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A COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO FORMA DE VIABILIZAR A SUSTENTABILIDADE Jaqueline Ferri Pereira 1 Lídia Maria Ribas 2 O presente artigo propõe-se a discutir a problemática de como a coleta seletiva de resíduos sólidos é capaz de contribuir para o acesso dos cidadãos brasileiros à sustentabilidade. Faz-se isto a partir de pesquisa documental e bibliográfica, com análise quali-quantitativa. O objetivo principal deste trabalho é entender a relação existente entre a sustentabilidade e a coleta seletiva de resíduos sólidos. Para que seja possível alcançar este propósito, o texto inicia definindo o que se entende atualmente como sustentabilidade e quais os principais passos dados para que se chegasse a esta definição. Após isto, é discutido de que forma a coleta de resíduos sólidos está estruturada no Brasil e quais as consequência trazidas pelas formas tradicionais de descarte de materiais encontradas no país. Após a verificação de que uma mudança de paradigma é necessária para o bem de todos, passa-se à discutir a coleta seletiva de resíduos sólidos. Com base em textos de lei, dados bibliográficos e estatísticos mostra-se a importância da coleta seletiva. O artigo deixa claro que a separação dos resíduos sólidos é um meio eficiente de garantir o 1 Bacharel em direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Especialista em Teoria do Estado, Relações Privadas e Processo pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Mestranda pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2 Doutora e Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Pós- doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Direito Público; pela Universidade Nova de Lisboa e pela Universidade do Museo Social da Argentina em Ciências Jurídicas e Sociais. Pesquisadora e professora na graduação e pós-graduação da UFMS Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Faculdade de Direito) e da UNIDERP/ANHANGUERA Mestrado e Doutorado do Programa Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Líder do Grupo de Pesquisas no CNPq - Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável e membro do Centro de I&D sobre Direito e Sociedade CEDIS/UNL. E- mail: [email protected] Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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A COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS COMO FORMA DE

VIABILIZAR A SUSTENTABILIDADE

Jaqueline Ferri Pereira1

Lídia Maria Ribas2

O presente artigo propõe-se a discutir a problemática de como a coleta seletiva de

resíduos sólidos é capaz de contribuir para o acesso dos cidadãos brasileiros à

sustentabilidade. Faz-se isto a partir de pesquisa documental e bibliográfica, com análise

quali-quantitativa. O objetivo principal deste trabalho é entender a relação existente entre a

sustentabilidade e a coleta seletiva de resíduos sólidos. Para que seja possível alcançar este

propósito, o texto inicia definindo o que se entende atualmente como sustentabilidade e

quais os principais passos dados para que se chegasse a esta definição. Após isto, é

discutido de que forma a coleta de resíduos sólidos está estruturada no Brasil e quais as

consequência trazidas pelas formas tradicionais de descarte de materiais encontradas no

país. Após a verificação de que uma mudança de paradigma é necessária para o bem de

todos, passa-se à discutir a coleta seletiva de resíduos sólidos. Com base em textos de lei,

dados bibliográficos e estatísticos mostra-se a importância da coleta seletiva. O artigo

deixa claro que a separação dos resíduos sólidos é um meio eficiente de garantir o

1Bacharel em direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Especialista em Teoria do Estado,

Relações Privadas e Processo pelo Centro Universitário da Grande Dourados. Mestranda pela Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul. 2 Doutora e Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Pós-

doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Direito Público; pela Universidade Nova

de Lisboa e pela Universidade do Museo Social da Argentina em Ciências Jurídicas e Sociais. Pesquisadora e

professora na graduação e pós-graduação da UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

(Faculdade de Direito) e da UNIDERP/ANHANGUERA – Mestrado e Doutorado do Programa Meio

Ambiente e Desenvolvimento Regional. Líder do Grupo de Pesquisas no CNPq - Direito, Políticas Públicas e

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crescimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção das condições ambientais

necessárias para a perpetuação da vida.

Palavras-chave: meio ambiente; desenvolvimento social; crescimento econômico;

reciclagem

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos dias atuais, os grandes centros urbanos têm que lidar com problemas dos mais

variados graus de complexidade e das mais diversas naturezas. Estas questões, se não

equacionadas visando sua solução, trazem como consequência a diminuição da qualidade

de vida dos cidadãos urbanos. Dentre todos os problemas possíveis de serem analisados,

neste trabalho, optou-se por estudar a problemática do descarte dos resíduos sólidos

produzido nas grandes cidades.

O mundo moderno e a forma de consumo dele derivada faz com que os produtos

tornem-se obsoletos de forma muito rápida e que o seu descarte ocorra na mesma

velocidade. A utilidade efêmera destes bens aliada à grande concentração urbana gera

diariamente toneladas de resíduos sólidos que se acumulam e exigem um descarte

adequado para que não traga consequências negativas para as cidades.

Segundo dados do diagnóstico do manejo de resíduos sólidos de 2015, foram

recolhidos mais de 51 milhões de toneladas de resíduos sólidos no Brasil naquele ano.

Infelizmente, em regra, boa parte desse material recolhido é descartado de forma incorreta.

A forma como é realizado o descarte destes refugos é incapaz de conter os efeitos

negativos dos resíduos sólidos às cidades.

Como consequência do descarte incorreto dos resíduos sólidos que produzem, as

cidades sofrem diversos efeitos negativos. Dentre estas consequências podem ser citados

grandes desequilíbrios de ordem social, ambiental e econômico nos espaços urbanos. A

desestabilidade gerada pelo descarte incorreto dos resíduos sólidos é contrária ao tipo de

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comportamento defendido pela, tão discutida e tutelada nos dias atuais, sustentabilidade.

Tendo em vista este contexto, uma das soluções possíveis de ser aplicada visando o

desenvolvimento sustentável das cidades é a coleta seletiva de resíduos sólidos.

É com base no estudo da relação existente entre a coleta seletiva de resíduos

sólidos e a sustentabilidade que o presente estudo se baseia. É preciso definir certos

conceitos e verificar algumas competências e relações entre os assuntos discutidos a fim de

demonstrar que a coleta seletiva de resíduos sólidos é uma forma capaz de garantir a todos

o acesso à sustentabilidade.

Diante disto, este artigo visa responder à problemática de como a coleta seletiva

de resíduos sólidos contribui para o equilíbrio buscado entre meio ambiente e

desenvolvimento pregado pela sustentabilidade. Tendo em vista a necessidade de busca por

informações que venham a corroborar a tese aqui defendida, este estudo será desenvolvido

com base em pesquisa bibliográfica e documental, com análise quali-quantitativa.

O caminho traçado pelo presente artigo é discutir o conceito de sustentabilidade e

coleta seletiva, apresentar alguns dos problemas existentes no modo tradicional de descarte

do lixo urbano, indicar quais os benefícios da coleta seletiva e de quem é a competência

para aplicar esta solução. A partir destas pequenas considerações iniciais é necessário

adentrar ao tema a partir das discussões traçadas em relação ao conceito de

sustentabilidade e a sua proteção constitucional no brasil.

2 SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade é a palavra da vez. A área do comércio utiliza esta expressão a fim

de estimular a venda de bens. Se a intenção é vender um produto pelo dobro do preço, é só

falar que ele é sustentável que o lucro é garantido. Porém, apesar de estar no “boca do

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povo” pouco se discute o conceito de sustentabilidade e quais os elementos necessários

para que o desenvolvimento sustentável seja garantido.

Durante boa parte da história humana, acreditou-se que uma nação somente seria

poderosa se fosse economicamente desenvolvida (COELHO e MELLO, 2011, p. 11-12).

Para que isto fosse possível grandes esforços eram feitos utilizando de forma descontrolada

a mão de obra disponível, geralmente escrava ou em péssima condições de trabalho, e

todos os recursos ambientais disponíveis. Acreditava-se que tudo aquilo que não fosse

passível de monetarização não devia ser motivo de preocupação.

Durante o grande crescimento econômico pelo qual a humanidade passou logo

após a segunda guerra mundial, o estilo de desenvolvimento até então dominante mostrou-

se inapropriado e insustentável. Como afirmam Roberto Pereira Guimarães e Yuna Souza

dos Reis Fontoura (1997. On-line) houve um esgotamento do estilo de desenvolvimento

ecologicamente depredador, socialmente perverso e politicamente injusto.

O mundo como era conhecido até então entrou em crise e exigiu mudanças de

comportamento. Os testes nucleares e os pesticidas utilizados naquela época foram

acusados de serem os causadores de diversos danos ao meio ambiente à população de

diversos locais como bem salienta Elimar Pinheiro do Nascimento (2012, p. 52-53).

Percebeu-se que a perpetuação de tais práticas, apesar de garantirem o acúmulo de

riquezas, colocava em risco a manutenção da vida humana.

A partir da percepção de que o crescimento econômico de uma nação nem sempre

está proporcionalmente ligado ao aumento da qualidade de vida de sua população, os

trabalhos na tentativa de encontrar soluções para diminuir a grave crise social e ambiental

enfrentada pelos Estados durante o pós segunda guerra mundial foram iniciados. A

discussão acerca da necessidade de mudança de consciência, por exigir a reunião de

esforços de todos, em um primeiro momento concentrou-se em encontros mundiais entre

os líderes das nações soberanas.

No ano de 1972, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano na cidade de Estocolmo. Esta foi a primeira conferência internacional a

trazer a necessidade de conciliação entre desenvolvimento econômico e preservação

ambiental. Apesar de seus resultados práticos não serem considerados de grande

importância (STEIL e TONIOL, 2013, on-line), ela é lembrada por ser o primeiro

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momento de discussão entre os líderes mundiais acerca da necessidade de conciliação entre

o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população.

Posteriormente, em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, como forma de preparação para

uma conferência mundial a ser organizada por aquele organismo internacional,

desenvolveu um conceito de desenvolvimento sustentável. O documento conhecido como

Relatório de Brundtland ou “Nosso futuro comum” define desenvolvimento sustentável

com sendo: “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as

possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD –

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991, p. 46).

Para este relatório, não é mais possível tolerar a pobreza generalizada. O

desenvolvimento das cidades deve focar em privilegiar o bem-estar de todos e a melhoria

da qualidade de vida da população. Ele defende uma equidade de condições para toda a

população garantindo assim que todos participem da tomada de decisões (BARBOSA,

2008, p. 02). Passa-se a dar grande importância para o bem comum da população, nem que

isto exija a redução do crescimento econômico de uma determinado região.

Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações

Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92. Este

foi o primeiro encontro mundial onde realmente discutiu-se o conceito de desenvolvimento

sustentável e em que foram propostas soluções para viabilizar o equilíbrio entre meio

ambiente, bem-estar da população e crescimento econômico.

Como resultado das discussões do encontro realizado no Brasil, foram elaborados

diversos documentos de âmbito internacional visando a proteção do desenvolvimento

sustentável. O mais importante acordo internacional assinado naquela oportunidade foi a

Agenda 21. Ele previa um programa de ações com o fulcro de promover o

desenvolvimento proporcionando a garantia de acesso à justiça, proteção ao meio ambiente

e eficiência econômica.

No ano de 2002, na cidade de Johanesburgo, foi realizada a Cúpula Mundial

Sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+10. Ela foi uma

continuação daquele encontro mundial ocorrido no Brasil e teve como resultado a

renovação dos compromissos firmados em 1992 visando o desenvolvimento sustentável.

Duras críticas foram traçadas em relação aos frutos gerados por esta reunião. Diversos

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organismos não governamentais criticaram os países participantes deste encontro por não

aplicarem as medidas previstas nos documentos internacionais assinados e sobre a falta de

perspectiva de combate às desigualdades sociais.

Em 2012, no Rio de Janeiro, foi realizado a Conferência das Nações Unidas sobre

o Desenvolvimento Sustentável. Ela tinha o compromisso de avaliar a evolução do

desenvolvimento sustentável e discutir a renovação do compromisso internacional de

garantir a todos o acesso à sustentabilidade. Os principais temas discutidos nesta reunião

de líderes mundiais foram: a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável; e a

economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável focou os

seus esforços em discussões, quase acadêmicas, em torno de temas como a economia verde

e desenvolvimento sustentável (GUIMARÃES e FONTOURA, 2012, on-line). Diante

disto, pode-se afirmar que os objetivos do encontro eram pouco ousados e, por apenas

preverem a renovação dos compromissos políticos firmados anteriormente, não trouxeram

grandes contribuições para a proteção da sustentabilidade.

Elimar Pinheiro do Nascimento (2012, p. 55) afirma que, apesar de todos os

problemas envolvendo os resultados concretos das reuniões mundiais para discussão de

formas possíveis de garantir a conjunção de fatores sociais, econômicos e ambientais, elas

possuíram grande importância no mundo acadêmico. Foi a partir das discussões geradas

nestes encontros que foi possível desenvolver o conceito moderno de desenvolvimento

sustentável que encontra seus fundamentos no equilíbrio entre o crescimento e proteção de

três elementos: ambiental, social e econômico.

Em relação ao meio ambiente, para que seja possível falar em sustentabilidade, é

necessário que os recursos naturais sejam utilizados conforme a sua capacidade de

recuperação visando a garantia destes para as próximas gerações. No campo econômico,

busca-se a utilização das matérias primas de forma eficiente a fim de garantir o aumento do

lucro e do acúmulo de riquezas. Por fim, na área social o desenvolvimento sustentável deve

assegurar a toda a população o acesso ao bem-estar e ao mínimo existencial, ou seja, as

condições mínimas para garantia da dignidade humana.

A Carta Magna do Brasil é conhecida como Constituição cidadã por trazer aos

cidadãos brasileiros a garantia de acesso a diversos direitos tidos como fundamentais à

existência digna. Diante disto, não poderia ser deixado de lado toda a preocupação mundial

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em relação à sustentabilidade. O doutrinador em direito ambiental Celso Antonio Pacheco

Fiorillo (2001, p. 23-25) afirma que o desenvolvimento sustentável alcança o status de

princípio constitucional e deve permear toda a interpretação e aplicação das normas

constitucionais brasileiras.

O artigo 3º, da Constituição Federal brasileira, em seus incisos, prevê como

objetivos da República Federativa do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades sociais e a promoção do bem-estar

de todos. Ao analisar o conjunto destes propósitos, é possível perceber que eles refletem os

valores defendidos e protegidos pela sustentabilidade. A partir disto, fica clara a

importância que a sustentabilidade possui no Brasil.

Também na Carta Magna brasileira, o art. 170, VI, determina que a ordem

econômica deverá ser fundada na valorização do trabalhador com o fulcro de garantir a

todos a existência digna e que terá como um de seus princípios norteadores a proteção ao

meio ambiente. Portanto, fica evidente que no Brasil, apesar de operar o princípio da livre

iniciativa, esta deverá respeitar o desenvolvimento sustentável da sociedade. Tal

preocupação justifica-se, pois os recursos naturais são esgotáveis e a população deve ter a

sua dignidade garantida.

No art. 225, caput, a Constituição Federal Brasileira volta a defender a

sustentabilidade. Determina-se que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado a fim de garantir a qualidade de vida e que é papel de todos os integrantes da

sociedade protege-lo. Este artigo da norma constitucional possui status de direito

fundamental, ou seja, está previsto dentro do rol de garantias constitucionais que não

podem sofrer diminuição em sua proteção.

A partir disto percebe-se que a proteção reservada ao desenvolvimento sustentável

é de tal importância que este passa a ser, além de um dos princípios norteadores do

ordenamento jurídico brasileiro, um dos direitos fundamentais que devem ser garantidos a

todos os brasileiros. Com esta previsão a tutela destinada aos direitos ligados à

sustentabilidade somente pode ser alterada de forma ampliativa, nunca com a intenção de

diminuir a sua importância.

Porém, apesar de ser garantido constitucionalmente a proteção ao acesso de todos

à sustentabilidade, as cidades brasileiras vivem outra realidade. As regiões urbanas do

Brasil, em regra, convivem com um total desequilíbrio social, econômico e ambiental.

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Uma das causas para que haja esta discrepância entre teoria e prática é a falta ou

ineficiência da prestação do serviço de saneamento básico.

3 COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS

O saneamento básico é definido na lei 11.445, de 05 de janeiro de 2007, como

sendo:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações

operacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas

e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a

captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e

instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final

adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu

lançamento final no meio ambiente;

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-

estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento

e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de

logradouros e vias públicas;

d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva

das respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e

instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte,

detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e

disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas; (sem grifo no

original)

A prestação dos serviços públicos ligados ao saneamento básico afeta a vida de

toda a população. Seu objetivo principal é garantir a todos o acesso ao bem-estar. Em caso

de descontinuação destes em determinada região, as demais áreas ao seu redor sofrem

indiretamente com os males desta interrupção.

Até há pouco tempo, os serviços ligados ao saneamento básico não eram tidos

como direitos básicos da população. Durante a passagem da idade média para a idade

moderna a noção da importância das medidas que visam a higiene não era tão clara, o que

trazia diversos danos à sociedade da época. O acumulo de lixo e fezes nas cidades daquela

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época eram responsáveis por sérias doenças. Podem ser citadas as grandes epidemias como

cólera, febre tifoide e até mesmo a peste negra que dizimaram aproximadamente metade da

população europeia da época.

Atualmente, no Brasil, entende-se que os serviços relacionados com o saneamento

básico devem ser prestados atendendo-se os princípios da universalidade e da

integralidade, conforme disposto no art. 2º, da lei 11.445/07. Em caso de descumprimento

destes preceitos, prejudicada está a dignidade humana da todos os integrantes da sociedade,

pois estes ficam privados das condições mínima de vida a que todos os seres humanos

devem ter acesso.

O princípio da universalidade do saneamento básico dita que deve ser garantido a

todos os integrantes da sociedade o atendimento pelos serviços do rol do art. 3º, da lei

11.445/07. Diante disto, para que seja possível dizer que este requisito foi cumprido é

necessário que todos os integrantes da sociedade tenham acesso a todos os serviços ligados

ao saneamento básico.

O princípio da integralidade do saneamento básico, por sua vez, determina que os

serviços ligados à ele sejam garantidos de forma integral. Assim como no princípio

anteriormente estudado, aqui somente com o atendimento do conjunto todo será possível

determinar o atendimento ou não do preceito legal. Importante frisar que em ambos os

princípios, o descumprimento parcial da determinação legal já compromete a dignidade de

todos, inclusive daqueles que têm acesso a eles.

O serviço de coleta e tratamento de resíduos sólidos é um daqueles previstos no

rol do art. 3º, da lei 11.445/07. Diante disto é possível afirmar na prestação deste é preciso

que todas garantias supracitadas sejam atendidas a fim de garantir o acesso da população à

dignidade humana.

Outro momento em que o legislador infraconstitucional volta a sua atenção para

os resíduos sólidos é na lei 12.305, de 02 de agosto de 2010. Esta lei ganha grande

importância ao instituir no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nela são

instituídos os princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e

ao gerenciamento de resíduos sólidos (art. 1º, lei 12.305/10).

O art. 6º, da lei 12.305/10, dita quais os princípios irão reger as políticas ligadas

aos resíduos sólidos produzidos no Brasil. Dentro do rol previsto nesta cláusula, tem-se o

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princípio do desenvolvimento sustentável. Ao prever a sustentabilidade como um dos

fatores que devem ser levados em conta no momento de aplicação das soluções para os

resíduos sólidos gerados fica evidente a preocupação com a garantia do acesso ao meio

ambiente equilibrado a todos os cidadãos e o reconhecimento de que os resíduos sólidos

são bens com valor econômico e social, geradores de trabalho e renda e promotores de

cidadania.

Cabe ressaltar também de quem seria a competência e responsabilidade para

implementar a prestação de serviço de coleta de resíduos sólidos. Como afirma Jacobi e

Besen (2011, p. 136) a administração pública municipal tem a responsabilidade de

gerenciar a coleta e destinação dos resíduos sólidos. Tal afirmação está correta tendo em

vista a previsão do art. 30, V, da Constituição Federal brasileira, de que a competência para

a prestação de serviços de caráter local é dos Municípios.

Como a má gestão dos resíduos sólidos pode gerar consequências que ultrapassam

os limites de competência territorial, a política nacional do meio ambiente prevê a

possibilidade de criação de consórcios públicos para a gestão destes. Esta coalizão de

forças teria como principal objetivo a redução de custos e a maior eficiência deste serviço.

Em regra, estes consórcios ocorrerão em regiões metropolitanas em que o problema de

coleta de um município afeta direta ou indiretamente o outro.

O crescimento desordenado das grandes cidades traz como consequência carência

de recursos e de infraestrutura levando a crise do saneamento básico sofrido por elas

(MALHEIROS, et al., 2008, on-line). Diante disto, verifica-se que apesar de toda a

preocupação legislativa sobre o tema, a realidade guarda pouca semelhança com a teoria e

a destinação dos resíduos sólidos produzidos nos centros urbanos; ainda é um problema

que assola boa parte das cidades brasileiras.

Os resíduos sólidos produzidos no Brasil são tradicionalmente descartados no solo

e subsolo, como afirmam Túlio Franco Ribeiro e Samuel do Carmo Lima (2000, p. 52). Tal

afirmação pode ser verificada com a percepção de que no país ainda é predominante a

deposição dos resíduos sólidos em lixões a céu aberto, aterros controlados ou aterros

sanitários. Segundo dados do Sistema nacional de informações sobre o saneamento básico,

no ano de 2015, o Brasil possuía 1.140 lixões, 654 aterros controlados e 679 aterros

sanitários em operação.

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Estas formas tradicionais de descarte do lixo no Brasil geram diversas

consequências negativas. Os efeitos ao meio ambiente são os mais lembrados quando se

discutem os danos causados pelo descarte incorreto dos resíduos sólidos urbanos. O

acúmulo destes materiais produz o chorume, líquido viscoso e com alto grau de toxidade,

que contamina o solo e lençol freático alcançando áreas distante de onde ele é gerado, e

também gases tóxicos causados pelo processo de deterioração dos detritos, o que gera a

poluição do ar.

Porém, não é somente o meio ambiente que sofre com o acúmulo de detritos. É

possível encontrar efeitos negativos no campo social. Por não serem economicamente

interessantes para investimentos financeiros, em regra, ao redor dos locais onde são

depositados os resíduos sólidos é possível encontrar grandes bolsões de pobreza trazendo

assim consequências sociais para a região, que passa a sofrer com o descaso da sociedade e

os poucos investimentos do poder público e do setor privado.

Outro fator social importante em relação à forma tradicional de descarte de

resíduos sólidos são os trabalhadores atraídos pela oportunidade de encontrar nos detritos o

seu sustento. Os locais de descarte tradicional de resíduos sólidos atraem uma grande

quantidade de vetores de doenças e poluentes. Isto faz com que as pessoas que frequentam

estas áreas estejam sujeitas a sérios problemas de saúde (FRANCO RIBEIRO e LIMA,

2000, p. 56). Por sua vez, as pessoas que trabalham nestas regiões, muitas vezes, não

possuem a mesma proteção destinadas às demais categorias de trabalhadores por parte do

setor público e privado. Isto contribui para o descuido com a utilização de equipamentos de

proteção e a exposição destes à doenças e péssimas condições de trabalho.

Todos estes males poderiam ser evitados se fosse dada a destinação correta aos

resíduos sólidos. Esta forma mais adequada de deposição dos resíduos sólidos seria aquela

que evitasse o contado direto das pessoas e do meio ambiente com os produtos químicos

gerados pelo acúmulo dos detritos.

Comparando-se as formas tradicionais de descarte de resíduos sólidos com os

objetivos e princípios da sustentabilidade, é possível perceber que ambas caminham em

direções opostas. Enquanto esta prega o equilíbrio social, ambiental e econômico, aquelas

têm como consequência o desequilíbrio de todos estes indicadores.

Fica evidente que não há como se falar em sociedade que se desenvolve de forma

sustentável enquanto nela forem praticadas as formas tradicionais de descarte dos resíduos

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sólidos. Portanto, no contexto atual, em que a busca pela sustentabilidade é uma das

principais preocupações e a produção de lixo aumenta a todo momento, é necessário

discutir formas de adequar as duas situações e a partir delas achar soluções para o

problema do lixo urbano.

4 A COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A coleta seletiva de resíduos sólidos surge como forma de tentar solucionar o

problema das grandes cidades em relação à destinação destes. A lei 12.305/10, em seu art.

3º, define coleta seletiva de resíduos sólidos como sendo a “coleta de resíduos sólidos

previamente segregados conforme sua constituição ou composição”.

A partir desta definição legal pode-se extrair que a coleta seletiva de resíduos

sólidos constitui uma forma de separação destes conforme os materiais que os compõem.

Esta segmentação com base na composição propicia o processamento, reciclagem e

posterior reutilização das matérias-primas utilizadas para a fabricação dos bens

descartados.

A coleta seletiva teve seu início durante a segunda guerra mundial, em 1941, na

Itália, por conta de dificuldades geradas pela guerra (FRANCO RIBEIRO e LIMA, 2000,

p. 58). Ela tinha como finalidade suprir necessidades de matéria-prima durante as guerras

ou crises.

No Brasil, a primeira experiência documentada de coleta seletiva ocorreu em

1985. O centro comunitário do bairro de São Francisco, localizado na cidade de Niterói,

elaborou e implementou um programa de coleta seletiva naquele bairro (QUEIROZ, 2014,

p. 3). Este programa pode ser considerado um exemplo a ser seguido, pois até hoje a

população deste bairro é atendida com a prestação deste serviço, que atualmente recolhe o

lixo de forma seletiva de mais de 1200 residências.

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A partir do ano de 1990, percebendo a necessidade de implementação da coleta

seletiva o poder público passou a realizar parcerias com os catadores de material reciclado

(RIBEIRO e BESEN, 2007, p. 2). Estas tinham o fulcro de tornar o serviço de coleta de

resíduos sólidos mais eficiente, pois reduzem os custos de implementação, e ao mesmo

tempo atuam no campo social ao prestar assistência aos trabalhadores que a priori não a

teriam.

Hoje a coleta seletiva de resíduos sólidos é vista com bons olhos pelo legislador,

que incentiva a adoção desta prática. Ao trazer os objetivos da política nacional de resíduos

sólidos, a lei 12.305/10, inclui no rol dos incisos do art. 7º, a integração dos catadores de

materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Além desta previsão, a coleta seletiva

também consta como um dos instrumentos de ação previstos nesta norma.

A partir da análise da lei 12.305/10, fica claro a necessidade de criação de planos

de ação prevendo formas de lidar com os resíduos sólidos visando a redução dos impactos

negativos gerados pelo acúmulo destes. A administração pública a nível municipal,

regional e nacional deverá incluir em seus planejamentos de ação a coleta seletiva como

forma de redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos produzidos

pelos munícipes.

O Ministério das Cidades, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre o

Saneamento Básico, libera todo ano um relatório com os principais dados sobre o

saneamento básico no Brasil. Atualmente, este diagnóstico, que não possui o fito de trazer

dados censitários, é o que se tem de mais atualizado sobre os serviços de água, esgoto e

coleta de resíduos sólidos no país. Estas informações servem como importante ferramenta

para se medir a qualidade da prestação destes serviços.

O último relatório expedido pelo Sistema Nacional de Informações sobre o

Saneamento Básico informava que, no ano de 2015, apenas 22,5% dos municípios

brasileiros contavam com um programa de coleta seletiva de lixo vinculado à sua

prefeitura municipal. Estas cidades, em conjunto, foram responsáveis pelo recolhimento de

forma seletiva 4,7% de todo o resíduo sólido produzido no país. Este percentual é muito

pequeno quando percebe-se que mais de 95% das cerca de 51,8 milhões de toneladas de

resíduos sólidos produzidos no país são descartados sem a reutilização de suas matérias-

primas.

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Apesar de baixos, estes índices, representam uma evolução na situação do país.

No ano de 2011, o Instituto de Geografia e Estatística, por meio do Atlas do Saneamento,

levantou que apenas 18% dos municípios brasileiros possuíam algum tipo de serviço de

coleta seletiva dos resíduos sólidos produzidos.

Ao estudar a coleta seletiva de resíduos sólidos a nível regional, é possível

perceber que entre as regiões geográficas brasileiras há grande disparidade em relação aos

índices de atendimento da população por este serviço. Segundo dados do diagnóstico do

manejo de resíduos sólidos urbanos do ano de 2015, as regiões sul e sudeste apresentaram

os melhores índices de atendimento da população pela coleta seletiva de resíduos sólidos.

Estas regiões alcançam, respectivamente, os índices de 54,8% e 46,4% de cidades que

incluíram a coleta seletiva de resíduos sólidos em seus planos de saneamento básico

enquanto a média nacional gira em torno 20%.

A partir destes dados é possível perceber a disparidade existente entre a realidade

brasileira e a proteção à coleta seletiva prevista em sua legislação. A população brasileira

ainda não possui a cultura da separação de seus resíduos sólidos fazendo com que assim

apenas uma pequena parcela dos bens descartados sejam reaproveitados. Isto gera grandes

impactos na sociedade, que sofre com as questões sociais, ambientais e econômicas

geradas a partir do acúmulo destes detritos. É necessário uma mudança de paradigma na

sociedade brasileira para que haja um aumento das taxas de coleta seletiva e,

consequentemente, o desenvolvimento do país de forma sustentável.

A relação entre a sustentabilidade e a coleta seletiva de resíduos sólidos é quase

simbiótica. A separação dos resíduos sólidos contribui de forma efetiva para o

desenvolvimento sustentável de uma região. A partir da segmentação dos bens descartados

é possível trazer efeitos positivos para os três pilares do desenvolvimento sustentável.

A coleta seletiva, no campo social, traz importantes benefícios. A partir dela, é

possível trazer renda de forma digna para muitos brasileiros e ao mesmo tempo garantir

que estas e outras pessoas tenham acesso a direitos sociais que lhes seriam restringidos

caso não fosse praticada a separação dos resíduos sólidos.

O primeiro grande benefício trazido pelo avanço da coleta seletiva de resíduos

sólidos que pode ser citado foi o reconhecimento da categoria de catadores de materiais

reutilizáveis como uma atividade profissional. No ano de 2002, o Ministério do Trabalho,

por meio da classificação brasileira de ocupações, incluiu esta categoria de trabalhadores

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no rol das profissões formalmente reconhecidas (BESEN, 2011, p. 40). Esta inclusão,

apesar de, aparentemente, sem importância, tem seu mérito por garantir aos trabalhadores

da reciclagem o acesso à oportunidades de trabalho decente e, consequentemente, aos

direito trabalhistas e sociais garantidos em lei.

No último trimestre de 2016, segundo dados da Pesquisa Nacional por amostra de

domicílios contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 12% da população

brasileira não possuía uma ocupação formal. Isto demonstra a importância que a

possibilidade de encontrar uma forma de sustento na coleta seletiva de resíduos sólidos

possui para milhares de brasileiros.

Muitas família encontram na coleta seletiva de resíduos sólidos a oportunidade de

garantir o sustento para prover suas necessidades básicas. Segundo a pesquisa nacional por

amostra de domicílios do ano de 2006, haviam mais de 200 mil brasileiros que

trabalhavam com a separação de materiais recicláveis no Brasil naquela época. Ao longo

dos anos o números só aumentaram e hoje milhares de pessoas são beneficiadas

diretamente pela coleta seletiva.

Diante disto, fica evidente a importância que o reconhecimento e proteção dos

catadores de reciclados como uma categoria profissional possui no Brasil. Além de gerar

renda para milhares de brasileiros, ela também contribui para que estes tenha acesso a

programas sociais de defesa dos seus interesses.

Atualmente é possível verificar diversos programas governamentais e não

governamentais de defesa e suporte aos catadores de lixo. No âmbito governamental é

possível destacar o comitê interministerial para inclusão social e econômica dos catadores

de materiais reutilizáveis e recicláveis e o programa pró-catador, que contribuem para a

inclusão destes trabalhados. No campo não governamental, possui grande importância o

movimento nacional dos catadores de materiais recicláveis, que é um movimento social

que há 14 anos luta pelos direitos desta classe.

A coleta seletiva de resíduos sólidos também traz contribuições para o setor

econômico do país. A partir da separação dos resíduos sólidos de forma seletiva é possível

reutilizar matérias-primas que até então eram descartadas como se inúteis fossem. O

reaproveitamento destes materiais trazem como benefício a possibilidade de gerar renda

com a venda delas; e reduzir custos de produção de outros produtos.

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Um exemplo de sucesso de reaproveitamento de materiais que seriam inutilizados

pelo descarte incorreto é o caso da reciclagem de alumínio. Segundo dados da associação

brasileira dos fabricantes de latas de alta reciclabilidade, em 2014, o Brasil ocupava a

primeira colocação no ranking da reciclagem deste metal alcançando impressionantes

níveis de 98,4% de reaproveitamento das latas de alumínio produzidas no país

(ABRALATAS, 2015, on-line). Este elevado índice somente foi alcançando, pois na linha

final do consumo destes bens há uma forte cadeia responsável pela sua separação e

devolução às indústrias de reciclagem.

O alumínio, por ser de fácil reutilização, é um dos materiais com maior valor no

mercado da reciclagem. Isto aliado aos altos índices de reciclagem deste material gerou a

injeção de mais de 800 milhões de reais na economia brasileira no ano de 2014, segundo

dados da associação brasileira dos fabricantes de latas de alumínio (ABRALATAS, 2015,

on-line). Portanto, evidente que a falta de incentivo à coleta seletiva faz com que milhões

de reais sejam “jogados” no lixo anualmente no país. Diante da crise econômica que assola

o Brasil, esta economia gerada ganha grande importância.

O terceiro pilar da sustentabilidade beneficiado com a implementação da coleta

seletiva de resíduos sólidos é a proteção ao meio ambiente. Pode-se dizer que, dos três

pontos que sustentam o conceito atual de sustentabilidade, o meio ambiente é o maior

beneficiado com a implementação da coleta seletiva nos planos de ação ligados ao

saneamento básico.

O capitalismo introduziu na sociedade uma forma de consumo baseada no

descarte rápido dos bens. A grande vantagem é a praticidade trazida por este sistema, que

proporciona produtos sempre à mão e ao mesmo tempo evita a necessidade de manutenção

destes. Porém, a rápida obsolescência dos produtos traz sérios danos para a natureza, como

bem cita Carlos Alberto Mucelin e Marta Bellini (2008, p. 123), ao apontarem o acúmulo

de lixo em vales, beiras de estrada e em rios como impactos ambientais negativos

produzidos pelo lixo urbano.

Além dos efeitos perceptíveis a olho nu, existem também as consequências

“invisíveis”. O solo, água e ar das grandes cidades são os mais afetados com a poluição

decorrente das substâncias tóxicas liberadas pelo chorume e pelos gases tóxicos produtos

da decomposição dos objetos descartados. Segundo dados do sistema nacional de

informações sobre o saneamento básico, no ano de 2015, foram coletados de forma seletiva

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em média 17,1 quilos de material reciclável por habitante no Brasil, valor superior

verificado no ano anterior, que obteve média de 13,8 kg/hab./ano. Com o crescimento da

coleta seletiva de resíduos sólidos, há a consequente redução do acúmulo de resíduos

sólidos. Isto faz com que a coleta seletiva evite a produção de agentes poluentes e

consequentemente diminua os impactos antrópicos no meio ambiente.

A coleta seletiva de resíduos sólidos ao promover o reaproveitamento da matéria-

prima dos produtos descartados, além de reduzir os custos da produção dos bens, também

contribui para a redução da extração destes elementos da natureza. Mais uma vez

utilizando o exemplo das latas de alumínio recicladas no Brasil é possível perceber uma

diminuição na extração da matéria-prima utilizada na confecção destas. Pesquisas afirmam

que a reutilização deste material já garantiu uma redução da extração de mais de 605 mil

toneladas deste minério. A diminuição dos níveis de extração das matérias-primas

utilizadas na produção de bens de consumo traz como principal consequência a redução da

degradação ambiental gerada por esta atividade impactando de forma positiva na proteção

do meio ambiente.

Da leitura destes dados, percebe-se a grande influência exercida pela coleta

seletiva de resíduos na garantia de acesso da sociedade brasileira ao direito fundamental à

sustentabilidade. A introdução desta política pública de gestão de resíduos sólidos nos

planos de ação da esfera executiva afeta positivamente questões normalmente conflitantes

entre si em relação a problemas ambientais, sociais e econômicos e contribui para a

construção do desenvolvimento sustentável do Brasil.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi acima exposto é possível perceber a grande importância da

sustentabilidade na sociedade atual e a necessidade, cada vez mais latente, de buscar

práticas que a viabilizem. Depois de séculos de pura exploração dos recursos naturais

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disponíveis no planeta Terra, o homem percebeu que a manutenção deste estilo de vida

levaria à extinção da vida humana.

Tendo em vista esta preocupação, diversas teorias que tentam indicar quais são os

elementos principais da sustentabilidade surgiram. O conceito que prevaleceu é aquele que

pauta a sustentabilidade no equilíbrio de três elementos: social, ambiental e econômico.

Na contramão de toda a preocupação com o bem-estar do planeta Terra está a

crescente produção de resíduos sólidos gerados pela forma de consumo arraigada na

sociedade moderna. O capitalismo, sistema econômico vigente na maior parte do globo,

tem como um de seus pilares a rápida inutilidade de seus produtos, fazendo com que estes

sejam descartados e novos bens sejam adquiridos a todo momento.

A fim de garantir a manutenção do capitalismo e ao mesmo tempo evitar o

esgotamento dos meios necessários para a manutenção da vida terrestre tornou-se

necessário discutir práticas que possibilitariam o equacionamento destes termos. Diante

disto, a coleta seletiva de resíduos sólidos firma-se como uma importante forma de

proporcionar o desenvolvimento sustentável nas nações e mais recentemente também foi

introduzido no ordenamento jurídico brasileiro como um dos direitos fundamentais de

garantia obrigatória a todos aos brasileiros

A coleta seletiva de resíduos sólidos tem o condão de trazer benefícios aos três

pilares do conceito moderno de sustentabilidade. A partir da introdução deste serviço no

saneamento básico é possível garantir o crescimento econômico e aumentar a proteção ao

meio ambiente e aos direito sociais.

A separação dos bens de consumo rejeitados é capaz de atuar no campo social

trazendo emprego e dignidade aos trabalhadores da coleta de resíduos sólidos, que com o

desenvolvimento desta área passaram a ser reconhecidos como categoria merecedora de

atenção e proteção estatal. Na área econômica, a coleta seletiva atuará como forma de

reaproveitar recursos que a priori seriam descartados. Isto faz com que seja possível

“encontrar dinheiro no lixo” e gerar a circulação de milhões de reais na economia

brasileira. Por fim, mas não menos importante, ela propicia a redução dos resíduos sólidos

descartados e, ao propiciar o reaproveitamento de matérias primas, também contribui para

conter o esgotamento dos recursos naturais disponíveis no planeta Terra.

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Por fim, fica evidente que a partir do momento em que é possível afirmar que

houve o equilíbrio destes três fatores, pode-se também dizer em que houve garantia do

desenvolvimento sustentável da sociedade. Portanto, se o ser humano pretende finalmente

colocar em prática formas menos degradantes de desenvolvimento da vida terrestre e assim

garantir a sobrevivência da espécie, é necessário que as ações estatais e privadas de apoio à

coleta seletiva saiam do papel e tornem-se realidade.

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