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A CHAVE DOS GRANDES

MISTRIOS

por

Eliphas Levi

A Chave dos Grandes Mistrios

De acordo com Henoch, Abrao,

Hermes Trismegisto e Salomo

Eliphas Levi

Chave absoluta das cincias ocultas dada por

Guilherme de Postel e completado por Eliphas Levi.

A religio diz: Acreditai e compreendereis. A cincia vem vos dizer: Compreendei e acreditareis. "Ento, toda a cincia mudar de fisionomia; o esprito, por muito tempo destronado e esquecido, retomar seu lugar; ser demonstrado que as tradies antigas so inteiramente verdadeiras; que o paganismo no passa de um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que basta limp-las, por assim dizer, e recoloc-las em seu lugar, para v-las brilhar com todo o esplendor. Em uma palavra, todas as idias mudaro; e, uma vez que, de todos os lados, uma multido de eleitos clama em concerto: "Vinde, Senhor, vinde!", por que reprovareis os homens que se lanam nesse futuro majestoso e se glorificam de adivinh-lo?"

Joseph de Maistre,

Soires de Saint-Ptersbourg

PREFCIO

Os espritos humanos tm a vertigem do mistrio. O mistrio o abismo que atrai, sem cessar, nossa curiosidade inquieta por suas formidveis profundezas.

O maior mistrio do infinito a existncia de Aquele para quem e somente para Ele - tudo sem mistrio.

Compreendendo o infinito, que essencialmente incompreensvel, ele prprio o mistrio infinito e externamente insondvel, ou seja, ele , ao que tudo indica, esse absurdo por excelncia, em que acreditava Tertuliano.

Necessariamente absurdo, uma vez que a razo deve renunciar para sempre a atingi-lo; necessariamente crvel, uma vez que a cincia e a razo, longe de demonstrar que ele no , so fatalmente levadas a deixar acreditar que ele , e elas prprias a ador-lo de olhos fechados.

que esse absurdo a fonte infinita da razo, a luz brota eternamente das trevas eternas, a cincia, essa Babel do esprito, pode torcer e sobrepor suas espirais subindo sempre; ela poder fazer oscilar a Terra, nunca tocar o cu.

Deus o que aprenderemos eternamente a conhecer. , por conseguinte, o que nunca saberemos.

O domnio do mistrio um campo aberto s conquistas da inteligncia. Pode-se andar nele com audcia, nunca se reduzir sua extenso, mudar-se- somente de horizontes. Todo saber o sonho do impossvel, mas ai de quem no ousa aprender tudo e no sabe que, para saber alguma coisa, preciso resignar-se-a estudar sempre!

Dizem que para bem aprender preciso esquecer vrias vezes. O mundo seguiu esse mtodo. Tudo o que se questiona em nossos dias havia sido resolvido pelos antigos; anteriores a nossos anais, suas solues escritas em hierglifos no tinham mais sentido para ns; um homem reencontrou sua chave, abriu as necrpoles da cincia antiga e deu a seu sculo todo um mundo de teoremas esquecidos, de snteses simples e sublimes como a natureza, irradiando sempre unidade e multiplicando-se como nmeros, com propores to exatas quanto o conhecimento demonstra e revela o desconhecido. Compreender essa cincia ver Deus. O autor deste livro, ao terminar sua obra, acreditar t-lo demonstrado.

Depois, quando tiverdes visto Deus, o hierofante vos dir: Virai-vos e, na sombra que projetais na presena desse sol das inteligncias, ele far aparecer o Diabo, o fantasma negro que vedes quando no olhais para Deus e quando acreditais ter preenchido o cu com vossa sombra, porque os vapores da terra parecem t-la feito crescer ao subir.

Pr de acordo, na ordem religiosa, a cincia com a revelao e a razo com a f, demonstrar em filosofia os princpios absolutos que conciliam todas as antinomias, revelar enfim o equilbrio universal das foras naturais, tal a tripla finalidade desta obra, que ser, por conseguinte, dividida em trs partes.

Mostraremos a verdadeira religio com caracteres tais que ningum, crente ou no, poder desconhec-la, ser o absoluto em matria de religio. Estabeleceremos, em filosofia, os caracteres imutveis dessa verdade, que , em cincia, realidade, em julgamento, razo e, em moral, justia. Enfim, faremos conhecer estas leis da natureza cujo equilbrio o sustento e mostraremos o quanto so vs as fantasias de nossa imaginao diante das realidades fecundas do movimento e da vida. Convidaremos tambm os grandes poetas do futuro para refazerem a divina comdia, no mais de acordo com os sonhos do homem, mas segundo as matemticas de Deus.

Mistrio dos outros mundos, foras ocultas, revelaes estranhas, doenas misteriosas, faculdades excepcionais, espritos, aparies, paradoxos mgicos, arcanos hermticos, diremos tudo e explicaremos tudo. Quem pois nos deu esse poder? No tememos revel-lo a nossos leitores.

Existe um alfabeto oculto e sagrado que os hebreus atribuem a Henoch, os egpcios a Tot ou a Mercrio Trismegisto, os gregos a Cadmo e a Palamdio. Esse alfabeto, conhecido pelos pitagricos, compe-se de idias absolutas ligadas a signos e a nmeros e realiza, por suas combinaes, as matemticas do pensamento. Salomo havia representado esse alfabeto por setenta e dois nomes escritos em trinta e seis talisms e o que os iniciados do Oriente denominam ainda de as pequenas chaves ou clavculas de Salomo. Essas chaves so descritas e seu uso explicado num livro cujo dogma tradicional remonta ao patriarca Abrao, o Sepher Ytsirah, e, com a inteligncia do Sepher Ytsirah, penetra-se o sentido oculto do Zohar, o grande livro dogmtico da Cabala dos hebreus. As clavculas de Salomo, esquecidas com o tempo e que se dizia estarem perdidas, ns as encontramos, e abrimos sem dificuldade todas as portas dos antigos santurios, onde a verdade absoluta parecia dormir, sempre jovem e sempre bela, como aquela princesa de um conto infantil que espera durante um sculo de sono o esposo que deve despert-la.

Depois de nosso livro, ainda haver mistrios, mas mais alto e mais longe nas profundezas infinitas. Esta publicao uma luz ou uma loucura, uma mistificao ou um monumento. Lede, refleti e julgai.

Primeira Parte

Mistrios Religiosos

Problemas a resolver

I. Demonstrar de uma maneira certa e absoluta a existncia de um Deus e dela dar uma idia satisfatria para todos os espritos.

II. Estabelecer a existncia de uma verdadeira religio de maneira a torn-la incontestvel.

III. Indicar o alcance e a razo de ser de todos os mistrios da religio nica, verdadeira e universal.

IV. Transformar as objees da filosofia em argumentos favorveis verdadeira religio.

V. Traar o limite entre a religio e a superstio e dar a razo dos milagres e dos prodgios.

Consideraes preliminares

Quando o conde Joseph de Maistre, este grande lgico apaixonado, disse com desespero: O mundo est sem religio, assemelhou-se queles que dizem temerariamente: Deus no existe.

O mundo, com efeito, est sem a religio do conde Joseph de Maistre, assim como provvel que Deus, tal qual o concebe a maioria dos ateus, no exista.

A religio uma idia apoiada num fato constante e universal; a humanidade religiosa: a palavra religio tem, portanto, um sentido necessrio e absoluto. A prpria natureza consagra a idia que representa essa palavra e a eleva altura de um princpio.

A necessidade de crer liga-se estreitamente necessidade de amar: por isso que as almas tm necessidade de comungar com as mesmas esperanas e com o mesmo amor. As crenas isoladas no passam de dvidas: o lao da confiana mtua que faz a religio ao criar a f.

A f no se inventa, no se impe, no se estabelece por convico poltica; manifesta-se, como a vida, com uma espcie de fatalidade. O mesmo poder que dirige os fenmenos da natureza estende e limita, alm de todas as previses humanas, o domnio sobrenatural da f. No se imaginam as revelaes, elas se impem, e nelas se cr. Por mais que o esprito proteste contra as obscuridades do dogma, est subjugado pela atrao dessas mesmas obscuridades, e freqentemente o mais indcil dos pensadores coraria em aceitar o ttulo de homem sem religio.

A religio ocupa um espao bem maior entre as realidades da vida do que pretendem crer aqueles que dispensam a religio ou que tm a pretenso de dispens-la. Tudo o que eleva o homem acima do animal, o amor moral, a abnegao, a honra so sentimentos essencialmente religiosos. O culto da ptria e do lar, a religio do juramento e das lembranas so coisas que a humanidade jamais abjurar sem se degradar completamente, e que no saberiam existir sem a crena em alguma coisa maior do que a vida mortal, com todas as suas vissicitudes, suas ignorncias e suas misrias.

Se a perda eterna no nada tivesse de ser o resultado de todas as nossas aspiraes s coisas sublimes que sentimos serem eternas, a fruio do presente, o esquecimento do passado e a displicncia para com o futuro seriam nossos nicos deveres, e seria rigorosamente verdadeiro dizer, com um sofista clebre, que o homem que pensa um animal degradado.

Por isso, de todas as paixes humanas, a paixo religiosa a mais poderosa e a mais vivaz. Produz-se seja pela afirmao seja pela negao, com igual fanatismo, uns afirmando com obstinao o deus que fizeram sua imagem, outros negando Deus com temeridade, como se tivessem podido compreender e devastar por um nico pensamento todo o infinito que est ligado a seu grande nome.

Os filsofos no refletiram suficientemente sobre o fato fisiolgico da religio na humanidade: a religio, com efeito, existe alm de toda discusso dogmtica. uma faculdade da alma humana, da mesma forma que a inteligncia e o amor. Enquanto houver homens, a religio existir. Considerada assim, ela no outra coisa que a necessidade de um idealismo infinito, necessidade que justifica todas as aspiraes ao progresso, que inspira todas as abnegaes, que sozinha impede a virtude e a honra de serem unicamente palavras que servem para iludir a vaidade dos fracos e dos tolos em proveito dos fortes e dos hbeis.

a essa necessidade inata de crena que se poderia dar o nome de religio natural, e tudo o que tende a diminuir e limitar o impulso dessa crena est, na ordem religiosa, em oposio natureza. A essncia do objeto religioso o mistrio, uma vez que a f comea no desconhecido e abandona todo o resto s investigaes da cincia. A dvida , alis, mortal f; ela sente que a interveno do ser divino necessria para cobrir o abismo que separa o finito do infinito e afirma essa interveno com todo o mpeto de seu corao, com toda a docilidade de sua inteligncia. Fora desse ato de f, a necessidade religiosa no encontra satisfao e transmuta-se em ceticismo e em desespero. Mas, para que o ato de f no seja um ato de loucura, a razo quer que ele seja dirigido e regulado. Pelo qu? Pela cincia? Vimos que nesse caso a cincia impotente. Pela autoridade civil? absurdo. Colocai guardas para vigiar as oraes!

Resta, pois, a autoridade moral, nica que pode constituir o dogma e estabelecer a disciplina do culto de comum acordo, dessa vez, com a autoridade civil, mas no conforme s suas ordens; preciso, em uma palavra, que a f d necessidade religiosa uma satisfao real, inteira, permanente, indubitvel. Para tanto, preciso a afirmao absoluta, invarivel, de um dogma conservado por uma hierarquia autorizada. preciso um culto eficaz que d, com uma f absoluta, uma realizao substancial aos signos da crena.

A religio, assim compreendida, sendo a nica que satisfaz a necessidade natural de religio, deve ser chamada de a nica verdadeiramente natural. E chegamos por ns mesmos a esta dupla definio: a verdadeira religio natural a religio revelada, a religio hierrquica e tradicional, que se afirma absolutamente acima das discusses humanas pela comunho da f, da esperana e da caridade.

Ao representar a autoridade moral e ao realiz-la pela eficcia de seu ministrio, o sacerdote santo e infalvel, enquanto a humanidade est sujeita ao vcio e ao erro. O padre, ao agir como padre, sempre o representante de Deus. Pouco importam as faltas ou mesmo os crimes do homem. Quando Alexandre VI fazia uma ordenao, no era o envenenador que impunha as mos aos bispos, era o papa. Ora, o papa Alexandre VI nunca corrompeu nem falsificou os dogmas que o condenavam, os sacramentos que, em suas mos, salvavam os outros e no o justificavam. Houve sempre e em todos os lugares homens mentirosos e criminosos; mas, na Igreja hierrquica e divinamente autorizada, nunca houve e nunca haver nem maus papas nem maus padres. Mau e padre so palavras que no se ajustam.

Falamos de Alexandre VI e acreditamos que esse nome baste, sem que nos oponham outras lembranas justamente execradas. Grandes criminosos puderam duplamente desonrar-se, por causa do carter sagrado de que estavam revestidos; mas no lhes foi dado desonrar esse carter, que continua sempre radiante e esplndido acima da humanidade que cai.

Dissemos que no h religio sem mistrios; acrescentemos que no h mistrios sem smbolos. Sendo o smbolo a frmula ou a expresso do mistrio, ele s exprime sua profundidade desconhecida por imagens paradoxais emprestadas do conhecido. Devendo caracterizar o que est acima da razo cientfica, a forma simblica deve necessariamente encontrar-se fora dessa razo: da, a palavra clebre e perfeitamente justa de um Pai da Igreja: Creio, porque absurdo, credo quia absurdum.

Se a cincia afirmasse o que no sabe, destruiria a si prpria. A cincia no pode, portanto, realizar a obra da f, tanto quanto a f no pode decidir em matria de cincia. Uma afirmao de f com que a cincia tenha a temeridade de ocupar-se ser apenas um absurdo para ela, da mesma forma que uma afirmao de cincia que nos fosse dada como artigo de f seria um absurdo na ordem religiosa. Crer e saber so dois termos que nunca se podem confundir.

Tampouco poderiam opor-se um ao outro num antagonismo qualquer. impossvel, com efeito, crer no contrrio do que se sabe sem deixar, por isso mesmo, de o saber, e igualmente impossvel chegar a saber o contrrio do que se cr sem deixar imediatamente de crer.

Negar ou mesmo contestar as decises da f, e isso em nome da cincia, provar que no se compreende nem a cincia nem a f: com efeito, o mistrio de um Deus em trs pessoas no um problema de matemtica; a encarnao do Verbo no um fenmeno que pertena medicina; a redeno escapa crtica dos historiadores. A cincia absolutamente impotente para decidir se se tem ou no razo de se acreditar ou no no dogma; ela pode constatar somente os resultados da crena e, se a f torna evidentemente os homens melhores, se, alis, a f em si mesma, considerada como um fato fisiolgico, evidentemente uma necessidade e uma fora, ser preciso que a cincia o admita e tome o sbio partido de contar sempre com a f.

Ousemos afirmar agora que existe um fato imenso, igualmente aprecivel pela f e pela cincia, um fato que torna Deus visvel de algum modo sobre a terra, um fato incontestvel e de alcance universal; esse fato a manifestao, no mundo, a partir da poca em que comea a revelao crist, de um esprito desconhecido pelos antigos, de um esprito evidentemente divino, mais positivo que a cincia em suas obras, mais magnificamente ideal em suas aspiraes que a mais elevada poesia, um esprito para o qual era preciso criar um nome novo, completamente inaudito nos santurios da Antigidade. Assim, esse nome foi criado, e demonstraremos que esse nome, que essa palavra , em religio, tanto para a cincia quanto para a f, a expresso do absoluto; a palavra caridade e o esprito de que falamos chama-se o esprito de caridade.

Diante da caridade, a f prosterna-se e a cincia, vencida, inclina-se. H evidentemente aqui alguma coisa maior do que a humanidade; a caridade prova por suas obras que no um sonho. mais forte do que todas as paixes; triunfa sobre o sofrimento e a morte; faz que Deus seja compreendido por todos os coraes e parece j preencher a eternidade pela realizao iniciada de suas legtimas esperanas.

Diante da caridade viva e atuante, que Proudhon ousar blasfemar? Que Voltaire ousar rir?

Empilhai, um sobre os outros, os sofismas de Diderot, os argumentos crticos de Strauss, as Runas de Volney - to bem nomeadas, pois esse homem no poderia fazer seno runas -, as blasfmias dessa revoluo cuja voz extingue-se uma vez no sangue e outra no silncio do desprezo; acrescentei a isso o que o futuro pode nos reservar de monstruosidades e devaneios; depois, que venha a mais humilde e a mais simples de todas as irms da caridade, o mundo abandonar todas as suas tolices, todos os seus crimes, todos os seus devaneios doentios, para inclinar-se diante dessa realidade sublime.

Caridade! palavra divina, palavra que, por si, leva compreenso de Deus, palavra que contm uma revelao inteira! Esprito de caridade, aliana de duas palavras que so toda uma soluo e todo um futuro! Que pergunta, com efeito, essas duas palavras no podem responder?

O que Deus para ns seno o esprito de caridade? o que a ortodoxia? no o esprito de caridade que no discute sobre a f a fim de no alterar a confiana dos pequenos e de no perturbar a paz da comunho universal? Ora, o que a Igreja universal seno a comunho em esprito de caridade? pelo esprito de caridade que a Igreja infalvel. O esprito de caridade a virtude divina do sacerdcio.

Dever dos homens, garantia de seus direitos, prova de sua imortalidade, eternidade de felicidade iniciada para eles na terra, objetivo glorioso dado a sua existncia, fim e meio de seus esforos, perfeio de sua moral individual, civil e religiosa, o esprito de caridade abrange tudo, aplica-se a tudo, tudo pode esperar, tudo empreender e tudo cumprir.

Era pelo esprito de caridade que Jesus, expirando na cruz, dava a sua me um filho na pessoa de So Joo e, triunfando sobre as angstias do mais horrvel suplcio, soltava um grito de libertao e de salvao ao dizer: "Pai, nas tuas mos entrego meu esprito."

Foi pelo esprito de caridade que doze artesos da Galilia conquistaram o mundo; amaram a verdade mais do que suas vidas; e foram sozinhos diz-la aos povos e aos reis; provados pela tortura, foram considerados fiis. Mostraram s multides a imortalidade viva em sua morte e regaram a terra com um sangue cujo calor no podia extinguir-se, pois neles ardia a chama da caridade.

Foi pela caridade que os apstolos constituram seus smbolos. Disseram que acreditar juntos melhor do que duvidar separadamente; constituram a hierarquia sobre a obedincia, tornada to nobre e to grande pelo esprito de caridade, que servir assim reinar; formularam a f de todos e a esperana de todos e puseram esse smbolo sob a guarda da caridade de todos. Ai do egosta que se apropria de uma s palavra dessa herana do Verbo, pois um deicida que quer desmembrar o corpo do Senhor.

O smbolo a arca sagrada da caridade, quem quer que o toque atingido pela morte eterna, pois a caridade retira-se dele. a herana sagrada de nossos filhos, o preo do sangue de nossos pais.

Era pela caridade que os mrtires se consolavam nas prises dos csares e atraam para sua crena seus guardas e mesmo seus carrascos.

Era em nome da caridade que So Martinho de Tours protestava contra o suplcio dos priscilianos e separava-se da comunho do tirano que queria impor a f pela espada.

Foi pela caridade que tantos santos consolaram o mundo dos crimes cometidos em nome da prpria religio e dos escndalos do santurio profanado.

Foi pela caridade que So Vicente de Paulo e Fenelon impuseram-se admirao dos sculos, mesmo aos mais mpios, e fizeram calar de antemo o riso dos filhos de Voltaire diante da seriedade imponente de suas virtudes.

Foi pela caridade, enfim, que a loucura da cruz tornou-se a sabedoria das naes, porque todos os nobres coraes compreenderam que mais elevado acreditar ao lado dos que amam e devotam-se do que duvidar ao lado dos egostas e dos escravos do prazer!

ARTIGO I

Soluo do primeiro problema

O VERDADEIRO DEUS

Deus s pode ser definido pela f; a cincia no pode negar nem afirmar que ele existe.

Deus o objeto absoluto da f humana. No infinito, a inteligncia suprema e criadora da ordem. No mundo, o esprito de caridade.

Ser o Ser universal uma mquina fatal que tritura eternamente as inteligncias ocasionais ou uma inteligncia providencial que dirige as foras para a melhoria dos espritos?

A primeira hiptese repugna razo, desesperadora e imoral.

Cincia e razo devem, portanto, inclinar-se diante da segunda.

Sim, Proudhon, Deus uma hiptese, mas uma hiptese to necessria que, sem ela, todos os teoremas tornam-se absurdos ou duvidosos.

Para os iniciados da cabala, Deus a unidade absoluta que cria e anima os nmeros.

A unidade da inteligncia humana demonstra a unidade de Deus.

A chave dos nmeros a dos smbolos, porque os sintomas so as figuras analgicas da harmonia que vem dos nmeros.

As matemticas no saberiam demonstrar a fatalidade cega, uma vez que so a expresso da exatido que o carter da mais suprema razo.

A unidade demonstra a analogia dos contrrios; o princpio, o equilbrio e o fim dos nmeros. O ato de f parte da unidade e retorna unidade.

Vamos esboar uma explicao da Bblia pelos nmeros, porque a Bblia o livro das imagens de Deus.

Perguntaremos aos nmeros a razo dos dogmas da religio eterna, e os nmeros respondero sempre, reunindo-se na sntese da unidade.

As poucas pginas que se seguem so simples apanhados das hipteses cabalsticas; so externas f e as indicamos somente como pesquisas curiosas. No nos cabe inovar em matria de dogma, e nossas asseres como iniciado esto inteiramente subordinadas nossa submisso como cristo.

Esboo da teologia proftica dos nmeros

I. A UNIDADE

A unidade o princpio e a sntese dos nmeros, a idia de Deus e do homem, a aliana da razo e da f.

A f no pode ser oposta razo, exigida pelo amor, idntica esperana. Amar acreditar e esperar, e esse triplo mpeto da alma chamado virtude, porque preciso coragem para realiz-lo. Mas haveria coragem nisso se a dvida no fosse possvel? Ora, poder duvidar duvidar. A dvida a fora equilibrante da f e tem todo o seu mrito.

A prpria natureza nos induz a crer, mas as frmulas de f so constataes sociais das tendncias da f numa poca dada. o que d a infalibilidade Igreja, infalibilidade de evidncia e de fato.

Deus necessariamente o mais desconhecido de todos os seres, uma vez que s definido em sentido inverso de nossas experincias, tudo o que no somos, o infinito oposto ao finito por hiptese contraditria.

A f e, por conseguinte, a esperana e o amor so to livres que o homem, longe de imp-los aos outros, no os impe a si mesmo.

So graas, diz a religio. Ora, ser concebvel que se exija a graa, isto , que se queira forar os homens ao que vem livre e gratuitamente do cu? preciso desejar-lhes isso.

Raciocinar sobre a f disparatar, uma vez que o objeto da f externo razo. Se me perguntam: "Existe um Deus?", eu respondo: "Acredito que sim." "Mas o senhor tem certeza disso?" "Se tivesse certeza, no acreditaria nele, eu o saberia."

Formular a f admitir termos da hiptese comum.

A f comea onde a cincia acaba. Ampliar a cincia aparentemente suprimir a f, e, na realidade, ampliar igualmente seu domnio, pois ampliar sua base.

S se pode adivinhar o desconhecido por suas propores supostas ou passveis de serem supostas do conhecido.

A analogia era o dogma nico dos antigos magos. Dogma verdadeiramente mediador, pois metade cientfico, metade hipottico, metade razo e metade poesia. Esse dogma foi e ser sempre o gerador de todos os outros.

O que o Homem-Deus? o que realiza na vida mais humana o ideal mais divino.

A f uma adivinhao da inteligncia e do amor dirigidos pelos ndices da natureza e da razo.

Faz parte, portanto, da essncia das coisas de f serem inacessveis cincia, duvidosas para a filosofia e indefinidas para a certeza.

A f uma realizao hipottica dos fins ltimos da esperana. a adeso ao signo visvel das coisas que no se v.

Sperandarum substantia rerum

Argumentum non apparentium

Para afirmar sem disparate que Deus existe ou no, preciso partir de uma definio sensata ou insensata de Deus. Ora, essa definio para ser sensata deve ser hipottica, analgica e negativa do finito conhecido. Pode-se negar um Deus qualquer, mas o Deus absoluto no se nega tanto quanto no se prova; sensatamente suposto e nele se acredita.

Bem-aventurados os que tm o corao puro, pois vero a Deus, disse o Mestre; ver com o corao acreditar e, se essa f se relaciona ao verdadeiro bem, no pode ser enganada contanto que no procure definir muito seguindo as indues arriscadas da ignorncia pessoal. Nossos julgamentos, em matria de f, aplicam-se a ns mesmos, ser para ns como tivermos acreditado. Isto , ns prprios nos fazemos semelhana de nosso ideal.

Quem faz os deuses torna-se semelhante a eles, assim como todos aqueles que lhes do sua confiana.

O ideal divino do velho mundo fez a civilizao que acabou, e no se deve desesperar ao ver o deus de nossos brbaros pais tornar-se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem-se diabos com deuses de refugo, e Sat s assim to incoerente e to disforme porque feito com todos os retalhos das antigas teogonias. a esfinge sem palavra, o enigma sem soluo, o mistrio sem verdade, o absoluto sem realidade e sem luz.

O homem o filho de Deus, porque Deus, manifestado, chamado o filho do homem.

Foi depois de ter feito Deus em sua inteligncia e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faa-se a luz!

O homem a forma do pensamento divino, e Deus a sntese idealizada do pensamento humano.

Assim, o Verbo de Deus o que revela o homem, e o Verbo do homem o que revela Deus.

O homem o Deus do mundo, e Deus o homem do cu.

Antes de dizer: Deus quer, o homem quis.

Para compreender e honrar Deus todo-poderoso, preciso que o homem seja livre.

Obedecendo e abstendo-se por temor ao fruto da cincia, tendo sido inocente e estpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordo de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda.

E por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela-se glorioso com o grande condenado do calvrio e entra com ele no reino do cu.

Pois o reino do cu pertence inteligncia e ao amor, ambos filhos da liberdade!

Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pr seu corao prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte.

O homem amou e sentiu-se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperana eterna.

Lanou-se em direo de sua noiva atravs da sombra da morte e o espectro desapareceu.

O homem possua a liberdade; tinha abraado a vida.

Expia agora tua glria, Prometeu!

Teu corao devorado sem cessar no pode morrer; o teu abutre e Jpiter que morrero.

Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provao ter acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais.

Ento viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos s suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor.

Seremos, sem dvida, os primognitos de uma nova raa; anjos do porvir.

Mensageiros celestes, vogaremos na imensido e as estrelas sero nossas brancas naus.

Transformar-nos-emos em doces vises para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lrios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra.

Tocaremos a plpebra da criana que dorme e alegraremos docemente o corao de sua me com o espetculo da beleza de seu filho bem-amado.

II. O BINRIO

O binrio mais particularmente o nmero da mulher, esposa do homem e me da sociedade.

O homem o amor na inteligncia, a mulher a inteligncia no amor.

A mulher o sorriso do criador contente de si prprio, e foi depois de t-la feito que ele descansou, diz a parbola celeste.

A mulher est antes do homem, porque me e tudo lhe perdoado de antemo porque d luz com dor.

A mulher foi quem primeiro se iniciou na imortalidade pela morte; o homem, ento, a viu to bela e a compreendeu to generosa, que no quis sobreviver a ela, e amou-a mais do que sua vida, mais do que sua felicidade eterna.

Feliz proscrito! j que lhe foi dada como companheira de seu exlio.

Mas os filhos de Caim revoltaram-se contra a me de Abel e escravizaram sua me.

A beleza da mulher tornou-se uma presa para a brutalidade dos homens sem amor.

Ento, a mulher fechou seu corao como um santurio desconhecido e disse aos homens indignos dela: "Sou virgem, mas quero ser me, e meu filho ensinar-vos- a me amar."

Eva! s saudada e adorada em tua queda!

Maria! s abenoada e adorada em tuas dores e em tua glria!

Santa crucificada que sobrevivia a teu Deus para enterrar teu filho, s para ns a ltima palavra da revelao divina!

Moiss chamava Deus de Senhor, Jesus chamava-o de meu Pai, e ns, pensando em ti, diremos Providncia: "Sois nossa me!"

Filhos da mulher, perdoemos a mulher decada.

Filhos da mulher, adoremos a mulher regenerada.

Filhos da mulher, que dormimos em seu seio, que fomos embalados em seus braos e consolados por seus carinhos, amemo-la e amemo-nos entre ns!

III. O TERNRIO

O ternrio o nmero da criao.

Deus criou a si prprio eternamente e o infinito que ele preenche com suas obras uma criao incessante e infinita.

O amor supremo contempla-se na beleza como em um espelho, e experimenta todas as formas como enfeites, pois o noivo da vida.

O homem tambm afirma e cria a si prprio: enfeita-se com suas conquistas, ilumina-se com suas concepes, reveste-se com suas obras como que com vestes nupciais.

A grande semana da criao foi imitada pelo gnio humano divinizando as formas da natureza.

Cada dia forneceu uma revelao nova, cada rei progressivo do mundo foi por um dia a imagem e a encarnao de Deus! Sonho sublime que explica os mistrios da ndia e justifica todos os simbolismos!

A elevada concepo do homem-Deus corresponde criao de Ado, e o cristianismo, semelhana dos primeiros dias do homem tpico no paraso terrestre, foi apenas uma aspirao e uma viuvez.

Esperamos o culto da esposa e da me, aspiramos s npcias da nova aliana.

Ento os pobres, os cegos, todos os proscritos do velho mundo sero convidados para o festim e recebero um traje nupcial; e olhar-se-o uns aos outros com uma grande doura e um inefvel sorriso, porque tero chorado muito tempo.

IV. O QUATERNRIO

O quaternrio o nmero da fora. o ternrio completado por seu produto, a unidade rebelada reconciliada trindade soberana.

No ardor primeiro da vida, o homem, tendo esquecido sua me, compreendeu Deus apenas como um pai inflexvel e cioso.

O sombrio Saturno, armado com sua foice parricida, pe-se a devorar seus filhos.

Jpiter teve cenhos que abalaram o Olimpo, e Jeov, troves que ensurdeceram as solides do Sinai.

E, no entanto, o pai dos homens, embriagado s vezes como No, deixava o mundo perceber os mistrios da vida.

Psiqu, divinizada por suas aflies, tornava-se esposa do Amor; Adnis ressuscitado reencontrava Vnus no Olimpo; J, vitorioso ao mal, recuperava mais do que tinha perdido.

A lei uma prova de coragem. Amar a vida mais do que se teme as ameaas da morte merecer a vida.

Os eleitos so os que ousam; ai dos tmidos!

Assim, os escravos da lei que se fazem os tiranos das conscincias, e os servidores do temor, e os avaros de esperana, e os fariseus de todas as sinagogas e de todas as igrejas, estes so os rprobos e os malditos do Pai!

Cristo no foi excomungado e crucificado pela sinagoga?

Savonarola no foi queimado por ordem de um pontfice da religio crist?

Os fariseus no so hoje o que eram no tempo de Caifs?

Se algum lhes fala em nome da inteligncia e do amor, escut-lo-o?

Foi arrancando os filhos da liberdade tirania dos Faras que Moiss inaugurou o reino do Pai.

Foi quebrando o jugo insuportvel do farisasmo mosaico que Jesus convidou todos os homens fraternidade do filho nico de Deus.

Quando carem os ltimos dolos, quando se quebrarem as ltimas correntes materiais das conscincias, quando os ltimos matadores de profetas, quando os ltimos sufocadores do Verbo forem confundidos, ser o reino do Esprito Santo.

Glria, pois, ao Pai, que enterrou o exrcito do Fara no mar Vermelho!

Glria ao Filho que rasgou o vu do templo e cuja cruz extremamente pesada posta sobre a coroa dos Csares quebrou contra a terra a fronte dos Csares!

Glria ao Esprito Santo que deve varrer da terra com seu sopro terrvel todos os ladres e todos os carrascos para dar lugar ao banquete dos filhos de Deus!

Glria ao Esprito Santo que prometeu ao anjo da liberdade a conquista da terra e do cu.

O anjo da liberdade nasceu antes da aurora do primeiro dia, antes mesmo do despertar da inteligncia, e Deus o denominou estrela da manh.

Lcifer, tu te desligaste voluntria e desdenhosamente do cu onde o sol te inundava com sua claridade, para sulcar com teus prprios raios os campos agrestes da noite.

Brilhas quando o sol se pe e teu olhar resplandecente precede o nascer do dia.

Cais para de novo levantar; experimentas a morte para melhor conhecer a vida.

s, para as glrias antigas do mundo, a estrela da noite; para a verdade renascente, a bela estrela da manh!

A liberdade no a licena: a licena a tirania.

A liberdade a guardi do dever, porque ela reivindica o direito.

Lcifer, cujas idades das trevas fizeram o gnio do mal, ser verdadeiramente o anjo da luz quando, tendo conquistado a liberdade ao preo da reprovao, fizer uso dela para se submeter ordem eterna, inaugurando assim as glrias da obedincia voluntria.

O direito apenas a raiz do dever, preciso possuir para dar.

Ora, eis como uma elevada poesia explica a queda dos anjos.

Deus tinha dado aos espritos a luz e a vida, depois lhes disse: Amai.

- O que amar?, responderam os espritos.

- Amar dar-se aos outros, respondeu Deus. - Os que amarem sofrero, mas sero amados.

- Temos o direito de no dar nada, e nada queremos sofrer, disseram os espritos inimigos do amor.

- Estais em vosso direito, respondeu Deus -, e separemo-nos. Eu e os meus queremos sofrer e morrer, mesmo para amar. nosso dever!

O anjo cado pois aquele que desde o princpio recusou amar; no ama, e todo o seu suplcio; no d, e toda a sua misria; no sofre, e seu nada; no morre, e seu exlio.

O anjo cado no Lcifer, o porta-luz, Sat, o caluniador do amor.

Ser rico dar; no dar nada ser pobre; viver amar, no amar nada estar morto; ser feliz devotar-se; existir somente para si reprovar a si prprio, seqestrar-se no inferno.

O cu a harmonia dos sentimentos gerais; o inferno o conflito dos instintos lassos.

O homem do direito Caim, que matou Abel por inveja; o homem do dever Abel, que morre para Caim por amor.

E tal foi a misso do Cristo, o grande Abel da humanidade.

No pelo direito que devemos ousar em tudo, pelo dever.

O dever a expanso e a fruio da liberdade; o direito isolado o pai da servido.

O dever a obrigao, o direito o egosmo.

O dever o sacrifcio, o direito a rapina e o roubo.

O dever o amor, o direito o dio.

O dever a vida infinita, o direito a morte eterna.

Se preciso combater pela conquista do direito, somente para adquirir a potncia do dever: e por que seramos livres se no fosse para amar, devotarmo-nos e, assim, assemelharmo-nos a Deus?

Se preciso infringir a lei, quando ela submete o amor ao medo.

Aquele que quiser salvar sua alma perd-la-, diz o livro santo, e aquele que consentir em perd-la salv-la-.

O dever amar: perea todo aquele que cria obstculos ao amor! Silncio aos orculos do dio! Aniquilamento aos falsos deuses do egosmo e do medo! Vergonha aos escravos avaros de amor!

Deus ama os filhos prdigos!

V. O QUINRIO

O quinrio o nmero religioso, pois o nmero de Deus reunido ao da mulher.

A f no a credulidade estpida da ignorncia maravilhada.

A f a conscincia e a confiana do amor.

A f o grito da razo que persiste em negar o absurdo, mesmo diante do desconhecido.

A f um sentimento necessrio alma como a respirao vida: a dignidade do corao, a realidade do entusiasmo.

A f no consiste na afirmao deste ou daquele smbolo, mas na aspirao verdadeira e constante s verdades veladas por todos os simbolismos.

Um homem rejeita uma idia indigna da divindade, quebra suas falsas imagens, revolta-se contra odiosas idolatrias, e dizeis que um ateu?

Os perseguidores da Roma decada tambm chamavam os primeiros cristos de ateus, porque no adoravam os dolos de Calgula ou de Nero.

Negar toda uma religio e mesmo todas as religies de preferncia a aderir a frmulas que a conscincia reprova um corajoso e sublime ato de f.

Todo homem que sofre por suas convices um mrtir da f.

Talvez se explique mal, mas prefere a justia e a verdade a qualquer coisa; no o condeneis sem entend-lo.

Acreditar na verdade suprema no defini-la, e declarar que nela se cr reconhecer ignor-la.

O apstolo So Paulo limita toda f a estas duas coisas: acreditar que Deus existe e que ele recompensa aqueles que o procuram.

A f maior que as religies, porque precisa menos dos artigos da crena.

Um dogma qualquer constitui apenas uma crena e pertence a uma comunho especial; a f um sentimento comum a toda a humanidade.

Quanto mais se discute para precisar, menos se acredita; um dogma a mais uma crena de que uma seita se apropria e eleva assim, de alguma maneira, f universal.

Deixemos os sectrios fazerem e refazerem seus dogmas, deixemos os supersticiosos detalharem e formularem suas supersties, deixemos os mortos enterrarem seus mortos, como dizia o Mestre, e acreditemos na verdade indizvel, no absoluto que a razo admite sem compreender, no que pressentimos sem saber.

Acreditemos na razo suprema.

Acreditemos no amor infinito e tenhamos piedade das estupidezes da escola e das barbries da falsa religio.

homem! dize-me o que esperas, e eu dir-te-ei o que vales.

Rezas, jejuas, velas e crs que escapars assim sozinho, ou quase sozinho, perda imensa dos homens devorados por um Deus cioso. s um hipcrita e um mpio.

Fazes da vida uma orgia e esperas o nada como sono, s um doente ou um insano.

Ests pronto a sofrer como os outros e pelos outros e esperas a salvao de todos, s um sbio e um justo.

Esperar no ter medo.

Ter medo de Deus! Que blasfmia!

O ato de esperana a orao.

A orao o derramar-se da alma na sabedoria e no amor eternos.

o olhar do esprito para a verdade e o suspiro do corao para a beleza suprema.

o sorriso da criana para a me.

o murmrio do bem-amado que se debrua para os beijos de sua bem-amada.

a doce felicidade da alma amante que se dilata num oceano de amor.

a tristeza da esposa na ausncia do novel esposo.

o suspiro do viajante que pensa em sua ptria.

o pensamento do pobre que trabalha para alimentar a mulher e os filhos.

Oremos em silncio e ergamos em direo de nosso Pai desconhecido um olhar de confiana e de amor; aceitemos com f e resignao a parte que nos cabe nas penas da vida, e todas as batidas de nossos coraes sero palavras de orao.

Necessitamos acaso informar a Deus que coisas lhe pedimos, j no sabe ele o que nos necessrio?

Se choramos, apresentemos-lhe as nossas lgrimas; se nos regozijamos, dirijamos-lhe o nosso sorriso; se ele nos atinge, baixemos a cabea; se nos acaricia, adormeamos em seus braos!

Nossa orao ser perfeita, quando orarmos sem sequer saber que oramos.

A orao no um rudo que fere os ouvidos, um silncio que penetra no corao.

E doces lgrimas vm umedecer os olhos, e suspiros escapam como a fumaa dos incensos.

Fica-se tomado por um inefvel amor a tudo o que beleza, verdade, justia; palpita-se de uma nova vida e no se teme mais morrer. Pois a orao a vida eterna da inteligncia e do amor; a vida de Deus na terra.

Amai-vos uns aos outros, eis a lei e os profetas! Meditai e compreendei essa palavra.

E, quando tiverdes compreendido, no leiais mais, no procures mais, no duvideis mais, amai!

No mais sejais sbios, no mais sejais eruditos, amai! Essa a doutrina da verdadeira religio; religio quer dizer caridade, e o prprio Deus no seno amor.

Eu j vos disse: amar dar.

O mpio aquele que absorve os outros.

O homem pio aquele que se expande na humanidade.

Se o corao do homem concentra em si prprio o fogo com o qual Deus o anima, um inferno que devora tudo e que s se preenche de cinzas; se ele o faz resplandecer fora, torna-se um doce sol de amor.

O homem doa-se famlia; a famlia doa-se ptria; a ptria, humanidade.

O egosmo do homem merece o isolamento e o desespero, o egosmo da famlia merece a runa e o exlio, o egosmo da ptria merece a guerra e a invaso.

O homem que se isola de todo amor humano ao dizer: Eu servirei a Deus, este se engana. Pois, diz o apstolo So Joo, se ele no ama ao prximo que v, como amar a Deus que no v?

preciso dar a Deus o que de Deus, mas no se deve recusar mesmo a Csar o que de Csar.

Deus quem d a vida, Csar quem pode dar a morte.

preciso amar a Deus e no temer a Csar, pois est dito no livro sagrado: Quem com ferro fere com ferro perecer.

Quereis ser bons, sede justos; quereis ser justos, sede livres!

Os vcios que deixam o homem semelhante besta so os primeiros inimigos da sua liberdade.

Olhai o bbado e dizei-me se essa besta imunda pode ser livre!

O avaro maldiz a vida de seu pai e, como o corvo, tem fome de cadveres.

O ambicioso quer runas, um invejoso em delrio; o devasso escarrou no seio da me e encheu de abortos as entranhas da morte.

Todos esses coraes sem amor so punidos pelo mais cruel dos suplcios: o dio.

Pois, saibamo-lo bem, a expiao est contida no pecado.

O homem que faz o mal como um vaso de barro defeituoso, quebrar-se-, a fatalidade o quer.

Com os escombros do mundo, Deus refaz estrelas; com os escombros da alma, refaz anjos.

VI. O SENRIO

O senrio o nmero da iniciao pela prova; o nmero do equilbrio, o hierglifo da cincia do bem e do mal.

Quem procura a origem do mal procura o que no .

O mal o apelativo da desordem do bem, a tentativa infrutfera de uma vontade inbil.

Cada um possui o fruto de suas obras, e a pobreza somente o aguilho do trabalho.

Para o rebanho dos homens, o sofrimento como o co pastor que morde a l das ovelhas para recoloc-las no caminho.

por causa da sombra que podemos ver a luz; por causa do frio que sentimos o calor; por causa da dor que somos sensveis ao prazer.

O mal , portanto, para ns, a ocasio e o comeo do bem.

Mas, nos sonhos de nossa inteligncia imperfeita, acusamos o trabalho providencial, por no o compreender.

Assemelhamo-nos ao ignorante que julga o quadro no comeo do esboo e diz, quando a cabea est feita: "Ento esta figura no tem corpo."

A natureza continua calma e realiza sua obra.

A relha no cruel quando rasga o seio da terra, e as grandes revolues do mundo so a lavoura de Deus.

Tudo tem seu tempo: aos povos ferozes, senhores brbaros; ao gado, aougueiros; aos homens, juizes e pais.

Se o tempo pudesse transformar os carneiros em lees, eles comeriam os aougueiros e os pastores.

Os carneiros nunca se transformam porque no se instruem, mas os povos instruem-se.

Pastores e aougueiros dos povos, tendes razo, portanto, em ver como inimigos aqueles que falam a vosso rebanho.

Rebanhos que conheceis ainda apenas vossos pastores e que quereis ignorar seu comrcio com os aougueiros, sois desculpveis por apedrejar aqueles que vos humilham e que vos inquietam ao falarem de vossos direitos.

Cristo! Os grandes condenam-te, teus discpulos renegam-te, o povo amaldioa-te e aclama teu suplcio, somente tua me chora, Deus abandona-te!

Eli! Eli! Lamma Sabachtani!

VII. O SETENRIO

O setenrio o grande nmero bblico. a chave da criao de Moiss e o smbolo de toda a religio. Moiss deixou cinco livros, e a lei resume-se em dois testamentos.

A Bblia no uma histria, uma coletnea de poemas, um livro de alegorias e imagens.

Ado e Eva so somente tipos primitivos da humanidade; a serpente que tenta o tempo que pe prova; a rvore da cincia o direito; a expiao pelo trabalho o dever.

Caim e Abel representam a carne e o esprito, a fora e a inteligncia, a violncia e a harmonia.

Os gigantes so os antigos usurpadores da terra; o dilvio foi um imensa revoluo.

A arca a tradio conservada numa famlia: a religio, nessa poca, torna-se um mistrio e a propriedade de uma raa. Caim maldito por ser seu revelador.

Nemrod e Babel so duas alegorias primitivas do dsposta nico e do imprio universal sempre sonhado desde ento; empreendido sucessivamente pelos assrios, os medas, os persas, Alexandre, Roma, Napoleo, os sucessores de Pedro, o Grande, e sempre inacabado por causa da disperso de interesses, figurada pela confuso das lnguas.

O imprio universal no deveria realizar-se pela fora, mas pela inteligncia e pelo amor. Por isso, a Nemrod, homem do direito selvagem, a Bblia ope Abrao, homem do dever, que se exila para buscar a liberdade e a luta numa terra estrangeira de que se apodera pelo pensamento.

Tem uma mulher estril, seu pensamento, e uma escrava fecunda, sua fora; mas, quando a fora produz seu fruto, o pensamento torna-se fecundo, e o filho da inteligncia exila o filho da fora. O homem de inteligncia submetido a duras provas; deve confirmar suas conquistas pelo sacrifcio. Deus quer que ele imole seu filho, isto , a dvida deve pr prova o dogma e o homem intelectual deve estar pronto a tudo sacrificar diante da razo suprema. Deus, ento, intervm: a razo universal cede aos esforos do trabalho, mostra-se cincia e apenas o lado material do dogma imolado. o que representa o carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. A histria de Abrao pois um smbolo moda antiga e contm uma elevada revelao dos destinos da alma humana. Tomada ao p da letra, um relato absurdo e revoltante. Santo Agostinho no tomava ao p da letra o Asno de Ouro de Apuleu! Pobres grandes homens!

A histria de Isaac uma outra lenda. Rebeca o tipo de mulher oriental, laboriosa, hospitaleira, parcial em suas afeies, astuta e ardilosa em suas manobras. Jac e Esa so ainda os dois tipos reproduzidos de Caim e Abel; mas aqui Abel se vinga; a inteligncia emancipada triunfa pela astcia. Todo o gnio israelita est no carter de Jac, o paciente laborioso suplantador que cede clera de Esa, torna-se rico e compra o perdo de seu irmo. Quando os antigos queriam filosofar, contavam, nunca se deve esquecer.

A histria ou lenda de Jos contm em germe todo o gnio do Evangelho, e Cristo, desconhecido por seu povo, teve de chorar mais de uma vez ao reler esta cena em que o governador do Egito lana-se ao pescoo de Benjamim dando um grito e dizendo: "Eu sou Jos!"

Israel torna-se o povo de Deus, isto , o conservador da idia e o depositrio do Verbo. Essa idia a da independncia humana e a da realeza pelo trabalho, mas ocultada com cuidado, como um germe precioso. Um signo doloroso e indelvel imprimido nos iniciados, toda imagem da verdade proibida, e os filhos de Israel velam, segurando o sabre em torno da unidade do tabernculo. Hermor e Siqum querem introduzir-se pela fora na famlia sagrada e perecem com seu povo em conseqncia de uma falsa iniciao. Para dominar os povos, preciso que o santurio j esteja cercado de sacrifcios e terror.

A servido dos filhos de Jac prepara sua libertao: eles tm uma idia, e no se acorrenta uma idia; tm uma religio, e no se violenta uma religio; so por fim um povo, e no se acorrenta um verdadeiro povo. A perseguio suscita vingadores, a idia encarna-se num homem, Moiss levanta, o Fara cai e a coluna de nuvens e chamas que precede um povo livre avana majestosamente no deserto.

O Cristo o pai e o rei pela inteligncia e pelo amor.

Recebeu a uno santa, a uno do gnio, a uno da f, a uno da virtude que a fora.

Ele vem quando o sacerdote est esgotado, quando os velhos smbolos no tm mais virtudes, quando a ptria da inteligncia est extinta.

Vem para fazer Israel voltar vida e, se no puder galvanizar Israel, morto pelos fariseus, ressuscitar o mundo abandonado ao culto morto dos dolos.

Cristo o direito do dever!

O homem tem o direito de cumprir o seu dever e no tem outro.

Homem, tens o direito de resistir at a morte a quem quer que te impea de cumprir o teu dever!

Me! teu filho afoga-se; um homem impede-te de socorr-lo; feres esse homem e corres a salvar teu filho!... Quem ousar condenar-te?...

Cristo veio para opor o direito do dever ao dever do direito.

O direito para os judeus era a doutrina dos fariseus. E, com efeito, pareciam ter adquirido o privilgio de dogmatizar; no eram eles os legtimos herdeiros da sinagoga?

Tinham o direito de condenar o Salvador, e o Salvador sabia que seu direito era o de resistir-lhes.

O Cristo a protestao viva.

Mas protestao de qu? Da carne contra a inteligncia? No!

Do direito contra o dever? No!

Da atrao fsica contra a atrao moral? No! no!

Da imaginao contra a razo universal? Da loucura contra a sabedoria? No, mil vezes no, ainda uma vez!

O Cristo o dever real que protesta eternamente contra o direito imaginrio.

a emancipao do esprito que quebra a servido da carne.

a devoo revoltada contra o egosmo.

a modstia sublime que responde ao orgulho: Eu no te obedecerei!

O Cristo vivo, o Cristo s, o Cristo triste: por qu? que a mulher prostituiu-se.

que a sociedade acusada de roubo.

que a felicidade egosta mpia.

Cristo julgado, condenado, executado, e ns o adoramos!

Isso se passou num mundo talvez to srio quanto o nosso.

Juizes do mundo em que vivemos, sede atentos e pensai naquele que julgar vossos julgamentos.

Mas, antes de morrer, o Salvador legou a seus filhos o smbolo imortal da salvao: a comunho.

Comunho! Unio comum! ltima palavra do Salvador do mundo.

O po e o vinho repartidos entre todos, disse ele, minha carne e meu sangue!

Ele deu sua carne aos carrascos, seu sangue terra que quis beb-lo: e por qu?

Para que todos repartam o po da inteligncia e o vinho do amor. signo da unio dos homens! mesa comum! banquete da fraternidade e da igualdade! quando enfim sers melhor compreendido?

Mrtires da humanidade, vs que destes a vida para que todos tivessem o po que alimenta e o vinho que fortifica, tambm no dizeis ao impor a mo sobre esses smbolos da comunho universal: Isso nossa carne e nosso sangue!

E vs, homens do mundo inteiro, vs a quem o Mestre chama irmos: oh, no sentis que o po universal Deus!

Devedores do crucificado.

Vs todos que no estais prontos para dar humanidade vosso sangue, vossa carne e vossa vida no sois dignos da comunho do Filho de Deus! No o faais derramar seu sangue sobre vs, pois faria ndoas sobre vossa fronte!

No aproximeis vossos lbios do corao de Deus, ele sentiria vossa mordedura.

No bebais o sangue do Cristo, queimaria vossas entranhas; j suficiente que ele o tenha derramado inutilmente por vs!

VIII. O NMERO OITO

O octonrio o nmero da reao e da justia equilibrante.

Toda ao produz uma reao.

a lei universal do mundo.

O cristianismo devia produzir o anticristianismo.

O anticristo a sombra, o contraste e a prova do Cristo.

O anticristo j se produzia na Igreja na poca dos apstolos: Aquele que resiste agora resiste at a morte, dizia So Paulo, e o filho da iniqidade manifestar-se-.

Os protestantes disseram: O anticristo o papa.

O papa respondeu: Todo herege um anticristo.

O anticristo no mais o papa do que Lutero: o anticristo o esprito oposto ao do Cristo.

a usurpao do direito pelo direito; o orgulho da dominao e o despotismo do pensamento.

o egosmo pretensamente religioso dos protestantes da mesmssima maneira que a ignorncia crdula e imperiosa dos maus catlicos.

O anticristo o que divide os homens ao invs de os unir; o esprito de disputa, a teimosia dos doutores e dos sectrios, o desejo mpio de se apropriar da verdade e dela excluir os outros, o de forar todo o mundo a sofrer a estreiteza de nossos julgamentos.

O anticristo o pai que amaldioa ao invs de abenoar, que afasta ao invs de aproximar, que escandaliza ao invs de edificar, que condena ao invs de salvar.

o fanatismo odioso que desencoraja a boa vontade.

o culto da morte, da tristeza e da fealdade.

Que futuro daremos a nosso filho? disseram os pais insensatos; ele fraco de esprito e de corpo e seu corao no d ainda sinal de vida: faremos dele um padre, a fim de que viva do altar. E no compreenderam que o altar no uma manjedoura para os animais preguiosos.

Por isso, olhai os padres indignos, contemplei esses pretensos servidores do altar. O que que dizem a vossos coraes esses homens gordos ou cadavricos, de olhos inexpressivos, de lbios cerrados ou escancarados?

Escutai-os falarem: o que vos ensina esse rudo desagradvel e montono?

Rezam como dormem e sacrificam como comem.

So mquinas de po, de carne, de vinho e de palavras vazias de sentido.

E, quando se regozijam, como ostras ao sol, por estarem sem pensamento e sem amor, diz-se que tm paz de esprito.

Tm a paz da besta e, para o homem, a do tmulo melhor; so os padres da tolice e da ignorncia, so os ministros do anticristo.

O verdadeiro padre do Cristo um homem que vive, que sofre, que ama e que combate pela justia. No briga, no reprova, difunde o perdo, a inteligncia e o amor.

O verdadeiro cristo estranho ao esprito de seita; ele tudo para todos e v todos os homens como filhos de um pai comum que quer salvar a todos; o smbolo inteiro tem para ele somente um sentido de doura e amor: deixa para Deus os segredos da justia e s compreende a caridade.

V os maus como doentes de quem preciso ter pena e cuidar; o mundo com seus erros e seus vcios , para ele, o hospital de Deus, e ele quer ser seu enfermeiro.

No se acha melhor que ningum, apenas diz: Enquanto eu for melhor, sirvamos os outros, quando for preciso cair e morrer, outros talvez tomaro meu lugar e nos serviro.

IX. O NMERO NOVE

Eis o eremita do tar; eis o nmero dos iniciados e dos profetas.

Os profetas so solitrios, pois seu destino nunca serem ouvidos.

Vem muito mais que os outros; pressentem as desgraas por vir. Assim, so aprisionados, mortos ou vilipendiados, so rejeitados como leprosos, ou deixam-nos morrer de fome.

Depois, quando os eventos ocorrem, dizemos: Foram essas pessoas que nos trouxeram desgraa.

Agora, como sempre, na vspera dos grandes desastres, nossas ruas esto plenas de profetas.

Encontrei alguns nas prises; vi outros que morriam esquecidos em pardieiros.

Toda grande cidade viu algum cuja profecia silenciosa era girar incessantemente e andar sempre coberto de andrajos no palcio do luxo e da riqueza.

Vi um cujo rosto resplandecia como o do Cristo: tinha as mos calejadas e a roupa do trabalhador e moldava epopias como argila. Torcia juntos o gldio do direito e o cetro do dever e, sobre esta coluna de ouro e ao, inaugurava o smbolo criador do amor.

Um dia, numa grande assemblia do povo, desceu a rua, segurando um po que partia e distribua, dizendo: Po de Deus, faze-te po para todos!

Conheo outro que gritou: No quero mais adorar o Deus do diabo; no quero um carrasco como Deus! E acreditou-se que ele blasfemava.

No; mas a energia de sua f transbordava em palavras inexatas e imprudentes.

Dizia ainda, na loucura de sua caridade ferida: Todos os homens so solidrios e expiam uns pelos outros, da mesma forma que se merecem uns aos outros.

O castigo para o pecado a morte.

O prprio pecado , alis, um castigo, e o maior dos castigos. Um grande crime apenas uma grande desgraa.

O pior dos homens o que se acredita melhor do que os outros.

Os homens apaixonados so escusveis, uma vez que so passivos. Paixo significa sofrimento e redeno pela dor.

O que chamamos de liberdade somente a onipotncia da atrao divina. Os mrtires diziam: Mais vale obedecer a Deus que aos homens.

O menos perfeito ato de amor vale mais ao que a melhor palavra de piedade.

No julgueis, falai pouco, amai e agi.

Um outro que veio disse: Protestai contra as ms doutrinas por boas obras, mas no vos separeis de ningum.

Restabelecei todos os altares, purificai todos os templos e estai prontos para a visita do esprito do amor.

Que cada um reze seguindo seu rito e comungue com os seus, mas no condeneis os outros.

Uma prtica de religio nunca desprezvel, pois o smbolo de um grande e santo pensamento.

Rezar em conjunto comungar na mesma esperana, na mesma f, na mesma caridade.

O signo no nada para si prprio: a f que o santifica.

A religio o lao mais sagrado e mais forte da associao humana, e fazer um ato de religio fazer um ato de humanidade.

Quando os homens compreenderem, enfim, que no se deve discutir sobre coisas que se ignora;

Quando sentirem que um pouco de caridade vale mais que muita influncia e dominao;

Quando todos respeitarem o que o prprio Deus respeita na menor de suas criaturas: a espontaneidade da obedincia e a liberdade do dever;

Ento, s haver uma religio no mundo, a religio crist e universal, a verdadeira religio catlica que no renegar mais a si prpria por restrio de lugares ou de pessoas.

Mulher, dizia o Salvador samaritana, em verdade te digo que vir o tempo em que os homens no adoraro mais a Deus nem em Jerusalm nem sobre esta montanha, pois Deus esprito, e seus verdadeiros adoradores devem servi-lo em esprito e em verdade.

X. NMERO ABSOLUTO DA CABALA

A chave das sefirotes (ver Dogma e Ritual da Alta Magia).

XI. O NMERO ONZE

Onze o nmero da fora; o da luta e do martrio.

Todo homem que morre por uma idia um mrtir, pois nele as aspiraes do esprito triunfaram sobre os temores dos animais.

Todo homem que morre na guerra um mrtir, pois morre pelos outros.

Todo homem que morre miservel um mrtir, pois como um soldado vencido na batalha da vida.

Aqueles que morrem pelo direito so to santos em seu sacrifcio quanto as vtimas do dever e, nas grandes lutas da revoluo contra o poder, os mrtires caem dos dois lados.

Sendo o direito a raiz do dever, nosso dever defender nossos direitos.

O que um crime? o exagero do direito. O assassnio e o roubo so negaes da sociedade; o despotismo isolado de um indivduo que usurpa a realeza e faz guerra por sua conta e risco.

O crime deve ser sem dvida reprimido, e a sociedade deve defender-se; mas quem poderia ser justo o suficiente, grande o suficiente e puro o suficiente para ter a pretenso de punir?

Paz a todos os que tombam na guerra, mesmo na guerra ilegtima, pois arriscaram a cabea e perderam-na, e, tendo pago, o que podemos ainda reclamar?

Honra a todos os que combatem bravamente e lealmente! Vergonha somente aos traidores e aos covardes!

O Cristo morreu entre dois ladres e levou consigo um deles ao cu.

O reino dos cus dos lutadores e se ganha fora.

Deus d sua onipotncia ao amor. Gosta de triunfar sobre o dio, mas vomita a tibieza.

O dever viver, nem que seja por um instante!

belo ter reinado por um dia, mesmo por uma hora! Mesmo que seja sob a espada de Dmocles ou na fogueira de Sardanapalo.

Mas mais belo ter visto a seus ps todas as coisas do mundo e ter dito: Serei o rei dos pobres e meu trono ser sobre o calvrio.

Existe um homem mais forte do que aquele que mata, o que morre para salvar.

No existem crimes isolados nem expiaes solitrias.

No existem virtudes pessoais nem devotamentos perdidos.

Quem no for irrepreensvel cmplice de todo mal, e quem no for absolutamente perverso pode participar de todo bem.

por isso que um suplcio sempre uma expiao humanitria, e toda cabea que recolhida de um cadafalso pode ser saudada e honrada como a cabea de um mrtir.

por isso tambm que o mais nobre e o mais santo dos mrtires podia, ao entrar em sua conscincia, achar-se digno da pena que iria suportar e dizer, saudando o gldio pronto a feri-lo: Justia seja feita!

Puras vtimas das catacumbas de Roma, judeus e protestantes massacrados por indignos cristos.

Padres da Abbaye e dos Carmes, guilhotinados do terror, realistas degolados, revolucionrios sacrificados, soldados de nossos grandes exrcitos que semeasses as ossadas pelo mundo, vs todos que morresses com sofrimento, ousados de toda sorte, bravos filhos de Prometeu que no tendes medo nem do raio nem do abutre, honra a vossas cinzas, paz e venerao a vossas memrias! Sois os heris do progresso, os mrtires da humanidade!

XII. O NMERO DOZE

O doze o nmero cclico; o do smbolo universal.

Eis uma traduo dos versos feitos para o smbolo mgico e catlico sem restrio:

Creio num s Deus onipotente, nosso pai,

Eterno criador do cu e da terra.

Creio no Rei salvador, chefe da humanidade.

Da divindade, filho, palavra e esplendor.

Concepo viva do eterno amor,

Divindade visvel e luz atuante.

Desejado pelo mundo sempre e em todos os lugares.

Mas que no um Deus separvel de Deus.

Descido entre ns para libertar a terra,

Santificou a mulher em sua me.

Era o homem celeste, sbio e doce homem.

Nasceu para sofrer e morrer como ns.

Proscrito pela ignorncia, acusado pela inveja,

Morreu na cruz para nos dar a vida.

Todos os que o tomarem por guia e apoio

Podem, por sua doutrina, ser Deus como ele.

Ressuscitou para reinar sobre os tempos;

Deve, da ignorncia, as nuvens dissipar.

Seus preceitos, um dia mais fortes e mais conhecidos,

Sero o julgamento dos vivos e dos mortos.

Creio no Esprito Santo cujos nicos intrpretes

So o esprito e o corao dos santos e dos profetas.

um sopro de vida e fecundidade

Que provm da humanidade e do Pai.

Creio na famlia nica e sempre santa

Dos justos que o cu reuniu em seu temor.

Creio na unidade do smbolo, do lugar,

Do pontfice e do culto na honra de um s Deus.

Creio que, em nos transformando, a morte nos renove,

E que em ns, como em Deus, a vida eterna.

XIII. O NMERO TREZE

O treze o nmero da morte e o do nascimento; o da propriedade e da herana, da sociedade e da famlia, da guerra e dos tratados.

A sociedade tem por bases as trocas do direito, do dever e da f mtua.

O direito a propriedade; a troca, a necessidade; a boa f, o dever.

Aquele que quer receber mais do que d ou que quer receber sem dar um ladro.

A propriedade o direito de dispor de uma parte da fortuna comum; no nem o direito de destruio nem o direito de seqestro.

Destruir ou seqestrar o bem pblico no possuir, roubar.

Digo bem pblico, porque o verdadeiro proprietrio de todas as coisas Deus, que quer que tudo seja de todos. O que quer que faais, no levareis convosco ao morrer nenhum dos bens deste mundo. Ora, o que vos deve ser tomado um dia no vos pertence realmente. Foi apenas um emprstimo.

Quanto ao usufruto, o resultado do trabalho; mas o prprio trabalho no uma garantia segura de posse, e a guerra pode vir, pela devastao ou pelo incndio, deslocar a propriedade.

Fazei, pois, um bom uso das coisas que perecem, vs que perecereis antes delas!

Levai em considerao que o egosmo provoca o egosmo e que a imoralidade do rico corresponder a crimes dos pobres.

O que quer o pobre, se honesto?

Quer trabalho. Usai vossos direitos, mais fazei vosso dever: o dever do rico expandir a riqueza; o bem que no circula est morto, no entesoureis a morte.

Um sofista disse: A propriedade o roubo. E queria sem dvida falar da propriedade absorvida, subtrada troca, desviada da utilidade COMUM.

Se esse era seu pensamento, ele poderia ir mais longe e dizer que tal supresso da vida pblica um verdadeiro assassnio.

o crime do aambarcamento, que o instinto pblico sempre viu como um crime de lesa-majestade humana.

A famlia uma associao natural que resulta do casamento.

O casamento a unio de dois seres que o amor uniu e que se prometem um devotamento mtuo no interesse dos filhos que podem nascer.

Dois esposos que tm um filho e se separam so mpios. Ser que querem executar o julgamento de Salomo e separar tambm o filho?

Prometer-se um amor eterno puerilidade: o amor sexual uma emoo sem dvida divina, mas acidental, involuntria e transitria; mas a promessa do devotamente recproco a essncia do casamento e o princpio da famlia.

A sano e a garantia dessa promessa devem ser uma confiana absoluta.

Todo cime uma suspeita, e toda suspeita um ultraje.

O verdadeiro adultrio o da confiana: a mulher que se queixa de seu marido perto de outro homem; o homem que confia a outra mulher, que no a sua, as aflies ou as esperanas de seu corao, esses traem verdadeiramente a f conjugal.

As surpresas dos sentidos s so infidelidades por causa dos arrebatamentos do corao que se abandona mais ou menos ao reconhecimento do prazer. Afora isso, so faltas humanas, de que preciso envergonhar-se e que se deve esconder: so indecncias que preciso evitar afastando as ocasies, mas que nunca se deve procurar surpreender; os bons costumes so a proscrio do escndalo.

Todo escndalo uma torpeza. No se indecente porque tem-se rgos que o pudor no nomeia; mas se obsceno quando so mostrados.

Maridos, escondei as chagas de vossa vida a dois; no desnudeis vossas mulheres perante o escrnio pblico!

Mulheres, no exibais as misrias do leito conjugal: seria vos nscreverdes na opinio pblica como prostitudas.

preciso uma elevada dignidade de corao para conservar a f conjugal: um pacto de heroismo que somente as grandes almas podem compreender em toda a extenso.

Os casamentos que so rompidos no so casamentos, so acasalamentos.

No que se pode transformar uma mulher que abandona o marido? No mais esposa, no viva; o que ento? uma apstata da honra, que forada a ser licenciosa, porque no nem virgem nem livre.

Um marido que abandona a mulher a prostitui e merece o nome infame que dado aos amantes das jovens perdidas.

O casamento sagrado, indissolvel, quando existe realmente.

Mas s pode existir para seres de elevada inteligncia e nobre corao.

Os animais no se casam, e os homens que vivem como animais sofrem as fatalidades de sua natureza.

Fazem sem cessar tentativas para agir racionalmente. Suas promessas so tentativas e simulacros de promessas; seus casamentos, tentativas e simulacros de casamento; seus amores, tentativas e simulacros de amor. Quereriam sempre e no querem nunca; comeam sempre e no terminam nunca. Para tais pessoas, as leis s se aplicam pela represso.

Tais seres podem ter uma ninhada, mas nunca tm uma famlia: o casamento, a famlia so direitos do homem perfeito, do homem emancipado, do homem inteligente e livre.

Por isso, consultar os anais dos tribunais e lede a histria dos parricidas.

Erguei o vu negro de todas estas cabeas cortadas e perguntai-lhes o que pensaram do casamento e da famlia, que leite sugaram, que carinhos as enobreceram... Depois tremei, vs todos que no dais a vossos filhos o po da inteligncia e do amor, vs todos que no sancionais a autoridade paterna pela virtude do bom exemplo...

Esses miserveis eram rfos pelo esprito e pelo corao e vingaram-se de seu nascimento!...

Vivemos num sculo em que mais do que nunca a famlia desconhecida no que tem de augusta e sagrada: o interesse material mata a inteligncia e o amor; as lies da experincia so desprezadas, regateia-se as coisas de Deus. A carne insulta o esprito, a fraude ri na cara da lealdade. Quanto mais ideal, mais justia: a vida humana ficou rf dos dois lados.

Coragem e pacincia! Este sculo ir para onde devem ir todos os culpados. Vede como triste! O tdio o vu negro de sua cabea... a carroa anda, e a multido segue estremecendo...

Logo, mais um sculo ser julgado pela histria, e ser escrito num tmulo de runas: Aqui jaz o sculo parricida! o sculo carrasco de Deus e de seu Cristo!

Na guerra tem-se o direito de matar para no morrer: mas na batalha da vida, o mais sublime dos direitos o de morrer para no matar.

A inteligncia e o amor devem resistir opresso at a morte, nunca at o assassnio.

Homem de corao, a vida daquele que te ofendeu est em tuas mos, pois ele senhor da vida dos outros, o qual no faz questo da sua. Massacra-o com tua grandeza: perdoa-o!

- Mas ser proibido matar o tigre que nos ameaa?

- Se for um tigre com rosto humano, mais belo deixar-se devorar, no entanto, aqui, a moral nada prescreve.

- Mas e se o tigre ameaa meus filhos?

- A prpria natureza vos responder.

Harmdio e Aristogiston tinham festas e esttuas na Grcia antiga. A Bblia consagrou os nomes de Judite e Aud e uma das mais sublimes figuras do livro santo, Sanso cego e acorrentado que sacode as colunas do templo e grita: Que eu morra com os filisteus!

Acreditai, entretanto, que, se Jesus, antes de morrer, tivesse ido a Roma apunhalar Tibrio, teria salvado o mundo como fez ao perdoar seus carrascos e at mesmo ao morrer por Tibrio?

Brutus, ao matar Csar, salvou a liberdade romana? Ao matar Calgula, Qureas apenas deu lugar a Cludio e a Nero. Protestar contra a violncia com violncia justific-la e for-la a se reproduzir.

Mas triunfar sobre o mal pelo bem, sobre o egosmo pela abnegao, sobre a ferocidade pelo perdo: o segredo do cristianismo e da vitria eterna.

Eu vi o lugar em que a terra sangrava ainda pelo assassnio de Abel e nesse lugar passava um regato de pranto.

E mirades de homens avanavam conduzidos pelos sculos, deixando cair lgrimas no regato.

E a eternidade, agachada e morna, contemplava as lgrimas que caam, contava-as uma a uma, e nunca havia o suficiente para lavar uma mancha de sangue.

Mas, entre duas multides e duas pocas, veio o Cristo, plida e resplandecente figura.

E, na terra do sangue e das lgrimas, plantou a vinha da fraternidade, e as lgrimas e o sangue aspirados pelas raizes da rvore divina tornaram-se a seiva deliciosa da uva que deve embriagar de amor os filhos do futuro.

XIV. O NMERO CATORZE

Catorze o nmero da fuso, da associao e da unidade universal, e em nome do que representa que faremos aqui um apelo s naes, a comear pela mais antiga e mais santa.

Filhos de Israel, por que, em meio ao movimento das naes, continuais imveis como se guardsseis os tmulos de vossos pais?

Vossos pais no esto mais aqui, ressuscitaram: pois o Deus de Abrao, de Isaac e de Jac no o Deus dos mortos!

Por que imprimis sempre a vossa gerao a marca sangrenta do cutelo?

Deus no quer mais separar-vos dos outros homens; sede nossos irmos, e comei conosco hstias pacficas nos altares que o sangue nunca conspurca.

A lei de Moiss est cumprida: lede vossos livros e compreendei que fostes um povo cego e duro, como dizem todos os vossos profetas.

Mas fostes tambm um povo corajoso e perseverante na luta.

Filhos de Israel, tornai-vos filhos de Deus: compreendei e amai!

Deus apagou de vossa fronte a marca de Caim, e os povos ao vos ver passar no diro mais: A esto os judeus! gritaro: Abram alas para nossos irmos, abram alas para os que nos precederam na f.

E iremos todos os anos comemorar convosco a pscoa na nova Jerusalm.

E descansaremos debaixo de vossa videira e de vossa figueira; pois sereis ainda amigos do viajante, em memria de Abrao, de Tobias e dos anjos que os visitavam.

E em memria daquele que disse: Quem ao menor dentre vs recebe a mim me recebe.

Pois doravante no recusareis mais um asilo em vossa casa e em vosso corao a vosso irmo Jos que vendesses s naes.

Porque ele se tornou poderoso na terra do Egito onde procurveis po durante os dias de esterilidade.

E ele recordou-se de seu pai Jac e de Benjamim, seu jovem irmo; e perdoa vossa inveja e vos abraa chorando.

Filhos dos crentes, cantaremos convosco: no existe outro Deus seno Deus e Maom seu profeta.

Dizei com os filhos de Israel: Nenhum Deus existe seno Deus e Moiss seu profeta!

Dizei com os cristos: No existe outro Deus seno Deus e Jesus Cristo seu profeta!

Maom a sombra de Moiss. Moiss o precursor de Jesus.

O que um profeta? um representante da humanidade que procura Deus. Deus Deus, o homem o profeta de Deus quando faz que acreditemos em Deus.

A Bblia, o Alcoro e o Evangelho so trs tradues diferentes do mesmo livro. H somente uma lei como h somente um Deus.

mulher idealizada, recompensa dos eleitos, s mais bela do que Maria?

Maria, filha do Oriente, casta como o puro amor, grande como as aspiraes maternais, vem ensinar aos filhos do Isl os mistrios do cu e os segredos da beleza.

Convida-os para o festim da nova aliana, l, em trs tronos resplandecentes de pedrarias, trs profetas estaro sentados.

A rvore tuba far de seus galhos recurvados um dossel para a mesa celeste.

A esposa ser branca como a lua e rubra como o sorriso da manh.

Todos os povos acorrero para v-Ia e no temero mais passar Al Sirah, pois, sobre essa ponte cortante como uma lmina de barbear, o Salvador estender sua cruz e vir estender a mo aos que vacilarem, e aos que carem a esposa estender seu vu perfumado e os trar em sua direo.

Povos, batei palmas e aplaudi o ltimo triunfo do amor! Somente a morte ficar morta e somente o inferno ser queimado.

naes da Europa, a quem o Oriente estende as mos, uni-vos para expulsar os ursos do Norte! Que a ltima guerra faa triunfar a inteligncia e o amor, que o comrcio entrelace os braos do mundo e que uma civilizao nova, sada do Evangelho armado, rena todos os rebanhos da terra sob o cajado do mesmo pastor!

Tais sero as conquistas do progresso; tal o objetivo para o qual nos empurra todo o movimento do mundo.

O progresso o movimento; e o movimento a vida.

Negar o progresso afirmar o nada e deificar a morte.

O progresso a nica resposta que a razo pode opor s objees relativas existncia do mal.

Nada est bem, mas tudo estar bem um dia. Deus inicia e acabar sua obra.

Sem o progresso, o mal seria imutvel como Deus!

O progresso explica as runas e consola Jeremias que chora.

As naes sucedem-se como os homens e nada estvel porque tudo caminha em direo da perfeio.

O grande homem que morre lega a sua ptria o fruto de seu trabalho; a grande nao que se extingue na terra transfigura-se numa estrela para iluminar as obscuridades da histria.

O que ele escreveu por suas aes fica gravado no livro eterno; acrescentou uma pgina bblia do gnero humano.

No digais que a civilizao m; pois assemelha-se ao calor mido que amadurece as colheitas, desenvolve rapidamente os princpios da vida e os princpios da morte, mata e vivifica.

como o anjo do julgamento que separa os maus dos bons.

A civilizao transforma em anjos de luz os homens de boa vontade e coloca o egosta abaixo da besta; a corrupo dos corpos e a emancipao das almas.

O mundo mpio dos gigantes elevou ao cu a alma de Henoch; acima das bacanais da Grcia primitiva eleva-se o esprito harmonioso de Orfeu.

Scrates e Pitgoras, Plato e Aristteles resumem, ao explic-las, todas as aspiraes do mundo antigo; as fbulas de Homero permanecem mais verdadeiras do que a histria, e s nos restam das grandezas de Roma os escritos imortais que elaborou o sculo de Augusto.

Assim, Roma talvez s tenha abalado o mundo com suas guerreiras convulses para gerar seu Virglio.

O cristianismo o fruto das meditaes de todos os sbios do Oriente que revivem em Jesus Cristo.

Assim, a luz dos espritos nasceu onde nasce o sol do mundo; o Cristo conquistou o Ocidente, e os doces raios do sol da sia tocaram os gelos do Norte.

Movidos por esse calor desconhecido, formigueiros de homens novos espalharam-se por um mundo exaurido; as almas dos povos mortos brilharam sobre os povos rejuvenescidos e aumentaram neles o esprito de vida.

H no mundo uma nao que se chama franqueza e liberdade, pois essas duas palavras so sinnimos do nome Frana.

Essa nao sempre foi, de algum modo, mais catlica do que o papa e mais protestante do que Lutero.

A Frana das cruzadas, a Frana dos trovadores e das canes, a Frana de Rabelais e de Voltaire, a Frana de Bossuet e de Pascal, ela a sntese dos povos; ela consagra a aliana da razo e da f, da revoluo e do poder, da crena mais terna e da dignidade humana mais altiva.

Por isso, vede como ela caminha, como se agita, como luta, como cresce!

Freqentemente enganada e ferida, nunca batida, entusiasta com seus triunfos, audaciosa em seus reveses, ela ri, canta, morre e ensina ao mundo a f na sua imortalidade.

A velha guarda no se rende, mas tambm no morre. Confiai no entusiasmo de nossos filhos, que querem ser um dia, eles tambm, soldados da velha guarda!

Napoleo no mais um homem, o prprio gnio da Frana, o segundo salvador do mundo, e tambm deu como smbolo a seus apstolos a cruz!

Santa Helena e o Glgota so os marcos da nova civilizao, so os pilares de uma imensa arcada que o arco-ris do ltimo dilvio forma e que lana uma ponte entre dois mundos.

E pensareis que a espora de um trtaro quebrar um dia o pacto de nossas glrias, o testamento de nossa liberdade!

Dizei antes que voltaremos a ser crianas e retornaremos ao seio de nossas mes!

Caminha!, caminha!, diz a voz divina a Aasveros. Avana! avana! grita para a Frana o destino do mundo!... E para onde vamos? Para o desconhecido, para o abismo talvez; no importa! Mas para o passado, para os cemitrios do esquecimento, mas para os cueiros que nossa prpria infncia rasgou, mas para a imbecilidade e a ignorncia das primeiras idades... nunca! nunca!

XV. O NMERO QUINZE

Quinze o nmero do antagonismo e da catolicidade.

O cristianismo divide-se agora em duas Igrejas: a Igreja civilizadora e a Igreja brbara, a Igreja progressista e a Igreja estacionria.

Uma ativa, a outra passiva; uma sempre condenou as naes e os governos, uma vez que os reis a temem; a outra submeteu-se a todos os despotismos e s pode ser um instrumento de servido.

A Igreja ativa realiza Deus pelos homens e s ela cr na divindade do Verbo humano, intrprete do Verbo de Deus.

O que , afinal de contas, a infalibilidade do papa, seno a autocracia da inteligncia confirmada pelo sufrgio universal da f?

A esse respeito, dir-se-, o papa deveria ser o primeiro gnio de seu sculo. Por qu? melhor, na realidade, que ele seja um esprito comum. Sua supremacia no mais divina, porque , de algum modo, mais humana.

Os acontecimentos no falam mais alto do que os rancores e as ignorncias irreligiosas? No vedes a Frana catlica sustentar com uma mo o papado desfalecido e com a outra segurar a espada para combater na liderana do exrcito do progresso?

Catlicos, israelitas, turcos, protestantes j combateram sob a mesma bandeira; o crescente uniu-se cruz latina, e juntos lutamos contra a invaso dos brbaros e contra sua embrutecida ortodoxia.

para sempre um fato consumado. Ao admitir dogmas novos, a ctedra de So Pedro acaba de se pronunciar solenemente progressiva.

A ptria do cristianismo catlico a da cincia e das belas-artes, e o Verbo eterno do Evangelho vivo e encarnado numa autoridade visvel ainda a luz do mundo.

Silncio pois aos fariseus da nova sinagoga! Silncio s tradies odiosas da escola, ao presbiterianismo arrogante, ao jansenismo absurdo e a todas estas vergonhosas e supersticiosas interpretaes do dogma eterno, to justamente estigmatizadas pelo gnio impiedoso de Voltaire!

Voltaire e Napoleo morreram catlicos. E ser que sabeis o que deve ser o catolicismo do futuro?

Ser o dogma evanglico posto prova como ouro pela crtica dissolvente de Voltaire, e realizado no governo do mundo pelo gnio de um Napoleo cristo!

Os que no quiserem caminhar, os acontecimentos os arrastaro ou passaro sobre eles!

Imensas calamidades podem ainda pesar sobre o mundo. Os exrcitos do Apocalipse um dia talvez desencadearo os quatro flagelos. O santurio ser depurado. A santa e severa pobreza enviar seus apstolos para sustentar todo aquele que cambalear, reanimar aquele que estiver fatigado e espalhar o leo santo em todas as feridas!

O despotismo e a anarquia, esses dois monstros vidos de sangue, dilacerar-se-o e aniquilar-se-o um ao outro depois de serem mutuamente sustentados, por pouco tempo, pelo prprio entrelaamento de sua luta.

E o governo do futuro ser aquele cujo modelo mostrado na natureza pela famlia, no ideal religioso pela hierarquia dos pastores. Os eleitos devem reinar com Jesus Cristo durante mil anos, dizem as tradies apostlicas: ou seja, durante uma seqncia de sculos, a inteligncia e o amor dos homens de elite dedicados aos encargos do poder administraro os interesses e os bens da famlia universal.

Ento, segundo a promessa do Evangelho s haver um rebanho e um pastor.

XVI. O NMERO DEZESSEIS

Dezesseis o nmero do templo.

Digamos o que ser o templo do futuro.

Quando o esprito de inteligncia e de amor tiver se revelado, toda trindade manifestar-se- em sua verdade e em sua glria.

A humanidade transformada em rainha e, como que ressuscitada, ter a graa da infncia em sua poesia, o vigor da juventude em sua razao e a sabedoria da idade madura em suas obras.

Todas as formas que o pensamento divino revestiu sucessivamente renascero imortais e perfeitas.

Todos os traos que a arte sucessiva das naes tinha esboado reunir-se-o e formaro a imagem completa de Deus.

Jerusalm reconstruir o templo de Jeov de acordo com o modelo profetizado por Ezequiel; e o Cristo, novo e eterno Salomo, nele cantar, debaixo de lambris de cedro e de ciprestes, suas npcias com a santa liberdade, a jovem esposa do cntico.

Mas Jeov ter largado seu raio para abenoar com as duas mos o noivo e a noiva: aparecer sorridente entre os dois esposos e alegrar-se- por ser chamado de pai.

Entretanto, a poesia do Oriente, em suas mgicas lembranas, ainda o chamar de Brama e Jpiter. A ndia ensinar a nossos climas encantados as fbulas maravilhosas de Vishnu, e experimentaremos na fronte ainda ensangentada de nosso Cristo bem-amado a tripla coroa de prolas da mstica trimurti. Vnus purificada sob o vu de Maria no mais chorar seu Adnis.

O esposo ressuscitou para no mais morrer, e o javali infernal encontrou a morte em sua passageira vitria.

Reerguei-vos, templos de Delfos e feso! O deus da luz e das artes tornou-se o Deus do mundo, e o verbo de Deus concorda em ser chamado de Apolo! Diana no reinar mais como viva nos campos solitrios da noite; seu crescente prateado est agora sob os ps da esposa.

Mas Diana no foi vencida por Vnus; seu Endimio acaba de despertar, e a virgindade vai orgulhar-se de ser me!

Sai da tumba, Fdias, e alegra-te com a destruio de teu primeiro Jpiter: agora que vais gerar um Deus!

Roma! Que teus templos reergam-se ao lado de tuas baslicas; s ainda a rainha do mundo e panteo das naes; que Virglio seja coroado no capitlio pelas mos de So Pedro; e que o Olimpo e o Carmelo unam suas divindades sob o pincel de Rafael!

Transfigurai-vos, antigas catedrais de nossos pais; arremessei at as nuvens vossas flechas cinzeladas e vivas, e que a pedra conte por figuras animadas as sombrias lendas do Norte, alegradas pelos aplogos dourados e maravilhosos do Alcoro!

Que o Oriente adore Jesus Cristo em suas mesquitas, e que nos minaretes de uma nova Santa Sofia a cruz se eleve em meio ao crescente!

Que Maom liberte a mulher para dar ao verdadeiro crente as huris com que tanto sonhou, e que os mrtires do Salvador ensinem castas carcias aos belos anjos de Maom.

Toda a terra revestida com os ricos ornamentos que todas as artes lhe bordaram ser ento um templo magnfico, cujo padre eterno ser o homem!

Tudo o que foi verdadeiro, tudo o que foi belo, tudo o que foi doce nos sculos passados reviver gloriosamente nessa transfigurao do mundo.

E a forma bela continuar inseparvel da idia verdadeira, como o corpo ser um dia inseparvel da alma, quando a alma, tendo alcanado todo o seu poder, ter feito para si um corpo sua imagem.

Esse ser o reino do cu sobre a terra, e os corpos sero os templos da alma, da mesma forma que o universo regenerado ser o templo de Deus.

E os corpos e as almas, e a forma e o pensamento, e o universo inteiro sero a luz, o Verbo e a revelao permanente e visvel de Deus. Amm! Assim seja!

XVII. O NMERO DEZESSETE

Dezessete o nmero da estrela; o da inteligncia e do amor.

Inteligncia guerreira, audaciosa, cmplice do divino Prometeu, primognita de Lcifer, louvor a ti em tua audcia! Quiseste saber para ter, desafiaste todos os troves e afrontaste todos os abismos!

Inteligncia, tu a quem os pobres pecadores amaram at o delrio, at o escndalo, at a reprovao! Direito divino do homem, essncia e alma da liberdade, louvor a ti! Pois perseguiram-te pisoteando, por ti, todos os sonhos mais caros de sua imaginao, os fantasmas mais amados de seu corao!

Por ti foram repelidos e proscritos; por ti suportaram a priso, o desenlace, a fome, a sede, o abandono daqueles que amavam e as sombrias tentaes do desespero! Eras o direito deles, e eles conquistaram-te! Agora eles podem chorar e crer, podem submeter-se e rezar!

Caim arrependido teria sido maior do que Abel: o legtimo orgulho satisfeito que tem o direito de se fazer humilde!

Creio porque sei por que e como preciso crer; creio porque amo e porque no temo mais nada. Amor! amor! redentor e reparador sublime; tu que fazes tanta felicidade de tantas torturas, tu, o sacrificador do sangue e das lgrimas, tu que s a prpria virtude e o salrio da virtude; fora da resignao, liberdade da obedincia, alegria das dores, vida da morte, louvor, louvor e glria a ti! Se a inteligncia uma lmpada, s a sua chama; se o direito, s o dever; se a nobreza, s a felicidade! Amor pleno de orgulho e pudor nos mistrios, amor divino, amor oculto, amor insano e sublime, Tit que toma o cu com duas mos e que o fora a descer, ltimo e inefvel segredo da viuvez crist, amor eterno, amor infinito e ideal que seria suficiente para criar mundos, amor! amor! bno e glria a ti! Glria s inteligncias que se encobrem para no ofender os olhos doentes! Glria ao direito que se transforma inteiramente em dever e que se torna a devoo! s almas vivas que amam e consumam-se sem serem amadas! aos que sofrem e no fazem nada sofrer, aos que perdoam os ingratos, aos que amam seus inimigos! Oh! felizes sempre, felizes mais do que nunca os que se empobrecem e que se esgotam para se dar! Felizes as almas que fazem sempre tua paz! Felizes os coraes puros e simples que no se acham melhor do que ningum! Humanidade minha me, humanidade filha e me de Deus, humanidade concebida sem pecado, Igreja universal, Maria! Feliz de quem tudo ousou para te conhecer e te entender, e de quem est pronto a tudo sofrer para te servir e te amar!

XVIII. O NMERO DEZOITO

Esse nmero o do dogma religioso, que toda poesia e todo mistrio.

O Evangelho diz que, quando da morte do Salvador, o vu do templo rasgou-se, porque essa morte manifestou o triunfo da devoo, o milagre da caridade, o poder de Deus no homem, a humanidade divina e a divindade humana, o ltimo e o mais sublime dos arcanos, a ltima palavra de todas as iniciaes.

Mas o Salvador sabia que no seria compreendido a princpio, e disse: No suportareis agora toda a luz de minha doutrina; mas, quando se manifestar o esprito de verdade, ele vos ensinar toda verdade e sugerir o sentido do que eu vos disse.

Ora, o esprito de verdade o esprito de cincia e de inteligncia, o esprito de fora e de conselho.

Foi esse esprito que se manifestou solenemente na Igreja romana, quando ela declarou nos quatro artigos do decreto de 12 de dezembro de 1845:

1 Que, se a f for superior razo, a razo deve apoiar as inspiraes da f;

2 Que a f e a cincia tem cada uma seu domnio separado, e que uma no deve usurpar as funes da outra;

3 Que prprio da f e da graa no enfraquecer, mas, ao contrrio, afirmar e desenvolver a razo;

4 Que o concurso da razo, que examina no as decises da f mas as bases naturais e racionais da autoridade que decide, longe de prejudicar a f, no poderia seno ser-lhe til; em outras palavras, que a f, perfeitamente racional em seus princpios, no deve temer, mas deve, ao contrrio, desejar o exame sincero da razo.

Semelhante decreto toda uma revoluo religiosa acabada, e a inaugurao do Esprito Santo na terra.

XIX. O NMERO DEZENOVE

o nmero da luz.

a existncia de Deus provada pela prpria idia