a colegiada de guimarães no reinado de d. joão i

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MESTRADO EM ESTUDOS MEDIEVAIS A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I Jacinta de Fátima Carvalho de Melo M 2020

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Page 1: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

MESTRADO EM ESTUDOS MEDIEVAIS

A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

Jacinta de Fátima Carvalho de Melo

M 2020

Page 2: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

Jacinta de Fátima Carvalho de Melo

A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Medievais, orientada pela Professora Doutora

Maria Cristina Almeida e Cunha

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

2020

Page 3: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

Em memória da minha mãe, Maria Emília

Page 4: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

1

Sumário

Declaração de honra………………………………………………………………………………………………………………………………….4

Agradecimentos ......................................................................................................................................... 5

Resumo...................................................................................................................................................... 6

Abstract ..................................................................................................................................................... 7

Abreviaturas .............................................................................................................................................. 8

Introdução ................................................................................................................................................. 9

Fontes e Historiografia ............................................................................................................................. 11

1 - Fontes ............................................................................................................................................. 11

2 - Historiografia .................................................................................................................................. 20

Parte I - Das origens ao século XV............................................................................................................. 23

Capítulo 1 - O Mosteiro ............................................................................................................................ 23

1 – A fundação ..................................................................................................................................... 24

2 - A instituição religiosa ...................................................................................................................... 27

2.1 - A regra ................................................................................................................................... 27

2.2 - A cultura ................................................................................................................................ 29

2.3 - A assistência ........................................................................................................................... 31

2.4 - O domínio patrimonial ........................................................................................................... 32

3 - O mosteiro, a família condal e o poder régio ................................................................................... 35

Capítulo 2 - A colegiada de Guimarães entre os sécs. XII e XV ................................................................... 41

1 - A instituição religiosa ...................................................................................................................... 41

1.1 - A escola capitular ................................................................................................................... 44

1.2 - Os mendicantes em Guimarães .............................................................................................. 46

1.3 - A Senhora da Oliveira ............................................................................................................. 51

1.4 - A Peste Negra na colegiada de Guimarães .............................................................................. 54

2 - A ligação da colegiada de Guimarães à dinastia Afonsina................................................................. 56

Parte II - A colegiada vimaranense no reinado de D. João I (1385-1433) ................................................... 71

Capítulo 1 - A instituição .......................................................................................................................... 71

Page 5: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

2

1 - As funções da colegiada .................................................................................................................. 72

2 - Estrutura e hierarquia ..................................................................................................................... 78

2.1 - O Prior.................................................................................................................................... 78

2.2 - O Cabido ................................................................................................................................ 82

2.2.1 - As Dignidades ................................................................................................................. 84

2.2.1.1 - O Chantre ............................................................................................................... 84

2.2.1.2 - O Tesoureiro ........................................................................................................... 85

2.2.1.3 - O Mestre-Escola ..................................................................................................... 87

2.2.2 - Os Capitulares ................................................................................................................ 88

2.3 - Caraterização do cabido de Guimarães ................................................................................... 89

2.3.1 – Formas e condições de acesso ....................................................................................... 89

2.3.2 - A residência dos cónegos ................................................................................................ 94

2.3.3 – As reuniões do cabido .................................................................................................... 95

2.3.4 - A cultura ....................................................................................................................... 102

2.3.5 – Moralidade .................................................................................................................. 104

2.4 - Outros Clérigos ..................................................................................................................... 107

2.4.1 - Os Capelães .................................................................................................................. 107

2.4.2 - Os Clérigos Coreiros ...................................................................................................... 108

2.4.3 - Os Moozinhos ............................................................................................................... 109

2.5 - Os Oficiais ............................................................................................................................ 109

2.5.1 - O prebendeiro .............................................................................................................. 109

2.5.2 - O contador ................................................................................................................... 111

2.5.3 - O porteiro..................................................................................................................... 111

2.5.4 - O escrivão .................................................................................................................... 112

2.5.5 - O pregoeiro .................................................................................................................. 112

2.5.6 - O procurador do cabido ................................................................................................ 112

3 - A crise económica na colegiada de Guimarães ............................................................................... 114

4 - A Igreja de Braga e a colegiada vimaranense ................................................................................. 120

Page 6: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

3

Capítulo 2 - D. João I e a colegiada de Guimarães ................................................................................... 126

1 - Guimarães na Crise de 1383-1385 ................................................................................................. 127

2 - D. João I e Santa Maria de Guimarães ............................................................................................ 131

2.1 - As doações régias ................................................................................................................. 136

2.2 - A nova igreja ........................................................................................................................ 137

2.3 - Os privilégios joaninos à colegiada de Guimarães ................................................................. 140

Conclusão .............................................................................................................................................. 150

Fontes e Bibliografia .............................................................................................................................. 157

Fontes ................................................................................................................................................ 157

1 - Fontes Manuscritas ................................................................................................................. 157

2 - Fontes Publicadas.................................................................................................................... 157

Bibliografia ......................................................................................................................................... 159

Page 7: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

4

Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizado previamente

noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores

(afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e

encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as

normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui

um ilícito académico.

Porto, 9 de outubro de 2020

Jacinta de Fátima Carvalho de Melo

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5

Agradecimentos

O trabalho requerido para uma dissertação de Mestrado é, na maior parte das vezes,

empreendido de uma forma solitária. Porém, a sua concretização resulta, em muito, do

contributo daqueles que nos rodearam e que, de uma forma ou de outra, se tornaram

participantes. Por isso este é o momento em que deixo expressa a minha mais profunda

gratidão.

O meu primeiro agradecimento vai para a minha orientadora, Professora Doutora Cristina

Cunha, pelo incansável apoio e esclarecimentos, muito para além do seu papel formal de

orientadora e sem o qual dificilmente teria chegado este momento. Deixo também o meu

obrigada à Professora Doutora Paula Pinto Costa pela maneira como me recebeu nesta Casa e

me permitiu acreditar ser possível esta “aventura” pelo estudo da Idade Média.

Agradeço a todos os meus professores do Mestrado em Estudos Medievais pelo muito

que com eles aprendi nos diferentes saberes relativos ao período medieval. Ao Professor Doutor

José Marques, uma referência para todos os melgacenses, agradeço os sábios conselhos e a

enorme generosidade com que partilhou comigo algum do seu vasto conhecimento. Deixo ainda

o meu obrigada ao Professor Doutor Arnaldo Melo, da Universidade do Minho, com quem

comecei os meus estudos sobre este período da História e cujos ensinamentos motivaram o meu

interesse em saber mais.

O meu agradecimento vai também para todos os colegas do Mestrado, dos quais destaco

a Rosa Sanches, que se converteu numa amiga. Recordo sobretudo aquelas tardes cuja conversa

se desenrolava em torno dos “meus” cónegos e das “suas” freiras. Agradeço também à Manuela

Monteiro, à Teresa Rebelo, à Fátima Barroso e à Ana Monteiro o apoio e a longa amizade.

Por fim, deixo o meu obrigada ao João Bento. Marido, companheiro e amigo, que nunca

permitiu que eu pensasse sequer em desistir, sempre pronto a ajudar, cuja calma e paciência o

tornaram no meu porto seguro.

A todos aqui deixo o meu mais profundo obrigada.

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6

Resumo

Nesta dissertação faz-se o estudo da colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães

no reinado de D. João I (1385-1433), sob o ponto de vista institucional e da relação entre esta

igreja e o monarca. Numa primeira parte, começamos por traçar, de uma forma sucinta, alguns

dos principais momentos que se foram sucedendo nesta instituição, desde a fundação do

mosteiro de Guimarães até à colegiada quatrocentista no sentido de fornecer o devido

enquadramento para o estudo que nos propusemos fazer.

A segunda parte, que constitui o núcleo do nosso trabalho, começa por estabelecer a

diferenciação das funções da colegiada de Guimarães e dos seus membros, a organização e

estrutura da instituição, bem como os diversos cargos inerentes ao seu funcionamento, quer do

ponto de vista religioso quer do administrativo. De seguida procedemos à tentativa de

compreender a relação que D. João I estabeleceu com a igreja de Santa Maria de Guimarães,

traduzida nos objetos doados e nos privilégios outorgados, resultante dos factos ocorridos na

crise dinástica de 1383-1385.

Procedeu-se ainda à caraterização dos membros que constituíram o cabido da colegiada,

ao nível coletivo, bem como à identificação individual dos capitulares. Desta última resultou a

construção de um conjunto de notícias biográficas, que se apresenta em Apêndice, tal como os

gráficos e tabelas elaborados durante o processo de investigação.

Palavras-chave: colegiada de Guimarães, Igreja Medieval em Portugal; colegiada; poder

régio séc. XV.

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7

Abstract

This dissertation is a study of the colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães

during the reign of João I (1385-1433) taken from an institutional perspective and the relation

existing between this church and the king. In order to appreciate it, we began by tracing

succinctly some of the main moments that characterize the history of this institution from its

foundation as a monastery until the collegiate of the 1400’s, providing thus the background for

the study developed.

The second part of the dissertation constitutes the nucleus of our work, where the

differentiation of functions of the collegiate both from a religious and administrative points of

view is established. We also attempt to understand the relation that King João I maintained with

the institution (colegiada de Guimarães), expressed in objects offered and privileges granted,

resulting from the events that occurred in the dynastic crisis of 1383-1385.

Finally, we identified the members of the ecclesiastical chapter of the collegiate and their

functions. On the basis of this we collected biographical data, reassembled in short biographies

that appear in the Appendix, as well as graphics and tables used along the research process.

Key words: Collegiate of Guimarães (Portugal); collegiate; Church in Medieval Portugal;

royal power 15th century.

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8

Abreviaturas

ADB – Arquivo Distrital de Braga

AMAP – Arquivo Municipal Alfredo Pimenta

c. - concelho

CHR-F - Chancelarias régias - D. Fernando

col. – coluna

CSLM - Cabido da sé de Lamego

CSMOG – Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães

DE – Documentos Eclesiásticos

DE – Documentos Eclesiásticos

DHP – Dicionário de História de Portugal

Dir. - Direção

Doc. – documento

DP – Documentos Particulares

DR – Documentos Régios

Ed. – Editor

f. - freguesia

fl. – fólio

Lbs. – Libras

m. – maço

MPV - Monumenta Portugaliae Vaticana

NA – Nota Antiga

s. n. – sem nome

T. - Tomo

TT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

v – verso

VMH - Vimaranis Monumenta Historica

vol. – volume

Page 12: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

9

Introdução

A classificação do centro histórico de Guimarães como Património Mundial da Unesco,

em 2001, a par da sua nomeação como Capital Europeia da Cultura em 2012, permitiram o

redimensionamento da cidade convertendo-a num pólo de referência cultural, agora ampliado

ao nível europeu, ou mesmo mundial. Estas foram razões mais do que suficientes para despertar

em nós o interesse pela história e património desta cidade. A igreja da Oliveira, bem como o

espaço adjacente que alberga hoje o Museu Municipal Alberto Sampaio, constituem vestígios do

longo passado que está na génese da história medieval desta cidade e que, de uma certa forma,

podem ser reconhecidos como fatores da identidade nacional. Referimo-nos ao mosteiro de

Mumadona Dias ao qual sucedeu a colegiada de Guimarães, objeto da nossa dissertação.

Assim, este trabalho tem como objetivo principal o estudo desta colegiada

nomeadamente na sua estrutura e organização internas, na caraterização social dos membros

que compõem o seu colégio e ainda na relação com o seu patrono, o Monarca. A cronologia

escolhida corresponde ao reinado de D. João I uma vez que, após alguma investigação sobre esta

instituição, verificamos que este período correspondeu a um momento-chave do seu passado.

A história de Guimarães e da sua colegiada entusiasmou desde há muito os estudiosos

vimaranenses, e não só, que divulgaram amplamente as suas principais vicissitudes. Daí termo-

nos questionado em que medida o nosso estudo poderia constituir algum acréscimo ao muito

que se tem escrito acerca desta igreja. Alguns desses escritos revestem-se, porém, de

caraterísticas apologéticas e outros adotam uma forte componente política ao serviço de

interesses conjunturais. No entanto, é forçoso reconhecer a existência de um grande número de

estudos históricos rigorosos que serviram de enquadramento à nossa investigação. Apesar disso,

sentimos que existia uma lacuna no que se refere a esta instituição sob o ponto de vista da sua

estrutura institucional e dos membros que a integraram no período considerado.

Feita a análise e contextualização das fontes, bem como uma explanação da

correspondente historiografia, inicia-se o “corpo” desta dissertação, que se encontra organizado

em duas partes. A primeira, que visa conhecer a instituição desde os seus primórdios até ao

reinado de D. João I, inicia-se com um capítulo destinado ao mosteiro de Guimarães, que esteve

na sua origem. Nele incluímos os vários aspetos que caraterizaram a vida deste cenóbio, desde a

fundação até à sua conversão em colegiada. Destacamos ainda a relação com os seus patronos,

ou seja, a família condal e a Monarquia. No segundo capítulo fazemos uma resenha da evolução

da colegiada de Guimarães nos principais factos que a envolveram desde a sua fundação, no

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10

início do século XII, até ao ano de 1385, data em que se inicia o período em estudo, abordando a

relação da canónica com os monarcas da dinastia afonsina no intuito de compreendermos a sua

influência na vida desta instituição. Assim, esta primeira parte justifica-se por nos permitir

identificar os pontos de continuidade e de cisão que ocorreram entre aquele período e o reinado

joanino, na igreja de Santa Maria de Guimarães.

Na segunda parte deste trabalho, que constitui o cerne da nossa dissertação, destacamos

o capítulo dedicado à comunidade eclesiástica vimaranense. Começamos por evidenciar as

funções exercidas por esta instituição que se refletiam no quotidiano da sua vida comunitária.

Neste contexto, exporemos a organização e estrutura do cabido nos cargos que constituem a sua

hierarquia, cujas funções demonstram a relevância de cada um dentro desse colégio. Aludiremos

ainda a outros clérigos e oficiais cujo apoio aos capitulares foi fundamental no exercício dos

ofícios litúrgicos e administrativos. Segue-se a caraterização do cabido de Guimarães no que

respeita ao estatuto social e cultural dos membros que o compõem, às suas origens geográficas,

bem como ao seu percurso eclesiástico e funções exercidas dentro do corpo capitular.

Também não poderíamos deixar de referir os efeitos da crise económica e monetária que

se instalou em Portugal neste período e que teriam estado na origem da alteração do corpo

capitular de Guimarães. Sendo a colegiada uma instituição situada na diocese de Braga

entendemos dever referir na nossa dissertação a sua relação com o arcebispo de Braga, de quem

dependia do ponto de vista eclesiástico, embora esta seja uma das temáticas que muito tem sido

analisada na historiografia.

Por fim, estudamos a relação do rei da Boa Memória com a “sua” igreja de Santa Maria de

Guimarães. Para isso, importa compreender a relevância da vila de Guimarães no contexto da

crise política, a intervenção da Senhora da Oliveira na batalha de Aljubarrota e, finalmente, a

gratidão do monarca consubstanciada nas doações e privilégios outorgados à igreja de

Guimarães.

Procedemos também à recolha de informação em várias fontes, reunindo elementos de

caráter biográfico relativos a cada indivíduo (priores, dignidades e capitulares) de modo a

construir notícias biográficas que colocamos em Apêndice. Para além da documentação

pertencente ao cartório da colegiada de Guimarães por nós selecionada, incluímos a recolhida

em outros fundos, nomeadamente na Chancelaria Régia e Arquivo do Vaticano (bulas e súplicas),

e construímos uma base de dados de forma a facilitar quer a recolha quer a utilização das

informações selecionadas.

Page 14: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

11

Quanto à metodologia adotada, na primeira parte, para além de alguns documentos,

procedemos à sistematização da bibliografia apresentada tentando contextualizar os factos nos

acontecimentos religiosos, políticos, económicos e sociais da época. Na segunda parte, a partir

das fontes compulsadas, construímos uma base de dados que nos permitiu a aplicação do

método prosopográfico, através do qual nos foi possível selecionar, dentro do universo dos

capitulares que passaram pela igreja de Santa Maria no reinado joanino, o conjunto de

indivíduos que correspondiam a uma determinada caraterística e verificar a respetiva dimensão

nesse universo.

Na abordagem que fizemos à colegiada de Guimarães, do ponto de vista institucional e do

estudo da sua comunidade clerical, fizemos coincidir alguns pontos da nossa investigação com os

de outros trabalhos dedicados às instituições diocesanas e a outras colegiadas. De facto, sempre

que possível, recorremos a outros estudos sobre instituições seculares no intuito de uma

comparação de resultados que pudesse ser reveladora do perfil desta instituição.

Das várias dificuldades que sentimos ao longo deste trabalho destacamos a seleção do

corpus documental a utilizar. Deparamo-nos com um elevado número de documentos,

correspondentes à cronologia em estudo e maioritariamente relacionados com a gestão do

património. A seleção de um conjunto menor, mais apropriado a uma dissertação de Mestrado,

pareceu-nos tarefa difícil pois poderíamos deixar de lado alguns atos com informações

relevantes. Assim, decidimos trabalhar um significativo número de documentos, retirando destes

apenas as informações pertinentes para o nosso estudo.

Apesar desta instituição ser geralmente designada, na maioria dos estudos, por colegiada

de Nossa Senhora da Oliveira optamos por nomeá-la apenas como “igreja de Santa Maria”, no

intuito de nos mantermos fiéis às fontes compulsadas, ou por “colegiada de Guimarães”.

Fontes e Historiografia

1 - Fontes

As vicissitudes da nossa História conduziram à fragmentação do vasto espólio

documental1 do antigo Mosteiro de S. Salvador e de Santa Maria e da sua sucedânea, a Colegiada

1 Sobre o fundo documental da Colegiada de Guimarães, veja-se: FERREIRA, Maria da Conceição Falcão – Guimarães: ‘duas vilas, um só povo’. Estudo de História Urbana (1250-1389). Braga: Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais, 2010. ISBN 978-989-96779-0-6. pp. 78-87; FERREIRA, Maria da Conceição Falcão – Memórias da Idade Média, no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta – Guimarães. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 2001, II série, vol. III, pp. 13-27; RAMOS, Cláudia Maria Novais Toriz da Silva - O Mosteiro e a Colegiada de Guimarães (ca. 950-1250). Porto, 1991, vol. 1. Dissertação de Mestrado

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12

de Santa Maria de Guimarães, encontrando-se aquele atualmente dividido por três instituições

arquivísticas: o Arquivo Nacional da Torre do Tombo2, o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta e o

Arquivo da Universidade de Coimbra3.

No Arquivo Nacional encontra-se depositada a maior parte da documentação daquelas

instituições num total de quatro mil duzentos e três diplomas4, organizados por Documentos

Régios, Documentos Eclesiásticos e Documentos Particulares, e ainda vários livros e rolos5.

Em Guimarães, relativamente ao período medieval, reside no Arquivo Municipal Alfredo

Pimenta6 um conjunto de 412 pergaminhos que aí permaneceram após a passagem por essa

cidade de Augusto Soromenho, em 18637. Tal conjunto é designado por Pergaminhos da

Colegiada, cobrindo o arco temporal de 10 de março de 961 a 11 de outubro de 16278. No

mesmo arquivo existem três códices, designados na lombada por Nota Antiga, num total de dez

livros que, na sua generalidade, são constituídos por contratos de emprazamento9, e ainda os

assim designados Livros da Fazenda, constituídos por um conjunto de treze livros até finais do

século XV10. Neles se encerra um minucioso registo dos bens e rendas da colegiada, assim como

apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 7-46; DIAS, Geraldo J. A. Coelho – Vicissitudes da Colegiada de Guimarães e o seu tesouro documental. Gil Vicente Revista de Cultura e Atualidades. Guimarães: Editor [s. n.], 1992, pp. 43-56 e MEIRELES, Maria José Marinho de Queirós – Roteiro do fundo documental da Colegiada de Guimarães. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 1993, II série, vol. I, pp. 37-48. 2 Acerca das razões que conduziram à incorporação na Torre do Tombo do acervo documental da colegiada vimaranense, veja-se: GUIMARÃES, João Gomes de Oliveira – Catálogo dos pergaminhos existentes no archivo da Insigne e Real Collegiada de Guimarães. O Archeologo Português. Lisboa: Imprensa Nacional, 1904, vol. IX, pp. 81-86 e OLIVEIRA, Manuel Alves de –A resistência à incorporação do Arquivo da Real Colegiada de Guimarães na Torre do Tombo. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 1963, vol. XXIII, pp. 1-26. 3 Sobre a presença de documentos vimaranenses neste arquivo veja-se: PIMENTA, Alfredo – Para a História do Arquivo Municipal de Guimarães. Boletim de Trabalhos Históricos. Guimarães: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 1943, vol. VIII, pp. 97-100. 4 GUIMARÃES - Catálogo dos pergaminhos, 1904, vol. IX, pp. 84-85. 5 Acessível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=1380776. [Consultado em: 2020-09-06]. 6 Ao longo do nosso trabalho será referido como AMAP. 7 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 81, nota 239 e GUIMARÃES - Catálogo dos pergaminhos, 1904, vol. IX, p. 86. 8 Acessível através de: https://archeevo.amap.pt/details?id=121575. [Consultado em: 2020-09-06]. Este núcleo documental foi sumariado por João Oliveira Guimarães (Abade de Tagilde) na revista O Archeologo Português: GUIMARÃES - Catálogo dos pergaminhos, 1904, vol. IX, pp. 81-98; 1905, vol. X, pp. 126-138, pp. 208-224 e pp. 354-358; 1906, vol. XI, pp. 93-108 e pp. 219-229; 1907, vol. XII, pp. 79-81 e pp. 355-362; 1908, vol. XIII, pp. 119-138 e pp. 284-299. A leitura destes sumários permite-nos verificar que se trata de diplomas de tipologia variada encontrando-se, contudo, um número significativo de contratos de locação que pertencem aos clérigos coreiros da colegiada de Guimarães e à Confraria do Serviço de Santa Maria de Guimarães. 9 Estes diplomas estão sumariados em: GUIMARÃES, João Gomes de Oliveira – Arquivo da Collegiada de Guimarães. Revista de Guimarães. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento, 1905, vol. XXII, pp. 135-152; 1906, vol. XXIII, pp. 5-17 e pp. 133-142; 1907, vol. XXIV, pp. 5-21 e pp. 133-144; 1908, vol. XXV, pp. 5-29, pp. 75-89 e pp. 162-177; 1909, vol. XXVI, pp. 24-40; 1910, vol. XXVII, pp. 5-29 e pp. 97-136; 1911, vol. XXVIII, pp. 17-64 e pp. 106-148; 1912, vol. XXIX, pp. 3-36, pp. 49-78 e pp. 116-135. Em alguns casos estes documentos são idênticos a diplomas residentes na Torre do Tombo. 10 A série Fazenda do Cabido da Colegiada do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta é composta por 53 livros, abarcando o período compreendido entre 1440 e 1778.

Page 16: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

13

a sua localização e o nome dos seus foreiros e rendeiros para o período compreendido entre

1440 e 148211. Ambos, juntamente com a documentação avulsa referida, constituem fontes de

natureza económica com elevado potencial para o estudo patrimonial e sociológico da colegiada

de Santa Maria.

O núcleo documental que foi levado para o Arquivo da Universidade de Coimbra é

constituído por cinquenta e cinco pergaminhos e cinquenta e sete originais e cópias em papel12.

A maioria destes documentos são de proveniência régia e eclesiástica e situam-se entre 26 de

janeiro de 959 e 22 de abril de 184213.

Alguns dos documentos do antigo mosteiro de Mumadona e os mais antigos da canónica

vimaranense já se encontram publicados nos Documentos Medievais Portugueses14, nos

Portugaliae Monumenta Historica15 e nos Vimaranis Monumenta Historica16. Cláudia Ramos, no

2º volume da sua dissertação de Mestrado dedicada a estas instituições, apresenta a publicação

de documentos anteriores a 1250 e, na grande maioria, inéditos17. A recente publicação do Livro

de Mumadona Dias, na sua edição crítica, cujos diplomas são datados entre [ 873-910] e 1115

constitui, sem dúvida, uma excelente fonte para o estudo do mosteiro de Guimarães que

antecedeu a colegiada18.

11 MARQUES, José - A Arquidiocese de Braga no séc. XV. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1988, p. 536; MARQUES, José - Património e rendas da Colegiada de Guimarães em 1442. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, p. 214. Conceição Falcão Ferreira refere um total de quinze livros para o período entre 1375 e 1520 (FERREIRA - Memórias da Idade Média, pp. 17-21; FERREIRA - Guimarães: duas vilas, pp. 82-87 e FERREIRA - Uma rua de elite na Guimarães medieval (1376/1520). Guimarães: Câmara Municipal, 1989, p. 6, nota 1). 12 RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, pp. 8-9. 13 Esta documentação encontra-se inventariada em: COSTA, Avelino Jesus da – Documentos da Colegiada de Guimarães. Revista Portuguesa de História. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1947, tomo III, pp. 563-589. Uma breve descrição deste conjunto documental encontra-se em: http://pesquisa.auc.uc.pt/details?id=129569. [Consultado em: 2020-09-06]. 14 Documentos Medievais Portugueses. Documentos Particulares. Ed. de Rui Pinto de Azevedo. Lisboa: Academia Portuguesa da História, vol. III, 1940 e vol. IV, 1980 e Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios. Ed. de Rui Pinto de Azevedo. Documentos dos condes portugalenses e de D. Afonso Henriques, A. D. 1095-1185. Lisboa: Academia Portuguesa da História, vol. 1, tomo I, 1958-1961. 15 Portugaliae Monumenta Historica. A saeculo octavo post Christum usque ad quintumdecimum, Diplomata et Chartae. Lisboa: Academia das Ciências,1867, vol. I. 16 Vimaranis Monumenta Historica. A saeculo nono post Christum usque ad vicesimum. Ed. J. G. Oliveira Guimarães. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, Parte I, 2ª ed., 1941 e Parte II, 1929 (passaremos a referir esta obra por VMH). Esta coletânea documental, publicada entre 1929 e 1931, tem como objetivo a recolha de documentos para a história de Guimarães. No entanto, esta interceta obrigatoriamente a das instituições em estudo, contendo um significativo número de documentos do mosteiro e da colegiada de Guimarães. 17 RAMOS - O Mosteiro, vol. 2. 18 Portugaliae Monumenta Historica. A Saeculo Octavo post Christum usque ad Quintumdecimum, Diplomata et Chartae. Livro de Mumadona - Cartulário do Mosteiro de Guimarães. Lisboa: Academia das Ciências, 2016. ISBN 978-989-8647-77-1. (Ao longo do nosso trabalho iremos referir esta obra apenas por LM).

Page 17: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

14

Apresentada assim, de uma forma muito sumária, a documentação da canónica

vimaranense para o período medieval, passaremos a uma abordagem do corpus documental por

nós selecionado. Tratando-se de uma dissertação de Mestrado, com os objetivos e âmbito

cronológico atrás delineados, o núcleo documental que decidimos analisar restringe-se apenas a

uma parte do residente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, nomeadamente dos designados

por Documentos Régios, Documentos Eclesiásticos e Documentos Particulares. Julgamos que, por

intermédio desta seleção, poderemos dar resposta às questões que colocamos em torno da vida

desta instituição.

Começando pela análise dos Documentos Particulares, dos quais compulsamos um total

de 424 originais, divididos por dez maços19, constatamos que 111, ou seja, 26%, não se referem à

canónica vimaranense. Destes, 21 são provenientes do mosteiro de S. Gens de Montelongo e 24

do mosteiro de S. Torcato, totalizando 10,6% dos atos analisados. A presença da documentação

destas instituições no cartório vimaranense resulta da extinção daquelas, em 1474, pelo Papa

Sixto IV, que as uniu à colegiada em estudo20. A estes, acrescem 66 atos que consistem em

contratos de compra e venda de bens entre particulares. Este conjunto detém cerca de 15,6%

dos documentos selecionados21. Assim, uma vez que aquelas instituições foram inseridas fora da

cronologia por nós definida, e os restantes diplomas não têm qualquer referência à canónica

vimaranense, excluímo-los da nossa investigação.

Quanto aos restantes 313 pergaminhos, excluímos ainda 15 atos cujo estado de

conservação não nos permitiu a sua leitura assim como os que se encontram fora da nossa

cronologia. Resulta, pois, um total de 298 documentos considerados na nossa investigação, que

se referem essencialmente à gestão patrimonial, nos quais encontramos uma significativa

variação da tipologia: contratos de emprazamento, doações, posses, sentenças, renúncias,

escambos, de disposição de últimas vontades, administração, mistos e outros.

O gráfico nº 1 (em Apêndice) apresenta o respetivo volume de diplomas para cada

tipologia documental22. Da sua análise concluímos que não se verifica uma supremacia evidente

de qualquer tipologia, já que o valor máximo atingido é de 25% notando-se, contudo, uma

19 Analisamos desde o maço nº 38 (a partir apenas do documento TT-CSMOG-DP38-11, datado de 13 de fevereiro de 1385) até ao maço nº 47 (até ao documento TT-CSMOG-DP47-18, de 3 de outubro de 1433). 20 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 737. 21 Cláudia Ramos refere na sua investigação que este tipo documental é o mais numeroso. Apresenta ainda algumas razões para a presença no seu arquivo de documentos sem qualquer laço com a colegiada (RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, pp. 34-36). 22 Os dados aqui registados indicam o número de documentos e não o de pergaminhos. No caso deste conter mais que um ato jurídico foi por nós individualizado e contabilizado como tal.

Page 18: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

15

preponderância dos contratos de emprazamento23 e das doações que, juntos, perfazem quase

50% da totalidade dos documentos.

No grupo designado por “outros”, que atinge 5% da documentação, incluímos um

conjunto de atos de tipologia variada cujo número se reduz a dois ou três exemplares de cada

tipo, não sendo possível a sua análise individual. Assim, esta designação refere-se a diplomas

relacionados com privilégios e sentenças régios, missivas, procurações e requerimentos. Ao

conjunto das sentenças acrescentamos ainda os acordos, dado tratarem-se de atos resultantes

de litígios, que constituem 10% do total dos diplomas. Os atos designados por posses perfazem

10% dos diplomas analisados. O conjunto dos testamentos e das cláusulas testamentárias, ou

seja, os documentos de disposição de últimas vontades, resultam em 10% da documentação. Os

contratos mistos, escambos e renúncias têm valores pouco significativos (entre 4% e 6%). O

grupo dos documentos referidos como atos de administração do cabido, apesar de constituírem

apenas 4% do total dos documentos considerados, revestiu-se de grande importância para o

nosso estudo pois contém aqueles diplomas que estão relacionados com o funcionamento da

instituição do ponto de vista eclesiástico24.

Às informações recolhidas nos Documentos Particulares acrescentamos as contidas nos

sumários dos documentos pertencentes aos códices designados por Nota Antiga, publicados por

João Oliveira Guimarães na Revista de Guimarães25, num total de 420, dos quais apenas

consideramos 408 pois 12 deles são idênticos a outros pertencentes aos já referidos Documentos

Particulares. Desta análise resulta o gráfico nº 2 (em Apêndice), do qual concluímos que nestes

livros se encontram registados sobretudo contratos de emprazamento. Só esta tipologia contém

84% do total dos atos. Todas as outras têm um valor residual. Quanto aos documentos de

disposição de últimas vontades e aos relativos à administração do cabido existem apenas dois

em cada grupo que, no cômputo geral, não adquirem qualquer valor percentual. Nesta fonte, o

conjunto dos atos designado por sentenças é constituído apenas por diplomas de assignação,

composição, transação amigável e anuência, não existindo qualquer sentença propriamente dita.

Do estudo de conjunto das duas fontes resultam a tabela nº 1 e o gráfico nº 3 (em

Apêndice). A sua análise permite verificar que mais de metade dos diplomas são constituídos por

23 Neste conjunto incluímos os aforamentos, os arrendamentos e subemprazamentos. 24 É o caso do provimento de reitores para as igrejas anexas, da atribuição de benefícios pertencentes ao cabido, da posse de canonicatos e dos relacionados com o processo de redução de conezias. 25 GUIMARÃES - Arquivo da Collegiada, 1910, vol. XXVII, pp. 13-29 e pp. 97-136; 1911, vol. XXVIII, pp. 17-64 e pp. 106-148; 1912, vol. XXIX, pp. 5-15. Ao longo do nosso trabalho optamos por citar a fonte manuscrita em vez dos referidos resumos: AMAP-NA-liv. , fl..

Page 19: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

16

contratos de locação26, num total de 418, ou seja, em média, 8,7 contratos por ano durante o

período em estudo.

Estes contratos de emprazamento consistiam na cedência por parte do proprietário,

neste caso, o cabido de Guimarães, do domínio útil do imóvel a outrem – foreiro, rendeiro ou

enfiteuta -, que se comprometia ao pagamento de uma renda durante um período de tempo,

definido geralmente em número de vidas. Todos estes atos se realizaram dentro da canónica

vimaranense, nas respetivas reuniões capitulares27, deles resultando instrumentos públicos

redigidos pelo tabelião régio, em Guimarães28. Nestes documentos, como proprietário surge-nos

o cabido, com a enumeração dos nomes dos cónegos presentes na reunião capitular, geralmente

encabeçados pelo chantre e/ou tesoureiro29. Segue-se a identificação do enfiteuta que, além do

nome, pode incluir outras referências: profissão, filiação, local de morada. No caso do foreiro

casado, surge a identificação da mulher, ausente na maioria das vezes. A generalidade dos

emprazamentos tinha como duração o correspondente a três vidas, ou seja, na vida de três

pessoas. Referia-se à pessoa do marido e/ou mulher e a algum filho(a) de ambos ou a qualquer

pessoa que o viúvo(a) nomeasse. No caso de eclesiásticos, competia a este nomear a segunda e a

esta a terceira. Registamos, no entanto, contratos de locação cuja duração se restringia à vida do

enfiteuta, como aconteceu no emprazamento das dízimas de uma igreja anexa à mesa do cabido

de Guimarães. A renda era paga anualmente, geralmente em três destes momentos, Páscoa, S.

João Batista, S. Miguel de setembro ou Natal, e maioritariamente em moeda antiga. Os

documentos terminam com a enumeração das testemunhas, constituídas por familiares e

criados dos capitulares e outros leigos (tabeliães, sapateiros, etc.) e clérigos, nomeadamente

coreiros da canónica vimaranense.

Alguns destes contratos de emprazamento acabavam por ser rescindidos devido à

desistência por parte do enfiteuta de os manter – a renúncia. Este cancelamento poderia ser

feito sem nenhuma justificação30 embora surgissem justificações convincentes como a velhice e

a falta de recursos para o cumprimento do estipulado no contrato. Em muitos casos, a esta

renúncia seguia-se um novo prazo ficando este lavrado, por vezes, no mesmo documento, pelo

26 Todos os contratos se referem ao património adstrito à mesa capitular. Há apenas dois prazos que são realizados pelos priores Diogo Álvares (TT-CSMOG-DP40-23) e Luís Vasques da Cunha (TT-CSMOG-DP43-29). 27 Em alguns casos, devido a situações de embargo da Igreja de Santa Maria, as reuniões capitulares ocorreram na igreja de S. Paio, em Guimarães (Por exemplo: TT-CSMOG-DP43-10 e AMAP-NA-liv. 6, fl. 16). 28 Ao longo da nossa cronologia os tabeliães que surgem a lavrar os atos da colegiada vimaranense são: Vasco Martins, Vasco Gonçalves, Gonçalo Martins, Vasco Afonso, João Anes e Nicolau de Freitas. 29 Excetuando algumas situações em que a expressão que surge é apenas “cabido” (ex: TT-CSMOG-DP40-17 e TT-CSMOG-DP43-18). 30 TT-CSMOG-DP40-22 e TT-CSMOG-DP40-24.

Page 20: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

17

que os designamos por mistos. Para o período em estudo, temos um total de 30 documentos

desta tipologia. Se a estes acrescentarmos as renúncias teremos 47 atos, ou seja, 6,6% do total

dos diplomas. Este valor revela que a canónica de Guimarães durante o período em estudo não

chega a ter uma renúncia em cada ano, o que evidencia a estabilidade dos contratos e

consequentemente das suas rendas.

No que concerne às doações, que constituem a forma mais significativa de ingressos na

mesa capitular, poderiam ser de propriedades, rústicas ou urbanas, ou de censos, que se

traduziam num valor pecuniário, anual, perpétuo, imposto sobre um determinado imóvel. Para a

cronologia em estudo, a colegiada de Guimarães contou com 80 doações, o que perfaz 1,7

doações ao ano. Para além destes atos, a canónica de Guimarães viu o seu património alargar-se

através dos documentos de últimas vontades31. Assim, os diplomas relativos a novas entradas na

canónica correspondem a 15,9 % da totalidade documental.

Estes dois últimos tipos de atos jurídicos (doações e disposições de últimas vontades)

implicam a aceitação por parte do destinatário, neste caso do cabido de Guimarães. Daí resulta a

existência de diplomas designados por posses e que em alguns casos se seguem ao da doação ou

ao de últimas vontades, utilizando o mesmo suporte físico. Para o nosso estudo contamos com

39 atos desta tipologia, isto é, 6%.

No caso das sentenças (que correspondem a 6% dos diplomas), salientamos que elas

traduzem não só as proferidas pelos juízes vimaranenses mas também as sentenciadas na sé de

Braga, pelo Vigário Geral em representação do Arcebispo32, e uma sentenciada pelo prior do

mosteiro de Santa Marinha da Costa, D. Gil Domingues33. Nas audiências, os capitulares

vimaranenses faziam-se representar pelo seu procurador, que poderia ser um capitular ou um

leigo. Geralmente estas contendas eram protagonizadas entre o cabido vimaranense e leigos por

questões relacionadas com a gestão do património da colegiada de Guimarães. Detetamos,

contudo, duas que estão relacionadas com o cumprimento de privilégios outorgados pelo

monarca34. Neste conjunto incluímos também os atos resultantes de situações de litigância em

31 A pública forma de cláusula testamentária era passada a pedido do cabido da fração do testamento do doador que se referia aos bens deixados aos capitulares vimaranenses, na presença de um juiz que “lhe dava a sua autoridade”. No caso dos testamentos estes incluem a totalidade das vontades do testador, ou seja, incluem, para além do cabido de Guimarães, outros beneficiados. Damos o exemplo do testamento do cónego João Gonçalves de Oliveira (TT-CSMOG-DP46-26) do qual o cabido vimaranense pediu a respetiva pública forma de cláusula testamentária (TT-CSMOG-DP46-27). 32 A razão pela qual o cabido de Guimarães recorria a esta instância prende-se com o facto de a colegiada estar na diocese de Braga. Só depois é que há recurso ao braço secular. 33 A contenda é entre o cabido de Guimarães e os fregueses da igreja de S. João de Ponte, por causa do conserto dos sinos e do campanário (TT-CSMOG-DP41-15). 34 TT-CSMOG-DP42-07 e TT-CSMOG-DP45-14.

Page 21: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

18

que o cabido de Guimarães era uma das partes e cuja resolução se fez sem a presença de um

juiz, através de acordos.

Os escambos eram contratos que tinham como motivo subjacente a melhoria do

património da colegiada. A sua realização não contribuía diretamente para o aumento da

propriedade uma vez que não traduzia mecanismos de aquisição mas de permuta de imóveis. No

entanto, deveriam acarretar mais valias para o cabido. Todos os escambos são estabelecidos

com particulares à exceção do que é feito com o Concelho35. O cabido de Guimarães realizou, no

período em estudo, 21 escambos que se traduziram em cerca de 3% da totalidade da

documentação por nós analisada.

Quanto aos documentos que estão relacionados com a administração desta instituição,

como já referimos, apesar do seu reduzido número, cerca de 2%, revestiram-se da maior

importância para a nossa investigação. Neles foi-nos possível recolher algumas informações para

o estudo da estrutura da comunidade canonical.

Uma vez que a nossa cronologia se estende por um arco temporal de quarenta e oito

anos, achamos pertinente a análise por períodos de cinco anos uma vez que nos permite

observar a evolução dos atos efetuados pela colegiada de Guimarães. Obtivemos assim a tabela

nº 2 (vd. Apêndice). Da sua observação registamos que os prazos e as doações são as tipologias

que registam algumas oscilações que o gráfico nº 4 poderá mostrar com maior evidência. Da sua

análise podemos reter que não é visível nestas fontes o tão falado aumento das doações à

Senhora da Oliveira como seria expectável após a romagem e as doações régias. O primeiro

aumento ocorreu a partir de 1410 mas o mais significativo só se regista entre 1425 e o final do

período abrangido. Nestes últimos oito anos encontram-se cerca de 50% das doações efetuadas

para o total do arco cronológico36. Quanto aos prazos, verificamos dois momentos de quebra

acentuada: entre 1395-1400 e, mais tarde, entre 1415-1420, ambos seguidos de uma franca

recuperação. Não recolhemos dados concretos que nos permitam compreender de forma

rigorosa o que terá motivado estas oscilações. Contudo, existem dois fatores que terão

certamente influenciado a realização destes contratos: na promoção do seu incremento,

mediante as isenções concedidas por D. João I aos rendeiros e moradores nas propriedades da

canónica vimaranense, o que as tornava mais apetecíveis contribuindo, portanto, para o

35 TT-CSMOG-DP43-20. 36 Para este aumento contribuíram 10 doações feitas em Braga nos anos de 1428 e 1429. José Marques, usando outra fonte, verifica também um incremento significativo das doações no período entre 1421 e 1440 (MARQUES - A Arquidiocese de Braga, pp. 524-525).

Page 22: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

19

aumento da sua procura; no sentido inverso, a partir dos efeitos da crise monetária e financeira

que ocorreu ao longo de todo o reinado joanino resultando numa instabilidade condicionadora

da realização destes contratos37.

Sendo também nosso objetivo, no presente trabalho, o estudo da relação da colegiada de

Santa Maria de Guimarães com o poder régio percorremos os já referidos Documentos Régios.

Para o reinado joanino analisamos um total de 31 diplomas, dos quais 17 são originais e 14 são

traslados.

Quanto aos Documentos Eclesiásticos, estes são na sua maioria provenientes da Cúria

Pontifícia e referentes aos papados de Martinho V e Eugénio IV. Existem, contudo, vários

diplomas provenientes da chancelaria arquiepiscopal e da própria colegiada de Guimarães. É

principalmente sobre estes últimos que incide a nossa análise, nomeadamente no que se refere

a informações acerca do funcionamento da instituição.

No Arquivo Nacional existe ainda um livro, designado por Estatutos Antigos da Colegiada,

constituído por vinte e quatro fólios. Porém, apenas dezassete estão escritos. Estes estatutos

foram publicados a 21 de março de 149638. Deste livro existe ainda uma cópia cuja publicação é

de 158539. Estes estatutos constituíram uma das bases principais do nosso estudo já que nos

permitiram conhecer as normativas pelas quais se pautavam os clérigos de Santa Maria de

Guimarães.

Com o objetivo de acrescentar mais informações ao nosso trabalho analisamos alguns

atos residentes no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, designados por Pergaminhos da

Colegiada e selecionados a partir dos sumários da autoria do Abade de Tagilde, João Gomes de

Oliveira, publicados na revista O Archeologo Português40.

Ao conjunto de documentos aqui referido, e que constitui a base do nosso trabalho,

acrescentamos ainda alguns que, saindo da cronologia considerada, nos permitiram, por vezes,

colmatar algumas lacunas assim como complementar as informações recolhidas. A sua seleção

baseou-se apenas nos sumários apresentados pelo Arquivo da Torre do Tombo.

Quanto às fontes publicadas, salientamos, para além das Chancelarias Régias, a Crónica

de D. João I, de Fernão Lopes41, cuja leitura se revestiu da maior importância para a abordagem

37 MARQUES, A. H. Oliveira – A Moeda. In SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. Oliveira (dir.) – Nova História de Portugal. vol. IV. MARQUES, A. H. Oliveira - Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa: Ed. Presença, 1987, pp. 209-211. 38 TT-CSMOG-L6. 39 TT-CSMOG-L7. 40 Destes, 13 referem-se ao Mosteiro de S. Torcato, 1 ao Mosteiro de S. Gens de Montelongo, 8 relativos a atos de particulares, 21 da Confraria de Serviço da Senhora da Oliveira e 20 dos clérigos coreiros. 41 LOPES, Fernão – Crónica D. João I. Porto: Livraria Civilização, 1945-1949, vol. II.

Page 23: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

20

da relação deste monarca com a vila de Guimarães e da sua colegiada, permitindo-nos o

conhecimento dos factos mais relevantes da chamada crise de 1383-1385.

2 - Historiografia

A historiografia42 sobre as colegiadas portuguesas inicia-se com obras de caráter

generalista e de abrangência nacional, tais como: História da Igreja em Portugal, de Fortunato de

Almeida43, e História da Administração Pública, de Henrique da Gama Barros44, nas quais a

Colegiada de Guimarães é das instituições que possui maior destaque.

As comemorações dos 850 anos da Batalha de S. Mamede (1128-1978) motivaram a

realização de um congresso, Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, ao qual outro se

seguiu, versando a História local, constituindo as respetivas atas uma referência bibliográfica

para o estudo desta instituição45. Porém, foi na década de oitenta do século XX que começaram

a surgir as primeiras monografias sobre colegiadas portuguesas. Ana Maria S. A. Rodrigues

iniciou o estudo destas instituições eclesiásticas com a sua investigação sobre a Colegiada de S.

Pedro de Torres Vedras46 à qual acrescenta mais estudos sobre outras colegiadas torrienses47. Na

mesma década, José Marques, no seu trabalho A Arquidiocese de Braga no século XV, traz ao

conhecimento alguns aspetos relevantes das colegiadas dessa arquidiocese, no capítulo a elas

dedicado, atribuindo especial relevância às colegiadas de Santa Maria de Guimarães e de Santa

Maria de Barcelos48. Este investigador realizou, um pouco mais tarde, um estudo sobre a

Colegiada de Santa Maria de Abade do Neiva e respetivo hospital, fundada por D. Dinis49.

42 Ao longo do nosso trabalho, após a primeira citação de uma obra passaremos a referi-la apenas de forma abreviada. 43 ALMEIDA, Fortunato de - História da Igreja em Portugal. Nova ed. preparada e dirigida por Damião Peres. Porto: Portucalense/Civilização, 1967, vol. I, pp. 102-103 e pp. 303-304. 44 BARROS, Henrique da Gama - História da Administração Pública nos séculos XII a XV. Lisboa: Sá da Costa, 1934, vol. II, pp. 72-76. 45 Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, 5 volumes e Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães e Universidade do Minho, 1996, 7 volumes. 46 RODRIGUES, Ana Maria S. A. – La Collègialle de São Pedro de Torres Vedras (fin XIIIᶱ-XVᶱ siècles) - Étude Economique et Sociale. Paris: Université de Paris IV-Sorbone, 1981. 47 RODRIGUES, Ana Maria S. A. – As colegiadas de Torres Vedras nos séculos XIV e XV. Didaskalia. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1985. ISSN 0253-1674. vol. 15/2, pp. 369-436; RODRIGUES, Ana Maria S. A. - Espaços, gente e sociedade no oeste. Estudos sobre Torres Vedras Medieval. Cascais: Patrimonia Historica, 1996. ISBN 972-744-014-2. Estes estudos contemplam as colegiadas torrienses de S. Pedro, Santa Maria do Castelo, S. Tiago e S. Miguel. 48 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 479-525. 49 MARQUES, José – A colegiada e o hospital de Santa Maria de Abade de Neiva, nos séculos XIV e XV. Revista de Barcelos. Barcelos: [ed. s. n.], II série, 1993, vol. IV, pp. 5-31.

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21

Na década seguinte surgem dois trabalhos que dão a conhecer a história das duas

colegiadas de maior importância no Portugal medieval. Referimo-nos aos trabalhos de Cláudia

Ramos50 e de Maria de Fátima Botão51. Ambos os estudos abordam estas instituições, desde a

sua origem até meados do século XIII no primeiro caso, e até finais do século XIV no segundo,

aquando da sua inserção na Ordem de Avis por D. João I, em 1394. Estes estudos permitem-nos

conhecer estas colegiadas do ponto de vista institucional, na constituição dos seus quadros

humanos e também na formação do seu património. Ainda nesta década, surge o trabalho de

Maria Inês Marques sobre a colegiada de S. Martinho de Sintra52. Cláudia Ramos dedica-se a

mais um estudo das colegiadas nortenhas, neste caso à Colegiada de S. Bartolomeu de S. Gens de

Montelongo, apresentado no II Congresso de Guimarães53.

Seguiu-se, então, um conjunto de investigações centradas principalmente nas igrejas

colegiadas de Coimbra e de Lisboa. Da primeira destacamos as colegiadas de S. Cristóvão54, de S.

Bartolomeu55, de S. Pedro56 e de Santa Justa57. Sobre as colegiadas olisiponenses salientamos as

investigações dedicadas às de Santa Cruz do Castelo58, de S. Lourenço 59 e de Santo Estevão de

Alfama60. Os trabalhos referentes às duas primeiras permitem-nos conhecer a relação destas

colegiadas com os seus patronos e as capelas aí instituídas. O último assenta sobre o património

da colegiada, à semelhança do que acontece com a maioria dos trabalhos sobre estas instituições

50 RAMOS – O Mosteiro, 2 vols. 51 BOTÃO, Maria de Fátima – Poder e Influência de uma Igreja Medieval. A Colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém. Cascais: Patrimonia Historica, 1998. ISBN 9727-4403 12. 52 MARQUES, Maria Inês Gonçalves – A Colegiada de S. Martinho de Sintra nos Séculos XIV e XV. Património e Gestão. Lisboa, 1997. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 53 RAMOS, Cláudia Maria Toriz da Silva – O Mosteiro e a Colegiada de S. Bartolomeu de S. Gens de Montelongo (1117-1250): património e laços patronais. In 2º Congresso Histórico. Actas do Congresso de Guimarães. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 1996, vol. 5: Sociedade e Administração, Cultura e Igreja em Portugal, pp. 363-368. 54 MATOS, João da Cunha – A Colegiada de São Cristóvão de Coimbra (sécs. XII e XIII). Tomar, 1998. Trabalho apresentado em provas de aptidão pedagógica ao Instituto Politécnico de Tomar. 55 GUARDADO, Maria Cristina Gonçalves – A Colegiada de S. Bartolomeu de Coimbra em Tempos Medievais. (Das origens ao início do século XV). Coimbra, 2000. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 56 VARANDAS, Carla Patrícia Rana – A Colegiada de S. Pedro de Coimbra das origens ao fim do século XIV. Estudo económico e social. Coimbra, 1999. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 57 CAMPOS. Maria Amélia Álvaro de – Santa Justa de Coimbra na Idade Média: o espaço urbano, religioso e sócio-económico. Coimbra, 2012, 2 vols. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 58 MARTINS, Fernando Carlos Rodrigues – A Colegiada de Santa Cruz do Castelo e a Capela de D. Isabel de Sousa. Porto, 1996. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 59 SILVA, Gonçalo Miguel Correia Melo da – Espiritualidade e poder na Lisboa dos finais da Idade Média: a Colegiada de S. Lourenço e os seus patronos (1298-1515). Lisboa, 2012. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 60 SERRA, Joaquim António Felisberto Bastos – A Colegiada de Santo Estevão de Alfama de Lisboa nos finais da Idade Média. Os homens e a gestão da riqueza patrimonial. Cascais: Patrimonia Historica, 2003. ISBN 972-744-06-06.

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22

eclesiásticas. Consta-se, pois, que as dissertações de Mestrado têm constituído frequentemente

uma fonte para o conhecimento destas instituições61.

Versando a nossa investigação sobre a maior colegiada portuguesa, cujas caraterísticas

muito se assemelham às dos cabidos diocesanos, recorremos também aos trabalhos sobre estas

instituições, dos quais destacamos os realizados sobre o cabido bracarense62.

Quanto ao Mosteiro de Guimarães e à sua Colegiada, desde há muito que os historiadores

locais, e não só, lhes prestaram tributo dando ensejo a alguns dos seus trabalhos63. Uma vez que

não podemos dissociar o estudo desta instituição do conhecimento da história da vila

vimaranense, os trabalhos de Conceição Falcão Ferreira sobre este burgo revestiram-se de uma

importância relevante para a nossa investigação64. As duas publicações vimaranenses, Revista de

Guimarães e Boletim de Trabalhos Históricos, têm prestado ao longo de muitas décadas um forte

61 Além dos trabalhos já apresentados acrescentamos os seguintes: BOTO, Sofia Pedroso Correia de Matos - A colegiada de S. Julião de Frielas. A organização do seu património fundiário no século XIV. Lisboa, 2011. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; CORREIA, Maria João Pereira – O património urbano do Cabido da Colegiada de Guimarães no século XV. Propriedade, rendas e enfiteutas. Braga, 2016. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. 62 MARQUES - A Arquidiocese de Braga; CUNHA, Maria Cristina Almeida e – A Chancelaria Arquiepiscopal de Braga (1071-1244). A Coruña: Editorial Toxosoutos, 2005. ISBN 84-96259-49-8; LIMA, Maria Justiniana Pinheiro Maciel – O Cabido de Braga no tempo de D. Dinis (1278-1325). Cascais: Patrimonia Historica, 2003. ISBN 972-744-058-4; LIMA, Maria Justiniana Pinheiro Maciel – Os arcebispos e o cabido de Braga: uma relação controversa nos finais do século XIII. Lusitania Sacra. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2001-2002. ISSN 0076-1508. 2ª série, vol. 13-14, pp. 59-73; RODRIGUES, Ana Maria S. A., RIBEIRO, João Carlos Taveira, COSTA, Maria Antonieta Moreira e Lima, MACIEL, Maria Justiniana Pinheiro – Os capitulares bracarenses (1245-1374): Notícias biográficas. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, CEHR, 2005; COSTA, Maria Antonieta Moreira da – Os cónegos da Sé de Braga e a Sociedade Local (1245-1278). Lusitania Sacra. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2001-2002. ISSN 0076-1508. 2ª série, vol. 13-14, pp. 41-58; COSTA, Maria Antonieta Moreira da – Nepotismo e Poder na Arquidiocese de Braga. Lusitania Sacra. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa. ISSN 0076-1508. 2002, 2ª série, vol. 17, pp. 117-140. Para além dos trabalhos referentes ao cabido bracarense, consideramos ainda: VILAR, Hermínia Vasconcelos – As dimensões de um poder. A diocese de Évora na Idade Média. Lisboa: Estampa, 1999; SARAIVA, Anísio Miguel de Sousa – A Sé de Lamego na Primeira Metade do Século XIV (1296-1349). Leiria: Magno, 2003. ISBN 972-8345-55-0; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – A Sé de Coimbra: a instituição e a chancelaria (1080-1318). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2010. ISBN 978-972-31-1350; FARELO, Mário – O cabido da Sé de Lisboa e os seus Cónegos (1277-1377). Lisboa, 1993. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 63 ESTAÇO, Gaspar – Várias antiguidades de Portugal. Lisboa, 1625; CRASBECK, F. Xavier da Serra – Catálogo dos abades de Guimarães, manuscrito existente no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, 1721; CALDAS, P. António José Ferreira – Guimarães. Apontamentos para a sua História. Guimarães: Câmara Municipal, reed., 1996. ISBN 972-8078-51-X; AZEVEDO, P. Torcato Peixoto de – Memórias ressuscitadas da Antiga Guimarães. Porto, 1845. 64 FERREIRA – Guimarães: duas vilas e FERREIRA - Uma rua de elite.

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contributo para a história de Guimarães e do seu Mosteiro e Colegiada65. Dos seus artigos

destacamos os de A. Almeida Fernandes66 e de Manuel Alves de Oliveira67.

Apesar de as fontes selecionadas na nossa heurística serem constituídas na sua maioria

por documentos relativos à gestão patrimonial, fomos extraindo informações que, conjugando

com os restantes atos, nos permitiram desenvolver a nossa investigação acerca da colegiada de

Guimarães. Por outro lado, a historiografia referida permitir-nos-á certamente reforçar a nossa

hermenêutica através tanto das similitudes como das diferenças encontradas nas diversas

instituições eclesiásticas seculares portuguesas.

Parte I

Das origens ao século XV

Capítulo 1 - O Mosteiro

A partir do reinado de Afonso III das Astúrias (866-911), verificou-se progressivamente a

afirmação da autoridade régia a sul do rio Minho. A presença dos seus delegados nesses

territórios garantiu a estabilidade e a organização necessárias ao desenvolvimento

socioeconómico, à colonização e povoamento, iniciando-se assim a sua organização social68. Para

este processo foi fundamental, para além da aristocracia condal, a ação do clero monástico e

mais tarde do diocesano69.

65 A Revista de Guimarães, da alçada da Sociedade Martins Sarmento, publica-se regularmente desde 1885 e o Boletim de Trabalhos Históricos, do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, desde 1933. Ambas as revistas ainda hoje se mantêm em publicação. (Ao longo deste trabalho, estas publicações serão referidas apenas por: RG e BTH, respetivamente). 66 FERNANDES, A. Almeida – Portugal no período vimaranense (868-1128). RG, 1970, vol. LXXX, pp. 319-360; 1971, vol. LXXXI, pp. 51-98 e pp. 217-354; 1972, vol. LXXXII, pp. 37-90 e pp 171-220. 67 OLIVEIRA, Manuel Alves de – História da Real Colegiada de Guimarães. BTH, 1975-1977, vol. XXVIII, pp. 109-232. 68 MATTOSO, José – Portugal no reino Asturiano-Leonês. In MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal. Vol. 1. Antes de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992. ISBN 972-42-0589-8. pp. 449-507 e pp. 531-542 e BEIRANTE, Maria Ângela – A “Reconquista” Cristã. In SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. Oliveira (Dir.) - Nova História de Portugal. vol. II. MARQUES, A. H. Oliveira (coord.) - Das Invasões Germânicas à “Reconquista”. Lisboa: Editorial Presença, 1993. ISBN 972-23-1719-9. pp. 257-277 e pp. 290-340. 69 Sobre este assunto veja-se: AMARAL, Luís Carlos – O povoamento da terra bracarense durante o século X. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2009, III série, vol. 10, pp. 113-127; AMARAL, Luís Carlos - Organização eclesiástica de Entre-Douro-e-Minho: o caso da diocese de Braga (sécs. IX-XII). In Del Cantábrico al Duero: Trece estudios sobre organización social del espacio en los siglos VIII a XIII. Cantabria: Universidad de Cantabria. Serie Universitaria, 1999, vol. 15, pp. 313-349; COSTA, Avelino de Jesus da - Povoamento e colonização do período vimaranense nos séculos IX a XI. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 3, pp. 135-196.

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Antes mesmo da restauração da diocese de Braga (1071), os mosteiros e as igrejas70,

para além de prestarem o necessário apoio espiritual às populações, converteram-se em núcleos

de confluência das mesmas em busca de proteção da alma e do corpo71. Assiste-se então a uma

proliferação destas instituições religiosas promovida pela aristocracia condal72.

A região vimaranense inseriu-se neste processo desde o tempo do conde Vímara Peres,

presor de Portucale (868). Por ser um ponto estratégico, este delegado régio fixou-se neste

território tornando-o sede do Condado Portucalense73. Esta região tornou-se particularmente

favorável à fixação de gentes devido à sua rede hidrográfica, como o rio Ave e seus afluentes

Selho e Vizela, e outros ribeiros, que tornava os solos férteis e produtivos74. Além disso, devemos

ter em conta as vias de comunicação, decalcadas das romanas, que tinham como ponto de

confluência S. João de Ponte, perto de Guimarães75. Todas estas condições contribuíram para

que esta região se revestisse de um elevado índice de povoamento bem como de uma forte

organização social e económica76.

Foi neste contexto de Reconquista e povoamento de uma região com excelentes

condições geográficas e vias de comunicação, e sob a influência da família condal, que surgiu o

mosteiro de Guimarães.

1 - A fundação

O mosteiro de Guimarães foi fundado pela condessa Mumadona Dias77, viúva do conde

Hermenegildo Mendes, por vontade expressa deste à hora da morte78. Nele se recolheu como

70 Por esta altura não havia distinção entre igrejas e mosteiros (MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 473 e AMARAL - Organização eclesiástica de Entre-Douro-e-Minho, p. 326). 71 AMARAL - Organização eclesiástica de Entre-Douro-e-Minho, p. 321. 72 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp. 474-475. 73 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 453 e p. 466. As escavações realizadas em 1979-1985 no mosteiro de Santa Marinha da Costa, freguesia da Costa, revelaram a existência de uma construção do tipo palaciana, do século X, que o Dr. Manuel Luís Real atribui à sede do condado portucalense (COSTA, Avelino de Jesus da – O Bispo D. Pedro e a organização da Arquidiocese de Braga. Braga: Irmandade de S. Bento da Porta Aberta, 1997, 2ª ed., refundida e ampliada. ISBN 972-95170-1-0. vol. 1, p. 134). 74 FERREIRA – Uma rua de elite, p. 9. 75 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Vias Medievais Entre Douro e Minho. Porto, 1968. Dissertação de Licenciatura em História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 40-43. 76 Para perceber a evolução do povoamento na diocese de Braga veja-se o quadro em: AMARAL - O povoamento da terra bracarense, p. 119. 77 MATTOSO, José – A nobreza medieval portuguesa. A família e o poder. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001. ISBN 972-42-2627-1. pp. 106-107. 78 Esta afirmação é feita pela própria Mumadona no documento de doação que fez ao cenóbio vimaranense (LM, doc. 1a, pp. 3-10; VMH, doc. IX, pp. 7-10 e DC 76).

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religiosa conversa e aí viveu até ao fim dos seus dias79. A data da sua fundação situa-se por volta

de 95080. A escritura de partilhas de bens feita entre D. Mumadona e seus filhos após a morte de

seu marido, em que sua filha Onega surge já como devota81, e ainda a doação do rei de Leão,

Ramiro II, ao mosteiro de Guimarães82, são as referências documentais para a datação deste

cenóbio.

A escolha do local recaiu sobre a vila Vimaranes83 que em partilhas ficou pertença de

Onega Mendes, tendo esta na altura a intenção de seguir a vida religiosa. No entanto, Onega

Mendes acaba por abandonar o mosteiro para se casar com Guterres Rodrigues84 regressando

mais tarde, já viúva, como sua domina85. Este lugar oferecia vantajosas condições à instalação do

cenóbio pela abundância de água e pelas elevações telúricas favoráveis à sua defesa86.

Vários foram os mosteiros fundados nesta altura pela aristocracia condal87. Esta nobreza,

detentora de vários domínios fundiários, instituía as comunidades monásticas nas suas próprias

terras e atribuía-lhes recursos que lhes garantissem a autonomia. As motivações destas

iniciativas não seriam apenas de natureza religiosa já que pretendiam sobretudo evidenciar o

prestígio e riqueza dos seus fundadores88. No caso da instituição em estudo, estava patente um

79 A. de Almeida Fernandes regista a data da sua morte entre 4 e 11 de dezembro de 968 (FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 233). 80 Sobre a datação da fundação do mosteiro de Guimarães veja-se: RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, pp. 48-51; MARQUES, José – O Mosteiro de Guimarães. BTH, 1990, vol. XLI, p. 7 e FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, pp. 55-57. 81 LM, Anexo 1, doc. I, pp. 194-196; VMH, doc. VI, pp. 5-6 e DC 61. Cláudia Ramos data este documento de 5 de agosto de 950, assim como A. Almeida Fernandes (RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, p. 50 e vol. 2, doc. 1, p. 7; FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 55). Por seu lado, Avelino de Jesus da Costa data-o de 24 de julho do mesmo ano (COSTA – Povoamento e colonização, p. 153 e COSTA - O Bispo D. Pedro, vol. 1, p. 138). A divergência resulta da interpretação de Nonas Kalendas como “nono das calendas” (LM, p. 194). 82 Doação do monarca leonês da vila de Mellares (LM, doc. 10, pp. 30-32; VMH, doc. V, pp. 4-5 e DC 36) e doação do mosteiro de S. João de Ponte (LM doc. 49, pp. 92-93; VMH, doc. VIII, pp. 6-7 e DC 71). Sobre a datação destes documentos veja-se: COSTA - Povoamento e colonização, p. 153, notas 65 e 67; COSTA - O Bispo D. Pedro, vol. 1, p. 139, notas 96 e 97 e LM, p. 145 e pp. 172-173. 83 A origem do topónimo Vimaranes remonta à época sueva (FERNANDES - Portugal no período vimaranense, vol. LXXX, 1970, pp. 332-335 e COSTA - O Bispo D. Pedro, vol. 1, p. 138). A vila Vimaranes pertencia ao conde Hermenegildo Mendes por herança de seu pai (FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 51). 84 MATTOSO - A nobreza medieval, p. 108. 85 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 55. 86 LARA, António de Sousa - Para uma análise sócio-geográfica do povoamento de Guimarães. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s/ ed.], 1981, vol. 3, p. 107. 87 É o caso do de Lavra, fundado pelo conde Mendo Gonçalves; os de Azevedo, Sanguedo e Avintes ,fundados por Gondesendo Eriz; o de Sá, pela condessa Ilduara Eriz, todos eles fundados no século X (MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 474). Além destes, surgiram também mais dois na Galiza que irão constituir os mais importantes centros monásticos dessa região: o Mosteiro de Celanova, fundado por S. Rosendo, e o de Santa Maria de Sobrado, fundado pelos condes de Présares, Hermenegildo e Paterna (AMARAL, Luís Carlos - O Mosteiro de Guimarães e a organização do território portucalense (séculos X-XI). In LM, p. XXII). 88 AMARAL - O Mosteiro de Guimarães, p. XXIII.

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elevado prestígio político resultante da ligação dos seus fundadores à monarquia leonesa. O

vasto património decorrente das amplas doações tornou-o igualmente influente ao nível

económico. No que se refere ao aspeto social, o cenóbio promoveu o povoamento e a

colonização deste território uma vez que em torno de si se foram fixando as gentes que mais

tarde deram origem ao burgo vimaranense. Além disso, os seus monges, devido à proximidade

com as populações, assumiram-se como um vetor de dinamização cultural.

Um dos momentos altos da vida deste cenóbio terá sido, sem dúvida, a sagração da sua

igreja, em 26 de janeiro de 959, que coincidiu com uma ampla doação da sua fundadora. A estes

atos estiveram presentes os seus filhos e outros familiares, seis bispos, entre eles S. Rosendo89, e

ainda outros clérigos, denotando a importância desta família e a do mosteiro recém-fundado90.

Os bens doados pela condessa Mumadona em testamento contemplam um vasto património em

terras, igrejas, mosteiros e bens móveis, que incluem servos, gado e ainda uma riquíssima

biblioteca, um conjunto de alfaias litúrgicas e outros ornamentos de grande valor, demonstrando

o elevado nível social, económico e intelectual da sua fundadora91.

Por esta altura acorriam à costa da Galiza os normandos gerando insegurança nestes

territórios92. O mosteiro recém-fundado, rico e poderoso, converteu-se num ponto suscetível de

atrair, para si e para toda a região, a cobiça dos gentios93. Para o defender, mandou a condessa

edificar o castelo de S. Mamede, a curta distância do mosteiro, no monte Latito, e as muralhas

que o circundavam94. O mosteiro e o castelo funcionaram como pólos agregadores de população

e agentes da organização do espaço. À volta destes dois núcleos, num crescendo contínuo, vai-se

fixando uma população que viria a constituir a génese da futura urbe vimaranense95.

89 S. Rosendo, figura da maior importância do monaquismo no espaço da Reconquista Cristã, mantém uma forte influência no cenóbio em estudo. Parente da condessa Mumadona, intervém na fundação do mosteiro e está presente nos principais atos relativos a este (MATTOSO – Religião e Cultura, p. 16). 90 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 85. 91 LM, doc. 1a, pp. 3-10; DC 76 e VMH, doc. IX, pp. 7-10. Mário Cardoso apresenta o rol das propriedades, dos livros da biblioteca e das alfaias litúrgicas doadas por Mumadona Dias ao seu mosteiro (CARDOSO, Mário – O testamento de Mumadona Dias, fundadora do mosteiro e castelo de Guimarães na segunda metade do século X. RG, 1967, vol. LXXVII, pp. 289-292). 92 Sobre este tema veja-se: PIRES, Hélio Fernandes Vitorino – Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): Fontes, História e Vestígios. Lisboa, 2012. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 93 Os gentios poderiam corresponder aos normandos, que assolavam a costa da Galiza, aos árabes, cujas incursões ao território cristão se mantinham, ou ainda a ambos (PIRES – Incursões Nórdicas, pp. 134-136; FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 88). 94 LM, doc. 1b, pp. 10-11; VMH, doc. XIV, pp.14-15; DC 97 e PIRES – Incursões Nórdicas, pp. 251-253. Os dois pólos ficarão separados durante séculos. Será apenas no reinado de D. João I que a muralha que os separa deixará de existir conduzindo à unificação do burgo vimaranense (FERREIRA – Uma rua de elite, p. 22, nota 71). 95 FERREIRA – Uma rua de elite, pp. 11-15.

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A ligação do cenóbio de Guimarães à família da sua fundadora manteve-se por mais de

um século96. À sua morte, surgiu como figura proeminente o seu filho, o conde Gonçalo Mendes

(950-997?)97. Na senda da sua progenitora fez, em 968 e 983, generosas doações ao mosteiro

por ela fundado98. Mandou ainda, na doação de 983, que os descendentes tomassem a seu cargo

a defesa do cenóbio99, evidenciando a continuidade da família junto deste. Após a sua morte, a

figura da família condal que se destacou foi Mumadona Dias (985?-1025) 100, neta da sua

fundadora, confirmante em vários documentos relativos ao cenóbio101. Seguiu-se a viúva do

conde Mendo Gonçalves (961-1008), a condessa Toda ou Tutadomna (1006-1022 a 1025)102, que

esteve presente em vários atos jurídicos envolvendo o mosteiro vimaranense entre 1014 e

1022103. Pedro Alvites (1025-1070)104 foi o único da linhagem dos condes portucalenses que

exerceu simultaneamente as funções abaciais e o estatuto de patrono105. No último quartel do

século XI, o mosteiro de Guimarães caiu num silêncio documental, período identificado como de

“decadência” que, como veremos, culminará na transformação do velho mosteiro na colegiada

de Guimarães.

2 - A instituição religiosa

2.1 - A regra

Mumadona Dias dedicou o seu mosteiro em honra de S. Salvador, da Virgem Maria e dos

Apóstolos106. Quanto à regra nele seguida, detetam-se na documentação vimaranense vestígios

das caraterísticas da observância frutuosiana expressas na Regula comunis. Assim, no mosteiro

de Guimarães é evidente a efetividade do pacto entre os membros da comunidade, a ligação a S.

Rosendo como bispo-abade, a utilização de vocábulos frutuosianos na Regra adotada, a

96 Segundo Cláudia Ramos, não há provas da passagem do direito de padroado da fundadora para a sua descendência. Esse direito poderá ter passado apenas a um elemento ou tornar-se extensivo a toda a família (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 53). 97 MATTOSO – A nobreza medieval, pp. 109-110. 98 A 4 de julho de 968, o conde Gonçalo Mendes doou, além de outros bens, a vila de Moreira (c. Fafe) (LM, doc. 67, pp. 124-127; VMH, doc. XV, pp. 15-17 e DC 99). Em 6 de julho de 983 voltou a fazer nova doação (LM, doc. 68, pp.128-133; DC 138; VMH, doc. XVII, pp. 17-20 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 6, pp. 9-13). 99 “Filiis quoque nostris saltim neptis aut trineptis uel suprinis seu prosapie nostre precipimus ut sint ipsorum monacorum ibidem regulari degentes ut sint illis amodum defensores et in eorum profestibus (sic) supradicte sancte ecclesie uel ibidem habitantibus scutum defensionis contra quolibet aduersantibus is in zelo” (LM, doc. 68, pp. 128-133 (citação na p. 130); DC 138; VMH, doc. XVII, pp. 17-20 e RAMOS - O Mosteiro, vol. 2, doc. 6, pp. 9-13). 100 MATTOSO - A nobreza medieval, p. 107. 101 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 54-55. 102 MATTOSO – A nobreza medieval, pp. 111-112. 103 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 55. 104 MATTOSO – A nobreza medieval, p. 84. 105 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 55-56. 106 LM, doc. 1a, pp. 3-10 (a citação encontra-se na p. 4); DC 76 e VMH, doc. IX, pp. 7- 10.

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existência de mosteiros que estavam sob a sua dependência, bem como o facto de ser um

mosteiro dúplice107. No entanto, refere José Mattoso, há dois pontos em que S. Rosendo se

afasta do espírito frutuosiano. No primeiro, faz a apologia de mosteiros ricos e poderosos,

contrariando a pobreza, a rudeza e o isolamento recomendados pela observância frutuosiana.

No segundo, difunde a necessidade da liturgia se pautar por rituais solenes108. Estas duas

tendências rosendianas estão presentes em Guimarães. A prová-lo, para além da forte ligação

aos poderes, está a elevada riqueza patenteada nos seus vastos domínios territoriais e na grande

solenidade e esplendor dos ofícios divinos. As alfaias litúrgicas, os paramentos e os livros de

canto e música doados pela sua fundadora109 provam que esses rituais se revestiam daquelas

duas caraterísticas.

Por outro lado, segundo o mesmo autor, detetam-se no monacato proposto por S.

Rosendo alguns traços de beneditismo, refletidos na vivência dos monges, em que a regra de S.

Bento não era apenas lida mas interiorizada no seu quotidiano110. Podemos constatar esta

situação no mosteiro de Guimarães, onde existiam os livros de ambas as regras, bem como dos

Diálogos de S. Gregório Magno, cuja principal referência é a vida de S. Bento, e que eram

igualmente lidos nos mosteiros rosendianos111. Assim, a reforma do monaquismo frutuosiano

protagonizada por S. Rosendo bem como a ligação deste ao cenóbio vimaranense levam-nos a

inferir que nele se terá verificado este movimento renovador, a par do que sucedeu também no

mosteiro de Celanova, na Galiza.

A presidir à comunidade monástica, neste caso feminina e masculina, encontrava-se o

abade. Este cargo era vitalício e coadjuvado pelo prior, ou prepositus, junto da comunidade

masculina, que era ainda constituída por presbíteros, diáconos e confessos. A comunidade

107 MATTOSO, José - Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002. ISBN 972-42-2685-9. pp. 11-20 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 56-62. 108 MATTOSO – Religião e Cultura, p. 32 e ROSA, Maria de Lurdes – A religião no século: vivências e devoções dos leigos. In Azevedo, Carlos Moreira, (dir.) – História Religiosa em Portugal. Vol. 1. JORGE, Ana Maria C. M. e RODRIGUES, Ana Maria S. A. (coord.) – Formação e Limites da Cristandade. Lisboa: Círculo de Leitores, 2000. ISBN 972-42-2277-2. p. 431. 109 No que se refere a livros de música temos três antifonários, dois saltérios, um comicus, um manual, um passionário oracional, um precum e um ordinum (LM, doc. 1a, pp. 3-10 (a lista dos livros encontra-se na p. 8) e GOMES, Saúl António – A religião dos clérigos: vivências espirituais, elaboração doutrinal e transmissão cultural. In História Religiosa em Portugal, vol. 1, p. 346). 110 MATTOSO – Religião e Cultura, p. 33. 111 MATTOSO – Religião e Cultura, p. 224. Mumadona Dias doou ao mosteiro de Guimarães dois códices regularum, em que um continha a regra de Pacómio, Ambrósio, Bento, Isidoro, Frutuoso e provavelmente Leandro. O outro as normas de Bento, Isidoro e Frutuoso (LM, doc. 1a, p. 3-10 (citação na p. 8); DC 76; VMH, doc. IX, pp. 7-10).

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feminina seria presidida por uma prioresa, cujas funções eram assumidas por uma conversa112.

Nesta comunidade existiam ainda as conversas, as devotas e as religiosas113.

Por esta altura não existia qualquer poder eclesiástico nesta região, dado que a diocese

de Braga ainda não tinha sido restaurada, o que veio a acontecer apenas em 1071. Assim, os

mosteiros terão, em muitos casos, exercido as funções de igreja paroquial, chamando a si os

filius ecclesiae que os circundavam114. Este terá sido também o papel do mosteiro de Guimarães.

A pregação, a administração dos sacramentos e os enterramentos dos seus fiéis conduziram à

abertura do cenóbio à população envolvente115.

2.2 - A cultura

Por esta altura era vulgar encontrar no conjunto das doações feitas aos mosteiros quer

pelos seus fundadores, quer por outros donatários, tanto livros como alfaias litúrgicas, objetos

considerados jóias preciosas que constituíam o thesaurum ecclesiae. Naturalmente, o mesmo

aconteceu no mosteiro vimaranense. Mumadona Dias, no seu testamento, contemplou o seu

cenóbio com uiginti libros ecclesiasticos116. À sua doação seguiram-se outras de igual natureza

aumentando sucessivamente e de forma substancial o seu património religioso. Gonçalo

Mendes, filho da referida condessa, na doação que fez a Guimarães, em 986, referiu a dádiva de

livros juntamente com cruzes, cálices, um queimador de incenso com o seu candelabro e outros

objetos de culto117.

A vida monástica, sobretudo aquela que se revestia de algum nível de erudição, como era

o caso deste cenóbio, requeria a leitura de vários tipos de obras desde a Bíblia, fonte de toda a

doutrina Cristã e da própria história da intervenção de Deus junto dos homens, às Regras

monásticas, cujo intuito era primordialmente normativo e disciplinar, contendo as regras a que

112 MARQUES - O Mosteiro de Guimarães, p. 11. 113 Sobre a comunidade vimaranense presente no mosteiro de Guimarães, consulte-se RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 62-84. 114 MATTOSO, José - Paróquia. I. Até ao século XVIII. In AZEVEDO, Carlos Moreira - Dicionário de História Religiosa em Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001. ISBN 972-42-2416-3. vol. 4, pp. 372-375 (doravante passaremos a referir esta obra apenas por: AZEVEDO (Dir.) - DHRP, vol. ) e RODRIGUES, Ana Maria S. A. – A Formação da rede paroquial no Portugal medievo. In Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeo Coelho Dias. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006. ISBN 972-8932-17-0. pp. 71-84. 115 FERREIRA – Uma rua de elite, pp. 13-14. 116 LM, doc. 1a, pp. 3-10 (citação p. 8); DC 76 e VMH, doc. IX, pp. 7-10. Foram ainda os casos de Châmoa Ausures, que em 1036 doou ao mosteiro de Guimarães a igreja de S. Salvador, os seus libros manual orationum et antiphonale e alfaias litúrgicas (LM, doc. 27, p. 53), do diácono Pedro Eriz, que em 1061 doou meia igreja de Santa Maria de Oliveira, também com seus libros officiales e alfaias litúrgicas (LM, doc. 28, p. 55) e de Fr. Trasmiro, que em 1008 doou 2/3 da igreja de S. Martinho de Fareja com libros multos et obtimos e alfaias litúrgicas (LM, doc. 66, p. 123). 117 LM, doc. 68, p. 130; DC 138; VMH, doc. XVII, pp. 17-20 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 6, pp. 9-13.

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os monges estavam sujeitos no seu quotidiano. Eram ainda importantes as hagiografias, pelos

exemplos que proporcionavam aos monges, e ainda outro tipo de livros, não menos importantes,

como os de caráter litúrgico, exegético, teológico e histórico. Da biblioteca de Guimarães

salientamos os escritos de S. Gregório Magno como o Moralia in Job e os seus Diálogos, obra em

quatro volumes, de caraterísticas hagiográficas na qual se inclui, no 2º volume, a vida de S. Bento

de Núrcia. Estas obras tornavam-se importantes quer na dimensão espiritual e ascética quer no

domínio da teologia, do direito canónico e da pastoral. Há ainda a contar com a Regula

Pastoralis, que se revestia de um significado disciplinar e institucional. Os escritos sobre as vidas

dos Padres do Deserto, Vitae Patrum Eremitarum, e sobre a vida dos primeiros cristãos egípcios,

o Gerontion, seriam usadas frequentemente pelos monges como leituras de enriquecimento da

vivência espiritual na solidão das suas celas, no claustro e também nos momentos de refeição.

Sendo o mosteiro de Guimarães dedicado à Virgem Maria, o tratado De virginitate Beatae

Mariae Virginis, de Leandro de Sevilha, ocuparia certamente lugar de destaque nas leituras dos

monges vimaranenses118.

Dado o conjunto de livros aí existente, quer ao nível quantitativo quer ao nível da

abrangência da respetiva tipologia, tudo leva a crer que a liturgia e o ofício coral da comunidade

monástica vimaranense deveriam ser de grande esplendor e solenidade.

Os monges de Guimarães necessitavam de aumentar os seus conhecimentos para além

dos escritos religiosos. Por essa razão a sua literacia era ainda alimentada por obras como a

Etymologiae, de Isidoro de Sevilha, uma espécie de enciclopédia que trata de assuntos como

gramática, retórica, aritmética, geografia, passando pela música, nomes de seitas, heresias e

outros assuntos119.

No documento de doação de Gonçalo Mendes, de 10 de dezembro de 968, há referência

a tuicionem pupillorum120. Esta alusão a alunos poderá ser entendida pela presença de meninos-

oblatos cuja instrução de latim e música teria como objetivo suprir as necessidades internas do

próprio mosteiro uma vez que eles desempenhavam funções primordiais nos ofícios divinos. Este

ensino seria vocacionado essencialmente para o serviço religioso, ao qual era acrescentado o

ensino da leitura e da escrita121. Neste mosteiro existia um scriptorium, onde os monges com

função de notários redigiam os documentos relativos à própria instituição, relacionados

118 MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 528-529. 119 MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp. 529-530. 120 LM, doc. 67, pp. 124-127 (citação na p. 126); DC 99 e VMH, doc. XV, pp. 15-17. 121 MATTOSO – Religião e Cultura, p. 212.

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31

fundamentalmente com a gestão do seu património122. A presença no acervo documental de

atos relativos a contratos estabelecidos entre particulares levanta a hipótese de estes também

serem aí lavrados. Assim, os “notários” de Guimarães teriam que possuir conhecimentos

jurídicos básicos de forma a garantirem os seus direitos para o futuro nos atos por si

registados123.

2.3 - A assistência

Como era frequente acontecer nesses tempos, os mosteiros exerciam também funções

assistenciais de acordo com o que eram os princípios espirituais da própria fé cristã. Aliás, a

missão caritativa de receber peregrinos e dar esmola aos pobres assumia-se como o cerne da

própria mensagem de Cristo encarnada no rosto daqueles que batiam à porta das casas

monásticas. Ainda em consonância com esta doutrina, a hospitalidade não deixava de constituir

um dever sagrado que aos homens de religião obrigava e consequentemente às casas e ordens a

que pertenciam124. Tanto a Regula communis de S. Frutuoso, observada no mosteiro

vimaranense, como a Regra de S. Bento, também com forte influência na sua comunidade,

ensinavam nos seus capítulos a maneira como devem ser tratados os pobres, os peregrinos e os

velhos, salientando que é na pessoa deles que se recebe a Cristo125. Assim, neste mosteiro, a

assistência àqueles que necessitavam de ajuda estava presente no seu viver.

A localização geográfica dos mosteiros era da maior importância já que a sua procura por

parte de peregrinos dependia dela. No caso do cenóbio em estudo esta era favorecida pela

proximidade de vias de comunicação importantes126 e, dada a sua riqueza, poderia, sem dúvida,

constituir-se como um importante centro de acolhimento de todos os que a ele chegassem

necessitados de assistência material ou espiritual.

A iniciativa assistencial destas instituições religiosas poderia partir muitas vezes de leigos,

com objetivos de remissão de pecados, para que através dela se cumprisse o munus da

caridade127. Esta iniciativa constituiu uma das premissas com que o mosteiro vimaranense foi

fundado. Mumadona Dias refere no seu testamento que o marido, o conde Hermenegildo

122 MATTOSO – Religião e Cultura, p. 230. 123 MATTOSO – Religião e Cultura, pp. 212-213. 124 COELHO, Maria Helena da Cruz - Os mosteiros medievais num tempo de hospedar e de caridade. Separata de

Cuadernos de Investigación del Monasterio de Santa María la Real. Palencia: Aguilar de Campó, Palencia Centro de

Estudios del Románico, 1992. ISSN 0214-896X. vol. 6, pp. 13-14. 125 MARQUES, José – A Assistência aos peregrinos, no norte de Portugal, na Idade Média. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1991, vol. 11, p. 17. 126 ALMEIDA – Vias Medievais Entre Douro e Minho, pp. 40-43. 127 COELHO – Os mosteiros medievais, p. 13.

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Gonçalves, “[…] omnibus presentibus ut omne quanta pars hereditatis nostre licentiam

distribuendi haberem in pauperibus et peregrinis uiduis et orphanis uel sanctorum ecclesiis”128. O

rei Ramiro II, na doação que fez a Mumadona Dias da vila de Mellares deixou bem vincada a

obrigação de “[…] ospitum <ad>uenientum peregrinorum et pauperum […]”129. Gonçalo Mendes,

na sua doação de 983, concedeu “[…] loco pro tegumentum omnium fratrum et sororum, aduene

et peregrini, egeni et pauperem que sub manu abbatis de Vimaranis fuerit tam ospitum

quemquam […]”130. Também Adosinda, em 10 de maio de 968, evidenciou a sua preocupação

com os pobres, enfermos e peregrinos131. Châmoa Rodrigues, sobrinha de Mumadona, mandou,

em 960, distribuir bens pelos mosteiros para a redenção dos cativos e para os peregrinos132.

Ainda mais tarde, a 18 de novembro de 1008, Gonta, confesso, doou ao mosteiro todos os bens

que possuía no território de Entre-Ambas-as-Aves, e que metade do seu rendimento fosse

destinado à função assistencial desta instituição133.

2.4 - O domínio patrimonial

Como já referimos, Mumadona Dias dotou o mosteiro por si fundado de um vasto

património fundiário cujo objetivo era garantir, a partir da sua exploração, o sustento da

comunidade monástica e de todos aqueles que, embora não fazendo parte dela, vivessem ao

seu serviço.

O prestígio da família patronal motivou ainda doações de outros aristocratas que se viam

assim integrados num núcleo de forte influência política, social e económica. As doações a este

cenóbio aumentaram significativamente após a sagração da sua igreja, em 26 de janeiro de 959,

que revestiu definitivamente a instituição de um caráter religioso. Esta sagração coincidiu com a

doação da fundadora, que contemplava como bens imóveis villae, herdades, soutos, pomares,

salinas, terras, igrejas, mosteiros e incomuniações134. No entanto, coube ao rei Ramiro II a

primeira doação feita, em 950, da vila Mellares135, do mosteiro de S. João de Ponte136 e de um

conjunto territorial situado entre o rio Ave e o rio Vizela: “Et ipse rex (Ramiro) ad misericordiam

128 LM, doc. 1a, pp. 3-10 (citação na p. 3); DC 76 e VMH, doc. IX, pp. 7-10. 129 LM, doc. 10, pp. 30-32 (citação na p. 31); DC 36 e VMH, doc. V, pp. 4-5. 130 LM, doc. 68, pp. 128-133 (citação na p. 131); DC 138; VMH, doc. XVII, pp.17-20 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 6, pp. 9-13. 131 LM, doc. 62, pp. 116-117 (referido na p. 117); DC 82 e VMH, doc. XII, pp. 12-13. 132 LM, doc. 3, pp. 16-19 (citação p. 17); DC 81 e VMH, doc. XI, pp. 11-12. 133 LM, doc. 7, pp. 25-27 (citação p. 26); DC 201 e VMH, doc. XXI, pp. 23-24. 134 LM, doc. 1a, pp. 3-10; DC 76 e VMH, doc. IX, pp. 7-10. Resumo dessas doações em: RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, quadro das doações ao mosteiro - figura nº 17, p. 112 e Anexo - mapa nº 1. 135 LM, doc.10, pp. 30-32; VMH, doc. V, pp. 4-5 e DC 36. 136 LM, doc. 49, pp. 92-93; VMH, doc. VIII, pp. 6-7 e DC 71.

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motus concessit ad ipso monasterio mandamentos de Aue in Auizella per testamentum sicut

[…]”137. Nestes territórios, o mosteiro de Guimarães exerceu o seu poder para além do domínio

útil das terras. O monarca concedeu-lhe também o domínio jurisdicional, passando o mosteiro a

exercer nestes territórios uma autoridade idêntica à dos próprios condes no seu condado138.

Mais tarde, Ordonho III (951-956) confirmou os bens doados por seu pai, Ramiro II, e

acrescentou ainda a vila Moraria139. O direito de jurisdição do cenóbio de Guimarães sobre

alguns dos seus territórios foi mais tarde contestado pelo rei Afonso V (999-1028). No entanto, o

julgamento realizado para inquirir deste direito acabou por confirmá-lo140. Assim, o cenóbio

vimaranense e a diocese de Compostela foram as únicas instituições eclesiásticas a usufruir desta

prerrogativa dos direitos jurisdicionais sobre territórios durante este período141.

As doações dos membros da família condal foram-se sucedendo, tornando evidente a

ligação destes com o “seu” cenóbio, engrandecendo o seu património e, consequentemente, a

sua influência. Foi o caso dos filhos da condessa Mumadona: Diogo Mendes, com a sua mulher

Aldonça, doou em 959 a vila de Fão142; Gonçalo Mendes fez, anos depois, as duas doações já

referidas. A primeira, em 963, da vila de Moreira, para aí se fundar um mosteiro que ficasse sob a

jurisdição do de Guimarães143, e em 983 um conjunto de vilas, incomuniações, igrejas, terras e

pomares144. Outros familiares se seguiram como Châmoa Rodrigues, sobrinha de Mumadona,

que em 960 doou um conjunto de vilas abrangendo a região de Braga até S. João da Pesqueira145.

Há que registar ainda a doação da vila de Silvares e das suas igrejas em 1043 por Mendo

Nunes146, filho de Nuno Alvites, e dux magnus, que governou o condado147. Adosinda Guterres,

esposa de Ramiro Mendes e nora da condessa Mumadona, fez doação em 961 de uma herdade

137 LM, doc. 46, pp. 85-89 (citação na p. 85); DC 223 e VMH, doc. XXIV, pp. 25-27. Acerca da localização geográfica destas terras, A. Almeida Fernandes faz uma análise detalhada (FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, pp. 58-60). Sobre a expressão mandamentos ver: FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 61, nota (1). 138 MATTOSO, José - Senhorios monásticos do norte de Portugal nos séculos XI-XIII. In A nobreza medieval portuguesa. A família e o poder. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001, 2ª ed.. ISBN 972-42-2627-1. pp. 201-202 e AMARAL – O Mosteiro de Guimarães, pp. XXIV-XXV. 139 LM, doc. 46, pp. 85-89 (citação na p. 86); DC 223 e VMH, doc. XXIV, pp. 25-27. 140 LM, doc. 46, pp. 85-89; DC 223; VMH, doc. XXIV, pp.25-27. Acerca deste documento: LM, p. XXV, nota 22. 141 MATTOSO - Senhorios monásticos, p. 201 e MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 501. 142 LM, doc. 54, pp. 102-104; DC 77 e VMH, doc. CCCXLI, pp. 421- 422. 143 LM, doc. 67, pp. 124-127; DC 99 e VMH, doc. XV, pp. 15-17. 144 LM, doc. 68, pp. 128-133; DC 138; VMH, doc. XVII, pp. 17-20 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 6, pp. 9-13. 145 LM. doc. 3, pp. 16-19; DC 81; VMH, doc. XI, pp. 11-12 e FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, pp. 87-88. 146 MATTOSO - A nobreza medieval, pp. 85-86. 147 LM, doc. 17, pp. 38-40; VMH, doc. LXXVI, pp. 75-76 e DC 330.

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em Vila Cova148. Também Mendo Folienz149 doou, em 1045, a vila de Tabuadelo com a igreja de

S. Cipriano e ainda a vila de Calvos150. Por fim, a última doação da linhagem condal data de 1058

e foi feita por Pedro Alvites, abade e confesso, e incluiu várias vilas, herdades, igrejas e outras

propriedades151. Além desta aristocracia mais rica e influente, o mosteiro também recebeu

outras doações nomeadamente de confessos, diáconos e presbíteros.

Desde a fundação do mosteiro as doações foram-se sucedendo ao longo de um século.

Verifica-se que há uma maior concentração desse tipo de atos nos primeiros tempos da sua

existência, cabendo a maior parte aos membros da linhagem de Mumadona Dias. Todas estas

doações contribuíram para aumentar o património fundiário do mosteiro tornando-se o mais

rico e prestigiado do Condado Portucalense152.

Tratando-se de uma instituição monástica, as motivações de tais atos estão relacionadas

com contrapartidas espirituais, principalmente com o sufrágio das almas153. Há, contudo,

doações com intenção de cariz mais material. É o caso daquelas que têm como objetivo o

sustento e a proteção até ao fim da vida154.

Não existindo à época qualquer poder diocesano, e sendo a rede paroquial muito

reduzida, as doações de mosteiros e igrejas ao cenóbio de Guimarães revestiam-se de alguma

importância para esta instituição porque, para além de aumentarem o seu domínio patrimonial,

contribuíam para o aumento da sua influência eclesiástica155. O património do cenóbio

vimaranense foi ainda alargado pelas compras efetuadas. Estas resumem-se a cinco atos. Com

exceção da primeira, datada de 953, e cujos bens se localizavam nos concelhos de Póvoa de

Varzim e Vila do Conde, as restantes referem-se a propriedades situadas no concelho de

Guimarães156. É apenas conhecido um escambo de 1103 pelo qual o mosteiro passou a possuir

uma herdade em Pousada de Caíde (f. Atães, c. Guimarães) entregando outra em Pombeiro (f.

Pombeiro de Riba Vizela, c. Felgueiras) 157.

148 LM, doc. 62, pp. 116-117; DC 82 e VMH, doc. XII, pp. 12-13. 149 MATTOSO - A nobreza medieval, p. 115. 150 LM, doc. 6, pp. 22-25; VMH, doc. XXXIII, pp. 34-36; DC 340. 151 LM, doc. 2, pp. 11-16; DC 407 e VMH, doc. XLII. 152 Para o conhecimento do rol das doações feitas ao mosteiro de Guimarães, veja-se: RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, quadro das doações ao mosteiro - figura nº 17, pp. 111-114. 153 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 122. Esta prática vai-se manter também na colegiada. 154 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 123. 155 AMARAL – O Mosteiro de Guimarães, p. XXIV e AMARAL - Organização eclesiástica de Entre-Douro-e-Minho, p. 327. 156 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, figura nº 19, p. 124. 157 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, figura nº 21, p. 132. Na mesma obra encontramos no mapa nº 2 a localização dos bens adquiridos pelo mosteiro.

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O poder e prestígio da instituição viram-se ainda reforçados com a carta de imunidade

outorgada pelo rei Fernando Magno em 20 de junho de 1049. Esta prerrogativa estendeu-se a

todas as villae e mandamentos situados entre os rios Ave e Vizela, bem como na terra de S.

Torcato158. O inventário mandado fazer por Fernando Magno, em 1059, permite-nos aferir da

extensão do património desta instituição, que ocupava uma área que ia desde o rio Minho, a

norte, e ultrapassava o Vouga, a sul. Contemplava centenas de villae e outros prédios rústicos,

dezenas de igrejas e mosteiros, vários castelos ao longo do rio Côa, incomuniações, salinas,

pousadas, várzeas, etc.159.

3 - O mosteiro, a família condal e o poder régio

Constituindo o mosteiro de Guimarães um dos símbolos do poder dos condes

portucalenses, é natural que tenha acompanhado a realidade política da época caraterizada por

períodos controversos e marcados por um jogo de forças em que a aristocracia condal era

agente, ora como apoiante ora como opositora.

A ligação do cenóbio vimaranense ao poder régio vigente assentava em em dois pilares:

por um lado, o da interferência desse poder sobre o património e a jurisdição exercida pelo

mosteiro nos seus territórios, por outro, o da ligação dos sucessivos monarcas à família patronal,

definida tanto pela relação parental/afetiva estabelecida entre os vários monarcas e os condes

portucalenses como pela situação política/beligerante existente nesse período. Contudo, como

viremos a constatar, estes dois tipos de ligação confundem-se frequentemente.

Por ter sido irmão de criação de Mumadona Dias160, Ramiro II terá estabelecido com a

condessa laços afetivos. Logo no início do seu reinado, em 926, doou ao casal Hermenegildo

Gonçalves e Mumadona Dias a vila de Creixomil (c. de Guimarães)161. Além disso, terá sido este

rei a entregar o governo do condado portucalense a Hermenegildo Gonçalves162. Mais tarde, em

158 LM, doc. 47, pp. 89-91; VMH, doc. XXXV, p. 36 e DC 372. José Mattoso contesta a autenticidade deste documento uma vez que nele Fernando Magno outorga a imunidade a todas as villae do mosteiro e o inventário por si mandado fazer anos mais tarde revela que essa imunidade se restringia apenas a algumas terras (MATTOSO – Senhorios monásticos, p. 202). 159 LM, doc. 45, pp. 71-85; DC 420; VMH, doc. XLV, pp. 45-52 e RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, pp. 147-149, mapa nº 4 e anexo (inventário de 1059). 160 O rei Ramiro II foi criado pelo conde Diogo Fernandes, pai de D. Mumadona (MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 536 e FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 52). 161 LM, doc. 9, pp. 29-30; VMH, doc. III, p. 1 e DC 31. 162 Segundo José Mattoso, este direito à sucessão como conde portucalense pode ter vindo do facto de D. Mumadona Dias, por via materna, ser neta de Lucídio Vimaranes, filho de Vímara Peres, presor de Portucale, já que seria filha de Onega Lucíades (MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp.536-537 e FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1970, vol. LXXX, pp. 324-325).

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950, participará diretamente na fundação deste cenóbio, “[...] quod edificauit Mummadomna

deouota arcisterium Vimaranes per iussione et consensum Ranimiri principis et testamentum

secundum lex canonica docet. Et ipse rex ad misericordiam motus concessit ad ipso monasterio

mandamentos de Aue in Auizella […]”163. Como referimos, as suas doações não se limitaram

apenas ao plano patrimonial já que lhes acrescentou outros poderes que constituíram os

chamados mandamentos.

Ramiro II terá ainda confiado a educação de seu filho, Ordonho Sanches, futuro Ordonho

III (951-956), aos condes portucalenses estabelecendo também este príncipe laços afetivos com

Mumadona Dias164. Assim, Ordonho III confirmou as doações feitas por seu pai à condessa e ao

seu mosteiro “[…] ereptus est in regno filii eius (Ranemiri) Ordonii principis et confirmavit ipso

testamento quos pater suus elegerat et fecit alios testamentos et confirmauit illos”. Doou ainda

ao cenóbio a vila Moraria (c. Fafe) pela alma do seu progenitor165 e a vila Castanheira (c.

Vizela)166 ao filho de Mumadona, Ramiro Mendes167. Gonçalo Mendes, outro filho da condessa,

teve um papel fundamental como conde portucalense na política leonesa. A sua ajuda,

conjuntamente com a de alguns galegos, permitiu a Ordonho III manter-se no trono leonês168.

Tal facto terá motivado a ascensão de Gonçalo Mendes no xadrez político dos reinos cristãos da

Península. Aquele monarca casou ilegitimamente com Elvira Pais169, filha do conde Paio Mendes

Betotes170, irmão de Hermenegildo Gonçalves. Desse matrimónio nasceu Bermudo Ordonhes,

que viria a ser Bermudo II (984-999), também criado pela família materna perto de Guimarães

ou, mais provavelmente, no mosteiro vimaranense171.

À morte de Ordonho III, em 956, iniciou-se uma crise política no reino leonês com a

subida ao trono de seu irmão, Sancho I. Contudo, o conde portucalense Gonçalo Mendes não o

reconheceu como monarca e este teve que o submeter pela força em 966. Após a morte de

163 LM, doc. 46, p. 85-89 (citação na página 85); DC 223 e VMH, doc. XXIV, pp. 24-27. 164 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 68. 165 LM, doc. 46, p. 85-89 (citação na p. 86); DC 223; VMH, doc. XXIV, p. 24-27 e FERNANDES– Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 68. 166 LM, doc. 50, pp. 93-95 e FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 68. 167 MATTOSO - A nobreza medieval, p. 107. 168 Pouco tempo depois da subida ao trono de Ordonho III, o seu irmão Sancho revoltou-se e teve como seus apoiantes os condes de Castela, de Coimbra e do Límia, ajudados pelo rei de Navarra. O conde de Coimbra, Gonçalo Moniz, terá mesmo invadido o território portucalense, tendo Gonçalo Mendes resistido em Guimarães (MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 537 e BEIRANTE – A “Reconquista” Cristã, pp. 260-261). 169 Ordonho III casou com a castelhana Urraca repudiando-a mais tarde para se unir a Elvira Pais (MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 537 e BEIRANTE – A “Reconquista” Cristã, p. 261). 170 MATTOSO - A nobreza medieval, pp. 89-90. 171 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 68.

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Sancho I172, Ramiro III (966-984) tornou-se o novo monarca, ao qual também se opôs o patrono

do cenóbio de Guimarães. Entretanto, Bermudo Sanches reclama para si o reino contando com o

apoio de Gonçalo Mendes e da família materna173. Por isso, Almeida Fernandes intitula-o de “o

rei que os portucalenses ergueram”174. À semelhança dos seus antecessores, Bermudo II

confirmou os bens por eles doados ao cenóbio vimaranense175. Alguns factos protagonizados por

Bermudo II conduziram, em 987 e 988, à tomada de Coimbra e ao saque da cidade de Leão pelos

árabes desencadeando um conflito entre este monarca e o conde Gonçalo Mendes. Contudo,

pouco tempo depois, as questões parecem ter sido ultrapassadas e o monarca nomeou-o seu

alferes176. Bermudo II casou com Velasquida, sobrinha do conde Gonçalo Mendes177, e desta

união nasceu o futuro Afonso V que, à semelhança da sua ascendência, estabeleceu fortes

ligações afetivas com a linhagem de Mumadona Dias178.

Em 997 morreu Gonçalo Mendes sucedendo-lhe seu filho, Mendo Gonçalves179, como dux

magnus do condado portucalense. Após a morte de Bermudo II dois anos depois, sucedeu-lhe

seu filho, Afonso V (999-1028), ainda menor, ficando sob a tutela do seu alferes, o conde Mendo

Gonçalves180. A ligação dos condes portucalenses ao monarca leonês é ainda reforçada pelo seu

casamento com Elvira Mendes, filha do conde Mendo Gonçalves181. Afonso V, após inquirir sobre

a legitimidade das doações feitas pelos seus antecessores ao cenóbio vimaranense, sentenciou

confirmando as mesmas182.

Não sendo nosso objetivo a abordagem dos factos políticos que envolveram o reino

leonês neste período, deixamos aqui apenas registados aqueles que de uma forma direta se

estabeleceram entre a monarquia, a família condal e, consequentemente, a instituição

monástica. Os vários matrimónios entre os monarcas leoneses e figuras femininas da linhagem

de Mumadona Dias, a educação de vários príncipes no mosteiro de Guimarães e, por fim, os

172 Sancho I morreu em Viseu, envenenado pelo conde portucalense ou pelo conde de Coimbra já que ambos se chamavam Gonçalo (MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 538 e BEIRANTE - História de Portugal, vol. II, p. 261). 173 MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 538. 174 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 230. 175 LM, doc. 46, pp. 85-89 (confirmação feita na p. 88); DC 223 e VMH, doc. XXIV, pp. 24-27. 176 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 539. 177 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 538. Almeida Fernandes afirma que o conde Gonçalo Mendes terá motivado este casamento (com o provável apoio de sua mãe, a condessa Mumadona) devido às suas ambições políticas (FERNANDES – Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, p. 236). 178 FERNANDES - Portugal no período vimaranense, 1971, vol. LXXXI, pp. 74-75. 179 MATTOSO - A nobreza medieval, p. 111. 180 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 539. 181 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 540. 182 LM, doc. 46, pp. 85-89; DC 223 e VMH 24, pp. 24-27.

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apoios dados aos sucessivos monarcas pelos condes portucalenses, Gonçalo Mendes e Mendo

Gonçalves, conduziram o cenóbio vimaranense a um elevado protagonismo no meio político,

económico e social no ocidente peninsular acompanhando, como é visível, o percurso da sua

família patronal.

Nos finais do século X começaram a verificar-se grandes modificações de ordem social

com o aparecimento de um novo grupo social - os infanções - que iria ascender à posição

privilegiada da aristocracia condal provocando profundas alterações na organização política e

administrativa desse território. O ponto de viragem nas relações entre a Coroa e aquela

aristocracia ocorreu com a chegada ao trono leonês de Fernando Magno, em 1037183.

Em relação ao cenóbio vimaranense, este monarca reforçou os seus privilégios através da

concessão de imunidade aos respetivos territórios, a 20 de junho de 1049184. Contudo, passados

dez anos, em 1059, mandou inquirir do seu poder fundiário tendo sido feito então um rol das

propriedades pertencentes a este cenóbio185. São desconhecidas as razões que terão levado

Fernando I a inventariar as propriedades deste mosteiro não se conhecendo qualquer efeito que,

em consequência, tivesse decorrido sobre esta instituição186.

Na conquista de Coimbra, em 1064, acompanham Fernando Magno, além da família real,

vários bispos, entre eles o de Celanova, o abade Pedro Alvites e o praepositus Pedro, ambos de

Guimarães187. A incursão ao ocidente da Península foi um sucesso e Fernando Magno entregou o

governo do território Entre Douro-e-Mondego a Sisnando Davides. Este casou com Loba Nunes,

filha de Nuno Mendes, conde portucalense188. A presença do abade do mosteiro vimaranense

em tão importante conquista, ao lado das mais prestigiadas figuras do reino, bem como o

casamento da filha do conde portucalense com aquele a quem o monarca confiou o governo do

território conquistado, levam-nos a inferir que, por esta altura, a importância do conde

portucalense e do cenóbio de Guimarães se mantinha apesar das alterações políticas e sociais já

referidas.

Após a morte do monarca, em 1065, o reino foi dividido pelos seus três filhos tocando o

território da Galiza e Portucale a Garcia189. A perda do poder político a favor da nova nobreza

183 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp. 557-560. 184 LM, doc. 47, pp. 89-91; DC 372 e VMH, doc. XXXV, p. 36. 185 LM, doc. 45, pp. 71-85; DC 420; VMH, doc. XLV, pp. 45-52 e RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, pp. 147-149, mapa nº 4 e anexo (inventário de 1059. 186 Cláudia Ramos avança com a hipótese de que esta “inquirição” tinha como objetivo de apurar o seu poder fundiário, para eventualmente o restringir (RAMOS – O Mosteiro, vol.1, pp. 83). 187 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 83 e MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 558. 188 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp. 558-560. 189 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 560.

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infancional emergente desencadeou a revolta do conde Nuno Mendes contra o seu rei. A batalha

de Pedroso, junto a Braga, em janeiro de 1071, terá sido o culminar desta revolta. Ajudado pelos

infanções, o monarca sai vencedor tendo o conde portucalense perecido nesta batalha. Morria

assim o último conde descendente da linhagem dos condes de Portucale190. Os seus bens são

incluídos no património da coroa leonesa-castelhana, desaparecendo desta forma o último

patrono do mosteiro de Guimarães191. Seguiu-se a restauração da diocese de Braga em abril do

mesmo ano que, segundo Luís Carlos Amaral, resultou da criação do reino da Galiza e do governo

de Garcia II tornando inevitável o desaparecimento do mosteiro de Guimarães192.

Por esta altura vai chegando à Península Ibérica o movimento clunicense, que teve por

parte de Afonso VI uma ampla receção e apoio. No condado portucalense os velhos mosteiros

vão adotando esta nova corrente monástica sob o patrocínio dos respetivos patronos193. Apesar

de, como atrás referimos, o cenóbio vimaranense ter já adotado um monacato reformador com

alguns contornos de beneditização, esta instituição não parece acompanhar estes novos

movimentos. Por outro lado, a partir da morte do seu último patrono, o conde Nuno Mendes,

não é possível conhecer a sua realidade dada a ausência de documentação. Contudo, sabe-se

que o abade Mendo se deslocou a Leão, à presença de Afonso VI, com o objetivo de salvaguardar

os direitos do cenóbio. O monarca confirmou dois documentos: um deles, de 1014, em que

Afonso V confirmava todas as concessões outorgadas pelos seus antecessores e outro, de 1049,

confirmando a carta de imunidade de Fernando I194. Tudo indicia o controlo régio sobre aquela

instituição monástica e, talvez, o interesse que o próprio mosteiro teria nesse controlo evitando

assim uma possível alçada da nobreza infancional sobre si. A ligação ao poder régio, estabelecida

ao longo do tempo através da família patronal, acabou por se concretizar de uma forma direta

após o desaparecimento desta.

Durante o reinado de Afonso VI, verificou-se uma significativa alteração política em torno

do território a sul do rio Minho. O condado portucalense estendeu-se até ao rio Mondego e D.

190 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 560. Segundo José Mattoso, nada parece restar dos descendentes dos condes de Portucale na região vimaranense no reinado de Afonso II (1211-1223). Põe, contudo, a hipótese de um Pedro Alvites, que faleceu nessa altura, ter alguma ligação a essa família (MATTOSO, José – As famílias nobres na região de Guimarães no século XIII. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 3, p. 321). 191 MATTOSO – Portugal no reino Asturiano-Leonês, pp. 560-561. 192 AMARAL – O Mosteiro de Guimarães, p. XXX. 193 São os casos dos mosteiros de Sto. Tirso, de Pendurada, de Paços de Sousa, de Tibães, do Pombeiro e de outros (MATTOSO - Portugal no reino Asturiano-Leonês, p. 551). 194 MARQUES, André Evangelista – O cartulário: construção e transmissão. In LM, p. XLVIII, nota 85.

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Henrique e D. Teresa assumiram o seu governo195. O foral de Guimarães196, concedido em 1096,

no início do governo condal, revela-nos um incentivo ao povoamento que, todavia, veio a

exercer-se numa vila já constituída por um núcleo populacional considerável e dotada de um

desenvolvimento organizacional e socioeconómico elevado197. O protagonismo do cenóbio foi

então substituído pelo dos moradores do burgo, não constando no referido foral qualquer alusão

ao mosteiro e aos seus monges198.

No início do século XII temos notícias do velho cenóbio num ato de escambo, datado de

11 de julho de 1103, em que surgem como outorgantes o mosteiro e os condes portucalenses, D.

Henrique e D. Teresa199. Noutro documento, de 1107, verifica-se que o cenóbio ainda existia uma

vez que Eita aparece como seu abade200. Porém, em 1110 já surge Pedro, chanceler do conde D.

Henrique, como Ecclesiae Vimaranensis Canonicus, o que indica a alteração da estrutura

eclesiástica em Guimarães201. A referência de D. Sancho I aos privilégios outorgados pelo conde

D. Henrique, seu avô202, num documento de confirmação à colegiada em 1196, reforça a ideia de

que esta instituição terá sido fundada na primeira década do século XII.

Seculariza-se, então, o velho mosteiro. A comunidade monástica dá lugar à comunidade

canonical. No entanto, mantêm-se o espaço, os valores espirituais, o esplendor da liturgia e a

vida comunitária. Onde antes oravam monges oram agora cónegos203. A produção do Livro de

Mumadona, nos finais do século XI ou inícios do século XII, levou André Evangelista a referir da

necessidade de matizar a narrativa da “decadência” após o desaparecimento dos seus patronos,

195 MATTOSO, José – Dois séculos de vicissitudes políticas. In MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal. Vol. 2. A Monarquia Feudal (1096-1480). Lisboa: Círculo de Leitores, 1992. ISBN 972-42-0636-X. p. 34. 196 TT-GAV-15-8-20. Publicado em: AZEVEDO, Rui - Documentos medievais portugueses. Documentos Régios: documentos dos condes portugaleses e de D. Afonso Henriques, A.D. 1095-1185, Tomo I, Lisboa: Academia Portuguesa da História,1958 – 1962, pp. 1-3; AZEVEDO, Rui Pinto de – O foral de Guimarães. Leitura paleográfica - RG, 1996, vol. CVI, pp. 16-33; NASCIMENTO, Augusto Aires do – O foral de Guimarães. Tradução. RG, 1996, vol. CVI, pp. 35-41; MARQUES, José – O foral de Guimarães. Apresentação. RG, 1996, vol. CVI, pp. 42-52. 197 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 106-113. 198 OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 134. 199 LM, doc. 48, p. 91-92 e VMH, doc. LXVI, pp. 69-70. 200 FERREIRA, Monsenhor José Augusto - Fastos episcopais da igreja primacial de Braga: (séc. III-séc. XX). Braga: Mitra Bracarense, 1928-1935, tomo I, p. 251 citando Liber Fidei, doc. nº 365 e doc. nº 633. 201 FERREIRA - Fastos episcopais, pp. 251-252. Não é claro o processo que levou à passagem do mosteiro a colegiada, em Guimarães. Por esta altura, o abade Eita aparece a confirmar doações: duas à Sé de Braga e uma doação régia. Só em 1147 é que surge o primeiro prior documentado, de nome Pedro Gonçalves, como confirmante numa doação régia (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 84-86 e pp. 96-97 e MARQUES – O Cartulário, p. XLIX, nota 86). 202 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 597, nota 177. 203 Várias são as colegiadas sucedâneas de mosteiros. A sucessão poderia ser imediata ou existir um hiato mais ou menos longo neste processo (MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 481 e ALMEIDA – História da Igreja em Portugal, p. 102).

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e a repensar a chamada “rutura” entre o mosteiro de Mumadona e a colegiada recém-fundada

de Santa Maria de Guimarães204.

Capítulo 2 - A colegiada de Guimarães entre os sécs. XII e XV

A colegiada de Guimarães, fundada nos inícios do século XII sob a égide dos condes

portucalenses, D. Henrique e D. Teresa, terá sido a primeira colegiada no território que viria a ser

o reino de Portugal205.

Esta instituição, em torno da qual se desenrolava o quotidiano vimaranense, acolhia uma

comunidade eclesiástica que, além de manter relações com os diferentes poderes, estabelecia

laços com a sociedade local tanto do ponto de vista religioso, proporcionando aos seus fiéis o

culto da sua fé, como do ponto de vista social e económico, com o objetivo de assegurar a sua

existência.

No capítulo que agora iniciamos, tentaremos salientar os principais factos que

envolveram esta instituição desde a sua fundação até aos inícios do reinado joanino.

1 - A instituição religiosa

De início, a vida comunitária secular não se regia por uma Regra particularmente

definida206. Em Guimarães, não é conhecido qualquer texto, normativa ou Regra pela qual a

vivência entre os seus clérigos se orientasse. Sabe-se, porém, que esta congregação vivia em

comunidade207 e era detentora de propriedade privada208. José Marques afirma que aquela terá

decalcado na sua vivência o modelo do recém-fundado cabido bracarense e ter-se-á orientado

204 MARQUES – O cartulário, p. LIII. 205 Fortunato de Almeida afirma que no século XII já existiam numerosas colegiadas em Portugal (ALMEIDA – História da Igreja em Portugal, pp. 102-103). No caso das colegiadas conimbricenses, verificamos que todas são posteriores à de Guimarães. Em relação à colegiada de S. Bartolomeu de Coimbra, embora não exista certeza quanto à sua instituição, Maria Cristina Guardado coloca como possibilidade ter sido a partir dos meados de undecentos (GUARDADO – A colegiada de S. Bartolomeu, pp. 28-33). A colegiada de Santa Justa de Coimbra apresenta a primeira referência a um prior em 1175 (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 418). A de S. Pedro de Almedina terá sido em 1139 (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 30, nota 45). 206 Hermínia Vilar afirma, acerca das normas dos cabidos seculares, que estas foram sendo definidas a partir de recomendações pontifícias e pela legislação interna de cada diocese expressa nos sínodos, constituições e estatutos (VILAR – As dimensões de um poder, pp. 111-112). 207 O acordo estabelecido entre o prior D. Diogo e o cabido vimaranense, referente à partição de bens, alude à existência de dependências indicadoras de vida comunitária como o refeitório e o dormitório (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 517). 208 Vários são os testamentos de capitulares vimaranenses que referem bens pessoais. A título de exemplo, temos a doação do cónego Estevão Pires de umas casas na rua do Sabugal aos clérigos coreiros (AMAP – Pergaminhos, 8-2-3-21) e do cónego João Eanes, que legou de censo meio maravedi ao cabido e outro meio aos clérigos coreiros (AMAP – Pergaminhos, 8-2-5-5).

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pelo cannon et regula Sancte Gregorii, que não seria propriamente uma Regra mas um ideal de

vida. Os cónegos de Guimarães terão tomado a mesma posição desse cabido, de não obediência

às normas impostas pelo II concílio lateranense (1139), que obrigava a votos solenes209.

Após esta primeira fase, vai-se assistindo à secularização dos cabidos adstritos às sés e às

colegiadas, ou seja, ao abandono da vida comunitária e de partilha dos bens patrimoniais e

respetivas rendas210. O património, até então comum, vai ser dividido em duas mesas: a

episcopal ou prioral, caso das sés ou das colegiadas respetivamente, e a capitular211,

constituindo-se então duas entidades jurídica e economicamente autónomas e independentes.

No caso da canónica vimaranense, esta vivência comunitária manteve-se por mais de um

século. A 15 de julho de 1223 foram constituídas essas duas mesas, com igual partição das

propriedades e rendas do património comum212, cada uma constituída por dois coutos, um

número significativo de igrejas, várias herdades e casais, alguns moinhos, devesas, vinhas e

searas, ou seja, património essencialmente rústico, estendendo-se pelo concelho de Guimarães e

pelos concelhos vizinhos. Quanto ao património urbano, ficaram destinadas algumas casas em

Guimarães e meia casa, no Porto e em Coimbra, para cada mesa213.

Ainda no século XIII, o cabido de Guimarães terá um texto, datado de 6 de agosto de

1229, após a visita do legado papal, cardeal bispo sabinense João d’Abbeville, explicitando a sua

estrutura e respetivas funções214. Assim, esta comunidade, que ficou sob a autoridade do prior,

209 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 517-518. 210 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 324. 211 Nem todas as colegiadas medievais portuguesas procederam à separação das respetivas mesas. Foi o caso da colegiada de Santa Justa de Coimbra, que manteve o património comum (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 179). Nas de Torres Vedras apenas há notícias da repartição de bens na colegiada de S. Pedro, em 1332, e na de S. Miguel, em 1387 (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 11). Na colegiada de S. Lourenço de Lisboa, sabe-se que a divisão das mesas terá ocorrido antes do rol das igrejas, elaborado entre 1320 e 1321 (SILVA – Espiritualidade e Poder na Lisboa, p. 19). Para a colegiada de S. Bartolomeu, data de 1201 a referência a prebendas o que leva a supor da existência de uma separação das mesas (GUARDADO – A colegiada de S. Bartolomeu, pp. 29-30). Porém, a primeira canónica a efetuar a partição dos seus bens foi a de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, em 1191 (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 61). 212 No caso da sé de Braga e na sé de Coimbra, a divisão dos bens foi feita atribuindo dois terços à mesa episcopal e apenas um terço à respetiva mesa capitular (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 324 e MORUJÃO – A Sé de Coimbra, p. 207). 213 TT-CSMOG-DE01-06; AMAP – Pergaminhos, 8-2-2-19 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 287, pp. 254-259. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 91-92. Para conhecimento dos bens adstritos a cada mesa veja-se: RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, mapa nº 7 e respetivo anexo - Divisão dos bens entre o prior e o cabido. 214 RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 320, pp. 292-294 e VMH, doc. CCXVII, pp. 200-201. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 93-94. José Marques refere que este documento é uma composição entre o arcebispo de Braga e a colegiada vimaranense e não constitui um texto estatutário, como tem sido por vezes referido (MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 520). É nesta centúria que maioritariamente estas instituições religiosas veem estabelecidas as suas normas e regulamentos. É o caso das Colegiadas de Coimbra, S. Cristóvão e Santa Justa, que datam do início de trezentos, no primeiro caso, e do final da mesma centúria, no segundo. (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 175).

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foi constituída por trinta capitulares e dez porcionários215. Dentro do grupo canonical teve lugar

uma estrutura hierarquizada em dignidades que desempenhavam funções específicas como a de

chantre e de tesoureiro216.

O texto de 1229 definia ainda um conjunto de normas disciplinares referentes ao ofício

litúrgico, que deveria seguir as orientações do chantre. Além disso, regulamentava a forma de

assistir aos referidos ofícios, bem como a assiduidade e o vestuário usado217. Neste diploma está

também patente a cura das almas, à semelhança do que acontecia no antigo mosteiro. A

colegiada de Guimarães desempenhou, pois, uma função paroquial218.

A partição acima referida, feita entre o prior D. Diogo e os capitulares, não terá, contudo,

terminado com a co-habitação dos membros da comunidade clerical219. Nesta divisão, o prior

ficou ainda com algumas obrigações. A referência à necessidade da manutenção de espaços

comunitários, como o refeitório, o dormitório, a adega, o celeiro, o capítulo e a via-sacra, é

indicadora de que a vida comunitária se manteve220. Contudo, terá acabado por deixar de existir

uma vez que muitos capitulares passaram a residir em habitações individuais nas proximidades

da colegiada. A referida partição de bens, embora pacífica, provocou no priorado seguinte alguns

momentos de conflitualidade entre ambas as partes. A questão foi levada até à Cúria Pontifícia

acabando por ser sanada com a intervenção do papa Gregório IX221. O prior e os cónegos de

Guimarães voltaram ainda, a 19 de novembro de 1373, à partição de bens que não foram

215 Não se conhece o número dos membros com que a comunidade vimaranense terá sido fundada. Sabe-se, contudo, que o cabido de Braga era inicialmente constituído por dez cónegos e em 1165 D. João Peculiar aumentou o seu número para quarenta (CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, pp. 89-90). 216 Sobre este assunto falaremos mais à frente neste trabalho. 217 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 93-94; RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 320, pp. 292-294 e VMH, doc. CCXVII, pp. 200-201. 218 Nas inquirições de 1220 só há referências à Igreja de Santa Maria como paroquial (VMH, doc. CXCIV, p. 152 referido em: FERREIRA – Uma rua de elite, p. 14, nota 37). 219 Segundo José Marques, a vida comunitária na sé de Braga prolongou-se para além da divisão do património sendo esta separação, mais uma consequência do II Concílio de Latrão (1139) do que da dificuldade na gestão do património (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 324). Também Cristina Cunha, na análise aos documentos da chancelaria refere a existência de um percurso gradual no que respeita à autonomia da mesa do arcebispo e da do cabido culminando apenas ao longo da primeira metade do século XIII (CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, pp. 91-92). 220 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 517; TT-CSMOG-DE1-6; AMAP – Pergaminhos, 8-2-2-19 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 287, pp. 254-259. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 91-92. 221 Além da conflitualidade entre o prior D. Paio e o cabido de Guimarães acerca da repartição dos bens e rendas, surge também alguma celeuma em virtude da atribuição de prebendas por parte do prior sem o acordo do cabido (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 101 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 313-316, pp. 286-289; doc. 324, pp. 298-299 e doc. 328, pp. 303-304).

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incluídos nas anteriores. O cabido cedeu também ao prior o “paaço do celeiro e adega, sitos na

crasta e que eram mais cumpridouros a este por ter outras casas junto d’elle”222.

1.1 - A escola capitular

Neste período, o clero era o grupo social detentor da cultura e da formação intelectual,

principalmente no domínio da escrita223. Impunha-se, portanto, a necessidade de o preparar

culturalmente, sobretudo para o exercício das funções litúrgicas e para a correta transmissão

doutrinal da fé cristã. Tal levou a que as normativas emanadas das reuniões conciliares

contemplassem orientações que fossem nesse sentido. Assim, o III Concílio de Latrão, realizado

em 1179, estipulava a necessidade da criação de uma escola em todas as catedrais, ou seja, a

existência de um mestre para a formação dos clérigos e dos alunos economicamente

desfavorecidos224. O IV Concílio lateranense, em 1215, reforçou esta normativa e estendeu-a às

igrejas colegiadas. Ao mestre-escola deveriam ser destinadas as rendas de um benefício a fim de

prover o seu sustento225.

Apesar destas diretivas conciliares, a instituição da escola na canónica vimaranense e a

respetiva dignidade de mestre-escola fizeram-se a partir do documento de 1229. A ela terá sido

anexada uma prebenda e, se necessário, mais catorze áureos anuais para provisão dessa

dignidade226. Fica, contudo, a dúvida sobre se antes desta data existiria aí, ou não, uma escola.

Cláudia Ramos admite essa possibilidade dada a atividade notarial aí realizada e a proximidade

desta instituição com o cabido bracarense227. Tudo indica que terá existido, pelo menos, um

222 AMAP-NA-liv. 2, fl. 12. 223 São vários os scriptoria de alguns mosteiros e catedrais onde monges e clérigos exerciam essa atividade (SANTOS, Maria José Azevedo – A evolução da língua e da escrita. In SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. Oliveira – Nova História de Portugal. vol. III. COELHO, Maria Helena da Cruz e HOMEM, Armando Luís Carvalho (coord.) - Portugal em definição de fronteiras (1096-1325): do Condado Portucalense à crise dos séculos XIV. Lisboa: Editorial Presença, 1996. ISBN 972-23-2039-4. pp. 622-624). Também é conhecida a presença de clérigos na chancelaria régia, nomeadamente os priores de Guimarães, como veremos mais à frente neste trabalho. 224 FOREVILLE, Raimonde – Latran I, II, III e Latran IV. In Histoire des Conciles Oecuméniques. Éditions de L’Orante, 1984, vol. 6, Latran III, cânone 18, p. 219. No entanto, em várias sés portuguesas a existência de escolas capitulares era já anterior a 1179 e a instituição de um mestre-escola terá acontecido pouco depois. Damos como exemplo a escola episcopal de Braga, que terá surgido nos primeiros tempos da sua restauração, em 1071. A dignidade de mestre-escola terá sido criada por D. João Peculiar, em 1148 (CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, p. 115). No caso de Coimbra, já no tempo de D. Paterno (1080-1087), existiria uma escola ligada à Sé. Contudo, o primeiro mestre-escola aparece em 1183 (MORUJÃO – A Sé de Coimbra, p. 224). Sobre as escolas episcopais de Braga, Coimbra e Lisboa veja-se: CAEIRO, F. da Gama – As escolas episcopais no primeiro século da nacionalidade portuguesa. In Dispersos. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2000. ISBN 972-27-1003-6. vol. III, pp. 25-65. 225 FOREVILLE - Latran I, II, III e Latran IV. Latran IV, cânone 11, p. 353. 226 RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 320, pp. 292-294 e VMH, doc. CCXVII, pp. 200-201. 227 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 103-104. Também Sousa Costa refere a existência de um mestre de Gramática a partir de 1228 (COSTA, António Domingues de Sousa - Escolas episcopais e paroquiais. In SERRÃO, Joel (Dir.) - Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1985, vol. II, p. 419).

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scriptorium onde “os seus notários” lavravam os documentos a ela referentes e alguns atos de

particulares. No entanto, tal não traduz a existência de uma escola no verdadeiro sentido da

palavra228.

A importância da escola em Guimarães é reforçada por uma carta de D. Dinis, datada de 1

de maio de 1291, aludindo ao já referido documento de João d’Abbeville, de 1229, que

determinava a existência de um mestre-escola na colegiada de Guimarães com a atribuição de

uma prebenda completa229.

Não nos é possível conhecer a evolução da escola capitular e da respetiva dignidade de

mestre-escola na canónica vimaranense até ao reinado de D. João I230. Contudo, vai ser nesse

período que, de novo, se falará da necessidade de dotar esta instituição dessa dignidade

anexando-lhe um benefício, o que nos leva a concluir que, por algum motivo, ela terá deixado de

existir.

No que respeita às colegiadas portuguesas, estas escolas terão funcionado apenas em

duas: na colegiada vimaranense e na colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém231. A

colegiada de Santa Maria de Barcelos, fundada já num período mais tardio, século XV, viria a ter

também esta dignidade232. As restantes colegiadas medievais portuguesas encontravam-se

implantadas maioritariamente em Lisboa e Coimbra, onde a existência de catedrais, com as suas

escolas, invalidou a necessidade de outras nesses núcleos233.

228 CUNHA, Maria Cristina Almeida – Fórmulas e formulários: os documentos da colegiada de Guimarães (1128-1219). In 2º Congresso Histórico. Actas do Congresso de Guimarães- D. Afonso Henriques e a sua época. Sociedade, administração, cultura e igreja em Portugal no século XII, Volume 4, p. 176. Na documentação vimaranense surgem, em 1211, donnus Stephanus magister scolarum (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 104; RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 239, p. 196 e VMH, doc. CLXVII, p. 110), e em 1217 o archidiaconus magister Silvester e Magister Joannes thesaurarius (VMH, doc. CLXXX, p. 130). No entanto, não há qualquer notícia que os inclua como fazendo parte da colegiada de Guimarães e, além disso, a designação de Mestre é ambígua. No caso de Stephanus magister scolarum, trata-se de Estevão Soares, que foi mestre-escola bracarense, e o archidiaconus magister Silvester é D. Silvestre Godinho, que foi arcediago e mais tarde arcebispo de Braga. Já o Magister Joannes thesaurarius trata-se do tesoureiro da mesma sé, João Pires. (CUNHA - A Chancelaria Arquiepiscopal, p. 118, 104 e 114, respetivamente). 229 SÁ, A. Moreira de - Chartularium Universitatis Portugalensis. Lisboa: Instituto da Alta Cultura, 1969, vol. I, p. 21. 230 Em meados da centúria de duzentos, temos Mestre Martinho, prior de Guimarães, que Joaquim de Carvalho afirma ter acumulado as funções de docência com as de prior (CARVALHO, Joaquim de – A escola capitular de Guimarães e a legacia do cardeal João de Abavila. In Obra completa de Joaquim de Carvalho. História da Cultura II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 489). Mas Manuel Alves de Oliveira identifica-o como médico devido aos seus conhecimentos em medicina (OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 150). Em 1293 surge Domingos Fernandes, doctor in gramatica in Vimar. (VMH, doc. CCLXXXII, p. 368). Uma análise rápida à documentação permitiu-nos, ainda, identificar dois mestres-escola vimaranenses no priorado de mestre Pedro, em 22 de agosto de 1324. Trata-se de mestre João e mestre Martinho Anes (TT-CSMOG-DE3-04). 231 Em Santarém é identificada a presença de um mestre-escola a partir de 1319 (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, pp. 115-116). 232 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 506. 233 De facto, relativamente a Coimbra, o ensino seria assegurado pela escola catedralícia (MORUJÃO – A Sé de Coimbra, p. 224 e CAMPOS - Santa Justa de Coimbra, p. 186). Quanto às colegiadas olisiponenses de S. Lourenço e

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1.2 - Os mendicantes em Guimarães

Em muitos locais a chegada dos mendicantes foi geradora de conflitos com os poderes

instituídos, tanto civis como religiosos234. Contudo, estas Ordens acabaram por se impor pois

gozavam de vários apoios, nomeadamente dos monarcas235 e dos concelhos236. As caraterísticas

de urbanidade de que Guimarães ostentava por esta altura permitiram-lhe tornar-se uma das

primeiras localidades a receber esses religiosos237 não sendo possível, todavia, datar a fundação

dos seus conventos que foram edificados fora da cerca da vila238.

Segundo a crónica franciscana, a sua presença em terras vimaranenses remonta a 1216,

quando a primeira comunidade eremítica, à qual pertencia S. Gualter, companheiro de S.

Francisco, se instalou nesta região239. No entanto, a informação segura da presença desta ordem

na vila surge apenas quarenta anos depois, ou seja, em março de 1256240. A partir desta data

várias são as referências às obras do convento contempladas em diversos atos de disposição de

de Santo Estevão de Alfama, observa-se igualmente a ausência da dignidade de mestre-escola (SILVA - Espiritualidade e poder na Lisboa, p. 127 e SERRA – A colegiada de Santo Estevão de Alfama, p. 20). 234 É o caso, por exemplo, das cidades do Porto e de Braga, que estão sob a influência dos respetivos prelados, de Leiria, cuja jurisdição pertencia a Santa Cruz de Coimbra, ou ainda de Estremoz, que pertencia em grande parte à Ordem de Avis (MATTOSO, José – O enquadramento social e económico das primeiras fundações franciscanas. In Portugal Medieval. Novas interpretações. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002. ISBN 972-42-2659-X. p. 245. 235 Referimos D. Sancho II, que determinou 300 morabitinos no seu testamento aos mendicantes de Santarém, por quem tinha especial predileção (MOTA, António Brochado da - Testamentos régios – Primeira dinastia (1109-1383). Lisboa, 2011, p. 53. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) e D. Afonso III, também nas suas últimas vontades, terá contemplado os franciscanos de Guimarães com cinquenta e nove libras (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 828). As infantas D. Branca e D. Teresa terão sido grandes promotoras da instalação dos dominicanos em Coimbra (GOMES, Saúl António – As ordens mendicantes na Coimbra medieval. Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa. ISSN 0076-1508. 2ª série, vol. 10, p. 155); D. Sancha terá manifestado proteção aos franciscanos de Alenquer (MATTOSO - O enquadramento das fundações franciscanas, p. 245). 236 A instalação dos franciscanos terá contado com o apoio dos concelhos no Porto, na Covilhã e em Beja (MATTOSO - O enquadramento das fundações franciscanas, p. 245). Em Coimbra, os mendicantes e as oligarquias locais estabeleceram relações de apoio e de inter-dependência (GOMES – Os mendicantes na Coimbra, p. 186). 237 ROSÁRIO, Fr. António do – Convento de S. Domingos e a Colegiada de Guimarães. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, p. 58. 238 Em Portugal, à semelhança do que acontecia por toda a Europa, os mendicantes ocuparam edifícios pré-existentes, como hospitais, albergarias e ermidas, localizados perto das muralhas, junto das portas e das vias principais. São várias as razões que levaram a que estas comunidades religiosas escolhessem para se fixarem os locais fora das muralhas das vilas e cidades (MARADO, Catarina Almeida – Arquitetura conventual e cidade medieval. A formação e os impactos dos sistemas urbanísticos mendicantes em Portugal (séc. XIII-XV). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018. ISBN digital 978-989-26-1518-9. pp. 119-126). 239 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 828. Segundo alguns autores, esta comunidade instalou-se num lugar chamado Fonte Santa, arrabalde de Guimarães (FARIA, Francisco Leite – Presença franciscana em Guimarães. RG, 1985, vol. XCV, p. 149 e OLIVEIRA - História da Real Colegiada, p. 158). 240 A doação de um cónego “Ffratribus minoribus d’Vimarane .X. morabitinos”, em março de 1256 (TT-CSMOG-DP09-09; referido por ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, p. 61) e outra de agosto do mesmo ano doando cinco morabitinos (TT-CSMOG-DP09-11; referido por FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 316, nota 673) atestam a presença desta ordem em Guimarães nessa altura.

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47

últimas vontades241. Mas no ano de 1271 os franciscanos vimaranenses ocupavam um hospital, o

Hospital do Concelho, junto à cerca da vila perto da Porta da Torre Velha242. O seu assentamento

não terá sido pacífico tendo contado com uma forte oposição dos clérigos da colegiada de

Guimarães243. O prior e o cabido terão protagonizado atos de perseguição que só terminaram

com a nomeação de D. Fr. Telo, também ele franciscano, para a cátedra bracarense244. Esta

perseguição resultou do receio dos clérigos da canónica face à influência destes frades sobre as

gentes de Guimarães e à consequente perda de protagonismo por parte da colegiada245.

Em 1282, este prelado benzeu a primeira pedra do convento dos Frades Menores246.

Porém, com o objetivo de tentar impedir a sua construção, o prior e o cabido de Guimarães

apelaram para Roma. O papa Martinho IV terá delegado no deão de Salamanca a resolução da

contenda247. A primeira notícia de algum entendimento entre estas duas instituições data de 10

de setembro de 1288 e trata-se de um escambo que teria como objetivo o alargamento da área

envolvente do convento recém fundado248. Todas estas dificuldades levaram a que a construção

do novo cenóbio só acontecesse no final do reinado de D. Dinis249.

241 Durante as últimas décadas de Duzentos são vários os legados para a construção do convento continuando pelo menos até 1333 (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 316-317). Destes salientamos a inclusão no testamento, feito em Burgos a 12 de dezembro de 1272, por D. Fernando Anes Portocarreiro, que tinha sido prior de Guimarães e deão de Braga, de 50 libras para a construção dos conventos de ambas as Ordens Mendicantes (MARQUES, José – Santa Maria da Oliveira, centro nacional de peregrinação. In Simpósio Mariológico Santuário de Nossa Senhora da Penha Actas. Universidade Católica Portuguesa Irmandade de Nª S.ª da Penha, Braga, 1994. ISBN 972-8090-06-4. pp. 73-74). 242 CALDAS – Guimarães. Apontamentos para a sua história, p. 316 e MARADO – Arquitetura conventual e cidade medieval, p. 101. Segundo José Marques, da instalação dos franciscanos num hospital em Guimarães pouco se conhece. No entanto, essa possibilidade é verosímil prestando os frades assistência a quem necessitasse. A partir do testamento de Fernando Gonçalves, datado de 1272, sabe-se que os frades menores pretendiam ter o seu convento e que o hospital onde já estavam instalados constituía um dos locais possíveis, já que lhes doa X. libras com essa condição (MARQUES, José – Os franciscanos no norte de Portugal nos finais da Idade Média. Separata do Boletim do Arquivo Distrital do Porto. Porto: Arquivo Distrital do Porto, 1982, vol. 1, p. 11; TT-CSMOG- DP11-19. Documento publicado em: ROSÁRIO - Convento de S. Domingos, doc. 7, pp. 75-76). 243 MATTOSO - O enquadramento das fundações franciscanas, p. 245. As represálias e as confrontações mais graves ocorreram para além de Guimarães, no Porto e em Leiria (MATTOSO - O enquadramento das fundações franciscanas, p. 250). 244 D. Frei Telo, antes de ascender ao arcebispado bracarense, tinha sido provincial dos frades Menores, em Castela (MARQUES, José – A Pregação em Portugal na Idade Média: alguns aspetos. Via Spiritus: Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2002, vol. 9, p.329). Este arcebispo concedeu indulgências àqueles que contribuíssem com esmolas para a construção do convento (OLIVEIRA - História da Real Colegiada, p. 158). 245 O entusiasmo que suscitava o estilo de vida destes frades estendia-se para além de Guimarães, como se comprova pela existência de testamentos de bracarenses que referem dádivas aos mendicantes dessa vila (MARQUES – Os franciscanos no norte de Portugal, p. 10-11). 246 ROSÁRIO - Convento de S. Domingos, p. 61. 247 TT-CSMOG-DE02-07 e TT-CSMOG-DE02-10; referido por ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, p. 61, nota 12. 248 AMAP - Pergaminhos, doc. 8-2-1-21; documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 120. 249 MARADO – Arquitetura conventual, p. 102.

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No entanto, o primitivo convento não se manteve definitivamente nesse local. A

proximidade da muralha terá facilitado as ações das tropas de D. Afonso IV, no cerco a

Guimarães, aquando da guerra civil que o opôs a seu pai250. O edifício terá sido então demolido

por ordem do monarca, em 1322, construindo-se o novo convento para baixo da Torre Velha, a

sudoeste na zona da Ramada, Molianas e Couros, no local onde ainda hoje se encontra251. A

licença para a edificação do novo convento foi dada, em Braga, a 3 de novembro de 1400, por D.

João I. Esta construção contou com o apoio do arcebispo de Braga, D. Lourenço Vicente, e com o

de D. João Afonso de Briteiros, que custeou a construção de uma das naves252.

No caso dos frades Pregadores, torna-se crível que tivessem chegado à vila de Guimarães

em setembro/outubro de 1272253 e, a partir de então, terão começado a construção do seu

convento sendo este já referido nas inquirições de 1290254.

Os frades dominicanos foram provavelmente convidados pelo Concelho de Guimarães a

construírem o seu convento na embocadura da rua de Gatos255. Necessitaram, então, de adquirir

os terrenos nesse espaço e fizeram-no através de escambos e compras. À semelhança dos frades

Menores, esta comunidade religiosa contou com um número significativo de doações e legados

testamentários, quer para a construção do novo convento quer como simples dádivas256. O

cabido de Guimarães era proprietário nesse local e a 6 de junho de 1294 realizou um escambo

com os frades257. Por este contrato, os dominicanos passam a ter uma casa em troca de seis

morabitinos, provenientes de umas almuinhas no Pinheiro. Talvez pela falta de confiança, ou

para dificultar a construção da sua igreja, os cónegos exigem, para este ato, um fiador do

pagamento dos referidos seis morabitinos, tendo este sido o cónego bracarense Gonçalo

250 CALDAS – Guimarães, Apontamentos para a sua História, p. 317. 251 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 316. Conceição Falcão Ferreira coloca a hipótese de os frades Menores já ocuparem o novo cenóbio antes desta data (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 317-318). 252 MARADO – Arquitetura conventual, p. 103. 253 A doação de Fernando Gonçalves aos dominicanos, a 4 de novembro de 1272, permite verificar que por esta altura os frades pregadores ainda não tinham o seu convento em Guimarães uma vez que aquele lhes prometera 15 libras se eles construíssem o convento e apenas 5 libras se não o fizessem (TT-CSMOG-DP11-19; Publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 7, pp. 75-76). A vila de Guimarães, a par da cidade do Porto, terão sido os únicos locais Além Douro, no século XIII, a terem conventos dominicanos (MARQUES, José – A confraria de S. Domingos de Guimarães (1498). Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II série, 1984, vol. I, pp. 58-59). 254 “Item no logar que chamam paaço hu mora Martim Gonçalvez foram casas dos condes Dom mendo e Dom Joam Rodriguez e deu o conde o que hy avia aos frades pregadores e levarom ende a pedre e venderom o campo a esse Martim Gomçalvez.” (VMH, doc. CCLXXVIII, p. 353 e ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 26, p. 82). 255 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 314. Inicialmente ter-se-ão instalado na albergaria de S. Roque (MARADO – Arquitetura conventual, p. 101). 256 Para conhecimento dos legados aos dominicanos veja-se: FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 319-322. 257 Neste escambo a colegiada dá umas casas que tem na rua Cabreira e recebe a almuinha do Pinheiro e seis morabitinos velhos anualmente (TT-CSMOG-DP15-25; publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 33, p. 85).

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Gonçalves258. Em 7 de agosto de 1297, os dominicanos dão ao cabido da colegiada os referidos

seis morabitinos velhos referentes ao pagamento prometido três anos antes259.

À semelhança do que aconteceu com os frades Menores, a localização do convento

dominicano, junto da cerca da vila Baixa, acabou por ser alterada por ordem de D. Dinis260. As

dificuldades da construção do novo convento voltaram a surgir. Já no reinado de Afonso IV, os

Pregadores queixaram-se ao monarca de que, no local que lhes tinha sido destinado para a

construção do seu convento, existiam casas e herdades cujos proprietários, entre os quais a

colegiada, se opunham à respetiva venda ou escambo. Devemos referir que estas disputas,

visíveis sobretudo no que se refere a questões patrimoniais, serviam apenas de pretexto para

conflitos que resultavam maioritariamente de questões pertencentes ao foro eclesiástico. Com o

objetivo de resolver aquele impasse, ordenou então D. Afonso IV, em 8 de novembro de 1328, a

João Anes, vedor da justiça, que promovesse a venda desses imóveis aos frades261. No entanto,

apenas em 24 de fevereiro de 1330 se realizou um escambo entre ambas as partes promovido,

por ordem régia, pelo corregedor da comarca, João Anes de Marvão262. A construção do novo

convento dominicano ter-se-á iniciado em torno de 1375 ficando concluído em 1397 e tendo

contado também com o apoio do arcebispo bracarense, D Lourenço Vicente, e de Dona Maria de

Berredo, mulher de Rui Vaz Pereira263.

Esta nova forma de vivência religiosa, pautada pela pobreza, humildade e caridade, foi

conquistando a estima dos fiéis, que à hora da morte lhes confiavam a encomenda da sua alma e

da dos seus, escolhendo os seus conventos como local de sepultura. Por este motivo surgiam

conflitos entre os frades Mendicantes e o clero diocesano devido aos direitos paroquiais que

estes detinham. Em Guimarães, também os seus conventos passaram a ser escolhidos como

última morada. Este facto suscitou algumas contendas com o cabido vimaranense uma vez que a

colegiada funcionava como igreja paroquial e, portanto, teria a obrigação de pagar a chamada

258 TT-CSMOG-DP15-26; publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc.34, pp. 85-86. 259 TT-CSMOG-DP16-14; publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 36, p. 87. 260 O monarca incumbiu, em 1323, Mem Rodrigues, meirinho na comarca de escolher um novo local para o convento dominicano (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 315). 261 TT-CSMOG-DR1-34; publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 44, pp. 90-91. 262 A colegiada de Guimarães deu as casas que tinha na Rua de Gatos (atual Rua D. João I) e recebeu por elas e seus dízimos cinco morabitinos velhos anuais referentes às herdades que os dominicanos tinham em Arões. Neste documento fica patente a intenção de concórdia entre a colegiada e os frades: “Este scambo e permudaçom disseram as dictas partes que o faziam por averem paz e concordia e porque era proveyto danbolas partes […]” (TT-CSMOG-DR1-34; publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 46, pp. 91-92). 263 MARADO – Arquitetura conventual, p. 103 referindo o P. Torquato Peixoto de Azevedo.

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quarta funerária aos frades264. Este pagamento nem sempre foi pacífico pois em muitos casos os

conflitos subiam ao prelado bracarense265 e até à Cúria Pontifícia266.

É conhecida a cultura e o elevado nível intelectual dos membros que constituíam estas

Ordens. Em quase todos os conventos existiam escolas, como era o caso dos de Guimarães, que

tinham a seu cargo a formação dos membros mais novos267. Por seu lado, como o nome indica,

os Pregadores eram os mestres da palavra e a sua oratória eloquente atraía os crentes às igrejas

onde faziam as suas pregações268. Em consequência, os frades franciscanos e dominicanos e a

canónica de Guimarães estabeleceram uma concordata, em 1297, que estipulava que a pregação

nas igrejas da vila, inclusive na própria colegiada, ficava a cargo dos frades Mendicantes

recebendo por esses ofícios alguma remuneração. Foram justamente os valores remuneratórios

os causadores de novas ondas de conflitualidade nos finais da centúria de trezentos e inícios da

seguinte que levaram a uma nova composição em 1409269.

Apesar da forte conflitualidade que opunha os frades e os clérigos de Guimarães, estes

mantinham uma grande confiança na intervenção dos mendicantes junto do divino e, por isso, os

contemplavam nos seus testamentos270. Além disso, os ofícios fúnebres dos religiosos de cada

uma das instituições contavam com a presença e orações dos das outras, como se a morte

suspendesse momentaneamente a conflitualidade que pautava a convivência entre estas

instituições271.

264 É a quarta parte devida aos referidos conventos pelos funerais que aí se realizavam (MARQUES – A Pregação em Portugal, p. 333). 265 TT-CSMOG-DP24-02. Publicado em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 43, pp. 89-90. 266 Referimo-nos à Bula Super Cathedram de Bonifácio VIII, TT-CSMOG-DE2-28; publicada em ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, doc. 41, p. 88. 267 Além das de Guimarães, existiam escolas em Coimbra, Santarém, Porto, Alenquer, Leiria e Lisboa (GOMES – A religião dos clérigos, p. 404). 268 MARQUES – A Pregação em Portugal, p. 329. 269 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 829 e MARQUES – A Pregação em Portugal, p. 331 270 A título de exemplo, temos Mendo Anes, cónego e capelão da colegiada, que deixa em 29 de julho de 1278 no seu testamento cinco libras para pitanças a ambas as ordens (TT-CSMOG-DP12-20; publicado em: ROSÁRIO – Convento de S Domingos, doc. 12, p. 77). Também o cónego Afonso Eanes deixa, em 26 de junho de 1284, 10 libras para pitanças aos mendicantes de Guimarães (TT-CSMOG-DP13-22; publicado em: Convento de S Domingos, doc. 19, p. 79). 271 Segundo a História de S. Domingos: “Falecendo qualquer Religioso em S. Domingos, dá-se recado ao Cabido, e a S. Francisco; acodem com pontualidade, e como se forão Frades nossos, fazem no Dormitório o ofício da Comendação. Logo levam o defunto à Igreja dous cónegos e dous frades de cada ordem, e os mais acompanhão com suas velas nas mãos, e assistem no ofício da sepultura. No dia torna o Cabido à Igreja, e canta um Noturno, e Laudes com missa pelo defunto; e n’elle assiste também a communidade de S. Francisco. A correspondência se tem do nosso Convento com elles” (ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, pp. 58-59, nota 5).

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1.3 - A Senhora da Oliveira

Ao longo da cristandade, uma das expressões máximas da devoção religiosa personificou-

se em torno da figura da Virgem Maria, que assumiu progressivamente a expressão feminina da

divindade ao ser reconhecida como Mãe de Deus. A ela recorriam os crentes solicitando-lhe o

conforto no sofrimento uma vez que, como Mãe de Deus e dos Homens, se convertia nesse elo

compassivo de ligação entre a Terra e o Céu.

O culto mariano atingiu na Europa medieval o ponto mais alto entre os séculos XII e XIV.

Para tal, contribuiu o ideal cavalheiresco do feminino, cujo máximo expoente era Virgem Maria.

Em contrapartida, na Península Ibérica, esse culto já se praticava mesmo antes das invasões

árabes272. Contudo, ao longo do processo de Reconquista foi-se intensificando motivado pela

presença dos cavaleiros franceses, dos monges de Cluny e dos de Cister273.

Em Portugal, o culto a Santa Maria já era muito antigo, constituindo uma das devoções

cristãs mais divulgadas, tanto ao nível popular como ao nível do clero, da nobreza e da própria

realeza274. O nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, invocava a proteção e intercessão da

Virgem Maria nas ofensivas que empreendeu contra os mouros, dedicando-lhe posteriormente o

território conquistado, colocando-o sob sua proteção e elegendo-a como sua padroeira. A

conquista de Santarém, que terá tido a proteção da Virgem, viu o reconhecimento do monarca

materializar-se na construção do mosteiro de Santa Maria de Alcobaça ao qual os monarcas

posteriores deram especial proteção275. As ações régias privilegiaram sempre o culto Mariano

consubstanciando-se na consagração de todas as catedrais e de outras importantes instituições

religiosas276. As manifestações da devoção mariana, de caráter invocativo, demonstradas pelos

sucessivos monarcas foram-se traduzindo em pias doações e privilégios régios outorgados às

diversas instituições religiosas que abrigavam a sua imagem devocional277.

272 COSTA, Avelino de Jesus da – A Virgem Maria Padroeira de Portugal na Idade Média. Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 1957. ISSN 0076-1508. 1ª série, vol. 2, p. 8. 273 COSTA – A Virgem Maria Padroeira de Portugal, p. 13. Todos os mosteiros de fundação cisterciense eram dedicados à Virgem, como são os casos dos de Alcobaça, Fiães, Bouro, Salzedas e outros (GOMES – A religião dos clérigos, p. 378). 274 GOMES – A religião dos clérigos, p. 378. 275 FERREIRA, Sílvia – Do culto de Nossa Senhora em Portugal: esplendor e função das imagens. Brotéria Cristianismo e Cultura. Braga: Brotéria - Associação Cultural e Científica, 2004. ISSN 0870-7618. Vol. 158/3, p. 269. 276 GOMES – A religião dos clérigos, p. 378. 277 Um dos exemplos mais evidentes é justamente a devoção de D. João I a Santa Maria de Guimarães, que abordaremos mais à frente neste trabalho.

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Como referimos anteriormente, o velho mosteiro de Mumadona era de invocação a São

Salvador do Mundo e à Virgem Maria278. A colegiada que se lhe seguiu manteve a mesma

dedicação mariana, convertendo-se na Igreja de Santa Maria de Guimarães.

A ligação espiritual dos diversos monarcas a esta igreja estabeleceu-se desde D. Afonso

Henriques. A ela recorriam pedindo a sua proteção nas horas mais difíceis, sobretudo aquelas em

que o confronto no campo de batalha a exigia279. O caso de D. Afonso IV é aquele que ainda hoje

se pode contemplar no chamado Padrão do Salado, onde ficou bem registado o seu

agradecimento a Santa Maria de Guimarães pela vitória nessa batalha280. Trata-se de um símbolo

que suscitou grande devoção entre os fiéis convertendo-se num local de veneração. Um

documento de 1469 esclarece-nos sobre a sua importância: segundo os cónegos, o padrão “[…]

he principall ivocaçom de Santa Maria d’Oliveyra onde per dias e tempos e festas do ano veem

muita romagem assy de grandes senhores como de outros de mais pequena condiçom assi do

reyno como de fora dele […]”281.

Neste período, assistiu-se por toda a Europa à produção de Livros de Milagres282. Daí que

“Sociologicamente, nenhum centro medieval de culto se impõe sem que em seu torno se

divulguem narrativas miraculosas que funcionam como elemento de propaganda e de atração e

justificam as peregrinações (…). Os diferentes santuários procuram dotar-se de coletâneas de

milagres como forma de prestígio”283. Assim, os Livros de Milagres medievais tinham como

objetivo estimular a piedade, atrair os peregrinos e promover a divulgação de determinado

santuário284. Isto, só por si, justifica a necessidade que a colegiada vimaranense sentia de

escrever o seu próprio Livro dos Milagres. Contudo, outros fatores terão também contribuído.

Um deles terá sido, sem dúvida, a chegada a Guimarães, a partir dos meados da centúria de

278 Segundo a lenda, a imagem da Virgem terá sido trazida pelo apóstolo Santiago e colocada num templo pagão, num recinto que levará o nome de Praça de Santiago. Seria depois transladada para o mosteiro de Mumadona Dias (FERREIRA - Uma rua de elite, p. 18, nota 54). 279 Em 1645, os cónegos de Guimarães mandam fazer uma cópia do Livro dos Milagres invocando o fervor régio, em que a devoção de D. Afonso Henriques e a de D. João I constituem os casos referidos (MARTINS, Mário – O Livro dos Milagres de Nossa Senhora da Oliveira. RG, 1953, vol. LXIII (1/2), pp. 90-98). 280 FERREIRA – Uma rua de elite, p. 20. 281 TT-CSMOG-DP59-18; referido por MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 566 e FERREIRA – Uma rua de elite, p. 20, nota 64. 282 Os livros de milagres mais referidos são: Os Milagres de Notre Dame, de Gautier de Conei, Os Milagres de Nuestra Señora, de Gonzalo de Berceo e as Cantigas de Santa Maria, de Afonso X (FERNANDES, Cristina Célia – O Livro dos Milagres de Nª Sª da Oliveira da Real Colegiada de Guimarães. Guimarães: Opera Omnia, 2006. ISBN 972-99985-2-3. p. 19). 283 NASCIMENTO, Aires A. do – Milagres Medievais. In Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Organização e coordenação de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Caminho, Lisboa, 2ª edição, 2000. ISBN 972-21-0871-9. pp. 458-460. 284 FERNANDES – O Livro dos Milagres, p. 21.

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trezentos, de uma nova realidade: os mendicantes285. Estes frades, como já vimos no ponto

anterior, tornaram-se próximos das populações chamando a si as doações dos fiéis, o que se

traduzia em perdas para os capitulares vimaranenses. Um outro fator consistiu no desejo que

esta instituição sempre demonstrou em promover a sua independência da Igreja de Braga ao

nível da organização eclesiástica e económica. Invocando os milagres feitos pela Virgem Maria, a

colegiada de Guimarães tentava por esta forma aumentar o seu prestígio e com isso a chamada

de crentes e peregrinos, convertendo-se num centro religioso de referência mais alargada. Terá

sido nesse contexto que surgiu o Livro dos Milagres de Nossa Senhora da Oliveira, entre 1342 e

1343, escrito pelo tabelião Afonso Peres, que contém um conjunto de quarenta e seis milagres

do qual se destaca o milagre da Oliveira286. É este facto que irá estar na base da designação de

Colegiada da Senhora da Oliveira.

A vila de Guimarães, como local de passagem para Santiago de Compostela287, atraía

muitos peregrinos que aqui chegavam para descanso e recolhimento. A imagem da Virgem

passava a assumir, então, o papel de protetora para o resto da caminhada. Todavia, foi a partir

do “milagre da oliveira” que a igreja de Santa Maria se tornou ela própria centro de peregrinação

num âmbito regional, muito para além de Guimarães288. Era ditado corrente que “quem for a

Santiago /e não visitar a Senhora da Oliveira /não faz romaria verdadeira”289.

A expressão “Senhora da Oliveira”, que surge já na cópia de 1351 do Livro dos Milagres290,

teve no nível popular o seu principal mecanismo de difusão uma vez que a documentação por

nós analisada mantém a designação de “Igreja de Santa Maria de Guimarães”. Isto é válido tanto

na documentação de produção régia como na eclesiástica, assim como na originada na própria

colegiada. A exceção encontra-se apenas num documento lavrado em Amarante onde surge, já

285 MARQUES – Santa Maria da Oliveira, p. 72. 286 Sobre este Livro dos Milagres, existe um apógrafo de 1351 na sua edição crítica em: FERNANDES - O Livro dos Milagres, pp. 107-172 e uma transcrição da uma cópia de 1645 em: MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 105-132. A oliveira que tinha sido trazida para a praça onde se localizava a colegiada (hoje Praça da Oliveira) tinha secado. Entretanto, Pedro Esteves adoecera e mandara trazer uma cruz da Normandia para ser colocada a par da referida oliveira. Ao fim de três dias, a árvore terá reverdecido por manifestação da Virgem Maria (MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 106-107 e FERNANDES – O Livro dos Milagres, p. 107). 287 MORENO, Humberto Baquero – Vias Portuguesas de Peregrinação a Santiago de Compostela na Idade Média. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986, II série, vol. III, p. 78. 288 MARQUES – Santa Maria da Oliveira, p. 75. 289 OLIVEIRA, Manuel Alves de – A Insigne e Real Colegiada de Guimarães no seu cerimonial. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, p. 13. 290 Esta designação surge logo no 2º milagre, cerca de dois meses após o milagre da oliveira (MARTINS - O Livro dos Milagres, p. 107 e FERNANDES – O Livro dos Milagres, p. 108).

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em 1409, a expressão “cabido de Santa Maria da Oliveira de Guimarães”291. Acreditamos que

essa designação popular se terá difundido mais facilmente nas localidades fora da vila de

Guimarães. A primeira referência documental com essa expressão surge apenas em 16 de agosto

de 1442292 e refere-se a esta instituição como “Igreja de Santa Maria da Oliveira”.

1.4 - A Peste Negra na colegiada de Guimarães

A epidemia da Peste Negra abalou Portugal entre 1348 e 1349 deixando os seus efeitos

de uma forma transversal a toda a sociedade. No caso das instituições religiosas, dada a

existência de comunidades que se reuniam no mesmo espaço, o risco de contágio aumentava

fortemente tendo estas sido, por isso, das mais atingidas293. A localização geográfica da vila de

Guimarães, como ponto de passagem para outros centros urbanos, e a própria canónica como

centro de peregrinação constituíam, sem dúvida, dois fatores de propagação da doença nesta

região.

Conceição Ferreira deteta, na documentação da colegiada de Guimarães, um hiato entre

27 de outubro de 1348 e 11 de fevereiro de 1349294. Segundo a investigadora, esta falta

documental deve-se em primeiro lugar à inexistência de tabeliães em Guimarães e ainda à

redução da própria atividade económica, fruto deste momento crítico. Alude também a um

documento de 1351 em que se verifica ter sido o mês de outubro de 1348 o momento do início

da pestilência nesta região 295.

Os efeitos desta epidemia na canónica vimaranense são evidenciados pela referência, que

nos chega na década de sessenta, à falta de clérigos para os ofícios litúrgicos. A sua debilidade

291 TT-CSMOG-DP41-20. 292 TT-CSMOG-DR02-08. Manuel Alves de Oliveira afirma que só em 1526 e por carta de D. João III, de 14 de fevereiro desse ano, é referida como “Igreja de Santa Maria da Oliveira” (OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 189). 293 Há instituições em que os seus elementos terão perecido na totalidade pela Peste. Foi o caso da colegiada de S. Pedro de Almedina. No entanto, todas as colegiadas conimbricenses terão sofrido os seus efeitos, com a consequente redução dos seus quadros humanos (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 175 e p. 196, nota 152); na colegiada de Santa Maria do Castelo (Torres Vedras), o seu cabido terá ficado reduzido a menos de metade (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 389). Um escriba de Santa Cruz de Coimbra refere a extinção de muitos mosteiros dessa ordem devido à morte dos seus religiosos (MORENO, Humberto Carlos Baquero - A Peste Negra e os Legados à Igreja. Separata da Revista de Ciências Históricas. Porto: Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1991, vol. VI, p. 136 e p. 143). Devido à mortalidade entre os clérigos da sé de Braga em consequência da Peste Negra, várias foram as súplicas, ao papa Clemente VI, do arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira, para as dignidades e benefícios vagos. 1349-01-07 (Monumenta Portugaliae Vaticana, publ. introd. e notas de COSTA, António Domingues de Sousa. Porto: Livraria Editorial Franciscana, 1968, vol. II, súplica nº 288-291, p. 152. A partir de agora esta obra será referida como MPV). 294 TT-CSMOG-DP30-15 e TT-CSMOG-DP30-16, respetivamente (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 440). 295 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 440. Humberto Baquero Moreno afirma que a epidemia da Peste Negra entrou em Portugal em setembro de 1348 (MORENO – A Peste Negra, p. 136).

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económica, fruto de um decréscimo significativo nos seus rendimentos, afastava ainda aqueles

que tinham sobrevivido por não haver mantimentos na distribuição que costumava ocorrer após

a reza das Horas296.

O alto índice de mortalidade que assolou esta região levou ao despovoamento e

consequente abandono das terras produtivas297. A colegiada de Guimarães, como grande

proprietária rural, viu-se assim com um elevado decréscimo nas rendas provenientes do seu

património. A fim de obviar a esta situação, D. Afonso IV, por carta régia de 11 de agosto de

1350, mandou às suas justiças que constrangessem os rendeiros da colegiada a trabalharem as

suas propriedades já que estes as abandonavam em favor de outras, possivelmente com custos

menos onerosos298. Numa tentativa de manter ainda o seu património rentável, os cónegos

vimaranenses optaram nesta altura pela recusa em aceitar as renúncias que os rendeiros

pretendiam efetuar, obrigando-os a cultivarem as propriedades emprazadas299.

No contexto da Peste Negra, o terror perante o espetro da morte desencadeou na

maioria dos crentes a preocupação com a salvação da alma motivando o recurso às imagens

devocionais, nas quais a da Virgem Maria assumiu preponderância. O medo do Além, bem como

a necessidade de remissão dos pecados por intermédio de missas e orações, conduziu ao

aumento do afluxo de doações de bens à Igreja. Sendo a colegiada de Guimarães de invocação

mariana, e tendo volvido poucos anos do milagre da Oliveira, seria de supor que para ela

confluísse a fé dos vimaranenses e que tal se traduzisse num aumento significativo das doações.

Ao contrário do que aconteceu com outras instituições religiosas300, segundo José Marques, a

canónica vimaranense não se viu contemplada pela preferência dos fiéis. O número de doações e

legados chegou a ser muito reduzido ou mesmo nulo301. É o caso do ano de 1349, em que não se

regista qualquer doação ou testamento, e dos de 1350 e 1351, em que se regista apenas um

296 É referida a falta de clérigos para rezar a hora da tercia e as outras horas canónicas (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 444). 297 O índice de mortalidade em Portugal acompanhou o europeu, situado entre os 30% e os 50% (MORENO – A Peste Negra, p. 136). 298 1350-08-11 (TT-CSMOG-DR01-40). 299 É o caso de Domingas Domingues, que consta de um prazo do casal da Cancela, na freguesia de Corvite, como a terceira pessoa depois da morte do pai e da mãe. Diz que é mulher pobre e só, que não pode lavrar o casal nem pagar a respetiva renda. Os cónegos recorrem à justiça e o juiz dá-lhes razão vendo-se Domingas obrigada ao pagamento da respetiva renda (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 442). 300 É o caso da Colegiada de Santo Estevão de Alfama cujas doações aumentam por esta altura (SERRA – A Colegiada de Santo Estevão de Alfama, pp. 60-62). 301 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 526. O mesmo facto foi verificado no mosteiro de Alcobaça (GONÇALVES, Iria – O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1989. ISBN 972-595-067-4. p. 29).

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testamento em cada ano. No ano seguinte o seu número volta a ser nulo. Só na década de

sessenta da mesma centúria é que o valor destes atos jurídicos passa a ser significativo302.

Fica então a dúvida: para que instituições religiosas teria confluído a atenção dos

vimaranenses nestes tempos de pestilência? A ausência de estudos dos efeitos da Peste Negra

nesta região não nos permite retirar qualquer ilação. No entanto, dada a recente instalação dos

Mendicantes na vila de Guimarães e gozando estes, como já referimos, da proteção das gentes

desta vila, podemos supor que terão sido os principais contemplados pelas doações e legados

dos vimaranenses.

2 - A ligação da colegiada de Guimarães à dinastia Afonsina

A colegiada de Guimarães estabeleceu com o poder régio uma estreita ligação a nível

político, económico, social e religioso. O direito de padroado que os monarcas detinham sobre

esta instituição colocou-a na esfera do seu poder, privilegiando e isentando os seus clérigos e

servindo como mecanismo de agraciamento dos seus mais fiéis servidores. Assim, veremos de

que modo a colegiada de Guimarães e a Coroa foram estabelecendo relações institucionais de

reciprocidade303.

Tanto os condes portucalenses como o primeiro rei português estabeleceram com a

Igreja relações de colaboração e harmonia plasmadas no volume significativo de cartas de couto

emanadas das respetivas chancelarias304. A outorga destes diplomas correspondia a mecanismos

de colonização e organização do espaço e ao agraciamento de favores recebidos, delegando nos

titulares destas terras imunes o exercício do poder régio305. Para o período entre 1095 e 1211

foram outorgadas duzentas e vinte e duas cartas de couto306. Salientamos ainda que, entre

março de 1172 e setembro de 1175, grande parte dos atos governativos conhecidos referem

302 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 526. 303 Não sendo nosso objetivo identificar os priores de Guimarães, as referências que faremos restringem-se apenas àqueles de que obtivemos informações sobre a sua ligação aos respetivos monarcas. 304 Sobre este assunto veja-se: MARQUES, José - As doações dos condes portucalenses e de D. Afonso Henriques à Igreja. In 2º Congresso Histórico. Actas do Congresso de Guimarães. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 1996, vol. 5: Sociedade e Administração, Cultura e Igreja em Portugal, pp. 326-347. 305 Vários são os exemplos comprovativos desta estratégia régia, como a presença da Ordem de Cister, de que o couto da abadia de Alcobaça é dos melhores exemplos (MARQUES, Maria Alegria Fernandes – A introdução da Ordem de Cister em Portugal. Local [s. i.]: La Olmeda, Colección “Piedras Angulares”, 1991, nº 2. ISBN 84-404-8791-6. pp. 187-190). Também o castelo de Luzes, situado na diocese da Guarda, antiga Egitânia, foi doado por D. Afonso I com esse objetivo dado o estado de despovoamento e de ruína em que se encontrava (MARQUES - As doações dos condes portucalenses e de D. Afonso Henriques à Igreja, p. 334). 306 Destas, 14 correspondem ao governo dos condes portucalenses, 20 são atribuídas a D. Teresa e 168 a D. Afonso Henriques. As restantes 20 pertencem a D. Sancho I (MARQUES - As doações dos condes portucalenses e de D. Afonso Henriques à Igreja, p. 328 – quadro sinótico de concessão de forais, cartas de couto e doações particulares).

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cartas de couto ou doações de terras e casas a instituições eclesiásticas em que a colegiada de

Guimarães foi uma das contempladas307. Não se conhece nenhuma carta de couto doada à

canónica vimaranense. Porém, a existência de coutos aquando da divisão dos bens entre prior e

cabido em 1223308 é, sem dúvida, prova dessa outorga desconhecendo-se, todavia, a sua

motivação e data.

A colegiada de Guimarães viu o seu património reforçado ainda pelas sucessivas doações

régias. D. Afonso I doou-lhe terras em agosto de 1172309. As inquirições de D. Afonso II, em 1220,

revelam a doação de D. Sancho I de dois casais reguengos ao prior de Guimarães, um na

freguesia de Mesão Frio (c. Guimarães) e outro na de Mascotelos (c. Guimarães)310.

Além das doações referidas, os condes portucalenses e os monarcas que se seguiram

outorgaram a esta instituição isenções e privilégios. Um documento lavrado em janeiro de 1196,

de D. Sancho I, dá-nos conta da isenção do pagamento de “voz” e “coima”311 aos cónegos de

Guimarães e seus criados. Todavia, este privilégio já tinha sido dado pelos condes D. Henrique e

D. Teresa312. D. Sancho I privilegiou ainda a mesma instituição com a concessão de imunidade

aos seus cónegos e criados por carta dirigida ao Concelho, em 30 de dezembro de 1210313.

Durante o seu reinado, eclodiram dois conflitos que opuseram o monarca aos bispos do Porto e

Coimbra314. A referida carta de privilégios, outorgada em dezembro de 1210 ao cabido de

Guimarães, embora não seja especificada a motivação que lhe esteve implícita, poderá constituir

muito provavelmente uma prova de pagamento de fidelidades em tais conflitos315.

Nestes primeiros reinados, a ligação da cúria régia à canónica vimaranense fez-se

também através dos seus chanceleres e capelães. Já no tempo do conde D. Henrique, o seu

307 Para além da canónica de Guimarães, terão sido contemplados os mosteiros de Tomareis, São Torcato, Fiães, Aguiar, Seiça e Lorvão (BRANCO, Maria João Violante – D. Sancho I. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3517-3. pp. 71-72. 308 TT-CSMOG-DE01-06; AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-2-19 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. nº 287, pp. 254-259. A referida divisão indica a existência do couto de Moreira de Rei (Fafe) e do couto de Pousada (?), que ficam pertença do prior, do couto de Moreira de Riba Vizela (Guimarães) e do de Ribas (Celorico de Basto), que ficam propriedade do cabido (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, Anexos - Divisão dos bens entre o prior e o cabido). 309 Doação de vinhas e searas em Creixomil e Azurém (VMH, doc. CIX, p. 93 e DMP-DR, vol. 1, doc. 313, pp. 412-413). 310 VMH, doc. CXLIV, p. 155 e p. 156, respetivamente- Documento referido por: COELHO, Maria Helena da Cruz – A população e a propriedade na região de Guimarães durante o século XIII. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 3, p. 510. 311 TORRES, Rui Abreu - Voz e Coima. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. VI, p. 343. 312 Diploma dirigido ao porteiro, às justiças e Concelho de Guimarães (AZEVEDO, Rui; COSTA, Avelino de Jesus da e PEREIRA, Marcelino Rodrigues – Documentos de D. Sancho I (1174-1211). Coimbra: Centro de História da Universidade de Coimbra, 1979, vol. 1, doc. nº 89, p. 145 – passaremos a referir esta obra como DSI). 313 DSI, doc. nº 204, p. 311. 314 BRANCO - D. Sancho I, pp. 238-240. 315 Dos dez documentos emanados da cúria régia neste período quase todos são doações a fiéis apoiantes do monarca entre os quais se inclui a colegiada de Guimarães (BRANCO - D. Sancho I, p. 264).

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notário e clérigo pessoal, Pedro Moniz, o Bispo, integrava o cabido vimaranense como seu

capitular316. No reinado de D. Afonso I, temos Pedro Feijó, cónego de Guimarães e depois de

Braga, que foi capelão deste monarca317, notário da colegiada de Guimarães a partir de 1160318,

destacado notário da chancelaria desde 1169, chanceler a partir de 1172, tendo sido ainda

capelão privativo do Infante D. Sancho após essa data e a quem este ficou a dever a sua

educação religiosa319. Rui de Azevedo identifica-o também como Pedro Gonçalves, prior da

Colegiada de Guimarães entre 1147 e 1152, e ainda como outro Pedro Gonçalves, que foi

chanceler privado do infante D. Sancho desde 1164320. Também Pedro Mendes, de cognome

Amarelo321, é uma figura regular na corte neste período. Surge como notário da canónica

vimaranense322 e seu prior, entre 1170 e 1184, notário da chancelaria régia323 e chanceler

particular de D. Sancho I324. Acerca desta ligação da cúria régia à colegiada, refere Maria João

Branco: “Como se os chanceleres de Sancho I viessem preferencialmente do ambiente da

Colegiada de Guimarães, o que explicaria, em última análise, a confiança que, muito mais tarde,

e em momentos críticos, o rei expressa face a membros dessa colegiada tão poderosa e

influente”325.

A canónica vimaranense, à semelhança de outras instituições religiosas, foi ainda

contemplada com doações dos monarcas para sufrágio das suas almas326. D. Sancho I terá doado

um casal em Azurém ao prior de Guimarães para iluminar uma lâmpada por sua alma327 e, em

316 MATTOSO, José – D. Afonso Henriques. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3867-9. p. 50 e p. 241 e AMARAL, Luís Carlos e BARROCA, Mário Jorge – A condessa-rainha Teresa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. ISBN 978-972-42-4702-1. p. 249. Já anteriormente referimos que foi justamente um Pedro, chanceler do conde D. Henrique, a primeira referência como Ecclesiae Vimaranensis Canonicus (FERREIRA -Fastos episcopais, tomo I, pp. 251-252). 317 MATTOSO - D. Afonso Henriques, p. 50 e p. 241. 318 CUNHA - Fórmulas e formulários, p.178. 319 BRANCO - D. Sancho I, p. 44. 320 DMP-DR, p. LXXXIV-LXXXVII e BRANCO - D. Sancho I, p. 44. 321 Há autores que identificaram este prior também como médico do conde D. Henrique e de D. Afonso Henriques. No entanto, esta afirmação foi desmentida por João Meira, em 1911 (SILVA, André Filipe Oliveira da – Físicos e cirurgiões medievais portugueses. Contextos socioculturais, práticas e transmissão de conhecimentos (1192-1340). Porto: CITCEM, 2016. ISBN 978-989-8351-64-7. p. 84, nota 283). 322 CUNHA - Fórmulas e formulários, pp. 177-178. 323 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 98-99. 324 BRANCO - D. Sancho I, p. 44 e RAMOS - O Mosteiro, vol. 1, p. 98. 325 BRANCO - D. Sancho I, p. 44. 326 Ao nível das colegiadas, temos o exemplo da colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, à qual D. Sancho I, D. Afonso II e D. Sancho II doaram somas significativas em numerário com o mesmo objetivo. Os seus clérigos utilizaram este dinheiro para aquisição de bens imóveis (BOTÃO- Poder e Influência de uma Igreja, p. 33). 327 Esta doação é referida nas inquirições de D. Afonso II (VMH, doc. CXCIV, p. 140 referido por COELHO – A população e a propriedade, p. 510).

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1207, doou mil morabitinos para os seus aniversários328. D. Afonso II também doou um montante

significativo com o mesmo objetivo329. E D. Sancho II, no seu primeiro testamento, deixou ao

cabido de Guimarães trezentos morabitinos para o seu aniversário330. A vila de Guimarães foi

cenário de momentos festivos na vida dos monarcas pois, em 15 de fevereiro de 1191, acolheu o

casamento da infanta D. Teresa Sanches com Afonso IX de Leão331, cujo cerimonial se terá

realizado na colegiada por ser a mais importante instituição religiosa nessa vila.

Na continuação da ligação da canónica vimaranense à cúria régia destacamos Mestre Paio

Pais, letrado, chantre do Porto332, que foi figura de relevo junto de Afonso II como seu

conselheiro e testemunha frequente na documentação régia333. Como reconhecimento destes

serviços, o rei agraciou-o com o priorado de Guimarães por volta de janeiro de 1226334 cujo

benefício, segundo Hermenegildo Gonçalves, é: “[…] em importância e prestígio quase

«episcopal», à semelhança do que acontece com o priorado de Santa Cruz de Coimbra ou o

abaciado de Alcobaça”. A sua carreira termina com a posse da cátedra de Lisboa335.

D. Afonso II, em setembro de 1217, aquando da sua presença em Guimarães, tomou a seu

cargo a proteção da canónica vimaranense, no seguimento de seu pai e avô, considerando seus

inimigos aqueles que lhe causassem dano e obrigando-os ao pagamento de quinhentos

morabitinos336. No conflito que opôs o arcebispo de Braga, D. Estevão Soares da Silva, ao

monarca337 buscou este apoio no prior da colegiada de Guimarães e nos dos mosteiros da Costa

328 Testamento de D. Sancho I, publicado em: MOTA - Testamentos Régios, pp. 182-186 (citação na p. 184). Refere Cláudia Ramos que esta doação ficou especificada no seu segundo testamento não existindo, contudo, registo da sua entrada (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 167). 329 A notícia deste legado chega pelos valores despendidos pela colegiada para esse fim (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 167). 330 Testamento de D. Sancho II, publicado em: MOTA - Testamentos Régios, pp. 189-190. Ao cabido da colegiada de Guimarães foi atribuído o mesmo valor que aos cabidos das sés portuguesas com exceção do cabido bracarense, que recebeu 500 morabitinos (MOTA - Testamentos Régios, p. 53). 331 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 115 e DIAS, Nuno Pizarro – Dulce de Barcelona e Aragão. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. ISBN 978-42-4703-8. p. 175. 332 Como chantre do Porto, Mestre Paio teve grande relevo no conflito que surgiu entre o cabido portuense e o seu bispo, D. Martinho Rodrigues, acerca da divisão das mesas, que acabou por se estender a D. Sancho I (BRANCO - D. Sancho I, pp. 240-241). 333 BRANCO - D. Sancho I, p. 240 e VILAR, Hermínia Vasconcelos – D. Afonso II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3441-X. p. 213. 334 Segundo Cláudia Ramos, D. Paio foi prior de Guimarães entre 1223 e 1236 (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 99). 335 FERNANDES, Hermenegildo – D. Sancho II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3727-3. p. 126. 336 VMH, doc. CLXXXII, pp. 130-131; TT-CSMOG-DR01-04; TT-CSMOG-DR01-07; TT-CSMOG-DR01-08; TT-CSMOG-DR01-11 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 258, pp. 217-218. 337 Sobre este assunto veja-se: VELOSO, Maria Teresa Nobre – Relações da Igreja de Braga com a Santa Sé e com D. Afonso II durante o arquiepiscopado de D. Estevão Soares da Silva (1212-1228). In IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga. Congresso Internacional, Actas, vol. II/1. A Catedral de Braga na História e na Arte (séculos XII-XIX). Braga: Universidade Católica Portuguesa / Faculdade de Teologia e Cabido Metropolitano e Primacial de Braga, 1990, pp. 267-282.

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e de S. Torcato, também eles inimigos do prelado bracarense338. Tal resultou na nomeação

destes, em 1220, como delegados régios, nas inquirições mandadas realizar pelo monarca, na

região de Guimarães, zona do domínio do arcebispo339.

D. Sancho II, em 1236, reiterou aos cónegos de Guimarães e aos seus servidores as

anteriores imunidades outorgadas por seu avô, D. Sancho I, em 30 de dezembro de 1210340. O

mesmo monarca ordenou ainda que o casal de S. Martinho do Conde e uma casa, que tinham

sido usurpados por Raimundo Martins, sapateiro, fossem restituídos ao prior e aos seus

homens341.

A questão do direito de aposentadoria dos nobres sobre as instituições religiosas cedo se

tornou queixa dos clérigos ao recém monarca, D. Afonso III. No rescaldo da guerra civil (1245-

1247), as pilhagens, malfeitorias e violências a que estiveram sujeitas as igrejas e os mosteiros

pela nobreza motivou por parte dos mais altos dignatários eclesiásticos a constituição de um rol

de agravos apresentado ao monarca nas cortes de Guimarães de 1250342.

Segundo Conceição Ferreira, terá sido a colegiada de Guimarães o cenário onde se

realizaram essas cortes em virtude de ser o local mais apropriado para tal evento343. Nesta

reunião, o monarca manifestou a intenção de reprimir os ricos-homens e cavaleiros dos abusos

que causavam a essas instituições, nomeadamente no direito de aposentadoria, e prometeu

constituir-se defensor das pessoas e dos bens eclesiásticos344. Em 1255 realizou-se de novo uma

cúria régia da qual resultou a legislação que regulamentava o direito de padroado. Esta foi

trasladada para uma carta, enviada de Coimbra a 6 de setembro de 1255 e dirigida ao meirinho

Martim Rial e aos seus porteiros do Entre-Douro-e-Minho. Em 1261, D. Afonso III publicou

338 D. Estevão Soares da Silva, no exercício dos poderes que lhe eram inerentes como prelado bracarense, tentou reformar a diocese. A esta atitude reagiram alguns clérigos, entre eles os priores dos mosteiros da Costa e de S. Torcato e o da colegiada de Guimarães (VILAR – D. Afonso II, p. 224). Esta divergência levará à composição de 1216 – Composição Antiga – estabelecida entre o arcebispo de Braga e o prior de Guimarães, D. Diogo (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 99 e pp. 179-181). 339 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, p. 99; VILAR – D. Afonso II, p. 188 e FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 123-124. As inquirições de 1220 são designadas por Registos de Guimarães (RIBEIRO, João Pedro – Memórias para a História das Inquirições dos primeiros reinados de Portugal coligidas pelos discípulos da aula de diplomática no ano de 1814 para 1815. Lisboa: na impressão régia, 1815, p. 14 e 103, nota 2). 340 TT-CSMOG-DR01-07; VMH, doc. CCXXI, p. 203 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 344, p. 320. 341 TT-CSMOG-DR01-07e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 391, p. 368. 342 As queixas foram apresentadas pelo arcebispo de Braga e pelos bispos de Coimbra, da Guarda e do Porto (VENTURA, Leontina – D. Afonso III. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3726-5. p. 96). Sobre estas cortes veja-se: MARQUES, A. H. Oliveira – Guimarães, cortes de 1250. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. III, pp 177-178 e SOARES, Torquato de Sousa – As primeiras Cortes Gerais da monarquia portuguesa realizadas em Guimarães em 1250. RG, 1993, vol. XCIII, pp. 345-349. 343 No núcleo do Castelo não existia qualquer edifício capaz de albergar os trabalhos e a respetiva comitiva e além disso, baseando-se nas inquirições de 1258, as casas nobres apenas se encontravam nas proximidades da Igreja de Santa Maria (FERREIRA– Guimarães: duas vilas, p. 133). 344 VENTURA – D. Afonso III, p. 97.

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61

novamente um conjunto de leis que visavam essencialmente a regulamentação desse direito

exercido pelos senhores laicos sobre instituições religiosas, concretizando assim as ações

prometidas nas cortes de Guimarães de 1250345.

Além destas leis, que se destinavam à proteção de todas as igrejas e mosteiros, D. Afonso

III manifestou ainda, por carta expedida em Leiria, a 9 de abril de 1268, a sua proteção à

colegiada de Guimarães bem como ao prior e aos cónegos dessa igreja, face às queixas que estes

formularam dos cavaleiros e de outras pessoas que faziam dano nas suas propriedades346. Tal

proteção foi reiterada, em 9 de fevereiro de 1276, por carta dada em Lisboa e dirigida ao alcaide

e juiz de Guimarães. O monarca mandou ainda que estes identificassem os infratores intimando-

os a comparecer na corte no dia marcado347. Neste contexto, o rei ordenou ao juiz de Guimarães,

em 1271, que obrigasse “Martinus Fernandi miles” a comparecer perante ele para justificar a

usurpação de uma herdade em Urgeses348. Ordenou também a Maria Soeiro que justificasse a

posse de um casal em Aldão349 já que ambas as propriedades pertenciam à canónica de

Guimarães.

O Bolonhês manifestou ainda apoio à colegiada no que se refere à jurisdição sobre a

igreja de S. João de Vila do Conde. Esta terá entrado na posse de Maria Pais, conhecida como a

Ribeirinha350. Contudo, surge como pertencente à mesa do prior de Guimarães na divisão dos

bens entre este e o cabido em 1223351. Nesse sentido, D. Afonso III, por carta dada em Lamego

em 27 de abril de 1253, mandou à referida Maria Pais entregar essa igreja a Estevão Pires, seu

reitor, apresentado pelo prior e cabido de Guimarães e confirmado pelo papa352. Esta

apresentação gerou o levantamento do Concelho e dos clérigos contra Estevão Pires requerendo

345 Por esta carta ficam a saber-se os 12 itens que regulamentavam o direito de padroado e de aposentadoria. Estas normas definem a frequência das visitas e respetivas comitivas (VENTURA – D. Afonso III, pp. 125-127). 346 TT-CSMOG-DR01-11. Segundo as várias inquirições, José Mattoso chega à conclusão de que a nobreza vimaranense neste período poderia ser considerada mais ou menos modesta. Mesmo com propriedades em várias freguesias, a fragmentação limitava o seu poder. Com um centro urbano sustentado por uma burguesia amplamente posicionada, tal fragmentação não permitiu a implantação neste território de uma nobreza forte e dominante (MATTOSO, José - As famílias nobres na região de Guimarães no século XIII. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 3, pp. 319-327). 347 TT-CSMOG-DR01-07 e VMH, doc. CCLXVIII, p.340. 348 COSTA – Documentos da Colegiada de Guimarães, p. 570. 349 COSTA – Documentos da Colegiada de Guimarães, p. 571. 350 A doação de Vila do Conde a Maria Pais (a Ribeirinha) foi feita por D. Sancho I em 1209 (OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 154, nota 84 e MOTA - Testamentos régios, p. 33 e p. 166). 351 A igreja de S. João de Vila do Conde surge na lista dos bens afetos à mesa do prior quando se fez a separação dos bens entre este e o cabido de Guimarães (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, Anexos - Divisão de bens entre o prior e o cabido – Bens do prior). 352 VMH, doc. CCXCVIII, p. 214. Um documento de 8 de maio de 1282 confirma que o padroado desta igreja pertence à colegiada vimaranense (AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-1-24; documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 127).

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a intervenção régia. D. Afonso III, por carta enviada de Rates no dia de S. João Batista, do mesmo

ano, mandou aos juízes, Concelho e clérigos que obedecessem a Estevão Pires, como reitor da

igreja de Vila do Conde353. Mais tarde, foi dada a mesma ordem foi reiterada, ou seja, que

obedecessem ao cabido vimaranense e devolvessem a Estevão Pires todos os bens que lhe

haviam sido retirados. Este diploma foi lavrado a 2 de julho do mesmo ano354. A proteção régia

estendeu-se ainda à defesa da colegiada face ao almoxarife e juízes ordinários de Guimarães

para que não impedissem os cónegos vimaranenses de receberem as soldadas das casas

pertencentes às igrejas de Santa Maria e de S. Paio. A carta régia foi outorgada em Lisboa, a 14

de dezembro de 1274355. Este assunto voltará a ter a interferência de D. Dinis aquando das

inquirições de 1288, como veremos mais à frente.

O dinamismo urbano que se foi desenvolvendo em torno da colegiada contribuiu para

que esse espaço se ampliasse e ganhasse protagonismo em relação ao castelo necessitando, por

isso, de proteção. É, portanto, neste reinado que se inicia a construção das suas muralhas pois

um diploma de 1265, anexado a outro de 1318, dá-nos conta dos prejuízos causados por esta

construção nos herdamentos e hortas da colegiada356. A questão acerca destes danos surgirá

ainda nos dois reinados seguintes.

Segundo Leontina Ventura, “D. Afonso III tudo fez para conseguir o máximo de controlo

sobre a igreja portuguesa, quer colocando à frente dela eclesiásticos em quem confiava

plenamente, quer intervindo nas eleições episcopais e atribuindo com abundância benefícios

eclesiásticos”357. Verifica-se, então, durante este reinado que passaram pelo priorado

vimaranense alguns dos principais eclesiásticos demonstrando a relação de proximidade desta

instituição com o rei bem como o prestígio que constituía ser prior de Guimarães. A primeira

referência vai para Pedro Juliães, mais conhecido como Pedro Hispano, que antes de ser papa

(João XXI) deteve este priorado358. A apresentação do monarca foi a 12 de fevereiro de 1257, por

353 TT-CSMOG-DR01-09 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 154. 354 TT-CSMOG-DR01-10 e VMH, doc. CCXLIX, pp. 214-215. 355 TT-CSMOG-DR01-12 e TT-CSMOG-DR01-13. 356 VMH, apenso ao doc. CCXCVII, p. 393. A construção desta muralha é atribuída a D. Dinis. Este monarca, num diploma de 1318, refere-se ao muro que hy mandei fazer (VMH, doc. CCXCVI, pp. 392-393, citação na p. 392). 357 VENTURA – D. Afonso III, p. 150. 358 Trata-se de uma das principais figuras da História da Igreja, à qual se atribuem vários tratados de filosofia e medicina. Muitos são os trabalhos publicados sobre Pedro Hispano, dos quais destacamos: MEIRINHOS, José Francisco Preto – Pedro Hispano (século XIII). Porto, 2002, 2 vols.. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto; FERREIRA, P. João - HISPANO, Pedro. In SERRÃO – Dicionário de História de Portugal, vol. I, pp. 364-365; PONTES, J. M. da Cruz – Questões pendentes acerca de Pedro Hispano Portugalense (filósofo, médico e papa João XXI). In IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga. Actas do Congresso Internacional. Braga: Universidade Católica/Faculdade Teologia e Cabido Metropolitano e Primacial de Braga, 1990, vol. II/1, pp. 101-124 e ANTUNES, José – O percurso e o pensamento político de Pedro Hispano, arcebispo-eleito de

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carta dirigida ao arcebispo de Braga, D. Martinho359. Esta nomeação terá tido como objetivo a

gratificação pelos serviços à Coroa, nomeadamente como seu representante no conflito que esta

teve com o clero360. Terá também exercido funções na cúria régia como conselheiro do rei361.

Contudo, alguns anos mais tarde, o monarca apresentou para prior de Guimarães o deão de

Braga, Fernão Joanes362, pertencente à família dos Portocarreiros, que eram presença na corte

régia363. Este prior participou nas cortes de Guimarães de 1250, como conselheiro do rei364, e

exerceu também funções de notário régio365. Temos ainda o caso de Domingos Anes Jardo,

capelão e conselheiro de D. Afonso III, que terá participado na instrução do então infante D.

Dinis366 e constituiu uma das testemunhas do contrato antenupcial entre este e D. Isabel de

Aragão367. Foi um dos poucos clérigos que se manteve fiel ao monarca até à sua morte368. No

reinado seguinte, foi clérigo do rei e ocupou ainda o cargo de chanceler-mor369. Na sua carreira

eclesiástica destacamos ainda a cátedra da Sé de Évora (1284-1289) e da de Lisboa (1289-

1293)370.

Braga e papa João XXI. In IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga. Actas do Congresso Internaciona. Braga: Universidade Católica/Faculdade de Teologia e Cabido Metropolitano e Primacial de Braga, 1990, vol. II/1, pp. 125-184 e RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, pp. 116-123. 359 Pedro Hispano teve grande dificuldade na tomada de posse do seu priorado vimaranense devido à resistência de D. Martinho Geraldes, arcebispo de Braga, que tinha sido seu antecessor e mantinha o direito às rendas da colegiada por um período de 10 anos (ANTUNES – O percurso e o pensamento político de Pedro Hispano, pp. 141-147; OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 155-156 e RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, pp. 118-119). 360 José Meirinhos questiona o porquê da presença de Pedro Juliães nestas questões, dada a sua formação ser em Lógica e em Medicina. Segundo este investigador, uma das hipóteses pode ser a posição que ocupava na hierarquia da Igreja ou o seu prestígio. Será de supor que, para fazê-lo, teria que possuir também formação jurídica. Fica-se assim sem saber qual a causa real (MEIRINHOS – Pedro Hispano, pp. 38-39). 361 Pedro Juliães, num documento de 24 de maio de 1254, aparece juntamente com alguns fidalgos como conselheiro e privado do rei. Nesta altura era deão de Lisboa (VENTURA– D. Afonso III, p. 120 e p. 123). Para conhecimento das relações entre D. Afonso III e Pedro Juliães, veja-se: ANTUNES - O percurso e o pensamento político de Pedro Hispano, pp. 123-184 (destacamos o quadro - resumo dessa ligação na p. 129). 362 Para alguns autores, o rei ter-se-á agastado pelo constante acumular de benefícios que Pedro Hispano procurava: deado de Lisboa, arcediagado de Braga, priorado de Guimarães, mestre-escolado de Lisboa (OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p.158; VENTURA – D. Afonso III, p. 188 e RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL - Os capitulares bracarenses, p. 119). A apresentação para prior de Guimarães de Fernão Anes, por D. Afonso II,I foi confirmada na bula de Clemente IV, de 29 de julho de 1268 (ANTUNES – O percurso e o pensamento político de Pedro Hispano, p. 143). 363 OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 150. 364 Na altura era deão de Braga (RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL – Os capitulares bracarenses, p. 58 e VENTURA – D. Afonso III, p. 96). 365 VENTURA – D. Afonso III, p. 143. 366 VENTURA – D. Afonso III, p. 209 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 159. 367 ANDRADE, Maria Filomena- Rainha Santa, mãe exemplar: Isabel de Aragão. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. ISBN 978-972-42-4704-5. p. 106. 368 VILAR, Hermínia Vasconcelos – O episcopado do tempo de D. Dinis. Trajectos pessoais e carreiras eclesiásticas (1279-1325). Revista Arquipélago – História, 2001. ISSN 0871-7664. 2ª série, vol. V, p. 582. 369 PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor – D. Dinis. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 972-42-3483-5. p. 91 e ANDRADE - Rainha Santa, p. 209. 370 VENTURA – D. Afonso III, p. 209.

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Durante o reinado dionisino, o direito de aposentadoria dos nobres nas instituições

religiosas estará presente como grande preocupação da clerezia em geral, acerca da qual a

colegiada de Guimarães nos deixa algumas notícias. As queixas formuladas pelo prior e cabido

vimaranenses junto do monarca mantêm-se na mesma linha do que vinha sendo feito no reinado

anterior. Logo no seu início, a 31 de julho de 1279, queixou-se o cabido de Guimarães ao rei do

mal causado pelos cavaleiros e outros homens “[…] que os desafiam, e les fazem damandas

leigalmente […]”. D. Dinis enviou então um diploma a Vasco Martins, seu meirinho mor, no qual

confirmou a sua proteção à colegiada de Guimarães. Nessa carta fica ainda patente a defesa dos

cónegos vimaranenses contra os abusos de cavaleiros e outros homens, ordenando o rei ao seu

oficial que defendesse aqueles e corrigisse os danos causados371. A mesma defesa e proteção é

reiterada anos mais tarde. Aproveitando concerteza a presença do monarca nessa vila, aquando

das cortes de 1288372, os capitulares de Guimarães voltaram a queixar-se ao monarca desses

abusos. A resposta do rei é dada nessa vila, a 12 de julho de 1288. Nela o monarca, referindo a

sua obrigação de proteção para com a igreja de Santa Maria e a exemplo de seu pai e avós,

ordenou aos meirinhos e juízes de Entre- Douro-e-Minho que a protegessem e guardassem

desses afrontas373. Observa Conceição Ferreira que a realização destas cortes ocorreu entre os

dias 9 e 14 de julho de 1288 sendo este diploma datado desse período. Segundo a investigadora,

pode admitir-se ser apenas uma das queixas apresentadas já que se desconhece a Acta dos

Agravamentos374. A falta de cumprimento da ordem régia levou a nova queixa, relembrando o

primeiro diploma, tendo-se D. Dinis dirigido às justiças do reino e mandando que se cumprisse o

previamente determinado. Este ato foi lavrado na Costa a 1 de julho de 1292375.

Seguiram-se mais duas cartas régias, neste caso por queixa feita pelo prior, mestre Pedro,

físico e clérigo do rei. Na primeira, de 9 de setembro de 1316, o rei ordena ao alcaide de

Guimarães e aos seus juízes que protejam a “sua” igreja de Santa Maria dos abusos dos

cavaleiros e outros homens poderosos. Manda ainda apregoar pela vila que aqueles que não

cumprissem esta determinação régia pagariam seis mil soldos de pena e ordena ao seu meirinho,

Gomes Martins, que promova o seu cumprimento376. A outra carta foi dada em Santarém, a 15

371 Este diploma foi dado na Guarda a 1279-07-31 (TT-CSMOG-DR01-07; TT-CSMOG-DR01-14 e VMH, doc. CCLXXI, p. 342). 372Sobre estas cortes veja-se: MARQUES, A. H. Oliveira – Guimarães, cortes de 1288. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. III, p.178. 373 VMH, doc. CCLXXVI, p. 345. 374 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 143, nota 237. 375 TT-CSMOG-DR01-16. 376 TT-CSMOG-DR01-04 e VMH, doc. CCXCV, p. 392.

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de novembro de 1322, reportando a ordem já dada por D. Afonso III a Nuno Martins de Chacim,

que tinha sido seu meirinho377.

No sentido de colmatar os abusos senhoriais, mandou o Lavrador inquirir sobre as

propriedades régias. Foram várias as inquirições realizadas por este monarca correspondendo a

um alargamento da respetiva área geográfica. Estas iniciativas tinham como objetivo estancar a

apropriação de terras pertencentes à Coroa por parte dos senhores. Aproveitando as queixas

que estes, laicos e eclesiásticos, fizeram chegar até si nas cortes de Guimarães, em 1288, contra

os porteiros régios que atuavam de forma abusiva nas suas terras imunes378, mandou o monarca

proceder a nova inquirição. Segundo Conceição Ferreira, foi na colegiada que tomou posse a

comissão de inquiridores379.

Nestas inquirições dionisinas de 1288, a Igreja de Santa Maria foi também visada pelo

poder régio, uma vez que no julgado de Guimarães foram detetadas lacunas na posse que a

colegiada fez de algumas terras. Assim, na freguesia da Costa, há o lugar de Vilar que, segundo as

testemunhas, é honrado da Igreja de Santa Maria desconhecendo-se, porém, a razão. A decisão

tomada é que continue nessa situação até posterior esclarecimento380. Na freguesia de Gémeos

há o casal de Vila Verde que, segundo as testemunhas, é honrado de Santa Maria mas a decisão

é que entre aí o mordomo com todos os seus direitos381. O mesmo aconteceu na freguesia de

Urgeses, no lugar da Quintã382. Quanto aos coutos na freguesia de S. João de Ponte e na

freguesia de S. Paio de Vila Cova, segundo as testemunhas pertencentes a Santa Maria de

Guimarães, sentenciou o monarca que se mantenham como coutos383. Registe-se ainda que nas

inquirições de Afonso III de 1258 se tinha verificado a posse, por parte do chantre de Guimarães,

de dois casais situados na freguesia de S. Miguel de Creixomil, constituídos por terrenos

reguengos, à exceção de uma pequena área onde se localizava a casa384.

377 TT-CSMOG-DR01-04 e VMH, doc. CCCV, p. 398. 378 PIZARRO – D. Dinis, p. 154. 379 Foram eles Pedro Martins, prior da Costa, Gonçalo Rodrigues de Moreira e o advogado de Braga, Domingos Pais, respetivamente pelo clero, nobreza e povo. Como redator, o tabelião da vila, Paio Esteves (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 141-142, PIZARRO – D. Dinis, pp. 154-155 e Portugaliae Monumenta Historica. A Saeculo Octavo post Christum usque ad Quintumdecimum. Inquisitiones – Inquisições Gerais de D. Dinis de1288. Sentenças de 1290 e execuções de 1291. Lisboa: Academia das Ciências, 2012, nova série. ISBN 978-972-27-2098-4. Vol. IV/1, pp. XIV-XV. (Passaremos a referir apenas: PMH - Inq. 1288). 380 PMH - Inq. 1288, p. 616 e VMH, doc. CCLXXVIII, pp. 350-351. 381 PMH – Inq. 1288, pp. 618-619 e VMH, doc. CCLXXVIII, p. 352. 382 PMH – Inq. 1288, p. 606 e VMH, doc. CCLXXVIII, p. 361. 383 PMH – Inq. 1288, p. 610 e VMH, doc. CCLXXVIII, p. 357; PMH – Inq. 1288, p. 615 e VMH, doc. CCLXXVIII, p. 355, respetivamente. 384 VMH, doc. CCLIV, p. 244 (referido por: COELHO – A População e a propriedade, p. 507).

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Quanto à vila de Guimarães, segundo as testemunhas, há cerca de oitenta a cem casas

em redor das Igrejas de S. Paio e de Santa Maria, às quais os cónegos de Guimarães cobravam

soldadas385. Queixou-se ainda uma testemunha da agressão que sofreu por parte de Pedro

Esteves, capitular vimaranense, quando pretendia pagar esse tributo ao rei. Na contenda que

surgiu acerca desta cobrança entre os mordomos do rei e o cabido, num diploma dado em

Guimarães a 1 de agosto de 1292, sentenciou o monarca a favor dos clérigos de Guimarães,

mandando aos juízes da vila que não lhes cobrassem essas soldadas386. Esta prerrogativa voltou a

ser reforçada num outro ato, datado de 14 de maio de 1295, lavrado em Coimbra e dirigido aos

almoxarifes e mordomos de Guimarães387.

A construção da nova muralha que, como já referimos, se tinha iniciado no reinado

anterior e se pretendia que envolvesse a chamada vila Baixa, onde se localizava a colegiada,

acarretou prejuízos para esta instituição em algumas das suas propriedades. Aproveitando uma

dádiva de 1500 libras dos homens-bons de Guimarães, que se destinava à festa do Corpo de

Deus, solicitaram os seus clérigos a D. Dinis permissão para utilizarem esse montante na

aquisição de novas propriedades, alegando os prejuízos causados pela nova construção. O rei, a

21 de julho de 1318, concedeu licença para tal mas instigou aos tabeliães dessa vila que

acompanhassem o processo e não permitissem que o valor estipulado fosse ultrapassado388.

Cumpre referir que estamos perante um monarca que tentou controlar o aumento dos

senhorios eclesiásticos. Anos antes, tinha D. Dinis legislado nesse sentido, promulgando as

chamadas Leis de desamortização (uma de 1282 e três de 1286), que proibiam os clérigos e as

ordens religiosas de adquirirem bens389. Ao contrário do que possa parecer e sem contrariar o

sentido das suas determinações, há a reconhecer que, neste caso, a autorização do monarca foi

justificada pelos prejuízos causados na construção da muralha. Nesse sentido, mandatou os

funcionários régios para o controlo e fiscalização do processo de aquisições390.

385 GONÇALVES, Iria – Soldadas. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, Vol. VI, p. 58. Vários são os locais onde se localizavam essas casas: doze situavam-se “ant’o forno de Santa Maria”, de oitenta a cem em torno da igreja de S. Paio, outras ainda “a par da adega del Rey” e “des o arco dant’a casa de Domingos Eanes ata o arco de Santa Maria (PMH – Inq. 1288, pp. 628-629 e VMH doc. CCLXXVIII, p. 353). 386 AMAP - Pergaminhos, doc. 8-2-3-18 e VMH, doc. CCLXXV, pp. 344-345. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 131. 387 Traslado em pública forma de 1295-12-12 (TT- CSMOG-DR01-21). 388 Documento lavrado em Freelas (VMH, doc. CCXCVI, p. 392). 389 MARQUES, A. H. Oliveira - Desamortização, leis de. In SERRÃO – Dicionário de História de Portugal, vol. 1, pp. 287-288 e PIZARRO – D. Dinis, p. 94. 390 Num documento de compra, de 5 de maio de 1319, feita pelo cabido de Guimarães, está inserida a carta régia que permite essa transação e que foi apresentada pelo cónego Simão Martins ao tabelião (AMAP - Pergaminhos, doc. 8-2-3-33. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 212).

Page 70: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

67

O monarca tomou também outras medidas de caráter protecionista a favor dos clérigos

da colegiada de Guimarães. Por sentença enviada de Montemor-o-Novo a 6 de janeiro de 1288,

dirigida aos juízes de Guimarães, D. Dinis mandou que os homens de Moreira e de Vila Cova

povoassem os casais reguengos que o cabido aí possuía391. A proteção régia estendeu-se

também aos servidores e criados dos clérigos de Santa Maria. Por isso, D. Dinis enviou de Leiria, a

15 de abril de 1312, mais um diploma a Fernão Rodrigues, seu meirinho-mor, ordenando-lhe que

não constrangesse os criados dos cónegos de Guimarães a trabalharem na curtada da mata dos

Taipães392.

Quanto à ligação do monarca aos priores de Guimarães, ela mantém-se na senda dos

reinados anteriores. Para este cargo são chamados aqueles que circulam na órbita do rei. Neste

reinado destacamos o já referido Domingos Anes Jardo, apresentado como prior de Guimarães

em 25 de maio de 1279, que, além de precetor de D. Dinis, foi também seu chanceler-mor393.

Seguiu-se Afonso Soeiro, apresentado como prior em 20 de março de 1280, que desempenhava

a função de sobre-juiz régio. Acumulou estas funções com o deado de Braga394. Após este

último, temos Paio Domingues, clérigo do rei395, de cuja carreira eclesiástica, para além do

priorado vimaranense, faziam parte a dignidade de deão de Évora, arcediago de Beja e prior de S.

João de Beja396. Foi um dos subscritores do documento elaborado em Montemor-o-Novo, em 12

de novembro de 1288, e enviado ao papa Nicolau IV, com o objetivo da fundação de um estudo

geral em Lisboa397. Segue-se Rui ou Rodrigo Pires398, em 1301, (filho do prelado bracarense D.

Martinho Pires de Oliveira)399 que, além de prior de Guimarães, foi também deão de Évora400 e

mais tarde bispo de Lamego401. Não se conhecem ligações especiais deste prior à monarquia. A

sua ascensão eclesiástica deve-se essencialmente aos laços familiares que o ligam a D. Martinho

391 AMAP- Pergaminhos, doc. 8-2-1-5; VMH, doc. CCLXXV, pp. 344-345. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 128. 392 TT-CSMOG-DR01-26. 393 VENTURA – D. Afonso III, p. 209; OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 159 e PIZARRO – D. Dinis, p. 91. 394 OLIVEIRA - História da Real Colegiada, p. 159. No trabalho de RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL (Os capitulares bracarenses. Notas biográficas) não existe qualquer referência a um Afonso Soeiro como deão de Braga neste período. Verifica-se, contudo, que a Fernão Anes Portocarreiro (1247-1273) lhe sucedeu Martim Rodrigues, apenas em 1290, não referindo os autores a causa deste hiato (RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, pp. 52-58). 395 OLIVEIRA –História da Real Colegiada, p. 159. 396 OLIVEIRA –História da Real Colegiada, p. 159 e VILAR– As dimensões de um poder, p. 331. 397 PIZARRO - D. Dinis, p. 138. 398 OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 164. 399 RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, p. 215. 400 VILAR - O episcopado do tempo de D. Dinis, p. 602. 401 OLIVEIRA– História da Real Colegiada, p. 165, SARAIVA – A Sé de Lamego, pp. 60-82 e VILAR - O episcopado do tempo de D. Dinis, p. 603.

Page 71: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

68

Pires de Oliveira, arcebispo de Braga, este sim, com forte ligação ao monarca402. Segue-se, a

partir de 1316, Mestre Pedro403, físico e clérigo do rei404, que foi também cónego de Braga e de

Lisboa405.

Também no reinado de D. Afonso IV surgem as queixas dos clérigos de Santa Maria

relativas à questão das pousadas dos cavaleiros e fidalgos. Estes exerciam esse direito não só nas

propriedades da colegiada de Guimarães mas também nas igrejas suas sufragâneas. O monarca,

na senda de seu pai e dos reis seus antecessores, tomou sob sua proteção a canónica em face

dos abusos desses cavaleiros e fidalgos, logo a 24 de maio de 1327, em Lisboa, por carta régia

enviada a Vasco Pereira, seu meirinho-mor. Instou também ao mesmo oficial que os usurpadores

desse direito fossem obrigados ao pagamento dos prejuízos causados406. Ainda sobre o assunto

respeitante ao prejuízo da construção da nova muralha, sabemos que o mesmo foi levado à

presença do rei. Pela resposta deste, a 14 de agosto de 1342, terão os cónegos de Santa Maria

solicitado a D. Afonso IV permissão para adquirirem bens tais como casas e hortas, na vila e no

seu termo, cujas rendas não ultrapassassem as cem libras anuais. D. Afonso IV deferiu o pedido

mas, à semelhança de D. Dinis, mandou ao seu almoxarife e escrivão que validassem tais

aquisições de forma a que se cumprisse o limite estipulado dessas rendas407.

O flagelo da Peste Negra, como referimos no ponto anterior, deixou sinais na região

vimaranense. A elevada mortalidade levou ao despovoamento do território e à consequente

carência de mão-de-obra. A agricultura e a pecuária foram dois dos setores em que a falta

daqueles que até então aí trabalhavam causou elevados prejuízos com o abandono das terras de

cultivo e do tratamento do gado. Esta carência resultou na substancial subida dos salários rurais

e no abandono da agricultura provocando carência de géneros alimentares para a subsistência

das populações. Tal facto conduziu ao agudizar da crise económica e social obrigando à

intervenção régia. Neste sentido legislou o monarca, com o objetivo de colmatar este défice de

mão de obra, na chamada «lei» portuguesa de 1349408. A colegiada de Guimarães sofreu

também os prejuízos do abandono das suas propriedades por parte daqueles que as traziam

402 D. Martinho Pires de Oliveira foi um grande colaborador de D. Dinis em diversas ações. Destacamos o seu papel nas várias concordatas estabelecidas entre o monarca e o clero e nas negociações para a criação da Ordem de Cristo (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 66, nota 128). 403 OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 165-166. 404 VMH, doc. CCCV, p. 398. 405 RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, p. 197 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 165. 406 TT-CSMOG-DR01-04 e VMH, doc. CCCVIII, p. 400. 407 TT-CSMOG-DR01-39. 408SOUSA, Bernardo Vasconcelos e - D. Afonso IV. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. ISBN 972-42-3517-7. pp. 137-144.

Page 72: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

69

emprazadas refletindo-se na redução das respetivas rendas. Em consequência disso, o prior

Mestre João Afonso e o cabido de Guimarães queixaram-se ao rei. Este respondeu em Óbidos, a

11 de agosto de 1350, dirigindo-se às justiças régias no sentido de obrigarem os rendeiros da

Igreja de Santa Maria a trabalhar as herdades e casais que traziam emprazadas e a pagarem as

respetivas rendas409.

No seguimento da política régia anterior, que se traduzia no anti-senhorialismo, tentou o

monarca restringir os poderes detidos pelos senhores, tanto laicos como eclesiásticos. Neste

sentido, D. Afonso IV ordenou no primeiro trimestre de 1334 o designado chamamento geral,

que obrigava todos aqueles que possuíam castelos, coutos, honras ou jurisdições a fazerem a

respetiva prova perante os ouvidores dos feitos410. Respondendo a este chamado, o prior e o

cabido, detentores de terras imunes, apresentaram-se pelo seu procurador, o cónego Fernão

Vasques, em Santarém a 21 de fevereiro de 1334. Perante os referidos ouvidores, comprovou-se

que os coutos de Vila Cova, de S. João de Ponte e de Ribas pertenciam à colegiada vimaranense.

No entanto, ficou a dúvida quanto à jurisdição aí exercida pela colegiada já que o seu procurador

(do prior e do cabido) não dispunha de poderes para dirimir tal questão, que ficou assim adiada

para o domingo de Pascoela411. Verifica-se também que os moradores desses coutos vinham

litigar perante o juiz de Guimarães em vez de o fazerem junto do prior ou do seu ouvidor, pelo

que o cabido de Guimarães fez saber junto daquele, em maio de 1336, que devia respeitar todas

as jurisdições que a colegiada possuía no couto de S. João de Ponte412. D. Afonso IV sentenciou

várias vezes a favor da canónica de Guimarães, sempre em questões relacionadas com bens

patrimoniais e respetivas rendas413.

Dois exemplos ilustram a ligação dos priores de Guimarães ao monarca. D. Miguel Vivas,

que era um clérigo aragonês, ocupou os cargos de chanceler e vedor da chancelaria no início do

reinado. A sua carreira eclesiástica terá passado por Braga e Lisboa como cónego414. Pela

409 TT-CSMOG-DR01-40. 410 SOUSA – D. Afonso IV, p. 102. 411 AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-3-7 e VMH, doc. CCCIX, pp. 400-401. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 218. 412 AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-3-20 e VMH, doc. CCCXI, p. 402. Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos pergaminhos, 1905, vol. X, p. 222. 413 Dessas sentenças temos: em Lisboa, a 18 de fevereiro de 1328 (TT-CSMOG-DR01-33) e a 20 de agosto de 1331 (TT-CSMOG-DR01-36); em Santarém, a 7 de maio de 1351 (TT-CSMOG-DR02-01) e a 20 de julho de 1356 (TT-CSMOG-DR02-02). 414SOUSA – D. Afonso IV, p. 76; RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA, MACIEL– Os capitulares bracarenses, p. 231; OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 167 e HOMEM, Armando Luís Carvalho – O Desembargo Régio (1320-1433). Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica. Centro de História da Universidade do Porto, 1990. ISBN 972-667-146-9. pp. 369-370.

Page 73: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

70

confiança que o monarca nele depositava tentou colocá-lo como prelado do Porto em 1327. Não

o tendo conseguido, acabou então por ocupar a cátedra visiense em 1330415. Também o prior

(Mestre) Afonso Vasques, doutor em degredos, terá tomado posse desse priorado em 1353.

Surge como testemunha do contrato de casamento entre a infanta D. Maria e o infante D.

Fernando, marquês de Tortosa e senhor de Albarcim, a 8 de julho de 1353416.

Apesar das sucessivas manifestações de proteção desencadeadas pelos monarcas contra

os abusos dos ricos-homens e fidalgos, o prior de Guimarães, D. Gonçalo Teles417, queixou-se a D.

Pedro I da mesma situação referindo a proteção dada a esta igreja por D. Afonso (II), filho de D.

Sancho. O rei mandou então, em 1364, aos tabeliães que citassem os infratores para se

submeterem à sua presença418. Cristina Pimenta refere os privilégios régios de maior amplitude

outorgados por D. Pedro I ao clero419 dando como exemplo justamente o prior de Guimarães.

Segundo esta investigadora, o prior Gonçalo Teles recebeu do rei a confirmação da jurisdição

espiritual sobre a colegiada pois o monarca ordenou a João Pires, corregedor do Entre-Douro-e-

Minho, que prendesse aqueles, tanto clérigos como leigos, que contestassem essa

prerrogativa420. Na mesma data, e num terceiro diploma, D. Pedro manda ainda às justiças e

tabeliães do reino que publiquem e façam cumprir as penas de excomunhão dadas pelos priores

vimaranenses, privilégio outorgado pelo papa421. Todas estas interferências do monarca no

exercício da jurisdição por parte da colegiada foram justificadas pelo próprio rei como sendo

uma ajuda “do braço sagral” que era devida “em favor e reverença da Sancta Igreja de Roma.”

Também D. Fernando confirmou os privilégios da colegiada de Guimarães a pedido de

Mestre Vicente, seu prior, por carta dada em Santarém a 25 de novembro de 1368422. Na

sequência do reinado anterior, confirmou no mesmo dia o poder jurisdicional dos priores em

matéria de sentenças de excomunhão face aos que violavam direitos e bens da sua igreja,

415 SOUSA - D. Afonso IV, p. 134. 416 OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 167-168. 417 Este prior foi apresentado por D. Pedro a 10 de maio de 1363 (PIMENTA, Cristina – D. Pedro I, Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. ISBN 972-42-3438-X. p. 97). 418 27 de abril de 1364, Santarém (TT-CSMOG-DR01-4; Chancelaria D. Pedro I, doc. 898, pp. 414-415; VMH, doc. CCCXXIII, pp. 409-410). 419 A autora refere o Mosteiro de Alcobaça, que vê a confirmação da jurisdição que exerce sobre certos julgados, recebe a jurisdição cível e crime no reguengo de Beringel, assim como a confirmação da doação do couto novo e velho pertencentes ao mosteiro. Também o Mosteiro de Santa Clara de Coimbra e o Mosteiro da Costa em Guimarães recebem vários padroados de igrejas (PIMENTA – D. Pedro I, p. 128). 420 PIMENTA – D. Pedro I, p. 128. Apesar dos priores de Guimarães gozarem desta prerrogativa, Gonçalo Teles refere que alguns clérigos e leigos não estavam a respeitá-la. Por seu lado, o monarca alude à composição (Composição Antiga) entre a Igreja de Braga e o prior e cónegos da colegiada de Guimarães, outorgada e confirmada pelo papa. 1364-04-27 (Chancelaria de D. Pedro I, doc. 897, pp. 413-414 e VMH, doc. CCCXXII, p. 409). 421 1367-04-27 (Chancelaria de D. Pedro I, doc. 899, pp. 415-416). 422 TT-CSMOG-DR02-03; TT-CSMOG-DR01-04 e VMH, doc. CCCXXVI, p. 411.

Page 74: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

71

provavelmente porque Mestre Vicente temia que tais sentenças por ele dadas não fossem

publicadas pelas justiças régias423.

Quanto à ligação do monarca com os priores de Guimarães, destacamos neste reinado o

já referido mestre Vicente, que era seu físico424. A este seguiu-se o castelhano D. Martinho,

muito ligado à cúria de Avinhão e à corte de Anjou, e que, sob proteção régia, para além deste

priorado alcançou a dignidade de bispo de Silves e depois de Lisboa, em 1379, onde morrerá na

revolta popular de 1383425. D. Leonor Teles exerceu como regente o direito de padroado ao

apresentar como prior o seu clérigo, Dr. João das Regras426.

Verificamos assim, ao longo dos vários reinados, a preocupação dos monarcas pela “sua”

igreja de Santa Maria de Guimarães no que se refere aos abusos dos fidalgos, cavaleiros e ricos-

homens, colocando-a sucessivamente sob sua proteção, obrigação esta inerente ao estatuto de

patrono. As doações régias ocorreram apenas nos primeiros reinados, a par do que acontecia

com outras instituições eclesiásticas, justamente pela necessidade da restrição do aumento do

património do clero. Quanto a outras prerrogativas, elas são na generalidade muito semelhantes

às outorgadas a outras instituições eclesiásticas do reino.

Ao longo deste capítulo fomos estabelecendo várias ligações entre a Coroa e alguns dos

priores de Guimarães. O rei, como patrono da instituição, usava o direito de apresentação do

prior com o objetivo de agraciar alguns clérigos da corte por serviços prestados em importantes

funções curiais.

Parte II

A colegiada vimaranense no reinado de D. João I (1385-1433)

Capítulo 1 - A instituição

Nos tempos remotos da cristandade já existiam comunidades de clérigos junto dos bispos

com o objetivo de os auxiliarem nas suas funções, designados por presbyterium. Dava-se assim

423 VMH, doc. CCCXXVII, p. 411. 424 TT-CSMOG-DR02-03; TT-CSMOGDR01-04 e VMH, doc. CCCXXVI, p. 411; VMH, doc. CCCXXVII, p. 411 e GOMES, Rita Costa – D. Fernando. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. ISBN 972-42-3441-X. p. 160. 425 GOMES – D. Fernando, p. 86. 426 A carta de confirmação do arcebispo de Braga, D. Lourenço Vicente, datada de 23 de dezembro de 1383, está publicada em: PIMENTA, Alfredo – Para a História da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, de Guimarães. BTH, 1941, vol. VI, pp. 2-4 (biografia nº 4).

Page 75: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

72

início a um ideal de vida comunitária do clero secular, segundo um canon ou Regra, e a uma

partilha de bens cujos elementos vieram, mais tarde, a designar-se por cónegos. Este ideal de

vivência apostólica e de comunidade foi-se enraizando, quer pela ação de S. Eusébio de Vercelli e

de Santo Agostinho quer, a partir dos séculos VIII e IX, pela dos prelados S. Bonifácio e S.

Condegongo (bispo de Metz), tendo sido estabelecida no Concílio de Aix (817) uma regra para

estas comunidades. Assim, estes colégios seculares tinham uma vivência comunitária muito

próxima do ambiente monástico distinguindo-se destes, contudo, pela possibilidade de

possuírem e administrarem bens pessoais.

Em Portugal, as dioceses que se foram restaurando ao longo do processo da Reconquista

adotaram as orientações estipuladas pelas Regras de S. Gregório e de S. Agostinho num contexto

de vida comunitária. Este movimento em torno das comunidades de clérigos seculares não está

restrito apenas às catedrais, estendendo-se a outras igrejas urbanas, as colegiadas427.

No capítulo que se inicia tentaremos compreender as funções, a estrutura e organização,

a composição e vivências internas de uma destas comunidades colegiais, ao longo do reinado de

D. João I (1385-1433).

1 – As funções da colegiada

À semelhança dos cabidos catedralícios, as colegiadas contavam com um conjunto de

clérigos designados por cónegos, raçoeiros ou beneficiados. Estes colégios encontravam-se

organizados hierarquicamente em dignidades, presidido por um prior, abade ou vigário, auxiliado

por outros clérigos e assumia também funções culturais e sociais, como o ensino e as práticas

assistenciais428, para além de assegurar o culto divino prestado com grande solenidade

semelhante ao praticado nas catedrais. A celebração do culto contemplava vários serviços

litúrgicos como as horas canónicas, a missa capitular, chamada também missa da tercia, as horas

de Santa Maria, o serviço fúnebre, as procissões, dentro e fora da igreja, e as pregações. Para

além destes ofícios religiosos, os cónegos reuniam-se também em cabido ou reuniões capitulares

a fim de tratarem dos assuntos relativos ao funcionamento da instituição. A colegiada de

427 RODRIGUES, Ana Maria S. A. – Cabido. In AZEVEDO (Dir.) – DHRP, vol. 1, pp. 278-280; TORQUEBIAU, P. – Chanoines e Chapitres de chanoines. In NAZ, R. (Dir.) – Dictionnaire de Droit Canonique. Paris-VI: Librairie Letouzey et Ané, 1953, 5º vol., col. 471-500 e col. 530-565, respetivamente. Sobre os cabidos catedralícios hispânicos, veja-se: SANTAMARIA, Eduardo Carrero – A Vita Communis nas Catedrais Peninsulares: Do Registo Diplomático à Arquitetura. In A Igreja e o clero português no contexto europeu. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa. Universidade Católica Portuguesa, 2005. ISBN 9789728361211. pp. 169-192. 428 RODRIGUES, Ana Maria S. A. – Colegiadas. In AZEVEDO (Dir.) - DHRP, vol. 1, pp. 399-404.

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73

Guimarães prestava ainda serviço à comunidade uma vez que, como já referimos, exercia

funções de igreja paroquial assegurando a cura das almas.

O ofício das horas canónicas constituía a obrigação fundamental dos capitulares,

associado ao serviço religioso, e era cantado todos os dias da semana429, ocupando a maior parte

do tempo destes clérigos no seu quotidiano. Não sabemos a exata correspondência entre a hora

solar e cada uma das horas canónicas. As matinas eram rezadas antes do nascer do dia, seguidas

das laudes. A prima era a primeira oração do dia. Seguiam-se a tercia, a sexta e a noa. Mais tarde

rezavam-se as vésperas e, por fim, as completas. Apenas a três desses momentos podemos

estabelecer uma correspondência: a tercia corresponde às nove da manhã, a sexta ao meio-dia e

a nona, ou noa, às quinze horas430.

Apesar de, a partir do século XIII, se verificar um aligeiramento dos ofícios no coro para o

clero secular431, na canónica de Guimarães, no período em estudo, ainda se rezavam todas as

horas uma vez que, excetuando as laudes432, todas são referidas na documentação433. Além

deste ofício, os capitulares tinham ainda que rezar a missa da tercia, logo após a hora canónica

com o mesmo nome434.

O ofício dos defuntos constituía também uma obrigação destes clérigos, ao qual votavam

parte significativa do seu tempo. A prová-lo está o elevado número de doações e legados

testamentários para sufrágio das almas. O prestígio da Igreja de Santa Maria ia para além do

termo de Guimarães visto serem inúmeras as doações feitas noutras localidades nortenhas: na

cidade de Braga, nos concelhos de Felgueiras, Póvoa de Lanhoso, Gandarela, Paredes, Barcelos,

429 Tinham como objetivo, “d’assurer, sous un triple aspect, l’éxécution des obligations du chrétien envers Dieu: d’abord, le devoir de prière; ensuite, les devoirs de la prière vocale; enfin, celui de la frequence journalière de la prière” (BOUUAERT, F. Claeys – Heures canoniques. In NAZ, R. (Dir.) – Dictionnaire de Droit Canonique, 5º volume, col. 1114). 430 BOUUAERT – Heures canoniques, col. 1115. 431 A partir do século XIII, resultante das sucessivas viagens do clero à cúria pontifícia, surgiu em Roma um breviário que condensava os ofícios do coro, o Breviarium secundum usum Romanae. Assim, a sua utilização levou a que estas celebrações fossem sendo aligeiradas (JUNGMANN, J. A. – La Liturgie de l’Église Romaine. Salvator: Mulhouse, 1957, p. 155). 432 Já as antigas liturgias consideravam as laudes e as matinas apenas uma hora canónica (JUNGMANN - La Liturgie de l’Église Romaine, p. 162). Amélia Campos identifica as horas canónicas rezadas na colegiada de Saint-Germain l’Auxerrois, de Paris, não existindo qualquer referência esta hora canónica (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 262, nota 510). 433 A título de exemplo temos as expressões: “aa sayda da vespera” (TT-CSMOG-DP49-22); “aa sayda da missa da tercia” (TT-CSMOG-DE04-18) e “aa saida da prima” (TT-CSMOG-DP46-23). Também na colegiada de Santa Maria do Castelo (Torres Vedras) e numa sua sufragânea, no século XIV ainda se rezavam todas as horas canónicas (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 375). No entanto, na colegiada de Santa Justa de Coimbra, nos séculos XIV e XV, nos dias feriais eram rezadas apenas duas ou quatro horas (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 262). 434 Esta era uma prática comum a estas instituições (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 262).

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74

Famalicão, Amarante435, e outros436. Este ofício contava com as horas dos defuntos, com a missa

de aniversário, missas oficiadas, procissões às sepulturas, vigílias, responsos e capelas437. Tudo

isto se fazia no cumprimento das últimas vontades daqueles que deixavam bens ao cabido para

estes ofícios, no ensejo de garantir os sufrágios das suas almas e daqueles por quem eram

theudos438. A documentação revela ainda uma grande devoção à Virgem Maria e gratidão pelos

serviços recebidos dos clérigos de Guimarães, assim como a confiança na sua intercessão junto

do Divino439.

Além dos ofícios pelos defuntos, a colegiada de Santa Maria de Guimarães servia de

última morada. Os seus capitulares tinham aí lugar garantido, no local que desejassem, entre os

altares da Trindade e do Santo Conde, “infra cancellos tráz de Santa Maria do Parto” 440, tendo

alguns deles elegido esta igreja como morada perpétua441. Era também escolhida pelos seus fiéis

a fim de aí jazerem para a eternidade sob o olhar da Senhora da Oliveira e beneficiarem das

orações dos seus clérigos442. No acordo estabelecido entre o prior D. Afonso de Lemos e o

435 Referimos, respetivamente: TT-CSMOG-DP45-05 e TT-CSMOG-DP45-13; TT-CSMOG-DP39-38; TT-CSMOG-DP47-12; TT-CSMOG-DP46-17; TT-CSMOG-DP42-33; TT-CSMOG-DP44-30 e TT-CSMOG-DP45-27 e TT-CSMOG-DP41-28. 436 Num estudo alargado do património e rendas desta instituição, José Marques afirma “[…] a dispersão do património fundiário da colegiada [de Guimarães] permite definir, em certo modo, a área de maior implantação da devoção à Senhora da Oliveira podendo desde já adiantar-se que ela cobre os concelhos de Guimarães, Fafe, Celorico de Basto, Cabeceiras de Basto, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Vila Verde, Braga, Famalicão, Maia, Vila Nova de Gaia, Terra de Penafiel de Sousa e Amarante [….]” (MARQUES - Património e rendas da colegiada de Guimarães, pp. 217-218). 437 São comuns expressões como: “em cada hum aniversário horas rezadas e missa oficiada” (TT-CSMOG-DP47-01); “que diga em cada hum ano duas missas oficiadas” (TT-CSMOG-DP44-21); “duas missas oficiadas com suas vigílias e responsos” (TT-CSMOG-DP45-05). 438 Os registos das missas de aniversário a celebrar (por quem e quando) ficavam exarados no chamado Livro dos Presentes (TT-CSMOG-L5). 439 A título de exemplo, mencionamos a doação feita ao cabido de Guimarães por Afonso Vicente, procurador do número em Guimarães: “[…] elle olhando as muitas e boas obras que sempre recebera do dicto cabido em suas rendas que delles tragia e querendo-lhes gallardoar com boos merecimentos e por honra de Santa Maria lhes dava e doava e fazia pura doaçom […]” (TT- CSMOG-DP42-41) e a doação de Aldonça Anes, viúva de Afonso Anes, residentes em Aguiar de Sousa, “[…] ella consirando o serviço a Deus e por serviço da sua alma e daquelles que ouveram grande devoçom que avia em a Virgem Santa Maria […]” (TT-CSMOG-DP46-17). 440 AMAP - Pergaminhos, doc. 8-4-1-6; o resumo deste documento encontra-se em: GUIMARÃES - Catálogo dos Pergaminhos, 1907, vol. XII, p. 91. 441 Foi o caso do chantre D. Vicente Domingues que, no seu testamento de 9 de março de 1371, deixou especificado que desejava ser sepultado entre o altar da Trindade e de S. Martinho e determinava ainda que a sepultura fosse metida numa dorna de pedra branca (AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-4-28; o resumo deste documento encontra-se em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1905, vol. X, p. 353). O cónego João de Oliveira deixou especificado no seu testamento que desejava ser enterrado em Santa Maria, na cova onde já estavam sepultados os seus pais (TT-CSMOG-DP46-26). 442 Vários são os exemplos que demonstram o interesse de alguns leigos em se fazerem sepultar na igreja de Santa Maria. Em 7 de janeiro de 1387 era feito um pedido de empréstimo de uma cova e jazigo situados no claustro entre o portal do Paço do prior e o portal da nave da capela. Esta cova pertencia aos clérigos coreiros e era destinada a Teresa Fernandes, viúva de Afonso Vieira (AMAP - Pergaminhos, doc. 8-2-5-17). Documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1906, vol. XI, p. 94). Também Constança Vicente deixou ao cabido um censo pelas casas na rua da Sapateira para que o seu corpo, o do seu testamenteiro e o de sua filha fossem enterrados nessa igreja. 1412-05-25 (TT-CSMOG-DP41-39). Sancha Pires, na sua manda, deixou também expressa

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cabido, a 2 de outubro de 1450, ficou estabelecido que as sepulturas no corpo da Igreja e

capelas, principal e colaterais, seriam concedidas àqueles que doassem bens ou privilégios a essa

igreja443.

Quanto aos rituais fúnebres, a documentação por nós analisada não nos fornece muitas

informações ao contrário do que acontece com outras instituições444. No entanto, muito

provavelmente, as exéquias fúnebres dos clérigos da Igreja de Santa Maria e dos “maiores” da

vila revestir-se-iam de um cerimonial que evidenciava, para além de uma grande preocupação

com a salvação da alma, o estatuto daqueles que iam a enterrar445. Em Guimarães446, a

acompanhar o corpo do defunto desde a residência até à colegiada, iam as obradas447, que

seriam da Igreja de Santa Maria e das outras igrejas e mosteiros da vila. A credibilidade das

orações dos mendicantes, como mediadores junto de Deus, mantinha-se muito elevada e, por

esta razão, estes frades eram chamados a rezar durante as cerimónias celebradas pela colegiada

pela alma daqueles que partiam448. Rezava-se ainda um trintário449 de missas de milagre à

proteção da Virgem Maria. Os pobres não poderiam ser esquecidos e era-lhes distribuído pão,

vinho e outros bens para remissão dos pecados daquele que partia. Ainda no dia do enterro

essa vontade. 1413-08-16 (TT-CSMOG-DP42-04). Na doação que fez ao cabido o cónego Luís Gonçalves especifica que os seus pais se encontram aí sepultados (TT-CSMOG-DP47-13). 443 Aqueles que quisessem ter o privilégio de ter sepultura na Igreja de Santa Maria teriam que dotar essa igreja de ornamentos, privilégios, honras, liberdades, terras, herdamentos, censos, aniversários ou outras quaisquer rendas perpétuas (AMAP – Pergaminhos, doc. 8-4-1-6; o resumo deste documento encontra-se em: GUIMARÃES - Catálogo dos Pergaminhos, 1907, vol. XII, p. 91). 444 É o caso das colegiadas de Torres Vedras (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, pp. 381-394) e de Santa Justa de Coimbra (CAMPOS - Santa Justa de Coimbra, pp. 289-297). Ambas as autoras referem o elevado número de documentos existentes sobre este tema, permitindo-lhes elaborar com elevado detalhe o cerimonial de soterramento nestas instituições. Referimos ainda um trabalho mais global: VILAR, Hermínia Vasconcelos e SILVA, Maria João Marques – Morrer e testar na Idade Média: alguns aspetos da testamentaria dos séculos XIV e XV. Revista Lusitania Sacra. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa. ISSN 0076-1508. 1992, 2ª série, vol. 4, pp. 50-54. 445 O cónego Pedro Anes deixou esclarecido no seu testamento que pretendia que o seu aniversário fosse realizado com os mesmos rituais dos de Milícia Gomes. Esta senhora era detentora de elevado estatuto social dado o epíteto de honrada e de dona servindo, portanto, os rituais associados ao seu aniversário de exemplo (FERREIRA - Os testamentos de Pedro Afonso, p. 319). 446 O testamento do cónego João de Oliveira, de 16 de julho de 1431, fornece-nos alguma informação sobre a cerimónia do seu funeral (TT-CSMOG-DP46-46). Outro exemplo, embora mais tardio, é o testamento do cónego Pedro Afonso, cujo conteúdo foi trabalhado por Conceição Falcão Ferreira, nos fornece alguns dados sobre esses rituais (FERREIRA, Maria da Conceição Falcão - Os testamentos de Pedro Afonso, cónego de Guimarães: um querer de vontades diversas (1494-1498). In Carlos Alberto Ferreira de Almeida: in memoriam. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999, pp. 319-320). 447 São ofertas que se fazem ao longo do ano pela alma de algum defunto. Ver Obradas – In VITERBO, Joaquim de Santa Rosa - Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram, 2ª ed. revista. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1865, tomo 2, p. 123). 448 Já aludimos ao acordo entre a colegiada de Guimarães e os conventos de S. Domingos e de S. Francisco aquando do falecimento de algum clérigo da canónica ou de um frade de qualquer dos conventos (ROSÁRIO – Convento de S. Domingos, pp. 58-59, nota 5). 449 Conjunto de trinta missas que se rezam consecutivamente no dia do funeral. Ver Trintário. In VITERBO – Elucidário, tomo 2, p. 259.

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seriam rezadas várias missas e horas do defunto. Após a sepultura, as cerimónias por sufrágio da

alma poderiam estender-se ao longo do ano, repetindo-se semanal ou mensalmente. Passado

um ano sobre a data do falecimento, a celebração pela sua alma passava ao ciclo anual com a

fundação de sufrágios perpétuos, como as capelas ou os aniversários.

Outras celebrações que se realizavam na colegiada de Guimarães eram as procissões, que

tanto podiam ser feitas no interior como fora da igreja. Dada a grande importância desta

instituição na vila, dela deveriam partir a maior parte das que aí se realizavam e com um elevado

cerimonial450. A procissão à Oliveira, objeto do milagre da Virgem, seria de especial devoção uma

vez que, como já afirmamos, a colegiada de Guimarães se convertera num centro de atração de

peregrinos. A do Corpus Christi, realizada uma vez por ano, seria provavelmente uma das mais

importantes da vila451 tanto do ponto de vista religioso como do social, já que aos clérigos

vimaranenses se juntavam os homens-bons452. A festa da Imaculada Conceição começou a ser

realizada na igreja de Santa Maria de Guimarães em 1329, por iniciativa de D. Rodrigo Pires de

Oliveira, na altura bispo de Lamego, tendo já sido prior de Guimarães. À época doou um casal ao

cabido para a realização anual desta festividade, no dia 8 de dezembro453. As celebrações em

honra da Purificação de Nossa Senhora já se realizavam antes de 1343, nos dias 1 e 2 de

fevereiro de cada ano454. Foi, porém, no período em estudo que surgiu mais uma procissão: a

que comemorava a vitória na Batalha de Aljubarrota, na véspera de Santa Maria de agosto455.

As festas principais da Liturgia, como o Natal, Ramos, Páscoa, Pentecostes e Santa Maria

de agosto seriam provavelmente festejadas na canónica vimaranense com a presença de grande

parte do corpo capitular e das suas dignidades, revestindo-se assim da solenidade que exigiam.

450 Para um conhecimento geral das festividades da colegiada vimaranense ao longo dos tempos, veja-se: OLIVEIRA, Manuel Alves de – A Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira no seu cerimonial e nas suas festividades. In Atas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada, 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, pp. 5-18. 451 A festa do Corpus Chirsti foi instituída em toda a Igreja, em 1261, pelo papa Urbano IV cuja confirmação foi feita no Concílio de Viena em 1311. O papa João XXII estabeleceu a procissão solene. No entanto, em Guimarães, esta festividade já se realizava no início do século XIII pois num inventário de 23 de agosto de 1302 já é referido um caderno do ofício do Corporo Christi (AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-3-2; documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 134-137 e GUIMARÃES, João Gomes de Oliveira – Festas Annuaes da Câmara de Guimarães. RG, 1903, vol. XX, pp. 160 - 161). Sobre a festividade do Corpo de Deus em Guimarães nos séculos XVII e XVIII, veja-se: GUIMARÃES, João Gomes de Oliveira – Festas Annuaes da Câmara de Guimarães, pp. 161-183. 452 Já citamos anteriormente um ato de D. Dinis, de 1318, que refere que os cónegos de Guimarães teriam recebido dos homens-bons 1500 libras para a festa do Corpus Christi (VMH, doc. CCXCVI, p. 392). 453 O documento de doação desse casal no burgo do Pombeiro encontra-se publicado em: GUIMARÃES, J. G. Oliveira – Guimarães e Santa Maria. Porto: [s. ed.], 1904, pp. 3-5. 454 MARTINS - O livro dos milagres, p. 103. 455 GUIMARÃES - Festas Annuaes, 1904, vol. 21, pp. 20-21.

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O esplendor da liturgia requerido numa colegiada era assegurado por um conjunto de

cónegos, secundados pelos clérigos do coro ou coreiros. Além disso, as alfaias e respetivos livros

litúrgicos eram elementos primordiais desse esplendor. Os inventários do tesouro da colegiada

de Guimarães, realizados a 2 de julho de 1286 e a 23 de agosto de 1302456, revelam-nos a

existência de um conjunto elevado de preciosas alfaias litúrgicas (cálices, patenas, cruzes,

lâmpadas de vários tamanhos, candelabros, paramentos e outros tecidos ricamente

ornamentados). Também está registado um significativo número de livros utilizados na liturgia,

nomeadamente os antifonários, passionários, saltérios, collectanhos e livros do ofício do

canto457. Além destes, o tesouro continha ainda várias Bíblias e outros livros de conteúdo

religioso e espiritual.

O cerimonial com que os ofícios do coro se realizavam revestia-se também de uma

solenidade expressa nos seus rituais. Tais ofícios deveriam ser pautados por uma celebração

silenciosa, obedecendo a um cadenciar pausado e harmonioso com o cumprimento do gestual a

ele associado. O canto litúrgico devia ser “rezado o mais passo e honestamente que poderem

fazer”, alternando entre os clérigos que estavam de um lado e do outro do coro458. As

celebrações litúrgicas iniciavam-se após o toque do sino na torre da igreja. O celebrante teria que

estar voltado para oriente e prover primeiro o hordinhario459 e o colheitanho460 para a

celebração. O altar teria que estar bem iluminado461 e o sacerdote que rezasse a Eucaristia

deveria primeiro vestir os paramentos no tesouro e garantir que no altar estivessem as alfaias

litúrgicas e os livros para essa celebração. No final teria que regressar ao tesouro a fim de

entregar os mesmos objetos e despir os paramentos462.

A veneração e o respeito com que se assistia aos ofícios litúrgicos eram simbolizados

também pela postura e vestuário que os seus clérigos adotavam ao longo das cerimónias

456 O primeiro inventário, de 1286, escrito em latim contou com a presença do prior Paio Domingues e do chantre Mendo Soares. O de 1302, escrito em português, resultou da passagem do cónego e capelão Domingos Pires, que tinha à sua guarda o tesouro da Igreja de Guimarães, para o tesoureiro Domingos Anes. Neste inventário estiveram presentes o chantre Martim Garcia, que representava também o prior, Rui Pires (AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-3-2; documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 134-137). 457 Sobre estes livros litúrgicos, veja-se: PEREIRA, Isaías da Rosa – Dos livros e dos seus nomes - Bibliotecas litúrgicas medievais. SIGNO – Revista de Historia de la Cultura Escrita. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá de Henares, 1996, vol. 3, pp. 133-161. 458 TT-CSMOG-L6, fl. 1. 459 Este livro contém os ofícios eclesiásticos (PEREIRA - Dos livros e dos seus nomes, p. 156). 460 É o livro do celebrante que preside à recitação do ofício no coro e que contém as coletas ou orações e os capitula, pequenas lições da Sagrada Escritura, fornecendo-lhe os textos que deveria cantar ou rezar (PEREIRA - Dos livros e dos seus nomes, p. 144). 461 TT-CSMOG-L6, fl. 1. 462 TT-CSMOG-L6, fl. 4.

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religiosas. Os capitulares deveriam estar em pé e com a cabeça descoberta463, usando

obrigatoriamente a sobrepeliz464.

A posse de um Breviário465 dos costumes de Braga pelo cónego vimaranense João

Gonçalves466 leva-nos a supor que na colegiada vimaranense se oficiava segundo o rito

bracarense que se impusera de novo na catedral de Braga, pelo menos antes do século XIII467.

2 - Estrutura e hierarquia

Para o desempenho das funções acima referidas existia na colegiada de Guimarães uma

estrutura clerical bem definida que tinha por base o prior e o cabido. Este último era constituído

por um grupo de clérigos, organizado hierarquicamente, cujas funções estavam delineadas sob

dois aspetos: os ofícios litúrgicos e a administração do património afeto à mesa capitular468.

2.1 - O Prior

A colegiada de Guimarães constituiu-se desde o início como padroado régio. Competia,

por isso, ao monarca a indigitação do prior sendo, contudo, necessária a respetiva confirmação

pelo arcebispo de Braga469.

Do ponto de vista institucional, o prior era a mais alta figura na hierarquia duma

colegiada. D. Luís Vasques da Cunha, prior vimaranense (1419-1424)470, afirmou em 1423,

dirigindo-se aos capitulares “a mim que soo cabeça deles todos e que todos som a mim suditos

per jurisdiçom que hey e tenho sobre elles”471. Como verificamos, outorga-se a si próprio o

estatuto de prelado na sua igreja. Ao prior competia, do ponto de vista interno, a missão de

promover a boa harmonia no convívio entre os clérigos, agindo por vezes como moderador nos

463 TT-CSMOG-L6, fl. 5. 464 TT-CSMOG-L6, fl. 6. 465 Um breviário é um livro litúrgico que contém todas as partes dos ofícios do coro e o calendário litúrgico dessa igreja (PEREIRA - Dos livros e dos seus nomes, p. 141). 466 TT-CSMOG-DP46-27. 467 Os investigadores divergem quanto à data em que se começou a utilizar de novo este rito litúrgico na sé de Braga. No entanto, é consensual que no século XIII já era utilizado na Igreja de Braga (CARVALHO, Joaquim Félix de – A Liturgia em Braga. Didaskalia. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2007. ISSN 0253-1674. vol. 37/2, pp. 153-154. 468 CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, p. 92. 469 Damos como exemplo a carta de confirmação do arcebispo de Braga, D. Lourenço Vicente, do Dr. João das Regras como prior de Guimarães (documento publicado em: PIMENTA, Alfredo – Para a História da Colegiada de Nossa Senhora de Oliveira, de Guimarães. BTH, vol. VI, 1941, pp. 2-4 e em BRÁSIO, António – O clérigo João Afonso das Regras D. Prior da Colegiada de Guimarães. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, pp. 37-38). 470 Biografia nº 6. 471 TT-CSMOG-DP43-30.

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conflitos472. Devia ainda constranger e moralizar o clero no cumprimento das suas obrigações

litúrgicas, morais e comportamentais. Nesse sentido, o prior Diogo Álvares473, nos estatutos de

1405, aludindo à doutrina Cristã do amor a Deus e ao próximo, promoveu o bom relacionamento

e a amizade que deviam existir entre os beneficiados da Igreja de Santa Maria474. Nesse sentido,

e na sequência de algum relaxamento nas obrigações dos clérigos, o mesmo prior, estabeleceu

também um conjunto de regras estatutárias com o objetivo de moralizar aqueles, de forma a

trazê-los às boas práticas religiosas475. Ficava a seu cargo também a marcação das reuniões

capitulares476.

Juntamente com o cabido, procedia à provisão e colação de conezias in solidum477.

Segundo o prior D. Rui da Cunha478 “[…] que quando se vaga algũua conesia em a dicta igreja (de

Guimarães) que eu dicto prior em a meyatade e o chantre e cabido em a outra meyatade nós

juntamente todos a confirmamos àquele que acharmos pera ela ser idóneo […]” 479.

Representava ainda a instituição nos sínodos diocesanos e, no caso do prior vimaranense, seria

colocado pelo arcebispo num lugar honroso como ficou estabelecido no acordo entre D. Estevão

Soares da Silva e o prior D. Diogo, em 1216, designado por Composição Antiga480.

A documentação por nós analisada não nos informa acerca das funções litúrgicas

atribuídas a esta dignidade481. No entanto, a presença de clérigos que desempenhavam as

472 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 565. 473 Biografia nº 2. 474 TT-CSMOG-L6, fl. 10. 475 TT-CSMOG-L6, fl. 1-fl. 13. 476 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 477 Nos documentos de posse de conezia que nos surgem sempre presentes o prior e o cabido de Guimarães para efetivarem a referida posse conjuntamente (TT-CSMOG-DE03-29B). Em caso de ausência do prior, este era representado pelo(s) seus(s) procurador(es). Foi o caso do prior Mestre Afonso, que foi representado pelo chantre Pedro Afonso, pelo tesoureiro Brás Esteves, pelo cónego Diogo Vasques e pelo capelão Pedro Domingues na tomada de posse de uma conezia por Luís Afonso (TT-CSMOG-DE04-04). Em 1441 o prior Rui da Cunha solicita ao cabido, através de um requerimento, a confirmação de uma conezia (TT-CSMOG-DP49-22). 478 Biografia nº 8. 479 TT-CSMOG-DP49-22. 480 Datado em 23 de outubro de 1216, foi o primeiro acordo estabelecido entre a Igreja de Braga e a colegiada de Guimarães com o objetivo de pôr fim aos conflitos entre as duas instituições (TT-CSMOG-DE01-02; RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 255, pp. 213-216; VMH, doc. 179, pp.128-129 e SOARES, A. Franquelim S. Neiva – Conflitos jurisdicionais entre a colegiada e o arcebispo de Braga (século XIII a 1831). In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, pp. 12-13). 481 Na colegiada de Santarém não eram atribuídas quaisquer funções litúrgicas ao prior, sendo esse cargo apenas honorífico (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 112 e p. 114). Por outro lado, nas colegiadas de menor dimensão, em que a única dignidade presente era o prior, a este cabia, para além da administração dos bens patrimoniais da instituição, os ofícios da cura das almas, ou seja, a administração dos sacramentos, celebrar a missa pro popolo e dirigir os demais serviços colegiais (SERRA - A colegiada de Santo Estevão de Alfama, pp. 20-21; SILVA - Espiritualidade e poder na Lisboa, p. 32 e CAMPOS - Santa Justa de Coimbra, p. 191). Nas colegiadas de Torres Vedras ao prior competia a representação da colegiada em outras instâncias, não desempenhando o ofício da cura das almas (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 387-388).

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funções de “vigário do prior” leva-nos a inferir que ao prior estariam atribuídas algumas dessas

funções e que, na sua ausência, o substituíam482. À semelhança da colegiada de Santa Maria de

Barcelos, o prior da igreja de Santa Maria deveria presidir às missas das principais festas

litúrgicas, tais como Natal, Páscoa, Pentecostes e Santa Maria de agosto483.

Após a separação do património e rendas da colegiada, foi constituída a mesa do prior,

que lhe competia administrar. Como já referimos, o prior era ainda obrigado a fornecer todos os

ornamentos necessários à igreja e altar, pagar os direitos ao Papa, à Coroa e ao arcebispo de

Braga e zelar pelo refeitório, dormitório, adega, capítulo, celeiro e via-sacra484. Teria também a

obrigação de zelar por outros espaços pois, aquando da construção do relógio na torre da

colegiada de Guimarães, o prior Mestre Afonso doou uma quantia em dinheiro ao Concelho para

provimento da manutenção do mesmo485. Também no priorado de D. Afonso Gomes de Lemos

se desencadeou um conflito entre este e o cabido acerca das obras que seriam necessárias no

Padrão do Salado já que o prior, tendo a obrigação de as pagar, se recusava a fazê-lo486. Nas

longas ausências dos priores de Guimarães, este era representado nos atos não litúrgicos,

nomeadamente nos referentes à administração do seu património, pelos seus procuradores. No

nosso estudo identificamos vários procuradores que nos surgem como testemunhas de atos do

cabido: o clérigo Luís Afonso487 como procurador do prior Mestre Afonso, e Rui Machado, Diogo

Machado e Álvaro Afonso como procuradores do prior Rui da Cunha488.

A partir do III Concílio de Latrão (1179), existia a obrigatoriedade da investidura em

ordens sacras para todos os clérigos que ascendiam às dignidades eclesiásticas489. No entanto, à

semelhança do que aconteceu em outros cabidos nacionais e europeus, esta normativa conciliar

não se fez sentir na colegiada de Guimarães490. Para esta cronologia temos os exemplos do prior

João das Regras, que ascendeu a essa dignidade em 1383 sem as referidas ordens maiores e não

482 Na documentação analisada surge o tesoureiro Brás Esteves como vigário do prior Mestre Afonso (TT-CSMOG-DP41-24) e o cónego Afonso Anes 2 como vigário do prior Nuno Fernandes (TT-CSMOG-DE03-49). Identificamos também alguns clérigos dos priores: Pedro Anes, capelão do prior Diogo Álvares (AMAP- NA- L9, fl. 4v.); Álvaro Pires, clérigo do prior Mestre Afonso (TT-CSMOG-DE04-40) e Martim Anes, clérigo de Luís Vasques da Cunha (TT-CSMOG-DP43-29). 483 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 503. 484 Obrigação estabelecida em 1223 aquando da divisão das duas mesas, prioral e capitular (TT-CSMOG-DE01-06; AMAP – Pergaminhos, 8-2-2-19 e RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. 287, pp. 254-259). 485 TT-CSMOG-DP43-40. 486 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 566. 487 TT-CSMOG-DP41-24. 488 AMAP-NA-liv. 4, fl. 2 v, AMAP-NA-liv. 4, fl. 13 e AMAP-NA-liv. 4, fl. 22, respetivamente. 489 FOREVILLE – Latran I, II, III et Latran IV. Latran III, cânone 3, p. 211 e VILAR – As dimensões de um poder, p. 181. 490 Hermínia Vilar refere o trabalho de Anne Marie Hayes, que demonstra que para os cabidos meridionais franceses apenas 20% dos capitulares detinham ordens sacras (VILAR – As dimensões de um poder, p. 181).

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as terá obtido já que, depois de deixar o priorado vimaranense em 1388, contraiu matrimónio

com D. Leonor da Cunha em 1389491. Também o prior D. Diogo Álvares esteve neste priorado

sem deter as referidas ordens sacras pois na bula de nomeação como bispo de Évora é referido

apenas como clérigo de ordens menores492.

Ao longo do tempo, os priores da igreja de Santa Maria usaram também o título

honorífico de Dom, que desapareceu com a extinção das colegiadas a 1 de dezembro de 1869.

Tal título voltou a ser utilizado já no século XX, por portaria do arcebispo de Braga, D. Francisco

Maria da Silva, a 13 de fevereiro de 1967493.

Ao contrário do que acontecia em outras colegiadas, os priorados vimaranenses são na

sua maioria de curta duração494. Para o reinado de D. João I, seis dos nove priores identificados

(1385-1433) ocuparam esta dignidade nos primeiros vinte e cinco anos. Os priorados mais longos

situam-se na segunda metade do período estudado e correspondem aos de Mestre Afonso

(1409-1418) e D. Rui da Cunha (1424-1449). O de D. Luís de Freitas foi o mais curto não tendo

concluído um ano (gráfico nº5, em Apêndice). Quanto ao prior Nuno Fernandes (1397-1400), a

sua passagem pela canónica vimaranense não deixou praticamente registo495.

O principal motivo que determinava o fim do exercício do cargo foi o falecimento dos

priores (Mestre Afonso, Rui Lourenço e Luís de Freitas). Outros, porém, deixaram as funções

priorais por razões bem diversas: um abandonou a vida eclesiástica (João das Regras), outro por

confronto com o monarca (Rui da Cunha) e, finalmente, dois priores seguiram carreiras

eclesiásticas o que os obrigou a abandonar a colegiada (Diogo Álvares e Gonçalo Vasques da

Cunha). O motivo que esteve subjacente à saída de Nuno Fernandes e Luís Vasques da Cunha

permanece desconhecido.

Como vimos anteriormente, a sua nomeação correspondia não só a uma confiança do

monarca como também a uma recompensa económica de fidelidades e serviços prestados à

Coroa496. Os priores de Guimarães eram escolhidos de entre aqueles que possuíam relações na

491 Biografia nº 4. 492 COSTA, António Domingues de Sousa – O Célebre Conselheiro e Chanceler Régio Doutor João das Regras Clérigo conjugado e Prior da Colegiada de Santa Maria de Oliveira de Guimarães. Itinerarium - Revista Trimestral da Cultura. Porto: Editorial Franciscana, ano XVIII, número 75, 1972, p. 248. Documento publicado em: COSTA - O Célebre Conselheiro, pp.258-259. Biografia nº 2. 493 Esta portaria nomeava o Padre António de Araújo Costa de Dom prior, como título honorífico (DIAS – Vicissitudes da Colegiada de Guimarães, p. 48). 494 Na colegiada de Santa Justa os priorados foram maioritariamente duradouros considerando que um priorado durava em média cerca de vinte anos e meio (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, pp. 194-195). 495 Sobre os priores de Guimarães, ver notas biográficas, da nº1 à nº 9, em Apêndice. 496 O mesmo acontecia em outras instituições similares. É o caso da colegiada de Santarém (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 139). Este fenómeno da presença de clérigos ao serviço da Coroa é igualmente detetado

Page 85: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

82

corte ou na hierarquia eclesiástica. Para esta cronologia, como priores vimaranenses, temos D.

João das Regras (1383-1388) que, embora chegasse a esta dignidade na regência de D. Leonor

Teles, nela se manteve durante toda a crise de 1383-85 tornando-se um dos mais fiéis aliados do

Mestre de Avis. Foram também priores Rui Lourenço (1400-1402), membro da chancelaria régia,

Mestre Afonso (1409-1418), que acumulou com o deado da sé do Porto, e Diogo Álvares (1403-

1406), pertencente à família dos Brito. No entanto, podemos afirmar que foi a família dos Cunha

que dominou o priorado vimaranense durante o reinado de D. João I com a presença de três dos

seus elementos: Gonçalo Vasques da Cunha (1390-1395), Luís Vasques da Cunha (1419-1424) e

Rui da Cunha (1424-1449). Verifica-se, assim, que a pertença a famílias de forte implantação local

e as ligações à Coroa são, também em Guimarães, razões que explicam o acesso ao mais elevado

cargo da hierarquia desta igreja.

2.2 - O Cabido

Os cabidos medievais constituíam, segundo o direito canónico, entidades com autonomia

e jurisdição próprias, com uma organização hierarquizada e assentes em normas estatutárias. Os

cabidos das colegiadas mimetizavam na sua organização, nos cargos e dignidades, os cabidos

catedralícios à exceção do arcediago, fazendo corresponder as funções do prior às do deão497. O

corpo capitular da colegiada de Santa Maria reproduzia fielmente a estrutura do modelo

capitular bracarense498 e, chegando ao século XV, igualava-o mesmo em número499, que assim

era superior ao dos restantes cabidos catedralícios e colegiais medievais portugueses. Fica por

isso patente a dimensão do seu poder aos níveis eclesiástico, político, social e económico. A sua

organização interna encontrava-se perfeitamente estruturada e definida com a existência das

dignidades de chantre e tesoureiro a que se juntou a de mestre-escola, reposta no final do

reinado joanino após uns períodos de existência intermitente. A coadjuvar os capitulares de

Guimarães, tanto nas funções litúrgicas como administrativas e quotidianas, encontrava-se ainda

um conjunto de outros clérigos e oficiais.

A hierarquia das dignidades que compunham os cabidos colegiais era evidente tanto na

documentação como na disposição dos lugares no coro. Na documentação vimaranense surge-

nos primeiramente o prior, seguido do chantre e do tesoureiro, quando presentes. A hierarquia

nos estudos que têm vindo a realizar-se acerca dos cabidos europeus (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 113, nota 16). 497 CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 185. 498 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 534. 499 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 494.

Page 86: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

83

no coro torna-se visível também a todos os fiéis. O prior assumia a presidência, onde tem

assento na primeira cadeira. O chantre sentava-se na ala direita, do lado do Evangelho, na

primeira cadeira que se seguisse à que, em cima, era ocupada pelo prior. Na ala oposta, do lado

da Epístola, a primeira cadeira era reservada ao tesoureiro. Nas restantes sentavam-se os

cónegos consoante as suas precedências500. O ritual de investidura como cónego contemplava,

para além do inerente juramento, a imposição do barrete e a tomada de posse da respetiva

cadeira vaga no coro, que lhe ficaria adstrita enquanto pertencesse a esse colégio canonical.

Um documento de 1430 permite-nos saber que, nessa altura, o cabido de Guimarães era

constituído por trinta e sete conezias, duas delas adstritas às dignidades de chantre e tesoureiro

e trinta e quatro pertencentes a cada um dos capitulares. A restante estava reservada para o

capelão de cura501. Desde o início do período em estudo (1385) até à data do referido

documento não temos notícia de qualquer alteração que se tenha produzido no corpo capitular

vimaranense, o que nos leva a concluir que esta composição se reportava, pelo menos, ao final

do século XIV502. Contudo, como veremos mais à frente, será justamente no reinado joanino que

se dará início a uma alteração no número de membros deste colégio.

Após a constituição da mesa capitular, em 1223, seguiu-se a divisão dos rendimentos

dessa mesa pelos membros deste cabido, estabelecendo-se assim as chamadas prebendas, que

constituíam o rendimento base de cada capitular. Não nos foi possível identificar em que altura

do ano eram pagas estas remunerações. Supomos que seriam, à semelhança de outras

instituições eclesiásticas, às terças do ano: Natal, Páscoa e S. João Batista. A esta remuneração

acrescia o correspondente pagamento dos ofícios do coro, ou seja, as distribuições diárias. Além

destas recompensas, os clérigos de Guimarães auferiam também das chamadas ”pitança” e

“dobra”, que são pagamentos associados a celebrações litúrgicas ou dias festivos503. Aquelas

resultavam, por um lado, do aumento da participação dos fiéis nestas celebrações e, por outro,

da necessidade de marcar o calendário litúrgico504.

500 OLIVEIRA - A Insigne e Real Colegiada, p.15. 501 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-08. 502 No documento de 1229, ao qual já nos referimos, ficou determinado que o cabido de Guimarães fosse constituído por trinta cónegos (RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 93-94; RAMOS – O Mosteiro, vol. 2, doc. nº 320, pp. 292-294 e VMH, doc. CCXVII, pp. 200-201). 503 TT-CSMOG-L6, fl. 4. 504 Os cónegos da sé de Évora recebiam as pitanças do Entrudo, da Quaresma, da Páscoa, do Pentecostes e do Natal. (VILAR – As dimensões de um poder, p. 126). Na colegiada de Santa Justa de Coimbra, segundo os estatutos de 1322, celebravam a pitança do Natal, em que cada raçoeiro recebia dois alqueires de azeite (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 183).

Page 87: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

84

2.2.1 - As Dignidades

Por dignidades eclesiásticas entendem-se aqueles elementos de um cabido que

desempenham funções específicas e pelas quais auferem uma remuneração505. Na colegiada de

Guimarães apenas a dignidade de chantre existiu desde os finais do século XII, tendo a de

tesoureiro surgido mais tardiamente. A ocupação da de mestre-escola revela alguns hiatos ao

longo dos séculos XIII e XIV. A ausência destas dignidades não alterou, contudo, o funcionamento

e a razão de existir da colegiada uma vez que as suas funções seriam desempenhadas por outros

capitulares. A diferenciação entre as dignidades refletia-se, para além das funções que

desempenhavam, nos respetivos rendimentos.

2.2.1.1 - O Chantre

Designado também por cantor, princeps cantorum, caput chori, cabiscol, precentor, é a

figura principal dentro do cabido. A primeira notícia desta dignidade na canónica vimaranense

data de 1192 mas as suas funções ficaram apenas definidas no documento normativo de 1229.

Estas estariam relacionadas com os ofícios do coro, escrevendo as matrículas e exercendo o

controlo da assiduidade dos clérigos às celebrações. Fazia ainda a distribuição remuneratória aos

capitulares506. Ao longo do tempo estas funções foram-se alterando e adaptando de forma a que,

chegados ao período em estudo, já não cabia ao chantre nem o controlo da assiduidade nem a

distribuição das respetivas recompensas. Tais funções, como veremos mais à frente, eram

exercidas pelo contador e pelo prebendeiro respetivamente. No final do século XIV, o chantre

mantinha a responsabilidade pela magnificência do culto, incumbindo-lhe por isso dirigir os

ofícios litúrgicos e ordenar as procissões. Também lhe competia selecionar os meninos do coro e

instruí-los no canto507. Na colegiada de Guimarães zelava pela disciplina dos clérigos no coro508,

cabendo-lhe indicar mensalmente os cónegos e clérigos que iriam presidir às missas, evangelhos,

epístolas e outros serviços eclesiásticos509. Para o exercício destas funções recomendava-se que

o chantre fosse conhecedor dos costumes da igreja já que a ele competia “levantar as sequências

e os começos das preleendas e responsos”. Era ainda sua função selecionar os clérigos coreiros

505 RODRIGUES, Ana Maria S. A. – Dignidades. In AZEVEDO (Dir.) - DHRP, vol. 1, p. 67. 506 RAMOS – O Mosteiro, vol. 1, pp. 102-103. 507 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 330. 508 Em alguns cabidos o chantre teria a prerrogativa jurisdicional, o que lhe permitia sancionar ou expulsar do coro aquele que não cumprisse as suas observações, no caso de se tratar de clero menor (SARAIVA - A Sé de Lamego, p. 135). 509 Na colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, a hierarquia institucional refletia-se também nos ofícios litúrgicos sendo a ordem: os que celebravam missa, os que faziam a leitura do Evangelho e os que liam a Epístola (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 112).

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85

que teriam que saber ler e cantar e os moozinhos que teriam que ter ordens menores510. Presidia

às Missas da Epifania e da Purificação de Nossa Senhora511.

O chantre era apresentado pelo cabido in solidum512 e era-lhe atribuída uma prebenda,

para além de bens, direitos e igrejas anexas, que constituíam o chantrado513. A coadjuvá-lo, ou

mesmo a substituí-lo, existia o subchantre514. Este era o responsável por escrever na tábua o

escalonamento feito pelo chantre dos clérigos que deveriam celebrar e colocá-la no coro no

primeiro dia de cada mês515. A única referência ao subchantre que temos na canónica

vimaranense surge num documento de 1437, associada ao cónego Martim Afonso516. No

entanto, já desde 1427 que é designado pelas expressões “que tinha o carrego de chantre” ou

“está no logo de chantre” ou “confirmado no chantrado”517, que surgem na documentação antes

da indicação dos restantes cónegos presentes, o que nos leva a concluir que, neste caso, Martins

Afonso seria um substituto do chantre, Pedro Afonso.

Ao longo do reinado joanino, a colegiada de Guimarães apenas contou com dois chantres,

João Lourenço (1374-1410) e Pedro Afonso (1410-1456)518. Em ambos se verifica uma

permanência longa no chantrado, que termina com a morte do primeiro e com a renúncia, talvez

motivada pela idade avançada, do segundo. Por esta razão, podemos inferir que, nesta

instituição, a dignidade de chantre, pela elevada importância e rendimentos que implicava,

constituía uma função cobiçada e da qual o seu detentor não procurava descartar-se.

2.2.1.2 - O Tesoureiro

É a segunda figura mais importante dentro do corpo capitular e por isso surge na

documentação em segundo lugar519. Cláudia Ramos, que estuda esta instituição até 1250, não

detetou a presença desta dignidade nesse período. No inventário de 2 de julho de 1286 não é

510 TT-CSMOG-L6, fl.1. 511 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 330. 512 A título de exemplo temos as tomadas de posse dos chantres: Mestre Vicente Domingues, em 1362 (TT-CSMOG-DE03-33), e Pedro Anes, em 1410 (TT-CSMOG-DE04-30). 513 TT-CSMOG-DE04-30. 514 TT-CSMOG-L6, fl. 1. Na sé de Braga existia o subchantre no século XV (MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 330). No entanto, não foi sempre uma realidade, visto não ter sido detetada a sua presença entre os séculos XI-XIII (CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, pp. 107-109) e no primeiro quartel do século XIV (MACIEL – O cabido de Braga, pp. 7-8). Na sé de Évora terá existido o subchantre cujo pagamento estaria a cargo do chantre (VILAR – As dimensões de um poder, p. 147). 515 TT-CSMOG-L6, fl. 1. 516 AMAP-NA-liv. 7, fl. 8. 517 TT-CSMOG-DP43-07; TT-CSMOG-DP44-42; AMAP- NA- liv. 4, fl. 13 e fl. 17. 518 Ver biografias nºs 10 e 11, respetivamente. 519 Na colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, o tesoureiro ocupava a terceira posição na hierarquia capitular sendo precedido pelo mestre-escola (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 116).

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feita ainda qualquer alusão a um tesoureiro sabendo-se que o responsável pelo tesouro era o

cónego e capelão Domingos Pires. Porém, no inventário de 23 de agosto de 1302 é referido o

tesoureiro Domingos Anes520, pelo que esta dignidade terá surgido na canónica vimaranense em

torno desta data.

Tal como o chantre, o tesoureiro tinha também responsabilidades no bom funcionamento

do serviço litúrgico. A ele competia a guarda do Tesouro, ou seja, dos ornamentos e objetos

litúrgicos tais como cálices, cruzes, jóias, relicários, paramentos e outros, ou seja, era o

responsável pelo património móvel da instituição. Deveria ainda elaborar o respetivo

inventário521.Tinha também a seu cargo as celebrações da missa do Anjo Custódio, no terceiro

domingo de julho, e a do Sábado Santo522. O tesoureiro contava ainda com a ajuda do

sacristão523. Ao tesoureiro estava atribuída uma prebenda524. No entanto, para este período,

além deste benefício foram-lhe anexadas as igrejas de Santa Maria de Matamã e a de Santa

Eulália de Nespereira, pelo prior e pelo cabido respetivamente525. Refira-se ainda que as igrejas

anexadas a uma dignidade eram ad vitam tantum, isto é, durante a vida ou permanência nessa

dignidade do beneficiado526.

Em algumas instituições, o tesoureiro exercia também as funções de ecónomo, sendo o

responsável pelos livros relativos à gestão do património527. Em Guimarães, estes livros eram

guardados no cartório e essa função era exercida pelo prebendeiro528. No entanto, no tesouro

ficariam guardados, para além dos livros litúrgicos, outros que se revestissem de importância

para a colegiada529. Por essa razão, em 1405, o prior Diogo Álvares ordenou ao tesoureiro que

guardasse uma cópia dos estatutos, por ele elaborados, no tesouro530.

Entre 1385 e 1433, encontramos apenas dois tesoureiros: Brás Esteves (1383 -1427) e

Pedro Anes (1428-1444)531. Mais uma vez, se verifica a longevidade destes cargos que, tal como

520 AMAP – Pergaminhos, doc. 8-2-3-2; documento resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1905, vol. X, pp. 134-137. 521 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 332 e CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, pp. 109-115. Na colegiada de Santarém, a elaboração do inventário do tesouro competia ao prior (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 116). 522 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 453, nota 79. 523 O sacristão era o responsável por fornecer os paramentos ao sacerdote para as celebrações (TT-CSMOG-L6, fl. 4). 524 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-08. 525 TT-CSMOG-DP47-30. 526 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 542. 527 É o caso da sé de Braga (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 332 e CUNHA – A Chancelaria Arquiepiscopal, p. 111). 528 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 529 O mesmo acontecia na sé de Lamego (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 142). 530 TT-CSMOG-L6, fl. 12. 531 Biografias nºs 12 e 13, respetivamente.

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87

o do chantre, se revestiam de importância e elevados réditos. Identificamos ainda João Anes

como clérigo do tesouro e Luís Gonçalves como sacristão532.

2.2.1.3 - O Mestre-Escola

Chegados ao reinado de D. João I, não temos qualquer notícia da existência da dignidade

de mestre-escola. A sua restauração na década de trinta do século XV permite-nos concluir que

terá deixado de existir em algum momento anterior a 1385533. Em consequência do processo de

redução de conezias na canónica vimaranense, que se iniciou em 1428, ficou determinada, por

imposição do papa Martinho V, a atribuição de uma prebenda a “hum clerigo de missa e idoneo

que ensine os moços em essa igreja e os outros ofícios divinos servintes em gramática e em

canto”534. A restauração da dignidade de mestre-escola ocorreu em 1431 sendo anexada uma

conezia com a sua prebenda535. À semelhança de outras instituições, a instrução poderia ter sido

ministrada por um cónego com uma formação cultural mais elevada ou pelo próprio chantre

cujas funções no coro complementavam a formação clerical536. Para aceder ao presbiterado,

mandavam os estatutos de 1405 que aquele “que gramático não for” comece por aprender os

ofícios nos domingos e dias de festa, ou seja, nos dias em que acorrerem mais fiéis à igreja, fique

próximo de um cónego ou beneficiado que saiba latim e dessa forma aprenda os ofícios537. Esta

expressão permite-nos pensar que a formação dada na colegiada é mais prática que teórica já

que era efetuada através dos mais cultos e da experiência ao longo do tempo.

Apesar de o mestre-escolado ter sido restaurado nos inícios da década de trinta, como se

disse, só em 1437 foi conferida a João Gonçalves de Resende essa dignidade por imposição

pontifícia538, instituída apenas em 1440 por sentença do tribunal eclesiástico de Braga539.

532 TT-CSMOG-DP41-38 e AMAP-NA-liv. 6, fl. 28, respetivamente. 533 José Marques refere que na escola catedralícia da sé de Braga, após o esplendor do século XIII, surge um período caraterizado por uma ausência de referências e pela desorganização da livraria, recuperada e reequipada pelo arcebispo D. Fernando da Guerra, no século XV (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 335). No entanto, no que respeita à dignidade de mestre-escola esta manteve-se durante os séculos XIII-XIV, como se verifica nos trabalhos de LIMA – O cabido de Braga, p. 18 e RODRIGUES, RIBEIRO, COSTA e MACIEL – Os capitulares bracarenses, pp. 142-153. 534 TT-CSMOG-DE04-08. Também na sé de Lamego voltou a existir a dignidade de mestre-escola, por instituição pontifícia, na segunda metade de quatrocentos (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 114). 535 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-06. A conezia anexada foi a que ficou vaga por morte do cónego Lourenço Esteves. 536 VILAR – As dimensões de um poder, pp. 159-160 e SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 115. 537 TT-CSMOG-L6, fl. 4. 538 Por bula do papa Eugénio IV dirigida ao chantre de Braga (SÁ - Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. IV, pp. 178-179. 539 TT-CSMOG-DE04-24. João Gonçalves de Resende era ainda arcediago do Neiva (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 340).

Page 91: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

88

2.2.2 - Os Capitulares

Os trinta e quatro capitulares pertencentes ao cabido da igreja de Santa Maria de

Guimarães tinham o seu assento individualizado, ou seja, a cada membro correspondia uma

cadeira na qual se sentava pela primeira vez no dia em que tomava posse da respetiva conezia e

prebenda. Tal posse, como já referimos, era dada pelo prior e pelo cabido em simultâneo.

As fontes por nós selecionadas, constituídas maioritariamente por documentos relativos à

gestão patrimonial, apenas nos permitem identificar, na maior parte dos casos, o nome dos

capitulares que num determinado momento (a que corresponde um ato específico) estavam

presentes nesse ato. Já os documentos relativos a atos jurídicos, como tomadas de posse de

propriedades ou censos e sentenças, permitiram-nos traçar o universo dos cónegos que

exerciam funções representativas do cabido. Certos testamentos, doações e contratos de

locação, realizados entre alguns dos capitulares e o cabido ao qual pertenciam, foram

engrossando o conjunto de informações a partir das quais elaborámos as notícias biográficas

respeitantes aos noventa e oito capitulares vimaranenses identificados para o reinado joanino.

Estas notícias biográficas formam um conjunto bastante desequilibrado. Constatamos que

relativamente a cerca de 30% dos cónegos identificados apenas registamos o seu nome e uma

outra referência pouco significativa dentro da igreja Santa Maria540. Também em cerca de 19%, a

sua ação restringe-se à presença nas reuniões capitulares. Porém, 32% dos cónegos identificados

exerceram, pelo menos uma vez, a função de procurador do cabido (tabela nº 3, em Apêndice).

Constatamos ainda que 40% detinham, para além do canonicato vimaranense, a reitoria de

alguma igreja na região vimaranense ou nos concelhos vizinhos (tabela nº 4, em Apêndice).

Outro dado que consideramos relevante destacar é que apenas 11% dos capitulares referem

algum familiar. Verifica-se, portanto, uma certa restrição na informação disponível não

permitindo estabelecer uma caraterização mais consistente da comunidade. No nosso estudo, a

reconstituição do cabido de Guimarães faz-se sobretudo através de dados isolados, outras

cronologias e similitude com outras instituições seculares, pelo que essa caraterização funciona

apenas como indicadora de tendência.

540 É o caso das notícias que remetem para a legitimação de algum filho ou a realização de um prazo com o cabido.

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2.3 - Caraterização do cabido de Guimarães

2.3.1 – Formas e condições de acesso

Uma das primeiras questões que se pretende esclarecer neste estudo está relacionada

com o mecanismo de acesso ao canonicato vimaranense. Segundo José Marques, relativamente

ao cabido da catedral de Braga no século XV, o acesso a este colégio iniciava-se a partir de um

lugar no coro541. Porém, tal facto não se verificou na colegiada de Guimarães uma vez que do

universo dos cónegos identificados apenas cinco iniciaram a sua carreira dentro dessa igreja

como clérigos coreiros542. Por isso, a indigitação dos novos membros deste colégio deveria

obedecer a outras condições, não contempladas dentro do normativo estipulado nas estruturas

capitulares543.

Não estranha, por esta razão, que em 1422 os cónegos da igreja de Santa Maria se

queixassem das pressões exercidas pelos “grandes e poderosos” para que os benefícios vagos

fossem atribuídos aos seus protegidos544. Assim, o acesso do chantre Pedro Afonso a esta

dignidade ficou a dever-se à proteção da rainha D. Filipa de Lencastre, que solicitou ao cabido a

respetiva dignidade para o seu criado e escrivão do “reposte”545. Também o cónego Álvaro Lopes

foi capelão do rei, o que terá contribuído certamente para o acesso a este canonicato546.

A alta nobreza portuguesa foi igualmente uma das promotoras na entrada de novos

membros para este colégio. Os condes de Barcelos fizeram valer a sua influência junto do prior e

cabido de Guimarães na indigitação dos seus protegidos. A condessa manifestou interesse pela

atribuição a algum clérigo da conezia vaga por morte do cónego João Luís547. Por sua vez, o

conde de Barcelos solicitou ao chantre e cabido de Guimarães, em 24 de julho de 1427, uma

conezia para João Esteves, vedor das suas obras548, e em 25 de outubro de 1434, uma prebenda

para o seu capelão Pedro Gonçalves549. Por uma bula do papa Eugénio IV, de 1437, ficamos a

saber que o mesmo conde havia solicitado à Santa Sé o mestre-escolado de Guimarães para João

541 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 325. 542 Foi o caso dos cónegos Afonso Domingues (biografa nº 20), João Afonso 2 (biografia nº 67), Lourenço Esteves (biografia nº 81), Luís Afonso (biografia nº 83) e Martim Lourenço (biografia nº 88). 543 Esta situação verifica-se igualmente em outros cabidos seculares. Para a sé de Braga no reinado dionisino apenas um clérigo coreiro ascendeu ao canonicato bracarense (LIMA – O cabido de Braga, p. 24). Na sé de Évora a pertença ao grupo dos coreiros não era condição relevante para o acesso ao canonicato (VILAR – As dimensões de um poder, p. 190). 544 1422-08-08 (TT-CSMOG-DP43-20). 545 TT-CSMOG-DP39-58. Documento publicado em: PIMENTA, Alfredo – Cartas de Reis. BTH, vol. II, 1937, p. 24 (Biografia nº 11). 546 1423-09-19 (MPV, vol. III, súplica nº 757, pp. 544-546. Biografia nº 35). 547 14-06-1431 (TT-CSMOG-DP46-24). 548 24-07-1427 (TT-CSMOG-DP44-32B). 549 TT-CSMOG-DP47-28B. Novo pedido surge a 12 de novembro do mesmo ano (TT-CSMOG-DP47-29B).

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90

Afonso de Resende550. Em 1442 surgiu um novo pedido do conde solicitando uma conezia para o

seu contador, Pedro Afonso551. Mais tarde, em 1456, encontramos Vasco Anes, capelão do

duque de Bragança, como chantre da canónica vimaranense, cujo acesso a esta dignidade terá

provavelmente resultado da influência do duque552. Por sua vez, ao nível da hierarquia

eclesiástica, sendo a colegiada de Guimarães uma igreja sufragânea da sé de Braga, o arcebispo

bracarense terá provavelmente interferido na nomeação de alguma dignidade ou canonicato. É

plausível que o cónego Álvaro Anes, seu criado e capelão553, tivesse chegado a este canonicato

sob sua proteção e influência554. Verifica-se, pois, à semelhança de outras instituições, que a

proximidade às elites, tanto políticas como eclesiásticas ou sociais555, se refletia no acesso a uma

carreira dentro do cabido vimaranense.

Quanto à proveniência geográfica dos cónegos da igreja de Santa Maria a documentação

é praticamente omissa. Apesar da existência, em alguns casos, do elemento toponímico nos

nomes, não nos é possível retirar qualquer ilação pois estes podem reportar a outras situações,

nomeadamente a indicação de referências geográficas da posse de outros benefícios. Os únicos

exemplos que referem a naturalidade são os dos cónegos Estevão Anes de Évora, a quem

Gonçalo Anes de Évora556 sucedeu no canonicato vimaranense, sendo ambos oriundos daquela

cidade. Após o desaparecimento na documentação deste último, surge João de Évora. Embora

não exista qualquer prova documental, supomos ser sucessor do acima referido Gonçalo Anes557,

podendo ser originário da mesma cidade. Não nos foi possível, contudo, apurar quais as razões

subjacentes a esta sucessão de clérigos eborenses neste cabido no período em estudo558.

550 SÁ - Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. IV, pp. 178-179. 551 TT-CSMOG-DP50-15B. Indo muito para além da cronologia que nos propusemos estudar, não conhecemos a decisão do cabido de Guimarães. 552 TT-CSMOG-DE04-42. 553 TT-CSMOG-DP40-32 e TT-CSMOG-DP49-22 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 187. 554 Também o papa chamou a si o direito de nomeação nesta instituição ao atribuir, por letra apostólica, uma conezia a João Gomes, possivelmente por se tratar de substituição de um cónego falecido junto da Cúria. Sabe-se desta nomeação através da resposta do cabido ao prior Rui da Cunha, a um seu pedido, de atribuição de uma conezia a Vicente Martins, seu criado. 1441-11-02 (TT-CSMOG-DP49-22). 555 No caso da sé de Lamego surgem vários exemplos em que o acesso ao canonicato foi promovido pelos respetivos prelados, pela hierarquia eclesiástica de outras dioceses, pelo poder régio ou pela ascendência familiar (SARAIVA – A Sé de Lamego, pp. 151-160). O mesmo se passa com o caso dos novos membros do cabido eborense (VILAR – As dimensões de um poder, pp. 163-173). Já na colegiada de Santa Justa de Coimbra, tratando-se de uma instituição de menor dimensão e consequentemente de recursos mais parcos, os seus membros eram provenientes na sua maioria de camadas sociais menos influentes e economicamente pouco poderosas (CAMPOS - Santa Justa de Coimbra, p. 225). 556 Biografia nº 59. 557 Biografia nº 61. 558 A leitura de alguns documentos anteriores e posteriores aos que referem estes capitulares (fora do período em estudo) não nos dão conta da existência de mais cónegos com este topónimo associado ao respetivo nome.

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91

Pensamos, em analogia com outras situações, que tal se possa dever a relações parentais ou de

amizades possibilitando a transferência de benefícios559.

Quando o topónimo se refere a um benefício não acrescenta qualquer informação sobre

as respetivas origens uma vez que não existe qualquer lógica que faça coincidir a posse de um

benefício com a região de proveniência familiar560. No nosso estudo detetamos apenas o cónego

Álvaro Anes de Torres que, além de capitular vimaranense, foi porcionário da igreja de Santa

Maria de Torres Novas561. Quanto aos patronímicos relativos às cidades de Braga, Porto e

Coimbra não nos foi possível apurar o significado para o qual eles remetem562.

Na documentação compulsada deteta-se a existência de vários prazos estabelecidos entre

alguns capitulares e o cabido de Guimarães de propriedades inseridas no meio rural. Se os

contratos de locação feitos por um cónego em vários locais nos podem sugerir a procura de mais

valias, já a escolha de um único local para a realização de emprazamentos ou

subemprazamentos pode apontar para a naturalidade do capitular que assim veria a sua

influência acrescida na microrregião de onde provinha563.

Na sociedade medieval as ligações ao clero constituíam um mecanismo de projeção

familiar, tal como a importância da família era, por vezes, condição de acesso a uma posição na

hierarquia eclesiástica. Por isso, na maioria das instituições seculares deteta-se, como forma de

ingresso nos seus colégios, a ligação parental a um dos seus clérigos564. No cabido de Guimarães

559 Referimos o caso do cónego Antoninho Esteves, também deão de Lamego, que ocupou a conezia vimaranense deixada vaga pelo seu irmão Gonçalo Esteves (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 127). 560 VILAR – As dimensões de um poder, pp. 170-171. 561 Biografia nº 33. 562 Para a referência a Braga, encontramos os cónegos Vasco Martins de Braga (biografia nº 108) e Vasco Pires de Braga (biografia nº 110). No caso do Porto, temos o cónego Afonso Anes do Porto (biografia nº 18). Para a cidade de Coimbra, surge o cónego Diogo de Coimbra (biografia nº 38). 563 É o caso do cónego Álvaro Pires (biografia nº 36), que tomou por prazo o casal da Silva, freguesia de S. João de Ponte (c. Guimarães); do cónego Estevão Anes (biografia nº 45), que emprazou o casal de Bairro, na freguesia de Santa Cristina de Caíde (f. Atães, c. Guimarães); do cónego Gonçalo Vieira (biografia nº 65), que emprazou o casal do Salgueiral; do cónego Gonçalo Domingues (biografia nº 61), que tomou por prazo o lugar de Vilar, freguesia de Santa Marinha da Costa (c. Guimarães); do cónego João Gonçalves 1 (biografia nº 72) do casal dos Cascos, freguesia de Ponte (c. Guimarães), e do cónego Nicolau Afonso (biografia nº 90), que emprazou a quintã de S. Romão de Lobeira. 564 É o caso da sé de Braga em que, para o reinado de D. Dinis, Justiniana Lima apresenta alguns exemplos, sendo a relação tio/sobrinho a mais detetada (LIMA – O cabido de Braga, pp.43-48). Hermínia Vilar aponta 6,1% dos capitulares eborenses identificados com laços parentais de outros cónegos já instalados nesse colégio (VILAR – As dimensões de um poder, p. 169). Outro exemplo é o da família Ébrard. Aquando da vinda para Portugal de Americo d’Ébrard, como bispo de Coimbra, abriu as portas da diocese coimbrã aos eclesiásticos da sua família ou pertencentes a outras famílias relacionadas com eles. Este fenómeno iniciou-se no último quartel do século XIII até meados do século XIV (MORUJÃO, Maria do Rosário – A família de Ébrard e o clero de Coimbra nos séculos XIII e XIV. In A Igreja e o clero português no contexto europeu. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa. ISBN 972-8361-21-1. 2005, pp. 75-91). Veja-se ainda COSTA - Nepotismo e poder na arquidiocese de Braga, pp. 117-140. Contudo, para o cabido lamecense Anísio Saraiva chega à conclusão não ser o parentesco um mecanismo muito evidente de recrutamento (SARAIVA – A Sé de Lamego, pp. 157-158).

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conhecemos apenas um caso de parentesco entre dois cónegos: Álvaro Anes de Torres é primo

de outro capitular565, não sendo, contudo, possível a sua identificação.

Quanto à proveniência familiar destes capitulares, a informação documental analisada é

praticamente nula. Os raros casos que revelam alguns laços parentais (como já referimos, cerca

de 11%) não nos permitem associá-los a qualquer família que possuísse à época algum estatuto

de relevância na região. Contudo, podemos supor alguma posição social no cónego Gervas

Gonçalves, sobrinho de Mor Anes e do tabelião Vasco Pires, que lhe doam as suas propriedades

em Armil (c. Fafe). A posse de imóveis, associada à profissão do seu tio, Vasco Pires, tabelião,

pode levar a pensar tratar-se de uma família com recursos económicos e algum estatuto.

social566.

Para um período anterior ao do nosso estudo, Conceição Ferreira identificou vários

cónegos da colegiada de Guimarães, conhecidos pela pertença a famílias importantes e de

consideráveis posses económicas. É o caso do cónego Martim Alvelo, filho de Martim Alvelo,

cavaleiro do Lago, proprietário de várias casas na rua de Santa Maria567. É também o caso do

cónego Gil Lourenço, filho de Berengária Gil, que possuía um conjunto de imóveis na vila de

Guimarães568. Há ainda o cónego Afonso Anes Eixeco, de uma família prestigiada com laços ao

cabido de Lamego, assim como os irmãos Gonçalo e Antoninho Esteves, de uma família de

mercadores vimaranenses que, além de cónegos de Guimarães, ascenderam às dignidades de

chantre e deão da sé de Lamego569.

Passando agora para a nossa cronologia, também consideramos a posse de bens

patrimoniais como indicadora de alguma posição social. Os casos mais evidentes são os dos

cónegos João Gonçalves de Oliveira e Vasco Martins 3, ambos proprietários de casas na rua de

Santa Maria570, a mais importante artéria vimaranense medieval. Também os cónegos Álvaro

Pires, Gil Afonso, João Pires, Lourenço Esteves e Vasco Martins 1 possuíam imóveis na mesma

vila571.

A sociabilidade regional minhota seria também um fator importante de ingressão neste

colégio. As doações feitas pelos cónegos Gil Afonso e Luís Gonçalves, que deixam ao cabido de

565 TT-CSMOG-DP46-05. 566 Biografia nº 52. 567 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 466-467. 568 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 546. 569 SARAIVA – A Sé de Lamego, pp. 126-127 e p. 128 nota 123. 570 Biografia nº 74 e biografia nº 107, respetivamente. 571 Biografias nº 36, nº 53, nº 78, nº 81, e nº 105.

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Guimarães propriedades em Arões (c. de Fafe) e em Viatodos, julgado de Faria (c. de Barcelos)572,

revelam tratar-se de proprietários rurais, demonstrando o alargamento da área de influência

desta instituição. Também o cónego Vasco Ramos é um bom exemplo de proprietário rural que

doa ao cabido um casal na freguesia de Santa Eulália da Oliveira, em Riba Douro573. O cónego

Fernão Gil, ao ser herdeiro e testamenteiro de seu primo Afonso Gonçalves de Lageosa e de

Maria Gonçalves, remete-nos também para familiares com património rural574.

Outro fator que deixa em evidência a importância social destes cónegos é patente nas

suas relações pessoais com as elites da vila de Guimarães. Destacamos como exemplo o cónego

Vasco Martins 1, em cuja residência se estabeleceu um contrato de compra e venda entre

Gonçalo Pires Coelho, alcaide de Guimarães, e João Anes, morador em Felgueiras575.

Uma outra indicação que nos permite clarificar o estatuto dos capitulares é a referência a

servidoras, criados e homens ao serviço, denunciando uma condição socioeconómica relevante.

No conjunto dos cónegos identificados encontramos cinco que tinham homens ao seu serviço e

cuja presença é registada como testemunhas em atos do cabido. Conhecemos Gonçalo da Veiga,

que esteve ao serviço do cónego Gonçalo Anes de Évora576; Pedro Anes, que foi homem do

cónego João de Évora577; Lopo, filho da castelã, homem do cónego João Gonçalves de Oliveira578;

João Anes, que esteve ao serviço do cónego Mendo Anes579; finalmente, Álvaro Anes, que foi

homem ao serviço do cónego Pedro Anes 2580. A palavra criado, que pode ser usada com vários

sentidos semânticos, aparece-nos nestas notas biográficas revestida de dois: no sentido daquele

que presta algum serviço, ou seja, um serviçal, como é o caso de Gonçalo Lourenço, João e Gil,

serviçais do cónego João Gonçalves de Oliveira, e no sentido de alguém que cresceu dentro da

mesma casa, ou até mesmo de um filho581. O mesmo capitular refere também Gonçalo Anes, que

é seu criado, sobrinho e testamenteiro582. Já o cónego Vasco Martins 3 refere como seu criado

Martim Vasques, que acaba por ser identificado mais tarde como seu filho583. Assim, a

designação de criado engloba indivíduos de condição social muito diferenciada. No caso do

572 Biografia nº 53 e biografia nº 85, respetivamente. 573 Biografia nº 111. 574 Biografia nº 47. 575 Biografia nº 105. 576 Biografia nº 59. 577 Biografia nº 71. 578 Biografia nº 74. 579 Biografia nº 88. 580 Biografia nº 96. 581 Veja-se: Criado. In VITERBO – Elucidário, tomo 1, p. 224. 582 Biografia nº 72. Temos também Bartolomeu Vasques, criado do cónego Gonçalo Pires (Biografia nº 64). 583 Biografia nº 107.

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cabido de Guimarães observamos a presença de dois capitulares, criados do prior Rui da Cunha,

no sentido de terem crescido na mesma casa já que são referidos como vivendo com ele. É o

caso dos cónegos Diogo Rodrigues584 e Fernão Gonçalves de Araújo585.

Concluímos assim que, sendo a colegiada de Guimarães umas das mais prestigiadas

instituições eclesiásticas medievais, seria expectável confluírem para ela as atenções daqueles

cujo estatuto social e económico requeria a presença de um membro da família dentro deste

colégio. Apesar dos poucos exemplos apresentados, o silêncio documental acerca dos restantes

capitulares permite entrever que o cabido de Guimarães, durante o período em estudo, seria

constituído por um grupo significativo de membros provenientes essencialmente das oligarquias

urbanas vimaranenses e dos proprietários rurais dessa região.

2.3.2 - A residência dos cónegos

Como já havíamos referido, a partir do final século XII a vida comunitária nos cabidos das

catedrais e colegiadas vai-se extinguindo passando os seus capitulares a residir em casas próprias

ou arrendadas. A constante presença dos clérigos nos ofícios religiosos das instituições às quais

pertenciam obrigava à proximidade das respetivas habitações586. Por essa razão, no caso da

colegiada de Guimarães, era a rua de Santa Maria a artéria vimaranense de eleição para a

residência dos clérigos dessa igreja587. De notar ainda que era essa a localização da maior parte

do património urbano do cabido de Guimarães588. Os estatutos elaborados em 1405, no sentido

de manter uma certa continuidade da vida comunitária religiosa, proibiam os cónegos de “viver

entre os leigos” e ordenavam que vivessem próximo da colegiada para “não haver distância nem

alongamento mental nem corporal” da instituição à qual prestavam serviço589. Essa proximidade

584 Biografia nº 30. 585 Biografia nº 39. 586 O cabido da colegiada de Nossa Senhora de Alcáçova de Santarém adquiriu um conjunto de casas nas proximidades da colegiada para residência dos seus capitulares (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 34). No caso dos cónegos pertencentes ao cabido da sé do Porto, a sua residência situava-se numa rua na sua proximidade: a viela dos Cónegos (OLIVEIRA, Maria João- A viela dos cónegos: o espaço e os homens de uma rua do Porto na Idade Média (1221-1423). Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2005. ISSN 0076-1508. 2ª série, vol. 17, pp. 93-116). Quanto aos capitulares bracarenses, a existência ainda hoje de uma rua junto à catedral, designada por rua do Cabido, é indicativa de que aí se encontrava a residência da maior parte dos membros desse colégio. No entanto, Justiniana Lima não chega a essa conclusão afirmando que, para o reinado dionisino, não é possível confirmar a existência de um “bairro canonical” já que, no seu estudo, os cónegos aparecem a residir em diversas artérias da cidade (LIMA – O cabido de Braga, p. 53). Os cónegos da sé de Lamego também tinham as suas residências dispersas embora confinadas à área de jurisdição da igreja (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 177). 587 FERREIRA - Uma rua de elite, p. 148. 588 FERREIRA - Uma rua de elite, p. 87. 589 TT-CSMOG-L6, fl. 11.

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era também importante para mais rapidamente se fazerem presentes nos ofícios litúrgicos.

Assim, as casas e pardieiros dessa rua que fossem propriedade da colegiada de Guimarães

ficariam destinadas à habitação dos clérigos dessa igreja. Era, por isso, proibido emprazá-las a

algum leigo ou clérigo que não pertencesse a esse colégio ou escambá-las por qualquer outro

imóvel. Também a duração do contrato feito com esse capitular deveria ficar limitada apenas ao

período da sua vida, segundo os mesmos estatutos590.

Verifica-se, contudo, no que se refere àquela rua, que o cabido vimaranense estabeleceu,

para o período em estudo, quarenta e um novos contratos de emprazamento dos quais apenas

dezanove, ou seja, 46%, foram feitos com capitulares pertencentes ao mesmo cabido, sendo os

restantes estabelecidos com leigos591. Além disso, todos os prazos foram realizados com a

duração de três vidas592, não tendo sido cumprida a norma atrás referida. Conhecendo a

importância dessa artéria, quer pela centralidade quer pelo estatuto social e económico

daqueles que a habitavam, depreendemos que as suas rendas deveriam ser avultadas. A

realização de vários contratos de emprazamento de casas nessa artéria593, entre alguns

capitulares e o seu cabido, faz-nos depreender que se destinavam a subemprazamentos

constituindo fonte de rendimento para os mesmos. Há ainda a referir que alguns cónegos eram,

também eles, proprietários das casas que habitavam na rua de Santa Maria. Para as outras

artérias da vila de Guimarães também se realizaram onze novos prazos a capitulares

vimaranenses594.

2.3.3 – As reuniões do cabido

As reuniões capitulares, também designadas por cabido595, consistiam em assembleias de

cónegos cujo objetivo era tratar de assuntos referentes à comunidade que integravam. Versavam

questões religiosas, económicas e institucionais obedecendo a uma periodicidade que refletia a

dinâmica da própria instituição. Na colegiada de Guimarães, os seus capitulares reuniam-se duas

590 TT-CSMOG-L6, fl. 11-12. 591 Os 19 contratos distribuem-se por 17 casas, 2 pardieiros e 1 eido. Há ainda a referência a um prazo de casas na rua de Santa Maria, feito pelo Mosteiro de S. Torcato ao cónego João Gonçalves (TT-CSMOG-DP43-05). 592 Em alguns casos asseguravam a residência nessa habitação a servidoras ou familiares, nomeando-os como segundas pessoas nesse contrato (TT-CSMOG-DP52-10). 593 Foi o caso do cónego Diogo Rodrigues (biografia nº 42) e João Luís 2 (biografia nº 77). 594 Destes 11 prazos, 8 são de casas e 3 são de pardieiros. 595 A palavra “cabido” pode ser aplicada em dois sentidos distintos: uma referente ao cabido como instituição, a outra às reuniões que os capitulares realizavam. É frequente na documentação surgir a expressão “fazendo cabido” ou “estando em cabido”.

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vezes por semana, à quarta e sexta feira596. A ausência a estas reuniões constituía uma falta

grave, penalizada com a perda da respetiva ração597 e a impossibilidade de contestar

posteriormente as decisões aí tomadas598.

Não chegou até nós qualquer ata referente a estas reuniões, onde certamente ficaram

registados os assuntos aí tratados e os nomes dos presentes. No entanto, sabemos que o seu

assento era realizado pelo escrivão num livro do qual tirava notas, que passava ao tabelião, para

posteriormente ser feita a redação das escrituras relativas às decisões que necessitavam de um

instrumento público para serem concretizadas599. Assim, a notícia destas assembleias chega-nos

apenas pelos atos redigidos pelos tabeliães da vila reportando-se maioritariamente a assuntos de

foro económico e a alguns de caráter institucional600. O formulário tabeliónico dos documentos

permite-nos conhecer a sua data, o nome dos capitulares presentes e o local onde se efetuaram.

Quanto aos dias da sua realização, estavam determinados, como já referimos, a quarta e sexta

feira de cada semana. No entanto, pela sequência dos dias referidos nos atos notariais como

sendo a data efetiva da reunião capitular verifica-se que nem sempre aquela determinação era

cumprida. Se a maior parte das reuniões tinha em vista a realização de contratos relacionados

com a gestão patrimonial, a sua data deveria ter em conta a disponibilidade dos outros

outorgantes já que muitos deles eram moradores fora da vila de Guimarães. Aproveitariam

provavelmente aqueles dias que pudessem conjugar com outros afazeres como, por exemplo, as

feiras, os mercados e as festas601.

Seria também importante verificar, para o período em causa, os meses com uma maior

concentração de contratos e tentar alguma leitura desse facto, que seria apenas indicadora de

tendência. O estudo realizado por Maria de Fátima Botão, relativo à colegiada de Santa Maria de

Alcáçova de Santarém, levou-a a concluir que os meses de maior realização contratual eram os

de janeiro, junho e novembro. A investigadora relaciona este volume de contratos com as

596 TT-CSMOG-L6, fl. 3. No caso da sé de Évora o cabido reunia três vezes por semana: à segunda, quarta e sexta-feira (VILAR – As dimensões de um poder, p. 139). Na colegiada de Santarém reuniam-se apenas à quarta-feira (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 84). Nas colegiadas de menor dimensão estas reuniões eram menos frequentes. Por exemplo, na colegiada de Santa Justa de Coimbra, os estatutos de 1582 mandavam que se reunissem pelo menos uma vez por mês (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 257). 597 Perdia a ração correspondente à missa de aniversário e, caso o clérigo também tivesse faltado a este ofício, perderia a ração da missa dos presentes (TT-CSMOG-L6, fl. 2-3). 598 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 599 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 600 Referimo-nos, por exemplo, a posses de conezias e acordos entre os capitulares. 601 Na colegiada de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, apesar de estar determinado pelos seus estatutos que o cabido se deveria realizar à quarta-feira, é aos sábados, domingos e segundas-feiras que se regista o maior número de contratos e, portanto, as respetivas reuniões capitulares (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, pp. 83-84).

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celebrações litúrgicas especiais realizadas ao longo do ano. Os meses atrás referidos coincidem

com aqueles que têm menor atividade litúrgica, ou seja, com uma maior disponibilidade dos

cónegos escalabitanos602. Por sua vez, na colegiada de Guimarães não se verifica uma variação

marcante ao longo dos meses (gráfico nº 6, em Apêndice). A um pico de 42 contratos no mês de

janeiro603 seguem-se os meses de junho e julho com 36 e outubro com 35. Podemos registar uma

conclusão análoga à do estudo citado no que se refere aos meses de janeiro e junho. No nosso

caso acrescem ainda os meses de julho e outubro, que são também meses com um número

reduzido de celebrações604.

Por outro lado, se considerarmos que, na sua generalidade, ficavam definidos nos

contratos de emprazamento como períodos de pagamento das respetivas rendas, a Páscoa, o S.

João Batista, o S. Miguel de setembro e o Natal, verificamos que há, para a canónica

vimaranense, uma coincidência entre uma maior atividade contratual e o calendário agrícola,

resultante do finalizar de contratos após o pagamento das respetivas rendas.

Quanto aos espaços onde tinham lugar estas reuniões, salvo raras exceções ficavam

confinadas ao complexo da colegiada. Na sua grande maioria, os cónegos de Guimarães reuniam-

se no coro da igreja (42,2%) ou na capela de S. João, que ficava no claustro da colegiada (41%).

Pontualmente, reuniam-se também na sacristia, no alpendre do claustro que fica a par da capela

de S. João, na capela de S. Brás605 e na porta principal. Em alguns documentos, o local de reunião

do cabido era identificado apenas por “Igreja de Santa Maria”606. Algumas designações

introduzidas dentro de uma determinada cronologia fazem-nos compreender alterações

ocorridas num daqueles edifícios. Assim, locais designados como “no lugar onde ora está o coro”

ou “capela maior”, ou “capela nova principal”, ou “capela maior principal”, que surgem a partir

de 1391, levam-nos a supor que se trata de espaços recentes devido à construção da nova

igreja, por ordem de D. João I.

602 BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, pp. 81-83. 603 Também na colegiada de Santarém se verifica ser este mês aquele em que se realiza um maior número de contratos de emprazamento (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, pp. 81). 604 O estudo referente à colegiada de Santarém teve em conta as celebrações litúrgicas daquela igreja. No entanto, nos meses de janeiro, junho e julho são celebrações de todo o universo cristão. Em janeiro celebra-se a Circuncisão, a Epifania e o dia de S. Vicente; no mês de junho, S. João Batista, S. Pedro e S. Paulo; no mês de julho, a Visitação de Nª Senhora, Santiago e Stª Ana, e no mês de outubro, o Dia de Todos-os-Santos, Stª Iria, S. Simão e S. Judas (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 82, nota 69). 605 Foi Gonçalo Álvaro de Freitas que instituiu o morgado e a capela de S. Brás, que fica nos claustros da colegiada de Guimarães (CALDAS – Guimarães. Apontamentos para a sua história, p. 206. 606 Na sé de Braga não é possível identificar com tanta clareza o espaço onde se realizavam estas reuniões, já que é referido como o lugar onde se fazem as audiências ou “ali hu se faz o cabido” (LIMA – O cabido de Braga, p. 73).

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O cabido vimaranense reuniu-se também algumas vezes na igreja de S. Paio. Em 19 de

outubro de 1403, a igreja de Santa Maria estava embargada pelo arcebispo de Braga devido ao

diferendo existente entre este e o prior Diogo Álvares607. Mais tarde, em 1421 e em 1431, voltou

a estar interdita pelo mesmo motivo, desta vez entre o prelado bracarense e os priores Luís

Vasques da Cunha e Rui da Cunha, respetivamente608.

Os cónegos eram chamados a estas reuniões pelo toque de duas badaladas do sino

grande da igreja609. A sua presença é registada individualmente na documentação. Como já

referimos, a encabeçar esta enumeração estava o chantre seguido do tesoureiro, quando

presentes. Ao nome de cada cónego eram associados benefícios ou outras funções, caso

existissem. Surgem, então, expressões como: “abade de”, “capelam” e “procurador do cabido”.

Nestas reuniões eram tratados assuntos referentes ao funcionamento da igreja que se revestiam

de algum sigilo. Porém, alguns capitulares transmitiam estas informações a familiares e amigos,

geralmente relacionadas com negócios, em prejuízo da Igreja de Santa Maria. Estas atitudes

viriam a ser condenadas pelo prior Diogo Álvares que, nos seus estatutos, estabeleceu penas

para aqueles que não guardassem reserva dos assuntos da igreja610.

Estas assembleias destinavam-se a dar voz aos capitulares da igreja de Santa Maria611,

mas o facto de apenas termos notícia delas pelas escrituras públicas lavradas num momento

posterior justifica a presença de confirmantes dos atos que, além de clérigos coreiros, oficiais e

indivíduos ligados aos capitulares612, incluíam também cidadãos vimaranenses provenientes de

vários setores da sociedade. Eram, assim, leigos e outros clérigos que surgem identificados pelo

seu nome, mester ou local de residência613.

Se as normativas emanadas dos Concílios de Latrão III (1179)614 e Latrão IV (1215) 615

tinham como objetivo restringir o acumular de benefícios e funções por parte do clero secular

conducente a um absentismo que resultava num deficiente serviço prestado à Igreja, tal não

607 AMAP-NA-liv. 8, fl. 9 v. Por várias vezes esteve a Igreja de Santa Maria interdita devido aos conflitos jurisdicionais entre o arcebispo de Braga e o prior de Guimarães. Retomaremos este assunto mais à frente. 608 TT-CSMOG-DP43-10 e AMAP-NA-liv. 6, fl. 16. 609 TT-CSMOG-L6, fl. 2. 610 TT-CSMOG-L6, fl. 9-10. 611 Geralmente apenas os cónegos residentes e com ordens sacras tinham direito de voto nas reuniões capitulares. Os clérigos com ordens menores e os porcionários não tinham voz ativa nas tomadas de decisão (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 342-343). 612 Surgem-nos indivíduos identificados como “homem do cónego”, “criado do prior”, “filho de“. 613 A título de exemplo temos: sapateiros, tabeliães, procuradores de número ou “moradores na vila”, “na freguesia de”. 614 FOREVILLE – Latran I, II, III et Latran IV. Latran III, cânones 13 e 14 pp. 217-218. 615 FOREVILLE – Latran I, II, III et Latran IV. Latran IV, cânone 17, p .356 e cânone 29, pp. 361-352, respetivamente.

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99

deixa de se verificar na colegiada de Guimarães pois, ainda em 1405, os estatutos deixam

entrever como o absentismo dos seus clérigos se faria notar vincadamente nos ofícios da

instituição. Além disso, o teor daquele documento permite inferir também alguma negligência

no cumprimento de horários, com sucessivos atrasos e saídas antecipadas. Nestes estatutos,

ficou então registada a obrigatoriedade de todos os capitulares estarem presentes nos ofícios

litúrgicos, fossem residentes ou não616, resultando as suas ausências na perda da respetiva ração

e, em certos casos, no pagamento de algum valor pecuniário.

Ao contrário do que acontecia em algumas instituições, grande parte dos documentos

relativos a contratos realizados pela colegiada de Guimarães enumeram os capitulares presentes

oferecendo uma visão de conjunto617. Devemos salvaguardar, contudo, que nem sempre as

ausências significam absentismo. Por vezes, os cónegos ausentes nos ofícios do coro

encontravam-se ao serviço da colegiada não perdendo, por isso, os respetivos proventos. Há

também a considerar os que poderiam estar ao serviço do rei ou do arcebispo, ou simplesmente

a frequentar estudos universitários. Estavam ainda igualmente dispensados todos aqueles cujas

ausências eram justificadas, nomeadamente aquele que estivesse doente, que tivesse tomado

purga ou banho, por morte de familiar próximo, o que andasse com mesteirais nas casas do

cabido e o que estivesse a fazer a barba618.

Os cónegos de Guimarães, à semelhança de outras instituições eclesiásticas, tinham

também direito a uma licença de oitenta dias em cada ano não perdendo os seus direitos

durante esse período619. Os capitulares residentes gozavam ainda de dois dias em cada mês para

tratarem de assuntos pessoais. Porém, estava restringido ao número máximo de seis capitulares

a possibilidade de usufruírem simultaneamente deste direito e desde que não o gozassem

quando realizassem procissões fora da igreja ou houvesse pitanças ou dobras de dinheiros620.

616 TT-CSMOG-L6, fl. 1. 617 Alguns atos fazem essa enumeração acrescentando a expressão “e a moor parte dos coonigos” deixando entrever que nestas reuniões estariam presentes mais capitulares para além dos identificados. Também se observa que noutros não aparece a identificação individualizada surgindo apenas a expressão “cabido”. Em comparação no caso da sé de Braga, no século XIV, é usada apenas a expressão “o deão, dois cónegos e outros muitos” não permitindo quantificar o número de capitulares presentes (LIMA – O cabido de Braga, p. 74). 618 TT-CSMOG-L6, fl. 7. 619 TT-CSMOG-DE04-14. Publicado em MARQUES – Priorado de D. Afonso Gomes de Lemos, pp. 302-305. Na sé de Lamego e na de Évora os cónegos tinham direito a três meses de licença (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 102 e VILAR – As dimensões de um poder, p. 134). Na colegiada de Santa Justa as ausências só eram permitidas durante dois meses (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 176) enquanto nas colegiadas de Torres Vedras restringiam-se apenas a semanas (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 376). 620 TT-CSMOG-L6, fl. 7-8.

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100

Fica assim difícil quantificar os níveis de participação efetiva na vida capitular já que

existem várias possibilidades de as ausências estarem perfeitamente justificadas. Mesmo assim,

apesar dos constrangimentos, e baseando-nos apenas na enumeração dos cónegos presentes na

documentação, tentamos quantificar a ordem de grandeza dessa participação.

Ao longo desta cronologia, e considerando 111 reuniões capitulares621, nunca

encontramos a totalidade dos seus membros reunidos em cabido. Verifica-se, por duas vezes, o

número mínimo de quatro capitulares e o número máximo de vinte. A média dos capitulares

presentes nas reuniões de cabido resulta em 10,5 ou seja, bastante inferior à metade do corpo

capitular. Apesar da falta de rigor deste valor pelos motivos acima referidos, o mesmo é

indicador do elevado absentismo que se verificava nessa instituição622. Também o gráfico nº 7

(em Apêndice) remete para a mesma conclusão. Considerando que foram as reuniões com oito

cónegos as que se realizaram com maior frequência, estas resultam apenas no valor de 13,5%,

considerado significativamente baixo. O número mais elevado de participações, com vinte

capitulares, ocorreu por duas vezes. As reuniões com elevada participação serviram apenas para

a realização de contratos de gestão patrimonial, não se revestindo de qualquer relevância

especial que a justificasse. Todavia, a aprovação dos estatutos em 30 de janeiro de 1405, que

contou com a presença de dezanove capitulares, é justificada pela importância do assunto em

causa623. Não nos é possível, portanto, estabelecer uma relação entre a participação nas reuniões

capitulares e o assunto a tratar pois os documentos em que nos baseamos para este estudo

estão quase exclusivamente relacionados com a gestão do património624. Nos estatutos que

temos vindo a citar fica limitado o número mínimo de quatro cónegos para a realização de

qualquer ofício litúrgico625, o que poderá estar relacionado com os valores mínimos de

capitulares presentes em duas dessas reuniões do cabido.

Quanto às referências documentais dos cónegos da igreja de Santa Maria, podemos

diferenciá-las entre as que surgem sucessivamente ao longo de vários anos, indicando que se

trata de capitulares residentes com uma carreira perfeitamente documentada, e as que se

621 Este valor resulta apenas da análise dos designados Documentos Particulares cujos atos contêm a enumeração dos capitulares. 622 O mesmo é registado na sé de Lamego e na sé de Évora (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 110 e VILAR – As dimensões de um poder, p. 133). 623 Também na sé de Lamego foi na redação dos estatutos de 1344 que se encontrou reunido o maior número de cónegos (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 107). 624 Contrariamente, Hermínia Vilar verifica que na sé de Évora há uma relação entre o número de participações nas reuniões capitulares e a importância do assunto aí tratado. (VILAR – As dimensões de um poder, p. 134). 625 TT-CSMOG-L6, fl. 1.

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101

restringem apenas a algumas notícias que, por si só, não nos permitem tirar qualquer conclusão

acerca da duração do respetivo canonicato (gráfico nº 10, em Apêndice)

A duração média dos canonicatos em Guimarães neste período situa-se por volta dos 17

anos (gráfico nº 8, em Apêndice)626. Também se verifica que pelo menos trinta e sete indivíduos

(39%) se encontram referidos por mais de vinte anos627 e vinte e dois (23%) por mais de trinta

anos (gráfico nº 9, em Apêndice). Destes dados podemos concluir que, por um lado, existia uma

certa precocidade no acesso ao canonicato vimaranense e, por outro, de uma relativa

longevidade dos membros deste cabido628. Deste conjunto destacamos o cónego Vasco Pires

(1385 - 1439)629, que ocupou uma cadeira no coro da colegiada durante cinquenta e quatro anos.

Também Gonçalo Anes de Évora (1361-1409), Lourenço Esteves (1386-1430), Pedro Afonso 1

(1386-1430), Luís Afonso (1410-1451) e Fernão Anes (1400-1440)630, permaneceram neste

colégio por mais de quatro décadas. No sentido oposto detetamos que pelo menos vinte

capitulares (23%) são referidos documentalmente por um período inferior a três anos e doze

(12,6%) foram identificados por apenas um ano (ver gráfico nº 8, em Apêndice).

Para as delimitações temporais destes indivíduos como clérigos de Guimarães apenas

dispusemos, na maioria, do registo da sua presença nas reuniões capitulares. Poucos foram

aqueles de quem nos foi possível conhecer a data em que tomaram posse da sua cadeira no coro

da igreja de Santa Maria. Temos apenas os casos dos cónegos Gonçalo Anes de Évora), João

Gonçalves do Lho e Luís Afonso631. Quanto ao termo dos canonicatos, sabemos que em oito

capitulares a causa foi a morte e em dois a permuta632. Da maior parte não temos qualquer data

ou motivo. Em 12% as informações surgem com a referência a expressões coonigo que foy, as

quais não nos elucidam se os mesmos renunciaram ao canonicato, se o permutaram ou se

faleceram.

Se analisarmos a presença do número dos membros deste colégio em cada ano ao longo

do reinado joanino verificamos que se pautou, salvo algumas exceções, por um crescendo

626 Para estes cálculos consideramos apenas o universo de noventa e cinco capitulares pois três são referidos sem data. 627 Na colegiada de Santa Justa 23% dos clérigos tiveram carreiras com mais de duas décadas (CAMPOS – A colegiada de S. Justa, p. 206). 628 Hermínia Vilar chega a esta conclusão referindo que 50,4% dos membros do cabido da sé de Évora permaneceram mais de dez anos neste colégio (VILAR – As dimensões de um poder, pp. 179-180). No caso da canónica de Guimarães, para o mesmo período (10 anos) obtemos um valor muito mais significativo: 64%. 629 Biografia nº 109. 630 Biografias nº 59, nº 81, nº 92, nº 83 e nº 46, respetivamente. 631 Biografias nº 59, nº 68 e nº 83, respetivamente. 632 Referimo-nos aos cónegos Gonçalo Pires (biografia nº 64) e João Anes 2 (biografia nº 70).

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102

contínuo contabilizando uma média de vinte e oito capitulares por ano. Entre 1385 e 1387

identificamos apenas vinte cónegos que se fizeram presentes nesta instituição mas em 1430 o

seu número foi praticamente o dobro, ou seja, cerca de quarenta (gráfico nº 11, em Apêndice). O

primeiro valor poder-se-á explicar pelas razões conjunturais devido à crise política. Já para os

valores mais elevados, no final do período em estudo, nomeadamente no ano de 1430, a

coincidência do terminar de alguns canonicatos e o início de outros poderá justificar este valor.

Isto significa que se há um número significativo de cónegos que surgem pela primeira vez na

documentação há muitos outros que desaparecem nesse mesmo ano. Quer isto dizer que não se

trata necessariamente de um aumento significativo do cômputo dos canonicatos mas da soma

de duas situações diferentes.

Por tudo isto, verifica-se que na colegiada de Guimarães a assiduidade dos seus clérigos é

significativamente reduzida nas reuniões capitulares e, consequentemente, nos ofícios da igreja.

É possível constatar então que o seu absentismo se encontrava convergente com o do demais

clero secular português constituindo um dos problemas da Igreja nesta altura.

2.3.4 - A cultura

Para o exercício das suas funções eclesiásticas era necessário que o clero detivesse uma

formação cultural básica. De facto, este grupo social era detentor de um acesso privilegiado ao

ensino e à literacia, manifesto, como temos vindo a referir, na existência de escolas nas

catedrais, nas colegiadas e até em algumas igrejas paroquiais. Todavia, nem sempre este

requisito se fazia cumprir, nomeadamente no clero diocesano e capitular.

A detenção de um grau académico era da maior relevância para o acesso a um benefício

eclesiástico, dadas as necessidades sentidas pelas instituições religiosas nos aspetos

administrativo e burocrático633. Por outro lado, os benefícios detidos por alguns clérigos

proporcionavam-lhes réditos que permitiam o acesso a uma formação académica superior634.

Também as ausências, para estudo, das instituições religiosas onde esses clérigos eram

detentores de benefícios eclesiásticos estavam previstas e perfeitamente justificadas635.

633 VILAR – As dimensões de um poder, pp. 173-174. 634 D. Gonçalo Vasques da Cunha durante o seu priorado de Guimarães encontrava-se a estudar na Universidade de Bolonha (biografia nº 3). Também D. Fernando da Guerra, arcebispo bracarense usufruiu de vários benefícios eclesiásticos durante os seus estudos em Itália (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 50). 635 Em 1281 o arcebispo de Braga, D. Frei Telo, autorizava aos clérigos licença durante um triénio para estudarem sem, contudo, perderem os proventos dos benefícios (PEREIRA, Isaías da Rosa – A vida do clero e o ensino da doutrina cristã através dos sínodos medievais portugueses. Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa. ISSN 0076-1508. 1978, vol. 19, pp, 38-39).

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103

No que respeita aos cónegos de Guimarães não dispomos de informações que nos

permitam traçar um quadro do seu nível de literacia e cultura. Nesta colegiada, à semelhança do

que acontecia em outras instituições capitulares, cujas ausências para estudo deveriam estar

justificadas, não detetamos qualquer referência à atribuição dessa licença nos estatutos de 1405

e não obtivemos conhecimento de algum capitular que dela tivesse usufruído. Por outro lado,

nenhum cónego ostentava a designação de mestre ou magister, indicadora de grau académico

de nível superior636. Também a posse de livros, considerados na época como bens valiosos dada

a sua escassez e aquisição onerosa, seria certamente indicadora de interesse cultural por parte

daquele que os possuía. No entanto, sabemos que apenas o cónego João de Oliveira detinha na

sua posse um Breviário dos Costumes de Braga637 e o cónego João Afonso 2, abade de Freitas,

penhorara um livro de Sentenças ao referido cónego, João de Oliveira, por cento e vinte reais a

“três libras e meya”638.

A instalação das ordens franciscana e dominicana em Guimarães, como nas outras

cidades e vilas do reino, teve consequências a nível cultural quanto mais não fosse pela cultura

que deviam espelhar nas suas pregações. É conhecida a relação de conflitualidade entre os

cónegos de Guimarães e os frades mendicantes da mesma vila motivando, por isso, a

necessidade de se estabelecerem acordos entre as referidas congregações como aquele que

resultou na regulamentação das pregações nas igrejas vimaranenses, a 1 de abril de 1409639. Esta

pregação ficava a cargo dos frades dominicanos e franciscanos já que lhes era atribuído um nível

de erudição superior em relação ao clero diocesano. Assim se entende que frei João de Vila

Franca tivesse proferido um sermão do alto do púlpito da colegiada, nos finais de outubro de

1445, depreciativo da cultura dos clérigos desta e dos da vila de Guimarães640.

Por outro lado, num acordo estabelecido entre o prior, Rui da Cunha, e o cabido de

Guimarães, em 20 de agosto de 1435, é referido o número elevado de processos entre os

clérigos da igreja de Santa Maria e os “grandes e poderosos”, o que requeria a presença de

letrados que defendessem aqueles. Apesar de estar em curso o processo de redução de conezias,

ficou determinado neste acordo que Pedro Lourenço, abade de S. Salvador de Lagoa, letrado em

636 Para o reinado dionisino, 12% dos cónegos do cabido bracarense possuíam o grau de mestre (LIMA – O cabido de Braga, p. 65). Para o cabido eborense, cerca de 8,9% dos seus membros tinham alguma formação específica ou encontrava-se a frequentar o ensino universitário (VILAR – As dimensões de um poder, p. 174). No caso da colegiada de Santa Justa de Coimbra, Amélia Campos consegue identificar alguns raçoeiros com formação superior (CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, pp. 229-230). 637 TT-CSMOG-DP46-26. 638 TT-CSMOG-DP46-26. 639 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 574-576. 640 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 576-577.

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104

direito canónico, passasse a integrar o cabido vimaranense a fim de esta instituição ser bem

representada junto das instâncias judiciais. No mesmo acordo, Diogo Afonso, abade de S. Romão

de Mesão Frio, por ser “discreto e platico em demandas”, ficou a aguardar uma cadeira no

cabido da colegiada de Guimarães641.

Para as colegiadas de menor dimensão, como é o caso das colegiadas de Torres Vedras,

adianta Ana Maria Rodrigues que é compreensível o desconhecimento da cultura dos membros

que compõem estes colégios, uma vez que aqueles que possuíssem estudos e graus académicos

procuravam ascender a benefícios com maiores proventos ficando pelas catedrais, colegiadas

mais importantes e em cargos na cúria diocesana ou na Corte. Esta opinião é corroborada por

Maria de Amélia Campos para as canónicas coimbrãs642. Assim sendo, e apesar de se tratar de

uma das mais importantes colegiadas medievais portuguesas, a colegiada de Guimarães, neste

período, não surge como instituição capaz de captar os interesses de detentores de cultura

letrada, já que os indícios recolhidos tendem a evidenciar que o nível cultural e académico dos

membros do colégio canonical vimaranense era bastante baixo.

2.3.5 – Moralidade

O concubinato clerical constituiu uma das principais preocupações da Igreja durante a

Baixa Idade Média643. Ao longo do século XI, os diferentes pontífices legislaram no sentido da

moralização dos membros do clero644. Mas foi apenas em 1139, no II Concílio de Latrão, que o

casamento de clérigos de ordens sacras passou a ser considerado nulo645. Também a nível da

hierarquia eclesiástica portuguesa foi visível a preocupação com a moralização dos clérigos

demonstrada, por exemplo, nas constituições sinodais bracarenses, entre os séculos XIII e XV,

nas quais era recorrente o apelo ao fim das relações de concubinato. D. Frei Telo, no sínodo de

1281, impôs aos clérigos que não respeitassem o celibato a perda dos benefícios que usufruíam e

641 TT-CSMOG-DE04-19. 642 CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 228 e PEREIRA – A vida do clero, p. 41. 643 Sobre o concubinato clerical, veja-se a título de exemplo: CAMPOS, Maria Amélia Álvaro de - Um segredo mal guardado na vida dos beneficiados de Santa Justa de Coimbra (séculos XIV e XV). In Secrets and Discovery in the Middle Age. Barcelona-Roma: Fédération Internationale des Instituts d’Études Médiévales, 2017. ISBN 978 2 503 57745 6. pp.187-197. GIL, Frederico R. Aznar – La penalización de los clérigos concubinarios en la Península Ibérica (siglos XIII-XIV). Revista Espanõla de Derecho Canonico. Salamanca: Universidad Pontifícia de Salamanca, 1998. ISSN 0034 9372. vol. 55, pp. 503-546. 644 Os papas Leão IX (1073-1085), Gregório VII (1073-1085), Urbano II (1088-1099) e Calisto II (1119-1124) legislaram no sentido de promover o celibato, obrigando, sob pena de exclusão da hierarquia da igreja, os subdiáconos, os diáconos e os sacerdotes a renunciarem às suas relações concubinárias (CAMPOS – Um segredo mal guardado, p. 188). 645 FOREVILLE – Latran I, II, III e Latran IV. Latran II, cânone 7, pp. 188-189.

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105

à respetiva concubina a excomunhão646. Mais tarde, D. Gonçalo Pereira, no sínodo de 1333,

agravou as penas a aplicar aos sacerdotes que vivessem em concubinato. O castigo passou a ser

a prisão e o pagamento de uma multa647. D. Fernando da Guerra, na sua ação reformadora da

arquidiocese, publicou vários decretos no sentido de promover a moralização dos membros da

Igreja, nomeadamente ao nível do concubinato. No sínodo de 1430, este prelado apelou a uma

conduta moral mais em consonância com a vivência religiosa648.

Apesar da legislação emanada das instâncias eclesiásticas, a sociedade medieval aceitou e

conviveu com esta realidade. Em muitos casos, estas mulheres coabitavam com o respetivo

clérigo, dele tendo vários filhos, constituindo um núcleo familiar estável e denunciando assim

uma relação duradoura. Por vezes, tais mulheres eram detentoras de um estatuto económico de

alguma importância como é o caso de Maria Anes, servidora do cónego João Vicente,

proprietária de umas casas na rua de Santa Maria, em Guimarães649. Também Margarida Pires,

antiga manceba do cónego Afonso Eanes Eixeco e Constança Anes, manceba do cónego Vasco

Pires, residiram na mesma artéria em imóveis pertencentes ao cabido de Guimarães650. Porém,

nas cortes de Braga de 1387, o povo queixou-se ao monarca do comportamento dos clérigos sob

este aspeto651 com o objetivo de a justiça secular passar a exercer a sua ação sobre os mesmos e

respetivas barregãs. Em resposta a estas queixas, foi publicada em 1401 uma lei em que eram

aplicadas penas a essas mulheres652.

Em reação às ações empreendidas pelos oficiais da justiça régia, os clérigos da igreja de

Santa Maria queixaram-se ao monarca de que estes lhes invadiam de dia e de noite as suas casas

para confirmarem a inexistência dessas concubinas, circunstâncias em que acabavam por ser

vítimas de roubos resultando daí avultados prejuízos. Alegaram ainda que tinham obedecido ao

mandado do rei colocando as referidas mulheres fora das suas propriedades. Em resposta a esta

646 Sínodo bracarense de 5 de dezembro de 1281 (Synodicon Hispanum, dir. António GARCÍA Y GARCÍA. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1982, vol. 2, p. 12). 647 Os infratores passariam a pagar um marco de prata de multa. Sínodo bracarense de 6 de setembro de 1333 (Synodicon Hispanum, p. 50). 648 Neste sínodo, de 1 de junho de 1430, ficou determinado que a pena a aplicar ao clérigo seria, pela primeira vez, a perda de um terço dos benefícios e pela segunda a perda de metade. Na terceira vez que fosse provado o concubinato o clérigo perderia os benefícios. Nas três situações os valores revertiam para a fábrica do arcebispo. No caso de o clérigo não usufruir de qualquer benefício ser-lhe-ia aplicada a pena de prisão por um mês só sendo libertado após o pagamento de trezentos reais, aplicados nas obras da sé de Braga (Synodicon Hispanum, pp. 67-69). 649 TT-CSMOG-DP52-10. 650 FERREIRA – Uma rua de elite, p. 200 e p. 202, respetivamente. 651 SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, vol. II, p. 228. 652 A pena a aplicar ia desde o pagamento de quinhentas libras e a expulsão do local de residência até ao açoitar publicamente, dependendo das reincidências (Ordenações Afonsinas, fac-simile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra em 1792. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, Livro V, título. XIX).

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106

queixa, D. João I ordenou a Gonçalo Anes Carvalho, corregedor da comarca de Entre-Douro-e-

Minho, e às suas justiças, por carta lavrada em Santarém a 20 de dezembro de 1402, que não

permitissem essas invasões pelos alcaides e suas gentes653.

A penalização do concubinato também se estendia aos filhos que nascessem dessa

relação. Não lhes era permitido usufruírem nem das heranças paternas nem de qualquer

benefício eclesiástico havendo, contudo, a possibilidade da dispensa dessa ilegitimidade654.

Assim, foi justamente no reinado joanino que se verificou um elevado número de cartas de

legitimação de filhos de clérigos, desde os altos dignitários da Igreja até simples reitores

paroquiais655. Para estes números contribuíram, sem dúvida, os cónegos de Guimarães já que

temos notícia de dez legitimações de filhos, em alguns casos de mais do que um656.

A prole era criada na proximidade do seu progenitor657 garantindo este, por vezes, o

acesso a promissoras carreiras dentro e fora da estrutura clerical658 como aconteceu com João de

Crasto, filho do cónego Vasco Pires e de sua manceba, Constança Anes, que chegou a escudeiro e

vassalo do rei659. Na documentação analisada detetamos, em vários casos, a presença de filhos

de capitulares da Igreja de Santa Maria como testemunhas de atos jurídicos do cabido660, mesmo

após a morte dos progenitores661, revelando a sua presença no quotidiano da canónica em

estudo.

653 TT-CSMOG-DR02-20. Publicada em FARIA, João Lopes – Arquivo da Colegiada de Guimarães. RG, 1921, vol. XXXI, p. 256. 654 Sínodo bracarense de 1281 (Synodicon Hispanum, p.13). 655 A legitimação dos filhos dos clérigos permitia que estes pudessem herdar os bens dos seus progenitores e ascender ao clero. Oliveira Marques dá-nos alguns valores bem elucidativos da dimensão desta “generosidade” régia. Entre 1389 e 1438, foram outorgadas cartas de legitimação a filhos de dois arcebispos, cinco bispos, onze arcediagos, nove deões, quatro chantres, setenta e dois cónegos e cerca de seiscentos padres, não falando aqui do clero regular, do de ordens menores nem do feminino (MARQUES, A. H. Oliveira – A Igreja e o culto. Nova História de Portugal, vol. IV, pp. 370-371). 656 Referimo-nos aos cónegos Afonso Anes 2, Afonso Martins, João Luís, João Vicente, Pedro Afonso, Pedro Gonçalves, Vasco Martins, abade de Arões, neste caso com quatro filhos, Vasco Martins e Vasco Pires. Ver biografias em anexo. 657 Segundo Oliveira Marques, “era vulgar os sacerdotes de todos os níveis viverem com amantes, temporária ou permanentemente, deles tendo descendência e criando os filhos em casa” (MARQUES - A Igreja e o culto. Nova História de Portugal, vol. IV, p. 371). 658 A título de exemplo, temos o caso do prior de Guimarães, D. Rodrigo de Oliveira, filho do arcebispo de Braga, D. Martinho Pires de Oliveira, cuja carreira eclesiástica se pautou por lugares de relevância culminando na cátedra lamecense (SARAIVA - A sé de Lamego, pp.-60-82). 659 [1420] (Cancelaria de D. João I, vol. IV, t. 1, p. 111). 660 Temos vários exemplos, tais como Pedro Pires, filho do cónego Pedro Afonso, que é testemunha de um escambo (TT-CSMOG-DP41-26), de Afonso Vasques, filho do cónego Vasco Martins, testemunha de uma doação (TT-CSMOG-DP40-08), Vasco Martins, filho do cónego Vasco Martins, testemunha de um emprazamento (AMAP-NA, liv., 9, fl. 4 v) e Diogo Gonçalves, filho do cónego João Gonçalves, abade de Cerzedo, que é testemunha de um documento referente a um conflito entre o cabido e o prior Rui da Cunha (TT-CSMOG-DP46-23). Todos estes contratos foram firmados dentro da colegiada de Guimarães. 661 É o caso de Pedro Esteves, filho do tesoureiro Brás Esteves, que é testemunha de um prazo feito pelo cabido na Igreja de Santa Maria, em 1427-03-01. Nesta data é referida a morte do tesoureiro (TT-CMOG-DP44-29).

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107

Embora não se conheça a identidade destas mulheres, elas são muitas vezes referidas na

documentação por sargentas, servidoras ou criadas. Esta referência resulta da preocupação que

o clérigo manifestava com a sua permanência na atual residência após a morte deste. Assim, o

cónego João Gonçalves 1, nomeou Violante, solteira, sua criada, como segunda pessoa num

prazo de umas casas na rua de Santa Maria, pertencentes ao mosteiro de S. Torcato662. Da

mesma forma procedeu o cónego João Afonso do Lho, que residiu na rua de Santa Maria e

nomeou a sua servidora, Isabel Gonçalves, como segunda pessoa no prazo que tinha dessas

casas663. Também o cónego João Gonçalves de Oliveira mandou no seu testamento que Leonor

Eanes, sua servidora, se mantivesse a residir nas suas casas na rua de Santa Maria até falecer,

passando estas depois para a posse do cabido de Guimarães664.

2.4 - Outros Clérigos

Para além de dignidades e capitulares, a colegiada de Guimarães contava com um

conjunto de clérigos cujas funções estavam ligadas ao culto sem, contudo, possuírem qualquer

estatuto dentro do cabido nem usufruírem das rendas dos bens da mesa capitular. Em relação ao

cabido, este corpo clerical era inferior, hierarquicamente e em recursos, possuindo por vezes

outros benefícios associados. Deste grupo destacamos os capelães, os clérigos coreiros e os

moozinhos.

2.4.1 - Os Capelães

Aos capelães estavam associadas as funções relativas à cura das almas, a administração

de capelas e a substituição dos capitulares ausentes nos ofícios litúrgicos auferindo, por isso, a

ração a eles destinada665.

Desde a sua fundação, a colegiada de Guimarães exercia as funções de igreja paroquial.

Assim, competia ao capelão da cura administrar os sacramentos e dizer a missa diária para os

fregueses da paróquia de Santa Maria. Estava também obrigado a participar nos ofícios do coro,

ficando deles dispensado quando tivesse de assumir aquelas funções666.

662 Biografia nº 72. 663 Biografia nº 68. 664 Biografia nº 74. 665 CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 218. Na sé de Braga as funções de capelão estavam restritas ao serviço às capelas instituídas (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 369). 666 TT-CSMOG-L6, fl. 7.

Page 111: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

108

Os ofícios do coro, que se realizavam várias vezes ao dia, deveriam atrair mais a atenção

dos fiéis, demonstrada pelas respetivas doações, do que a missa diária pro populo667. Neste

sentido, para garantir o sustento do capelão da cura, foi associada em 1281 uma prebenda à

função de capelania668. No período em estudo identificamos três capelães: Domingos Fernandes

(1385-1395), que é testemunha em três contratos realizados pelo cabido669, Afonso Geraldes 1

(1404), que surge como tendo renunciado a um emprazamento670, e Pedro Domingues (1411-

1431), que também é testemunha nos atos do cabido671. Este último aparece em 1431 como

capitular acumulando as duas funções e respetivas prebendas672.

2.4.2 - Os Clérigos Coreiros

A auxiliar os cónegos de Guimarães nos ofícios litúrgicos existia um conjunto de clérigos

menores, presididos pelo prioste, referidos na nossa documentação como clérigos do coro ou

coreiros673. Este grupo clerical auferia das rendas dos bens que lhe estavam adstritos e que

geriam autonomamente. Estes bens foram-se constituindo a partir de doações e legados

testamentários com o objetivo da celebração do sufrágio pelas suas almas. Contemplavam casas,

herdades, quintãs e outros, bem como valores em numerário relacionados com bens imóveis674.

A gestão deste património era feita através de contratos de emprazamento. Na nossa

documentação, estes clérigos surgem essencialmente como testemunhas de atos do cabido e a

muitos deles estava associada a reitoria de uma igreja no arcebispado de Braga (tabela nº 4, em

Apêndice). Desconhecemos quantos coreiros existiam no período em estudo mas em 1465 o seu

número era de vinte e dois675. Entre 1385 e 1433 conseguimos identificar trinta clérigos coreiros

na colegiada de Guimarães (tabela nº 5, em Apêndice). Como priostes temos Lourenço Esteves,

João Anes, Vasco Afonso e Vasco Anes.

667 RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 380. 668 TT-CSMOG-DE02-04, TT-CSMOG-DE02-05 e TT-CSMOG-DE02-06. 669 TT-CSMOG-DP38-11, TT-CSMOG-DP38-13 e TT-CSMOG-DP38-32. 670 AMAP-NA-liv. 9, fl. 3 v. 671 TT-CSMOG-DE04-04, TT-CSMOG-DP44-13, TT-CSMOG-DP42-41, TT-CSMOG-DP43-24 e TT-CSMOG-DP45-02. 672 TT-CSMOG-DP46-23. 673 Várias são as designações deste grupo clerical em diversas instituições e em diferentes épocas. Na sé de Braga, no século XV, eram também designados por porcionários, raçoeiros, tercenários ou quaternários, segundo a partilha e a forma de acesso aos rendimentos capitulares (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 362). Já na sé de Lamego, ao longo de trezentos, os raçoeiros e os clérigos do coro constituíam dois grupos independentes, cada um com seis elementos (SARAIVA – A Sé de Lamego, p. 179). Na sé de Évora, neste mesmo período, este grupo clerical era designado por bacharéis não se conhecendo, contudo, a origem de tal designação (VILAR – As dimensões de um poder, p. 185). 674 Relembramos que nos documentos designados por Pergaminhos da Colegiada existe um conjunto significativo de atos referentes aos clérigos coreiros, relativos essencialmente à gestão patrimonial. 675 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 534.

Page 112: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

109

2.4.3 - Os Moozinhos

Também designados por meninos do coro, os moozinhos são jovens rapazes que ajudam

na celebração das missas676. Para esta função era-lhes exigido que tivessem ordens menores677.

Na nossa documentação, a referência a um moozinho surge apenas uma vez678. Não é conhecido

o número destes meninos do coro mas é plausível admitir que seriam umas dezenas679.

2.5 - Os Oficiais

O cabido de Guimarães, para além do habitual serviço litúrgico em que dispunha do corpo

clerical acima referido, procedia a outras atividades nomeadamente à gestão do seu vasto

património. Para tal, recorria a um conjunto de oficiais, clérigos ou laicos, que se dedicava a estas

funções. Em 1456 existiam na canónica vimaranense os seguintes oficiais: um prebendeiro, um

organista, um porteiro, um caminheiro, um carpinteiro, um sineiro, três mulheres para a limpeza

e outras funções semelhantes, um recebedor e um porteiro do prior680. Até ao momento não

temos notícia de como era feita a indigitação para esses cargos mas seria provavelmente por

decisão colegial dos capitulares. Por outro lado, no que respeita ao seu exercício, a

documentação por nós analisada não nos permitiu apurar a duração dos respetivos mandatos681.

Para a nossa cronologia identificamos os oficiais que se seguem.

2.5.1 - O prebendeiro

Este era o principal oficial do cabido682. As suas funções, a duração do contrato e

respetiva remuneração estavam definidas nos contratos estabelecidos com o cabido e tanto

676 Veja-se: Molachino. In VITERBO – Elucidário, tomo 2, p. 102. 677 TT-CSMOG-L6, fl. 1. 678 O cónego João d’Évora refere o encargo de um moozinho na igreja de S. João de Ponte, que traz emprazada do cabido de Guimarães (TT-CSMOG-DP39-20). 679 MARQUES, José – A Colegiada de Guimarães no Priorado de D. Afonso Gomes de Lemos: 1449-1487. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, p. 246, nota 23. 680 MARQUES – Priorado de D. Afonso Gomes de Lemos, p. 246, nota 23. 681 Na colegiada de Santarém e na de Santa Justa de Coimbra a eleição dos vários oficiais era feita anualmente, pelo festividade de S. João Batista (BOTÃO – Poder e Influência de uma Igreja, p. 118, nota 55 e CAMPOS – Santa Justa de Coimbra, p. 215). Nas colegiadas de S. Lourenço de Lisboa os oficiais eram eleitos anualmente pelo prior e raçoeiros não referindo em que altura do ano (SILVA – Espiritualidade e poder na Lisboa, p. 33). Na colegiada de S. Bartolomeu de Coimbra e nas de Torres Vedras sabemos que o prebendeiro era eleito também anualmente (GUARDADO – A colegiada de S. Bartolomeu, p. 61 e RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 393). 682 Em algumas colegiadas o prebendeiro tinha o nome de prioste. É o caso das colegiadas de Santo Estevão de Alfama (SERRA- A colegiada de Santo Estevão de Alfama, pp. 4-5), das de Torres Vedras (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 203) e da de S. Lourenço (SILVA – Espiritualidade e poder na Lisboa, p. 40).

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110

eram desempenhadas por capitulares como por leigos ou clérigos. Tratando-se de atividades

com caráter contabilístico e jurídico, seriam certamente indivíduos com conhecimentos nestas

áreas. Ao prebendeiro competia essencialmente o recebimento das rendas auferidas pelo

cabido, relativas ao seu património, e ainda outros contributos. Efetuava também o pagamento

das respetivas prebendas e rações aos capitulares, segundo indicação do contador do cabido683.

O prebendeiro registava os dados nos chamados Livros da Fazenda do Cabido, ou Livros do

Prebendeiro, onde se encontram detalhadamente todos os bens e rendas, constando a sua

localização por terras, freguesias, lugares, ruas e respetivos rendeiros. Nos mesmos livros eram

anotadas também as despesas que iam sendo feitas ao longo do ano684.

São conhecidos dois contratos estabelecidos entre o cabido de Guimarães e o

prebendeiro. No primeiro, de 25 de fevereiro de 1394, é nomeado Gil Lourenço, abade de

Santiago de Sobradelo (c. Póvoa de Lanhoso), cujas funções eram, para além de prebendeiro, as

de recebedor, procurador geral e administrador dos bens e rendas do cabido. O contrato foi

estabelecido por dois anos recebendo anualmente uma prebenda inteira igual à de um cónego,

acrescida de 50 libras de moeda “que ora corre a 10 soldos o real”685. Contudo, antes do seu final

surge um novo contrato, a 26 de junho do ano seguinte, estabelecido com o cónego Vasco

Martins 1 nos mesmos termos686.

Quanto aos prebendeiros da colegiada de Guimarães há notícias destes pelo menos

desde 1338, altura em que surge um Pedro Martins, cónego a exercer tais funções687. Dentro da

cronologia em estudo surgem-nos, em 1393 e em 1395, os cónegos Pedro Afonso 1 e Vasco

Martins 1688 respetivamente, bem como o já referido clérigo Gil Lourenço. Seguiu-se Afonso

Martins, entre 1396 e 1402689, e, posteriormente, entre 1402 e 1427690, outro Gil Lourenço, que

683 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 372. 684 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 536; MARQUES - Património e rendas da Colegiada de Guimarães, p. 214. Este registo é comum a outras instituições. A título de exemplo: GONÇALVES – O património do Mosteiro de Alcobaça, p. 314. Na colegiada de S. Bartolomeu de Coimbra o prior guardava o «livro do tombo e do foro e das rendas» e anualmente entregava-o ao prioste para este proceder ao recebimento das rendas e às contas afetas ao respetivo ano (GUARDADO – A colegiada de S. Bartolomeu, p. 42). 685 AMAP- NA- liv. 5, fl. 14 v. 686 AMAP- NA- liv. 5, fl. 16. Biografia nº 105. Em 1430 o prebendeiro de Guimarães recebia como pagamento uma prebenda idêntica à de um cónego que correspondia ao valor de dois mil e quinhentos reais brancos (TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-08). 687 TT-CSMOG-DP28-08. 688 TT-CSMOG-DP39-23 e AMAP- NA- liv. 5, fl. 16. 689 AMAP-NA-liv. 5, fl. 16 v. e AMAP-NA-liv. 8, fl. 3. 690 AMAP-NA-liv. 8, fl. 4 e TT-CSMOG-DP44-34.

Page 114: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

111

foi também rendeiro do cabido e juiz de Guimarães691. Por fim, identificamos ainda Luís Álvares,

entre 1429692 e 1432693, e Pedro Afonso em 1434694.

Da tabela nº 6 (em Apêndice) podemos constatar, após 1396, surgem a exercer as

funções de prebendeiro apenas leigos. Sabendo-se que os contratos são bianuais, como se diz no

documento de nomeação do clérigo Gil Lourenço e do cónego Vasco Martins, então, os leigos

foram reiteradamente confirmados no cargo, chegando mesmo a exercer funções por muitos

anos (ex. o juiz Gil Lourenço)695. Gil Lourenço terá demonstrado uma grande competência na

organização e gestão dos recursos monetários do cabido, provavelmente devido à sua formação

jurídica, resultando por isso na longa permanência já referida ao serviço da instituição.

Constatamos ainda que estes oficiais eram presença recorrente como testemunhas de atos do

cabido, o que se entende se tivermos em conta que exerciam funções ligadas à gestão do seu

património.

2.5.2 - O contador

O contador tinha a função de indicar ao prebendeiro o montante a receber por cada

beneficiado segundo a assiduidade aos diversos ofícios da igreja. Tal como na sé de Braga, estas

funções eram exercidas por um capitular com elevada assiduidade696. De facto, como contador,

identificamos apenas o cónego João de Oliveira697.

2.5.3 - O porteiro

Ao porteiro competia-lhe colaborar com o prebendeiro no recebimento das rendas do

património do cabido. Devia citar e penhorar os bens daqueles que não cumprissem o

pagamento das respetivas rendas698 o que nos leva a supor que tinha, de algum modo, funções

próximas às de um oficial judicial. Em 1430, auferia por estas funções cinco mil libras ou cento e

quarenta e três reais brancos699.

691 São três os contratos de emprazamento estabelecidos entre Gil Lourenço e a mulher, Marinha Afonso (em 1408, AMAP-NA-liv. 8, fl. 19 v; em 1411, AMAP-NA-liv. 10, fl. 18 v. e em 1425, AMAP-NA-liv. 4, fl. 6). 692 AMAP-NA-liv. 6, fl. 11 v. 693 TT-CSMOG-DP47-04. 694 TT-CSMOG-DP40-32. 695 Nas colegiadas menores as funções de prebendeiro eram geralmente exercidas por algum clérigo. No entanto, no caso do número de residentes ser muito pequeno era, então, eleito um leigo para que a igreja não ficasse desprovida de clérigos para as suas funções (RODRIGUES – As colegiadas de Torres Vedras, p. 393). 696 MARQUES - A Arquidiocese de Braga, p. 373. 697 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-08. 698 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, 375. 699 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08.

Page 115: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

112

2.5.4 - O escrivão

O escrivão anotava a presença dos capitulares nos diversos ofícios da igreja700, bem como

registava aqueles que não cumprissem com as suas obrigações clericais701. Escrevia também as

atas das reuniões capitulares702. No ano 1430, este oficial recebia por estas funções cento e

cinquenta reais brancos ao ano703.

2.5.5 - O pregoeiro

A otimização da rentabilidade de imóveis impunha que o seu arrendamento ou

emprazamento fosse realizado pelo melhor preço possível. Para tal seria necessário fazer saber

aos potenciais interessados da possibilidade de realizarem o negócio. Segundo os estatutos de

1405, todos aqueles bens patrimoniais cuja renda pudesse ultrapassar os três maravedis teriam

que ser anunciados na vila e nas localidades onde estavam sediados. Esta divulgação competia

ao pregoeiro704. Sabemos que no ano de 1430, o cabido despendia anualmente cinquenta reais

para o seu pagamento705.

2.5.6 - O procurador do cabido

Nas suas atividades, tanto eclesiásticas como laicas, o cabido de Guimarães necessitava

fazer-se representar junto de diferentes instâncias jurídicas - nas audiências dos juízes de

Guimarães, nos Paços do Concelho ou nas audiências do arcebispo de Braga. Também era

necessária a sua representação em alguns atos de gestão patrimonial como a posse de imóveis

doados ou legados ao cabido. Tal representação era feita através de um procurador mandatado

para o efeito mediante a respetiva procuração. A sua eleição realizava-se nas reuniões

capitulares.

Embora não exista qualquer informação acerca do seu nível de literacia, a escolha deveria

recair sobre aqueles que possuíssem algum tipo de formação para o estabelecimento do diálogo

com as respetivas instâncias. Talvez devido ao elevado número de atos de representação, o

cabido viu-se obrigado, por vezes, a eleger dois procuradores podendo agir separadamente.

700 Na colegiada de Santa Maria de Barcelos esta função cabia ao prior (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 503). 701 TT-CSMOG-L6, fl. 8. 702 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 703 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08. 704 TT-CSMOG-L6, fl. 11. 705 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08.

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113

Ficava, no entanto, especificado que nenhum deles pudesse suplantar o outro em termos de

autoridade e qualquer um poderia dar continuidade aos processos iniciados pelo outro. Das

procurações outorgadas conhecemos dois tipos: uma para representação com plenos poderes,

no que se refere a “preitos e demandas”, a apresentar junto do juiz de Guimarães706. Outra para

uma representação especial como no caso do escambo feito com o Concelho707. Em 1430,

incluído nos gastos do cabido refere-se também um “procurador e requeridor” do cabido708,

cujas funções específicas não sabemos exatamente quais eram. No entanto, pensamos que

poderiam consistir na elaboração dos requerimentos junto das instâncias em nome do cabido.

Nas audiências do tribunal eclesiástico de Braga, a que o cabido de Guimarães recorria por

questões tanto civis como eclesiásticas, a sua representação era assumida por um procurador e

solicitador nessa cidade709. Pelo mesmo documento, ficamos a saber que as respetivas

remunerações eram pagas anualmente, auferindo o procurador na vila de Guimarães trezentos

reais. O procurador com o solicitador, na cidade de Braga, recebiam quatrocentos reais brancos e

o procurador do cabido e requeridor cento e cinquenta reais brancos710. Contudo, o pagamento

só seria feito após a entrega ao responsável pelas chaves do cartório de todos os documentos

referentes aos assuntos por eles tratados durante esse ano711.

Ao longo do período em estudo, os procuradores do cabido vimaranense eram quase

exclusivamente seus capitulares e dignidades712. Há apenas a registar a presença de três leigos.

No caso de os procuradores serem clérigos da Igreja de Santa Maria, estavam dispensados dos

ofícios do coro quando se encontravam ao serviço do cabido, recebendo a respetiva ração além

do pagamento pela função que desempenhavam713.

A documentação permitiu-nos identificar vários procuradores do cabido, ao longo da

nossa cronologia, que representaram a instituição em 131 atos jurídicos e que vão indicados no

quadro nº 3 (em Apêndice).

706 TT-CSMOG-DP39-02 e TT-CSMOG-DP40-43. 707 TT-CSMOG-DP44-13. 708 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08. 709 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08. 710 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOGDP46-08. 711 TT-CSMOG-L6, fl. 3. 712 Referimo-nos ao chantre João Lourenço e ao tesoureiro Brás Esteves. 713 TT-CSMOG-L6, fl. 7.

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114

3 - A crise económica na colegiada de Guimarães

São bem conhecidas as calamidades que assolaram Portugal ao longo da centúria de

trezentos cujas consequências tiveram repercussão em toda a sociedade. O decréscimo da

população devido à Peste Negra e às sucessivas guerras causou ao nível da economia,

nomeadamente na agrícola, uma profunda crise.

No que respeita à colegiada de Guimarães, cuja maior fonte de rendimento provinha do

seu património, essencialmente rústico714, sentiu-se uma forte quebra dos proventos apesar de,

como já referimos anteriormente, após a Batalha de Aljubarrota se ter verificado um aumento

significativo das doações715. Salientamos ainda que foi no priorado de D. Rui da Cunha (1424-

1449) que as doações e testamentos atingiram o seu valor máximo716. No entanto, à falta de

mão-de-obra para trabalhar as suas propriedades rurais, acrescentou-se neste período uma

grave crise monetária resultante da sucessiva desvalorização da moeda. Foi justamente no

reinado de D. João I que esta crise se agudizou717. Apesar de os privilégios outorgados pelo

monarca aos caseiros e moradores das propriedades da canónica vimaranense718 as terem

tornado atrativas e, portanto, muito mais valorizadas, tais quebras faziam com que os capitulares

da igreja de Santa Maria vissem os seus rendimentos reduzidos a um valor monetário que não

lhes permitia um sustento condigno.

À semelhança de outras instituições religiosas, os cónegos da colegiada de Guimarães

viram como solução para a crise a redução do número de conezias e respetivas prebendas

detidas pelo cabido719. O seu prior nesta altura, Rui da Cunha, e o cabido suplicaram ao papa

714 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 552-554. 715 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 526-527. 716 Segundo as fontes por nós selecionadas: ver gráfico nº 4 em anexo. José Marques, a partir de outras fontes, chega à mesma conclusão (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, quadro da p. 524 e p. 535). 717 Entre 1384 e 1399, o marco de prata desvalorizou de 36 libras para 330, ou seja, cerca de dez vezes em quinze anos. De 1399 até 1422 o marco de prata subiu de 330 libras para 5000 libras e entre 1422 e 1426 deu-se mais uma desvalorização, passando o marco a valer cerca de 28000 libras nesse último ano (MARQUES, A. H. Oliveira – A Moeda. In SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. Oliveira (dir.) - Nova História de Portugal. vol. IV. MARQUES, A. H. Oliveira - Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa: Ed. Presença, 1987, pp. 209-211). 718 Para minimizar os efeitos da guerra na produção agrícola, D. Fernando e D. João I desobrigaram os lavradores de serem recrutados para a guerra pois eram necessários ao cultivo de bens essenciais para o abastecimento do reino. Não era permitido o seu recrutamento para besteiros do conto ficando estes restritos aos mesteirais. Sobre os efeitos das beligerâncias, ocorridas em Portugal entre 1369 e 1400, na produção agrícola e no comércio, veja-se: FERREIRA, Leandro Ribeiro – Recrutar, Produzir, Abastecer: repensar a produção e o comércio agrícolas em tempos de guerra (1369-1400). Revista Medievalista [em linha]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais. ISSN 1646-740X. julho de 2015, vol. 18, pp. 12-13. [consultado em: 2020-06-30]. Disponível em: https://medievalista.fcsh.unl.pt/MEDIEVALISTA18/ferreira1807.html (consultado em: 2020-04-21). 719 Várias foram as instituições capitulares que suplicaram à Igreja de Roma a redução do número de prebendas que detinham. Foi o caso do cabido da sé de Coimbra, que suplicou ao anti-papa João XXIII essa redução (MPV, vol. III-2, súplica nº 31, pp. 28-30 e súplica nº 47, pp. 40-41). No entanto, o indulto relativo a esta redução acabou por ser revogado (MPV, vol. III-2, súplica nº 323, pp. 221-222). Em março de 1420, também o arcebispo, deão e cabido de

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115

Martinho V, em 13 de abril de 1428, a redução dos trinta e sete canonicatos e respetivas

prebendas para apenas vinte prebendas e catorze meias-prebendas, alegando que os vinte e

cinco florins de ouro de câmara auferidos por cada um não eram suficientes para o seu

sustento720. Pouco tempo volvido, seguiu-se uma nova súplica ao Sumo Pontífice, em 24 de

junho de 1428, pedindo, neste caso, que o número de prebendas adstritas a esse cabido

passasse das trinta e sete existentes para apenas trinta. Alegaram mais uma vez o mesmo valor

como insuficiente, falta de recursos por “[…] antre guerras e mortaydades que a essas terras

vieram e aas vezes mingamento e mudamento das moeda hy feitas […]” causas suficientes para a

busca de outros benefícios fora da colegiada721. Esta ausência levava a uma menor participação

nos ofícios religiosos diminuindo, em consequência, a participação e as práticas devocionais dos

fiéis, o que poderia vir a traduzir-se em perdas de receitas, nomeadamente em doações e outras

dádivas. Pretendiam também que o primeiro canonicato que vagasse fosse ocupado por um

presbítero que ensinasse gramática e canto aos meninos ao serviço dessa igreja722. Este processo

de redução das conezias desenrolar-se-ia pela sucessiva anexação à mesa capitular dos

rendimentos auferidos por cada uma que vagasse por morte ou renúncia daqueles que as

detinham.

Martinho V respondeu através de uma letra apostólica ao prior do mosteiro de Santa

Marinha da Costa, D. Gil Domingues, mandatando-o como seu executor neste processo.

Ordenou-lhe que apurasse da veracidade das queixas dos cónegos da Igreja de Santa Maria. No

caso destas se confirmarem, que procedesse a essa redução passando o cabido de Guimarães a

deter apenas trinta conezias com as respetivas prebendas. O Sumo Pontífice incumbiu-o ainda de

fazer com que a primeira conezia com prebenda que vagasse fosse reservada para “hῦum clérigo

de missa e idoneo que ensine os moços en essa igreja nas missas e nos outros oficios divinos,

serventes en gramatica e en canto os aja d’enformar, posto que a esto nom seja demandado

lecença do diocesano de Bragaa”, ou seja, que se anexasse uma prebenda ao mestre escola na

colegiada de Guimarães723.

Braga suplicaram no mesmo sentido (MPV, vol. IV, súplica nº 351, pp. 242-243 e súplica nº 482, p. 338 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 384). A 6 de setembro de 1423, o bispo e o cabido da sé de Viseu suplicaram ao papa Martinho V a redução de trinta prebendas para vinte e cinco deixando, no entanto, reservada a primeira que vagasse para um mestre-escola (MPV, vol. III-2, súplica nº 752, pp. 537-538). 720 MPV, vol. IV, súplica nº 1223, pp. 296-297. 721 TT-CSMOG-DE04-08. 722 MPV, vol. IV, súplica nº 1252, pp. 315-316. 723 Roma, 1429 (TT-CSMOG-DE04-07). Este diploma encontra-se traduzido em: TT-CSMOG-DE04-08.

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116

Na sequência desta letra apostólica, D. Gil Domingues mandou então realizar o que

chamaríamos hoje uma auditoria às contas do cabido inscritas no “[…] livro de tombo se contem

todallas rendas, foros e direitos que elles dictos conegos todos em cada hum ano[…]”, ou seja, no

livro do prebendeiro, neste caso relativo ao ano de 1429, que terminava no dia de S. João Batista

de 1430724. A análise desta contabilidade foi executada por Vasco Afonso de Crasto e pelo

cónego de Guimarães, João de Oliveira725. Por este registo contabilístico ficamos a saber em que

consistiam as receitas e as despesas desta instituição, que passaremos a apresentar no quadro

abaixo726.

Receitas:

Entradas Montante Soma das laudas727

(parcelas)

Na prebenda 1 425 260 lbs. 2 212 463 lbs.

Dízimas pessoais 1000 reais

No livro de aniversário e respetiva renda 679 677,5 lbs.

Renda dos meses 56 601 lbs.

Noas 15 925 lbs.

Ofícios 624 862 lbs. 1 conto, 334 312,5 lbs.

Préstamos 188 825 lbs.

Presentes 520 625 lbs.

Soma total 3 contos 546 776 lbs. ou

101 336,5 reais brancos

Despesas:

Saídas Montantes Soma das laudas

(parcelas)

Fábrica do prior 100 000 lbs.

Para o prior da tércia e véspera 900 lbs., ou seja, 2 883 reais

brancos

Capelas728 1 825 reais brancos

Missa dos presentes729 1632,5 reais brancos

Missas de aniversário730 624 reais

724 TT-CSMOG-DP46-05, TT-CSMOG-DP46-06, TT-CSMOG-DP46-07 e TT-CSMOG-DP46-08. 725 TT-CSMOG-DP46-05, TT-CSMOG-DP46-06, TT-CSMOG-DP46-07 e TT-CSMOG-DP46-08. 726 TT-CSMOG-DP46-05, TT-CSMOG-DP46-06, TT-CSMOG-DP46-07 e TT-CSMOG-DP46-08. 727 Valores referidos no documento. 728 As capelas que se cantam diariamente, nos presentes e da tércia. Esta vale cinco reais. 729 A quatro reais e meio por dia. 730 Estas missas são rezadas três vezes por semana e cada uma a quatro reais.

Page 120: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

117

Procurador e solicitador em

Braga731

400 reais brancos

Procurador perante os juízes

na vila de Guimarães

300 reais

Procurador e requiridor do

cabido

150 reais brancos

Escrivão do tombo e das cartas

mandadeiras

150 reais brancos

Pregoeiro do cabido 50 reais

Ao cabido de Braga732 304 reais brancos

Porteiro do cabido 5000 lbs. ou 143 reais

brancos

Prebendeiro733 2 500 reais brancos

Capelão da igreja de Santiago

de Candoso

30 lbs. ou 429 reais brancos

Capelão da igreja de S. Pedro

de Azurém

25 lbs. ou 357 reais

brancos734

Prebendeiro relativo às ações

em Braga

300 reais brancos

Clérigos do coro735 120 reais brancos

Soma de todas as laudas

(parcelas)

12 167 reais brancos

Após o apuramento do montante final, o cabido de Guimarães dispunha de oitenta e

nove mil cento e setenta e seis reais e meio, o que resultava, em florins de câmara, em

seiscentos e quarenta e três florins equivalendo cada florim a cento e quarenta reais brancos.

Este montante tinha que ser dividido pelas trinta e sete prebendas736 correspondendo cada uma

ao valor de dezoito florins. O prior do mosteiro da Costa, Dom Gil Domingues, confirmou então

que o valor auferido por cada capitular era francamente diminuto e, como executor do papa

Martinho V, procedeu à respetiva redução dessas sete conezias ficando estabelecido que a

primeira que vagasse fosse ocupada por um mestre-escola737. Em 6 de julho de 1431 foram

atribuídos a esta dignidade os rendimentos pertencentes à prebenda deixada vaga por morte do

731 Pagamento feito anualmente. 732 Relativo a quatro igrejas em que o cabido bracarense tem o direito de visitação. 733 Este pagamento correspondia a uma ração idêntica à de um capitular. 734 Foi feita a correspondência de 500:1 735 Pagamento de uma avença para levarem a cruz nas procissões e nos funerais. 7361430-10-07 (TT-CSMOG-DP46-05, TT-CSMOG-DP46-06, TT-CSMOG-DP46-07 e TT-CSMOG-DP46-08). O documento identifica todos aqueles que nesta data recebiam uma prebenda: chantre, tesoureiro, capelão e mais trinta e três capitulares. Uma das prebendas estava vaga por morte do cónego João Luís. 737 1430-10-07 (TT-CSMOG-DP46-08).

Page 121: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

118

cónego Lourenço Esteves738. Esta decisão foi mais tarde confirmada pelo papa Eugénio IV, em 23

de julho de 1439, pela bula Exigunt merita, e pelo papa Inocêncio VIII, pela bula In supreme

dignitatis, de 16 de janeiro de 1489739.

Tal processo de redução de conezias, que se desencadeou na igreja de Santa Maria,

esteve na origem de um conflito entre o prior, D. Rui da Cunha, e o respetivo cabido.

Inicialmente, o referido prior terá apoiado a decisão do cabido em proceder a esta redução de

prebendas, uma vez que subscreveu as súplicas ao papa Martinho V e ele próprio manifestara,

por escrito, a 15 de maio de 1429, essa concordância740. Mas em 1431, num documento em que

o cabido é chamado a tomar posição sobre este assunto, lê-se “que alguns cónegos e

beneficiados deste collegio se vaao ao prior per seu mandado e chamado, enduzindo os o dicto

prior delles per ameaças e per afaagos e per alguns outros modos” que dissessem que a letra do

papa Martinho V relativa à redução das conezias “he falsa e gaanhada sorreticiamente”. Alegou

ainda o cónego Diogo Rodrigues que o prior Rui da Cunha entendia “que mais honrra era na dicta

Egreja aver quarenta conegos que trinta”741. Esta posição do prior foi apoiada por alguns

capitulares seus criados742.

As ações de D. Rui da Cunha levaram mesmo a que o cabido de Guimarães tivesse que

recorrer à Igreja de Braga. Esta apelação resultou da imposição, por parte do referido prior, do

seu criado João Fernandes como cónego de Guimarães, tendo o cerimonial sido realizado nos

seus aposentos, na presença de alguns capitulares743. Dada a necessidade de a tomada de posse

de uma conezia ser feita pelo prior e cabido in solidum. Rui da Cunha, aproveitando a presença

dos capitulares no coro da igreja rezando a noa“[…] se veera o dicto prior sanhudamente ao dicto

coro com todollos seus espadas antes ameaçando e dizendo que ele queria por em posse o dicto

Joham Fernandez da dicta conesia e que queria ele ver quem em ello mais fallavaa” impôs a

tomada de posse de João Fernandes da respetiva cadeira. Por tudo isto, apelaram então os

capitulares para a Cúria Arquiepiscopal com o objetivo de não lhe ser confirmada essa conezia. O

tribunal eclesiástico de Braga sentenciou então favoravelmente ao cabido de Guimarães744. Pelas

738 TT-CSMOG-DP46-05 e TT-CSMOG-DP46-06. 739 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 535. 740 TT-CSMOG-DP47-08. Mais tarde foi pedido o traslado desta declaração, a 18 de outubro de 1432. O procurador do cabido foi o cónego Fernão Gonçalves 3 (TT-CSMOG-DP47-08). 741 1431-06-08 (TT-CSMOG-DP46-23). 742 Referimo-nos ao tesoureiro Pedro Anes e aos cónegos Fernão Gonçalves de Araújo e Diogo Rodrigues (TT-CSMOG-DP46-23). 743 As testemunhas foram o tesoureiro Pedro Anes e os cónegos Fernão Gonçalves de Araújo e Pedro Anes de Asnais, que viviam com o prior. A conezia atribuída tinha ficado vaga por morte do cónego João Luís (TT-CSMOG-DP46-16). 744 1431-07-02 (TT-CSMOG-DP46-16).

Page 122: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

119

ações que Rui da Cunha promoveu contra a execução do indulto pontifício teve de pagar de pena

mil dobras cruzadas à câmara do papa e mais mil ao chantre e cabido de Guimarães745.

Em 1435, D. Rui da Cunha e o cabido de Guimarães acordaram em atribuir uma conezia a

Pedro Lourenço, abade de S. Salvador de Lagoa, pois “he boo letrado em direito canónico” e

seria uma mais valia para a canónica. Ficou também estabelecido que a próxima conezia que

vagasse seria concedida a Diogo Afonso, abade de Mesão Frio e cónego de Viseu, por ser

“discreto e platico em demandas”746. A atribuição destas prebendas requeria autorização papal

visto que iria contrariar a determinação anterior. O Papa Eugénio IV deu o seu aval e Diogo

Afonso tomou posse da conezia deixada vaga por morte do cónego Fernão Gonçalves, em 30 de

novembro de 1436747.

Este processo de redução de canonicatos a partir das conezias deixadas vagas por morte

ou renúncia dos seus detentores mostrou-se bastante moroso. Sabemos que em 1435 existiam

duas prebendas vagas748 e deu-se a supressão de outra, a 20 de agosto de 1438, por morte do

cónego Luís Gonçalves, abade do Pinheiro749. Em 1439, o cabido de Guimarães anexou à sua

mesa capitular os rendimentos afetos a duas conezias: a primeira, a 10 de maio, por morte do

cónego Afonso Gonçalves, arcediago do Neiva750, e a segunda, a 4 de agosto, por morte do

cónego Afonso Vieira751. Seguiu-se, em 18 de abril de 1441, mais uma anexação de uma

prebenda vaga por morte do cónego Afonso Anes, abade de Polvoreira752, e finalmente, a 2 de

fevereiro de 1451, é anexada à mesa capitular a última conezia, deixada vaga por morte do

cónego Fernão Gonçalves, abade de Lagares753.

Apesar destas medidas, os capitulares vimaranenses continuaram a enfrentar uma grave

crise económica. Em 1483, o prior D. Afonso Gomes de Lemos e o cabido pediram a Roma

indulgências para os peregrinos que visitassem a igreja de Santa Maria e aí deixassem esmolas

em determinados dias do ano, pedido esse que foi concedido754. No entanto, não terá tido

qualquer efeito nas contas da colegiada pois o seu cabido voltou a suplicar à Santa Sé uma nova

redução do número de conezias e prebendas. Solicitavam desta vez que às trinta e uma

745 1435-08-20 (TT-CSMOG-DE04-19). 746 1435-08-20 (TT-CSMOG-DE04-19). 747 1436-11-30 (TT-CSMOG-DE04-18). 748 1435-08-20 (TT-CSMOG-DE04-19). 749 1438-08-20 (TT-CSMOG-DE04-22). 750 TT-CSMOG-DP48-40. 751 TT-CSMOG-DP49-01. 752 TT-CSMOG-DP49-14. 753 TT-CSMOG-DE04-31. 754 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 584.

Page 123: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

120

existentes se retirassem mais seis, sendo os proventos de três delas anexados à mesa capitular, e

os de outras três convertidos em meias-conezias755.

4 - A Igreja de Braga e a colegiada vimaranense

Os litígios institucionais entre a Igreja de Braga e a colegiada de Guimarães têm merecido

há muito a atenção dos estudiosos756. Desde muito cedo que ambas reivindicaram o que

consideravam ser o cerne do seu prestígio para, no respetivo jogo de forças, cada uma fazer valer

os seus direitos: no caso da sé de Braga, mediante o estatuto eclesiástico de que se revestia, e,

no da colegiada, pela relevância do seu passado. A principal divergência residia na ascendência

jurisdicional757 que o arcebispo de Braga pretendia exercer sobre a colegiada, o que motivava da

parte desta o reclamar da sua isenção desencadeando nalguns casos o recurso à Igreja de Roma.

Esta conflitualidade assumia contornos que, por vezes, transcendiam a realidade

eclesiástica local. A conjuntura política e as relações entre os intervenientes e os outros poderes

ditavam os momentos de maior litigância entre estas duas Igrejas. No que se refere a este

período, os conflitos entre os três arcebispos de Braga, D. Lourenço Vicente (1374-1397), D.

Martinho Pires da Charneca (1398-1416) e D. Fernando da Guerra (1417-1467), e os sucessivos

priores de Guimarães atingiram, por vezes, momentos de grande tensão, em que o monarca, o

Sumo Pontífice e o cabido vimaranense foram chamados a tomar posição.

Após a vitória na Batalha de Aljubarrota, o Mestre de Avis, além das doações e privilégios,

promoveu junto da Sé Apostólica a isenção dos clérigos da canónica vimaranense do direito de

jurisdição exercido pela Igreja de Braga758. Este direito era configurado na chamada visita759 que

o arcebispo realizava à igreja de Santa Maria. O prelado bracarense na altura, D. Lourenço

Vicente, recorreu desta isenção solicitando a respetiva revogação, o que só viria a ocorrer a 18

755 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 585. 756 FARIA, João Lopes de – Santa Maria de Guimarães. A Jurisdição da sua Igreja. RG, 1921, vol. XXXI, pp. 206-215 e pp. 317-323; 1924, vol. XXXIV, pp. 98-107; 1926, vol. XXXVI, pp. 8-13 e pp. 133-136 e 1927, vol. XXXVII, pp. 219-222; FERREIRA, Maria da Conceição Falcão – Guimarães e Braga nos séculos XIII e XIV: uma questão de poderes. In Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 1996, vol. IV, pp. 121-128, SOARES – Conflitos jurisdicionais, pp. 11-29 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 530-534 e pp. 573-574. Ao longo das obras relativas às instituições: FERREIRA - Fastos episcopais, tomo II, pp. 145-146, pp. 209-211 e pp. 273-275 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada. 757 Segundo a concórdia estabelecida entre o arcebispo de Braga, D. Estevão Soares da Silva, e o prior de Guimarães, a 23 de outubro de 1216, ao arcebispo ficava garantido o direito da livre e absoluta jurisdição sobre a igreja de Santa Maria de Guimarães ficando esta como sufragânea da igreja bracarense. Assim, o prior de Guimarães outorgava-se a si próprio o estatuto de prelado na sua igreja (FERREIRA – Fastos episcopais, tomo I, pp. 369-371 e FERREIRA – Fastos episcopais, tomo II, p. 145). 758 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 521. 759 Também designada por jantar, colheita, visitação, procuração ou parada. Ver em Censos ou colheita - In VITERBO - Elucidário, tomo 1, p. 180 e 209, respetivamente.

Page 124: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

121

de janeiro de 1395 pela bula Importuna petentium ambitio, de Bonifácio IX760. Por esta bula

ficamos a saber que D. João I, como patrono da colegiada de Guimarães, e com o objetivo de a

dignificar, havia solicitado à Santa Sé que fosse dada a esta instituição e às igrejas dela anexas a

isenção de toda a jurisdição arquiepiscopal tornando-a dependente diretamente de Roma.

Esta isenção ocasionaria para a instituição bracarense um elevado prejuízo, sobretudo a

nível económico. Estava em causa uma instituição com um considerável património cujos

rendimentos e proventos, acrescidos dos resultantes da ação religiosa e litúrgica (sobretudo

sufrágio das almas e outras dádivas), se convertiam numa soma substancial a pagar a Braga761.

Tendo ainda em conta que a área de implantação da colegiada de Guimarães cobria um território

significativo na região minhota e a sua influência se exercia quer através dos seus rendeiros quer

através dos reitores das igrejas suas anexas, a passagem da alçada direta desta instituição para a

Igreja de Roma significava, por um lado, uma perda de prestígio para a sé de Braga e, por outro,

a constituição de um núcleo densamente povoado independente do prelado bracarense dentro

da própria arquidiocese. Estes terão sido os argumentos de D. Lourenço Vicente que acabaram

por convencer o papa Bonifácio IX, em 1395, a anular a sua decisão anterior, favorável ao prior

de Guimarães.

Esta decisão pontifícia é o resultado de um processo que se iniciara anos antes. De facto,

consciente do seu direito sobre a canónica vimaranense, este arcebispo, após ter manifestado a

vontade de exercer a sua prerrogativa, tinha acordado com o prior D. Gonçalo Vasques da

Cunha762 a 28 de maio de 1390 que, por um período de dois anos, o arcebispo de Braga

prescindiria do seu direito de visita à igreja de Santa Maria enquanto o prior enviava à Cúria

Pontifícia os argumentos que apoiavam a sua causa para que os ouvidores da Santa Sé

decidissem a questão763. É de supor que, no termo deste período, D. Lourenço terá novamente

tentado visitar a colegiada.

760 VASCONCELOS, Maria da Assunção Jácome de e ARAÚJO, António de Sousa – Bulário Bracarense: sumários de diplomas pontifícios dos séculos XI a XIX. Braga: Arquivo Distrital de Braga, Universidade do Minho, 1986, bula nº 273; FERREIRA – Fastos episcopais, tomo II, p. 233 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 520-521. Documento publicado em: MPV, vol. III-1, pp. 570-571. 761 A fim de ressarcir o arcebispo de Braga do prejuízo causado pela perda dos direitos sobre a igreja de Guimarães, o papa incumbiu o bispo de Lamego de lhe transmitir informações acerca deste assunto. Foram também chamados a arbitrar este conflito institucional os cardeais Francisco, do título de Santa Susana, e Cosme, do título de Santa Cruz em Jerusalém, que se inteiraram do assunto a partir de testemunhos (Documento publicado em: MPV, vol. III-1, pp. 570-571). 762 Biografia nº 3. 763 MPV, Vol. III-1, p. 567; FERREIRA – Fastos episcopais, tomo II, pp. 209-211. Texto do acordo publicado em: SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 16, nota 13.

Page 125: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

122

Sendo o prior filho de Vasco Martins da Cunha, pertencente a uma das principais famílias

da nobreza da época, este cavaleiro recorreu ao seu prestígio para fazer valer os direitos do seu

filho junto do prelado bracarense. Face a esse pedido, o arcebispo prometeu que só realizaria a

visita a partir de S. Miguel de setembro desse ano (1392). Contudo, não confiante nessa

promessa, o prior Gonçalo Vasques da Cunha recorreu à influência de D. João I no sentido de

evitar nova visita. Esta ficou então suspensa até ao dia 5 de maio de 1393. Passada esta data, a

mesma terá sido realizada no final do mês de maio, facto que levou João Palmas, procurador do

prior Gonçalo Vasques, a apelar764.

Assim, a 30 de maio de 1393, apresentaram-se perante o vigário geral do bispo do Porto,

os procuradores do prior de Guimarães: João de Ponte, abade de Santiago de Bedoido, João

Palmas e João Roiz, escudeiro de Vasco Martins da Cunha. Queixaram-se estes de que D.

Lourenço Vicente tinha entrado na canónica vimaranense para exercer o seu direito. Alegaram

que o prior se encontrava ausente para estudo e que o direito de visitação aguardava decisão na

Cúria Pontifícia.

Foi então pouco antes do final deste priorado (20 de abril de 1395), a 18 de janeiro de

1395, que, pela já referida bula de Bonifácio IX, Importuna petentium ambitio, foi anulado o

pedido de D. João I ficando a colegiada de Guimarães obrigada à obediência à Sé de Braga como

qualquer outra igreja desse arcebispado.

Segundo Sousa Costa, a amizade existente entre o novo arcebispo de Braga, D. Martinho

Pires, e o monarca terá contribuído para acalmar as divergências entre as duas instituições765. No

entanto, surgiu um novo litígio entre o prelado bracarense e o prior de Guimarães766, sobre a

mesma questão, tendo sido emitida uma nova bula em 13 de julho de 1399, Romani Pontifis

providentiam, de Bonifácio IX, no mesmo sentido, dando razão ao arcebispo de Braga767. A

ausência de D. Martinho Pires aquando da sagração do altar-mor da nova igreja de Guimarães, a

23 de janeiro de 1401, revela-nos a tensão existente entre este e o prior à época, Rui Lourenço.

Nessa cerimónia, o arcebispo de Braga fez-se representar pelo então bispo de Lisboa, D. João

Esteves de Azambuja768.

764 ADB, Coleção Cronológica, caixa nº 20. Documento publicado em: MPV, vol. III-1, nota 415, pp. 568-570. 765 MPV, vol. III-1, p. 575. 766 Pela data desta bula pensamos tratar-se do prior D. Nuno Fernandes (1396-1400). 767 Documento publicado em: MPV, vol. III-1, pp. 573-575; VASCONCELOS e ARAÚJO - Bulário Bracarense, bula nº 277 e SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 17. 768 TT-CSMOG-DE04-01. Documento publicado em: PIMENTA – O Altar-Mor da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, pp. 158-159 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 173-174.

Page 126: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

123

Com a chegada de D. Diogo Álvares769 ao priorado vimaranense, em 1403, os conflitos

institucionais entre as duas Igrejas voltaram a surgir. O primeiro fator resultou “[…] por rrazom

da meatade dos ffruitos novos, rrendas, direitos e direituras que pertençem ao dicto priorado, os

quaes o dicto senhor (arcebispo) diz que a de aver e lhe pertençem por anada e meya vaga por

morte de Luys de Freitas, que prestumeiro e ante do dicto Diego Alvarez ffoy prioll da dicta

egreia […]”770. Na sequência deste diferendo, o arcebispo de Braga interditou a igreja de Santa

Maria de Guimarães. Por sua vez, o prior Diogo Álvares insistiu com os capitulares para que não

se submetessem à decisão do arcebispo de Braga argumentando que a questão acerca da

visitação estava em apelação para Roma. Alegando que por esta situação de conflitualidade “[…]

a eigreia padeçeu mingoa e ffaliçimento em o esprituall […]”771 e sem saberem a qual das duas

instâncias deveriam obedecer, resolveu então o cabido recorrer, a 13 de agosto de 1403, para a

Cúria Pontifícia a fim de esta o determinar. A 19 de outubro de 1403, a colegiada de Guimarães

ainda se encontrava interdita uma vez que as reuniões capitulares se realizavam na igreja de S.

Paio da vila de Guimarães772.

D. Martinho Pires, ciente do seu direito sobre a canónica vimaranense, visitou-a em maio

de 1405 acompanhado pelos seus oficiais: vigário geral, ouvidor, secretário e meirinho. D. Diogo

Álvares recusou-se a recebê-lo encerrando as portas da igreja e não lhe dando pousada nas suas

casas773. Insistindo no seu direito, o prelado bracarense, através do seu ouvidor, intimou o prior

a permitir-lhe o acesso à colegiada. Esta ação mostrou-se infrutífera e D. Martinho Pires

procedeu, mais uma vez, à excomunhão do prior e dos cónegos de Guimarães. O conflito só ficou

resolvido após um encontro, a 5 de dezembro desse mesmo ano, no mosteiro de S. Domingos

com a presença do arcebispo, do prior e do notário apostólico e cónego de Braga, Pedro

Lourenço. Foi então estabelecido um acordo774 e D. Martinho Pires revogou a sentença e

absolveu os excomungados ad cautellam no mesmo dia, à hora da véspera775.

769 Biografia nº 2. 770 MPV, vol. III-1, p. 551. 771 ADB, Coleção Cronológica, caixa 20. Documento publicado em: MPV, vol. III-1, pp. 551-557. 772 1403-10-19 (AMAP-NA-liv. 8, fl. 9 v). 773 Segundo alguns autores, o arcebispo terá tido mesmo a necessidade de se abrigar no Padrão do Salado dado que na altura chovia intensamente (SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 17; OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 176-177 e FARIA - Santa Maria de Guimarães, vol. XXXII, 1921, pp. 209-215). 774 Para aceitar esse acordo, o arcebispo de Braga impôs algumas condições: o pagamento das procurações e das visitas passadas e daquelas que se viriam a realizar assim como a garantia do exercício do direito de jurisdição que os arcebispos detinham (SOARES – Conflitos jurisdicionais, pp. 17-18). 775 A análise e a correção do acordo foram feitas por Lourenço Afonso, ouvidor do arcebispo, e por João Lourenço, chantre de Guimarães, que o apresentaram a ambas as partes (SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 18).

Page 127: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

124

Não sendo possível apurar os factos que estiveram subjacentes, é possível que tenha

existido logo no início do arcebispado de D. Fernando da Guerra776 um litígio com o prior de

Guimarães, D. Luís Vasques da Cunha777. Um documento de 1421 revela-nos que “[…] aa missa

da tercia que se hi dizia (igreja de S. Paio) pero quanto a dicta Igreja de Santa Maria estava

enterdicta e se nom fazia agora em ella sacrificio […]”778. Esta interdição permite-nos supor que

D. Fernando da Guerra, à semelhança do que acontecera com outras instituições, terá tentado

visitar a colegiada de Guimarães e, na senda dos seus antecessores, D. Luís Vasques não o terá

permitido779.

A D. Luís Vasques da Cunha seguiu-se, no priorado da igreja de Santa Maria, seu irmão, D.

Rui da Cunha780. Pertencentes a uma das famílias mais importantes junto do monarca, de forte

implantação na região de Lanhoso, junto a Guimarães, e tendo sido este último criado na casa do

infante D. Pedro é de supor que seria inevitável o confronto entre D. Fernando da Guerra e D. Rui

da Cunha.

D. Fernando da Guerra pretendeu exercer o seu direito na colegiada a 25 de setembro de

1431. Esta visita não foi, contudo, feita pelo próprio arcebispo781 tendo mandatado para esse

efeito o chantre de Braga, Vasco Rodrigues, o arcediago do Couto, Gil Afonso Leitão, e o bacharel

em leis, Fernando Afonso, todos seus vigários-gerais. Foram então os visitadores recebidos pelo

tabelião de Guimarães, João Vasques, criado e procurador do prior, bem como por outros

escudeiros e homens de armas de D. Luís da Cunha, que exigiram a retirada dos visitadores782,

tendo estes últimos ameaçado o prior com sentenças de excomunhão.

O cabido de Guimarães viu-se, mais uma vez, envolvido nesta polémica entre o prelado

bracarense e o prior da sua igreja. Tentando manter uma posição que não fosse hostil para

nenhuma das partes, de forma a não verem cair sobre si qualquer consequência, nomeadamente

a sentença de excomunhão e a interdição da igreja de Santa Maria com a suspensão dos ofícios

776 D. Fernando da Guerra é nomeado por D. João I, a 11 de junho de 1416, como guarda e defensor da igreja e arcebispado de Braga. A nomeação papal para prelado da mesma Sé surge em 26 de janeiro de 1417 (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 59-60), ou seja, no ano em que se pôs fim a um dos principais marcos da História da Igreja- o Cisma do Ocidente – 1417. Este prelado manteve-se à frente da Igreja de Braga durante cinquenta anos exercendo uma ação reformadora, tanto ao nível eclesiástico como pastoral. 777 Biografia nº 6. 778 1421-08-29 (TT-CSMOG-DP43-10). 779 Segundo José Marques, até 1424 são escassos os documentos que dão conta da atividade deste arcebispo. No entanto, há referências a algumas instituições por si visitadas na região de Basto, de Entre-Ambas-as-Aves, Barcelos, Viana do Castelo, chegando também ao noroeste transmontano (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 70-71). 780 Biografia nº 8. 781 Entretanto, ficou o arcebispo de Braga alojado no mosteiro de Santa Marinha da Costa. 782 Estavam também no local Pedro Lourenço, cónego de Braga e notário apostólico, o tabelião Luís da Maia, alguns serventes e criados do conde de Barcelos e outras gentes do povo (SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 18).

Page 128: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

125

litúrgicos e respetivos benefícios, aceitaram serem visitados inicialmente na igreja de S. Paio783.

Contudo, a visitação realizou-se ainda nesse dia, à hora da véspera, com a presença de D.

Fernando da Guerra, no mosteiro de Santa Marinha da Costa. O prior foi citado com a obrigação

de pagar ao prelado bracarense seis dinheiros de ouro anualmente784.

Desta pretensão apelou D. Rui da Cunha para a Cúria Romana e para D. João I785. O

monarca delegou nos juízes de Guimarães o apuramento da verdade. Em 28 de setembro de

1433, D. Duarte confirmou o direito que a Igreja de Braga detinha sobre a canónica de

Guimarães786 sendo esta sentença publicada nos Paços do Concelho da vila de Guimarães, a 20

de maio do ano seguinte787.

Da apelação para Roma resultou a bula Conquesti sunt, do papa Eugénio IV, datada de 22

de dezembro de 1431, em que delegou no bispo de Lamego a resolução do litígio788. Foi emitida

nova bula do mesmo papa, Sua nobis, em 17 de outubro de 1432, nomeando D. João, bispo de

Lamego, como juiz apostólico. Contudo, esta nomeação não foi bem aceite pela igreja de Braga

dado que o procurador de D. Fernando da Guerra e cónego de Lamego, Luís Vasques, declarou-a

suspeita solicitando outro juiz. Sucessivas audiências foram marcadas devido à ausência de ora

uma, ora outra parte. O bispo de Lamego acabou por absolver o prior de Guimarães da sentença

de excomunhão. Desta vez seguiu-se a contestação do arcebispo bracarense à legitimidade do

bispo de Lamego como juiz apostólico. Apelou então D. Fernando da Guerra para Roma. No

entanto, José Marques apresenta algumas dúvidas relativas a esta apelação789. A questão entre o

arcebispo de Braga, D. Fernando da Guerra, e o prior de Guimarães, D. Rui da Cunha, só viria a

ser resolvida em 27 de janeiro de 1440, com o compromisso por ambas as partes de desistirem

das respetivas apelações790.

783 A igreja de S. Paio pertencia à mesa do prior e, por isso, este não permitiu que o cabido fosse aí visitado. 784 SOARES – Conflitos jurisdicionais, pp. 18-20. 785 Relembramos que esta foi também a posição, anos antes, de seu tio, o prior D. Gonçalo Vasques da Cunha. 786 SOARES – Conflitos jurisdicionais, p. 20; OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 177-178 e FERREIRA – Fastos episcopais, tomo II, pp. 273-274. 787 SOARES – Conflitos jurisdicionais, pp. 20 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 177-178. 788 MORENO, Humberto Baquero – Rui da Cunha D. Prior da Colegiada de Guimarães e a política do seu tempo. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s/ ed.], 1981, vol. 2, pp. 173-174 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 532. 789 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 532-533. 790 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 533.

Page 129: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

126

No entanto, este acordo entre as duas instituições seculares teve uma curta duração já

que no priorado seguinte, de D. Afonso Gomes de Lemos, reiniciou-se a conflitualidade entre

este e o arcebispo D. Fernando da Guerra791.

É de realçar, contudo, que as relações entre a Igreja de Braga e a canónica de Guimarães

não se revestiram apenas de conflitualidade. O arcebispo de Braga, D. Martinho Pires da

Charneca, anexou em 1406 à mesa capitular as igrejas de Santiago de Candoso, Santa Maria de

Silvares, S. João de Ponte e S. Martinho do Conde. O prelado que lhe sucedeu, D. Fernando da

Guerra, também lhes anexou a igreja de Santo Estevão de Urgeses792. Não sabemos o que terá

motivado estes atos. No entanto, com esta anexação, o cabido de Guimarães passava a usufruir

dos rendimentos provenientes das referidas igrejas, contribuindo assim para o aumento dos seus

proventos face à crise económica instalada.

Julgamos ter esboçado, ao longo destas linhas, os mais importantes acontecimentos que

envolveram a Igreja de Braga e a de Santa Maria de Guimarães no que respeita ao período em

estudo. Não há dúvida de que as ligações de proximidade entre os vários priores e o monarca

foram alimentando nos clérigos de Guimarães os desejos de independência da alçada

bracarense. Apesar de tudo, o cabido vimaranense mostrou uma posição independente de

ambas as partes, tentando sempre salvaguardar os seus interesses.

Tendo em conta a importância destas duas instituições no contexto eclesiástico do

Portugal medieval, consideramos necessário salientar a importância de um estudo mais

aprofundado da sua documentação num contexto cronológico que contemplasse os planos

políticos, sociais e religiosos de forma entrecruzada.

Capítulo 2 - D. João I e a colegiada de Guimarães

Após a morte de D. Fernando em Lisboa, a 22 de outubro de 1383, inicia-se em Portugal a

chamada crise de 1383-1385793. A 6 de dezembro do mesmo ano, a população de Lisboa é

791 MARQUES – A Colegiada de Guimarães no Priorado de D. Afonso Gomes de Lemos, pp. 262-264 e MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 573-574. 792 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 543. 793 Muitos são os trabalhos sobre a crise de 1383-1385. Referimos apenas alguns a título de exemplo: ARNAULT, Salvador Dias – A crise nacional dos finais do século XIV: a sucessão de D. Fernando. Coimbra: [s. n.], 1960; CAETANO, Marcelo - A crise nacional de 1383-1385: subsídios para o seu estudo. Lisboa: Verbo, 1985; OLIVEIRA, Aurélio de – A crise 1383-1385 e os fundamentos económicos e sociais da expansão ultramarina portuguesa. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986, II série, vol. 3, pp. 9-50; BERNARDINO, Teresa – A Revolução Portuguesa de 1383-1385. Lisboa: Publicações Europa - América - Coleção Saber, 1984; VIEGAS, Valentino - A Primeira Revolução Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 2008. ISBN 978-972-24-1562-0.

Page 130: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

127

chamada a intervir ao grito “acorramos ao Meestre, ca filho he delRei dom Pedro”794, numa forte

mobilização popular. Apesar da constatação de que o Mestre estava vivo, o povo mantém-se na

rua a dar largas ao seu desafeto pela rainha D. Leonor Teles. Uma das primeiras vítimas destes

acontecimentos, para além do bispo de Lisboa, D. Martinho, que já tinha sido prior de

Guimarães, e do tabelião de Silves, foi o prior da colegiada vimaranense, D. Gonçalo Vasques795.

Sucedeu-lhe nesse priorado uma das figuras centrais desta crise, o Dr. João das Regras, cuja

brilhante defesa nas cortes de Coimbra de 1385 conduziu o Mestre de Avis ao trono

português796. Os factos que se seguiram, como veremos neste capítulo, vão estabelecer uma

forte ligação entre o monarca recém-eleito, a vila de Guimarães e a sua colegiada.

1 - Guimarães na Crise de 1383-1385

O Mestre de Avis torna-se D. João I, rei de Portugal, a 6 de abril de 1385, e imediatamente

se confronta com a necessidade de dominar as terras que se mantêm fiéis a Dona Beatriz. Por

isso, dirige-se para o norte, com o objetivo de submeter as vilas e cidades da comarca de Entre-

Douro-e-Minho797. Este norte senhorial requeria submissão política, de forma a que a vontade

expressa nas cortes de Coimbra se estendesse a todo o reino798. Deixa então essa cidade e dirige-

se ao Porto, onde chega a 25 de abril799, sendo recebido num ambiente festivo800. Planeia aí a

tomada de Guimarães cujo alcaide, Aires Gomes da Silva801, seguindo os princípios vassálicos, se

mantinha fiel a D. Beatriz802.

794 LOPES – CDJ I, vol. I, cap. XI, p. 24. 795 LOPES – CDJ I, vol. I, cap. XII, pp. 27-30 e COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. ISBN 972-42-3488-6. p. 36. 796 SOUSA, Armindo de – As Cortes Medievais Portuguesas (1385-1490). Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Universidade do Porto, 1990. ISBN 972-667-13.9. vol. I, pp. 292-294; SOUSA, Armindo de – O discurso político dos concelhos nas Cortes de 1385. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1985, II série, vol. 3, pp. 9-44 e BRÁSIO, António – As «Razões» de João das Regras nas Cortes de Coimbra. Lusitania Sacra. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa - Universidade Católica Portuguesa, 1958, 1ª série, vol. 3, pp. 7-40 e COELHO – D. João I, pp. 61-67. 797 LOPES – CDJ I, vol. II, cap. IV, p. 13. Sobre a ação bélica de D. João I nesta região veja-se: MORENO, Humberto Baquero – A campanha de D. João I contra as fortalezas da região de Entre-Douro-e-Minho. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1985, II série, vol. II, pp. 45-57. 798 Nuno Álvares Pereira tomou os castelos do Neiva e de Viana do Castelo, aos quais se seguem a rendição de Cerveira e Caminha (LOPES – CDJ I, vol. II, cap. V-VII, pp. 14-18). 799 MORENO, Humberto Baquero – Os Itinerários de el-rei Dom João I (1384-1433). Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa - Ministério da Educação, 1988, p. 19. 800 Fernão Lopes faz uma descrição muito pormenorizada da travessia do Douro por D. João I e da sua entrada no Porto pela porta de Miragaia (LOPES - CDJ I, vol. II, cap. VIII, pp. 19-21). 801 Fidalgo na corte de D. Pedro, foi aio de D. Fernando e seu alferes-mor. Sobre Aires Gomes da Silva veja-se: FREIRE, Anselmo Braamcamp – Brasões da Sala de Sintra. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1996. ISBN 972-27-0821-x. vol. II, pp. 37-42. 802 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. IX, p. 22.

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128

A tomada da vila vimaranense constituía um avanço significativo do domínio joanino na

região minhota. A proximidade à cidade do Porto, aliada da causa do Mestre de Avis desde a

primeira hora, facilitaria certamente esta ação bélica803. Além disso, a sua situação geográfica e a

rede viária que a servia proporcionava às tropas do monarca o acesso a outras localidades804.

Desta vila partiu D. João I para a tomada de Ponte de Lima, para as terras transmontanas e, mais

tarde, para incursões leonesas. Por outro lado, Guimarães constituía por esta altura um forte

centro de comércio e artesanato805, o que permitiria ao monarca arrecadar valores significativos

de impostos para o financiamento da guerra contra Castela. Embora não exista qualquer

testemunho, é de supor que o Dr. João das Regras, como conselheiro do rei e detentor da

principal posição eclesiástica no burgo vimaranense em virtude de ser prior da colegiada, tenha

pugnado para que a campanha bélica no norte de Portugal se iniciasse justamente pela tomada

de Guimarães e nela tenha participado806.

Acerca da vila de Guimarães, diz-nos o cronista “he forte e bem defemsavel, assy a vila

que tem duas çerquas como ho castelo sobressy”807. Por esta razão, D. Lourenço Vicente,

arcebispo de Braga, aconselhou o rei a tomar a vila por assalto e não por cerco808. Para este

objetivo contou o monarca com a cumplicidade de Afonso Lourenço de Carvalho, juntamente

com seu tio, João Rodrigues de Carvalho, e com seu cunhado, Paio Rodrigues, opositores do

alcaide809. Fernão Lopes faz uma longa descrição da tomada do burgo vimaranense, tanto da vila

Baixa como do Castelo. A entrada na vila Baixa terá ocorrido entre 5 e 8 de maio. Na primeira

data D. João I estava ainda no Porto e na segunda já nos surge a outorgar diplomas em

Guimarães810. Para a tomada desta vila foi usado um ardil preparado pelos cúmplices referidos,

no qual o porteiro da porta do Postigo, João Azedo, terá caído abrindo-a e assim permitindo a

803 A proximidade da vila de Guimarães com a cidade do Porto permitiu a D. João I socorrer-se das suas gentes e máquinas de guerra aquando da tomada do castelo dessa vila (LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XI, p. 26). 804 Da vila de Guimarães saíam várias vias que estabeleciam ligação com as localidades de: Porto, Braga, Vila do Conde, Amarante, Penafiel e Cavez (ALMEIDA – Vias Medievais Entre Douro e Minho, pp. 190-195). 805 Conceição Ferreira salienta a importância do comércio em Guimarães desde a sua fundação referindo que o foral de 1096 já incluía várias disposições reveladoras desse dinamismo (FERREIRA – Uma rua de elite, p. 27, nota 94) e Luís Filipe de Brito alude que muitos e bons historiadores afirmam que a cidade do Porto e a vila de Guimarães eram, até ao século XVI, as localidades mais prósperas e populosas da região norte (BRITO, Luís Filipe Aviz de – O frontão da colegiada como significativa memória da Pátria consolidada. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, p. 329). 806 Segundo Sousa Costa, João das Regras acompanhava D. João I nas suas campanhas bélicas contra os castelhanos (MPV, vol. III-1, pp. 562-563). 807 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. IX, p. 22. 808 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. IX, p. 23. 809 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. IX, p. 22. 810 MORENO - Os Itinerários, p. 19.

Page 132: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

129

entrada do rei e daqueles que o acompanhavam811. Depois da submissão da vila Baixa, D. João I

“[…] apousentouce a paar da igreija de Santa Maria nas casas do Priol […]”812, preparando a

tomada do Castelo cuja defesa se encontrava assegurada pelo seu alcaide, o já referido Aires

Gomes da Silva813, e oitenta bons escudeiros e outros fidalgos814. Mandou, então, o rei vir do

Porto engenhos, armas, gentes de guerra e mesteirais de vários ofícios para tomar o castelo de

Guimarães. Fizeram-se escadas para encostar às muralhas e ateou-se fogo às portas815. No

esforço de manter o castelo por D. Beatriz o seu alcaide contava com o apoio do rei de Castela,

que acabou por não chegar, vendo-se Aires Gomes da Silva obrigado a render-se816 em meados

do mês de maio817. Após o sucesso desta ação, ficou o monarca na vila até 8 de junho818,

concedendo cartas de privilégios à igreja de Santa Maria819 e a outras instituições eclesiásticas,

ao concelho, aos besteiros e aos judeus820.

Após a tomada de Guimarães, os homens da cidade de Braga aderiram ao partido de D.

João I. No entanto, o seu alcaide, Vasco Lourenço de Lira, teve que ser submetido pela força, algo

de que se encarregou Nuno Álvares Pereira821. Seguiu-se a tomada de Ponte de Lima pelo

monarca e pelo Condestável822, regressando aquele novamente a Guimarães a 23 de maio, onde

ficou até 8 de junho823.

Foi durante a sua presença em Guimarães que D. João I tomou conhecimento da intenção

do rei castelhano de entrar em Portugal, ao mesmo tempo que decorria o cerco por mar à cidade

de Lisboa não permitindo o seu abastecimento. O monarca e o Condestável decidiram, então,

enfrentar as tropas castelhanas no campo de batalha824. Por isso, D. João I partiu para o Porto

com o objetivo de se dirigir mais para sul. O encontro dos dois exércitos dá-se a 14 de agosto

811 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. X, p. 24. 812 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. X, p. 25. 813 A alcaidaria deste castelo foi-lhe entregue por D. Fernando a 10 de abril de 1367 (TT-CHR - 001-0001-m0020). 814 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XI, p. 22. 815 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XI, p. 26. 816 Segundo Fernão Lopes, Aires Gomes da Silva “[…] hera velho e não bem saõ e levaraõ no fora em colos de homes᷉ e a poucos dias despois desto morreo aquy no Reino […]” (LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XI, p. 30). 817 MORENO - Os Itinerários, p. 19. 818 Durante a sua permanência em Guimarães, D. João I apenas se ausentou entre os dias 19 e 21 de maio para tomar a vila de Ponte de Lima (MORENO – Os Itinerários, p. 19). 819 Este assunto será por nós abordado mais à frente neste trabalho. 820 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 175. 821 Segundo o cronista, a tomada de Guimarães pelas tropas joaninas motivou a reação dos bracarenses sobre as gentes do castelo (LOPES – CDJ I, vol. II, cap. XIII, pp. 31-32). Acerca da posição da cidade de Braga na crise 1383-1385, veja-se: MARQUES, José – Braga na crise de 1383-1385. Braga: Ed. do A.,1985. 822 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XVI, pp. 35-37. 823 MORENO - Os Itinerários, p. 19. 824 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XXI, pp. 49-50.

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130

desse ano, em Aljubarrota825. Após a Batalha Real, o Mestre de Avis voltou a Guimarães para

agradecer a Santa Maria da Oliveira a graça concedida pela vitória.

A terceira passagem de D. João I por Guimarães foi breve e ocorreu a 2 de novembro de

1386, após o encontro com o duque de Lencastre em Ponte de Mouro, entre Monção e Melgaço,

a 1 de novembro826. O monarca voltou ao burgo vimaranense no início do ano seguinte, a 7 de

janeiro, e aí ficou até 30 do mesmo mês827, com a intenção de “ordenar os feitos da guerra”828,

ou seja, preparar a incursão por terras do outro lado da fronteira829.

Segundo Fernão Lopes, D. João I foi a pé a Santa Maria da Oliveira desde Trancoso, em

meados do mês de junho de 1387830. Passados dois anos, em 1389, o Mestre de Avis tornou a

terras vimaranenses, entre 21 de dezembro desse ano e 2 de janeiro do ano seguinte831. Esta

presença do monarca no burgo de Guimarães alterou para sempre a vivência do quotidiano das

suas gentes ao unir “as duas vilas e tornando-as um só povo”, no postumeiro dia do mês de

dezembro832. No final de 1400, voltou de novo a Guimarães onde esteve de 13 de dezembro a 7

de fevereiro do ano seguinte833. No mês de janeiro de 1401 realizaram-se as Cortes de

Guimarães, desconhecendo-se a data do seu início, mas a 15 de janeiro já estavam concluídas834.

Nestas cortes foi jurado o novo herdeiro, D. Duarte835. É também nesta altura, a 23 de janeiro836,

que é feita a sagração do altar-mor da nova igreja da colegiada de Guimarães, mandada contruir

pelo monarca. No ano seguinte, 1402, D. João I passou o primeiro mês em Guimarães837. A

825 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XXXVII, pp. 91-95; COELHO – D. João I, pp.80-86 e MORENO - Os Itinerários, p. 20. Sobre esta batalha veja-se: DUARTE, Luís Miguel - Aljubarrota: Crónica dos anos de brasa: 1383-1389. Matosinhos: Quidnovi, 2007. ISBN 978-972-8998-87-5; MONTEIRO, João Gouveia – Aljubarrota revisitada. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2001. ISBN 972-8704-00-3 e GOMES, Saúl – A Batalha Real: 14 de Agosto de 1385. [s. e.]: Fundação Batalha de Aljubarrota, 2007. ISBN 978-989-95080-3-3. 826 COELHO – D. João I, p. 98 e p. 116. 827 MORENO - Os Itinerários, p. 31. 828 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. XCIV, p. 221. 829 MORENO - Os Itinerários, p. 31. 830 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. CXIV, p. 255. No entanto, segundo Baquero Moreno, não há qualquer documento régio que comprove a presença do monarca em Guimarães por esta altura (MORENO - Os Itinerários, p.32). 831 MORENO - Os Itinerários, p. 41 e COELHO - D. João I, p. 106. 832 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, pp. 178-179. 833 MORENO - Os Itinerários, p. 85. 834 SERRÃO, Joaquim Veríssimo de - Guimarães, cortes de 1401. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. III, pp. 178-179; SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 321-322. Segundo este autor, a realização destas cortes em Guimarães estará relacionada com a sagração do altar-mor da Igreja de Santa Maria. 835 SILVA, Manuela Santos – A rainha inglesa de Portugal - Filipa de Lencastre. Lisboa: Círculo de Leitores, 2012. ISBN 978-972-42-4707-6. p.143. 836 PIMENTA, Alfredo – O altar-mor da Colegiada. BTH, 1933-1936, vol. 1, pp. 38-42. 837 MORENO - Os Itinerários, p. 93.

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131

última vez que se regista a presença do monarca no burgo vimaranense é na segunda metade do

mês de agosto de 1409838.

Apesar de a presença régia na vila de Guimarães ter sido de alguma frequência nos

primeiros anos de reinado, não podemos, no entanto, compará-la a outras vilas e cidades

portuguesas. D. João I esteve nesta vila apenas na primeira metade do seu reinado. Contando

com a tomada da mesma foram nove vezes839, ficando aquém das quinze vezes que esteve no

Porto e em Sintra. A cidade de Lisboa e a vila de Santarém foram as localidades de eleição do

monarca, seguindo-se a cidade de Évora840.

A presença de D. João I no Entre-Douro-e-Minho prendeu-se essencialmente com

questões militares. A conquista das terras que ainda estavam por Castela e a posterior

necessidade de as proteger trouxeram o monarca algumas vezes ao norte. Até ao ano de

1409841, fizera da vila de Guimarães o seu centro estratégico. Como vimos, após a tomada desta

vila, seguiram-se Ponte de Lima, as localidades transmontanas e as incursões por terras leonesas

e castelhanas. D. João I esteve também em Guimarães, apenas de passagem, mas foram as

questões religiosas e de caráter político as que ficaram na memória dos vimaranenses. Referimo-

nos, no primeiro caso, à romagem à Senhora da Oliveira e à sagração do altar-mor da nova igreja

de Santa Maria, por si mandada construir. No segundo, à união das duas vilas, a vila Baixa e a vila

do Castelo, e às Cortes de Guimarães de 1401.

2 - D. João I e Santa Maria de Guimarães

Ao longo da Idade Média, a religião desempenhava um papel preponderante numa

sociedade cristocêntrica em que Deus era omnipresente842. O homem medieval nascia, vivia e

morria sob uma ambiência religiosa. Ouvir missa diariamente era uma prática transversal a todos

838 MORENO - Os Itinerários, p.121. 839 Resumindo: em 1385, de 5 a 8 de maio até 8 de junho e de 16 de outubro até antes 18 de novembro; em 1386, de 2 a 4 de novembro; em 1387, de 7 de janeiro a 30 de janeiro e em meados do mês de junho (sem qualquer prova documental); de 21 de dezembro de 1389 até 2 de janeiro de 1390; de 13 de dezembro de 1400 a 7 de fevereiro de 1401; o mês de janeiro de 1402, e finalmente, a segunda metade do mês de agosto de 1409. Verifica-se, então, que fora do contexto da guerra da independência as estâncias da corte joanina em Guimarães aconteceram em períodos coincidentes com o final de um ano e o início do seguinte: de dezembro de 1389 a janeiro de 1390, de dezembro de 1400 a fevereiro de 1401 e janeiro de 1402. 840 Lisboa assume a preferência do monarca com 44 presenças, seguindo-se Santarém com 38, Évora com 23, e Coimbra com 19. Sintra e o Porto contaram 15 vezes com a corte joanina (COELHO - D. João I, p. 162). 841 MORENO - Os Itinerários, p. 9. 842 A crença num Deus Todo-Poderoso e, acima de tudo, justo constituía uma fonte de alívio para o sofrimento e para os medos, principalmente o da morte e o do Juízo Final. Por outro lado, a religião impunha-se como necessária pois a ela competia a explicação dos fenómenos indecifráveis pelo conhecimento coevo. As práticas religiosas ocupavam e estruturavam o quotidiano, mescladas com as ocupações e os deveres.

Page 135: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

132

os estratos sociais843. As peregrinações e as romagens eram também uma prática muito comum

nessa época. A elas acorriam tanto a realeza844 como os nobres845, os clérigos e a gente miúda,

congregando-se num mesmo fervor espiritual. Por sua vez, as práticas de culto às figuras centrais

da cristandade e aos santos constituíam também um traço relevante da ritualidade religiosa.

Assim, o culto à Virgem Maria ganhou lugar de destaque na vivência das comunidades cristãs

evidenciado nos santuários marianos de peregrinação e nas festas consagradas à Virgem

Maria846.

Quanto ao rei da Boa Memória é o próprio Fernão Lopes que refere a sua religiosidade:

“Este gramde e muy homrrado Senhor, mais excelente dos Rex que ẽ Portugual reinaraõ, foy

sempre bem fiell catholico, em guisa que aquello que no principe maes resprandeçe, a saber,

direita fee, era em elle compridamente, semdo muito devoto da preçiosa Virgem em que avia

symgular e estremada devaçaõ”847. Acrescenta o cronista que o próprio monarca verteu para

linguagem corrente o Livro das Horas da Virgem e mandou traduzir também os Evangelhos, os

Atos dos Apóstolos, as Epístolas de S. Paulo e outros livros espirituais848. O Mestre de Avis tinha

uma profunda devoção pela Virgem Maria que, na sua fé, o socorria nos campos de batalha, na

doença e nos momentos difíceis. Celebrava com especial fervor a festa da Senhora da Assunção,

data marcante na sua vida. Também era devoto dos protetores na guerra, S. Jorge e Santiago, e

do patrono da cidade de Lisboa, S. Vicente849. Fernão Lopes destaca ainda a obediência do

monarca à Igreja: “E os autos da sua vida trouve sempre o juguo da christaã fee, semdo muy

obidiemte ao Alto Pastor da Igreja […]850. O próprio monarca foi homem da Igreja pois ainda

criança, apenas com sete anos de idade, tornou-se Mestre da Ordem de Avis851.

Como tínhamos referido anteriormente, a igreja de Santa Maria de Guimarães afirmava-

se como um dos principais centros de peregrinação nortenhos. A ela afluíam gentes da região

843 MARQUES, A. H. Oliveira – A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspetos da vida quotidiana. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, 6ª ed.. ISBN 978-989-626241-9. p. 190. 844 D. Afonso II e a rainha Santa Isabel são exemplos de monarcas que se deslocaram em peregrinação a Santiago de Compostela. D Afonso V peregrinou até Nossa Senhora de Guadalupe (MARQUES – A Sociedade Medieval, p. 193). 845 D. Afonso, bastardo de D. João I, foi até à Palestina e o infante D. Pedro visitou Roma (MARQUES – A Sociedade Medieval, p. 193). 846 Verificaram-se, até final do século XV, mais de mil consagrações à Virgem Maria de igrejas, capelas e ermidas em Portugal (MARQUES – A Sociedade Medieval, pp. 197-198). 847 LOPES - CDJ I, vol. II, p. 2. 848 LOPES - CDJ I, vol. II, p. 2. 849 COELHO – D. João I, p. 146. 850 LOPES – CDJ I, p. 2. 851 COELHO – D. João I, pp. 16-17. D. João I foi criado por D. Freire de Andrade, Mestre da Ordem de Cristo.

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133

minhota e não só852, tanto em busca do auxílio da Virgem nas suas dificuldades como romeiros

para pagamento das promessas pelas graças recebidas. A crença na Senhora Milagrosa motivava

a veneração de todos sem qualquer diferenciação de estatuto ou estrato social. Esta envolvência

espiritual e religiosa terá certamente impressionado D. João I durante a sua permanência em

Guimarães, logo após a tomada da vila, entre os inícios do mês de maio e os meados do mês de

junho de 1385. Durante este período, o monarca alojou-se nas casas do prior João das Regras,

localizadas ao lado da colegiada. Terá sido na igreja de Santa Maria que D. João I ouviu missa

diariamente, participou nos ofícios litúrgicos e nas procissões, onde terá ele próprio comungado

dessa vivência religiosa, envolvendo a imagem da Senhora da Oliveira. O Padrão do Salado,

mandado erigir pelo seu avô, afirmou-se, sem dúvida, para o jovem monarca como símbolo da

proteção exercida por Santa Maria de Guimarães sobre os monarcas portugueses nos confrontos

bélicos. Por tudo isto, é de supor que, na batalha de Aljubarrota, véspera do dia dedicado à festa

da Assunção, D. João I tenha tido memória da ambiência religiosa vivida em Guimarães, o que o

levou a invocar o auxílio da Virgem da Oliveira.

A vitória das tropas portuguesas tornou-se uma nova fonte de reconhecimento para um

monarca que já detinha a legitimidade das Cortes. Para além disso, este triunfo militar acabou

por se revestir também de um caráter religioso dada a desproporção entre os dois exércitos. É

natural que a evocação da Senhora da Oliveira pelo monarca, antes da Batalha, não possa ser

dissociada de uma vitória sobre tão difíceis circunstâncias, que só a intercessão do divino pode

ajudar a compreender, à semelhança do ocorrido com D. Afonso Henriques na batalha de

Ourique853. Não será, pois, inadequado afirmar que D. João I conquistou naquele dia uma nova

legitimidade: à política (que já detinha) somou-se a bélica, de base religiosa.

Fernão Lopes alude por três vezes, na sua Crónica de D. João I, ao gesto de agradecimento

do monarca, pela vitória na Batalha, ao ir em romagem a Santa Maria de Guimarães. Segundo o

cronista, antes do confronto das tropas portuguesas com as castelhanas, o Mestre de Avis,

recorrendo à proteção da Senhora da Oliveira em tão difícil momento, prometera essa

peregrinação.

852 No Livro dos Milagres da Senhora da Oliveira verifica-se ser a seguinte a repartição dos peregrinos por região geográfica: 22 peregrinos da diocese de Braga, 13 da do Porto, 5 da de Lamego, 2 da de Vila Real e 1 das dioceses de Coimbra e Lisboa, respetivamente (FERNANDES – O Livro dos Milagres, pp. 42-44). 853 COELHO – D. João I, p. 86.

Page 137: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

134

Após a batalha teve lugar a primeira vinda de D. João I a Santa Maria de Guimarães854. O

rei ainda se manteve em Aljubarrota por três dias dirigindo-se depois para Alcobaça855 e de

seguida para Santarém, onde permaneceu até 10 de setembro856. Só após a garantia do controlo

sobre esta região é que o monarca se dirigiu a Guimarães com o objetivo de “cumprir sua

romaria que prometera amte que entrase a batalha”857. No entanto, D. João I ainda se deslocou a

Leiria, onde tomou o castelo, seguindo depois para o Porto. Aí chegou a 26 de setembro e nessa

cidade permaneceu até 4 de outubro. Só após esta data é que o rei seguiu para Guimarães858.

Finalmente, por volta de 16 de outubro de 1385, chegou D. João I à vila vimaranense859

“onde o reçeberaõ clerigos, frades e toda outra gente. E feita sua oração e oferta, deu muitas

esmolas e tornouse ao Porto”860. Segundo Maria Helena Coelho, a peregrinação régia ter-se-ia

iniciado logo no campo de batalha, com orações e missa. A caminhada terá sido lenta e muito

participada. A vitória em Aljubarrota fez desta romagem uma consagração de triunfo e

aclamação ao jovem rei vitorioso861. Chegado a Guimarães, vindo do Porto, percorreu a rua de

Gatos (atual rua D. João I), entrou na vila pela Porta de S. Domingos e subiu a rua

Sapateira/Mercadores (atual rua Rainha D. Maria II) até ao Largo da Igreja da Oliveira862.

Não ficou nenhum registo de tão relevante momento de festa, aclamação e

agradecimento à Virgem. No entanto, séculos mais tarde, os cónegos de Guimarães passariam a

escrito a importante efeméride na cópia do Livro dos Milagres de Nossa Senhora da Oliveira, de

1645863. Segundo as suas palavras, D. João I, logo após a Batalha Real, veio a pé a Guimarães

desde a cidade do Porto, com suas armas, e assim se prostrou perante o altar da Virgem. Fez-lhe

várias oferendas, entre elas o conhecido tríptico de Aljubarrota, pertencente à capela do rei de

Castela, e ainda cem escravos, aprisionados na batalha, para ajudarem na construção da nova

igreja. Após estas oferendas, o monarca fez uma fervorosa oração864. Seguiu-se a entrega das

854 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. LXI, pp. 161-162 e MORENO – Os Itinerários, p. 20. 855 MORENO – Os Itinerários, p. 20. 856 COELHO – D. João I, p. 89 e MORENO – Os Itinerários, p. 20. Segundo Fernão Lopes, a presença de D. João I em Santarém deve-se à necessidade do controlo das praças da Estremadura (LOPES – CDJ I, vol. II, cap. LXI, p. 161). 857 LOPES – CDJ I, vol. II, cap. LXI, p. 161. 858 No trajeto entre o Porto e Guimarães, D. João I ainda se instalou no mosteiro de Santo Tirso (MORENO – Os Itinerários, p. 20). 859 MORENO - Os Itinerários, p. 20. 860 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. LXI, p. 162. 861 COELHO – D. João I, p. 89. 862 FERREIRA - Uma rua de elite, p. 66, nota 132. 863 MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 92-93. 864 “Senhora eu confesso e quero que todos saibam, que eu por vossa virtude somente vençi aquela Batalha e que, no ponto e hora en que estava pera en ella entrar, dei hum mui grande espirro, o qual ouve e tomei por mui grande agouro, pelo qual cessei por entonses um pedaço de mover pera ella, no qual espaço me deitei de bruços e nom sei se dormindo se acordado porem posto en mui grão pensamento e agonia vi en vision aquesta vossa Casa tal

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135

suas armas à Virgem colocando-as sobre o altar e dizendo: “Vós Senhora mas destes, vós as

tomai e guardai”. No entanto, necessitando delas para os combates que se seguiriam, o monarca

ordenou ao tesoureiro da colegiada que as trouxesse e as colocasse de novo no altar. Deu, então,

em seu pagamento onze marcos de prata865.

Fernão Lopes volta a referir por mais uma vez a vinda de D. João I a Guimarães para

cumprir a sua romagem: quando o monarca regressou da incursão com o duque de Lencastre por

terras castelhanas, em 1387, dizendo-nos Fernão Lopes: “E ell (D. João I), seguundo o voto que

prometido tinha amte que emtrase em Castela, partio loguo de pee pera Sãta Maria dOliveira,

que era dali hῦas legoas na villa de Guimaraens.”866. De acordo com o cronista, D. João I estava

em Trancoso quando decidiu ir à Senhora da Oliveira. Como já dissemos, não há qualquer prova

documental desta estada régia na vila vimaranense. Contudo, a ser possível, tal presença teria

recaído na segunda metade do mês de junho de 1387. Conceição Ferreira coloca por esta altura

o cumprimento da peregrinação à Senhora da Oliveira. Segundo a investigadora, apenas se

realizou nesta ocasião devido às campanhas bélicas que o monarca teve que efetuar para que o

reino de Portugal se mantivesse independente da vizinha Castela867.

Esta associação de Nossa Senhora da Oliveira à vitória de D. João I na batalha de

Aljubarrota foi relembrada muito tempo depois. O dia de 14 de agosto passou a ser comemorado

na igreja de Santa Maria iniciando-se com uma procissão que ia até aos mosteiros de S.

Domingos e de S. Francisco. O sacerdote que presidia à eucaristia levava debaixo do pálio a

imagem de prata da Virgem da Oliveira. A missa, com sermão, era celebrada ao recolher, no

Padrão, com exposição do pelote do rei. A estas cerimónias assistiam, para além das Ordens

visitadas, as autoridades da vila e muito povo. Regressada a procissão à colegiada, o chantre ou o

subchantre rezavam responsos pela alma do monarca. Todas as despesas inerentes a esta

comemoração eram a expensas da Câmara868.

quejanda agora vejo com aquesta oliveira, e veo me ao entendimento que eu por exemplo do primeiro Rey me devia encomendar à vos e aver por tomadas as minhas armas de vossa mão, pelo quoal eu logo votei e prometi de fazer o que agora faço, dizendovos en minha oração: eu vos peço, Senhora de grande merçe, asi vos ao ditto Rey Dom Afonço fostes prinçipio daquesta Reino, sejais a min, vosso devoto, defenson delle.” (MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 92). 865 MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 92. 866 LOPES - CDJ I, vol. II, cap. CXIV, p. 255. 867 FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 177. Após a incursão pelo reino de Castela das tropas portuguesas e inglesas, D. João de Castela viu-se obrigado a assinar o acordo de Baiona com o Duque de Lencastre (COELHO – D. João I, pp. 102-103). 868 MARTINS – O Livro dos Milagres, pp. 93-94 e OLIVEIRA - A Insigne e Real Colegiada, p. 12. Após a interrupção desta celebração nos anos 70 do século XX, esta data voltou a ser celebrada em 2018. A notícia é referida pelo jornal Público de 14 de agosto desse ano.

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136

2.1 - As doações régias

Neste agradecer aos pés da Virgem, D. João I fez várias oferendas: o já referido tríptico de

Aljubarrota, o seu laudel e outros objetos valiosos. Quanto à colegiada, mandou este monarca

erigir uma nova igreja869 e ao seu prior, João das Regras, e respetivos clérigos promoveu, como

vimos, junto da Santa Sé a tão desejada isenção da Igreja de Braga e outorgou várias cartas de

privilégio. O tríptico de Aljubarrota é uma peça muito rica da ourivesaria dos finais do século XIII

ou inícios do XIV870. Trata-se de um altar portátil que, devido às cenas que representa, é também

conhecido como o Tríptico da Natividade871. Além desta peça, D. João I doou ainda onze anjos de

prata dourada com esmaltes referenciados como pertencentes à capela-real de D. João de

Castela872. Daqui terá surgido uma certa polémica acerca da origem deste tríptico. Algumas

teorias defendem que terá pertencido à capela do rei de Castela tratando-se, portanto, de um

despojo de guerra. Outras, por seu lado, defendem que é uma peça portuguesa lavrada a partir

da prata recolhida após a derrota castelhana873. Segundo alguns especialistas, é “uma peça única

em Portugal e no contexto europeu", "O retábulo de prata da colegiada faz a síntese da

ourivesaria do gótico internacional, que reproduz de uma forma quase obsessiva a própria

arquitetura da época. O vocabulário que usa é idêntico ao europeu" e ainda, "O tipo de

linguagem empregue representa para a escultura daquele período o mesmo que o latim para a

Europa da cristandade"874. Desta peça, pertencente ao Museu Municipal Alberto Sampaio,

869 COELHO – D. João I, p. 272. 870 SILVA, Nuno Vassalo e – A igreja como tesouro. In História da Arte em Portugal. Dir. de Paulo Pereira, vol. 1, Da Pré-História ao “modo” gótico. Lisboa: Temas e Debates, 1995, ISBN 972-759-003-9, pp. 460-462. 871Segundo Eduardo de Almeida a primeira referência documental a esta peça surge no inventário de 1459: “It huu ffrontall grande dourado, q poos o vítorjosso rrey dom joham q sse poeem as ffestas a q ffalta dous capittees e tres rrossetas e hua boceta de huu rrey magno, o qual dizem q tem trezentos e sesenta mãrcos de prata”. Mais à frente surge: “it huῦa buçeta pequena dos rreis magos do ffrontall q pesou çinco rreaes e meo. it huῦ anjo pequeno em prata dourado cõ suas haas (asas) e cõ sseu rrotollo q' paricía sser do ffrontall q pesou tres rreaes. It prata mehuuda convem a saber callunas de santa maria e pontas de casticaes e pontas de haas de anjos e rrosetas do ƒrontall”.' (Documento publicado em: ALMEIDA, Eduardo de - Os cónegos da Oliveira. Tesouro da Colegiada. RG, 1926, vol. XXXVI, pp. 167-169). 872 Deste conjunto de anjos apenas um, grande e dourado, em posição de ajoelhado, ostentando um castiçal ou ostensório usado nas procissões, se manteve intacto até ao século XIX (COELHO - D. João I, p. 274). 873 TEIXEIRA, Maria Emília Amaral – Revisão de um problema. O tríptico de Prata do Museu Alberto Sampaio. RG, 1958, vol. LXVIII, pp. 407-438; CARVALHO, A. L. de – O tríptico de Aljubarrota. Guimarães: Câmara Municipal, 1960 e SEGURADO, Jorge – Das régias reminiscências postas e vivas em Santa Maria da Oliveira em Guimarães, por D. João primeiro. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, pp. 205-211. 874 Estas expressões são de Anísio Franco e João Soalheiro e são citadas por Lucinda Canelas num artigo do jornal Público de 26 de julho de 2004. Esta peça é também designada como “tríptico Portugal” devido à presença das armas de D. João I. Foi restaurado em 2004.

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137

destaca-se no painel central a representação da Natividade, com a Virgem deitada no leito, o

Menino no colo, S. José sentado a seu lado, apoiado no seu bordão, e os animais do Presépio.

Este painel é encimado por anjos turiferários que incensam o Menino. Numa das abas temos a

representação da Anunciação e a Apresentação do Menino no Templo e na outra a Adoração dos

Pastores e a Adoração dos Reis Magos. A referência a D. João I surge com a presença do seu

escudo emoldurado por dois anjos tenentes875. O monarca terá ainda mandado fazer com a prata

do rei de Castela a imagem dos doze Apóstolos, quatro anjos, quatro maças, uma caldeira de

água benta e seu hissope, um turíbulo e uma naveta876.

Outra peça memorial do agradecimento do Mestre de Avis à Virgem de Guimarães é o

seu laudel. Este tipo de vestimenta era usado entre a cota de malha e a armadura para proteção

em combate877. Tal oferenda pode ser associada à proteção que a Santa Maria lhe terá dado no

confronto com o invasor castelhano. Este laudel chegou a ser símbolo da independência nacional

no período filipino.

2.2 - A nova igreja

No engrandecimento da veneração da Virgem da Oliveira e da instituição que a acolhia

mandou também D. João I construir uma nova igreja878. Supomos que esta iniciativa do monarca

terá tido a influência do prior da colegiada, Dr. João das Regras, e dos seus cónegos. A posição de

relevância detida por João das Regras junto do Mestre de Avis, como seu braço político, exigia

que a instituição eclesiástica à qual presidia fosse prestigiada pela edificação de um novo templo.

Por outro lado, esta construção, aliada à proteção régia, representava para os seus clérigos uma

via para aumentar o seu prestígio e a sua visibilidade face à influência da Igreja bracarense e à

dos Mendicantes.

875 COELHO – D. João I, p. 274. 876 COELHO – D. João I, p. 274. O citado inventário de 1459 refere: “it huua llampada grande branca q diz q poos el rrey dom Joham de hondetas com tres cadeas de prata e em çima huua qnopa (cornucópia?) toda de prata e cõ as armas do dito rrey q q pesou nove marcos. (ALMEIDA, Eduardo de – Os cónegos da Oliveira. Tesouro da Colegiada. RG, 1926, vol. XXXVI, p. 167). 877 BANDEIRA, Luís Stubbs Saldanha Monteiro – Uma preciosa relíquia da Batalha de Aljubarrota. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 2, pp. 367-382; SEGURADO - Das régias reminiscências, pp. 274-275. 878 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de e BARROCA, Mário Jorge – História da Arte em Portugal – O Gótico. Lisboa: Editorial Presença, 2002, ISBN 972-23-2841-7, p. 62.

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138

A construção da nova igreja iniciou-se em 1387879 e em 1413 foi feito um esforço para a

sua conclusão880. A sagração do seu altar-mor, a 23 de janeiro de 1401881, constituiu um

momento da maior importância na vida desta comunidade clerical. Essa sagração foi realizada

por D. João de Azambuja em substituição do arcebispo de Braga882. A esta cerimónia

campareceram, além de D. João I, a rainha D. Filipa de Lencastre e os infantes, o arcebispo de

Santiago de Compostela, D. Manrique, e o bispo de Cidade Rodrigo, D. Rodrigo883. Embora não

apareça referida a sua presença nesta cerimónia parece provável que nela tenham participado

Rui Lourenço884, na altura prior da Igreja de Santa Maria, o chantre João Lourenço, o tesoureiro

Brás Esteves e os seus capitulares. Este dia continuou a ser celebrado pelos clérigos

vimaranenses com uma procissão pelas naves da igreja com o sacerdote a incensar as cruzes885.

A Igreja da Oliveira, obra do arquiteto João Garcia de Toledo, que já estivera ao serviço de

D. Fernando, revela uma arquitetura gótica com um estilo mendicante886. No seu interior o

espaço é organizado em três capelas na cabeceira, um transepto saliente e três naves com três

longos tramos, cobertos de madeira887. A contrastar com a simplicidade da igreja aparecem

elementos enobrecedores tais como a forma dos pilares, a riqueza decorativa dos seus capitéis, a

879 Uma lápide que hoje se encontra no Museu Alberto Sampaio refere: “Era de Mil CCCC e XXV anos seis dias do mês de Mayo foi começada esta obra por mandado delrey Dom Johan dado pela graça de Deus a este reino de Portugal filho do muy nobre rey Don Pedro de Portugal este bom rey Don Iohan ouve batalha reyal en campo com elrey Dom Iohao de Castella nos campos de Aljubarrota e foy dela vencedor e a honra da vitoria que lhe deu a Virgem Santa Maria mandou fazer esta obra da qual foy Mestre por seu mandado Johan Garcia mestre en pedraria e foy acabada … dias do mês de … Era de mil e CCCC e … anos “ (BARROCA, Mário Jorge – Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422) - Corpus Epigráfico Medieval Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, vol. II, t. 2, pp. 1918-1927). 880 ALMEIDA, BARROCA – O Gótico, p. 62 881 Esta sagração ficou registada para memória futura numa inscrição em que se lê: “Era de Mil e CCCC XXXIX anos XXIII dias do mês de Janeiro dia de Sante Yldefonso foy sagrada esta egreja (sic) por mandado do muy nobre rey Don Johan de Portugal e da muy nobre reynha Dona Felipa sua molher filha del Duc de Lencastre e sagro a o bispo do Porto Don Johan d Azambuja esta obra fez Johan Garcia Mestre” (BARROCA - Epigrafia Medieval Portuguesa, vol. II, t. 2, pp. 2057-2067 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, p. 175). 882 Esta ausência do arcebispo de Braga, D. Martinho, é devida à situação de conflito entre este e o prior da colegiada, Rui Lourenço (MARQUES – A Arquidiocese de Braga, p. 521). 883 TT-CSMOG-DE04-01. Documento publicado em: PIMENTA, Alfredo – O Altar-mor da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. BTH, 1949-1950, vol. XII, pp. 158-159 e OLIVEIRA – História da Real Colegiada, pp. 173-174). Entre a informação contida neste documento e a da lápide referida na nota 881 há uma incoerência. O documento refere D. João Esteves de Azambuja como bispo de Coimbra e a lápide como bispo do Porto. No entanto, deverá ser a informação documental a correta pois esta foi escrita pelo próprio bispo. A inscrição na lápide de D. João de Azambuja como bispo do Porto revela que quem escreveu o texto se baseou em informação com mais de três anos e que a sua execução foi provavelmente anterior à cerimónia. A carreira eclesiástica de D. João Esteves de Azambuja contou com o bispado de Silves (1389-1391), do Porto (1391-1398) e de Coimbra (1398-1402). Foi ainda arcebispo de Lisboa (1402-1415) e depois cardeal em Roma (BARROCA - Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422), vol. II, t. 2, pp. 2066). 884 Biografia nº 9. 885 OLIVEIRA – A Insigne e Real Colegiada, p. 9. 886 ALMEIDA, BARROCA – O Gótico, p. 62 887 ALMEIDA, BARROCA – O Gótico, p. 62 e COELHO – D. João I, p. 273.

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139

originalidade do janelão e as pinturas do teto. O janelão colocado na fachada, no local da

habitual rosácea, possui dimensões que ultrapassam as da porta e cujas decorações se

assemelham às do Mosteiro da Batalha888. Dedicado a Santa Maria, surge em primeiro plano a

Anunciação, ao fundo alguns Apóstolos e a Virgem da Árvore de Jessé889. A intencionalidade

deste janelão, pensado para esta igreja, estará relacionada com a existência, na praça defronte,

da “Oliveira Sagrada”890, símbolo do Milagre.

Outro elemento importante desta nova igreja são as pinturas do seu teto. Na trave do

topo norte do transepto encontra-se um conjunto de pinturas de iconografia mariana que

representa os episódios da Anunciação, da Visitação, da Natividade, da Adoração dos Reis

Magos, da Matança dos Inocentes e, por fim, da Fuga para o Egito891. Por entre este ornamento

aparece um armorial comemorativo da batalha Real. Este contém as pinturas das armas mais

antigas de Portugal, de D. João I, de S. Jorge, das Ordens de Avis e de Cristo e das famílias

presentes na Batalha892.

Verifica-se, assim, que D. João I, que se considerava devedor da vitória na Batalha de

Aljubarrota a Santa Maria de Guimarães, quis deixar bem visível o seu agradecimento. Fê-lo

sobretudo através das doações que deixou na colegiada. Podemos considerar que o fez sob

vários aspetos: no plano pessoal, ao doar o seu laudel e as suas armas; como guerreiro, na

doação do tríptico da Natividade e nos objetos valiosos pertencentes ao rei de Castela; no ponto

de vista institucional, como seu patrono, ao mandar erguer a nova igreja bem como nas cartas de

privilégio por si outorgadas aos clérigos de Santa Maria.

A colegiada de Guimarães passou assim a ser um símbolo do fervor mariano do rei da Boa

Memória. Esta manifestação de fé profunda na Virgem da Oliveira terá motivado outras doações

contribuindo para o aumento significativo do património da colegiada de Guimarães. O estudo

efetuado por José Marques sobre esta matéria, com base nos dois volumes do século XVIII que

888 COELHO – D. João I, p. 273. Sobre esta janela-retábulo veja-se: BRITO - O frontão da Colegiada, pp. 325-366 e BRITO, Luís Filipe Aviz – A imagem da padroeira da Colegiada e de Portugal representada na frontaria do templo. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 4, pp. 403-411. 889 ALMEIDA, BARROCA – O Gótico, p.62 e COELHO – D. João I, p. 273. Sobre a árvore de Jessé da colegiada de Guimarães veja-se: GONÇALVES, Flávio – A Árvore de Jessé na arte portuguesa. Revista de História da Faculdade de Letras. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986, II série, vol. 3, pp. 217-221. 890 ALMEIDA, BARROCA – O Gótico, p.62 891 BONIFÁCIO, Horácio Manuel Pereira – Alguns aspectos da iconografia religiosa nas tábuas dos tectos de Santa Maria da Oliveira. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n,], 1981, vol. 2, pp. 367-373. 892 FERROS, Luís – A decoração heráldica do tecto da igreja da colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. In Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1128-1978). Guimarães: [s. n.], 1981, vol. 4, pp. 383-401.

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140

contêm as cópias dos testamentos e doações relativos aos séculos XIV e XV, revela que foi

precisamente nos dois últimos decénios do século XIV que se verificou um aumento das doações

e legados testamentários893.

2.3 - Os privilégios joaninos à colegiada de Guimarães

Referindo-se à colegiada de Guimarães como “a nossa igreja de Santa Maria”, o rei da Boa

Memória deixou bem patente, ao longo do seu reinado, o agradecimento à Virgem da Oliveira

refletido no elevado número de diplomas emanados da chancelaria régia relativos àquela

instituição894. De entre todos merecem destaque aqueles que privilegiam ou, de algum modo,

estão relacionados com prerrogativas especiais que a colegiada detinha nos finais do século XIV e

inícios do século XV. Salientamos assim que terá sido provavelmente neste reinado que ocorreu

a nomeação honorífica do prior e cabido de Guimarães, como capelães régios, isentando-os da

jurisdição ordinária895.

Quanto aos diplomas que foram objeto da nossa análise, contabilizamos um total de 23

atos. Dois são cartas de privilégio896 e vinte e um correspondem a cartas de mandado897.

As motivações do monarca na outorga de todos estes diplomas resultam: “por querer

fazer graça e mercee aa nossa Egreja de Guimarães e ao priol, chantre, coonigos e clerigos della”,

“em honra de Santa Maria” ou apenas para dar seguimento às queixas do seu prior e/ou cabido.

A estas respondeu o monarca enviando cartas de mandado a vários destinatários consoante o

seu fim: corregedores da comarca de Entre-Douro-e-Minho, almoxarifes, alcaides e juízes de

Guimarães, coudéis, apuradores e anadéis, ouvidores, sacadores e recebedores. As mercês

concedidas contemplavam, para além do prior, cónegos e restantes beneficiados, os respetivos

893 MARQUES – A Arquidiocese de Braga, pp. 522-526. 894 Também os seus clérigos foram contemplados com o agradecimento do monarca pelos serviços prestados à sua causa. Neste contexto, D. João I agraciou ainda o chantre de Guimarães, João Lourenço, com uma doação, a 11 de junho de 1385, na cidade do Porto: “pero muito serviço que nós e estes regnos recebemos e entendemos de receber” dos bens de Vasco Martins, filho do Mestre Escola, que “andou e anda em nosso deserviço e destes regnos” (AMAP - Pergaminhos, doc. 8-2-5-2. Documento publicado em: PIMENTA, Alfredo – Cartas de Reis. BTH, 1933-1936, vol. 1, pp. 4-5 e resumido em: GUIMARÃES – Catálogo dos Pergaminhos, 1906, vol. XI, p. 93). 895 Segundo Rita Costa Gomes, não é possível datar o início da prática de nomeação honorífica de clérigos como capelães da Capela Real. No entanto, segundo esta investigadora, registam-se algumas notícias, justamente no reinado joanino, dessa concessão a algumas dignidades ou comunidades, como foi o caso do prior e cabido de Guimarães (GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal no Final da Idade Média. Lisboa: DIFEL -Difusãoo Editorial, S. A., 1995. ISBN 972-29-0318-5. p. 115). 896 Estes diplomas não se encontram dirigidos a qualquer entidade ou oficial régio mas, de alguma forma, concedem à colegiada um tratamento especial relativamente a outras instituições ou pessoas do reino. 897 Documentos dirigidos às autoridades régias com o objetivo de fazer cumprir as determinações do monarca.

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141

familiares e todos aqueles que trabalhavam ou moravam nas propriedades da canónica

vimaranense.

A cadência destas cartas régias estende-se ao longo de todo o reinado. As primeiras,

outorgadas pelo Mestre de Avis à colegiada, como já foi referido anteriormente, datam da sua

primeira estada em Guimarães, isto é, após a tomada da vila. Num desses diplomas, de 6 de

junho de 1385, o monarca renovou e confirmou, como patrono daquela instituição, “todalas as

honrras, privillegios e liberdades” e ainda “todos os boons husos, foros e custumes” outorgados

pelos monarcas seus antecessores898. Para além deste, existem outros diplomas desse mesmo

ano de 1385 coincidentes com a presença do monarca no burgo vimaranense: mais dois na

primeira estada e um na segunda. No ano de 1398, foi lavrado um diploma no arraial de Tui,

outro no ano seguinte, na cidade do Porto, e, no ano de 1400, mais dois atos, em Santarém e

Braga, respetivamente. Às queixas dos clérigos da colegiada de Guimarães, em 1401, respondeu

D. João I com três cartas de mandado, duas outorgadas na vila de Guimarães e outra em Leiria.

Seguiram-se novas missivas dirigidas aos oficiais régios: duas lavradas em Santarém, em 1402 e

1407, e outras duas em Lisboa, em 1404 e 1411, respetivamente. Na vila de Sintra, que registava

uma forte presença da corte joanina, foram lavrados quatro diplomas: três em 1414 e um em

1418. Por fim, encontramos mais três documentos régios: um dado em 1423, em Torres Novas, e

dois em Almeirim, em 1428 e 1430. Há ainda mais uma carta régia, de 3 de março, não havendo

qualquer indicação do ano. Contudo, refere ter sido dada em Évora a pedido de Mestre Afonso,

prior de Guimarães, o que significa que terá sido lavrada provavelmente entre 1409 e 1418

(biografia nº 1). Se fizermos coincidir a data da missiva com a presença do monarca na cidade de

Évora, poderá ser datada apenas de 1409 ou 1411. Sendo o conteúdo do documento relativo à

construção do muro na vila de Barcelos, que se terá iniciado antes de 1411899, consideramos

que o referido privilégio, sem data, deverá datar-se desse ano. Verifica-se assim que são os anos

de 1385, 1401 e 1414 aqueles que têm maior número de diplomas régios relativos à canónica de

Guimarães.

Quanto aos conteúdos que estes documentos referem, podemos afirmar que, na sua

maioria, estão relacionados com aspetos de natureza económica, intervindo o rei quer de uma

898 1385-06-06 (TT-CSMOG-DR02-05. Documento publicado em: Chancelaria de D. João I, vol. I, t. 2, nº 690, p. 80). 899 Não se conhece a data da construção desta muralha. No entanto, um documento revela-nos que a 27 de fevereiro de 1411, na vila de Barcelos, o cónego de Guimarães, João Luís, apresentou a Lourenço Gonçalves, vedor das obras do muro dessa vila, uma carta enviada por Martim Gomes, ouvidor do conde D. Afonso, datada de 17 do mesmo mês, para que não constrangesse os caseiros das propriedades da colegiada de Guimarães a trabalharem nessas obras (TT-CSMOG-DP41-27A).

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142

forma direta, como acontecia com as isenções de pagamentos de impostos ou contribuições

extraordinárias, tanto concelhias como da própria Coroa, quer de uma forma indireta, na

desobrigação da prestação de serviços tais como participações na guerra, nas obras públicas e

em outros.

Como já referimos, a questão da aposentadoria teve a maior importância para a colegiada

de Guimarães. Várias foram as queixas dos priores e clérigos da igreja de Santa Maria aos

sucessivos monarcas sobre os abusos da nobreza relativamente à hospedagem gratuita nas casas

e propriedades pertencentes à igreja de Santa Maria. Em resposta a essas queixas todos os reis,

como patronos desta instituição, ordenaram às autoridades régias que protegessem a sua igreja

contra estes abusos. Na senda dos reis anteriores, também o Mestre de Avis “por querer fazer

graça e merce” ao prior e cabido de Guimarães dirigiu, ainda a 6 de junho, uma carta aos

pousadores, aos juízes e às justiças de Guimarães isentando os membros da colegiada dessa

obrigação. Determinou também que àquele que não cumprisse este mandado régio, por mais

importante que seja a sua condição social, lhe fossem cobrados pelas justiças vimaranense seis

mil soldos de multa900.

Depois da eleição do Mestre de Avis como rei de Portugal, foi preocupação dos clérigos

da canónica vimaranense resolver a penhora que D. Fernando mandara fazer sobre os bens do

cabido por este não ter pago na totalidade as dízimas que eram devidas a Roma e que o papa

tinha doado ao monarca. Alegaram os capitulares a falta da uma letra apostólica que confirmasse

a referida doação. D. João I ordenou então a Vasco Domingues, almoxarife de Guimarães, a 7 de

junho de 1385, que não procedesse a essa penhora901.

Após a batalha de Aljubarrota, o Mestre de Avis regressou a Guimarães. Ao conjunto das

doações anteriormente referidas acrescentou o monarca uma carta de privilégio, a 7 de

novembro, colocando sob a sua proteção, guarda e defesa o prior902 e cónegos de Guimarães

isentando-os, a eles e a quem trabalhava ou vivia nas suas propriedades, do pagamento de

encargos (fintas, peitas e talhas)903. A isenção contemplava também a prestação de serviços

pedidos pelos Concelhos ou pela Coroa, tais como os de irem para a guerra, darem

900 Manda ainda o monarca “[…] que nom tomem pam, nem vinho, nem palha, nem roupa, nem nenhữas outras cousas contra suas vontades […] ” (Documento publicado em: Chancelaria de D. João I, vol. I, t. 2, nº 755, p. 126). Passados dez dias, a 16 de junho, os cónegos de Guimarães, representados pelo seu chantre João Lourenço, mandaram fazer uma cópia autenticada ao tabelião Vasco Gonçalves (TT-CSMOG-DR02-06). 901 TT-CSMOG-DR02-07. 902 Nesta altura era prior de Guimarães o Dr. João das Regras (biografia nº 4). 903 Ver em: GONÇALVES, Iria - Peita, Finta e Talha. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. V, p. 43; vol. III, pp. 40-41 e vol. VI, pp. 112-113, respetivamente.

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143

aposentadoria aos nobres e colaborarem em obras públicas. Salientou ainda o monarca que este

privilégio seria válido para sempre de modo a que os reis que o sucedessem não o pudessem

revogar904. De facto, aquando da presença de D. Afonso V no burgo vimaranense, em 1442, o

prior e os cónegos mostraram-lhe esta carta de privilégio, que o monarca subscreveu905.

Um novo corregedor na comarca de Entre-Douro-e-Minho, Gonçalo Vasques, motivou

novas queixas do prior906 e do cabido pelo não cumprimento das prerrogativas régias, o que

levou o monarca a ordenar a esse oficial régio, a 12 de novembro de 1411, que tomasse

conhecimento dos privilégios por si outorgados, os cumprisse e fizesse cumprir907.

Num período conturbado pela guerra com Castela, como foi o dos primeiros anos do

reinado joanino, em que se impunha a necessidade de homens e dinheiro, as despesas daí

resultantes requeriam contribuições extraordinárias. Nas sucessivas cortes, o Mestre de Avis, foi

solicitando esse financiamento acrescido para o qual eram chamados a contribuir o prior,

cónegos e demais beneficiados, familiares, caseiros, lavradores e moradores nas propriedades da

colegiada. Recorrendo às isenções já outorgadas, os clérigos de Guimarães reclamaram para si e

para os seus familiares e rendeiros a dispensa desses pagamentos, que D. João I foi confirmando

sucessivamente justificando com “nós demos nosso privilégio”. Assim, as cortes de Coimbra de

1398 tiveram como objetivo angariar mais financiamento para a guerra que havia recomeçado

no ano anterior908. No entanto, o rei enviou aos juízes e ao coudel de Guimarães uma carta do

arraial de Tui, a 1 de agosto de 1398, mandando-os, em honra de Santa Maria, que poupassem

os lavradores das terras da igreja de Santa Maria de irem servir na guerra, ou em qualquer outra

circunstância, e de contribuírem com bens para esse fim contra sua vontade909. Ainda no mesmo

904 Desta carta de privilégios pediram os cónegos de Santa Maria dois traslados em pública forma: um a 24 de novembro de 1418, perante os juízes de Guimarães, Fernão Anes e Álvaro Dias Ribeiro, sendo procurador do cabido o cónego Fernão Gil (TT-CSMOG-DR02-10); outro, em 20 de novembro de 1428, perante o juiz de Guimarães, Afonso Anes. O cabido fez-se representar pelo cónego Álvaro Anes (TT-CSMOG-DR02-09). 905 1442-08-16 (TT-CSMOG-DR02-08). 906 Nesta data o prior de Guimarães era Mestre Afonso (biografia nº 1). 907 TT-CSMOG-DR02-24. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães-Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 256-257. Mais tarde, a 30 de setembro de 1418, perante Fernão Anes, juiz de Guimarães, pediram os cónegos da igreja de Santa Maria o traslado em pública forma deste diploma sendo procurador do cabido o cónego Lourenço Vicente, abade de Gondar (TT-CSMOG-DR02- 25). 908 Estas cortes ter-se-ão realizado no início de 1398 dado que a 30 de janeiro já estavam encerradas (SOUSA - As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 315-316). No ano de 1397,os mestres das Ordens de Calatrava, Santiago e Alcântara e muita gente da Andaluzia entraram pela raia alentejana causando elevadíssimos danos nessa região. Também os homens de Martim Vasques e de seu irmão, Lopo Vasques da Cunha (estes fidalgos, que foram sempre de uma fidelidade hesitante, acabaram por passar para o lado castelhano), bem como a hoste do condestável de Castela, entraram em Portugal pela Beira, queimaram a cidade de Viseu e destruíram as terras dessa comarca (COELHO – D. João I, pp. 107-109). 909 TT-CSMOG-DR02-11. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães -Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, pp. 251-252.

Page 147: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

144

ano, foram realizadas novas cortes na cidade do Porto, com o mesmo objetivo, referindo o

monarca explicitamente que a colegiada estava isenta do pagamento “[…] das quatro dizimas

que ora foram prometidas nas cortes que ora fezemos [na] em esta cidade do Porto per a

clerezia do nosso senhorio […]”910, desobrigação que a 15 de janeiro foi comunicada ao escrivão

e recebedor no arcebispado de Braga911.

Apesar do empenho diplomático de ambos os reinos, entre 1398 e 1399, no sentido do

restabelecimento da paz, esta tardava em concretizar-se. No final das tréguas diplomáticas várias

foram as ações bélicas empreendidas pelos dois exércitos912. As cortes de Lisboa, realizadas em

1399, dão-nos conta da necessidade de mais subsídios para a guerra913. Alegando as autoridades

régias que em tempos de beligerância os privilégios outorgados não seriam respeitados,

obrigaram aqueles que traziam emprazadas ou trabalhavam as propriedades da colegiada ao

contributo para esse esforço de guerra. O prior de Guimarães, que nesta altura era Rui Lourenço,

queixou-se então ao monarca, que confirmou o mandado anterior numa carta dirigida ao

corregedor da comarca de Entre-Douro-e-Minho, Gonçalo Anes Carvalho, aos juízes de

Guimarães, ao coudel e aos apuradores dessa comarca. Nesta, D. João I privilegiou os

lavradores, caseiros e moradores nas terras e coutos da colegiada com a isenção do pagamento

de impostos, de encargos da Coroa ou dos Concelhos e da prestação de qualquer serviço em

terra, no mar ou em qualquer outro local. Desobrigou-os ainda do contributo para custear a

guerra do “nosso senhorio”. Acrescentou também que os filhos dos caseiros eram apurados para

a guerra como seus vassalos, o que os impedia de colaborarem nos trabalhos agrícolas. Ordenou

igualmente às autoridades referidas que cumprissem e fizessem cumprir, mesmo em

circunstância de guerra, os privilégios por ele outorgados à igreja de Guimarães por honra, graça

e reverência de Santa Maria914.

910 Não se sabe a data exata destas cortes mas apenas que a 30 de outubro já estariam terminadas (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 316-317). 911 TT-CSMOG-DR02-12. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 252. Deste documento existe uma cópia de 1577-06-30, realizada pelo abade de Trandeiras (TT-CSMOG-DR02-13). 912 D. João I de Portugal, juntamente com os Mestres das Ordens de Cristo e de Santiago fizeram algumas incursões por terras castelhanas (COELHO – D. João I, p. 110). 913 Segundo Baquero Moreno, estas cortes ter-se-ão realizado durante o mês de agosto (MORENO – Os Itinerários, p. 81). Armindo de Sousa coloca-as entre 24 de junho e 20 de agosto (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 317-318). 914 Santarém, 28 de março de 1400 (TT-CSMOG-DR02-14. Documento publicado em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães – Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, pp. 252-254). Deste documento existe um traslado de 1780-06-17 (TT-CSMOG-DR02-15).

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145

Uma nova queixa do mesmo prior motivou mais uma carta régia endereçada aos mesmos

oficiais e ainda a Martim Gomes, juiz de Guimarães, lavrada a 5 de abril de 1401, em Leiria, com

o mesmo conteúdo915. Neste diploma, D. João I refere: ”[…] estes pedidos que nos ora pagam

pera a guerra os do nosso senhorio e nos encargos do Concelho”, o que certamente nos remete

para as Cortes de Guimarães desse mesmo ano916. Com receio do reacender da guerra com

Castela917, D. João I reuniu cortes em Santarém, em 1418, sendo-lhe outorgado mais um

financiamento extraordinário918. No entanto, o prior919 e o cabido da igreja de Santa Maria

reclamaram alegando a isenção por ele outorgada anteriormente. Neste caso, o monarca

remeteu a possibilidade de tal dispensa para o facto de a colegiada ter ou não ter contribuído

para o casamento da Infanta D. Beatriz e para o empréstimo “que foi tirado per a moeda dos

cruzados”920.

Em Lisboa, a 18 de setembro de 1404, o rei voltou a isentar a colegiada do pedido de

dízimas feito por ele aos prelados e ao povo. Este privilégio, dado em honra de Santa Maria,

estendeu-se, para além do prior921 e cabido, aos restantes beneficiários. A carta é dirigida aos

“sacadores e recebedores das dízimas e pedidos que nos ora foram outorgadas pelos prelados e

nosso povo e se ora ham de tirar em Guimarãaes do arcebispado de Bragaa”922. É possível que o

monarca estivesse a referir-se ao pedido que fez nas cortes de Lisboa de 1404923, já que nelas se

encontraram presentes “Prelados e procuradores dos concelhos das cidades e vilas”924. Esta

solicitação do monarca pode ter estado relacionada com o casamento da sua filha bastarda, D.

Beatriz, com o fidalgo inglês Tomás Alan, conde de Arunde925. Anos mais tarde, nas cortes de

915 TT-CSMOG-DR02-19. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães -Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 255. 916 Embora não sejam conhecidos os objetivos destas cortes é provável que nelas se tenha pedido mais recursos financeiros para as contendas bélicas (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 321-322). Em 1428, os cónegos de Guimarães pediram o traslado desta carta em pública forma perante o juiz de Guimarães, Afonso Anes. O cabido teve como seu procurador o cónego Álvaro Anes.1428-11-20 (TT-CSMOG-DR02-09). 917 No dia de Natal de 1406 morria o rei de Castela, Henrique III. Subia então ao trono D. João II, com apenas dois anos de idade. A regência foi entregue a sua mãe, D. Constança de Lencastre, e ao seu tio, D. Fernando (COELHO – D. João I, pp. 110-111). O receio do monarca português resulta de 1418 ser o ano em que D. João II de Castela atingia a maioridade e teria que ratificar ou não a paz acordada (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, p. 340). 918 SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 339-341. 919 O prior era Mestre Afonso (biografia nº 1). 920 A carta régia foi lavrada em Sintra, a 20 de outubro de 1418. Deste diploma foram feitos dois traslados: em 14 e 24 de novembro de 1418. Os procuradores do cabido foram os cónegos Martim Afonso (TT-CSMOG-DR02-32) e Fernão Gil (TT-CSMOG-DR02-10), respetivamente. 921 D. Diogo Álvares era o prior nesta altura (biografia nº2). 922 TT-CSMOG-DR02-21. 923 Sobre a data da realização destas cortes sabe-se apenas que a 16 de julho de 1404 elas já se tinham encerrado (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 326-328). 924 SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 326-327. 925 SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, p. 326 e MORENO – Os Itinerários, p. 101.

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146

Lisboa de 1427, torna a requerer novo subsídio para o casamento do Infante D. Duarte926.

Porém, o rei isentou os cónegos, familiares, moradores e lavradores da colegiada do pagamento

de duas dízimas e meia por carta dirigida a Lourenço Anes, contador do almoxarifado de

Guimarães e Ponte de Lima, e ao sacador e recebedor destas dízimas927. Alguns meses depois, os

capitulares vimaranenses pedem o traslado deste diploma a Lourenço Anes, contador do rei em

Guimarães928. Aquando do casamento da infanta D. Isabel, que requeria mais uma contribuição

extraordinária de pedido e meio para o envio do seu dote929, o tesoureiro e o cabido de

Guimarães protestaram alegando que eram privilegiados pela isenção de contributos para os

pedidos da Coroa. D. João I enviou então uma missiva a Afonso Anes, contador do rei na cidade

do Porto, ordenando que, no caso de os capitulares não terem contribuído para o casamento do

Infante930, não fossem constrangidos a esse pagamento. Esta carta régia foi apresentada nas

Casa dos Contos ao referido oficial régio pelo procurador do cabido, cónego Pedro Anes931.

É conhecido que ao longo deste período foi recorrente a desvalorização monetária, facto

que levou D. João I, nas cortes de Santarém de 1406, a solicitar um empréstimo de vinte e quatro

contos de libras com o objetivo de alterar o valor da moeda e impedir a sua saída do reino932.

Este pedido foi-lhe concedido e, mais uma vez, aqueles que trabalhavam as terras da colegiada

foram desobrigados desta contribuição por carta régia, passada nessa cidade a 20 de maio de

1407933.

Nos privilégios outorgados o monarca contemplou também a isenção dos encargos

concelhios e dos trabalhos em obras públicas como calçadas, caminhos e pontes. No entanto, o

corregedor Pedro Afonso da Costa pressionou aqueles que trabalhavam ou moravam nas terras

da colegiada a colaborarem naqueles encargos. O prior934, o chantre e o cabido recorreram então

ao monarca “para que lhes ouvessemos a ello algῦum remedyo”. D. João I enviou ao referido

926 SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 342-343. 927 Esta carta foi lavrada em Almeirim a 3 de março de 1428. 928 TT-CSMOG-DR02-34. O procurador do cabido foi o cónego Álvaro Anes. Este documento é referido por D. Afonso V para isentar o cabido de Guimarães do contributo para os casamentos régios. 929 Segundo Armindo de Sousa, não existe nenhuma prova documental de que este pedido de financiamento tenha sido feito nas cortes de Santarém de 1430. O mais provável, devido à urgência da sua satisfação e ao que já tinha acontecido com o casamento do infante D. Pedro, a outorga deste financiamento foi feita fora destas Cortes (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, pp. 344-345). 930 Supomos que se trata do infante D. Pedro, que tinha contraído matrimónio no ano anterior (COELHO – D. João I, pp. 132-133). 931 A carta régia foi lavrada em Almeirim, a 13 de fevereiro de 1430, e o procurador do cabido apresentou-a na cidade do Porto a 9 de março (TT-CSMOG-DP45-38). 932 Substituir a moeda de três libras e meia por outra de menor valor (SOUSA – As Cortes Medievais Portuguesas, p. 328). 933 TT-CSMOG-DR02-22. 934 Esta queixa foi feita pelo prior Mestre Afonso (biografia nº 1).

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corregedor uma carta de mandado para que cumprisse o privilégio dos clérigos de Guimarães

desobrigando-os da colaboração em qualquer obra pública ou encargo dos Concelhos ou da

Coroa. Esta carta foi lavrada em Sintra, a 23 de novembro de 1414935. Estas isenções estendiam-

se àqueles que trabalhavam as propriedades da canónica para além de Guimarães e seu termo.

Assim, o monarca, a 23 de janeiro de 1401, ordenou aos juízes da cidade do Porto e às outras

justiças que não obrigassem qualquer caseiro ou lavrador da igreja de Santa Maria a servir na

adua936 e nas obras dessa cidade937. Esta dispensa abrangeu ainda outras localidades

nomeadamente as terras do conde de Barcelos. Por isso, a pedido do prior de Guimarães, Mestre

Afonso, D. João I isentou, por carta enviada de Évora a Martim Gomes, a 3 de março (1411), os

caseiros da colegiada de Guimarães de participarem nas obras da vila de Barcelos mesmo sendo

moradores nas terras do Conde de Barcelos. Deste diploma pediu o cabido de Guimarães o

traslado em pública forma, em 26 de agosto de 1431, perante o juiz vimaranense, Vasco do

Souto938.

A construção de um novo edifício dos Paços do Concelho no burgo vimaranense data do

período joanino939. Para esta edificação, o Concelho de Guimarães lançou um pedido de quatro

reais de três libras e meia. Este pedido estendeu-se também aos caseiros e lavradores das

propriedades pertencentes à colegiada vimaranense levando a que o prior940 e respetivo cabido

recorressem mais uma vez a reclamar a desobrigação deste pagamento. O rei anuiu e ordenou,

em 12 de novembro de1414, ao corregedor da comarca de Entre-Douro-e-Minho, Pedro Afonso

da Costa, e aos juízes de Guimarães para que não os obrigassem a essa contribuição, mesmo

àqueles que traziam arrendadas outras terras não pertencentes à colegiada941.

Aproveitando a presença da corte em Guimarães, os capitulares vimaranenses alegaram

junto do monarca que a igreja de Santa Maria “hermou e poboou” casais e herdades desde há

935 TT-CSMOG-DR02-29. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães-Tombo dos Privilégios. RG, 1922, vol. XXXII, p. 10. Os cónegos de Guimarães, Martim Lourenço e Luís Anes, pediram em 1435 o traslado em pública forma ao juiz de Guimarães, Gil Pires. 1435-07-25 (TT-CSMOG-DR02-28). Neste documento existe o mandado do corregedor Pedro Afonso da Costa aos juízes de Guimarães para que cumpram e guardem este privilégio régio datado de 1415-01-10 e lavrado em Braga. 936 Ver em: TORRES, Rui Abreu - Anúduva. In SERRÃO - Dicionário de História de Portugal, vol. I, p. 161. 937 Esta carta foi motivada por queixa do prior, Rui Lourenço (biografia nº 9), e do cabido de Guimarães (TT-CSMOG-DR02-17. Documento resumido em: FARIA - Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 255). 938 O procurador do cabido foi o cónego Fernão Gonçalves (TT-CSMOG-DR02-36. 939 A existência de uns Paços do Concelho em Guimarães já é referida anteriormente em alguns documentos. No entanto, não se sabe como seria o seu edifício a nível arquitetónico e supõe-se que estaria localizado entre a praça de Santa Maria e o adro de Santiago (FERREIRA – Guimarães: duas vilas, p. 323). 940 Nesta data, o prior de Guimarães era Mestre Afonso (biografia nº 1). 941 TT-CSMOG-DR02-26. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, pp. 257-258.

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148

longo tempo, e que das rendas auferidas pagavam “os quartos e as teigas”942 à Coroa, pelo que a

perda destas rendas lhes causava elevado prejuízo. O monarca autorizou então, por carta

enviada ao juiz de Guimarães a 4 de fevereiro de 1401, que os cónegos continuassem a usufruir

dos rendimentos dessas terras reguengas salvaguardando, porém, o direito da Coroa sobre essas

propriedades através do Livro dos Registos943. Anos mais tarde, em 1424, D. João I, com base nas

ordenações dos monarcas seus antecessores944, ordenou a Diogo Martins, almoxarife de

Guimarães, que escambasse ou vendesse os casais e herdades que foram tirados à colegiada e

que o produto resultante dessas transações revertesse a favor desta945.

A proteção régia aos clérigos da igreja de Santa Maria fez-se sentir também nas questões

quotidianas. Por isso, o chantre, o tesoureiro, os cónegos e os clérigos de Guimarães queixaram-

se ao monarca do atendimento feito pelos almostacés aos seus serventes na compra do peixe, da

carne e de outros mantimentos. O modo e a demora nesse atendimento levavam a que os

capitulares tivessem de abandonar os ofícios religiosos para irem eles próprios fazer as

respetivas aquisições. A resposta a esta reclamação foi dada por D. João I, que dirigiu mais uma

carta aos juízes de Guimarães, a 21 de outubro de 1400, no sentido de os almostacés

respeitarem o estatuto e importância destes clérigos e tratarem-nos da mesma maneira que aos

mais importantes da vila946. Apesar desta determinação régia, a conflitualidade entre os clérigos

de Santa Maria e os almostacés iria continuar dando lugar aos sucessivos recurso à justiça de

Guimarães e posteriormente à da Corte. Relembramos ainda, dentro deste contexto de proteção

régia aos clérigos de Guimarães, a carta dirigida ao corregedor e aos juízes dessa vila ordenando-

lhes que não permitissem a invasão das casas dos clérigos da colegiada pelos alcaides e suas

gentes à procura de concubinas causando-lhes avultados prejuízos947.

Tal como hoje, o falecimento de alguém que deixasse filhos menores implicava a

nomeação de um tutor, geralmente um parente próximo, pela necessidade de assumir a sua

educação. No entanto, nem sempre esta situação correspondia a uma vantagem por parte

daquele que assumisse essa tutoria. Neste sentido, o prior948, o chantre e o cabido da Igreja de

942 Veja-se: Teigas. In VITERBO – Elucidário, tomo 2, p. 229. 943 TT-CSMOG-DR02-18. 944 Estas ordenações não permitiam que os mosteiros, igrejas, capelas, fidalgos e cavaleiros possuíssem terras nos reguengos (Ordenações Afonsinas, Livro II, Título XIII, pp. 170-172). 945 1424-06-17, Torres Novas (TT-CSMOG-DR02-33). 946 TT-CSMOG-DR02-16. Documento publicado em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 254. 947 Santarém, 20 de dezembro de 1402 (TT-CSMOG-DR02-20. Documento publicado em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, pp. 256-257). 948 Trata-se do prior Mestre Afonso (biografia nº 1).

Page 152: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

149

Santa Maria de Guimarães queixaram-se ao monarca do corregedor e juízes de Guimarães por

estes obrigarem os seus caseiros e lavradores a serem tutores dos filhos dos seus parentes. D.

João I decidiu em Sintra, a 21 de novembro de 1414, a seu favor libertando-os dessa obrigação

salvo nos casos em que não existisse mais nenhum familiar949.

Julgamos poder concluir que o Mestre de Avis, ao longo do seu reinado, exerceu sobre os

clérigos da igreja de Santa Maria uma forte proteção manifestada nos documentos que fomos

referindo. Desta análise salientamos dois aspetos que consideramos relevantes: o primeiro diz

respeito ao número destes diplomas comparativamente com os dos reinados anteriores; o

segundo é relativo ao seu conteúdo. A maioria das cartas de mandado enviadas aos diversos

oficiais régios decorrentes da carta de privilégios que isentava os clérigos de Guimarães dos

contributos extraordinários pedidos pelo monarca, e não se conhecendo até ao momento

qualquer notícia de algum por outra via, terá causado uma perda considerável de receitas para a

Coroa que, por sua vez, se traduziram num acréscimo de proventos para aquela instituição950.

Segundo José Marques, não se conhecem os contributos feitos pelo clero à causa joanina. No

entanto, refere o investigador, a título de exemplo, que a primeira prestação da dízima pedida

nas cortes de 1385, paga pelo Mosteiro de Vilarinho, pertencente na altura à arquidiocese de

Braga, foi de 12,5 libras. Quem recebeu este montante foi João Lourenço, chantre da colegiada

de Guimarães. Em 26 de julho, o mesmo mosteiro liquidou integralmente a taxa correspondente

à dízima lançada como imposto de guerra nas cortes de Lisboa. Segundo o mesmo autor, quase

uma década depois, as instituições eclesiásticas continuavam a contribuir para as despesas da

Guerra da Independência. Quanto ao cabido de Braga, informa-nos ainda que contribuiu com

metade da dízima pedida nas Cortes de 1387, em 27 de junho de 1398, ascendendo o respetivo

montante a 4062 libras.

A falta de estudos sobre a temática sobre a qual acabamos de versar não nos permite

estabelecer qualquer comparação com outras instituições de modo a evidenciar a amplitude dos

privilégios joaninos conferidos à canónica de Guimarães951.

949 TT-CSMOG-DR02-27. Documento resumido em: FARIA – Arquivo da Colegiada de Guimarães - Tombo dos Privilégios. RG, 1921, vol. XXXI, p. 258. 950 MARQUES, José – Braga na crise de 1383-1385. Braga: Ed. do Autor, 1985, p. 16. 951 Existe, no entanto, uma análise aos privilégios régios outorgados à Ordem de Cristo. Contudo, a comparação poderá gerar equívocos dado que se trata de uma instituição com uma implantação que abrange todo o território nacional. Além disso, trata-se de uma Ordem Militar e, dada a constante situação de beligerância em que o reino de Portugal se encontrava, mereceria do monarca uma especial proteção (SOUSA, Isabel Morgado – A Ordem de Cristo durante o Mestrado de D. Lopo Dias de Sousa (1373-1417). Militarium Ordinum Analecta. Porto: CEPESE, 1997, vol. 1, pp.77-81).

Page 153: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

150

Conclusão

O mosteiro de Guimarães, fundado pela condessa Mumadona Dias em 950, constituiu-se

como uma das principais referências da Reconquista no noroeste peninsular ao nível político,

económico, social e religioso. A ele estiveram associados desde os seus primórdios o elevado

prestígio da sua família patronal, evidenciado pela ligação ao poder régio, e os seus vastos

domínios fundiários. Acresce ainda a ligação a outros membros dessa família, estabelecida nas

generosas doações que o foram enriquecendo e convertendo num símbolo do poder condal.

Além destes aspetos, o mosteiro dedicado ao S. Salvador, à Virgem Maria e aos Apóstolos, cuja

regra seguia as caraterísticas da observância frutuosiana, aderiu, contudo, ao movimento

renovador protagonizado por S. Rosendo, dada a ligação existente entre este e o cenóbio. Esse

movimento traduzia-se, para além do enaltecimento de mosteiros ricos e poderosos, numa

liturgia caraterizada por um cerimonial esplendoroso e magnificente, evidenciado na riqueza das

suas alfaias litúrgicas e nos seus numerosos livros.

As alterações políticas e sociais que se foram desenrolando a partir da segunda metade

do século XI, conduziram à perda de protagonismo da família condal resultando no

desaparecimento desta da esfera política com a morte do conde Nuno Mendes, em 1071. Assim,

a ligação estabelecida entre o cenóbio e a sua família patronal ao longo de um século traçou o

destino da instituição monástica quer durante a sua ascensão quer depois no seu declínio. A

restauração da diocese de Braga, em 1071, deslocou para esta cidade a centralidade até então

detida pela vila de Guimarães, convertendo-a no novo centro religioso desta região.

Quanto à organização interna do mosteiro era encimada pela figura do abade, que

presidia a ambas as comunidades, masculina e feminina. Na primeira, destacava-se o prior, os

presbíteros, os diáconos e os confessos. Na segunda, a comunidade era constituída pela prioresa,

religiosas, devotas e conversas. O mosteiro exercia ainda as funções de igreja paroquial,

ministrando os sacramentos à população, e servindo de local de enterramento.

A ausência de qualquer referência ao mosteiro de Mumadona no foral de Guimarães,

outorgado em 1096 pelos condes portucalenses, D. Henrique e D. Teresa, permite supor que por

esta altura a instituição monástica não mereceria a atenção do poder condal, ao contrário do que

acontecia com o burgo de Guimarães. Esta vila ganhava destaque em toda região nortenha

constituindo, com a cidade do Porto, os dois núcleos mais desenvolvidos e prósperos. Por isso,

impunha-se restaurar a importância de uma instituição religiosa (que havia em tempos recuados

estado intimamente ligada à família condal) na vila que agora era novamente o lugar da

Page 154: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

151

residência condal. Terá sido então a importância da vila a reavivar o prestígio e simbolismo que

caraterizavam o velho cenóbio convertendo-o na colegiada de Santa Maria de Guimarães.

Não é conhecida nem a data nem o processo que levaram à passagem do mosteiro a

colegiada. Sabe-se, todavia, que em 1107 o mosteiro ainda existia mas em 1110 surge o primeiro

registo de um capitular vimaranense. Quanto ao número de elementos que integrava o seu

colégio, assim como à sua organização e à regra pela qual se orientavam nestes primeiros

tempos, não chegou qualquer informação até nós. Contudo, sendo a sé de Braga detentora da

primazia das instituições eclesiásticas e a “circulação” de clérigos entre as duas instituições

facilitada pela proximidade geográfica, é de supor que a recém-fundada colegiada vá repetir na

sua organização e vivência religiosa o exemplo do cabido bracarense.

Chegados a 1229 surgem os primeiros estatutos que definem, para além dos princípios

religiosos e espirituais que os clérigos da colegiada de Guimarães deveriam seguir e respeitar, a

organização e estrutura internas a que deveriam estar sujeitos. Ficou então estabelecido que

este colégio seria constituído por trinta capitulares e dez porcionários. Com este número de

membros, o cabido de Guimarães converteu-se na maior instituição do país dentro das suas

congéneres. Este facto permite-nos concluir, para além da sua importância, o volume dos seus

rendimentos, provenientes sobretudo do seu património, tanto urbano como rústico. Este,

inicialmente comum, evidenciando a vida comunitária existente nesta instituição, foi, à

semelhança do que aconteceu com os cabidos catedralícios e com outras colegiadas, dividido.

Em 1223, constituíram-se a mesa do prior e a capitular, em duas partes iguais, ficando adstrita a

cada uma dois coutos e inúmeros imóveis da região vimaranense.

Entrado o século XIV, com a chegada das comunidades mendicantes a Guimarães, os

clérigos da igreja de Santa Maria viram o seu protagonismo religioso ameaçado, com a

consequente perda de receitas. Para evidenciar a sua supremacia, mandaram escrever o “seu”

Livro dos Milagres, em 1342, destacando-se o “Milagre da Oliveira”, que converteu esta

instituição num centro de peregrinação atraindo assim as atenções daqueles que viam na Virgem

da Oliveira um auxílio providencial. Pouco tempo depois, eclodiu a Peste Negra cujas

consequências se fizeram sentir em toda a sociedade, principalmente nas instituições religiosas.

Não são conhecidos os efeitos da pestilência nos membros da canónica. Sabe-se, contudo, que a

nível económico foram devastadores, uma vez que terá merecido a atenção de D. Afonso IV que

legislou no sentido de a proteger.

Durante o reinado joanino, do ponto de vista institucional, a igreja de Santa Maria de

Guimarães apresentava uma organização e estrutura que lhe permitiam o exercício das funções

Page 155: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

152

como colegiada, revestindo-se o culto divino de grande solenidade e esplendor. Neste,

destacamos as horas canónicas, que ocupavam a maior parte do tempo dos clérigos, para além

dos ofícios fúnebres, das procissões e das pregações. Na continuidade do que já acontecia com o

velho mosteiro, a colegiada exercia também as funções de igreja paroquial. Estes ofícios

religiosos eram assegurados por um conjunto de clérigos organizados hierarquicamente,

encabeçados pelo prior, ao qual se seguiam as dignidades (chantre e tesoureiro), os capitulares,

os clérigos coreiros e, por fim, os moozinhos. Esta estrutura era assim idêntica à encontrada nos

cabidos catedralícios, em que o prior correspondia ao deão. Contudo, a partir do momento em

que houve separação das mesas, o prior não presidia às reuniões do seu cabido, ao contrário do

que se passava nas catedrais. Existia ainda um conjunto de oficiais cujas funções eram de

natureza administrativa.

Ao prior de Guimarães, para além da representação da colegiada nos sínodos

diocesanos, estavam atribuídas algumas funções litúrgicas que não nos foi possível identificar.

No entanto, à semelhança de outras colegiadas, estaria a seu cargo presidir às principais festas

do calendário litúrgico. No período em estudo, identificamos nove priores. Nos primeiros vinte e

cinco anos do reinado de D. João I, os seis priorados correspondentes são, na sua maioria, de

curta duração. No período restante, encontramos apenas três priorados. Embora o de Rui da

Cunha (1424-1449) fosse o mais longo, tendo durado cerca de vinte e cinco anos, durante o

reinado de D. João I ocupou este priorado apenas nove anos, igualando o de Mestre Afonso

(1409-1418). O mais curto foi o de D. Luís de Freitas, que é referenciado apenas por um ano.

Quanto às suas carreiras, verifica-se que apenas dois, Diogo Álvares e Gonçalo Vasques da

Cunha, ocuparam a cátedra de Évora e da Guarda, respetivamente.

Sendo a colegiada de Guimarães de padroado régio, competia ao monarca a

apresentação do prior requerendo esta a confirmação pelo arcebispo de Braga. Durante os

reinados da primeira dinastia, verificou-se que, na sua maioria, os priores eram clérigos ao

serviço do rei, principalmente em funções curiais (chanceleres, conselheiros, capelães e ainda

físicos) servindo a sua nomeação para este priorado como recompensa pelos serviços prestados.

Durante o reinado do Mestre de Avis, notamos que não se verificou este pressuposto. Dos oito

priores por ele apresentados (João das Regras tinha sido apresentado por D. Leonor Teles),

apenas Rui Lourenço desempenhou funções na corte. No caso particular dos priores Gonçalo,

Luís e Rui da Cunha, não deve ter sido indiferente a sua implantação em terras de Lanhoso,

situadas junto a Guimarães.

Page 156: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

153

A dignidade de chantre, cuja presença na canónica de Guimarães remonta a 1192, tinha

como função principal o ofício divino. Inicialmente exercia também o controlo da assiduidade

dos clérigos e procedia à distribuição das respetivas remunerações, funções que foi deixando de

desempenhar. Chegados ao período em estudo, ao chantre de Guimarães estavam apenas

associadas as funções especificamente relacionadas com os ofícios no coro que deveriam, como

compete a uma colegiada, ser celebrados com aparato e esplendor. Assegurava as liturgias,

ordenava as procissões, mantinha a disciplina no coro e selecionava ainda os meninos do coro

para os instruir no canto.

Outra das dignidades existentes é a de tesoureiro, ocupando a segunda posição na

hierarquia capitular. Tendo surgido entre 1286 e 1302, ficava a seu cargo a guarda dos objetos e

ornamentos litúrgicos e a elaboração do respetivo inventário. Era coadjuvado pelo sacristão.

Além da prebenda associada a esta dignidade, contava ainda com os rendimentos de duas igrejas

que lhe foram anexadas: a de Santa Maria de Matamã e a de Santa Eulália de Nespereira.

Uma das alterações que se verificou na estrutura interna deste colégio no período em

estudo foi a reposição da dignidade de mestre-escola. Esta dignidade surge a partir do

documento normativo de 1229, que a associou a uma prebenda, com o acréscimo de catorze

áureos anuais. Não conhecemos o motivo da sua posterior supressão, situação idêntica à de

outras instituições eclesiásticas, nomeadamente a sé de Braga. Foi, todavia, a partir do processo

de redução de conezias neste colégio, iniciado em 1428, que se voltou a falar desta dignidade na

igreja de Santa Maria, sendo instituído um mestre-escola vimaranense apenas em 1440.

O património do cabido da colegiada de Guimarães, encontrava-se dividido em trinta e

sete prebendas. Duas estavam afetas respetivamente às dignidades de chantre e tesoureiro, uma

às funções de capelão e as restantes trinta e quatro correspondendo aos capitulares que

integravam o colégio. Para este reinado identificamos noventa e oito cónegos. A documentação

não nos permite o acesso a um número significativo de informações acerca destes indivíduos, o

que não impediu a elaboração de notas biográficas, apresentadas em Apêndice.

Embora não seja conhecida a forma de acesso ao canonicato desta colegiada, foi-nos

possível compreender que a influência das elites políticas, eclesiásticas e sociais era relevante. O

cabido de Guimarães caracterizava-se essencialmente por elementos pertencentes às oligarquias

do burgo ou a famílias rurais possuidoras de bens na região minhota, situação comum a outras

instituições seculares. A presença dos cónegos na igreja de Santa Maria estendia-se em média

por cerca de dezassete anos. Ao contrário do que se observa em alguns cabidos das sés e de

outras colegiadas, não verificamos a presença de cónegos com laços familiares entre si.

Page 157: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

154

Encontramos, contudo, a presença de filhos de alguns capitulares. Resulta daqui que os clérigos

da colegiada de Guimarães, à semelhança do que acontecia noutras instituições, mantinham

relações de concubinato, condenadas quer pela hierarquia da Igreja quer, particularmente neste

período, pela justiça régia.

Aos cónegos de Guimarães estava reservada a rua de Santa Maria como local de

residência dada a proximidade com a igreja na qual serviam. Alguns dos capitulares emprazavam

as casas pertencentes ao cabido para nelas residirem e outros possuíam eles próprios aí os seus

imóveis. Havia ainda aqueles que optavam por residir noutras artérias, também em casas

pertencentes à mesa capitular. Vários prazos estabelecidos entre o mesmo capitular e o colégio

ao qual pertenciam fazem-nos supor que estes se destinariam a subemprazamentos com o

objetivo do aumento dos seus rendimentos.

Para deliberação de assuntos relativos a questões sobre o seu funcionamento este

colégio reunia duas vezes por semana, à quarta e sexta feira, na sua maioria no coro da igreja

(42,2%) ou na capela de S. João Batista, localizada no claustro da colegiada (41%). Temos notícias

de decisões aí tomadas que, mais tarde, os tabeliães da vila passavam para escrituras. Trata-se

essencialmente de documentos relativos à sua gestão patrimonial constituindo a maior parte dos

atos presentes no acervo desta instituição.

Devido às alterações políticas e sociais que resultaram numa grave crise económica, os

cónegos de Guimarães viram os seus rendimentos reduzirem-se acentuadamente. Seguindo o

exemplo de outras instituições seculares, decidiram como solução, em 1428, a redução do

número de conezias e respetivas prebendas de trinta e sete para trinta.

Ao longo do reinado joanino, as relações institucionais entre os arcebispos de Braga e os

sucessivos priores de Guimarães foram marcadas por uma conflitualidade persistente. Apesar de

a isenção jurisdicional da canónica de Guimarães perante a Igreja de Braga, devido à intercessão

de D. João I junto da Santa Sé, ter sido confirmada por Bonifácio IX, ela foi revogada em 1395.

Porém, os conflitos entre as duas instituições mantiveram-se. Destacamos, por esse motivo, a

ausência de D. Martinho Pires na cerimónia de sagração do altar-mor da nova igreja, em 1401,

bem como as situações de maior tensão existentes entre o mesmo arcebispo e o prior D. Diogo

Álvares. Dos sucessivos conflitos resultou a interdição da igreja de Guimarães em vários

momentos durante este período.

A relação com o poder régio é, obviamente, uma constante da história desta instituição.

Já no tempo do velho cenóbio foram-se estabelecendo entre a sua fundadora, Mumadona Dias, a

sua linhagem e os sucessivos monarcas leoneses relações de caráter pessoal, familiar e político,

Page 158: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

155

que conduziram os seus patronos a lugares de destaque na cena política da altura. A ligação do

mosteiro com a sua família patronal converteu-o num dos símbolos do seu poder. As alterações

políticas que se foram verificando a partir dos meados do século XI determinaram o

aparecimento de uma nova nobreza emergente - os infanções - com o consequente

desaparecimento da linhagem dos condes portucalenses, ditando a decadência do mosteiro.

Mais tarde, tanto os condes portucalenses, D. Henrique e D. Teresa, como os primeiros

monarcas, D. Afonso I e D. Sancho I, além das doações de propriedades e de valores monetários

para sufrágio das suas almas, concederam-lhe algumas isenções na sequência do que vinha

caraterizando a ação do poder político junto das instituições eclesiásticas. Também na qualidade

de seus patronos, os sucessivos monarcas foram manifestando a sua proteção face aos abusos

de alguns nobres exercidos sobre esta instituição.

Na consequência da crise política, instalada em Portugal entre 1383 e 1385, ganhou

destaque a figura de João das Regras, na altura prior da colegiada de Guimarães, cuja

intervenção nas cortes de Coimbra de 6 de abril de 1385 conduziu à eleição do Mestre de Avis

como rei de Portugal. Com o objetivo de submeter as vilas e cidades que ainda estavam por

Castela na região nortenha, o recém-monarca deslocou-se à vila de Guimarães onde se instalou

após a respetiva tomada. Foi por esta altura que o monarca e o seu condestável tomaram a

decisão de enfrentar em campo de batalha as tropas castelhanas, o que aconteceu a 14 de

agosto de 1385, em Aljubarrota.

Refere Fernão Lopes que D. João I prometeu ir em peregrinação à Senhora da Oliveira

antes do início da batalha, o que leva a supor que o monarca terá recorrido ao auxílio da Virgem

da Oliveira neste momento tão crucial para ele e para o reino. Depois da vitória, D. João I

deslocou-se até Santa Maria de Guimarães doando-lhe objetos alusivos a essa batalha, como o

seu laudel e o tríptico da natividade, que ainda hoje constituem peças de referência, presentes

no Museu Municipal Alberto Sampaio. Doou ainda outros objetos valiosos e mandou construir

uma nova igreja, ações de profundo agradecimento à Virgem da Oliveira por tão importante

ajuda.

Na relação do rei da Boa Memória com a sua igreja de Santa Maria de Guimarães,

destacamos o elevado número de diplomas emanados da chancelaria régia em comparação com

o dos reinados anteriores. Destes diplomas salientamos as duas cartas de privilégios outorgadas,

uma a 6 de junho de 1385 e outra a 7 de novembro do mesmo ano. A primeira, na senda dos

seus antecessores, confirmou todos os privilégios, graças, liberdades e mercês detidos pela

canónica de Guimarães, não acrescentando, portanto, qualquer favorecimento régio. Quanto à

Page 159: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

156

segunda missiva, ela é outorgada num ambiente de agradecimento após a vitória na batalha de

Aljubarrota. Por este diploma, os clérigos de Santa Maria e todos os seus dependentes ficaram

isentos de pagamento de impostos, das contribuições solicitadas pela Coroa ou pelo Concelho,

do serviço militar, do trabalho nas obras públicas e de outros encargos.

Em jeito de síntese, podemos afirmar que a colegiada de Guimarães, desde a sua

fundação até ao final do reinado joanino, acompanhou os principais aspetos que caraterizaram

grande parte das instituições seculares portuguesas. A importância do burgo onde se situava, a

dimensão e caraterização do seu cabido, a organização e estrutura internas, bem como as

funções que exercia, converteram-na numa instituição colegial mais próxima de uma sé e

afastaram-na do perfil da maioria das colegiadas medievais do reino. Quanto à sua ligação ao

poder político, que se iniciou já no antigo mosteiro de Mumadona Dias, aquela manteve-se ao

longo dos sucessivos reinados atingindo na nossa cronologia um momento culminante. As

circunstâncias que o propiciaram assentam sobretudo em dois aspetos: do ponto de vista

político/jurídico, pelo papel de João das Regras, prior da colegiada, nas cortes de Coimbra de

1385; do ponto de vista bélico/religioso, pela vitória na batalha de Aljubarrota que, na fé de D.

João I, teria ficado a dever-se à intercessão de Santa Maria de Guimarães. Por tudo isto, o

monarca demonstrou um profundo reconhecimento à igreja de Santa Maria através de

generosas doações e privilégios que, como tentamos demonstrar nesta dissertação, constituíram

um fator explicativo do lugar privilegiado detido por esta colegiada no reinado joanino.

Page 160: A colegiada de Guimarães no reinado de D. João I

157

Fontes e Bibliografia

Fontes

1 - Fontes Manuscritas

A) Arquivo Nacional da Torre do Tombo

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documento 11 até ao maço 47, documento 18 e documento 28B e 30; maço 48, documento 40 e

maço 49, documento 1,14,22.

Colegiada de Santa Maria de Oliveira de Guimarães, Documentos Régios – maço 1, documento 7,

9, 10, 12, 13, 14, 16, 20, 21, 33, 36, 39 e maço 2, documento 5 até ao documento 36.

Colegiada de Santa Maria de Oliveira de Guimarães, Documentos Eclesiásticos – maço 3,

documento 29B, 33, 36, 45, 49 e maço 4.

Colegiada de Santa Maria de Oliveira de Guimarães, Livro 6 - Estatutos Antigos da Colegiada.

Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Fernando - Livro 1.

Cabido da Sé de Lamego – Livro 47.

B) Arquivo Municipal Alfredo Pimenta

Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães, Pergaminhos da Colegiada, do documento 8-

2-1-5 até ao documento 8-4-1-6.

Nota Antiga – Livro 4, 5, 6, 8,9 e 10.

2 - Fontes Publicadas

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Lisboa – Centro de Estudos Históricos, 2004-2006, vol. I t. 3; vol. II, t. 1, t. 2 e t. 3; vol. III, t. 2; vol.

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