mas do que ela está grávida não é dummenino.

 anfitrião: Então de que é?

sósia: É duma carga de loucura.

 Alcmena: Mas eu estou boa. E o que peço aos deuses éque dê à luz meu filho com felicidade. O que ele devia fazer era castigar-te bem para que tu, meu agou-reiro, recebesses o que mereces pelos teus agouros.

sósia:  O quê? A quem está grávida é que se tem dedar castanha para ir roendo se por acaso começar asentir-se mal.

 Anfitrião: Tu ontem viste-me aqui?

 Alcmena: Vi, já disse. Queres que repita dez vezes?

 Anfitrião: Talvez em sonhos.

 Alcmena: Nada disso; eu estava acordada e tu estavasacordado.

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 anfitrião: Ai! pobre de mim!

sósia: Que tens tu?

 anfitrião: Minha mulher está doida.

sósia: O que lhe deu foi bílis negra. Não há nada queenlouqueça gente tão depressa.

 anfitrião: Ouve lá, mulher, desde quando é que sen-tiste essas perturbações?

 Alcmena: Mas eu estou de perfeita saúde, por Castor!

 anfitrião: Então por que é que dizes que me viste ontem quando nós chegamos esta noite ao porto? Foilá que eu jantei e lá passei toda a noite no barco. Enunca pus o pé em casa, desde que parti para aguerra contra os teléboas e os venci.

 Alcmena: Mas tu jantaste comigo, e deitaste-te comi

go. anfitrião: Como é isso?

 Alcmena: Digo a verdade pura.

 anfitrião: Sobre isto, não. Lá quanto ao resto não sei.

 Alcmena: E quando principiava a luzir o dia foste tercom as legiões.

 anfitrião: Como é possível?

sósia: Está ótimo. O que ela está a contar é o sonhoque teve. (A Alcmena.)  Mas com certeza depois queacordaste lá foste fazer a tua prece ao Júpiter dos

prodígios, com bolo salgado ou com incenso. Alcmena: Ai de ti!

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Sósia:  Ai! de ti! que é o que tens a dizer, se pensasdireitinho.

 Alcmena:  É já a segunda vez que me falas sem consideração nenhuma. Como é que tu o deixas?

 anfitrião: (a Sósia):  Vê lá se te calas. (A Alcmena.) Mas dize-me uma coisa: eu fui hoje embora ao romper da manhã?

 Alcmena: Quem me havia de ter contado a não serestu o que se passou na batalha?

 anfitrião: Também sabes disso?

 Alcmena: Pois se foi a ti que eu ouvi... Que tomaste deassalto uma cidade enorme, que mataste tu próprio orei Ptérela.

 anfitrião: Eu disse isso?

 Alcmena: Tu mesmo, e diante aqui de Sósia.

 Anfitrião la Sósia): Tu ouviste-me contar isto hoje?

sósia: Como é que eu havia de ter ouvido?

 anfitrião: Pergunta-lhe a ela!

sósia: Na minha presença, não; pelo menos que eusaiba.

 Alcmena:  É realmente muito de admirar que ele te nãocontradiga...

 anfitrião: Olha, Sósia, olha cá para mim.

sósia: Estou olhando.

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 anfitrião: Eu  quero que tu digas a verdade. Nãoquero que digas só mesmo que eu. Tu ouviste-mecontar-lhe hoje o que ela afirma?

sósia: Por Pólux! Será que tu também estás doidopara me vires perguntar uma coisa dessas? É a primeira vez que eu a vejo, e contigo.

 anfitrião: E então agora, mulher, ouves o que ele diz?

 Alcmena: Ouço perfeitamente: está mentindo.

 anfitrião: Tu  então não acreditas nele nem em teumarido.

 Alcmena:  O que acontece é que acredito muito maisem mim e sei que o que sucedeu foi exatamentecomo eu digo.

 anfitrião: Então tu dizes que eu ontem cheguei aqui?

 Alcmena: E tu negas teres ido hoje embora?

 anfitrião: Nego mesmo e digo que é agora a primeiravez que eu venho a casa.

 Alcmena: Por favor! Também negarás que me destehoje de presente uma taça de ouro e me disseste queta deram por lá?

 anfitrião: Por Pólux! Não sei nada e não disse nada;o que eu tinha e ainda tenho era idéia de ta oferecer.Mas quem é que te disse isso?

 Alcmena: Ouvi de tua própria boca; e foi de tua própria mão que eu recebi a taça.

 anfitrião: Está bom, está bom... Muito me admira,

Sósia, que ela saiba que fui presenteado com essataça de ouro. O que deve ter havido é que tu viestepor cá e lhe contaste tudo.

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sósia: Eu  não lhe disse nada. E não a vi, a não seragora contigo.

 anfitrião: Mas que gente esta!

 Alcmena: Queres que te tragam a traça?

 anfitrião: Quero.

 Alcmena: Muito bem. Tessala, vai lá dentro e traz ataça que hoje meu marido me deu de presente.

 anfitrião:  Vem cá, Sósia. O que haverá de mais estranho nisto tudo é trazer-me ela agora a tal taça.

sósia: Mas crês isso possível? Uma taça que vem numcofre, fechado com teu selo?

 anfitrião: O sinete está intacto?

sósia: Vê tu.

 anfitrião: Está exatamente como eu o marquei.

sósia:  O que eu gostava de saber é por que razão nãoa consideras louca.

 anfitrião: Por Pólux! Acho que vai ser assim mesmo!Por Pólux! Tem a cabeça cheia de fantasmas!

 Alcmena  (tomando a taça que Tessala lhe traz):  Paraque havemos de estar a gastar palavras? Aqui está ataça. Olha.

 anfitrião  (tomando a taça das mãos de Alcmena): Dá-ma cá.

 Alcmena:  Vamos, examina-a agora mesmo, tu que ne

gas o que fazes. Hei de obrigar-te a confessar a verdade à frente doutros. Não é esta a tal taça que teofereceram?

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 anfitrião: Ó supremo Júpiter! Que vejo eu! É exatamente a taça! Estou perdido! Sósia!

sósia: Por Pólux! Ou esta mulher é uma grande feiticeira ou então a taça tem que estar aí dentro. (Mos

trando o cofre.) anfitrião: Vamos, abre o cofre.

Sósia: Para que é que hei de abrir? O selo está perfeito. Sim senhor, bonita coisa! Tu pariste um Anfitriãoe eu pari outro Sósia! E agora se a taça pariu umataça, ficamos todos a dobrar!

 anfitrião: O melhor é abrir e ver.

sósia: Faze favor de ver como está o sinete, para quedepois não me venhas lançar as culpas.

 anfitrião:  Abre lá. O que ela quer é pôr-nos doidos atodos com as suas palavras.

 Alcmena: Mas donde teria vindo a taça senão de ti quema deste de presente?

 anfitrião: Tenho que averiguar isto.

Sósia (abrindo o cofre): Ó Júpiter! Ó Júpiter!

 anfitrião: O que é que tu tens?!

sósia: No cofre não há taça nenhuma!

 anfitrião: Que ouço eu?

sósia: O que é verdade.

 anfitrião: Pois se ela não aparece, vais já para ostormentos.

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 Alcmena: Mas se ela está aqui!

 anfitrião (a Alcmena): Quem é que ta deu?

 Alcmena: Aquele que mo pergunta.

sósia  (a Anfitrião):  O que tu queres é apanhar-me;vieste às escondidas do navio e por outro caminho.Tiraste dai a taça, deste-lha e tornaste a pôr o sinete.

 anfitrião:  Ai! de mim! Tu queres ajudá-la a ficar doida? (A Alcmena.) Dizes que viemos cá ontem?

 Alcmena: Digo que vieste e que me saudaste e eu a ti eque te dei um beijo.

 anfitrião:  Já não me agrada nada essa história de seprincipiar com um beijo; mas vamos lá, continua.

 Alcmena: Tomaste banho.

 anfitrião: E então? Depois de tomar banho?

 Alcmena: Deitaste-te à mesa.

sósia: Bravo! Ótimo! Agora pergunta mais.

 Anfitrião: Não interrompas. (A Alcmena.)  Continua oque ias contando.

 Alcmena: Foi posta a ceia na mesa e tu comeste comigo, e eu deitei-me contigo.

 anfitrião: No mesmo leito?

 Alcmena: No mesmo leito.

Sósia: Hum! Não lhe agrada a festa!

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 anfitrião: Mas deixa-a explicar-se. Bom; e depois decomermos?

 Alcmena: Tu disseste que estavas com sono, levantou-se a mesa e fomos deitar-nos.

 anfitrião: Onde é que tu te deitaste?

 Alcmena: No  quarto, na mesma cama em que tu estavas.

 anfitrião: Ai que deste cabo de mim!

sósia: O que é que tu tens?

 anfitrião: Ela matou-me.

 Alcmena: Mas, por favor, que é isso?

 anfitrião: Nem fales comigo!

sósia: Mas que é que tu tens?

 anfitrião:  Ai de mim! que estou perdido! Alguém adesonrou durante a minha ausência!

 Alcmena: Mas o quê? Por Castor! Por que é que tu dizes uma coisa dessas, meu esposo?

 anfitrião: Eu,  esposo? Não venhas, cheia de falsidade,

dar-me um falso nome.

sósia  (à parte):  Então naturalmente é isso: ele passade esposo a esposa.

 Alcmena: Mas que fiz eu para que me digam coisasdestas!

 anfitrião: Então vens contar-me o que fazes e aindame perguntas qual é o teu crime?

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 Alcmena: Mas qual foi o meu crime? Foi estar contigo,quando sou tua mulher?

 anfitrião: Tu  estiveste comigo? Mas quem haverámais impudente e audacioso do que ela? Se não tens

vergonha, deves pelo menos fingir!

 Alcmena: Esse crime de que tu me acusas é indigno daminha família; pode acusar-me de falta de honestidade, mas nunca poderás prová-lo.

 anfitrião: Pelos deuses imortais! Será que ao menostu, Sósia, não me conheces?

sósia: Eu, mais ou menos!

 anfitrião: Não foi verdade que eu ceei ontem contigono porto Pérsico?

 Alcmena:  E eu também tenho testemunhas para comprovarem aquilo que digo.

 anfitrião: O quê? Testemunhas.

 Alcmena: Testemunhas.

 anfitrião: Testemunhas de quê?

 Alcmena: E até uma basta. Realmente, conosco não ficou ninguém senão Sósia.

sósia: Eu realmente não sei que hei de dizer destaquestão, a não ser que haja outro Anfitrião que poracaso na tua ausência ande por aqui cuidando doque te pertence e na tua ausência cumpra os deveresque te cabem a ti. Já havia bastante o que admirar

no tal Sósia postiço. Mas é muito mais estranho ouvir agora falar de outro Anfitrião. Eu creio que foi algum feiticeiro que veio enganar tua mulher.

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 Alcmena: Juro pelo reino do Supremo Rei e pela Mãede Famílias que é Juno,7  a qual devo respeitar e venerar acima de tudo, que nunca houve nenhummortal além de ti que me tivesse tocado no corpo ecom o qual eu tivesse cometido qualquer ação ver

gonhosa. anfitrião: Oxalá isso fosse verdade.

 Alcmena: O que eu digo é verdade. Mas é tudo inútilporque tu não queres acreditar.

 anfitrião: És mulher, tens audácia nas juras.

 Alcmena: Quem não cometeu nenhum crime deve seraudaz, deve defender-se com confiança e comveemência.

 anfitrião: Bastante audaz.

 Alcmena: Como convém a quem tem vergonha.

 anfitrião: As tuas provas são só palavras.

 Alcmena: Eu  acho que o meu dote não foi aquilo a quese chama dote. Foi a honestidade, foi o pudor, foi apaixão refreada, o respeito pelos deuses, o amor dospais, as boas relações com os parentes. Foi o ter-tesido obediente, e generosa para os bons, e prestávelàs pessoas honestas.

Sósia  (à parte):  Realmente, por Pólux, se o que ela dizé verdade, tem que se dizer que é a melhor de todasas mulheres.

 anfitrião: Ela põe-se num tal estado de sentimentosque eu realmente já nem sei quem sou.

7) Juno:  a rainha das deusas, esposa de Júpiter.

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Sósia: És   Anfitrião, sem dúvida nenhuma; toma cuidado, não te vás perder a ti próprio, porque já temhavido bastantes transformações de gente desde quepor aqui chegamos.

 anfitrião: Mulher, estou resolvido a não abandonar asminhas investigações.

 Alcmena: Por Pólux! Terei muito prazer nisso.

 anfitrião: Que dizes? Bem, então responde ao seguinte: se eu trouxer aqui, lá do navio, o teu parenteNaucrates e se ele negar que houve aquilo que tu dizes que houve, que achas que se te deve fazer? Nãote parece que há motivo para eu te repudiar?

 Alcmena: Se eu cometi um crime, há.

 anfitrião: Ela concorda. E tu, Sósia, leva-os para dentro. Eu, vou ao navio buscar Naucrates. (Sai.)

Sósia:  Agora aqui não há ninguém senão nós dois.Dize-me lá a verdade, muito a sério: está lá dentroalgum Sósia que seja igual a mim?

 Alcmena: Livra-te de estar ao pé de mim: és um dignoservo do teu senhor.

sósia: Então, já que assim o mandas, vou-me livrar.(Sai.)

 Alcmena  (só):  Por Castor! é uma coisa espantosa quemeu marido tenha tido a idéia de me acusar de umcrime tão horrível. Seja o que for, vou saber toda averdade por meu parente Naucrates. (Sai.)

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ATO III

JÚPITER 

Eu sou aquele Anfitrião que tem um escravo Sósiaque Mercúrio imita quando é necessário e que lá emcima, onde eu habito, aparece de quando em quandocomo Júpiter, sempre que tal me apetece. No entanto, quando chego a estas paragens, logo me transformo em Anfitrião e troco o vestuário. Agora venhopor vossa causa, para terminar a comédia que começou e ao mesmo tempo para prestar auxílio a Alcmena que Anfitrião acusa do crime, sendo ela inocente. Seria culpa minha, deixar que Alcmena, semrazão, sofresse por uma coisa que eu armei. Agoravou fazer de Anfitrião, como no princípio, e lançarnesta família a maior das confusões; depois, farei quetudo se esclareça e em devido tempo farei que Alcmena com um só parto dê à luz, sem dores, o filho deque está grávida pelo marido e aquele de que estágrávida por mim. Ordenei a Mercúrio que viesse comigo para o caso de eu querer dar alguma ordem.

 Agora, vou falar com ela.

ALCMENA, JÚPITER 

Alcmena  (pensando estar só):  Não posso permanecerem casa. Ter sido acusada por meu marido dum talcrime, numa tal vergonha, duma tal desonra! Declara

d il d d li A d h d

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dessas? Por Hércules, não o farei, não deixarei queme acusem falsamente de um crime. Vou abandoná-lo, até que me dê satisfações e jure ainda por cimaque não queria dizer aquilo de que me acusouquando eu estou inocente.

Júpiter  (à parte):  Tenho que fazer aquilo que ela reclama, se na verdade quero que me torne a receber ea gostar de mim. O que é certo é que tudo o que eutenho feito tem sido desagradável a Anfitrião e que omeu amor sempre lhe deu que fazer, sem que ele tivesse culpa alguma. Agora tenho eu que as pagar. Éo resultado da cólera dele e das injúrias contra a mulher.

 Alcmena: Cá está ele, aquele que me acusou, pobre demim, dum crime vergonhoso, duma desonra.

Júpiter: Eu  quero falar contigo, mulher. Por que mefoges?

 Alcmena:  O meu gênio é assim: sempre fui adversa aestar junto dos meus inimigos.

Júpiter: Dos teus inimigos?

 Alcmena:  Assim é. Só digo a verdade, a não ser queainda digas que isto é apenas uma falsidade.

Júpiter  (fazendo um gesto para atrair a si Alcmena, que se desvia): És muito sensível.

 Alcmena: Não poderás estar quieto com as mãos? Depois de me teres acusado de não ter vergonha, depoisde o teres dito, não deves ter nenhuma conversa comigo, nem a brincar nem a sério, se tiveres algum

 juízo, se não perdeste a cabeça de todo, se não és omais tolo de todos os homens.

Júpiter: Se eu disse alguma coisa, não é por isso que

vales menos e acho que não tinha razão. Voltei aquipara pedir desculpa. Nunca houve nada que me cau

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sasse tanto desgosto como saber que estavas zangada contra mim. Então por que é que o disseste,perguntarás tu? Vou explicar-te. Não é, por Pólux,que eu te julgasse pouco honesta; o que eu quis foiexperimentar-te e ver o que fazias e de que maneira

tomavas uma coisa dessas. Foi por isso que eu te falei, assim de brincadeira e só por graça. Ora pergunta a Sósia.

 Alcmena: Mas por que é que não trazes aqui o meuparente Naucrates, que disseste que ias trazer comotestemunha de que não tinhas vindo cá?

Júpiter:  O que eu disse foi de brincadeira e não estácerto tomá-lo agora a sério.

 Alcmena:  O que eu sei é que isso tudo me feriu nomais íntimo do peito.

Júpiter: Pela tua mão direita te peço, Alcmena, te rogo, Alcmena, que me faças esse favor: perdoa-me:

não estejas zangada comigo.

 Alcmena: A minha virtude tornava inúteis todas astuas palavras, e visto que te absténs agora dos mausfeitos, quero eu pôr-me a salvo das más palavras.Fica de saúde, guarda as tuas coisas e entrega asminhas. E dá ordem às minhas criadas para que meacompanhem.

Júpiter  (tomando-a pela mão):  Será que estás boa dacabeça?

 Alcmena: Se não deres essa ordem, eu vou sozinha e sólevo o pudor por companhia.

Júpiter: Fica. Eu farei os juramentos que tu quiseresde que considero minha mulher honestíssima! E sefaltar a isto, eu te rogo, Supremo Júpiter, que sempreestejas contra Anfitrião!

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 Alcmena: Oxalá esteja antes sempre a seu favor.

Júpiter: Podes crer que há de estar, porque o juramento que prestei é verdadeiro. E agora, já não estászangada?

 Alcmena: Já não estou.

Júpiter: Muito bem. Na vida dos homens passam-semuitas coisas deste gênero. Vêm os prazeres e vêmas desgraças; aparecem as cóleras e volta de novo aamizade. E se por acaso houve algum desentendimento deste gênero e se tudo se conciliou de novo,ficam duas vezes mais amigos do que dantes.

 Alcmena: Devias ter tido cuidado em não falar assim;mas, já que pedes desculpa, tenho mesmo de perdoar.

Júpiter:  Então, manda-me preparar já vasos purificados para cumprir todos os votos que fiz na guerra sevoltasse a casa são e salvo.

 Alcmena: Vou tratar disso.

Júpiter: E manda cá Sósia. Quero que venha jantarconosco Blefarão, que foi piloto do meu navio. (À

 parte.)  O outro vai ficar sem jantar e ainda vamosbrincar com ele. Quanto a Anfitrião, vou pô-lo daquipara fora pelo gasnete.

 Alcmena: Não sei o que ele está ali a tratar sozinhoassim à parte. Mas estão a abrir a porta. Ah! é Sósia.

SÓSIA, JÚPITER, ALCMENA 

sósia:  Anfitrião, aqui estou. Se precisas de algumacoisa é só mandar. Eu cumprirei as ordens.

Júpiter: Vens mesmo a tempo.

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Sósia: Então? Já estais ambos de bem? Quando vosvejo sossegados fico todo contente. É mesmo umgosto. O escravo que é bom tem que arranjar maneira de estar sempre como estão seus amos, de modelar a sua fisionomia pela fisionomia deles. Se os

amos estão tristes, triste, se estão contentes, alegre.Mas, vamos, dize-me cá: já vos pusestes de bem?

Júpiter: Tu  estás a brincar; bem sabes que eu dissetudo isso só por graça.

sósia:  Só por graça? Pois estava convencido que era a

sério e de verdade.

Júpiter: Já fui perdoado. E fez-se a paz.

sósia: Está ótimo.

Júpiter: Eu  agora vou lá para dentro cumprir os votos

que fiz aos deuses.

sósia: Está bom.

Júpiter: E tu, vais levar recado da minha parte a Blefarão, o nosso piloto, para que, depois de feito o sacrifício, venha do navio jantar comigo.

sósia: Ainda me hás de julgar lá e já eu estarei aqui.

Júpiter: Volta depressa. (Sósia sai.)

 Alcmena: Queres que eu entre agora, para se prepararo que é preciso?

Júpiter: Vai depressa e prepara tudo rapidamente.

 Alcmena: Tu vens quando quiseres. Vou fazer que nãohaja demora nenhuma.

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Júpiter: Boas palavras. Exatamente o que convém auma mulher diligente. (Alcmena sai.)  E há aqui doisque estão enganados, o escravo e a senhora: julgamque eu sou Anfitrião; grande erro. E agora, divinoSósia, vem ter comigo; tu ouves o que eu estou a di

zer, embora não estejas presente. Arranja-te paraafastar de casa, de qualquer forma, Anfitrião, quandoele chegar. Faze o que puderes. Quero que se brinqueum pouco com ele enquanto eu me divirto com a minha esposa de empréstimo. Trata bem disto tudo queeu quero. E vem me ajudar, enquanto sacrifico amim próprio. (Sai.)

MERCÚRIO 

 Vá, afastai-vos, retirai-vos para trás, toca a sair docaminho; que ninguém tenha a audácia de me impedira marcha. Por que é que a mim, que sou um deus, nãohavia de ser permitido ameaçar o povo; ou não me ficaria isso bem, quando o fazem os escravos das comé

dias? É assim que eles vêm anunciar a chegada dumnavio ou a dum velho furioso. Eu cá venho obedecendoa Júpiter e é por mandado dele que me transporto aesses lugares. É por isso que ainda mais vos deveisafastar do caminho, vos deveis retirar. Meu Pai mechama, e eu lá vou, todo obediente às suas ordens; eucomporto-me com meu Pai como um bom filho devecomportar-se com o seu. Ajudo-o nos seus amores,

aconselho-o, fico de sentinela, passo-lhe avisos, ealegro-me com ele. Se meu Pai está contente, eu ficomais contente ainda. Tem lá os seus amores; pois estámuito bem, faz o que deve, seguindo assim as suas inclinações; é o que todos os homens deviam fazer, contanto que o fizessem com boas maneiras. Agora meuPai quer que se brinque com Anfitrião; vou fazê-lo direitinho. Vós vereis, espectadores, como se vai brincar

à vossa vista. Vou pôr uma coroa na cabeça e fingirque estou bêbado. Subo lá acima e é de lá que vou pôr

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fora o homem. De lá de cima, quando ele se aproximar,arranjarei as coisas para que se vier enxuto fique molhado. Depois quem vai pagá-las é o escravo, o Sósia;vai acusá-lo de ter feito o que eu fiz. Ora, que tenho eucom isso? o que eu tenho a fazer é obedecer a meu Pai

e servi-lo nas suas pretensões. Mas cá está anfitrião. Aí chega ele. E agora é só escutardes: vereis como nosvamos divertir. Eu vou lá dentro buscar um vestuáriopróprio para o que quero. Depois subo ao telhado enão o deixo entrar em casa. (Sai.)

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ATO IV

ANFITRIÃO 

Queria falar com Naucrates e ele não estava nonavio. Não encontrei nem em casa nem na cidade ninguém que o tivesse visto. Andei a procurar por todasas praças, por todos os ginásios, por todas as lojas deperfumes; estive na feira, estive no mercado, estive napalestra, estive no tribunal, fui aos médicos, aos barbeiros, e a todos os templos. Estou cansado de andar àprocura e não encontro Naucrates. Agora vou paracasa e vou continuar a inquirir de minha mulher quemfoi que a desonrou. Preferiria morrer a deixar este assunto sem o tratar a fundo. Mas fecharam as portas!Muito bem! Fazem exatamente o que está de acordocom o resto. Vou bater à porta. Abram! Não há por aíninguém?! Não há ninguém que abra essa porta?

MERCÚRIO, ANFITRIÃO  

Mercúrio: Quem está aí?

 Anfitrião: Sou eu.

Mercúrio: Eu, quem?

 Anfitrião: Eu! Já disse!

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Mercúrio: Com certeza que Júpiter e todos os deusesestão furiosos contigo, para assim vires partir essaporta.

 Anfitrião: O quê?

Mercúrio: Oxalá passes toda a vida desgraçado.

 Anfitrião: Sósia!

Mercúrio: Sósia, pois claro. Ou julgas que me esqueci? O que é que tu queres?

 Anfitrião:  Ah! Meu patife! Vens perguntar-me o que éque eu quero?

Mercúrio: Evidentemente. Quase que arrancaste aporta dos gonzos. Idiota! Julgas tu que o Estado nosoferece outra? Que estás a olhar para mim, meuanimal? O que é que tu queres? Quem és tu?

 Anfitrião:  Ah ladrão! Então não sabes quem eu sou?!Meu Aqueronte de bordoada! Por Pólux! Vou-te pôrhoje a arder por isso que tu dizes!

Mercúrio: Com certeza foste um mãos-largas quandoeras novo.

 Anfitrião: Mas por quê?

Mercúrio: Porque ao chegares a velho até tens queandar a pedir pancada pelas portas.

 Anfitrião: Já vais ver, meu safado, que tormentostudo isso te vai render hoje.

Mercúrio: Vou dedicar-te um sacrifício.

 Anfitrião: Como é isso?

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Mercúrio: Vou sacrificar-te cá de cima.8

 Anfitrião: Sacrificar-me, bandido? Se os deuses menão tirarem hoje a vida, eu é que te hei de sacrificara Saturno; hei de te carregar de correadas. E hei de

sacrificar-te na cruz. Vem cá para fora, meu canalha!Mercúrio: Ouve lá, fantasma! Tu julgas que me ater

rorizas com as tuas ameaças? Olha que se não fogesimediatamente, se tornas a bater a essa porta, sehouver um barulhinho assim, olha que te parto a cabeça com esta telha e até cospes fora a língua e osdentes!

 Anfitrião:  Ah meu assassino! Tu queres impedir-mede entrar em casa? Tu queres impedir-me de eu bater à minha porta? Pois vou arrancá-la já do gonzo!

Mercúrio: Ah, tu continuas?!

 Anfitrião: Continuo!

Mercúrio (atirando-lhe uma telha): Então toma!

 Anfitrião:  Ah, miserável! Contra o teu dono? Ah! sehoje te apanho! O que eu te vou fazer! Vais ficar desgraçado para sempre!

Mercúrio: Com certeza que andaste na farra, velhote!

 Anfitrião: O quê?

Mercúrio: Pois se estás a julgar que eu sou teu escravo.

 Anfitrião: Mas que hei de eu julgar?

8) Neste ponto há uma grande lacuna nos manuscritos:falta quase todo o ato IV. Um gramático do século XV, Her-molau Bárbaro, baseado no argumento e nalguns fragmentos,preencheu a lacuna para que se pudesse representar a peça. Éesse o texto que traduzimos.

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Mercúrio:  Vai para o inferno! Eu não tenho outrodono senão Anfitrião!

 Anfitrião: Ter-me-ei eu transformado? Que coisa extraordinária, que Sósia não me reconheça! Vamos investigar isto. Dize-me lá quem te pareço? Não sou

 Anfitrião?

Mercúrio:  Anfitrião? Estás doido! Não te disse eu jáque deves ter andado na farra? Vires agora perguntar-me quem és a outra pessoa? O que eu teaconselho é ires-te embora, para que não estejas aquia incomodar enquanto Anfitrião, que voltou hápouco da guerra, tem lá os seus prazeres com a mu

lher. Anfitrião: Que mulher?

Mercúrio: Alcmena!

 Anfitrião: E que homem?

Mercúrio: Quantas vezes queres tu que te diga a

mesma coisa?! Anfitrião, meu amo. Olha, não me incomodes!

 Anfitrião: Com quem é que ele está deitado?

Mercúrio: Toma cuidado, não apanhes por aí algumapor quereres brincar comigo.

 Anfitrião: Por favor, dize-me lá, meu Sósia.

Mercúrio:  Agora vens com delicadezas? Com Alcmena.

 Anfitrião: No mesmo quarto?

Mercúrio: Corpo deitado sobre corpo, ao que eu pen

so!

 Anfitrião: Ai! Pobre de mim!

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Mercúrio  (à parte):  Mas ele está a achar que é umadesgraça uma coisa que é uma vantagem! É apenasdar a esposa de empréstimo e alugar para a lavouraum campo estéril.

 Anfitrião: Sósia!

Mercúrio: Sósia quê, malandro?

 Anfitrião: Tu não me conheces, miserável?

Mercúrio: Conheço: és um aborrecido e o que tu queres é armar questões.

 Anfitrião: Ouve lá ainda. Não sou eu o teu amo, Anfitrião?

Mercúrio: Tu és Baco, não és Anfitrião. Quantas vezesqueres que to diga? Outra ainda? O meu Anfitriãoestá abraçando Alcmena e no mesmo quarto. Se con

tinuas, eu vou chamá-lo e tu depois sofres-lhe as conseqüências.

 Anfitrião: O que eu quero é que ele venha. (À parte.) Oxalá eu não perca hoje, em paga dos benefícios feitos à pátria, a casa, a mulher, e os meus escravos,tudo juntamente com a minha pessoa.

Mercúrio: Então vou chamá-lo. Mas afasta-te entretanto da porta. E, se incomodares, já não te vais embora, porque dou cabo de ti. (Volta para o interior da casa.)

ANFITRIÃO, BLEFARÃO, SÓSIA 

 Anfitrião  (a princípio só): Ó  deuses! Protegei-me,deuses! Que tempestades agitam a nossa família!Que coisas espantosas estas que eu vejo depois deter regressado! Realmente depois disto pode-se bem

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acreditar nas lendas dos atenienses transformadosna Arcádia, mudados em feras terríveis e nem reconhecidos por seus próprios pais.

Blefarão  (sem ver Anfitrião):  Mas que é isso, Sósia?

O que tu me dizes é realmente de espantar. O que tudizes é que encontraste em casa um Sósia igual a ti.

Sósia: É o  que eu digo. Mas talvez tu, como eu dei umSósia e como Anfitrião deu outro Anfitrião, talvez tu,quem sabe? venhas a dar outro Blefarão. Queiram osdeuses que também tu sejas tratado a soco e que tepartam os dentes e que venhas a acreditar tudo de

pois de não ter jantado. Pois eu... aquele outro Sósia,que aqui estou, maltratou-me à grande.

Blefarão: Coisa realmente extraordinária! Mas o quedevemos é apressar o passo. Pelo que vejo, Anfitriãoestá à nossa espera e tenho a barriga tão vazia queaté range.

 Anfitrião  (continuando a falar sozinho):  E para queestou eu a falar de coisas alheias? Há coisas aindamais admiráveis que sucederam outrora na nossafamília tebana: o que procurava Europa atacou umafera terrível e da sementeira do dragão viu ele nascerem inimigos que, travado o combate, se matavamirmãos contra irmãos, à lança e espada.9  E a terra doEpiro viu o progenitor do nosso povo raptar com a

filha de Vênus, sob a forma de serpente. Assim o ordenou, lá do alto, o alto Júpiter, e assim foi seu destino. Os melhores dos nossos, em recompensa dosseus feitos ilustres, sofreram terríveis males. E são osdestinos que assim me oprimem levando-me a sofreruma tão grande violência, uma tal desgraça, uma tãointolerável dor.

9) Referência a Cadmo, o ascendente mítico dos tebanos.Quem raptou Europa foi Júpiter.

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Sósia: Blefarão!

Blefarão: Que há?

Sósia: Suspeito não sei de que desgraça.

Blefarão: O quê?

Sósia: Ora vê! Meu amo passeia diante da porta fechada como se viesse para cumprimentar.

Blefarão: Nada disso. Anda a passear à espera deapetite.

Sósia: Mas foi curioso: fechou a porta para ele não vir.

Blefarão: Que é que tu rosnas?

Sósia: Não rosno nem ladro. Se me escutares, verásEu acho que ele anda lá a remoer consigo não sei

que pensamentos. Vou saber do que se trata. Nãoavances.

 Anfitrião  (sempre falando só):  Do que eu tenho receioé de que os deuses queiram apagar a glória de tervencido os inimigos. Vejo a minha casa perturbadapor coisas tão extraordinárias! E então o que medespedaça é ver minha mulher desonrada por um ato

criminoso. Agora aquilo da taça é que é de espantar.E o sinete estava perfeitamente intacto. E mais: elacontou-me os combates que eu travei, a vitória sobrePtérela, que foi morto, valentemente, pelas minhaspróprias mãos. Ah! Agora é que eu percebo! Isto éuma graça de Sósia que ainda hoje teve a audácia deme não deixar entrar em casa.

Sósia: Fala de mim e duma forma que não me agradanada. Não nos aproximemos deste homem antes deleter esvaziado o estômago.

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 Anfitrião:  Ah! se eu apanho hoje esse miserável, eulhe vou mostrar o que é enganar seu amo e vir comameaças e com artimanhas.

Sósia: Tu não o ouves?

Blefarão: Ouço.

Sósia: Tudo isto me há de vir a cair nos lombos! Vamos lá ter com ele. Tu não sabes aquilo que se diz?...

Blefarão:  Lá o que vais dizer, não sei; mas quase queadivinho o que vais sofrer.

Sósia: Pois o provérbio diz assim: fome e demora trazem a bílis ao nariz.

Blefarão: Bem verdade. Mas vamos lá chamá-lo. E já. Anfitrião!

 Anfitrião: É Blefarão que eu ouço! (À parte.)  É estranho que venha a ter comigo. Mas chega muito a propósito para eu pôr a claro as torpezas de minha mulher. (A Blefarão.)  Por que é que tu vens cá, Blefarão?

Blefarão: Então esqueceste tão depressa que logo de

manhã mandaste Sósia ao navio para vir hoje comercontigo?

 Anfitrião: Não mandei nada. Mas onde é que estáesse patife?

Blefarão: Quem?

 Anfitrião: Sósia.

Blefarão: Está aqui.

Blefarão: Como quiseres.

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 Anfitrião: Onde?

Blefarão: Não o vês diante dos olhos?

 Anfitrião: Mal o vejo, com a raiva. Ele hoje, quase

que me pôs doido. (A Sósia.)  Não escapas sem eu tematar. Larga-me, Blefarão.

Blefarão: Por favor, escuta.

 Anfitrião: Dize lá, eu escuto. ( A Sósia.)  Mas tu apanhas.

Sósia: Mas por quê? Não fui depressa? Eu não podia irmais rápido, mesmo que tivesse as asas de Dédalo.10

Blefarão: Por favor, deixa-te disso. Nós não podíamosaumentar mais os passos.

 Anfitrião: Tanto me faz que tenhas vindo como andas

ou com passo de tartaruga. O que é certo é que euvou dar cabo dele. (Batendo em Sósia.)  Toma pelotelhado! Toma pelas telhas! Toma por me teres fechado a porta! Toma por te teres rido do teu dono!Toma pelos insultos.

Blefarão: Mas que mal é que ele te fez?

 Anfitrião:  Ainda perguntas? Pôs-se de lá de cima dotelhado, de portas fechadas, a impedir-me de entrarem casa!

Sósia: Eu?

 Anfitrião: Tu! Que ameaçavas tu de me fazer se euarrombasse a porta? Tu negas, miserável?

10) Dédalo: escultor e inventor de que falava a fábula gregae que fugira, voando, dos labirintos de Creta.

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Sósia: Por que não hei de negar? Essa testemunha queaí vem comigo é mais que bastante. Fui mandado depropósito a levar-lhe o teu convite.

 Anfitrião: Quem te enviou meu bandido?

Sósia: Aquele que mo pergunta!

 Anfitrião: Mas quando?

Sósia:  Foi há pouco, mesmo há bocado, há bocadinho,quando fizeste as pazes com tua mulher.

 Anfitrião: Baco pôs-te doido!

Sósia: Pois nem a Baco nem a Ceres saudei hoje ainda. Tu mandaste purificar os vasos para fazer sacrifícios e deste-me ordem de que fosse buscar este homem para jantar contigo.

 Anfitrião: Blefarão, que eu morra, se estive hoje ládentro, ou se to mandei! (A Sósia.)  Dize lá: onde éque tu me deixaste?

Sósia: Em casa, com tua mulher Alcmena. Eu deixei-te, voei logo ao porto e dei-lhe o teu recado. Depoisviemos e não te vejo senão agora.

 Anfitrião: Mas que miserável! Com minha mulher? Jánão vais embora sem apanhares pancada.

Sósia: Blefarão!

Blefarão:  Anfitrião, peço-te eu que o deixes e que meouças.

 Anfitrião  (largando Sósia):  Bem, eu deixo. Dize lá oque queres.

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Blefarão: Este homem já me contou uma porção decoisas extraordinárias. Talvez algum feiticeiro, algummágico, esteja encantando tua familia. Procura poroutro lado, vê se sabes de que se trata. Náo tortureseste desgraçado, sem perceberes o caso.

 Anfitrião: O teu conselho é bom. Vamos. Quero também que me sirvas de testemunha contra minha mulher.

JÚPITER, ANFITRIÃO, SÓSIA, BLEFARÃO 

Júpiter  (fingindo não ver os outros personagens): Quem bate à porta com tanta força que quase a arrancou dos gonzos? Quem traz tanta gente paradiante desta casa? Se eu o apanho, sacrifico-o aosmanes dos teléboas! Hoje, como se costuma dizer,não há nada que me saia bem. Deixei Blefarão e Sósia para ir ter com meu parente Naucrates: não o encontrei e perdi-os a eles. Mas cá estão! Vou falar-lhes

para saber o que há.Sósia: Blefarão! Blefarão! o que saiu de casa é o meu

amo e este é realmente o feiticeiro!

Blefarão: Por Júpiter! Que vejo eu?! Este não é Anfitrião; aquele é que é Anfitrião! Se fosse este (mostrando Anfitrião)  não era aquele (mostrando Júpi

ter), a menos que seja duplo.Júpiter: Cá está Sósia com Blefarão. Vou chamá-los

primeiro. Sósia! Então, quando vens? Estou cheio defome!

Sósia  (mostrando Anfitrião):  Então, não te disse euque este era o feiticeiro?

 Anfitrião  (mostrando Júpiter):  Foi este, cidadãos tebanos, o que desonrou minha mulher, o que metrouxe um monte de vergonha!

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Sósia  (a Júpiter):  Pois meu amo, se tens fome, eu voltoa ti cheio de socos.

 Anfitrião: Continuas, malandro?

Sósia: Vai para o inferno, feiticeiro!

 Anfitrião: Eu, feiticeiro?! Vais apanhar. (Bate-lhe.)

Júpiter: Mas que audácia é essa, de vires tu, um estranho, bater no meu escravo?

 Anfitrião: Teu?

Júpiter: Meu!

 Anfitrião: Mentes!

Júpiter: Sósia, vai lá para dentro. Prepara a comida,enquanto eu dou cabo dele.

Sósia: Vou   já. (À parte.)  Acho que Anfitrião vai receber Anfitrião tão amavelmente como há pouco eu,Sósia, me recebi a mim, segundo Sósia. Enquantoeles vão combater, eu vou dar uma volta pela cozinha, para limpar todos os pratos e esvaziar todas astaças. ( Sai.)

Júpiter: Tu dizes que eu minto?

 Anfitrião: Mentes, já disse, e és o corruptor da minhacasa!

Júpiter: Pois por essa insolência que disseste vou-tepôr daqui para fora com o pescoço quebrado!(Agarra-o.)

 Anfitrião: Ai, pobre de mim!

Júpiter: Devias ter tomado cuidado antes.

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 Anfitrião: Blefarão, socorro!

Blefarão: Eles são tão iguais que eu nem sei qual heide ajudar. Mas vou ver se posso apartar este barulho.( A  Júpiter) Anfitrião, por favor, não mates Anfitrião!

Peço-te que lhe largues o pescoço!

Júpiter: Tu dizes que ele é que é Anfitrião?

Blefarão: Por que não? Dantes era só um. Mas agoradesdobrou-se; lá porque tu queres ser Anfitrião, nãose segue que o outro tenha deixado de ter o mesmoaspecto. Mas, seja como for, larga-lhe o pescoço.

Júpiter: Já largo. Mas dize-me lá. Parece-te que esteseja Anfitrião?

Blefarão: Um e outro.

 Anfitrião: Pelo Supremo Júpiter! Tu hoje querestirar-me o ser eu? (Dirigindo-se ao falso Anfitrião.) 

Mas quero saber o seguinte: tu és Anfitrião?

Júpiter: Tu negas?

 Anfitrião: Nego e renego! Em Tebas, além de mim,não há nenhum outro Anfitrião.

Júpiter: Pois além de mim é que não há ninguém!

Olha lá, Blefarão, tu vais servir de juiz.

Blefarão:  Vou esclarecer isto, se é possível. (A Anfitrião.) Responde tu primeiro.

 Anfitrião: Com todo o gosto.

Blefarão: Que ordem me deste tu antes de começar o

combate com os Táfios?

 Anfitrião: A de teres o navio preparado e te manteresao leme.

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Júpiter: Para que se os nossos tivessem de fugir houvesse para mim um refúgio seguro.

Blefarão: E depois?

 Anfitrião: A de me guardares a bolsa do dinheiro.

Júpiter: Quanto dinheiro?

Blefarão:  Vê lá se te calas. As perguntas são comigo.Sabes a quantia?

Júpiter: Cinqüenta talentos áticos.

Blefarão: O que ele diz é tudo certo. (A Anfitrião.)  Eagora tu, quantos filipes?

 Anfitrião: Dois mil.

Júpiter: E óbolos outro tanto.

Blefarão: Um e outro conhecem bem o assunto. Comcerteza que um deles estava fechado dentro da bolsa.

Júpiter: Ouve lá; como sabes, matei o rei Ptérela comesta mão, tirei-lhe os despojos e trouxe num cofre ataça por onde ele costumava beber. Dei-a de presente a minha esposa e foi com ela que hoje, já emcasa, tomei banho, fiz o sacrifício e dormi.

 Anfitrião:  Ai de mim! Que estou eu a ouvir. Malagüento. Isto é dormir acordado, isto é sonhar acordado. E bem vivo e bem são. Eu sou realmente Anfitrião, neto de Gorgofone, general dos tebanos, oúnico general de Creonte, na guerra dos teléboas. Fuieu quem venceu os Arcanânios e os Táfios e lhes deicomo rei, pelo seu grande valor guerreiro, Céfalo, o

filho do grande Dioneu.Júpiter:  E eu sou aquele que venceu na guerra pela

minha coragem esses bandidos dos nossos inimigos

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que tinham matado Electrião e os irmãos de minhamulher e que, espalhando-se pela Acaia, pela Etólia,pela Fócida, e pelos mares da Jônia, do Egeu e deCreta, a tudo devastavam com sua violência de piratas.

 Anfitrião: Ó deuses imortais! Nem acredito em mim!Ele conhece tudo o que aconteceu! Vamos a ver, Blefarão.

Blefarão:  Ainda falta uma coisa. E se ela existir então vocês são um Anfitrião a dobrar.

Júpiter:  Já sei do que falas: é a cicatriz no braço direito daquela ferida que me fez Ptérela.

Blefarão: É isso mesmo.

 Anfitrião: Muito bem.

Júpiter: Ora vês: olha para ela!

Blefarão: Ponde o braço nu para eu ver.

Júpiter: Já pusemos. Olha!

Blefarão: Ó Supremo Júpiter! Que vejo eu?! Têmambos no braço direito e no mesmo lugar um sinalque é exatamente o mesmo, uma cicatriz avermelhada e donde a onde um pouco escura. Já não épossível raciocinar mais, tem de se calar o juiz. Nãosei que hei de fazer.

BLEFARÃO, ANFITRIÃO, JÚPITER 11

Blefarão: Resolvei isso lá entre vós. Eu vou-me embora porque tenho que fazer. Acho que nunca vi coisas tão extraordinárias.

11) Aqui acaba o texto de Hermolau Bárbaro e recomeça ode Plauto.

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 Anfitrião: Blefarão, por favor! Serve-me de testemunha, não te vás embora!

Blefarão: Passa bem. Que necessidade há de testemunhas? Eu não sei a qual hei de servir de testemunha. (Sai.)

Júpiter  (à parte):  Eu agora vou entrar. Alcmena estáde parto.

 Anfitrião:  Ai de mim! Que desgraçado eu sou! Abandonam-me as testemunhas e os amigos. Por Pólux! Quem quer que ele seja não há de brincar comigo impunemente! Vou já ter com o rei e vou dizer-

lhe como tudo se passou. Por Pólux! Hei de castigarainda hoje esse feiticeiro da Tessália que perturbou,o malvado, o espírito de toda a minha gente. Masonde é que ele está? Por Pólux! Acho que foi lá paradentro ter com minha mulher. Quem haverá em Tebas mais desgraçado do que eu? Que hei de eu fazeragora? Ninguém faz caso de mim, todos se divertemcomigo, à sua vontade. Não há dúvida: vou entrar

em casa, mesmo à força. E pessoa que eu veja, criada, escravo, mulher, amante, pai, avô, dou cabo detudo lá dentro. Nem Júpiter, nem deus algum serácapaz de me impedir mesmo que queira! Vou fazer oque resolvi! Vou entrar já! (Ouve-se o estrondo de trovões; Anfitrião cai desfalecido.)

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ATO V

BRÔMIA, ANFITRIÃO 

Brômia: Todas as minhas esperanças, todas as forçasda minha vida me ficaram sepultadas no peito; jánão há nenhuma confiança no meu coração; perditudo! Parece-me que tudo, mar, terra e céu, se con-

 jura para me oprimir, para me matar. Ai pobre demim! Não sei que hei de fazer. Aconteceram em casatantas coisas extraordinárias. Ai, pobre de mim!

Estou-me a sentir mal. Precisava de água. Estouperdida, estou a morrer. Dói-me a cabeça, não ouçonada e tenho a vista toda turva. Não há mulher maisinfeliz do que eu; pelo menos acho que não há. Aquiestá o que hoje aconteceu com a minha ama: quandoestava parindo, invocou os deuses, houve logo umbarulho, um ruído, um estampido, um estrondo...!Que depressa, em que instante e com que força não

trovejou! Com o estampido cada um caiu no lugarem que estava. E então ouviu-se uma voz formidável,não sei de quem, a clamar: “Alcmena, não tenhasmedo que aí vem socorro! Aqui vem propício a ti eaos teus um habitante do céu. E vós, vós que pormedo de mim caistes aterrorizados, levantai-vos todos.” Eu levantei-me donde estava deitada. Pareciaque toda a casa estava a arder, tal era o brilho! Então Alcmena chamou por mim; eu estava mesmocheia de medo, mas o respeito por minha ama foimais forte. Fui a correr para saber do que ela queria

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e vejo que ela tinha dado à luz dois filhos gêmeos.Nenhuma de nós deu pelo momento do parto ou oviu. (Percebendo Anfitrião.)  Mas que é isso? Quem éeste velho que está deitado diante de nossa casa?Por Pólux! Será que... Por Júpiter! Está deitadocomo se estivesse morto! Vou lá ver quem é! Mas é

 Anfitrião, o meu amo! Anfitrião!

 Anfitrião: Estou perdido!

Brômia: Levanta-te!

 Anfitrião: Ai que estou morto!

Brômia: Dá cá a mão!

 Anfitrião: Quem é que me toca?

Brômia: É Brômia, a tua criada.

 Anfitrião: Estou todo cheio de medo. Júpiter trovejousobre mim. É exatamente como se eu regressasse do Aqueronte! E tu? Por que é que estás cá fora?

Brômia:  Apanhamos exatamente o mesmo susto, e oterror nos atirou de casa. Vi prodígios extraordinários lá onde nós moramos. Ai de mim! Ai, Anfitrião! Ainda não estou sossegada!

 Anfitrião: Dize lá depressa. Sabes que eu sou Anfitrião, teu amo?

Brômia: Sei.

 Anfitrião: Estás a ver bem?

Brômia: Estou.

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 Anfitrião: De toda a minha gente é esta a única quetem juízo.

Brômia: Mas todos estão perfeitamente bem.

 Anfitrião: Então é minha mulher que me põe doidocom o seu indigno procedimento.

Brômia: Pois eu vou fazer que tu digas já outra coisa,e que declares, Anfitrião, que tua mulher é honesta epudica. Os argumentos e as provas cabem em poucaspalavras. Primeiro, vou dizer que Alcmena teve gêmeos.

 Anfitrião: O que é que tu dizes? Gêmeos?

Brômia: Gêmeos.

 Anfitrião: Que os deuses me protejam!

Brômia: Deixa-me falar; é preciso que saibas que os

deuses vos são propícios, a ti e a tua mulher.

 anfitrião: Então fala.

Brômia: Quando hoje tua mulher começou a sentir asdores, fez o que fazem todas as parturientes: invocouos deuses imortais para que a socorressem, com asmãos purificadas e a cabeça coberta. Houve logo umtrovão com um estampido formidável. Primeiro julgamos que a sua casa ia cair; toda ela brilhava comose fosse de ouro.

 anfitrião: Peço-te que me digas logo tudo, sem te pores com histórias. Que aconteceu depois?

Brômia: Enquanto sucedia isto nenhum de nós ouviutua mulher gemer ou chorar. Com certeza deu à luzsem dor.

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 anfitrião: Estou muito contente com isso, qualquerque seja a maneira por que ela se tenha portado comigo.

Brômia: Deixa-te lá dessas coisas e ouve o que eu te

nho a dizer. Depois que teve os meninos, mandou-nos que lhes déssemos banho. Começamos, mas omenino que eu lavei, como é enorme e forte! Ninguém conseguiu pôr-lhe fraldas!

 anfitrião: Tu contas-me coisas extraordinárias. Seisso é verdade, com certeza que os deuses deram alguma ajuda a minha mulher.

Brômia: Mas o mais extraordinário ainda está por vir;depois de o meterem no berço vieram voando lá decima, para o implúvio, duas serpentes enormes comumas cristas; as duas levantaram logo a cabeça...

 anfitrião: Ai de mim!

Brômia: Não tenhas medo. Pois as serpentes começaram a correr tudo com os olhos e, quando viram osmeninos, foram correndo para os berços. Eu, receando pelas crianças e com medo por mim própria,comecei a puxar para trás os berços. As serpentesvieram ainda mais depressa. Mas esse tal meninoquando viu as serpentes saltou num instante doberço e atacou-as. Segurou-as corajosamente, a cada

uma com sua mão. anfitrião: Tu  contas coisas incríveis. O que tu dizes é

realmente extraordinário. Só de te ouvir todo eutremo de medo. E depois, que aconteceu? Continua,anda!

Brômia: O menino matou as duas cobras! Enquanto

isto sucedia uma voz chamou claramente por tuamulher.

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 Anfitrião: Uma voz de quem?

Brômia: Era o Chefe Supremo dos deuses e dos homens, era Júpiter. Disse que às escondidas tinha tidorelações com Alcmena e que o menino que tinha

vencido as serpentes era seu filho; e que o outro erao teu.

 Anfitrião: Por Pólux! Realmente não me importo deter feito sociedade com Júpiter. Vai para casa emanda já preparar os vasos sagrados para eu conseguir, com muitos sacrifícios, que o supremo Júpiterfaça pazes. Vou chamar Tirésias, o adivinho, para o

consultar sobre o que devo fazer. Ao mesmo tempovou-lhe contar o que aconteceu. Mas que é isto? Quetrovão tão forte! Ó deuses, protegei-me!

JÚPITER  (nas nuvens)

Deixa-te estar sossegado, Anfitrião. Venho ajudar-

te a ti e aos teus. Não tens que ter medo. Deixa-te deadivinhos e de arúspices. Como sou Júpiter, possodizer-te muito melhor do que eles o que sucedeu e oque vai acontecer. Primeiro, fui eu quem teve relações com Alcmena a quem, por se ter deitado comela, a fez parir de um filho. Tu também a pusestegrávida quando partiste para o exército. Ela agora

teve dois meninos ao mesmo tempo e um deles,aquele que saiu da minha semente, há de trazer-teuma glória imortal. E tu tens que voltar à tua antigaamizade por Alcmena. Ela não merece que a tenhasem pouco apreço. Foi obrigada pela minha força queprocedeu assim. Eu volto para o céu.

ANFITRIÃO 

Farei o que tu mandas e peço-te que te não esqueças das tuas promessas. Vou lá dentro ter com minha

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mulher e já não mando vir o velho Tirésias.12  E agora, espectadores, é aplaudir com toda a força emhonra do Supremo Júpiter!