a casca da ira

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  • 8/14/2019 A Casca da Ira

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    1:

    A

    CASCA DA IRA

    DARLAN M CUNHA

    poemas

    Editora VOORARA

    TEORIAS ACUMULADAS

    a palavra trabalho do espantoque a gerou, gira sobre o falso e o real

    que o mundogestadiante e por trs da portade sua curta existncia: assim, a palavra

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    A CASCA DA IRA

    Darlan M Cunha

    poemas

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    A CASA DA SOMBRA GUARDADA: O DESERTO

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    8:A CASA DA SOMBRA

    Subjugada est a sombra nesta casaprxima de onde beis e tuaregssaram das suas para outras dunas e tendasdomarem, por fora

    das razes da fala e da adaga.

    Vive calado, mas fundo na sua memriade gua e sal o que essa casa hoje, deserto - foi: mar, marque ainda planeja, enquanto desfia inquietosono, reaver-se, mas guardada estsua herana, pelas razes do que lhe desfez

    a fala: as adagas dessa tribo solar.

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    9:O DESERTO 1 - Caligrafia(s) do Deserto

    Melhor ler com cautela a caligrafia do p, os rumos de quembusque uma fictcia ramagem por trs das dunas, cascasde tempo e cascavis desfiandoguizos nas tendas uniformes, pensamentos dspares revolvendocu e terras, mas na outra

    mo da vidah mais areal. Sapincia estar morto, se morto ests, se mortaest a convico, porque tambm o deserto repartea sua mobilidade, assim

    melhor estudar melhor o que h sob o n grdio

    das caligrafias, porque ovos ainda h sob o chapu das estaes.

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    10:O DESERTO 2 - Mos cheias de luas

    fracos reflexos no areal, j que no vai seno a meioa lua cantando baixo, descansandoem seu itinerriosarico, de leve, a guerreira leva o pote de areiaaos seios, sabe

    que l lugar de se perder, pensa em que desertos tornaram-se-lhe

    os seios, as mos, o pensamento

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    11:

    O DESERTO 3 - Mos cheias de sabores

    ecos no deserto advertem que servidos j foramo cio e a suspeita, quase ntimosdo que os possa mais absorver, aderem

    ao fio de esperana os nmades, pelo que h muito tempo (parece)o pavorno mora em lugar

    algum, pelo menos

    no perto daqui, de quem no comete maisdo que apenas alguma ressalva permanncia roazda insnia, que duro o encostar-se

    numa duna, e no sonar

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    12:

    O DESERTO 4 - As montanhas desfeitas

    ficou no arealentre as dunas ficouo amor, e j no se sabe,

    de soslaio ou de frente,o que o semblante futurodo amor, e o que saborde antigas montanhasde granito, feitas p

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    13:

    O DESERTO 5 - A perda do reino

    a garganta do diabo o deserto, folia de reis e beis,guerreiros e pastores nmades,

    devassido solarassopra as patas dos rpteismisturados ao silncio, correndocada vez maisde sua loucura irreversvel, nica,amada e temida pelos deuses,que o deserto a contamaior que se tira

    em vida

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    14:

    O DESERTO 6 - Fila indiana de formigas

    andam rpidoporque o deserto requer sabedoriaespecial

    para se lidar com ele, o inferno exijepompa, para que contigo possa ele perderalgum dedo de prosa eterna

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    15:

    O DESERTO 7 - Gente no meio do caminho

    o areal move-se feito gatoescaldado, rastejante bicho humilhado por sersomente

    enorme cordilheira de granizoesfacelada, chora

    o deserto mia feito gente, chorafeito gato

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    16:

    O DESERTO 8 - A moeda

    e porque o deserto no admite confrarias, trustes ou exorcismos,nada nele se faz

    sem o aval da morte ldima, morte em vida cristalina, ora,

    perguntar-lhe pelo poder de compra e venda ? ao deserto ? no.

    no deserto (cinemarude, mudo) s h uma moeda

    (dizem que jesus ficou por l40 dias e 40 noites, mas o cacife dele logo acabou-se na jogatinade compra e venda de almas)

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    17:

    O DESERTO 9 - Uma sensao conflitante mi o deserto

    cansado de abraar nuvens perdidas, chorasuas luas o deserto, desancado, filtra

    paz nas formigas, masama a teimosia

    em suas pernas e sexos (doissexos travam e destravam o deserto)

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    O DESERTO 10 - O bilhete do invasor

    Sinto muito que a vida tenha sido deserdada demaispor mim, com seus encargos psquicos, membranas distendidasou recolhidas ao fogo do deserto, aos pruridosdo desespero que a solidez da solido que sobre todos se

    espraia, como, numa praia,um solitrio bbado que acorda todo assado pela vida

    e pelo sol; por isso

    e por muito mais, sinto muito que a vida tenha sido demaispara mim que, nada tendo apostado com ela, com ela deixo assementesdo seu prprio fruto, eu, que pelas invases prosperava,mas que, de verdade, o fruto-base (eu mesmo) no vingou, tornadoalgo torto e feio como o olho de cima do linguado.

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    19:

    O DESERTO 11 - Baob

    premissas e promessas do mundo, baob,no atravessam bem o deserto, graves e inteise agudos so os remorsos do mundo

    procurando guarida

    onde a cascavel almoa em silncio a sua destreza,onde expe seus gros de medocada rato

    no, do mundo no queremos notcia,que os ombros do deserto so as dunas, e as ancaso seu movedio palcio onde s os camelose seus amos e amas sabem sob que horizontearmam suas tendas

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    O DESERTO 12 - Deus, Diabo, Dados

    sob promessas de luz(quem mais falso:Fausto ou Mefisto ?)o olho pressente mida

    a trilha fechando-sesobre seu entorno, tronomanchado de sangue,todos os bichosviventes no olho do desertoredobram a guardanas dunas: deuse o diabo jogando dados

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    21:

    O DESERTO 13 - Wrestling the ghosts of History ?

    pele negra, desrtica herana, quente e spera a peleda desrazo que o deserto faz incidir sobre os perdidosem seu longussimo vu, longo o cu

    da boca do deserto, de sua argciano se leva nada, a no ser a msica que de suas dunasnos chama para com elas danare ficar

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    O DESERTO 14 - Instrumentos para a msica das dunas

    Ter nomes trocados ? isto se pode, mas se ningum tem a senhade onde o deserto guarda flores e asas, ento, o que hde novo ?

    a mulher ainda o que hde novo, assim

    ela sabe ser instrumento: toca o alade e a ventaniade dedos desviados do inicialobjetivo

    esterilizados e vidosesto os homens, indoaonde haja no interior da gentemais opes de venenos, dunas e tempestades

    de areia e de palavras, que o desertomedra, e deves com ele haver-te (como fugir, amor, do que mitbios e fortes ? de sectrios sermos, se as marcas nas dunasso nossas pegadas, marcadas pelo eterno e seu dorso deenganos ?)

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    23:

    O DESERTO 15 - Plen

    antigo o plencincia de ir

    pelo ar ouno bico de alguma des-

    conhecida vazo viajao plen assando osmiolos da razoat pousar num desertoe florescer, nude qualquer eu, nu

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    O DESERTO 16 - A adaga fala

    longas batas e barbas hirtas,hordas lascivas vieram aqui(bispos, polticos, soldados)ao deserto vieram histricas

    (princesas e outras atrizes)pregar amores pelo vil garrote,metlico estupor, vieram, masdesaforos de adagas levaram(sem nenhuma exceo)do deserto onde todo sacrifcio natural como tudo aqui :o exato meneio da camelasobre a qual, desde sempre,v o horizonte o nativo das dunas

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    25:

    O DESERTO 17 - Sonhar ao

    sonhar dos bichoshomens e mulheresapenas vivem o comumsem sonharem

    porque sonhar algocheio de areia e vida,sabem disso ambos:o nativo e a sua camela,e l vo elesfazer pegadas nas dunasdo amanh, nuncanas pegadas de ontem,sonhar dos bichos

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    26:

    O DESERTO 18 - Ecos de um lagarto

    o grande amarelo arrasta seu fascnioestelar, mas inerte est o lagarto, o qual talvez se pergunteo que h de mais solar

    do que, s tantas da desrtica noite, o nativo lutarcom o vazio legtimo e saudvelda respirao

    de sua camela,j toda ela, assim como o seu dono, incendiadapelo calor que sobe noturnamente das dunas onde repousamas ancas ?

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    27:

    O DESERTO 19 - A raiz da fala

    treva no ele

    o deserto manta

    nunca treva

    Atacama, tu me desejassobre a tua cama: nu

    branco de sal e saudades, sossos

    num trevo de cincogros de areia

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    O DESERTO 20 - O Nada

    tudo no deserto tem milmilhes de tempos, ardeem cada gro o antigo, o sexode seus pais (rochas diludas)

    arfa neles, arde nelesuma sede antigade mar, foi mar o que hoje marde areia, arena, areal, sinnimode agruras e silncioem seu estado puro, difereda gua de bica, antnimode fcil o Grande Areal,ativa-se sobre o teu ativode invasor, ludo e leis pessoais eintransferveis, tudo no Nadatem mil milhes de provasduras como o granizo e o silncio

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    O DESERTO 21 - Tmaras & Crianas

    abriga a dor da camela o areal que parece nunca terminar, abertoem leque, o areal se consome e assume a sua sina,sua boca (a do areal) e a dela (a da camela) nunca se encontramsozinhas: arde nelas o ofcio de viverem a persuadir a morte (O

    Grande Deserto) a visitar-lhes a tenda e conhecer-lhes o encantode seus tapetes e chs (no deserto, silncio moeda forte)

    e a no molestar as crianas, antes ou depois de brincarem com osole as tmaras as crianas

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    30:

    O DESERTO 22 - Solstcio nico

    a Loucura sabeno haver lugar no deserto

    para ela, s

    o raboe o solriso do lagartolhe cabem

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    O DESERTO 23 - The Sky Under Us

    sobre o Deserto do Tnr(que significa lugar onde no h nada)a frase de uma cano estrangeira:

    People say I'm crazy doing what I'm doing *

    e todas as camelas entenderam

    e continuaram com renovadascalorias a marcha antiga de suas ancas

    *: JOHN LENNON. Watching the wheels.

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    O DESERTO 24- Diferenas bem reunidas

    diferem dos lbios dos atoresos braos do deserto: ardemambos, lutam, ambos cedemquando a fria noite lhes domina

    as dunas, mas, ento: diferemem quhumanos e desertos ?na contagem dos gros salvosdas respectivas tempestadesde areia e de palavras, sim,o deserto difere de homens e mulheres

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    O DESERTO 25 - O Livro da areia

    para o livro de areia, mil e maistoques nobastam para revir-lo e vermincias contidas na estrutura

    antiga, tornada grose, em breve, p

    e esquecimento, pequenavaga na memria do Homem

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    O DESERTO 26 - Memria & Psicanlise

    histria ressecada, ou midacerteza, vive com premissase promessas o vizinho, sob custicos dizeres

    do Outro.

    Eis o Homem e o Nada, seus groscomo extensa e feroz nuvem rumo ao interiordo continente, similar degradao

    da Memria, ao que ela, a Memria, foi,

    isto porque a gente esquece, mas o Nada implacvelcom a sua memria de deserto,no de elefante nem de humanos

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    O DESERTO 27 - Arte guerreira e baob

    roupa de guerreiro o escudo de sua lana(pintado de claras intenes)e nada mais lhe tanto de serventia (excetoo gado

    e os ossos dos ancestrais),

    nada lhe importa tanto quanto a vozdas cores bailando nas dunas, coando os pse o sexo

    debaixo da pachorra de um baob

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    O DESERTO 28 - Dos sigilos

    no deserto, poder-se-ia manter sigilo, se interligadas no fossemas dunas, se no se fortalecessem com o que no Homem

    escasso, de moeda

    baixa, besta quadradaou no, l vem um tutor com seu baralho de falavras, vestindocores smiles s nossas mas falsascores, j o sabemos pelo modo da andadura,

    pelo que em ns - os das terras secas - intil, medido e

    zerado: o riso fcil, falso

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    O DESERTO 30 - Aluses e outros truques

    Algum bebe chistes & mazelas; bebas o que do povo do deserto,bebas a tua poo, teu rak, teu leite de ovelhas; mas a mim, oDeserto, bebam-me todos assim: devagar, com ateno redobrada,

    pois a minha Escritura plena de truques, aluses, disfunes,

    sombras e corrimentos que o deserto pe nos venturosos.

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    39:

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    AS CASAS AO LADO: GMEAS DA DOR - A CIDADE

    .

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    40:A SUICIDADE 1: Os ns do betume, as falanges dos dedos

    esquinas sem nome e sem data(mais de um milho, quero ver, ento...)*

    verve maquinalimpondo laudos e autos de devassanos cartrios em diacom a prpria lei do po

    acre, a rstica corridapelos ns dos dedos brancos de presso

    *: Clube da Esquina n. 2 - L Borges, Mrcio Borges, M Nascimento

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    41:A SUICIDADE 2: Asas de porcos & lombo de frangas

    perdida a capacidade de indignarem-se, as criaturasentram e saem e caem sob rodas, a poda constanteno metlico jardim onde a pane se liquefaz

    e o que escorre em seus degraus e trilhos no s plasma

    nada disso: o que escorre a breve arquitetura do choro (a lgrima) *

    j completamente cida & seca, em todos e todas

    *: Eugnio de Andrade (Portugal), no poema Lgrima.

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    42:A SUICIDADE 3: guas turvas e problemticas

    o po que a cidadeamargou (estou comendo o po dos outros, e o po dosoutros cada vez mais amargo)*

    aqui est, no profano desta mesa (j no mais um improviso),

    sob ponte igual a tantas, abrigando vidas

    residuais, ora, cada qual mendigando com a suaespecfica e mesma

    cano: bridge over troubled water **e poema: para os bichos e rios / nascer j caminhar ***

    *: Mximo Grki**: Paul Simon Art Garfunkel

    ***: Joo Cabral de Melo Neto. O rio.

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    43:A SUICIDADE 4: Digamos que se fala de ti

    Ir a Madrid, sacar de sus calles y balcones, perros y cuchillos,o benefcio da dvida: estar ou no estar ali ou aqui, em Madri,en una escalera abierta al triunfodo salto ( conquistadores e mercenrios, piratas e bucaneirosde todo o mundo, un-vos !), quedarse bajo una ventana,ou ficar neste ptio fechado aos olhares indiscretos da sciaurbana, ir a Madri, ou ficar aqui, tudo tem l os seus encantos, sim,a beleza tambmtem seus encantos e enganos.

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    44:A SUICIDADE 5: Mapa psquico: o mapa diminui cada vez mais

    torna-se do tamanho do quarteiroo mapa dos usurios

    do pavor

    da luxria

    que a idiotia, idioma de predadores,de vtimas e algozes de si mesmos(uccellacci e uccellini)*

    mais seco, piroclstico, torna-seo ar de pavorque a iluso, quando cessa, d, tornando-nos endividadoscom a clareza

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    45:A SUICIDADE 6: Ascendncias esprias e vagas descendncias

    Sabe-se que a tua me no flor que se cheire, rameira deslavada,maltrata-te ao dirio, de inmeras formas e intensidade so osderrames e delrios dela, e os teus sintomas comearam cedo,devido s anomalias que sobre ti caram, caem e cairo; teu

    padrasto o bar, birosca ou bitaca, mafu ou zurraparia, teu

    padrasto o bar da saideira, teu lugar de, de outros modos,apanhares vrus de maldades e bactrias da idiotia, bem comogermens da apologia ao devaneio ou, o que ainda pior, virtualizaro sentimento de frustrao constante (o teu, o de toda a suicidade),dando ecos falsos de sofrimento e bons sentimentos que no tens,nem ela, misturando as coisas para a tua platia de meia dzia deruas e avenidas do teu bairro, mondo cane, onde estilhaos dedesamor andam de mos dadas, onde os crimes passionais so

    mais comuns do que batatas mesa da scia que aqui vive (moroaqui tambm, mais na delegacia), sim, isso:

    sei que a tua madrasta est em todo lugar neste lugar que dela,sei que ela a melhor cliente dela mesma, e o teu pai, cada vezmais hirsuto e fedorento, ares e gestos e fatos de bastardo, afunda-se naquele tipo de dvida impagvel, e assim que ambos -madrasta e padastro no te largam de jeito nenhum, pois s tu o

    dependente e o mandante, s quem sustenta a suicidade, ou seja,a tua madrasta, e s tu quem sustenta o teu padastro, ou seja, obar, e os ecos do teu desespero chegam aqui, onde outras muitas

    perversidades esperam, a no ser que uma bala perdida te beije,ou um beijo partido te ache no meio dos delrios da tua me - asuicidade -, ou no seio do teu triste pai - o bar.

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    46:A SUICIDADE 7: Cadeados & Senhas

    um silncio aflito no restaura a suicidade, dedos ao avesso, muitasoportunidades atravessam a cidade, por dentro das pessoas,suas artrias, dou tudoela diz

    na prxima esquinaquero uma

    chance, no um eco de chance, que transmita, sem alarde, asmuitas palavras e sensaes guardadas na suicidade, mais ainda

    para quem souber imagin-las flor da pele

    deste silncio aflito

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    48:A SUICIDADE 9: Pirotecnia

    o estgio atual dos fogos na monstrple o de que os dedoscaros modstia do sonhoencontrem medos prontosna feira: ali, certo jogo da amarelinha faz crianas saltarem

    aos pedaos, diz a faculdadede pensar diz que o estgio geralda vida crculo, que a distncia maior, de um para o outro,dentro de um crculo, de 180 graus

    todos los fuegos el fuego

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    49:A SUICIDADE 10: Amnsia, Mmese, Claustrofobia, Neurose,Acusma, Anamorfose e Antinomia, Cancro e Simbiose

    Aferrar-se ou desaferrar-se ao n da dvida ? viver o que vivequem vive por trs do vidro, e de l salta ?Saltar verso urbano, cujo grito uma longa queda,

    isso mesmo o brao citadino, tambm a risrural , e louvado gado sejas tu, cristo velho judeuque a boca do metr come e cospe, de tquio a sampa, combruscas frases que aos meus lbios vm*

    e nada de remorsos pelas tradies, eis os mveis da casae o mvel do crime, de quase nada se sabeneste convvio de ferros entre ferros, de astros sob ndoas

    venenosas, diludas com solventes

    Gente soluo exata para qual frmula ? perguntouo cavalo de um carroceiro porta do bar, esperando cargas edescargas de neurose, algum beijo partido s portas do Nada.

    *: Da cano Emissrio de um Rei. Fernando Pessoa (PT) - MiltonNascimento (BR)

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    50:A SUICIDADE 11: Sal

    primitivo o sal, coava luz

    antes de feiras e mercados,os ps dos nmades coava,

    viveu na boca das vtimase na mo dos algozes roouat descobrirem seu docecomercial, e aoutra etapa comeou, e assim o meu espanto por saber que por umquilo de sal o punhal se d de litronum peito, no centro

    da suicidade, sim

    primitivo o sal, sendeiroluminoso onde me esterilizode quem humano se diz

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    51:A SUICIDADE 12: Realismo social numa esttua equestre ?

    acima dos tetos ho corpo de um lenolcinza (antes, azul)acima dos tetos h

    um grande coelhonegro (antes, branco)acima dos telhadosda suicidade h, sim,tempo de granizo nasfalas abruptas sobreo permetro onde gentealisa suas plsticas

    flores, todos sob totalcontrole, dados aosecos de seu impassesocial, moral, sim, eiscomo se forma a arqui-tontura do silncio, afabricao da loucura

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    52:A SUICIDADE 13: Graves & agudas

    pelos talhos no dorsodo po, sovado luz de antiganecessidade, trguano h, menos ainda se pouco

    ou nenhum o rostoda tua moeda, e no dorsoda mo que assimilao furto, algemas gritam, riemde bom rir as mulheresembarcando para o pesadelosexual num distante lugar

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    53:A SUICIDADE 14: Meditando na praa

    No pedir nem a deus nem ao diabo (merosescapes, humanas dilaes) para te levaremao bem, para te livrarem do mal - ou seja, deles mesmos.

    No crivar as horas da manh com meditaes, baratasfilosofias ou mantas de algodo espiritual, no: o teu termode posse seja outro (no o outro), outraseja a tua via (no esta praa de espria sonoridade)

    rumo Negao, e dizei que s teu o rio que molha o cho da tua imaginao.

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    54:A SUICIDADE 15: A boca da rosa

    o transeunte cabulosoao travar a bufa da gruauivando para a rua;ela, a noite, nebulosa,

    e em cada mo delae na boca delah uma escura rosa...o transeunte pressenteque a noite ilesa a toquesde recolher, no delaficar corada, sem beber

    o transeunte sestrosoao parar na avenidaonde j no uiva a grua;antes, corta os alarmesda suicidade e entrano ptio maior do perigo,ferra no sono o guardado dia, apanha a senha

    da felicidade, e se torna asas

    sim, h passantes jeitosos:

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    55:atores de terceira no tremfantasma, matria de escusos lancesde dados e de frvolos

    risos sob lenis amargurados,a noite expande-se neles(nos mnimos atores)at que o transeunte se valhadela para se esconder de si,

    para se encontrar consigo, talvez,sentir o que nele inverno,do quanto nele vige o inferno

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    56:A SUICIDADE 16: Anexos

    anexos esquerda e direita da arquitonturaas pranchetas ringem

    logo abaixo do solo, antigos nos perigos, operrios

    coletam ossos que mil enxurradas trouxeram, antes das religies,do tempo das primeiras botasdizerem: norte, sul, leste, oeste

    e se fez a suicidadecom seus anexos biliosos e suas coberturas aptas asuicidas

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    57:A SUICIDADE 17: Asfltico

    nomeia o intentoferoz rota, suspeita-se

    do instinto que, parece, ainda

    vige, remdio hpara dormir

    diz: roaz a rota

    o custode abrasivas lies no dorsomoderno: sabes tu

    morrer ?

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    58:A SUICIDADE 18: Os dspares

    Ciano, pginas que lesteno so de salvarcidade, no so de ir s ervas filosofais ali encerradasnos bulbos das praas, nada alm

    disso, nada aqum de nsviver

    impune, Ciano, a tua cor amadapelos dspares: crianas, marlins, estrelas

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    59:A SUICIDADE 19: O bar vai fechar

    de pernas para o ar estode cadeiras, respiram seu cansaoda vida

    noturna; vazias,quase sismgrafos, as cadeiras advertem que no se saremsem carapaa, a exemplo do caracol, semprecom a prpria casa

    s costas, mundo moderno, de barras

    de ferramentas e senhas vive-se esvaziando o salriodo medo, cadeirasde pernas para o ar, no bar, homens danificados

    pensam no futuro, comemo presente, bebem o passado

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    60:CARA SUICIDADE 20: O rio

    A natureza do rio desconhece traxestonificados, tendes e msculos e fibrasde qualquer tipo, que de sua ndolearrastar datas comemorativas, esttuas,

    pondo no lugar delas uma data inesquecvelcheia de barrancos derrudos e mortes.

    O sentido em que o rio viaja sempreo mesmo, sempre com uma espumadiferente nos cantos de sua boca, chamaa si os nmades, fazendo deles dependentes,cmplices, aliados, at que eles e elas

    o apunhalam pelas costas, sim, o riosofre fortes represlias, jusantee montante, cheias e secas, outras cheias

    de decretos por gruas, dinamite e venenos,mas a natureza do rio, seu sentidode cumprir-se total, sua sina de mineraldesobediente renitente, e as suas quatro faces

    ou margens s se contentam de modo nicoquando sobre ele comea a erguer-se,de ambos os lados, a maravilha maior

    da Humanidade: a simbologia da ponte.Ento, o rio ri, caudalosamente, gargalha.

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    61:

    3THE CITYSo she shares what it's like to be a bikini modelor a serial killer model

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    63:SEM ANTOLOGIA: Formas & Ecos

    vista ou desvista o biquini, pela manh que ela mais amaa cidade que j vai alta, alta noiteo aparato levando-a de encontro s carretilhasde sempre, ao ns e ao outro, ao eles e elas de sempree de nem sempre, o po todo de um oco dia, padaria colo

    quase de me, vestindoou tirando o biquni a garota da alta noite, o gatoajeita o horizonte, nunca rejeita seu gosto o gato saltando silncios,

    pipoca & tiros, a esquina visionria que diz coisasde sancho a quixote, coisas ditas por fausto a mefisto,na esquina impdica e imprudente, maquinal,

    sat diz: os cantos dos olhos limpos como pontas de lana.*

    *: SHARON OLDS. Do livro Sat diz, no poema Primitivos. EditoraAntgona. Lisboa. Traduo de Margarida Vale de Gato.2004.

    VRTICE

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    64:

    Sem prumo de partilha ou de herana cabal, sem nadaque desincrimine e limpe a sombrasocial, a criatura vagueia, sem acar e sem nexo,

    pela cidade submersa, masonde est a notcia, mesmo que ruim ? onde esta teimosia que faz a notcia, que faz com que o Mundo se mostre

    tal como : vrticedentro do qual nenfares e camalees, a rosae o azul provinciano compaream com seus donse tticas ? Onde vive a notcia,se ainda respira junto aos muros algum paraberto em leque ? se se pressente que uma bocacheia de indizveis colares dir a frase terrvel, redentora ?

    TEORIAS ACUMULADAS

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    a palavra trabalho do espantoque a gerou a partir do falso

    e do real que o mundo gestadiante e por trs da porta, o espetculoest pelos suores no imaginrio

    da platia, ansiosa,

    a vida no faz ressalva nenhuma ao perguntarpor que voc no vem at aqui ?

    O NADA

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    66:

    Quem entrar aqui, abandone qualquer nesga de esperanade que o silncio e o grito dos inocentes venham lascaro reboco desta moradia sem paredes, usurasem teto e sem soalho, aqui a casa do Nada portanto,

    percam aquela esperana comum a leigos e leigas, s filhas e filhosde algo to pfio quanto a f, pois a f o medo ao Nada,

    e quem entrar aqui logo saber o conforto das chamas, logopedir mais lbios para a inenarrvel algazarra das chamas.

    Quem entrar aqui, ser levado ao esquecimento totaldo que foi, das sublimaes a que se viu subjugado, dos endereosnos quais deveu cuidar de um jardim cujas bromlias e orqudeaseram de cinza e mofo, vencidas em seu tempo de encantamento,

    jardim com cinzas de homens ocos e de mulheres usandosaltos diferentes nos sapatos, luvas com seis dedos, j se disseque o mundo pouco para satisfazer uma mulher,mas aqui a danao tem vez, na casa do diabo a mesa estsempre de cama, melhor, na cama.

    Quem entra aqui, fica. Intil paisagem o medo ao Nada.Quem entra aqui, fica.

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    FINAL, MENTE. FINAL.

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