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A cidade vermelha: Diadema hoie Zilda Márcia Grícoli Iokoi Ruídos da Memória "Há nove anos comeceia lutar por uma escola para deficientes au- ditivos em Diadema. Antes eu estava só na minha luta, que era arru- mar um lugar para o meu filho. Eu lutava só e não conseguia. Meu filho é deficiente auditivo e geralmentevocê enxergaapenas o seu lado, só pensanele. Quando ele ia fazer seteanos eu descobri que havia um grupo de mães lutando por uma escola de educação espe- cial em Diadema, mas eu morava e trabalhava em São Paulo, não tinha tempo. Quando descobriisto, fui atrás.Fizemosuma pesqui- sa e o grupo de surdos era grande... Levamosa proposta para a câ- mara e ela foi aprovada, mas não tínhamos lugar, nem quem fizesse a escola. Aí trouxeram a Cidinha, pedagoga e o Tuto, fonoaudiólogo. Não entendíamos como apenas duaspessoas poderiam fazer a esco- la. Mas eles tinham um grupo de pais... a pessoal do Departamen- to de obras precisava do lugar e esse grupo acabou encontrando o aterro com três caras de uma obra com uma pá e enxadae pergun- tamos o que estavam fazendo. Mas foi tão incrível! A escola foi feita com o coração. Em três ou quatro meses ela foi construída. Precisá- vamos de um nome e um grupo queria alga {Benário}. Começa- mos a estudar sua história e achamos que ela era parecida com a nossa. Não como o sangue todo que a alga teve, mas com o amor que tínhamos pelos nossos filhos e de quem precisasse. Mandamos uma carta para o Luís Carlos Prestes, pedindo autorização para usar- mos o nome de sua esposa na Escola.Ele enviou um telegramanão só autorizando, como também dando os parabéns e elogiando a escolha. Veio pessoalmente na inauguração.Mandou novo telegra- ma no dia do aniversáriode um ano da escola. Quando nos colocamostodos na frente do alga, vimos que tínha- mos uma equipe, estávamos prontos para trabalhar, um trabalho diferente que iria modificar a vida de muita gente. Inclusive a mi-

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Page 1: A cidade vermelha: Diadema hoie - DIVERSITASdiversitas.fflch.usp.br/files/02- A Cidade Vermelha.pdf · ditivos em Diadema. Antes eu estava só na minha luta, que era arru-mar um lugar

A cidade vermelha: Diadema hoie

Zilda Márcia Grícoli Iokoi

Ruídos da Memória

"Há nove anos comecei a lutar por uma escola para deficientes au-ditivos em Diadema. Antes eu estava só na minha luta, que era arru-mar um lugar para o meu filho. Eu lutava só e não conseguia. Meufilho é deficiente auditivo e geralmente você enxerga apenas o seulado, só pensa nele. Quando ele ia fazer sete anos eu descobri quehavia um grupo de mães lutando por uma escola de educação espe-cial em Diadema, mas eu morava e trabalhava em São Paulo, nãotinha tempo. Quando descobri isto, fui atrás. Fizemos uma pesqui-sa e o grupo de surdos era grande... Levamos a proposta para a câ-mara e ela foi aprovada, mas não tínhamos lugar, nem quem fizessea escola. Aí trouxeram a Cidinha, pedagoga e o Tuto, fonoaudiólogo.Não entendíamos como apenas duas pessoas poderiam fazer a esco-la. Mas eles tinham um grupo de pais... a pessoal do Departamen-to de obras precisava do lugar e esse grupo acabou encontrando oaterro com três caras de uma obra com uma pá e enxada e pergun-tamos o que estavam fazendo. Mas foi tão incrível! A escola foi feitacom o coração. Em três ou quatro meses ela foi construída. Precisá-vamos de um nome e um grupo queria alga {Benário}. Começa-mos a estudar sua história e achamos que ela era parecida com anossa. Não como o sangue todo que a alga teve, mas com o amorque tínhamos pelos nossos filhos e de quem precisasse. Mandamosuma carta para o Luís Carlos Prestes, pedindo autorização para usar-mos o nome de sua esposa na Escola. Ele enviou um telegrama nãosó autorizando, como também dando os parabéns e elogiando aescolha. Veio pessoalmente na inauguração. Mandou novo telegra-ma no dia do aniversário de um ano da escola.Quando nos colocamos todos na frente do alga, vimos que tínha-mos uma equipe, estávamos prontos para trabalhar, um trabalhodiferente que iria modificar a vida de muita gente. Inclusive a mi-

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nha. A partir daquele momento eu deixei de ser uma Elza e metransformei na verdadeira Elza. Desde pequena eu tinha o anseio defazer mais, de não pensar só em você mesma. Daí o que aconteceu?Eu comecei a viver dentro de todos os movimentos, principalmenteos de saúde e educação que tinha que brigar pelos deficientes. OOlga centralizava estas lutas e passou a ser conhecida como a escolade deficientes de Diadema. Me tornei mãe do conselho, professora,mãe de um monte de crianças e até hoje tenho muitos netos quenão são filhos de meus filhos. Lutamos também por transporte, pelaqualidade do ensino. Não acho que todos os deficientes devem fre-qüentar uma escola especial. Somente os surdos e os deficientesmentais. A escola atende o ensino fundamental e tem não só o pro-fessor que fez curso para surdos, mas os outros que precisam se inte-grar. Comecei a perceber que o futuro do país depende das criançasque estão aí. Se elas não tiverem educação, moradia, e saúde ade-quadas, como vai ser o futuro daqui para a frente?"!

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o depoimento de Elza é revelado r do que ocorreu no Município deDiadema nas décadas de 1980/90. A cidade vermelha, assim nomeada ini-cialmente, devido à presença de muitas olarias e de sua terra em saibro corde tijolos contava com intensas manifestações populares que exigiam mora-

dia, saúde, educação, emprego e novas formas de administração pública,colocando-se em cena, apontando novos caminhos para o conflito de clas-ses e a ampliação dos direitos.

Desde sua origem esta pequena área do território do chamado grandeABC, viveu das lutas populares, por ser uma cidade dormitório que abaste-cia de trabalhadores as vizinhas Santo André e São Bernardo. Ao longo dasdécadas de 1940/50, deixou de receber os imigrantes europeus que migra-vam da Itália, Portugal ou da Espanha e passou a receber os brasileirosnordestinos atraídos pelo mercado de trabalho, aberto pelo desenvolvimen-to industrial estimulado no desenvolvimentismo do período JK.

"Eu vim da Bahia. Daquela terrinha. Vim lá de lrecê, Sertãozão. Ládos cactáceos da Bahia. Vim com 16 anos em I" de outubro de1967. E retomei uma vez só. Eu vim com meu pai e minha mãe.Somos 14 irmãos. O pessoal de lá na época da seca vem tudo prá cáe é uma situação muito difícil.. ..Eu tinha uma irmã que morava emDiadema. Meus cais estavam velhn~- n~n ""iit'nr"v"m rr"h"lh"r no

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irmãos homens vieram tudo prá cá, prá trabalhar. Aqui era um sítio,chamava Jardim Canhema. O sítio foi desmembrado, era da Imobi-liária Caiubi. Minha irmã morava na Favela do Vergueiro, era cos-tureira e quando a favela foi desativada o prefeito arrumou pra elese pra todo o pessoal aqui. Eu fiquei com os meus pais até eles mor-rerem. Aí fui trabalhar na Carfriz em São Bernardo, em Piraporinha.Como não tinha experiência, fui para a Auto Metal, na Paulicéia.Depois trabalhei na Reno e por último na Detroit. Lá conheci meumarido. A gente casou e meu marido achava que eu não tinha quefazer mais nada. Eu sempre fui uma pessoa assim, meus pais sempreforam muito religiosos. Eu ia na Igreja de São Bernardo, achavamais bonita. Eu não tinha atividade, só participava das missas. ...Nosdomingos, depois da missa, o pessoal ia na praça. Eu ficava na igrejae como meu marido queria que eu ficasse em casa, comecei a mesentir como uma lagarta no casulo: fechada! Passei a ter mágoa demeu marido, fiquei doente, meu pai ficou doente e comecei a pen-sar que tinha câncer. Eu tava mal e comecei a ir em médicos. Comonos exames não dava nada, fui ao psiquiatra que me mandou preen-cher o tempo. Aí fui convidada para uma reunião no Centro Co-munitário do Jardim Santa Rita, conheci Dona Teresa, que era daIgreja e passei a participar das reuniões, discutir os problemas dascrianças que tinham doenças, a falta de esgoto. Foi assim que omovimento por saneamento básico organiwu a população das fave-las e desta luta, fomos reivindicar terra, creche, para tirar as criançasque estavam muito desnutridas daquele lugar".2

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Este depoimento de Alaídes, revela que as lutas sociais crescem por dife-rentes caminhos e motivos, sendo fruto de inquietações muitas vezes oriun-das de valores morais ou autoritarismos das dimensões vividas nas relaçõesde classe. Em seu relato, ela procura mostrar o longo percurso da famíliaque se desloca do sertão da Bahia. Família numerosa, que vivia numa terrinha,seu pai político regional, obviamente longe das estruturas governamentaisdo Estado, mas fazendo parte de um poder local sertanejo. Nada disso en-tretanto abalava o coração da moça que seguiu a família e cuidou dos paisaté a morte. Foi o casamento e o impedimento de uma vida que portassemaior sociabilidade que a abalou, levando-a a imaginar-se doente, sem fun-ção e também destinada a uma morte social. A imagem da "lagarta nocasulo" aponta claramente o sentido de prisão. O marido protetor, senhorde seus anseios, impedindo-a de partilhar do jogo da vida, sufocava-a a tal

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ponto que ela rompe com as doenças e as amarras, integrando-se nummovimento social de moradia e meio ambiente.

Assim como Alaídes, lris Neves, António Mariano, Benedito Ramos Pinto,Agenor de Oliveira, José Duarte Costa, são alguns dos inúmeros cidadãosde Diadema que relataram como as formas cotidianas que os levaram aingressar em alguns dos grupos vinculados aos movimentos sociais que com-põem a história daquele lugar. O subúrbio, área periférica da grande

megalópole, uma Paulicéia desvairada, que no dizer do poeta recolhia frag-mentos de um mosaico de povos oriundos de diferentes partes do planeta,acabou por forçar uma geografia no seu entorno de pequenas cidades quecompõe um conjunto fragmentário, histórias partidas por deslocamentospopulacionais, por carências materiais mas, que acabam tecendo ricas di-mensões de um vivido pleno de afetividades, na difícil sobrevivência dapobreza que se impõe para quase cem milhões de brasileiros neste limiar deum novo milênio.

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retraspectiva da Cidade Vermelha

A cidade está dividida em sete regiões, podendo ser classificada comoum conjunto que não está definido pela ocupação do espaço seguindo ahierarquia social, como ocorre em algumas cidades do interior paulista. Deum lado, por ter sido Diadema um bairro de São Paulo, inserido numa áreade ocupação operária, sem a infra-estrutura de proteção ambiental e semurbanismo. Alguns bairros guardam vestígios de tempos remotos e nos per-mitem recolher dos fragmentos, inúmeras histórias de momentos distantes.

Os Bairros Principais

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É o caso do Taboão. Na Avenida Prestes Maia, no número 1976,encon-tramos a Casa de Pedra, vestígios de uma fonte e de uma área de sítio. Suahistória nos leva ao português Alfredo Bernardo Leite, nascido em 1866,transferido para o Brasil ainda menino, que acabou sendo responsável pelopovoamento do bairro. Na propriedade que comprou - 56 alqueires - ex-

plorava a pedreira existente e, dela tirou, uma boa fortuna. Foi contratadapela Prefeitura para o fornecimento das pedras para o calçamento das ruascentrais de São Paulo, como a Santa Efigênia, a Boa Vista e a Florêncio deAbreu. Os negócios foram sendo estimulados e pode-se perceber comoAlfredo passou a ter importância quando numa das explosões para quebraras pedras, surgiu a fonte que formou um grande lago com água cristalina ede boa qualidade para os padrões da época. Passou a engarrafar e vender aágua com o nome de Agua Pedreira do Taboão. Em 1942, a pedreira foiencerrada, pelo esgotamento das pedras e após essa data, o lugar passou aser área de lazer dada a beleza e aos benefícios medicinais da fonte. Asfamílias faziam seus piqueniques na casa de pedra, um complexo hoje divi-dido pela Avenida Prestes Maia, deixando à. imaginação do estudioso recu-

perar a beleza anterior.Outro local desse mesmo porte foi o Armazém do Duca, demolido no

início do ano 2000. Ferdinando Duca chegou ao Taboão em 1898, com amulher e 15 filhos. Na década de 1920, trabalhava na Pedreira de AlfredoLeite e posteriormente na Fonte Santa Luzia. Ferdinando instalou o pri-meiro armazém em Diadema, na Rua da Pedreira, no ano de 1924. Seufilho Jorge, em depoimento para o Diário do GrandeABC em 01/08/1976,narrou que o movimento comercial era pequeno, mas os negócios cresce-

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ram dadas as condições das estradas que davam acesso ao bairro. O Taboãoera ocupado por pequenos sítios e essa situação só se modificou nos anos de1940 e 50, com o desenvolvimento industrial do ABC. O belo edifício detijolos vermelhos foi um centro de abastecimento importante e permane-ceu na Rua Amaro C. de Albuquerque, 237, permitindo o reencontro dopassado que nos ajuda a entender presente.

No Canhema, podemos encontrar a Olaria dos Irmãos Risch, que che-garam ao lugar em 1937, fugindo das perseguições que na Europa, Hitlerestabelecia aos judeus. Hebert e Helmuth instalaram-se na Vila Conceição,e fabricavam tijolos para o mercado de São Paulo. Transportavam aindaareia e lenha. Em 1954, com o estabelecimento das indústrias de cerâmicas,os Risch não conseguiram agüentar a qualidade, os preços e a rapidez donovo processo produtivo e desativaram a olaria, situação também vividapela Olaria dos Ferrari, que pode ser observada na imagem abaixo.

Ao lado daruína da olaria,no mesmo espa-ço, pode-se ob-servar um outro I

tempo histó- irico. A região, ,

dadas as proxi-midades das viasde acesso con- '

centra um com- iplexo industrial k". w-onde a Y nilbra éum exemplo. É uma empresa que pertence a um grupo nacional de mútiplosinvestimentos: Larbotec, em Santo André, Oiana em Rudge Ramos, MarketCenter, Administração de Imóveis, Concessionárias de Automóveis. Esse gruponasceu em Rudge Ramos na antiga Tecelagem São Joaquim, que é a denomi-nação do grupo. A Inylbra está instalada há 20 anos em Oiadema, possui 900funcionários, sendo 200 mulheres e 700 homens. A empresa ocupa uma áreaconstruída de 48 mil m2, comportando equipamentos de alta tecnologia,desde 1992, reduzindo com a robotização, metade da mão-de-obra empre-

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gada. Possui equipamentos de alta precisão, produz 250 mil m2 de tapeteestampado e 1 milhão de metros quadrados por mês de carpete agulhado.Cerca de 60% da produção é destinada às montadoras. Outros 40% daprodução são destinados aos lojistas, principalmente ao Carrefour e às Ca-

sas Pernambucanas.A presença de um complexo industrial complementar às montadoras fez

da cidade de Diadema um polo dependente do fluxo de interesses das em~presas automobilísticas que via de regra movimentam-se segundo os inte-resses do processo globalizado da reengenharia industrial e dos subsídiosque os governos locais lhes oferecem. Deste modo, quando a montadoradeixa determinado lugar, como ocorreu com a General Motors recente-mente, além do desemprego gerado pelo fechamento da fábrica ela arrastacom efeito dominó, o ramo de auto-peças provocando um processo deno-minado de desindustrialização. Com efeiro, ao mesmo tempo que o setorfoi importante para o desenvolvimento da cidade, também promoveu umamplo processo de desemprego e de alteração no cotidiano dos operários.

Piraporinha, podemos afirmar Bom Jesus de Piraporinha, construída nadécada de 1880, por José Pedroso de Oliveira, que doou à Diocese de SãoPaulo terrenos para o Patrimônio do Senhor Bom Jesus da Pedra Fria. Em1882, foi rezada a primeira missa no lugar, pelo Padre Thomás InocêncioLustosa, vigário de São Bernardo, que alí comparecia todos os domingos. NaIgreja, os festejos eram constantes, tendo sido atrativo para muitos comentá-rios e notícias até 1902. Duravam todo o mês, em São Bernardo do Campo.

Em 29 de julho de 1968, a capela começou a ser demolida, e em 1977

foi inaugurada a atualigreja ainda inacabada.Tendo perdido toda a re-ferência dos tempos an-tigos, a Igreja atual apa-rece nos moldes de umaarquitetura fabril, dei-xando o tempo do sagra-do enterrado no subsoloou descartado com osentulhos da demolição. .

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No mesmo bairro,está localizado o Tem-plo da Deusa Kannon,construído em 1952

pelo Monge KanjunNomura, com ajuda dacomunidade japonesade Diadema. Conformea tradição, a DeusaKannon, foi descobertana fndia há quase 2 milanos. Seu culto difundiu-se para o Japão e a China, como um dos ramos doBudismo, no início do século VIII da Era Cristã. Neste culto foi introduzidaa celebração popular do fogo sagrado, que não pertencera aos ritos originaisda Deusa Kannon. Isto ocorreu depois da morte do Monge Suzuki, quepassava com alunos sacerdotes sobre as brasas sem ser queimado.

Hoje, o monge Siba Kohozo assumiu o comando mantendo a tradição.A comunidade japonesa instalou-se em Diadema desde 1929, com a chega-da de Shim Iti Horita, para trabalhar de caseiro na Chácara de Mashiti Doi.Em 1939, Masheo Ino comprou um terreno para se dedicar à agricultura.Em 1940, foi fundado o Taperinha Golfe Clube por um grupo de 40 japo-neses. O conjunto religioso da comunidade japonesa integra o espaço dacidade de modo harmônico, uma vez que compõe com os demais represen-tando os cristãos, católicos e evangélicos, umbandistas ou do candomblé, adiversidade representativa de uma cidade que é ao mesmo tempo uma refe-rência identitária, mas de modo efetivo pertence a uma comunidade globalrepresentada pelos imigrantes e migrantes trabalhadores que enfrentam asdesigualdades e a luta contra a exclusão social.

No Serraria, a Capela de Nossa Senhora das Graças foi construída pelosfilhos de Dona Ruyce Ferraz Alvim, atendendo sua vontade expressa antesde sua morte e inaugurada em 12 de junho de 1949, com a presença doCardeal Arcebispo de São Paulo, D. Carlos Carmelo de Vasconcelo Mota,de Dona Leonor Mendes de Barros - primeira dama de São Paulo, de José

Fornari, prefeito de São Bernardo e do Professor Miguel Reale. Dona RuyceAlvim, ao manifestar a vontade dessa homenagem, fez com Que seus paren-

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tes doassem parte da área a ser ocupada, para a capela que tem dez metros

quadrados de área, um pequeno altar, com um oráculo para queima de velas

e orações. Ela é fechada e a Santa que está colocada num pedestal mede oito

metros de altura. Fica no centro de Diadema e aos fundos têm uma área

coberta com alguns bancos, hoje utilizados como parada de ônibus.

Na região central está a área de ocupação antiga, pouco preservada em

seus edifícios originais. Nela está todo o comércio, algumas praças, como a

Castelo Branco e a Praça da Moça, os corredores de tróleibus, os vários

serviços que ocuparam a região mais central e moradias. A cidade formou-

se sem planejamento não possuindo uma funcionalidade efetiva e por falta

de urbanismo, também impede aos moradores a vivência de um espaço

mais humanizado.A Praça Castelo Branco, marco zero de Diadema, está construída entre

as avenidas Alda e Antônio Piranga, entre o calçadão e o tróleibus. Seu

primeiro nome foi Vila Conceição, relembrando o nome do primeiro

loteamento. Criada em 1948, foi remodelada em 1956. Na administração

de Lauro Michels, foi inaugurada em 1965, quando recebeu o nome atual.

Dentre as várias atividades comerciais destaca-se o Centro Empresarial

Diadema, único edifício que possui elevador no centro velho. Nela, um

conjunto de vendedores ambulantes e artistas oferecem aos transeuntes,

serviços, produtos e um pouco de lazer. Estes grupos de pessoas que fazem

apresentações públicas se destacam pela oralidade e expressão corporal para

atrair o público. As formas são criativas e apontam as raízes regionais de

uma cultura popular centradas nos repentes, no cordel, nas danças de roda

e nos desafios. A capoeira é constante, sendo conhecido na praça um grupo

de capoeira que também faz acrobacias. Circula também na praça, um índio

Parecí, da reserva de Parelheiros, vendendo suas plantas medicinais engarra-

fadas para todos os tipos de doenças. Ele representa ainda as tradições ancestrais,

mas, ao mesmo tempo, a modernidade excludente. Em alguns momentos uti-

liza-se de microfone com um pequeno amplificador para atrair o público. Não

falta a figura do engraxate, com sua pequena caixa de madeira tentando limpar

os sapatos dos engravatados que apressadamente cruzam o lugar.

No centro também encontra-se a polícia. Fica no prédio ocupado pela

primeira prefeitura, e circula pela praça, com o intuito de manter a ordem

numa cidade desordenada, Fica também nessa região a EEPG Francisco

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Ret~spectiv~_da Cidade Vermelha

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Oaniel Trivinho, o antigo grupo escolar Vila Conceição. Ela foi aberta em

1929, numa casa particular, perto do Fórum para crianças filhas de lavra-

dores e carvoeiros. Em 1932 estava mais próxima do centro, ocupando os

vestiários do Campo de Futebol Vila Conceição. Em 1950, recebeu um espaço

onde está até hoje. Já se chamou Grupo Escolar Diadema, Grupo Escolar

João Rarnalho, Ginásio Estadual Senador Felinto Muller, Colégio Estadual

de Oiadema, Grupo Escolar Vila Élida. A história desses nomes retratam a

conjuntura política e as várias representações sociais desse espaço educacional.

Outro bairro importante da cidade é o Eldorado. Caracteriza-se por es-

tar incrustrado numa região de mananciais, entre as represas Billings e a

Guarapiranga. Sua paisagem urbana aponta o processo desordenado e desi-

gual das ocupações, com mansões e pequenas casas incrustradas nos mor-

ros. A malha urbana se intercala com a área de mananciais e uma vegetação

heterogênea. O bairro sofreu um aterro na área da represa, deslocando a

antiga Igreja Nossa Senhora dos Navegantes para a área central. A degrada-

ção ambiental é visível tanto nas encostas dos morros devido aos desmata-

mentos, como na beira da represa, onde o esgoto a céu aberto ainda faz

parte da paisagem, mesmo sendo cada vez mais presente a consciência

ambiental nos movimentos sociais da cidade.

Inicialmente o lugar foi ocupado para a instalação de sítios de lazer de

paulistas que se aproximavam da represa quando ainda era cartão-postal da

região. A chegada desses ocupantes introduziu o uso da represa para ativi-

dades náuticas e um conjunto de estaleiros foi aberto com a produção, o

conserto e a conservação dos barcos. Essa intensa atividade sem a corres-

pondente preservaçãofoi atraindo trabalhado-

res e usuários iniciando-

se o processo de degra-

dação. Ao longo das dé-

cadas de 1960 e 1970,

devido aos problemas

econômicos do país e os

processos inflacionários,ampliados com a crise

do mila{!re de 1973.

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ocorreu retrocesso do empréendimento náutico. Por este motivo a área foisendo abandonada, os sítios de lazer vendidos e os loteamentos, clandestinosou não, criados para a população de baixa renda. Desse modo iniciaram-se os

processos de degradação ambiental mencionados.A situação é tão grave, que em plena área de manancial encontra-se o

Lixão do Alvarenga. Diadema produz cerca de 180 toneladas de lixo pordia e, até 1992 era depositado no lugar existente há mais de vinte e cincoanos, na divisa com São Bernardo do Campo. No início da década de 1990,com a ampliação da consciência ecol6gica, ele começou a ser desativado e olixo passou a ser recebido pelo aterro de Mauá. Não se sabe se a contamina-ção atingiu ou atingirá os lenç6is freáticos, já que a montanha tem mais decem metros de altura. A prefeitura de Diadema mantém um funcionário euma máquina colocando terra sobre o lixo e abrindo espaço para que osgases metano possam ser liberados. Há pessoas que trabalham no lixão,reunindo e separando os materiais não degradáveis como ferro, alumínio,

papel, vidro, plástico para a venda. Entretanto, essa experiência e conheci-mento ainda não foi incorporada ao cotidiano da cidade que não faz coletaseletiva do lixo atual.

Essas dificuldades e as condições climáticas de Diadema, situada no topoda confluência dos ventos da Serra do Mar, tem sido importante para aconstituição de um forte movimento de saúde que atua de modo constanteno município. Dele, os serviços do Sistema Único de Saúde tem feito enor-mes progressos incorporando atividades educacionais, orientações de pue-

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha-

ri cultura, discussões sobre a salubridade das moradias, campanhas de vaci-

nação entre muitas outras.

Desindustrialização e Desemprego

A partir da década de 1980, o cotidiano operário em Diadema passa aestar abalado, como afirmamos anteriormente com um fantasma. O fecha-mento das fábricas e o aumento do desemprego. O tema toma conta dosveículos de comunicação de massa e envolve o dia a dia de todos que recorremàs notícias de jornais para avaliar a gravidade do problema.

Em 21 de junho de 1996, a Folha de São Paulo noticiou a adesão à greve

geral convocada pelas Centrais Sindicais, crescendo e tornando-se maior naregião do ABC. Os sindicatos avaliam que 80% dos químicos e metalúrgicospararam; o trabalho em bancos e o comércio aderiu parcialmente.

Embora parcial, a paralisação afetou a produção das montadoras deveículos onde cerca de 80% dos metalúrgicos e químicos do ABCpararam. Boa parte das lojas dos centros comerciais de São Bernardo,Santo André e Oiadema nem chegaram a abrir por falta de funcio-nários. Os bancos funcionaram, mas de modo precário. Na NossaCaixa de São Bernardo, a porta só era aberta para clientes dispostosa fazer depósitos ou a pagar contas. Segundo o gerente da institui-Ção, não havia vigilantes e nem dinheiro, porque a entrega do nu-merário foi reduzida.3

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Grandes lojas, comoPonto Frio, Casas Bahiae Arapuã, permanece-ram fechadas. Os por-tóes do shopping centermais antigo de SãoBernardo, o Shopinhodo Coração, estavam fe-chados. O clima de feri-ado tomou conta da re-gião, com exceção deSão Caetano do Sul,

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onde até a General Motors trabalhou. A circulação de ônibus foi parcial noABC. Em Santo André, havia menor número de coletivos do que em SãoBernardo. Ao longo do dia, porém, o serviço foi se normalizando, mashavia poucos passageiros. Os tróleibus circularam com toda a frota desdecedo, mas, também, quase vazios. Os presidentes das três centrais sindicaisque convocaram a greve encontram-se às 5 horas da manhã no Sindicatodos Metalúrgicos. O presidente da Força Sindical, Luiz Antônio de Medeiros,foi hostilizado por alguns militantes cutistas.

O presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, Medeiros e Enir Severinoda Silva, presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), per-correram juntos um circuito de fábricas totalmente paralisadas. Começarampela Volkswagen, Ford e Mercedes Benz, da base da CU1: Em seguida forampara a Ford Ipiranga, Continental, Lorenzetti e Amo, da Força Sindical. Porfim, foram conferir a paralisação - também total - do principal reduto da

CGT, a Eletropaulo, do bairro do Cambuci. Na Scania, a adesão foi de 60%.Nas demais empresas, apenas serviços essenciais funcionaram e não hou-

ve necessidade de piquetes: os ônibus simplesmente chegavam vazios oucom no máximo meia dúzia de passageiros, rapidamente convencidos a nãoentrar nas fábricas. A Via Anchieta, das montadoras de veículos, as Aveni-das Presidente Wilson, Henry Ford e Amo, as três últimas com concentra-ção de grandes indústrias, formavam um único corredor de greve unindoABC a São Paulo.

Os três dirigentes sindicais demonstraram satisfação com o quadro noABC e na parte industrial da Zona Leste de São Paulo. Mesmo com trans-porte parcial, a população preferiu ficar em casa. "Essa é uma greve diferen-te", afirmou Vicentinho. Para Medeiros, a ausência de piquetes nas grandesindustrias indicaram um salto de qualidade na mentalidade de trabalhado-res e sindicalistas.

Esse chamamento à greve geral aponta as preocupações do movimentooperário com o fechamento de postos de trabalho crescente na região demaior concentração industrial de São Paulo.

Em 16 de agosto de 1996, a imprensa registrou que a Região iniciavaestudo sobre fábricas e galpões vazios, realizando-se o primeiro levanta-mento na região industrial que seria usado para buscar a descentralizaçãoindlI.c;trial. MTT':rON F. nA ROCHA FTT.HO e.c;creve~

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o primeiro levantamento sobre galpões e fábricas vazias da regiãoindustrial do ABC, na Grande São Paulo, será iniciado nos próxi-mos dias. O trabalho vai fazer parte de um estudo a ser levado àmesa de discussões na organização da Câmara Setorial Regional doABC, que vai tentar sua descentralização industrial, revelou ontemo secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, Emerson Kapaz.O secretário disse que até hoje muito se discutiu e falou sobre asaída de companhias do ABC. "Agora, vamos levantar o que há defato na região industrial a respeito de saída ou entrada de novasindústrias", explicou.Kapaz informou, ainda, que serão estudadas formas de reciclagem ereadequação de mão-de-obra na região industrial do ABC, o quenão ocotreu até hoje, segundo ele. Kapaz contou que manteve reu-nião no ABC com prefeitos dos sete municípios que formam a re-gião, além de sindicalistas e o presidente da Central Única dos Tra-balhadores (CUT), Vicente Paulo da Silva.Vicentinho disse para Kapaz que a reunião foi importante, pois nuncase discutiu assuntos tão relevantes, buscando soluções, relatou o se-cretário. De posse dos levantamentos que estão sendo realizados,será realizada uma nova reunião, dentro de 30 dias.Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,Diadema, Mauá, Rio Grande da Setra e Ribeirão Pires são os muni-cípios que compõem a região industrial do ABC. 4

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Em 16 de setembro de 1996, novas mobilizações levaram os Metalúrgicosdo ABC a acamparem no Porto de Santos. A medida fazia parte de umpacote de propostas contra a redução de alíquota para importação deauto peças. A jornalista MARLI OLMOS assim descreve:

Os metalúrgicos do ABC estão dispostos a acampar no Porto deSantos em protesto contra a redução do Imposto de Importaçãopara autopeças. A proposta será encaminhada hoje durante o semi-nário Emprego e o setor automotivo - o que fazer? O Deparramen-

to Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese)estima que toda a cadeia produtiva de veículos poderá acabar comaté 157 mil postos de trabalho até o ano 2000 por conta do aumen-to da produtividade.O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Dieese pretendem reunirno seminário sindicalistas da CUT e da Força Sindical, empresáriose eyerllt;vn" rl"" mnnt"rlnr"" n ..nnin rln" ..rnnr..,,-\rino ~n o~rnr ~~

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2S

autopeças do ABC já está garantido. O seminário será realizado nasede do Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp) de Diadema.A cada dia é menor o número de empregados na produção cada vezmaior de carros. Desde 1980, a produtividade na indústria automobi-lística cresceu 102%. Mas o nível de emprego caiu 23%. Segundoos sindicalistas, mais grave ainda é o efeito nocivo do excesso deimportações para a cadeia de fornecedores locais.A alíquota do imposto subiu para 70% no caso dos Carros e caiu para2% para as peças. "Foi um equívoco ou houve negociata do governocom as montadoras", disse o presidente do sindicato, Luiz Marinho.O livro Globalização e o Setor Automotivo - a Visão dos Trabalha-

dores, lançado ontem, aborda o que acontecerá se o País atingir aprodução anual de 2 milhões a 2,5 milhões de veículos no ano 2000:18.859 postos de trabalho (18% do efetivo) deverão ser eliminadosnas montadoras. Caso a meta não seja alcançada e a produção anualfique em 2 milhões - hoje, são 1,8 milhão - o quadro é ainda pior:

36.612 empregos a menos (36%).Cada posto perdido nas montadoras representa 3,3 cortes no res-tante da cadeia produtiva. Assim, as demissões no setor podem ficarentre 81 mil e 157 mil.Além do acampamento no porto, os metalúrgicos deverão proporuma manifestação no Ministério da Fazenda, em São Paulo, possi-velmente dia 26, e greves nas montadoras. Segundo Marinho, a idéiaé tentar abrir negociações com o governo.Os sindicalistas querem que o governo reveja os itens que constamdo regime auto motivo, considerado a causa da queda brutal no ní-vel de emprego, apesar do aumento da produção e vinda de novasmontadoras.Os sindicalistas querem que o governo eleve o índice de nacionali-zação mínimo de 60% para 70%. Além disso, pedirão a reaberturadas câmaras setoriais e alíquotas iguais do Imposto de Importaçãopara peças e carros5 .

Em 17 de setembro de 1996, articularam-se os empresários e metalúrgicosem defesa de uma política de defesa do complexo industrial, especialmentedevido ao processo de abertura indiscriminada do mercado importador,que levou um amplo setor industrial à bancarrota, como o de brinquedos e() t~xtil A me...m:l M:lrli :l...c;im :ln:llic;:l°

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Os fabricantes de auto peças aderiram à campanha dos metalúrgicospara tentar aumentar o índice de nacionalização fixado na medidaprovisória do regime auto motivo. Durante seminário que reuniusindicalistas e empresários ontem, em Diadema, foi acertado umcalendário de manifestações. A primeira mobilização contra a atualpolítica industrial no setor automotivo será uma carreata dia 26.Com menor índice de peças nacionais nos carros, mais 86 milmetalúrgicos poderão perder o emprego. O número de vagas naindústria de componentes poderá cair dos atuais 206 mil para 120mil, uma redução de 41,7%. O setor já fechou 114 mil postos detrabalho desde o início da década, segundo o diretor de relaçõesindustriais e trabalhistas do Sindicato Nacional da Indústria deComponentes (Sindipeças), Thales Peçanha. Além da união da CUTe Força Sindical e dos empresários de autopeças, o seminário deontem teve o apoio dos representantes da indústria de máquinas edas siderurgias. Mas o que mais surpreendeu os participantes foi oapoio do representante da Volkswagen. O vice-presidente de assun-tos corporativos da montadora, Miguel Jorge, disse ser contra aalíquota de importação de apenas 2% para peças. "Corremos o riscode ter um País montador e não produtor de automóveis", disse. Asmanifestações programadas ontem vão durar mais de um mês.626

Em 23 de setembro de 1996, a Kubota fecha fábrica no ABC e deixa o País.A empresa alegava crise no setor de máquinas agrícolas e acabou por demitir170 trabalhadores. A analista Olmos apresenta os argumentos do processo:

A Kubota, fabricante de máquinas agrícolas de Oiadema, na regiãodo ABC, vai fechar. O encerramento das atividades da empresa ja-ponesa no Brasil foi anunciado ontem ao Sindicato dos Metalúrgicosdo ABC pela direção da companhia. Segundo o sindicato, a direto-ria da Kubota alegou estar obedecendo a ordens do Japão diante dacrise no mercado de máquinas agrícolas.Com o fechamento da Kubota, 170 trabalhadores perderão o em-prego. Outros 80 haviam sido demitidos um mês atrás, com o fe-chamento do setor de fundição da empresa. Hoje, haverá reuniãodos representantes do sindicato e da direção da empresa, numa ten-tativa de negociar benefícios suplementares para os demitidos e ain-da resolver o problema dos empregados que têm estabilidade emrazão de doença profissional ou proximidade da aDosentadoria.7

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A crise atingiu oregime automotivo.O diretor da regio-nal do sindicato emOiadema, AntonioRibeiro dos Santos,atribuiu o fecha-mento da Kubotatambém ao regime

automotivo, que-" ,,-~ beneficiou as em-

presas inscritas noprograma de incentivos à exportação. A indústria de máquinas agrícolaspassava por uma das mais longas crises de sua história, num reflexo direto dacrise de renda enfrentada pelos produtores agrícolas. Com vendas em queda,a produção anual do setor de máquinas não atingia agora mais de 30 milunidades, ou seja, menos da metade do que o setor fabricava na década de 70.

Inauguram-se as Câmaras Setoriais como possibilidade de uma po-lítica de planejamento e auto-defesa. Em 25 de fevereiro de 1997 aimprensa noticia:

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o governador Mário Covas vai instalar às 19h30 do dia 12 de mar-ço, em São Bernardo do Campo, a Câmara Regional do ABCD. Oórgão será integrado pelos prefeitos de Santo André, São Bernardo,São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serrae tem o objetivo de promover a obtenção de investimentos, a instala-ção de mais empresas na região e a abertura de novos empregos.O secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômi-co, Emerson Kapaz, explicou que a idéia "vem sendo maturada háquatro anos com os ex-prefeitos e prefeitos dos sete municípios queformam a região do ABCD".Kapaz disse que o governo escolheu o ABCD para ser a primeira areceber a Câmara Regional, "por ser uma região muito complicada,com muitas indústrias e empresas que atuam na área de serviço che-gando". De acordo com Kapaz, "a Câmara vai promover uma arti,.culação entre as administrações públicas desses municípios, além deincluir empresas privadas, movimentos de cidadania, sindicatos en."'~c pn.;,j~,jpc "8

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Ele informou que, dos investimentos que serão aplicados nos próxi-mos dois anos no Estado, 15% serão destinados ao ABCD. "Nospróximos dias iremos inaugurar a linha de montagem do Ford Ka,em São Bernardo do Campo", disse. "O projeto consumiu R$ 200milhões em investimentos".Muitos foram os artifícios utilizados no combate à recessão e aosmecanismos de desindustrializacão. As empresas menores, como con-cessionárias e oficinas mecânicas, também perceberam o filão dasfamílias que nos fins de semana e não têm onde deixar as crianças.Na Revenda, concessionária Ford de Diadema, os filhos dos clientessão recebidos na recepção com um "kit criança", com papel, lápis decor e giz de cera para desenhar. "Temos planos de, até o fim do ano,montar um espaço específico para elas", diz a gerente de Vendas,Shirlei Suriane Sandri. "Já aconteceu de um casal ir embora semcomprar o carro porque o filho não dava sossego."9

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A Midas, oficina mecânica sofisticada que já abriu duas lojas em SãoPaulo, também procurava distrair os filhos dos clientes com jogos e filmes.Franquias de uma empresa americana, as filiais brasileiras seguem o modeloda matriz. O problema da crise no setor automotivo abalava o conjunto dasatividades da cidade, assim, os serviços de atendimento aos possíveis clien-tes passaram a ser prioridade para todo o setor terciário. Interessante notarque essa situação de ameaça constante à sobrevida dos trabalhadores foiaumentando o sentimento sobre os direitos e as lutas do movimento operá-rio e as demandas por políticas públicas fizeram crescer o sentido de cida-dania. De um lado, maior clareza dos problemas vividos e, de outro, umfreio no sentimento de desprestígio moral que até então atribuía-se ao de-sempregado. Evidentemente essa elevação no nível de consciência é tam-bém fruto de um processo de educação e cultura operárias que nos reme-tem ao período de formação da classe, nos finais do século XIX, e da culturaanarquista tratado no artigo de Katia Kenez, neste livro.

Os shopping centers também já começam, timidamente, a perceber a im-portância de um local para abrigar as crianças enquanto os pais dedicam-seàs compras. A maioria deles tem um pequeno parque de diversões, mascom brinquedos pagos que exigem a vigilância dos pais. Por enquanto,apenas o Iguatemi oferece o espaço gratuito de recreação. Outros shoppingsr~m anenas fraldário. como o We.~t Plaza e o Aricanduva.

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Em 09 de abril de 1997 inicia-se a crise na Cosipa. A imprensa registra

A invasão de dois navios no terminal privativo da Cosipa, por traba-lhadores avulsos do Porto de Santos comandados pela deputada fe-deral e ex-prefeita TeIma de Souza, do Partido dos Trabalhadores,deixou de ser um problema sindical para adquirir todos os contor-nos de uma crise que pode ter repercussões nacionais. Estivesse oproblema circunscrito à área sindical, a invasão dos navios apenasconfirmaria que a Lei de Modernização dos Portos, sancionada háquatro anos, não é aceita pelas corpo rações do cais, que agora deci-diram opor-se à sua entrada em vigor pela ação direta. O grave é quea evolução da situação transformou o que seria uma invasão (aindaque pacífica) de dois navios num problema político, na medida emque os fatos que se seguiram à ocupação dos barcos indicam que ogoverno do Estado de São Paulo não tem condições de fazer execu-tar decisão da Justiça, que determinou a desocupação deles.Na raiz dessa crise, que se criou ontem, está o fato de a Polícia Mili-tar não ter condições de cumprir a determinação judicial de desocu-par os navios. Chegou a essa situação em conseqüência do delicadomomento que vive após as violências praticadas por soldados PMsna Favela Naval em Oiadema e do vigor da reação pública. Em outraspalavras, a Polícia Militar não quer envolver-se em nenhuma situaçãoem que possa haver um eventual conflito, temerosa de que nessereconto possa haver feridos e de que a opinião pública se volte commais rigor contra ela. Na verdade, essa disposição a não agir é maisuma decisão política do que a constatação de um fato: a desocupa-ção dos navios pode realizar-se sem necessidade do emprego deviolência desnecessária - por mais que os estivadores que os ocupamestejam dispostos a resistir - e o cumprimento de uma decisão judi-

cial para restabelecer a lei e a ordem nada tem em comum com atoscriminosos como os praticados em Oiadema 10.

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A política de desindustrialização que gerava o fechamento de postos de tra-

balho, extendia-se como uma postura modernizadora atingindo todo o com-

plexo produtivo estatal. A idéia professada pelos técnicos governamentais era a

da total submissão aos ditames da política definida pelo Fundo Monetário In-

ternacional, exigindo um ajuste recessivo para os países periféricos que acadou

gerando uma violenta crise na Ásia, no México com imensas possibilidades de

atingir o Brasil. A defesa do governo fazia-se no nível ideológico, ou seja, na

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crítica ao Estado autoritário, confundindo-o com o seu oposto, ou seja a aceita-

ção de que a gestão política deveria ser feita pelos organismos internacionais,

como se eles buscassem a eqüidade e a justiça social. Interessante notar que o

debate ideológico foi reaquecendo tanto as discussões como as práticas de resis-

tência. O episódio da tornada dos navios foi parte dessa ação contra a privatização

do porto de Santos, considerado um empreendimento altamente lucrativo e

ícone da soberania nacional que não poderia ser perdido. TeIma de Souza, ex-

prefeita da cidade havia realizado uma gestão que promoveu grande articulação

entre os empresários e os trabalhadores, modernizado a área litorânea, estimula-

do o combate a poluição e a proliferação da AIOS, e sua legitimidade era

inconteste na defesa da cidadania brasileira. Do lado dos neoliberais, entretan-

to, ela levava o protesto para o campo da política.

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A seqüência natural dessa decisão do governo estadual de não aten-der à ordem da Justiça foi o juiz da2a Vara Cível de Cubatão, MárioRoberto Negreiros Velloso, requisitar o auxílio do Exército paradesocupar os navios. Criou-se, então, uma situação das mais delica-das: a função das Forças Armadas não é intervir em situações dessetipo. Ademais, se a Polícia Militar tem o episódio de Oiadema pre-sente, o Exército não se esqueceu da repercussão negativa de suaação em Volta Redonda, anos atrás. Ademais, por lei, o Exército sópoderá intervir em Cubatão se o Governo do Estado de São Pauloreconhecer, ou der evidentes provas de que não pode restabelecer aordem. Assim, até ontem à noite, o máximo que o comando doExército em Santos poderia fazer - desde que autorizado pelo presi-dente da República - seria ocupar os pátios da siderúrgica para ga-

rantir o trabalho. A desocupação dos navios deverá ser efetuada pelaMarinha, desde que também haja autorização para tanto. Em ou-tras palavras, as forças federais só intervirão quando se tornar paten-te que o Estado de São Paulo é incapaz de dar cumprimento a umadecisão judicial, e, ainda assim, intervirão cada uma em sua área: oExército no pátio da Cosipa; a Marinha na tentativa de retirar osestivadores dos navios!A crise da Polícia Militar, provocada por ela mesma e pela falta decomando que se seguiu à revelação dos desmandos praticados emOiadema, coloca agora o governador Mátio Covas e o presidenteFernando Henrique Cardoso em situação extremamente delicada,na medida em que a Justiça estadual é desafiada abertamente e noEstado de São P2ulo. tudo indic:I. n~o h:í Pod"r P,íhlirfl n"" O" nnn-

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nha aos estivadores que criaram o fato consumado, com claros obje-tivos de desmoralizar o processo de privatização dos portos. I I

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Símbolo do grande desenvolvimento de São Paulo, o Porto de Santosmove milhões de dólares do comércio exterior e deve ser entendido como ocentro nervoso da economia nacional. De um lado, os conflitos indicaramproblemas trabalhistas antigos acrescidos com a política de desregulaçãodos salários e, de outro, um avanço das medidas de privatização em curso.Entretanto, todo o sistema produtivo de Oiadema e do país estava emebolição. No ABC a visibilidade da crise era maior, pois o atrelamento detoda a economia está centrada no setor automotivo e aparece mesmo noproblema dos transportes coletivos. Em 25 de abril de 1997, os donos deperuas pediram regulamentação do serviço e fim das blitze para apreensão dos

veículos. Três dias depois de interditar a Via Anchieta, cerca de 200 perueirosdo ABC realizaram uma manifestação em Diadema. Eles queriam que asprefeituras da região parassem de apreender as peruas que transportam pas-sageiros e regulamentando o serviço.

Em Oiadema, trabalham mais de cem perueiros. Eles alegam que o siste-ma de transportes por ônibus não atende à demanda. Um exemplo seria obairro de Eldorado, no qual as peruas complementam a frota de ônibus daempresa municipal e das companhias privadas que exploram o serviço - a

Riacho Grande e a Alpina. Segundo os perueiros, o prefeito Gilson Menezes(PSB) não queria regulamentar o serviço para proteger as empresas.

O diretor de Serviços Urbanos de Diadema, Paulo César Lúcio Carvalho,disse que a prefeitura não vai regulamentar o transporte por lotação porqueele não é viável economicamente. Segundo Carvalho, não interessa à prefei-tura que os perueiros trabalhem apenas nos horários de pico. Para formalizaro transporte por lotação, os perueiros teriam de fazer viagens com freqüênciaregular e garantir, entre outras coisas, passagem gratuita para aposentados.

De acordo com o diretor, a regulamentação do serviço de lotação nostermos em que os perueiros reivindicavam resultaria em concorrência des-leal para as empresas, desestruturando o sistema.

Os sindicatos de outras categorias profissionais já percebiam os primei-ros sinais, concretos e indiretos, de que propostas de redução de jornada esalário não ficariam restritas ao setor automobilístico e eletroeletrônico.

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

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Demissões fora de épocaocorreram no comércio enas fábricas de calçados eno setor químico, en-quanto trabalhadores dediversos segmentos esta-vam entrando em fériascoletivas antes do Natal,movimento considerado- -~C_,-fora do normal. Para os

sindicalistas, fora tudo prenúncio do que se confirmou no primeiro trimes-tre de 1998, quando o nível de atividade ficou ainda mais fraco, foi umperíodo de demissões.

Na quarta-feira, dia 3, um dia após o anúncio oficial da proposta deredução de jornada e salário feita pela Volskwagem aos seus 31 mil empre-gados, 110 dos 500 funcionários da Fastplas, fábrica de pára-choques deautomóveis localizada em Diadema, foram demitidos, segundo informa-ções do Sindicato dos Químicos do ABC. "Não imaginamos que o reflexofosse ser tão imediato", diz o presidente da entidade, Sérgio Novaes. Nomesmo dia, outras empresas procuraram a diretoria do sindicato para son-dar a possibilidade de um acordo nas bases propostas pela Volks. "Nós nãovamos concordar", avisa o sindicalista, resumindo uma posição comum avárias entidades sindicais.

A disposição de resistência dos sindicalistas dependia, entretanto, do po-tencial da realidade das negociações com as empresas. Uma parcela expres-siva do movimento sindical havia feito acordos com reajustes inferiores àinflação, uma cláusula antes considerada tabu. Levantamento do Departa-mento lntersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), em316 sindicatos, mostra que 43% fizeram acordos com cláusula de reajusteinferior ao INPC, enquanto outros 43% conseguiram porcentuais superioresà inflação dos últimos 12 meses. "O desemprego no ano de 1998 deve sersuperior ao deste ano", avaliava o diretor-técnico do Diese, Sérgio Mendon-ça. Num quadro recessivo, o poder de negociação dos sindicatos diminui.

'~ceitar redução de salário é apenas adiar o fim", afirmava em desa-cordo Martisalém Covas Pontes, diretor do Sindicato dos Químicos

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de São Paulo. "Quando você reduz o salário, diminui o poder decompra da população e a situação piora ainda mais", afirma o sindi-calista. Do total de 80 mil químicos que trabalham na base do sin-dicato, 35 mil estão em empresas do setor plástico, muitas das quaisfabricam auto peças. "Mais de 50 empresas já estão em férias coleti-vas", diz, lembrando que o período de licença começou antes doque é normal.12

Em fevereiro de 1998, o governo passa a dar maior atenção aoproblema do ABC. Um programa contra o desemprego foi apresentadopelo Ministério do Trabalho, especialmente devido às enormes pressões comvistas ao controle da situação que já era gravíssima.

"O governo vai ajudar a aliviar o efeito das crescentes demissões demetalúrgicos na região paulista do ABCD (Santo André, SãoBernardo. São Caetano e Diadema) com dois programas: detreinamento profissional. visando reciclá-los para outras atividades.e de microcréditos para apoiar abertura de novos negócios. A criaçãodos dois programas foi decidida na sexta-feira, quando o ministrodo Trabalho, Paulo Paiva, o presidente do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Luiz CarlosMendonça de Barros. e o secretário de Política Econômica daFazenda. José Roberto Mendonça de Barros, avaliaram que a soluçãopara o desemprego na região não passa mais pelo tripé que prevaleceuno passado: renúncia fiscal. crédito subsidiado para indústrias locaise proteção tarifária. "O ABCD passa por uma séria crise dedesconcentração de investimentos e as indústrias, por diversosmotivos. têm preferido outras regiões. A solução definitiva está emconstatar essa realidade e buscar alternativas de ocupação para osdesempregados". 13

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Três funcionários foram acionados pelo presidente Fernando HenriqueCardoso para encontrarem uma saída para o desemprego no ABCO, de-pois de ouvir relato do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo, Luiz Marinho, sobre o dramático quadro de demissões. Em de-zembro de 1997, o desemprego da região metropolitana de São Paulo haviachegado ao recorde de 1,4 milhão de pessoas. O primeiro passo para ado-ção dos programas seria dado nos próximos dias: o ministro Paulo Paivaprometeu discutir a proposta do governo com Marinho e outras liderançassindicais do ABCO. O governador Mário Covas também participou dos

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entendimentos. Em 13 de fevereiro de 1998, foi firmado um acordo deestabelidade por um ano, onde as empresas exigiam maior flexibilidade noscontratos de trabalho.

Liliana Pinheiro escreve sobre a proposta

Os cerca de 7 mil empregados da Ford, em São Bernardo do Cam-po, terão estabilidade no emprego até janeiro de 1999. Esse foi odesfecho de uma negociação que começou em dezembro, sobre apossível demissão de 800 empregados. O diálogo avançou, a Fordcolocou na mesa seus interesses de tornar a jornada de trabalho maisflexível e de antecipar horários dos dois turnos de trabalho, paragastar menos com adicionais noturnos. Os metalúrgicos pediramem troca garantia de emprego e manutenção dos 800 excedentes noquadro de pessoal. Na negociação, deu acordo. Falta consultar os

empregados.O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, João FerreiraPassos, o Bagaço, calculou que os funcionários perderão, por mês,cerca de R$ 80. O salário médio na Ford é de R$ 1.546.Como a empresa está produzindo e vendendo menos e o mesmonúmero de empregados receberá salários iguais, mesmo sótrabalhando por 36 horas, haverá perda para a empresa de R$ 23milhões, segundo o gerente de Recursos Humanos, Valter Trigo.Parte do valor será recuperado quando a carga de trabalho, de novocom os mesmos salários, ou seja, sem extras, saltar para 46 horas. 14

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Em resumo, o que se estava negociando eram os direitos trabalhistasobtidos em quase um século de lutas e que deixavam de ser preservadospelas novas medidas econômicas implementadas pelo governo. A idéia deum estado mínimo tão defendida pelo governo Fernando Henrique, nãointroduzia a modernização, mas ao contrário exigia dos trabalhadores umprocesso invertido de servidão voluntária. Os 'dirigentes sindicais participa-vam das câmaras setoriais em defesa dos postos de salários, mas para issotiravam do bolso dos trabalhadores montantes de massa salarial e de rendadefinida pelo descanso remunerado e pelas férias. Em período de baixaprodução, o empregado folgava, mas pagava por parte desse descanso, ouseja, diyidia o prejuízo com o patrão. Esta foi a mais nova fórmula paraimpedir demissões, que surgiu no ABC. Depois do banco de horas comjornadas flexíveis em São Bernardo, das contratações por tempo determl-

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nado com redu-ção de encargosem São Paulo, aKostal, fabricantede auto peças de

Diadema, apre-sentou mais umanova forma parauma velha prática,ou seja a divisãodos prej uízos.

A empresa pro-pôs ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que os cerca de 900 emprega-dos folgassem cinco dias em fevereiro e outros cinco em março. Desse totalde dez dias, a empresa arcaria com o pagamento de três, quatro deveriamser compensados com trabalho, no futuro, e três ficariam por conta doempregado, na forma de desconto em seu salário, em três parcelas.

O sistema chamou-se "banco de compensação" e teve como vantagem aestabilidade no emprego por 60 dias. Por mais difícil que tenha sido tomaresta atitude, as lideranças sindicais viam-se compelidas a criar estratégias degarantias parciais de postos de trabalho, uma vez que os estudos indicavamgrande contingente de demitidos que não mais obtinha carteira assinada.

O desespero e os protestos cresciam. Em fevereiro de 1998, desempregadosocuparam o supermercado Extra da Via Anchieta, em São Bernardo doCampo, e da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Sindicalis-tas, desempregados, sem-teto e lideranças de movimentos populares, deci-diram fazer o que chamaram de "alertà' ao governo e sociedade para oproblema da fome e da falta de empregos. Apesar de algumas ameaças demanifestantes em invadir as lojas, os protestos, que reuniram entre 80 e 100pessoas em cada um dos pátios, foram pacíficos. "Por enquanto é apenasum alertà', afirmou o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de Diadema, Edmundo da Silva Ribeiro. "Da próxima vezvamos saquear sim." A Central Única dos Trabalhadores (CUT) ajudou aorganizar os protestos, que começaram às 8 horas e duraram até o início da.."..~~ r"n-." ~A"T"T r,.nrr,,1 ,1,. Mnvim,.nrn~ Pnmll"r~~ (rMP) ~ Mnvi-

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Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

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memo dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), a CUT prometeu novas ofen-sivas em grandes centros urbanos. O diretor da CMp, José Albino, afirmouque as entidades mandaram confeccionar milhares de sacolas plásticas coma mensagem: '~ordem é não passar fome." Albino não revelou se as sacolasseriam usadas para saques, mas ressaltou que esta primeira fase de manifes-tações era um alerta para o governo. "Se nada for feito, poderão ocorrerações mais radicais", disse.

Em 6 de novembro de 1998, divulga-se a notícia da decisão da Mercedes-Benz suspender a produção de caminhões na fábrica de São Bernardo doCampo por mais oito dias neste mês. A montadora já havia comunicadoque daria férias coletivas aos trabalhadores por 35 dias a partir do dia 31. Oanúncio foi feito no dia em que também teve início um programa de de-missões voluntárias com objetivo de reduzir o quadro em 560 pessoas. Outros500 trabalhadores temporários não teriam os contratos renovados.

Segundo a Assessoria de Imprensa da Mercedes-Benz, as vendas de cami-nhões em outubro apresentavam queda de 24% em relação ao mês anterior.A produção em São Bernardo, que na metade do ano era de 210 veículos aodia, estava em 140 unidades. Os funcionários que aderissem ao voluntariadoreceberiam entre dois a seis salários extras, dependendo do tempo de traba-lho, e teriam direito ao convênio médico até 31 de maio. A fábrica queemprega 10,4 mil funcionários, naquele momento com um processo deredução de mil postos de trabalho provocava forte abalo na cidade, elevan-do os índices de desemprego à taxas ainda maiores.

Em Oiadema, a TRW; fabricante de autopeças, decidiu reduzir os salári-os dos 580 funcionários entre 14% e 16% e a jornada de trabalho em 16%.O vice-presidente da Regional do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, JoãoMartins Lima, disse que a redução deveria vigorar por três meses a partir denovembro. Parte dos valores que não fossem pagos naquele período seriadevolvida a partir de março.

Segundo Lima, a TRW ameaçava demitir 120 trabalhadores. Com a re-dução de salários e jornada, havia um compromisso de estabilidade por seismeses. O sindicato era contra a redução, mas a medida foi aprovada pelosfuncionários em votação secreta.

A queda das vendas de veículos ameaçava não apenas fabricantes, comoos de autopeças, que dependiam das montadoras para vender seus produ-

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tos. Todo um microuniverso de negócios, que reúne desempregados que

partiram para atividades informais, começava a perder o fôlego. Ex-

metalúrgicos, gráficos, técnicos, motoristas e cobradores, que depois de demiti-

dos investiram o dinheiro da rescisão contratual em barracas e carrinhos de

bebidas e comidas, já perdiam a esperança de retomar ao mercado formal de

trabalho. Agora, estavam enfrentando o medo de um novo tipo de desemprego,

caracterizado por queda brutal de faturamento e do padrão de vida.

Eles formaram uma camada de trabalhadores que perdeu seus postos há

mais de dois anos e olhavam com descrença as políticas oficiais contra o

desemprego no Brasil, ou num surto de crescimento da economia que os

recolocasse no mercado. Também não apostam em saídas como a requalifi-

cação para melhorar o poder de disputa por uma vaga, já que eles próprios

trataram de guardar diplomas e certificados de treinamento, que se torna-

ram tão inúteis quanto a carteira de trabalho. Para esse grupo, restava a

possibilidade de sobreviver em atividades comerciais precárias ou de rentabi-

lidade insuficiente, tal caminho mostrou-se tão vulnerável a uma crise eco-

nômica quanto o de seus colegas que conseguiram manter-se nos empregos.

Josélia Oantas de Castro Silva tem apenas 26 anos e afirmava que já

acreditara na tese da requalificação como alternativa para a reinclusão no

mercado de trabalho formal. "Nos dois primeiros anos de desemprego, gas-

tei tempo e dinheiro em cursos de informática e de telefonistà', conta. Ela

também conseguiu concluir a oitava série do primeiro grau. Os amigos e as

agências de emprego informavam que nessas áreas havia emprego para quem

tivesse ao menos o primeiro grau. Mas, desde que foi demitida de uma

fábrica de auto peças em

Oiadema, há cinco anos,

nunca mais se recolocou.

Josélia, depois de dois

anos parada, em 1996,

colocou os diplomas dos

cursos no fundo de umac"!~ gaveta, comprou uma

caixa grande de isopor,

c, encheu de refrigerantes e

;j~~ partiu para as ruas. Hoje,

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~

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

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sua rotina é ficar 10 horas por dia em frente a uma montadora de veícu-los para tirar ao mês algo em torno de R$ 200,00 líquidos com a vendadás bebidas.

Em meses de calor, seu ganho pode aumentar, mas não quando a prima-vera e o verão estão coincidindo com uma sucessão de férias coletivas paraempregados de quase todas as grandes empresas do ABC. Seu m~do não émais o de ser demitida, como no passado, mas de não conseguir vender osuficiente para viver, criar os filhos e repor estoques. Ou para tomar o ôni-bus de casa para o ponto-de-venda que conseguiu conquistar.

Quem chega na Volkswagen, em São Bernardo do Campo, encontrahoje funcionários tensos com a possibilidade de demissões. E encontra umaoutra categoria - a dos vendedores que dependem deles - ainda mais preo-

cupada. Esses ex-funcionários de empresas tornaram-se arrendatários debarracas de bebidas, salgados, cigarros, doces e quinquilharias importadas.Mas amargam queda grande de faturamento do passado.

O casal José de Souza, de 42 anos, ex-mecânico de manutenção da extin-ta CMTC, e Rosemeire Vasques de Araújo, de 35, ex-cobradora de ônibus,desistiu de procurar emprego desde 1996. Com a ajuda da família, os doisconseguiram arrendar o espaço e passaram a trabalhar das 5 horas à meia-noite e meia, todos os dias, revezando-se no balcão. Os certificados de qua-lificação como mecânico, feitos na Scania e na Volvo, também de nadaserviram a ele, na hora de tentar recolocar-se.

José e Rosemeire não escondem o cansaço e a frustração com os ganhos.Eles afirmam que ganham menos hoje, como microempresários, do quequando eram empregados. Têm menos tempo para o descanso. "É umagrande ilusão querer ser o patrão de si mesmo", diz José. A esposa acalentaum sonho que considera impossível: voltar a ter férias, 13° salário, Fundode Garantia e jornada de trabalho regular. "Mas não acredito que um dia a

situação melhore", conta.Ex-gráfico, Matozinho Rodrigues de Paula, de 48 anos, estava em 1998

há quatro anos como vendedor de lanches e bebidas para metalúrgicos. Elefoi demitido das últimas três empresas em que trabalhou, sempre em pro-gramas de redução de custos. Também ele não acreditava que voltaria umdia a ser empregado, a reconquistar seus direitos perdidos. Segundo disse, omedo do desempreeo foi substituído pelo medo do calote. Ele vende quase

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Diadema nasceu!:!~G!~d!:ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

tudo fiado, como toda a concorrência no local, para pagamento quinzenal."Teve mês em que recebi apenas 20% do que tinha vendido fiado", conta.As férias coletivas e licenças remuneradas são outro fator de risco - ele

nunca sabe quantos dias abrirá as portas no mês.

Políticas Públicas em Crise e a Explosão da Violência

Evidentemente essa situação passou a atingir de modo efetivo as políticaspublicas municipais. A crise de emprego e abastecimento fez emergir todosos problemas sociais de um município carente. De um lado, a demanda poratendimento escolar e de saúde cresceu, assim como os problemas de saúdepública foram acrescidos com o desemprego e a fragilidade dos trabalhado-

res atingidos pela escassez.Iniciou-se assim uma articulação entre os prefeitos de 15 municípios da

região que se reuniram a partir de janeiro de 1999, com vistas a formação

de um Consórcio de Cidades.Prefeitos dos municípios industriais paulistas, que formaram o Grupo

dos 15 (G-15), reunidos em Diadema, para discutir os efeitos da reformatributária pretendida pelo governo federal em suas finanças, temem que acobrança do imposto no ato da compra da mercadoria possa levar a umaredução radical na arrecadação dos municípios. '~formação do grupo é umimportante instrumento de pressão para que as cidades que produzem rique-zas não sejam prejudicadas", disse o prefeito de Cubatão, Nei Serra (PPB).

Atualmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços(ICMS) é recolhido em cada operação, atribuindo um peso de 76% aovalor adicionado (resultado da diferença apurada entre a entrada e a saídadas mercadorias). Com a mudança proposta pelo governo federal, o impos-to incidirá sobre o consumo. "Esse projeto é uma ameaça à autonomiamunicipal", diz Serra, que defende a distribuição tributária mais justa. "Énecessário que se crie um fundo de compensação, que equilibre as eventuais

perdas de receitas."

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Para Serra, a proposta de reformulação tributária da União "vai benefi-ciar as cidades que nada produzem, só consomem, prejudicando justa.mente as produtoras, que arcam com todo o ônus da produção"15

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Os 15 prefeitos dos municípios mais industrializados de São Paulo, auto-intitulados de G-15, reunidos em Diadema para apresentar propostas paraa discussão da reforma tributária e o ajuste fiscal pretendidos pelo governofederal, apresentaram o resultado do encontro na Carta de Diadema. Além deorganizar uma marcha a Brasília, a carta critica as pretensões do governo: '~reforma tributária proposta pelo governo ameaça causar um colapso na econo-mia das cidades do G-15", disse o prefeito anfitrião, Gilson Menezes (PSB).

A carta enumera os pontos acordados, tais como elaborar emendas queimpeçam a redução dos recursos arrecadados pelos municípios ou de restri-ção de suas competências tributárias, lutar pelo aumento das receitas muni-cipais e desestimular a criação de tributos federais.

O G-15 buscou o apoio do Congresso, sendo as principais reivindica-ções ligadas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).Para o G-15, o governo pretendia federalizar sua arrecadação e alterar asregras para sua cobrança. Atualmente, 75% de sua arrecadação ficam noEstado e o restante vai para os municípios.

Outra preocupação do G-15 é com a possibilidade de a União extinguiro Imposto sobre Serviços(ISS), incorporando-o ao Im-posto sobre o Valor Agregado(IV A). "Isso representaria ofim dos poucos tributos queficam integralmente no muni-cípio.O movimento tem a in-tenção de levar a Brasília anti-gas sugestões da AssociaçãoPaulista dos Municípios, hojepresidida pelo deputado Cel-so Giglio (PTB) de Osascoque afirmou: "O governo vemajudando todos os Estados eestá na hora de olhar para os

municípios".O endividamento dos Esta-

dos e municípios e o pacto fe-

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Diadema nasceu no Grande ASC: História Retraspectiva da Cidade Vermelha

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derativo passaram a ser o centro da pauta política para renegociação de suas

dívidas com a União. Prefeitos de São Paulo e de Minas Gerais prometeram

fazer barulho em dois encontros, chamando a atenção para a situação das

finanças municipais.Em São Paulo, o G-15, grupo das 15 cidades mais industrializadas do

Estado, realiza, em Guarulhos, nova reunião para discutir a negociação das

dívidas municipais e a reforma tributária. Em Minas Gerais, cerca de 300

prefeitos encontram-se na cidade de Betim, às 9 horas, com a mesma pauta.

As reuniões de Guarulhos e Betim definiram a Marcha à Brasília, prevista

para março. O objetivo foi a formação de um movimento nacional para pres-

sionar o governo a discutir o endividamento dos municípios. O encontro do

G-15 formado por São Paulo, Guarulhos, Osasco, Jundiaí, Sorocaba, Paulínia,

São José dos Campos, Barueri, Cubatão, Campinas, Mauá, Diadema, São

Caetano, São Bernardo do Campo e Santo André, destacou o montante de

R$ 38,3 bilhões de receita tributária. No mesmo período, o retorno do Fun-

do de Participação dos Municípios (FPM) foi de R$ 123,8 milhões.

Além desta iniciativa as sete cidades do ABC recorreram ao estatuto da

Agência de Desenvolvimento Econômico (ADE) do Grande ABC, um pro-

jeto semelhante ao que se pretende adotar em Guarulhos. A idéia ganhou o

apoio de setores mais influentes da região e do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), que decidiu doar US$ 145 mil. '~mobilização já

melhorou a imagem dessas cidades entre os moradores", diz a assessora de

Ação Regional da Prefeitura de Santo André, Nadia Somekh. O diretor-

geral da ADE é o prefeito Celso Daniel (PT).

A agência significou o primeiro acordo proveniente de um consórcio

intermunicipal que agrupa Santo André, São Bernardo do Campo, São

Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A inicia-

tiva surgiu em 1990 para combater problemas comuns, como o lixo. O

grupo pretende estabelecer propostas de desenvolvimento e de estímulo às

pequenas e médias empresas.A organização não-governamental (ONG) foi instituída com regime de

administração misto. O consórcio das sete cidades tornou-se responsável por

49% do custeio do projeto e a mesma proporção de poder de voto. O restante

foi dividido em cinco segmentos da sociedade: associações comerciais, unidades

do Ciesp, Sebrae, empresas do setor petroquímico e sindicatos.~

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Essa nova forma de articulação e de gestão permite que outras medidas

de cooperação se interponham ao programa de globalização negativa. As-

sim, em oposição ao processo desagregado r que gerou no Brasil, o empresá-

rio sem empresa, donos de contas bancárias milionárias, depois da venda

das ações dos grupos que construíam ou ajudaram a expandir, nem todos

animaram-se a retomar às antigas atividades. A mudança na composição

acionária e a desnacionalização de grandes corporações têm sido argumen-

to para críticas à política econômica do governo. Entretanto, não tem mo-

tivado reclamações por parte daqueles que são vítimas da globalização. Eles

pagam nas grandes lojas de departamento, juros sobre juros na compra de

um simples eletrodoméstico. Este fator que em 1999 aparecia como nor-

mal, coloca-se no início do ano 2001 como uma pista dos desvios econômi-

cos que as grandes fortunas provocaram na economia nacional, a partir de

mecanismos de evasão fiscal.

Quando o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, convidou

investidores estrangeiros a comprar empresas nacionais porque "estavam muito

baratas", os empresários ficaram indignados. A desvalorização das companhias

brasileiras foi uma das conseqüencias da política cambial adotada a partir de me-

ados de 1994, quando foi criado o real. Com o câmbio fortalecido, o produto

industrial perdeu competitividade e comprometeu os resultados da indústria.

A globalização da economia encarregou-se de expor as instituições finan-

ceiras à competição externa. Com uma cultura de prestação de serviços

desatualizada e sem identidade, muitos bancos mudaram de mãos. A maio-

ria foi desnacionalizada; outros sucumbiram ao programa de saneamento

do sistema financeiro, comandado pelo Banco Central. Assim, surgiram

também os banqueiros sem bancos.

Finda a comoção, muitos empresários passaram a rever os conceitos. "O

que antes eram certezas, viraram dúvidas", afirmava o presidente do Conse-

lho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (Fiesp), Boris Tabacof, ao referir-se ao impacto da presença estrangei-

ra nas atividades empresariais.

Tabacof dizia que grande parte do capital trazido com esse fim permane-

cia no País, aplicado em outras atividades produtivas. "É um caminho sem

volta", disse. "Não foi dado a nós escolher." Se o Brasil decidir isolar-se, o

capital tomará outro rumo."

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A troca de comando da Metal Leve, uma das primeiras a ter o capital

desnacionalizado, mobilizou a opinião pública. Conduzida desde os anos50 pelo empresário José Mindlin - intelectual, bibliófilo, aficcionado por

tecnologia - a Metal Leve sempre foi motivo de orgulho. Avião com moto-

res a combustão, qualquer que fosse a origem ou o local em que estivessevoando, certamente tinha hélices movidas com pistões Metal Leve - van-

gloriava-se Mindlin.

O sucesso no mercado internacional foi uma conquista sua, num perío-

do em que as exportações eram tidas como solução. Abatida pela concor-

rência externa, após anos sucessivos de prejuízo, a Metal Leve acabou nas

mãos do grupo alemão Mahle, justamente aquele que forneceu tecnologia à

empresa nos seus primeiros anos de existência.

Outras importantes empresas no processo de industrialização do País

tiveram igual destino. A Cofap, do empresário Abraham Kasinski, vendida

à italiana Magneti-Marelli, em outubro de 1997, e a Freios Varga, de Celso

Varga, em dezembro de 1997, ao Grupo Lucas Varity. Desses, apenas Celso

Varga manteve atividade industrial. Em meados do ano passado, o Grupo

Varga adquiriu 50% das ações da Kentinha Embalagens, de Diadema, e

50% da Lamesa Industrial e Comercial (cabos e condutores), de São João

da Boa Vista.A abertura do mercado nacional à concorrência estrangeira e a política de

câmbio valorizado atingiram em cheio o setor de brinquedos e a empresamais tradicional do ramo - a Estrela. Nesse caso, não houve desnacionalização.

Uma composição levou Carlos Tilkian, um ex-executivo da empresa, ao co-

mando da indústria de brinquedos, até então dirigida por Mario Adler.

Os bancos que mudaram de mãos, a operação que mais chamou atenção

foi a que envolveu a venda do Noroeste ao Banco Santander, da Espanha. As

famílias controladoras do Noroeste, Cochrane e Simonsen, viram a quantia

que deveriam receber pela venda do banco, de US$ 500 milhões, baixar para

US$ 138 milhões, por causa da descoberta de um rombo de US$ 242 mi-

lhões. Essa fortuna simplesmente sumiu da filial do banco nas Ilhas Cayman.

O impasse e o constrangimento acabaram sendo contornados pela dis-

posição dos controladores do Noroeste de abater o rombo do valor da ven.,

da da instiuição, presidida por Leo Wallace Cochrane Júnior. Um processo

administrativo foi constituído para a punição dos culpados.

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o empresário Aloysio Farias, que vendeu o controle do Banco Real aoABN Amro Bank, holandês, não deixou de ser banqueiro. O Banco Real deInvestimentos, com cinco agências, foi excluído da operação.

Tudo indicava que o Banco de Crédito Nacional, o BCN, de Pedro Con-de, seria vendido ao espanhol Bilbao Vizcaya (BBV). Mas as 33.152.989.088ações ordinárias-nominativas que dividia com a família Grisi, o equivalentea 93,9641 % do capital social, acabaram em poder do Bradesco, por US$ 1bilhão. A permanência do BCN em mãos nacionais surpreendeu e contri-buiu para a manutenção da liderança do Bradesco.

Muitas idas e vindas prenderam as atenções de clientes e representantesdo setor financeiro. O BCN era uma instituição saudável e pouca genteacreditava que Pedro Conde venderia de fato a sua instituição. Conde este-ve envolvido em diversas fusões e aquisições de instituições financeiras. In-corporou o Itamarati, de Olacyr de Moraes, para então transferir o controledo BCN ao Bradesco

Evidentemente, toda esta mobilização financeira não se fazia semcustos para a estrutura produtiva do país. A instabilidade, os custos dodinheiro, os perigos do mercado internacional e as agitações em contas depaíses da América Latina e Asia, abalava o setor produtivo e de fato coloca-va em questão a crença de que a existência de empresário sem empresa nãoimpactava o setor econômico.

A falta de postos de trabalho fez com que o governo passasse a criarfrentes de trabalho com vistas a minorar a crise social e a ampliação daviolência. O primeiro dia de inscrições de desempregados para as frentes detrabalho do governo do Estado de São Paulo atraiu cerca de 40 mil interes-sados, segundo projeção da Prodesp, com base nas inscrições realizadas on-line (por meio de computadores). Eram esperadas, até o fim de semana, nomáximo 600 mil inscrições, cálculo do público-alvo do programa feito pelaFundação Seade, com base na sua pesquisa de empregos.

Apesar do movimento, o trabalho foi tranqüilo tanto nos 13 Postos deAtendimento ao Trabalhador, que receberam total de 1.370 pessoas, quantonas 2,2 mil escolas de primeiro e segundo graus dos 39 municípios da GrandeSão Paulo, também habilitadas para fazer o cadastramento dos interessados.

A decisão do governador Mário Covas, de deixar inscrições abertas du-rante sete dias e de descentralizar o atendimento utilizando escolas. além~

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Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

dos postos de atendimento, mostrou-se eficaz. Os desempregados não tive-ram, em sua maioria, despesas com transporte porque puderam procurarqualquer escola estadual próxima as suas casas.

Desta vez, com tempo e variedade de locais de inscrições, apenas o postode Diadema recebeu número mais expressivo de interessados: 300 pessoas,ao longo de oito horas. O segundo posto mais procurado foi o da AvenidaPrestes Maia, que recebeu 82 candidatos.

A Secretaria do Emprego não registrou ocorrências importantes no perí-odo. Houve problemas em algumas escolas - como dúvidas sobre a formade cadastramento e o perfil exigido dos candidatos - mas nesses casos os

desempregados receberam senhas para retorno em outros dias.O programa de frentes de trabalho abrirá 50 mil vagas para limpeza e

conservação das cidades durante seis meses, a partir de julho. Prevê paga-mento de R$ 150 por mês, mais cesta básica, seguro-acidente e curso de

qualificação profissional.Só pode se inscrever quem está desempregado há mais de um ano. Além

disso, o programa está aberto apenas para moradores da região metropoli-tana há pelo menos dois anos e para maiores de 16 anos de idade. O gover-no estadual vai destinar R$ 120 milhões para as frentes, este ano. Maistarde, estudará formas de ampliar o projeto para cidades do interior.

Nos últimos anos, os especialistas formularam um diagnóstico definitivode que a região do Grande ABC passava por inexorável processo de deca-dência econômica. Era a Detroit brasileira - referência à região dos Estados

Unidos que concentrou um terço da produção automobilística daquele paíse, com a desconcentração industrial motivada pela internacionalização daeconomia, entrou em declínio acelerado. Maria Inês Nassif, estudando oproblema afirma:

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o ABC não é Detroit, embora amargue os efeitos sociais de umprocesso de globalização que moderniza a produção e, ao mesmotempo, desemprega. E não deseja ser. Desde 1996, os prefeitos dassete cidades da região - Santo André, São Bernardo, São Caetano,Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra - envolvem-se num trabalho de planejamento estratégico comum, inédito noPaís, para tornar a região menos vulnerável aos novos paradigmaseconômicos aue Draticamente entraram no País Delas suas Dorras.

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"Não ficamos imunes à recessão e, como ela bateu pesado na indús-tria automobilística, a região ressentiu-se muito", diz o economistaArmando Barros de Castro, secretário-executivo da Agência Regio-nal do Grande ABC, o braço operacional da Câmara Regional, ondeos prefeitos atuam. "Mas não há decadência econômica: apenasestamos vivendo um momento profundo de renovação", afirma. "Aregião sempre antecipou os grandes movimentos da economia, porcausa da concentração forte de indústrias de ponta", observa o pre-sidente de honra do PT, Luiz lnácio Lula da Silva, ex-presidente doSindicato dos Metalúrgicos do ABC.Segundo Castro, seria natural que a região vivesse, de forma mais pro-funda e antecipada, os efeitos perversos da abertura econômica e daglobalização do País - mais perversos ainda se somados aos períodos de

recessão, interrompidos pelo interregno de prosperidade do Plano Real.Afinal, segundo lembra o diretor de Produção de Dados da FundaçãoSistema &tadual de Análise de Dados (Seade), Luiz Henrique ProençaSoares, o ABC ainda tem uma das maiores concentrações industriais doPaís, abaixo apenas do município de São Paulo.Dados da Secretaria da Fazenda indicam que a região mantém prati-camente estável sua participação no valor adicionado (VA) total do&tado de São Paulo. Em 1980, a participação no VA era de 13,94%do total do &tado; em 1995, de 12,69%. Desse total, 84,49% esta-vam concentrados na indústria em 1980; hoje são 71,51% - o que

indica que, mesmo com o processo de desconcentração industrial queocorre desde os anos 70, em especial com a indústria automobilística,a região não se desindustrializou. O valor adicionado da indústria emrelação ao total do &tado era de 26,02% em 1980 e pulou para30,43% em 1995.16

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Desse processo de crítica e reformulação do processo produtivo e dearticulação dos processos de gestão municipal, as políticas públicas passama ser modificadas e os poderes inter-regionais se desenvolvem, não mais pormecanismos de controles federalizados, mas por interesses sociais que pres-sionam os governos municipais para novos rumos da gestão da coisa públi-ca. O artigo de Perla Draghichevich aponta a gênese desse processo e oscaminhos organizacionais definidos na região.

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As políticas culturais e a crise econômica

Para o prefeito de Diadema, Gilson Meneses (PSB), também um ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, este é outro mitoque deve ser derrubado. Além das vantagens estratégicas da região - como

estar próxima ao principal porto do País, o de Santos, estar perto da capitale dispor de vasta mão-de-obra qualificada - Meneses soma outra, a "cultura

industrial". A região iniciou seu processo de industrialização no início doséculo - e essa cultura fez dela o local escolhido para abrigar as montadoras,

nos anos 50.

"As vezes as empresas saem daqui porque ganham áreas e incentivosfiscais no interior, mas lá não há compromisso do trabalhador, osvalores são outros", diz Meneses, ele próprio neto de operários itali-anos e espanhóis que se instalaram na região do ABC e filho de

operário.l?

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Maria do Carmo observa que a cúpula sindical do ABC se modernizourapidamente, embora os empresários ainda coloquem a questão do

sindicalismo como um limitador de investimentos. Mas, contraditoriamente,se não fosse a força desse movimento, dificilmente a região seria tão forteeconomicamente como é hoje e tão atrativa para o setor terciário que che-ga. "Se o ABC conquistou o poder aquisitivo que tem hoje é porque ossindicatos lutaram muito". Esse poder fez com que o trabalhador articulas-se cultura e política. Essa articulação é presente em muitas formas associativasque nasceram com as lutas pelo direito à memória, onde vários grupos de-mandaram ao poder público apoio e política de defesa de grupos religiosos,musicais, festas públicas, escolas, creches, urbanização de favelas e mesmocom todas as dificuldades elegeram a questão ambiental como centro deum ação coordenada nas várias regiões da cidade. Faz parte da nova dimen-são da cultura os esforços empreendidos pela comunidade para resolver osproblemas sociais existentes. Nabil Bonduki analisa os trabalhos sobre pro-dução habitacional, o caso dos mutirões de São Paulo e do programa deurbanização em Oiadema, na Grande São Paulo. Um trabalho desenvolvi-do em Santo André, sobre a gestão do transporte público, está atualmenteabandonado. Muitos destes projetos foram mostrados pelo Estado nos últi-mos anos nos fóruns internacionais.

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Bonduki acredita que o trabalho deve ser divulgado para a populaçãopois poderá ajudar a disseminar as boas práticas entre os governantes brasi-leiros. A idéia de mostrar bons exemplos para a melhoria das cidades. Osempreendimentos das cooperativas habitacionais estão localizados princi-palmente em áreas da Região Metropolitana. O diretor da Embraesp, LuísAntônio Pompéia, explica que para a construção ser viável do ponto devista financeiro, o sistema precisa de grandes terrenos e a preços baixos."Isso é difícil encontrar em áreas mais centrais de São Paulo."

Um exemplo é a Procasa, uma cooperativa assessorada pelo InocoopBandeirantes que abriu inscrição para 18 empreendimentos na RegiãoMetropolitana nos últimos três anos.

No ano passado foram 10, situados em Guarulhos, Santo André, Osasco,São Bernardo do Campo e Diadema. As exceções foram as inscrições aber-tas nos bairros Pirituba, Tatuapé e Limão.

A consciência desse problema deve-se a um longo processo de lutas em-preendido pela populacão da cidade e que envolveu, além de coragem eresistência, também o enfrentamento da violência policial os desmandos do

poder público.Em dezembro de 1990, o cumprimento pela PM de uma ordem de rein-

tegração de posse na chamada Vila Socialista, um terreno de 28 mil metrosquadrados na periferia de Diadema, transformou-se numa operação de guer-ra. Recebidos pelos invasores a pedradas e coquetéis molotov, os policiaisresponderam à bala. A batalha durou cerca de uma hora: 2 pessoas morre-ram e 55 ficaram feridas.

A construção de algumas casas de alvenaria transformou o cenário de umdos mais violentos confrontos entre policiais e sem-teto. Na área de 240 milmetros quadrados, no km 21 da Rodovia dos Imigrantes, em Diadema, nãohá mais nada que lembre o sofrimento dos feridos. Nem a morte de doishomens. Quase sete anos se passaram. Hoje, no Dia Nacional da Ocupa-ção, os invasores da Vila Socialista têm o que comemorar. Ap6s muita luta,vivem em apartamentos de 49 metros quadrados da Companhia de Desen-volvimento Habitacional Urbano (CDHU).

Na época, Benício foi com a mulher Maria de Lurdes, grávida de doismeses, para um alojamento. Permaneceu lá por mais de três anos. Depois,conseguiu um apartamento da CDHU, na Vila Conceição, onde mora há

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três anos. Cerca de 80% dos 544 apartamentos dali são ocupados por ex.invasores da Vila Socialista.

Ele não pôde mais trabalhar como pedreiro. Está desempregado desdeo conflito e vive com ajuda de amigos e parentes..A vida de João Coelho de Macedo, de 37 anos, também mudoudepois do conflito na Vila Socialista. Como a maioria dos invasores,trocou o aluguel e a ameaça de despejo pelo sonho da casa própria.Construiu uma casa de alvenaria no terreno de propriedade parti-cular. De tudo que conquistou na época, só ficou com a marca debala no pé direito durante confronto com a PM. "Não conseguilevar nada e tive de começar do zero."

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o trabalho de fotógrafo ficou comprometido, já que Macedo andavacom dificuldade. "Virei motorista porque não precisava fazer tanta forçacom o pé." Ele foi pedir ajuda para assistência social da Prefeitura deDiadema. "Não consegui nada." Diante de tantos problemas, o casamentode Macedo acabou.

Por pouco não ficou sem o apartamento, já que estava desquitado e oprograma só atende famílias. "Fiquei desesperado", conta. "Pensava: quasemorri e não terei nada?" Hoje, Macedo acha que a luta valeu a pena. "Sofrimuito, mas valeu", diz.

Apesar das mortes e de tanto sofrimento, os invasores comemoram todoano no dia da reintegração de posse. "Este ano vamos encenar uma peçasobre a nossa histórià', diz a primeira-secretária da Associação dos Morado-res da Vila Socialista, Dolores Helena de Araújo, de 40 anos. "A palavra écomemoração mesmo", afirma. "Somos vencedores."

Helena, como o líder da invasão, o ex-vereador Manoel Boni, continu-am a favor das ocupações de terra. "É uma necessidade histórica continuarlutando", diz. Boni perdeu a mão direita e o tímpano direito no confronto.Ficou preso por quatro meses por incitação à violência e desacato à autori-dade. Trabalhou em horta e banca de jornal. Hoje, atua no sindicato oficialde ensino do Estado (Apeoesp) e continua assentando famílias pelo Movi-mento Independente pela Terra. "Esses confrontos são manifestações ins-tintivas e acontecem por causa da falta de habitação", diz. "Nesse ponto devista, a Fazenda da Juta e a Vila Socialista são iguais."

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

Trinta e dois processos foram abertos contra o Estado. Todos pedemindenizações por danos materiais. "Botaram fogo no local e ficamos semnadà', conta Helena. '~gora, o juiz quer nota fiscal das coisas que tínhamosnos barracos", diz. "É brincadeira... como vamos conseguir isso, se na épo-ca, só saímos com a roupa do corpo?"

Os problemas de moradia, entretanto, não desapareceram: há um amplomovimento de sem-teto atuando como pode-se ler nas notícias abaixo,publicadas no jornal O Estado de São Paulo, em 23 de fevereiro de 1999.

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o cumprimento do mandado de reintegração de posse de um terrenono Jardim Arco-fris, em Diadema, ontem de manhã, resultou emconfronto entre invasores e a Tropa de Choque da Polícia Militar.Inconformados com a ação da PM, os ocupantes da área bloquearamas duas pistas da Rodovia dos Imigrantes, ao lado do terreno. A estra-da ficou fechada das 11h40 às 14h10, na altura do km 19, causandoquase 5 quilômetros de congestionamentos em cada um dos sentidos.Os policiais, recebidos a pedradas pelos invasores, revidaram combombas de gás lacrimogêneo. Segundo colegas, dois moradores teri-am sofrido ferimentos no confronto. O PM Cristian de Jesus, de 23anos, recebeu uma pedrada no braço e também ficou ferido.O estudante André Almeida Santana, de 18 anos, o ajudante de pro-dução Gilmar Sanches Oliveira, de 25, e o comerciante FranciscoCarneiro Nobre, de 28, foram presos em flagrante. Os três foramacusados de incitação ao crime e lesão corporal dolosa (intencional).Um garoto de 14 anos foi detido, acusado de ter atirado uma pedrano helicóptero Aguia da PM, do alto da passarela que passa sobre a

Imigrantes.Segundo a PM, um motorista que passava pela rodovia teria ficadoferido por uma pedrada. A informação não foi confirmada pela Po-lícia Rodoviária Estadual. 18

As lutas exigiram também um aumento da pressão por escolaridade, umavez que as reuniões e discussões estimulavam os moradores a novas deman-das culturais. Joel Fonseca, o coordenador do Movimento de Alfabetizaçãode Jovens e Adultos do Grande ABC (Mova) - nome dado à iniciativa da

Câmara Regional do Grande ABC, que reúne as sete prefeituras da região."Temos divergências políticas, mas todos querem combater o analfabetis-mo", afirma o prefeito de Mauá, Oswaldo Dias (PT).

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o superintendente do Banco do Brasil em São Bernardo do Campo,Marcos Rampazo, também disse que vai apoiar a iniciativa, com a doaçãode canetas, papel e lápis - a primeira remessa, segundo ele, deve ser distri-

buída em 15 dias. Além disso, já se voluntariou para ser um monitor ou

educador popular, nome dado aos alfabetizadores.

"Sou o primeiro da filà', disse, garantindo que os cerca de 600 fun-cionários do banco nas 20 agências da região serão candidatos po-tenciais a monitores. "Nossos gerentes também vão fazer contatoscom os clientes em busca de salas."

As aulas são ministradas nos mais diversos locais, incluindo bares, igrejas,

clubes, creches, sacolões e até na Cadeia Pública de Diadema, onde 51 detentos

freqüentam as sessões, que têm outros detentos com educadores. Segundo

Fonseca, cerca de 260 mil pessoas na região são analfabetas funcionais (sabem

apenas assinar o nome) ou têm baixa escolaridade. "Para atender às exigências

do mercado de trabalho, é preciso ler e escrever bem", observa ele.

Hoje 5.316 adultos assistem às aulas em 291 salas, ou núcleos, como sãochamadas. Das sete cidades da região - Santo André, São Bernardo do

Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande

da Serra -, apenas São Caetano do Sul não está integrada ao programa. Oobjetivo para este ano é triplicar o número de alunos, atingindo 15 mil

pessoas em 750 salas.

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Para ser educador do Mova, é preciso ter concluído pelo menos a 8asérie. Cada monitor recebe uma bolsa-auxílio, que varia de R$ 100,00a R$ 200,00, pagos pelas prefeituras, que ficam responsáveis tam-bém pela preparação dos candidatos. O curso dura um semestre.19

Criado em 1995, em Diadema, o Mova é um projeto ambicioso: reúneas prefeituras de seis cidades, empresas, sindicatos e associações de morado-res com o objetivo de erradicar o analfabetismo na região. As aulas sãoministradas em igrejas, bares, clubes e até na Cadeia Pública de Diadema.

Além dele, há movimentos de danças, de músicas, de artes plásticasque serão tratados neste livro por Maurício Cardoso.

Mosaico de povos e de lutas sociais a cidade de Diadema é hoje compos-ta por perspectivas de muitos tempos históricos. Distante dos interesses dosautonomistas aue oroduziram um movimento para sua separação de Santo

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

André, a cidade conta com a força dos movimentos sociais exigindo semprenovas formas de articulação entre a autonomia da cultura local e as moder-nas políticas sociais de inclusão.

Estes problemas do presente nos obrigam a buscar os nexos e as suasorigens no passado para que através da relação presente/passado/presente,possamos caminhar na construção de um devir que supere os impasses atu-ais. O conhecimento desta hist6ria nos leva necessariamente a um novomodo de viver e transformar o cotidiano.

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Notas1 Elza Gomes Braga, depoimento colhido por Mary Ferreira Lopes em 30-

03-1995 Sala da SECEL - Diadema.2 Alaídes dos Santos Gimenes, depoimento para Maria de Lourdes Ferreira,

01-04-1997- Centro de Memória de Diadema.3 Folha de São Paulo, 21-06-1996. Matéria de Liliana Pinheiro

4 Folha de São Paulo -16-08-1996.

5 Idem, ibidem -16-09-1996.

6 Idem, idem, ibidem.

7 Idem, ibidem 23-09-1996.

8 Idem, idem, ibidem.

9 Folha de São Paulo 23-09-97.

10 O Estado de São Paulo. 23-04-1997.

11 Idem, idem,ibidem.

12 O Estado de São Paulo. 25-07-1997.

13 O Estado de São Paulo. 12-02-1998.

14 Folha de São Paulo, 13-02-1998.

15 Folha de São Paulo, 20 de janeiro de 1999.

16 Folha de São Paulo, 26-09-1999.

17 Agencia Estado 10-11-1999.

18 Idem, ibidem.

19 Idem, idem, ibidem.