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A A C C a a r r n n a a v v a a l l i i z z a a ç ç ã ã o o d d a a M M o o r r a a l l i i d d a a d d e e d d o o s s C C l l á á s s s s i i c c o o s s d d a a D D i i s s n n e e y y e e m m E E v v a a n n d d r r o o Salda n nha

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Francisco Evandro Fernandes Saldanha

A Carnavalização da Moralidade

dos Clássicos da Disney em

Pau dos Ferros - RN 2009

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Francisco Evandro Fernades Saldanha

A Carnavalização da Moralidade dos

Clássicos da Disney em Shrek

onografia apresentada ao Curso de Letras, do Campus Avançado “Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia” –

CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, como parte dos requisitos para fins de obtenção do título de Graduado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa e Respectivas Literaturas.

Orientador: Prof. Ms. Evaldo Gondim dos Santos

Pau dos Ferros - RN 2009

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Dedico

Aos meus filhos Filipe Victor e Débora Sofia e a minha esposa Diana.

"A aprendizagem é um simples apêndice de nós mesmos; onde quer que estejamos, está também

nossa aprendizagem."

William Shakespeare

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Agradecimentos

Ao Senhor Deus, pelas batalhas vencidas e vitórias alcançadas. A minha esposa (Diana), que esteve ao meu lado, todos os momentos, ajudando a trilhar esse caminho com carinho e compreensão. Aos meus filhos (Filipe Victor e Débora Sofia), que renovam, a cada dia, minhas forças, pois seus sorrisos me proporcionam mais amor e alegria em minha vida. Aos meus pais (Sidney e Graça), sempre presentes em minha vida, compartilhando os momentos alegres e ajudando nas dificuldades. Aos meus filhos do coração (Sara e Gabriel), que me fazem rir e refletir em como é bom viver com o sorriso de uma criança. Ao Professor Evaldo, pelo compromisso e responsabilidade e pela aceitação de trilhar esta jornada me orientando em todos os momentos. À Professora Adriana pela compreensão e por estar sempre disposta em esclarecer nossas dúvidas. Ao Professor Charles Ponte pela sua indicação inicial da temática. Aos Professores Emílio e Vilian por suas contribuições, como examinadores. Aos meus colegas do oitavo período (2008.2), que me acolheram com carinho e respeito.

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“Por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta

virtuosa.”

Marilena Chaui

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Resumo

ste trabalho objetiva compreender como a moralidade no cinema infanto-juvenil e nos clássicos da Disney é profanada no filme “Shrek”. Com base em uma pesquisa bibliográfica, propomos apresentar a moralidade vista no cinema infanto-juvenil e nos clássicos da Disney de maneira teórica e

prática, e destacar alguns filmes que apresentam esta moralidade, enquanto fator indutivo na formação moral das crianças. Em seguida, abordamos a carnavalização como elemento presente em vários filmes infanto-juvenis e em filmes mais atuais da Disney, destacando as mudanças e renovações deste estúdio mundialmente conhecido como tradicionalista, e também as paródias e homenagens, presentes nestes novos filmes, aos seus clássicos. Num terceiro momento, confrontamos clássicos da Disney com o filme “Shrek”, destacando as possíveis reflexões de como a carnavalização em “Shrek” pode apresentar uma nova perspectiva da moralidade presente nos bons costumes e na hierarquia social, que por muito tempo determinam o certo e o errado, quando se trata de relações entre indivíduos de classe baixa e alta. Entre os teóricos usados nas discussões, incluem-se Bakhtin (1981, 2008), Sá (1967), Peaget (1994), Soares (2006) e outros, que deram sua significativa contribuição. Dessa forma, asseguramos que a pesquisa foi valiosa para nosso aprendizado e para a temática discutida.

Palavras-Chave: Moralidade, Profanação, Cinema infanto-juvenil.

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Abstract

his study aimed at understanding how morality in children's cinema and the Disney’s classic is profaned in the movie "Shrek." Based on a bibliographical research, we intend to show morality in children's cinema and in Disney’s classics in a theoretical and practical way, and to point out

some films that present this morality as inductive factor in moral training of children. This way, we approach carnavalization as an element presented in several children’s films and in the current Disney’s films, highlighting the changes and renovations of this world famous studio as traditionalist, and the parodies and tributes in these new films to its classic. In a third moment, we confront Disney’s classics to movie "Shrek", pointing out the possible morality’s desecrations in Disney’s films, and also showing a reflection of how carnavalization in "Shrek" may provide a new perspective of morality in traditional customs and in social hierarchy that determines the right and wrong when it comes to relations between individuals from low and high class. Among the theorists that we use in our discussion, we may mention Bakhtin (1981, 2008), Sá (1967), Peaget (1994), Soares (2006) and others that gave their significant contribution. Thus, we make sure that the research was valuable for our learning and to the theme discussed.

Key-Words: Morality, Profanity, Children's cinema

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Lista de Figuras

Figura 1 O cão e a raposa .................................................................................. 15

Figura 2 Sloth Fratelli, cara de monstro e coração de herói............................... 19

Figura 3 Draco Malfoi desafia Potter a pegar o Lembrol de volta....................... 20

Figura 4 Mary em diferentes situações............................................................... 21

Figura 5 Mary e seu primo Colin em conflito; os primos sofrem transformações 22

Figura 6 Oswald The Lucky Rabbit ………………………………………… 23

Figura 7 Mickey Mouse ……………………………………………………… 23

Figura 8 Uma fábula em seis imagens................................................................ 24

Figura 9 Cenas sombrias .................................................................................... 25

Figura 10 Branca de Neve e os animais na floresta ............................................. 26

Figura 11 No final: Madrasta morre; o beijo desperta; felizes para sempre. 26

Figura 12 Desenhos geométricos, com influência gótica .................................... 27

Figura 13 A representação do mal; o momento da perda da inocência; a verdade vence o mal; e o beijo que desperta. 28

Figura 14 Bloco das Virgens .............................................................................. 32

Figura 15 Cortejo de carnaval .............................................................................. 34

Figura 16 Bons modos profanados ...................................................................... 37

Figura 17 Príncipe Charles, Rainha Vitória, e o mapa da Inglaterra satirizados; a barata lendo “La Metamorphose” 38

Figura 18 Ninguém é o que parece em Deu a louca na Chapeuzinho ................. 39

Figura 19 Vovó radical; coelho mal; Chapeuzinho na pancadaria......... ............ 40

Figura 20 Apresentando o herdeiro ..................................................................... 41

Figura 21 Idealizando o Príncipe ......................................................................... 42

Figura 22 Branca de Neve recebe maçã envenenada da Bruxa, e o beijo do Príncipe; Giselle recebe maçã envenenada, e o beijo do plebeu. 43

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Figura 23 A Feiticeira se transforma em dragão, e Aurora é despertada pelo o verdadeiro amor; A Feiticeira se transforma em dragão, e Giselle é despertada pelo seu verdadeiro amor.

43

Figura 24 Cinderela toda de branco entra na carruagem encantada, e o momento do sapato de cristal; Giselle sai de sua carruagem encantada toda de branco, e o momento do sapatinho de crista.

44

Figura 25 Era uma vez......................................................................................... 47

Figura 26 Alguns personagens dos clássicos da Disney, parodiados em Shrek... 49

Figura 27 Michael Eisner; Lorde Farquaad......................................................... 50

Figura 28 Disneylândia; Lancelot, reino de Farquaad......................................... 50

Figura 29 Os Sete Anões tem que se lavarem..................................................... 52

Figura 30 Cinderela se banha e depois acolhe o novo ratinho............................. 53

Figura 31 Shrek se banha com lama, e depois expulsa o Burro.......................... 53

Figura 32 Os Príncipes em seus momentos de galanteios com as princesas........ 54

Figura 33 Momentos nada galanteadores de Shrek com Fiona........................... 54

Figura 34 E eles viveram felizes para sempre..................................................... 55

Figura 35 De Borralheira para Princesa ............................................................... 56

Figura 36 A fuga; o trabalho doméstico; a morte................................................. 56

Figura 37 Uma princesa fora do comum e um príncipe nada comum.................. 57

Figura 38 Momentos de Shrek e Fiona ............................................................... 58

Figura 39 Um casamento como nunca se viu num conto de fadas...................... 59

Figura 40 Uma dupla romântica e animal. E viveram feios para sempre. FIM!.. 60

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Sumário

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I – A Moralidade do cinema infantil: O caso da Disney 15

1.1 A Moralidade no cinema infantil.............................................................................18 1.2 Moralidade nos clássicos da Disney...................................................................... 23

CAPÍTULO II – A Carnavalização da moralidade do cinema infanto-juvenil. 31

2.1 O carnaval e suas categorias................................................................................... 31 2.1.1 A profanação como uma categoria carnavalesca.....................................................34

2.2 A profanação da moralidade no cinema infanto-juvenil.........................................36 2.3 A profanação da moralidade nos clássicos da Disney............................................ 40

CAPÍTULO III – A Carnavalização da moralidade dos clássicos da Disney

em Shrek 46

3.1 “Shrek”: “Um conto como nunca se viu”............................................................ 46 3.2 A Carnavalização presente em “Shrek”............................................................... 48

3.2.1 A Profanação da moralidade tradicionalista dos clássicos Disney em “Shrek” 51 3.2.1.1 Os bons modos carnavalizados........................................................................... 52

3.2.1.2 A hierarquia e o matrimônio profanados............................................................. 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 62

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 65

FILMOGRAFIA.............................................................................................................. 68

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cinema infanto-juvenil com o passar dos anos vem mostrando diversas

fases em que a moralidade vai se adaptando com as novas culturas

regentes em cada época específica. E um dos estúdios que mais representou

significativamente a qualidade enquanto cinema infantil foi a Walt Disney, que desde

seus primórdios vem apresentando filmes que priorizam a moral e os bons costumes,

sempre passando para os pequenos espectadores a ideia do bem e do mal, do que é

correto e do que é errado.

Neste estudo monográfico, abordamos esta moral presente nos filmes infanto-

juvenis e nos clássicos da Disney e consequentemente o inverso que ocorre no filme

“Shrek”, que por uma visão carnavalesca, apresenta uma moralidade oposta ao que já

estamos habituados a ver presente no cinema infanto-juvenil.

Sendo assim, percebemos o quanto estes filmes podem influenciar o

desenvolvimento moralista da criança. Ao ter acesso a tais filmes, a criança pode sentir

emoções importantes e internalizar mensagens que muitas vezes existem com um

propósito único, o de induzir o que é moralmente correto, acordado com o que os

produtores dos filmes ditam. Segundo Sá (1967, p. 87), a criança não tem ainda a

capacidade de julgar o que está sendo exibido no filme, visto que “sua visão da

realidade é incompleta”. Sendo assim ela fica a mercê do que os produtores dos filmes

expõem.

Com o objetivo de compreender e entender melhor como o cinema infanto-

juvenil vem constantemente sofrendo alterações em seu modo de mostrar, aos jovens

espectadores, os novos conceitos de moralidade, e de como eles são apresentados no

filme “Shrek”, propomos analisar essa temática a partir dos estudos sobre a profanação

da moralidade, tendo como respaldo as idéias de Bakhtin (1981, 2008), Sá (1967),

Peaget (1994), Souza (2003), Soares (2006) etc. Já sobre as características do filme

“Shrek”, apoiamo-nos nos artigos de Sadovski (2001) e Rizzo (2001). Na concretização

deste estudo, defendemos a importância e relevância da análise sobre a profanação da

moralidade dos filmes da Disney em “Shrek” e suas contribuições para um melhor

entendimento a respeito do cinema infanto-juvenil.

Considerando toda temática proposta e os fundamentos teóricos, ao

discutirmos a profanação da moralidade no cinema infanto-juvenil, pretendemos

enquanto objetivos específicos:

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Discutir acerca da moralidade presente no cinema infanto-juvenil da Disney,

como influenciadora na formação moral da criança;

Abordar a carnavalização enquanto gênero literário, e assim dissertar sobre

sua presença no cinema infanto-juvenil da Disney.

Refletir sobre as relações moralistas e carnavalescas dos clássicos da Disney

presentes em “Shrek”.

Considerando os objetivos específicos previstos para o trabalho, propomos

fazer uma pesquisa de caráter analítico-descritiva. Nosso interesse pelo tema nos

direciona a recorrer à leitura e análise da bibliografia de trabalhos realizados sobre o

assunto, buscando fontes diversificadas, como livros, revista, artigos, dissertações e

mídias digitais tais como DVDs.

Ainda, tomando como referência os objetivos específicos, estruturamos a

monografia em três capítulos. O primeiro capítulo discute a moralidade no cinema

infanto-juvenil da Disney. O segundo capítulo, por sua vez, trata das fontes que

abordam a carnavalização enquanto procedimento literário e influenciador no cinema

infanto-juvenil da Disney, considerando os achados das fontes pesquisadas. O terceiro e

último capítulo discute a relação moral e a carnavalização dos clássicos da Disney

presentes no filme “Shrek”.

Para finalizar o estudo, apresentamos nossas conclusões e encaminhamentos,

tendo em vista a profanação da moralidade dos clássicos da Disney em “Shrek”, como,

também, caminhos para pesquisas posteriores sobre o tema em reflexão. Esperamos,

com o presente trabalho, compreender melhor a temática abordada para desenvolvermos

um melhor trabalho.

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A Moralidade no cinema infantil: o caso da Disney

“Aja sempre de tal modo que trate a Humanidade, tanto na sua

pessoa como na do outro, como fim e não apenas como meio”.

Kant

universo infantil está repleto de informações disponíveis a todo

instante para qualquer criança, informações estas que são transmitidas

através das histórias fantásticas, que geralmente encantam o imaginário das crianças.

Tomamos como exemplo os contos de fadas e as fábulas: gêneros literários que fazem

parte da formação de diversas crianças em todo o mundo. A literatura infantil pode não

ser de idade tão antiga como a literatura em si, mas as histórias que nela permeiam já

eram por muito conhecidas através da oralidade, até que “no século XVII, o francês

Charles Perrault [...] coleta contos e lendas da Idade Média e adapta-os, constituindo os

chamados contos de fadas, por tanto tempo paradigmas do gênero infantil”

(CADEMARTORI, 1994, p. 33). Seus contos mais conhecidos são Chapeuzinho

Vermelho, A Bela Adormecida e Cinderela que depois seriam adaptadas pelos irmãos

Grimm.

Segundo Cademartori (1994, p. 36), estes contos adaptados por Perrault se

tornaram populares, e, em meio aos problemas sociais, ele acabou ironizando as

superstições populares, enquanto “ao mesmo tempo, são marcados pela preocupação de

fazer uma arte moralizante através de uma literatura pedagógica”. Essas histórias com

fins morais já eram bastante difundidas nas culturas mais antigas, como as fábulas de

origem popular, tendo como principal característica transmitir “uma lição moral – é um

gênero literário educativo” (CLARET, 2007, p. 11). Neste caso, temos as fábulas de

Esopo, que “sempre deu ênfase à moralidade”.

Outro ponto relevante a ser colocado aqui, é

o fato que “nos tempos antigos, a fábula era contada ou

escrita para adultos – sua verdadeira finalidade era

transmitir uma mensagem para homens e mulheres

adultos” (CLARET, 2007, p. 11-12). Um exemplo

destas fábulas de Esopo é “O cão (no encalço de um

leão) e a raposa” (F- 1).

Figura 1 – O cão e a raposa – N. Mengden

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Um cão de caça, tendo visto um leão, correu ao seu encalço. Mas o leão o viu e começou a rugir, e o cão bateu em retirada, apavorado. Uma raposa que observara a cena disse: “Ó idiota, perseguias um leão do qual nem sequer suportaste o rugido?”. Moral: A fábula seria aplicável a homens arrogantes que criam problemas para os mais poderosos, mas que logo recuam quando estes os enfrentam. (ESOPO, 2007, p. 98)

Esta moralidade passada pelas fábulas e presente ainda nos contos de fadas

clássicos até hoje pode ter sofrido mudanças, levando-se em conta sua flexibilidade de

se adaptar de acordo com a época e com as comunidades nelas impostas, assim como a

define o Dicionário brasileiro de língua portuguesa: “moral adj. Relativo aos costumes,

valores e práticas de uma sociedade numa determinada época; característica do que é

louvável, bom e instrutivo. ||2. S.f. Conjunto de normas usuais e valores adotados por

uma comunidade.”(JUNIOR; PASTOR, 1997, p. 613). Conseqüentemente a

moralidade é “a qualidade que têm as ações de serem conformes os princípios da

moral” (JUNIOR; PASTOR, 1997, p. 613). Piaget, em seu estudo sobre “O Juízo Moral

na Criança”, afirma que “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de

toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas

regras” (1997, p. 23). Assim, o autor explicita que é o respeito por estas regras que

define um sujeito moral.

Já Fossatti (2005, p. 27) afirma que: “Ser moral significa prestar obediência

a uma lei ou tradição pré-estabelecida, desta forma, bom é aquele que, após longa

hereditariedade, pratica voluntariamente a moral, mesmo que seja a vingança, quando

integra o bom costume”. Assim, o juízo moral só se adquire quando há o respeito pelas

regras, mas que seja uma prática corriqueira, sem que haja uma intenção por traz da

ação moral.

Numa outra perspectiva, em seu estudo sobre moral, Aranha e Martins

(2003, p. 354) debatem a questão moral pelo ponto de vista marxista, e afirmam “que

onde existe sociedade dividida em classes, com interesses antagônicos, a moral da

classe dominante impõe-se sobre a classe dominada e torna-se instrumento ideológico

para manter a dominação”. Nesta afirmação dissertamos sobre a predominância da

moral vigente pela classe dominante. Contudo, não afirmamos que esta seja a moral

certa, nem a errada, queremos assim apenas afirmar que a classificação pode variar de

acordo com a visão de diferentes teóricos. Logo, define-se a questão ideológica do bem

e do mal, quando obedecemos às leis, mantendo-se a ordem, e agindo como a sociedade

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17

dita. Seríamos, assim, bons e maus, caso não seguíssemos tais ordens. Aqui, é

importante então frisarmos algumas denominações de bem e mal. Aranha e Martins

(2003, p. 353) afirmam que foi durante a Idade Média que os valores religiosos e éticos

eram vistos em união, e “os critérios de bem e do mal se achavam vinculados à fé e

dependiam da esperança de vida após a morte”. Dessa forma, as pessoas poderiam agir

com boa conduta não somente por ser o correto, mas pelo medo de serem castigados

pelos desígnios de Deus no dia do julgamento final.

Já de acordo com o pensamento iluminista de Kant (1727-1804), a razão

torna-se o sentido maior de se praticar o bem e a moral. Segundo ele, “aja de tal modo

que a máxima de sua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta”

(KANT apud ARANHA; MARTINS, 2003, p. 354). Neste aspecto, o ser moral seria

aquele que agiria pela razão, e não pelo emocional. Machado (apud ARANHA;

MARTINS, 2003, p. 356), em seu estudo sobre a transvaloração dos valores de

Nietzsche, conclui afirmando que o bem é a vontade de potência presente no homem, e

o mal é o que provém da fraqueza. Assim, Nietzsche e a transvaloração dos valores

seriam de ideias opostas aos teóricos racionalistas, uma vez que o bem estar presente no

ser forte, que não se intimida com regras baseadas na racionalidade, mas sim em seus

ideais enquanto ser individual e livre, e o mal seria uma qualidade dos fracos, e definiria

a moral a seu favor, numa espécie de defesa contra os mais fortes.

Com este conhecimento breve sobre moral e moralidade, discutiremos neste

capítulo a problemática da moralidade presente no cinema infantil e por sua vez nos

clássicos da Disney, que podem influenciar a formação moral e psíquica da criança, fato

este que preocupa pais e educadores, pois “para os imaturos, crianças e jovens, o

problema é mais complexo, pois seu equilíbrio interior ainda não foi atingido e sua

visão da realidade é incompleta” (SÁ, 1967, p. 87). É importante salientar que o cinema

infantil não só sofreu influência destes contos de fadas e destas fábulas, como as

representou em seus filmes de animações, transmitindo suas mensagens de moralidade

que os textos de origem já continham e por sua vez podendo influenciar as crianças e os

jovens. Contudo, Sá (1967, p.89) conclui “que a infância deve ser respeitada. A

juventude também! Respeitada em suas aspirações e pureza, em seus ideais e em sua

fé”.

Nos tópicos seguintes, discutiremos melhor sobre a moralidade presente no

cinema infantil e nos clássicos da Walt Disney.

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18

1. 1 – A Moralidade no cinema infantil

Quase sempre quando se escolhe um filme para uma criança, se leva em

conta o tipo de história que ele conta. A criança, geralmente, sabe o que escolher e é

nesta escolha que os pais e educadores, por meio de uma observação mais rigorosa,

analisam quais aspectos morais estão contidos na obra. Os filmes são feitos para

entreterem e divertirem as crianças, contudo são obras feitas por adultos, que já têm

uma formação psíquica e moral, podendo ter contido em seu enredo normas e regras

morais. De maneira sutil, estas normas moralistas podem ser passadas para as crianças,

que ainda estão em formação psíquica e moral, visto que

[...] as regras morais, que a criança aprende a respeitar, lhe são transmitidas pela maioria dos adultos, isto é, ela as recebe já elaboradas, e, quase sempre, nunca elaboradas na medida de suas necessidades e de seu interesse, mas de uma vez só e pela sucessão ininterrupta das gerações adultas anteriores (PIAGET, 1994, p.23).

Há assim uma preocupação no conteúdo fílmico infantil a ser levado em

conta, quando o assunto é moralidade. Pois os temas abordados e exibidos nos filmes

são elaborados por adultos, que devem estar sempre conscientes de como expor paras as

crianças, os assuntos propostos nos filmes.

O cinema infantil, desde seus primórdios, vem sofrendo grandes mudanças, e

uma delas são as classificações indicadas pela censura como: infantil, livre, para todas

as idades e 10 anos, que ficaram comuns nos cartazes de cinemas, nas capas das fitas e

dos DVDs, definindo assim se um filme é apropriado para uma criança ou não, o que

nem sempre acontece, pois o que classifica um filme infantil não é apenas o fato dele

ser censurado como livre, e sim o tema proposto pela história, e como ele é abordado no

enredo que se segue. Um exemplo disso são as “comédias classificas para 14 anos que

apresentam temas e cenas mais ou menos prejudiciais aos adolescentes” (SÁ, 1967, p.

93).

O cinema infanto-juvenil vem se destacando com seus temas cada vez mais

adultos e contemporâneos; a moralidade presente nestes filmes também acompanha esta

modernização. Como na antiguidade as fábulas eram contadas com fins morais para sua

época, e sempre com propósito educativo, os filmes se mostram como um retrato

sempre atual ao seu tempo e ao seu meio. Filmes como, “The Goonies” (1985), que

narra à aventura de um grupo de crianças enfrentando armadilhas e uma família de

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Figura 2: Sloth Fratelli, cara de monstro e coração de herói – The Goonies (1985)

ladrões, em busca de um tesouro perdido, destaca o respeito que os jovens têm pela

amizade de um pelo outro. Eles passam por momentos difíceis em que as decisões

geralmente são tomadas com base na moral/ética. São crianças se descobrindo e

aprendendo a conviver com as diferenças uns dos outros. Podemos presenciar desta

forma o moralismo de se viver com o diferente. Um exemplo dessa convivência dos

personagens com o diferente está representado num dos integrantes da família de

bandidos, os “Fratelli”, um homem com o rosto desfigurado que aparentemente é mal e

muito feio, Sloth (F- 2). Com

sua deficiência, ele vive preso e

acorrentado, mas, com o

carinho de um dos meninos

Goonies, Bolão, Sloth consegue

se libertar, e no final do filme

ele se revela um grande herói,

ajudando os Goonies.

A moral nesta história é sobre como devemos conviver com o diferente, e

não julgar as pessoas pela sua aparência. Além disso, mostra que nunca devemos

desistir de nossos sonhos mesmo diante das diversidades. Claro que esta moral não é

nada original se compararmos com outras histórias mais antigas e populares como “O

patinho feio”, de Christian Andersen, ou outras histórias mais modernas como a do

filme “Shrek”, que será analisado no terceiro capítulo.

Além de uma simples moral passada pelo filme, ainda existem outros fatores

que podem ser enumeradas na questão do filme infantil moralmente correto, Sá (1967,

p. 111) destaca que se deve levar “em conta a idade, a vivacidade e a sensibilidade da

criança”. Assim o filme “Os Goonies” é classificado pela censura como um filme

LIVRE, mas que apresenta cenas fortes, como uma criança presa em um refrigerador

com um homem morto, ou um menino mentindo para uma senhora com o intuito de

apenas se divertir. Cenas assim, podem deixar em uma criança sérias marcas, como:

traumas e desrespeito a pessoas idosas. Outro exemplo de filme que é classificado como

livre/infantil é a série do bruxo mais famoso do nosso tempo, Harry Potter. Em seu

primeiro filme “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, do diretor Columbus (2001), Harry

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Potter vive situações desagradáveis e humilhantes, geralmente provocadas pelos seus

tios, mas Harry não os desobedece, tudo pela mensagem de moral que se quer passar ao

final do filme, pois, como um bruxo do bem, ele deve satisfações às regras dos adultos

e, portanto, tem que permanecer um menino moralmente correto.

Segundo Kohlberg (apud MUSSEN; CONGER; KAGAN; HUSTON, 1995,

p. 403) “a criança acredita que as regras são impostas pelas autoridades (por exemplo,

pais e educadores) e por tanto são fixas, absolutas e sagradas. As ideias sobre o certo e o

errado também são inflexíveis, e a justiça é subordinada à autoridade adulta”. Ainda

segundo Kohlberg (apud MUSSEN; CONGER; KAGAN; HUSTON, 1995, p. 404), “a

intenção por trás da ação adquire grande importância”, assim um ato classificado como

não moral, pode ser aceito, desde que sua intenção seja justificável. Usaremos como

exemplo uma sequência em que Harry desobedece à professora de vôo1, quando ela tem

que sair, e deixa aos alunos a ordem de não usarem as vassouras. No entanto, Draco

Malfoi, garoto de caráter duvidoso, pega o Lembrol2 de outro colega. Para ajudar seu

colega, Potter pega uma vassoura e voa na direção de Malfoi, desobedecendo à ordem

da professora (F- 3). Moralmente, ele cometeu um erro, entretanto, sua atitude pode ser

perdoada, já que sua falha foi para ajudar um outro colega.

Neste filme, podemos ter várias lições de moral, mas a que prevalece é a

valorização da amizade e do coleguismo. Outra a se destacar é que, sendo um garoto 1 No filme de Harry Potter, os alunos, no primeiro ano na escola de bruxos, têm aula de como voar em vassouras (2001). 2 Objeto mágico que avisa quando o dono esqueceu de algo. Criado pela escritora J. K. Rowling, para o livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (2000).

Figura 3: Draco Malfoi desafia Potter a pegar o Lembrol de volta. Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001)

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bom, e permanecendo bom até o final e, mesmo que sofra e seja humilhado durante o

filme, Harry será recompensado e vitorioso.

Os bons costumes presentes nestes filmes são exemplos de que moral os

adultos querem pregar para as crianças. No filme “O Jardim Secreto” (1993), por

exemplo, mostram-se atitudes consideradas erradas para depois corrigi-las, mudando

assim a atitude da personagem, fazendo-a praticar o que é moralmente correto. Assim,

conhecemos a história da garotinha Mary, uma menina rebelde e mimada que fica órfã e

vai morar na casa de um tio. Em sua nova morada, ela se depara com outro estilo de

vida, pois não tem mais os mesmos mimos da vida de antes, é má acolhida pela severa

governanta e se vê em contato com outra espécie de mimo, o carinho da camareira e de

seu irmão Dickon, garoto que vive em harmonia com a natureza e cercado de animais

selvagens. Na figura seguinte, se tem uma sequência de imagens em que mostra Mary

ainda na casa dos pais (F- 4.1), depois sendo recebida pela governanta (F- 4.2), e em

seguida com seus novos amigos (F- 4.3-4).

Depois Mary descobre que tem um primo, o jovem Colin (F- 5.1-2), que

vive trancado em um quarto, e pensa que estar gravemente doente. Sem saber andar, ele

vive numa cadeira de rodas, e também é mimado e cheio de manias. Entretanto, ao

conviver com o gênio forte da prima, ele sofre contínuas mudanças de comportamento.

Depois que descobre o jardim e começa a cuidar do primo com a ajuda de Dickon, Mary

começa a agir de maneira meiga e mais educada. As três crianças se encontram com

mais frequência no jardim onde se descobrem (figura 5). Além dos sentimentos das

pessoas que no filme mudam com o passar do tempo, também notamos mudanças no

Figura 4: Mary em diferentes situações – O Jardim Secreto (1993).

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ambiente, pois no início temos uma fotografia mais fria, e cinza (figura 4.3-4) , assim

como os sentimentos das pessoas, e, à medida que as personagens sofrem mudanças de

atitudes, as cores vão tomando lugar do cinza, o que leva a uma sequência mágica, Mary

se torna a menina sociável e meiga, e o jardim, que antes era cinza e de aparência morta,

se torna colorido pelas flores e pelos vários tons de verde (F- 5.3). Assim como nos

contos de fadas, em que as princesas passam por uma transformação, os personagens

também, e para festejarem o renascimento do jardim, os meninos fazem uma espécie de

encantamento para chamar o pai de Colin, que está viajando. O pai de Colin, por viver

longe de seu filho, pois não sabe conviver com a perda da esposa, volta para casa depois

de sentir uma força lhe chamar, e encontra o filho transformado (F- 5.4), assim como

tudo em sua volta.

Mesmo quebrando regras impostas pela governanta, os meninos sabem que

este mau comportamento tem um propósito positivo e justificado, culminando com um

final moralizante. Sempre há vida em tudo, mesmo quando parece estar morto, assim

como os personagens e o jardim. Todos têm direito a uma segunda chance.

Discutiremos a seguir os filmes infantis dos estúdios Walt Disney, como os

clássicos em desenhos animados, que, mesmo numa perspectiva visual e artisticamente

diferente, passam mensagens similares e muitas vezes com o mesmo moralismo em sua

objetividade.

Figura 5: Mary e seu primo Colin em conflito; os primos sofrem transformações. O Jardim Secreto (1993).

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1. 2 – Moralidade nos clássicos da Disney

Muitos destes filmes classificados como infantis são em sua maioria os

filmes de animação. Nem todo filme de animação é infantil, pois existem desenhos

animados produzidos exclusivamente para adultos, como o clássico “Akira” de

Katsuhiro Otomo (1988), mostrando um mundo pós-apocalíptico, com cenas fortes de

violência e abusos sexuais, apesar da classificação do filme para 14 anos, o que

consideramos um erro. Outro mais recente é o filme “Tekkonkinkreet”, de Michael

Arias (2006). Classificado para 12 anos, que também tem cenas de violência brutal

envolvendo crianças; e mesmo com o apelo infantil, o filme discute temas de adultos,

como domínio de território e tráfico de drogas.

Popularmente conhecidos como desenhos animados e mundialmente

conhecidos, os filmes de animação ganharam fama desde seus primórdios em 1913,

graças a “John R. Bray (O Sonho do Artista) e Sidney Smith (Old Yak, O Velho Dr.

Yar)” (GARSECHAGEN, 1986, p. 2448). Contudo, o cinema de animação só viria a ser

classificado como tal depois que os desenhos passaram a ter o trabalho de arte e de boa

conduta desenvolvidos e produzidos pelos estúdios da Walt Disney. Seu fundador, Walt

Disney, apresentou seu primeiro desenho animado em 1919, “Oswald the Rabbit” (F-

6), e mundialmente conhecido pelo seu principal personagem, apresentado na década de

vinte, “Mickey Mouse” (F- 7), que se tornaria símbolo de sua empresa

(GARSECHAGEN, 1986, p. 2448).

A Walt Disney lançou, ainda no final da década de vinte, uma série de

desenhos baseados nas fábulas, chamada de “Silly symphonies” (GARSECHAGEN,

Figura 6: Oswald The Lucky Rabbit, primeiro desenho de Walt Disney (1919)

Figura 7: Mickey Mouse em sua estréia: “Steamboat Willie” – (1928)

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1986, p. 2448). Os desenhos, assim como seu texto de origem, as fábulas, foram feitos

para crianças com fins educativos. Este foi o grande diferencial das “Sinfonias

Ingênuas”3, como ficaram conhecidas no Brasil. Todos os episódios mostram histórias

carregadas de moralismo, e foi por este aspecto que a Disney ficaria mundialmente

conhecida. E esta preocupação, com a mensagem moralista, passou a fazer parte dos

requisitos de suas futuras produções animadas.

Para deixar registrado aqui, destacaremos o clássico “O Gafanhoto e as

Formigas” (1934) que segundo Marltin (2004), em seu comentário para este DVD, “é o

exemplo perfeito de como Walt e sua equipe pegaram uma fábula antiga e lhe deu nova

vida como desenho animado”. Assim como na fábula de Esopo, “A Cigarra e as

formigas”, temos a mesma história. No inverno, a cigarra se vê sem comida e pede

ajuda às formigas, e estas por sua vez, lhe dão uma lição: “Pois bem, se cantavas no

verão, dança agora no inverno” (ESOPO, 2007, p. 161). Neste caso, o desenho é um

musical, apresentando um gafanhoto tocando um violino durante o verão (F- 8.1-3), e

que se dá mal quando chega o inverno com um frio de congelar os ossos. No desenho, a

rainha das formigas lhe acolhe, mas em troca pede para ele trabalhar, tocando seu

violino para animar o formigueiro (F- 8.4-6), mantendo a “Moral: Descuidar de certos

trabalhos pode trazer tristeza e faltas” (ESOPO, 2007, p. 161).

3 Em 2004, foram reunidos numa coletânea em dois DVDs, totalizando 31 desenhos que foram lançados entre 1929 e 1939. Com o título de “Tesouros de Walt Disney - Sinfonias Ingênuas”.

Figura 8: Uma fábula em seis imagens - O Gafanhoto e as Formigas – (1934)

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Durante a década de trinta, na Europa, o desenho de longa metragem fora

produzido por vários artistas, mas “somente passou a ser regularmente produzido com o

sucesso de Snow White and the Seven Dwarfs (1937; Branca de Neve e os Sete Anões),

de Walt Disney” (GARSECHAGEN, 1986, p. 2448). Segundo John Canemaker4

(1937), este “foi o primeiro desenho animado de longa-metragem dos EUA”. Filme

adaptado do conto dos irmãos Grimm, diferenciando do conto ao dar uma atmosfera

mais tenebrosa, destacando a maldade da madrasta. Em seu comentário Canemaker

(1937) afirma que:

[...] há elementos sombrios em Branca de Neve. E assim permanecem até hoje. As crianças ficam muito assustadas com eles. É o que torna tão forte o conflito entre bem e o mal. (...) Um filme que fora tão forte no aspecto assustador que os censores ingleses cortaram uma parte, e não permitiram a entrada de crianças abaixo de certa idade.

Nessas sequências de imagens, é mostrada a verdadeira face da madrasta (F-

9.2-3), vilã, que representa a inveja, sentimento egoísta, e quando ela prepara a maçã

envenenada para enganar Branca de Neve, se passando por uma pobre velhinha (F- 9.4-

6). Nessas cenas, o mal é passado para as crianças como algo negativo, e a cena em que

Branca de Neve cai, não é mostrada, provavelmente a censura na época achou que

poderia assustar os jovens espectadores, e por tanto, não é mostrada a princesa caída,

apenas sua mão ao lado da maçã e, a gargalhada da bruxa vitoriosa (F- 9.6).

4 Famoso perito em animação, em seu comentário para o DVD de “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937)

Figura 9: Cenas sombrias – Branca de Neve e os Sete Anões (1937)

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Figura 10: Branca de Neve e os animais na floresta – Branca de Neve e os Sete Anões (1937).

Quando o filme mostra Branca de Neve, o cenário é claro, colorido, e os

animais são fraternos e amistosos. Ela “é tão boa e ingênua que os animais a

compreendem. Isso a eleva a um ser mítico em sintonia com a natureza”

(CANEMAKER, 1937). Na sequência de imagens seguintes (F- 10), Branca de Neve

está na floresta, cercada pelos animais, podemos assim, presenciar este encantamento

entre os animais e a personagem. Depois que eles a encontram na floresta, Branca de

Neve é levadas pelos animais até a casa dos Sete Anões.

Após a morte da madrasta (F- 11.1), Branca de Neve é acordada de seu sono

(quase morta) pelo primeiro beijo do príncipe (F- 11.2), e ambos partem em busca do

nascer do sol (F- 11.3). Um final moralista, que “oferece a promessa da esperança do

triunfo do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, da transcendência do espírito

humano” (CANEMAKER, 1937). Temos assim, o primeiro final de um filme da

Disney, que se tornaria típico de suas produções, em que os bons costumes e a

moralidade prevalecem.

Depois deste grande sucesso, outros filmes se destacaram, como: “Pinóquio”

(1940): desrespeitando as ordens do pai e contando suas mentiras, tem que enfrentar

grandes perigos para salvar o velho pai, e assim conseguir se tornar menino de verdade,

Figura 11: No final: Madrasta morre; o beijo desperta; felizes para sempre – Branca de Neve e os Sete Anões (1937)

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mesmo já agindo como tal. “Dumbo” (1941): vivendo um drama depois de ser separado

da mãe ainda filhote, ele tem que conviver com as críticas por ser diferente dos outros

elefantes, com suas orelhas grandes demais. Numa sequência final, o circo onde Dumbo

se apresenta pega fogo, e ele se arrisca entre as chamas para salvar seus amigos, e assim

ganha o respeito entre os outros animais. “Bambi” (1942): ainda um filhote de cervo,

sofre com a morte de sua mãe por caçadores, e cresce seguindo os passos do pai

autoritário e ausente. Bambi também tem que enfrentar seus temores para ser aceito

como líder. “Cinderela” (1950): sendo mais uma adaptação de um conto de fadas,

mantém-se com lições de morais duelando entre o bem e o mal. Neste filme, Cinderela

tem uma vida de escrava, e, por intermédio de uma fada madrinha, sofre uma

transformação em seu visual, tendo a oportunidade de conhecer o príncipe. Todavia, o

encanto acaba, e a moral do filme prega que os bons merecem um final feliz, e ela é

encontrada e se casa com o príncipe.

Depois de mais três sucessos seguidos: “Alice no País das Maravilhas”

(1951); “Peter Pan” (1953) e “A Dama e o Vagabundo” (1955), a Walt Disney

revoluciona novamente o cinema de animação com “A Bela Adormecida” (1959).

Artisticamente mais elaborado, o desenho “A Bela Adormecida” ganha novos traços,

com linhas retas e angulares, praticamente tudo tem formas geométricas, como cubos,

esferas e cones. Na sequência de imagens abaixo, as copas das árvores são quadradas

(F- 12.1), a arquitetura tem traços góticos (F- 12.2) e os corpos dos personagens são

cônicos (F- 12.3-4).

Figura 12: Desenhos geométricos, com influência gótica – A Bela Adormecida (1959)

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O estilo do desenho mudou, ficou mais estilizado, abandonando as linhas

livres e curvas, o que definiria o novo padrão Disney. O desenho da “Bela

Adormecida”, retornando novamente aos contos de fadas, traz novos elementos além da

renovação artística, mostra o homem se desprendendo das forças místicas, o homem é

mais humano, e, portanto sofre mais. O filme mostra o príncipe sendo aprisionado por

Malévola, a própria forma do mal. Numa sequência, depois de fazer Aurora furar o dedo

no fuso e cair em sono profundo (F- 13.2), é a própria Malévola que se intitula como o

mal, falando para as fadas: “Suas pobres coitadas! Pensaram que poderiam me derrotar!

Eu! A rainha de todo o mal!”. Neste filme o próprio mal se proclama, não é apenas uma

pessoa agindo com maldade, a feiticeira tem chifres na cabeça, e um rosto com

expressões rudes e seu animal de estimação é um corvo (F- 13.1), ave que também

aparece na companhia da madrasta de Branca de Neve. Malévola pratica magia negra, e

não parece sentir nenhum sentimento quando tenta matar o príncipe, que estar tentando

salvar a princesa do sono mortal.

Moralmente falando, mostrar a morte em filmes infantis talvez seja forte

demais para o entendimento das crianças, mas quando se trata de personagens boas,

como Branca de Neve e Aurora, elas não morrem, pois estavam apenas dormindo.

Aurora é acordada pelo beijo do herói (F- 13.4), numa cena semelhante ao do filme

“Branca de Neve”. Já as personagens más devem morrer, para pagar todo o mal

causado. Neste filme, vemos a cena da morte da feiticeira em forma de dragão, pela

espada da verdade (F- 13.3), lançada pelo corajoso príncipe. A espada da verdade

destrói o mal, uma mensagem moralista para as crianças, mostrando que a verdade,

assim como o bem, deve prevalecer sempre.

Figura 13: A representação do mal; a maldição se realiza; a verdade vence o mal; e o beijo que

desperta – A Bela Adormecida (1959).

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Depois deste filme, a busca pelo diferencial e pelo novo esteve sempre

presente nas produções da Disney. Muitos outros filmes, de grande sucesso, foram

lançados, sempre propondo lições de moralidade. Em alguns desses filmes, por

conterem cenas violentas e dramáticas, os pais poderiam acompanhar seus filhos,

durante a exibição do filme. Pois, algumas crianças podem se assustar, ou se emocionar,

e a companhia de alguém familiar, poderia lhe passar segurança e conforto.

No próximo capítulo, será analisada a profanação da moralidade dos filmes

infanto-juvenis, como também dos clássicos da Disney.

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A Carnavalização da moralidade no cinema infanto-juvenil.

“O carnaval de Roma não é propriamente uma festa que se dá ao povo, mas que o povo dá a si

mesmo.” Goethe

este capítulo, propomos analisar a carnavalização, procurando

apresentar as características do carnaval e suas categorias, de maneira

clara e objetiva, tendo como objetivo principal refletir sobre a profanação da moralidade

do cinema infanto-juvenil e dos clássicos da Disney.

2. 1 – O carnaval e suas categorias

Numa definição mais direta, o carnaval, “são as festividades mundanas que

precedem o tempo quaresmal e, especialmente, as dos três dias antes da Quarta-feira de

Cinzas. Entrudo; mascarada; folguedo. (P. ext.) Farra; bacanal; orgia”. (JUNIOR;

PASTOR, 1997, p. 241). Assim, ele “não é, evidentemente, um fenômeno literário”

(BAKHTIN, 1981, p. 105). Numa outra definição, Bakhtin afirma que “o carnaval

possui um caráter universal, é um estado peculiar do mundo: o seu renascimento e a sua

renovação, dos quais participa cada indivíduo” (BAKHTIN, 2008, p. 6). Neste mundo

carnavalesco, suas festas propunham uma desordem, no que seria normal e habitual à

desigualdade hierárquica e aos fundamentos éticos e morais, uma vez que “todos eram

iguais e [...] reinavam uma forma especial de contato livre e familiar entre indivíduos

normalmente separados na vida cotidiana” (BAKHTIN, 2008, p. 9). “Lembremos que

carnaval (de carne + vale), significando ‘adeus à carne’, era a festa da despedida, da

explosão e da afirmação da carne antes da abstinência” (SOARES, 2006, p. 72),

apresentando familiaridade entre os participantes destas festas, em que ricos e pobres se

encontram em igualdade, “o que conduzia a todo tipo de liberação, de excesso e de

eliminação das barreiras sociais, de idade e de sexo” (SOARES, 2006, p. 72), todos

juntos no meio da folia. Com suas fantasias e máscaras, o pobre pode ser o rico, uma

personalidade famosa; um homem pode se vestir de mulher e se mostrar como tal (F-

14), ou mesmo parodiar personagens religiosos e políticos sem temer recriminações.

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O pudor não existe, e o divino é profanado, o poder perde seu valor, no caso

do rei que é destronado tornando-se um mero bobo, e ocorrendo o oposto com o bobo,

sendo coroado.

Segundo Bakhtin (1981, p. 105):

As leis, proibições, que determinavam o sistema e a ordem da vida comum, isto é, extracarnavalesca, revogam-se durante o carnaval: revogam-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os homens.

Temos assim, segundo Bakhtin (1981, p. 106), a primeira categoria

carnavalesca: “o livre contato familiar entre os homens”, que anula a divisória

hierárquica entre as classes. Esta familiaridade permite também a liberdade de

expressão, em que todos podem falar o que pensam, revelando assim outra categoria do

carnaval, a “excentricidade”, permitindo “que se revele e se expressem – em forma

concreto-sensorial – os aspectos ocultos da natureza humana” (BAKHTIN, 1981, p.

106). Estas categorias carnavalescas estão todas relacionadas, pois uma complementa a

outra.

Bakhtin (1981, p. 106) ainda afirma que: “O carnaval aproxima, reúne,

celebra os esponsais e combina o sacro com o profano, o elevado com o baixo, o grande

com o insignificante, o sábio com o tolo, etc.”. Assim também se pode ver uma

Figura 14: Bloco das

Virgens, 2007. Disponível em: <http://vimarense.zip.net/.../Carna_extra_02_juds

on.JPG>. Acesso em: 25

jan. 2009.

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aproximação entre o antigo e o presente, passado e contemporâneo, uma “atualidade

viva, [...] os heróis míticos e as personalidades históricas do passado são deliberada e

acentuadamente atualizados, falam e atuam na zona de um contato familiar com a

atualidade inacabada” (BAKHTIN, 1981, p. 93). A atualidade da qual Bakhtin fala pode

ser exemplificada com o filme “Shrek” (2001), que apresenta, em alguns momentos,

frases que não condiz com o contexto da época em que a história se passa. Vejamos o

exemplo:

Burro – Olhe só isso. Quem ia querer morar num lugar desses? Shrek – Isso ai é a minha casa. Burro – E é maravilhosa! Simplesmente linda. Que decorador! Fez

muita coisa com um orçamento modesto5.

Neste diálogo, o Burro usa uma expressão comum à nossa época, e não ao

período medieval, no qual a história do filme é ambientada. Quando ele fala tentando

refazer seu comentário sobre o lugar onde Shrek mora, o Burro usa a expressão “fez

muita coisa com um orçamento modesto”, algo bem típico de nossa época, em que

geralmente as pessoas procuram economizar na hora de reformar suas casas.

Esta falta de distanciamento entre os valores éticos, morais, intelectuais e

científicos, nos leva a quarta categoria: a “profanação”. Esta representa a falta de pudor,

de respeito pelo que é sagrado, pelo que é racional, ético, e dito como verdade no

mundo extracarnavalesco. Discutiremos esta categoria detalhadamente mais a frente.

Segundo Bakhtin (1981, p. 107), a principal ação carnavalesca é “a coroação

bufa e o posterior destronamento do rei do carnaval”. Ele ainda afirma que:

A coroação-destronamento é um ritual ambivalente biunívoco, que expressa a inevitabilidade e, simultaneamente, a criatividade da mudança-renovação, a alegre relatividade de qualquer regime ou ordem social, de qualquer poder e qualquer posição (hierárquica). Na coroação já está contida a idéia do futuro destronamento (1981, p. 107).

Na antiguidade, eram coroados os escravos ou os bobos da corte. No

carnaval contemporâneo há a coroação do rei Momo, um homem gordo, que é

considerado o dono da festa carnavalesca, o rei bufão é a figura irônica e sarcástica do

carnaval, sendo destronado no término do carnaval. Na cultura medieval, o cerimonial

5 Diálogo entre o Burro e Shrek, quando os dois chegam ao pântano, onde Shrek mora. Shrek (2001)

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Figura 15: Cortejo de carnaval, 2008.

Disponível em: <www.adfp.pt/admin/artigos/uploads/carnaval_8g.jpg>. Acesso em:

18 jan. 2009.

de destronamento é realizado seguindo o oposto da coroação, retirando do rei todas suas

vestes e símbolos de poder, sendo o destronado ridicularizado e surrado, contudo,

“todos os momentos simbólicos desse cerimonial de destronamento adquirem um

segundo plano positivo; [...] (o carnaval desconhece tanto a negação absoluta quanto a

afirmação absoluta)” (BAKHTIN, 1981, p. 107). Continuaremos, no tópico seguinte,

com a dissertação sobre a profanação da moralidade pela carnavalização, o ato de

profanar através da paródia, da representação do sagrado por meio de ironias, e

representações grotescas.

2. 1. 1 – A profanação como uma categoria carnavalesca.

As festividades carnavalescas são conhecidas e praticadas nas ruas. Uns

foliões fantasiados, e outros não, se misturam entre mulheres, jovens e velhos, ricos e

pobres. Em meio ao carnaval, não se classifica os foliões em classes enquanto todos

seguem no mesmo cortejo. Na verdade, seria um cortejo carnavalesco (F- 15), uma

profanação de algo sagrado, algo religioso, neste caso a religião Cristã. No dicionário, a

palavra profanar significa: “Tratar com irreverência (coisas sagradas). 2. Infringir

(normas, regra). 3. Violar a santidade de. 4. Fazer mau uso de. 5. Macular, desonrar.

[Conjug.: 1[profan]ar] § pro-fa-na-ção sf .; pro-fa-na-dor” (FERREIRA, 2001, p.

559). No contexto carnavalesco, segundo Bakhtin (1981, p. 106), a profanação

[...] é formada pelos sacrilégios carnavalescos, por todo um sistema de descidas e aterrissagens carnavalescas, pelas indecências carnavalescas, relacionadas com a força produtora da terra e do corpo, e pelas paródias carnavalescas dos textos sagrados e sentenças bíblicas, etc.

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Segundo Souza (2003, p. 4), durante o carnaval, “novos princípios e uma

nova linguagem referenciavam um ‘segundo mundo’, onde não importava a imponência

dos eclesiásticos nem a importância da aristocracia”. Seria assim, permitida a presença,

mesmo que parodiado ou não, cânticos sacros, que no mundo extracarnavalesco só

seriam apreciadas em cultos religiosos, também seriam incorporadas pelo carnaval.

Usaremos como exemplo a festa carnavalesca “Jegue Folia” de 2009, em Marcelino

Vieira (RN). Durante o carnaval, uma das bandas cantou “Noites traiçoeiras”6. A

melodia musical foi alterada em ritmo de folia para alegrar os foliões, o que não condiz

com a letra: “E ainda se vier, noites traiçoeiras/ Se a cruz pesada for, Cristo estará

contigo/ O mundo pode até/ Fazer você chorar/ Mas Deus te quer sorrindo”

(MANZOTTI, 2009). Neste caso, usar uma música em que o nome de Deus é evocado,

durante uma folia seria um sacrilégio, pelo fato de ser uma festa profana, contrariando

os princípios religiosos e os “Dez mandamentos” bíblicos: “Não tomarás o nome do

SENHOR, teu Deus, em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o

seu nome em vão” (Êx 20.7). Os foliões parecem nem notar o que se está sendo

cantado.

As paródias são freqüentes nesta categoria carnavalesca, que

[...] é organicamente estranha aos gêneros puros [...], sendo, ao contrário, organicamente própria dos gêneros carnavalizados [...]. Tudo tem a sua paródia, vale dizer, um aspecto cômico, pois tudo renasce e se renova através da morte (BAKHTIN, 1981, p. 109).

Em seu estudo sobre a obra de Rabelais, Bakhtin cita o exemplo da “Coena

Cypriani”, uma obra de autoria desconhecida, que reúne as imagens de banquetes e

festas esparsas na Bíblia “num quadro grandioso de banquete, cheio de movimento e

vida, com uma excepcional liberdade carnavalesca” (BAKHTIN, 2008, p. 251). A obra

tem como texto base, “a parábola do rei que festeja o casamento de seu filho (Mt 22.1-

14)” (BAKHTIN, 2008, p. 251). Para compor a mesa do banquete, foram escolhidas

personagens conhecidas, pois todas estão presentes no Antigo e no Novo Testamento,

de Adão e Eva até Jesus Cristo.

Elas ocupam um lugar a mesa, de acordo com a Sagrada Escritura, que é utilizada da forma mais fantástica: Adão toma lugar ao centro, Eva

6 “Cântico”, freqüente em cultos religiosos, ficou nacionalmente popular com a interpretação do P. Marcelo Rosse.

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assenta-se sobre uma folha de parreira, Caim sobre um arado, Abel sobre uma bilha de leite, Noé sobre a sua arca, Absalão sobre ramos, Judas sobre uma caixinha de dinheiro, etc. (BAKHTIN, 2008, 251).

Na seqüência, seguem-se os comes e bebes, que são servidos de acordo com

cada personagem, “por exemplo, serve-se a Cristo vinho de uvas secas [...], porque

Cristo padeceu a ‘Paixão’” (BAKHTIN, 2008, p. 251). A paródia ganha um aspecto

grotesco, com personagens sagrados. É inevitável para as pessoas que têm o

conhecimento bíblico não identificar cada personagem ali presente.

A profanação carnavalesca é bastante usada nos textos literários desde a

antiguidade, como forma de comédia e de zombaria, tendo a paródia em sua base,

quando “um texto é confrontado com outro, com a intenção de zombar dele ou de o

tornar caricato” (HUTCHEON, 1989, p. 48). Ainda segundo Hutcheon (1989, p. 50), é

importante lembrar que a paródia não é apenas a repetição de um texto, como uma

imitação ou citação, pois “a paródia exige distância irônica e crítica”, buscando a

separação e o contraste. Tem-se um papel importante, em se fazer rir, mas ao mesmo

tempo ironizar e criticar. Assim como, afirma Soares (2006, p. 73), “o humor paródico

ora se liga à sátira, com seu ataque bastante explícito ao estabelecido, ridicularizando-o,

ora se transmite sutilmente pela ironia”.

Assim, como a banda de “axé” cantou em uma festa profana um cântico

considerado sagrado, e mesmo sem a intenção de ironizá-lo, ou mesmo criticá-lo, para

religiosos este ato não foi considerado moralmente correto, pois os elementos sacros

presentes na letra da música foram usados em meio ao mundo carnavalesco, onde o

grotesco se torna comum e familiar, unindo o sagrado ao profano, enquanto durar o

carnaval.

2. 2 – A profanação da moralidade do cinema infanto-juvenil.

Conforme foi abordado no capítulo anterior, o cinema infanto-juvenil pode

muitas vezes conter cenas que moralmente não seriam adequadas para a faixa etária que

o classifica. Nestes casos, estão os filmes que também parodiam outros filmes, e nestas

paródias, a moralidade muitas vezes é esquecida ou mesmo profanada. Contudo, é

importante lembrar que ainda são filmes infantis e, portanto mantêm certo nível de

censura.

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Figura 16: Bons modos profanados – Por Água Abaixo (2006)

É normal hoje em dia encontrar, nas locadoras, comédias infantis parodiando

filmes de adultos, que geralmente contêm elementos que as crianças não entendem e

nem reconhecem como referência. Um exemplo é o “Por Água Abaixo” (2006), um

filme de animação, uma comédia infantil, com muita ação ao melhor estilo James Bond,

mas Roddy, o ratinho que representaria o espião mais famoso do cinema, é atrapalhado

e medroso, características opostas do verdadeiro Bond, que é corajoso, destemido e bem

treinado. Esta paródia do espião clássico do cinema, que para adultos é cômica, para

algumas crianças pode não fazer sentido, apenas as seqüências em que ele sofre

constantes pancadas é que seriam engraçadas. Depois sua casa é invadida por um rato

de esgoto, o Syd, todo sem estilos, sujo, arrotando alto e na cara do outro, profanando os

bons modos, tomando conta do lugar, sujando tudo, jogando comida na TV de plasma,

mostrando-se um personagem amoral, modos que provavelmente os pais não querem

que seus filhos aprendam. Na figua 16, Syd, arrota alto e come um peixe sem mastigar.

O filme não propõe mudanças nos personagens, mostra apenas o contraste

entre as classes, evidenciando que se pode conviver com o diferente. Depois Roddy é

jogado por água abaixo descendo até os esgotos de Londres, lá ele se depara com outra

realidade, a das pessoas comuns, aliás, dos ratos comuns, vivendo em Ratropolis, numa

comunidade que representa a sociedade pobre Inglesa, profanando a imagem de

primeiro mundo que outros filmes mostram. São pequenos detalhes que vão surgindo

durante o filme, mas que exigem um conhecimento breve das referencias para

identificá-las. Por exemplo, quando Roddy está com os vilões, ele vê uma coleção de

objetos representando personagens importantes ingleses como o príncipe Charles (F-

17.1) e a Rainha Vitória7 (F- 17.2); o mapa da Inglaterra estampando sua bandeira, mas,

7 Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha (1837-1901)

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no ângulo como ele se apresenta, lembra a pistola de James Bond (F- 17.3). Outro

detalhe é uma barata lendo o clássico da literatura universal, “La Metamorphose”8 (F-

17.4), com um cachimbo, representando o intelecto inglês, e que não se intimida ao ser

descoberta lendo o livro numa edição francesa, país que foi grande inimigo da Inglaterra

no passado, a França.

São estes elementos simbólicos que muitas vezes passam despercebidos

pelas crianças e até mesmo pelos adultos desinformados. É importante manter este olhar

analítico e crítico, sempre procurando estas referências paródicas nos filmes, para que se

entenda melhor a proposta do seu criador. Neste filme, é visível à crítica a sociedade

inglesa que é sempre mostrada nos filmes como intelectual e conservadora.

Não são apenas os filmes que são parodiados, às vezes são os próprios

contos de fadas usados como base. No filme “Deu a louca na Chapeuzinho” (2006),

temos um dos contos mais conhecidos das crianças, sendo mostrado por outro ângulo

em uma comédia, em que todos os personagens principais: Chapeuzinho Vermelho, a

Vovozinha, o lobo mau e o lenhador, são suspeitos de terem roubado as receitas dos

habitantes da floresta. Durante as investigações, cada personagem conta sua versão dos

8 “A Metamorfose” (1915) do escritor tcheco Franz Kafka (1884 – 1924), cujo personagem acorda e se ver transformado num inseto.

Figura 17: Príncipe Charles, Rainha Vitória e o mapa da Inglaterra satirizados; a barata lendo “La Metamorphose” – Por Água Abaixo (2006)

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fatos, e descobrimos que os personagens não são iguais aos do conto dos irmãos

Grimm. No filme a Chapeuzinho não é aquela menina inocente nem tão frágil. Ao se

deparar com o lobo na casa da vovó, ela procura se defender com golpes de artes

marciais (F- 18.3); a Vovozinha pratica esportes radicais ao invés de ficar em casa

tricotando e vendo novelas (F- 18.2); o Lobo, não é tão mau, ele é um reporte, que fica

tentando descobrir o mistério do desaparecimento dos doces, e por isso se mete em

varias confusões (F- 18.3); o lenhador, na verdade não é lenhador, é apenas um

vendedor de doces, tentando um papel para um comercial (F- 18.1). E o detetive Nicky

Carrapeta, que nas horas vagas, dança nas boates (F- 18.4) é uma referência a Tony

Manero9, do filme “Os Embalos de Sábado a Noite” (1977). Confira imagens na figura

abaixo. É uma comédia para crianças, mesmo tendo elementos que não condizem com a

história clássica.

Ainda quanto a Chapeuzinho, ela é uma garota que fala o que pensa. Em

uma cena ela é interrogada pelo detetive Nicky Carrapeta, que pergunta por que ela se

chama Chapeuzinho Vermelho, e ela responde com a mesma pergunta ao detetive, sobre

o nome dele, faltando com respeito não somente a um adulto, como também a uma

autoridade.

9 Personagem do ator John Travolta.

Figura 18: Ninguém é o que parece em Deu a louca na Chapeuzinho (2006)

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Figura 19: vovó radical; coelho mal; Chapeuzinho na pancadaria – Deu a louca na Chapeuzinho (2006)

Já o grande vilão de toda a história é um coelho, que está sempre associado a

um animal indefeso e delicado. O filme é uma comédia com cara de ação e

investigação. Na parte da ação, temos a Vovó enfrentando os bandidos (F- 19.1-2), e

Chapeuzinho lutando contra o chefe dos vilões (F- 19.4), o coelho que mostra sua

verdadeira face (F- 19.3), revelando que nem tudo é o que parece, e que não devemos

avaliar as pessoas por sua aparência, mas por suas ações.

Até aqui mostramos sequências de filmes que parodiam outros filmes. Estas

sequências despertam nas crianças o sentido cômico, porém na maioria das vezes, as

crianças não compreendem as ironias contidas nas paródias, o que a ação carnavalesca

quer mostrar. Esta última figura mostra uma sequência de imagens em que nenhum dos

personagens age como seria num conto de fada normal, ou num filme moralmente

correto para crianças: o lenhador que não sabe pegar num machado; a vovozinha

praticando esporte radical; o coelho com cara de malvado; e a Chapeuzinho, que

aparece sem seu capuz vermelho, em plena pancadaria com o coelho.

2. 3 – A profanação da moralidade dos clássicos da Disney.

O cinema infanto-juvenil evoluiu e se modernizou rápido. A Walt Disney

também acompanhou estas mudanças, lançando filmes que aos poucos iam perdendo o

seu padrão. Cada vez mais filmes considerados fora do padrão Disney foram surgindo.

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Um dos primeiros filmes distribuídos pela Disney, foi “George: O Rei da floresta”

(1997), uma comédia ao estilo pastelão, com características carnavalescas, como as

mésalliances (BAKHTIN, 1981, p. 106). O filme reúne elementos que não seriam

normais no mundo extracarnavalesco, como um gorila que, além de saber falar, é o

animal mais inteligente de todo filme; o herói é rebaixado a irmão dos primatas por

quem foi criado; um elefante que pensa e age como um cachorro, e um leão que é amigo

e dócil. E o cerimonial de casamento é profanado quando é realizado pelo gorila. Este

George seria uma versão cômica do personagem Tarzan10, que teve várias adaptações

para o cinema, e não uma paródia do desenho da Disney, como muitos pensam, que só

foi lançado em 1999. Contudo, temos um detalhe do filme “George: O Rei da floresta” a

destacar, uma rápida referência ao filme “O Rei Leão” (1994) (F- 20.2), na cena final,

em que George mostra seu filho para os animais (F- 20.1).

Depois outro filme da Disney chegou as graças da criançada: “A Nova Onda

do Imperador” (2000), que narra as desventuras do jovem imperador Kuzco.

Moralmente incorreto, ele faz o típico personagem que não se importa com os humildes,

com as crianças, nem com os idosos, apenas com seu bem estar. Mas suas atitudes são

revistas, quando ele é transformado em um lhama11, e vê que suas atitudes enquanto

imperador eram arrogantes e egoístas, no final do filme, ele é volta a forma humana

com um novo Kuzco, bom e moralmente correto. A grande mudança da Disney só viria

bem depois, com “Encantada” (2007). Nessa nova produção, a Disney deixou de lado as

leves citações que sempre teve em seus próprios filmes, e investiu em uma comédia que

parodiava literalmente seus clássicos contos de fadas, como “Branca de Neve e os Sete

Anões” (1937), “Cinderela” (1950) e “A Bela Adormecida” (1959). 10 Personagem criado por Edgar Rice Burroughs (1912). 11 Animal típico dos Andes.

Figura 20: Apresentando o herdeiro: George: O Rei da floresta (1997); O Rei Leão (1994)

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No filme, “Encantada”, é apresentada Giselle, uma jovem camponesa que

sonha encontrar seu amor verdadeiro. Numa sequência do filme, podemos identificar

uma paródia do clássico “A Bela Adormecida”, em que a princesa Aurora sonha com o

príncipe, e cria um boneco dele (F- 21.1), com a ajuda dos animais da floresta. Giselle

também tem o seu momento de idealização, cria um boneco com as características do

que seria seu príncipe encantado (F- 21.2). Contudo, neste filme, Giselle, não é tão

ingênua quanto a princesa Aurora. No decorrer desta cena, Giselle se preocupa em

escolher os lábios para seu príncipe, eles têm que serem perfeitos, pois é através deles

que se realiza o beijo. Podemos notar nessa cena, que os realizadores do filme, não

parecem estar preocupados como a moralidade é mostrada, assim como parece ser no

filme da Disney.

Na figura 22, duas imagens são do filme “Branca de Neve e os Sete Anões”,

as duas cenas são: a da maçã envenenada (F- 22.1), e a do beijo, que a desperta do sono

(F- 22.2). No lado direito, outras duas imagens são do filme “Encantada”. Dá para notar

as semelhanças entre as imagens de ambos os filmes, até a maquiagem da bruxa em

“Encantada” foi feita para ser idêntica a bruxa de “Branca de Neve” (F- 22.1-a). Mas, as

semelhanças param por aí, na hora em que a bruxa, do filme “Encantada”, oferece a

maçã, ela explica que a maçã pode levá-la de volta ao mundo dos contos de fadas12, e,

como Giselle está magoada, aceita a maçã, uma cena delicada, para ser mostrada num

filme com classificação livre, pois esta cena poderia ser mal interpretada pelas crianças,

pois dá a entender que Giselle, para fugir dos seus problemas, aceita uma droga (a

maçã) de uma estranha, e esta mensagem não é típica dos filmes da Disney. Na cena do

beijo, também podemos identificar uma diferença da cena em “Branca de Neve”, Nesta

12 Giselle, no inicio do filme, vive num mundo de conto de fadas, mas que depois é enviada para o mundo real – Encantada, 2007.

Figura 21: Idealizando o Príncipe. A Bela Adormecida (1959); Encantada (2007)

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Figura 23: A Feiticeira se

transforma em dragão, e Aurora é despertada pelo o

verdadeiro amor – A Bela Adormecida

(1959); A Feiticeira se transforma em

dragão, e Giselle é despertada pelo seu verdadeiro amor – Encantada (2007)

Figura 22: Branca de Neve recebe maçã envenenada, e o

beijo do Príncipe – Branca de Neve e

os Sete Anões (1937); Giselle

recebe maçã envenenada, e o

beijo do plebeu. – Encantada (2007)

cena, Giselle, assim como Branca de Neve, está dormindo (F- 22.2-b), e só com o beijo

do verdadeiro amor ela poderia ser despertada, então o príncipe a beija, mas ela

continua dormindo, e neste momento é dada a vez ao plebeu13, que a beija, e assim

Giselle é despertada. Neste caso, o filme mostra outra grande diferença entre os

clássicos: a heroína é beijada duas vezes, e por dois homens diferentes, o beijo já não é

considerado tão imoral, e pode ser mostrado com menos pudor. A cena do beijo também

é repetida em “A Bela Adormecida” (F- 23.3-4).

Na figura 23, podemos conferir a sequência em que a bruxa má se

transforma em um dragão (F- 23.1), em “A Bela Adormecida”, e, a mesma cena (F-

23.2), em “Encantada”. Com um diferencial em “Encantada”, o dragão rapta Robert, e

Giselle vai a seu socorro, ocorrendo, assim, uma inversão de papeis, em que, a mocinha

salva o príncipe, e não o oposto, como já foi visto em outros clássicos.

13 Robert, pai solteiro que mora em Manhattan, e acolhe Giselle depois de encontrá-la perdida pelas ruas - ibid.

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Figura 24: Cinderela Toda de branco

entra na carruagem encantada, e o

momento do sapato de cristal –

Cinderela (1950); Giselle sai de sua

carruagem encantada toda de

branco, e o momento do sapatinho de

cristal – Encantada (2007)

Em relação ao filme “Cinderela” (1950), as cenas parodiadas são menos

explícitas, no filme “Encantada”. Na figura 24, podemos conferir a cena em que Giselle

chega ao casamento de carruagem (F- 24.2), que seria a mesma apresentada no filme

“Cinderela” (F- 24.1). Depois, na parte final, quando Giselle corre para salvar Robert,

ela deixa cair o sapato que é transparente, como se fosse de cristal, e que depois do

desfecho da história, o príncipe Edward, encontra o sapato e o calça na noiva14 de

Robert (F- 24.4), semelhante ao filme “Cinderela” (F- 24.3), levando-a para o mundo

dos contos de fadas. Nesta sequência final, além de Giselle, há outra mulher, a noiva de

Robert, que é abandonada pelo noivo, que se apaixonou por Giselle. Aqui novamente o

filme da Disney esquece o pudor tradicionalista, ao permitir que a heroína termine a

história com o noivo de outra. Mas, para amenizar a seriedade da questão, o filme une

os dois personagens que foram abandonados pelos seus pares, e assim, tiveram um final

feliz.

No próximo capítulo, faremos a análise da carnavalização da moralidade dos

clássicos da Disney no filme “Shrek”.

14 Todos os personagens, nesta sequência final do filme estão numa festa: Giselle e o príncipe Edward, Robert e sua noiva.

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CCaappííttuulloo

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A Carnavalização da moralidade, dos clássicos da Disney em Shrek.

Os ogros são bem melhores do que as pessoas acham. [...] Os ogros são como cebolas. [...] As cebolas têm camadas.

Os ogros têm camadas. [...] Ambos têm camadas!15 Shrek

o presente capítulo, faremos uma análise da carnavalização da

moralidade presente nos clássicos da Disney no filme “Shrek”.

3. 1 – Shrek: “Um conto como nunca se viu”16.

Em 2001, o cinema de animação apresentou ao mundo um novo personagem

que se tornaria referência para os próximos filmes, Shrek, o ogro verde e mal educado,

personagem do filme que leva seu nome, da DreamWorks, e que “não passa de um

grosseirão, sujeito egoísta que [...] não pensa em nenhuma criatura a não ser em si

próprio” (SADOVSKI, 2001, p. 57). O filme é em animação digital, “produzido todo

em computador, o que inclui a criação de animação de 450 personagens, além de

cenários como uma floresta de 28 mil árvores cobertas por três milhões de folhas”

(RIZZO, 2001, p. 34). Ainda segundo Rizzo (2001, p. 33), o filme “Shrek” (2001) é

uma obra adaptada do livro “Shrek!” do escritor William Steig, publicado para o

público infantil em 1990.

O filme lembra uma fábula, em que animais e outras criaturas falam e

interagem com os humanos. Shrek é um ogro que tem seu lar invadido pelas criaturas

dos contos de fadas. Para se libertar dos invasores, Shrek aceita a proposta, do Lorde

Farquaad, de resgatar a princesa Fiona, que está presa num castelo, e vigiada por um

dragão. Esta é a premissa do filme, que aparentemente não é diferente de outros do

mesmo gênero. Contudo, não seria diferente, se Shrek não fosse um ogro mal encarado

e egoísta; seu melhor amigo, Burro, um pequeno asno, que fala muito. E a princesa

Fiona, que “é bela, sem dúvida, mas guarda segredos. O príncipe é um anão afetado e

irritante” (RIZZO, 2001, p. 33), Farquaad, que na verdade não é príncipe, mas um

Lorde, que deseja ser rei.

15 Trecho do diálogo de Shrek com o Burro, sobre a personalidade dos ogros, filofia de Shrek (2001) 16 Slogan do DVD do filme “Shrek” (2001).

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Logo na abertura do filme, notamos que ele será diferente dos outros filmes

de mesmo gênero. Afinal “Shrek” é “um conto de fadas como nunca se viu no cinema,

politicamente incorreto e protagonizado pelo ogro verde do título” (RIZZO, 2001, p.

32). Assim como todo conto de fada e suas adaptações, que conhecemos como os

clássicos: “Branca de Neve e os sete anões”, “Cinderela”, e “A Bela Adormecida” da

Disney, já mencionados em capítulos anteriores, “Shrek” apresenta uma narrativa

tradicional. A história se inicia com o tradicional: Era uma vez... A cena, já bastante

usada, mostra um livro sendo aberto (F- 25), e uma voz inicia:

Era uma vez uma linda princesa. Mas ela recebeu um feitiço do pior tipo que só poderia ser quebrado com um beijo de amor. Ela foi trancada num castelo e vigiada por um dragão que solta fogo pelas ventas. Muitos cavaleiros corajosos tentaram libertá-la dessa prisão, mas nenhum deles conseguiu. Ela ficou esperando no quarto mais alto da mais comprida torre por seu verdadeiro amor e pelo beijo dele... Como se isso acontecesse (2001).

A página do livro é rasgada. Em seguida, escuta-se uma descarga. Logo

depois, Shrek sai do banheiro. As cenas seguintes o mostram tendo cuidado com a

higiene pessoal, o que não é normal, por ele ser uma criatura, realizando tarefas normais

aos humanos. Entretanto, Shrek toma banho com lama e escova os dentes com larvas.

Além disso, o seu comportamento é todo contrário à etiqueta. Após o salvamento de

Fiona, tanto Shrek quanto Fiona se apaixonam, mesmo ele sendo um ogro, e ela uma

princesa humana. Cada um pertencente a um nível social: Shrek, à classe baixa; e Fiona,

Figura 25: Era uma vez... – Shrek (2001)

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à classe alta. São essas ações contraditórias à moral e à hierarquia social, as quais

determinam os relacionamentos entre homens e mulheres, que o filme “Shrek” nos faz

refletir e questionar a cerca da moralidade apresentada nos clássicos da Disney.

3. 2 – A Carnavalização presente em Shrek.

O filme “Shrek” renovou a fórmula de como os filmes infantis devem ser.

Com seus aproximadamente noventa minutos de duração, “Shrek” mostra sequências

hilárias com a aventura do irreverente ogro e do seu inseparável amigo Burro. O humor

se faz presente em cada sequência,

[...] sobretudo porque se equilibra o tempo todo entre paródias e a homenagem, entre a gozações mais descarada [...] personagens incomuns em situações engraçadas [...] diálogos impagáveis, situações que exploram a inversão de expectativas (RIZZO, 2001, p. 33).

O filme está cheio de referências carnavalescas, assim como a familiaridade

que aproxima os opostos hierárquicos, bem como os elementos fenomenais e temporais,

como a atualidade e o livre discurso, permitindo as paródias e as homenagens que

permeiam no filme “Shrek”.

É seguindo esta referência que chegamos à profanação carnavalesca da

moralidade dos clássicos da Disney no filme “Shrek”. Temos a paródia como principal

elemento carnavalesco a favor das categorias já apresentadas no capítulo dois. Assim

como Rizzo (2001, p. 33) afirma, há um equilíbrio entre as paródias e as homenagens

entre uma cena e outra. E em algumas dessas cenas parodiadas e, ou mesmo apenas

como referência aos filmes da Disney, é apresentado no filme “Shrek”, um desfile de

criaturas dos contos de fadas, e que também fazem parte dos clássicos da Disney. Elas

não estão em seu ambiente natural, estão unidas no mundo carnavalizado em que a

ordem natural dos contos não é estabelecida: o menino de madeira, Pinóquio, que está

para ser vendido por Gepeto17 (F- 26.1-a); Peter Pan, leva numa gaiola a fadinha

Sininho, para ser vendida (F- 26.1-b); e os Três Porquinhos também serão vendidos,

provavelmente por um caçador (F- 26.1-c); Os Sete Anões com Branca de Neve

invadem a casa de Shrek (F- 26.2); o Espelho Mágico aparece como se estivesse num

17 É o marceneiro que na história, cria Pinóquio de um tronco de madeira, e depois passa a ser chamado, pelo boneco de madeira, de pai.

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programa de relacionamentos (F- 26.3); as fadas18 de “A Bela Adormecida” são

medrosas (F- 26.4); Cinderela pousando para foto (F- 26.5); o Lobo Mau usando a cama

de Shrek (F- 26.6); e Fiona parodiando Branca de Neve e Aurora (F- 26.7). Dessa

forma, todas essas criaturas e seres encantados parecem perdidos e sem personalidades

como se suas identidades de personagens famosos não fossem válidas.

Segundo Rizzo (2001, p. 33), o filme “Shrek”, além de apresentar

referências diretas à concorrente Disney, também faz uma sátira ao presidente da

Disney, Michael Eisner19 (F- 27.1), usando seus traços faciais para compor o desenho

do Lorde Farquaad (F- 27.2). Além disso, o próprio reino de Farquaad (F- 28. a-b) se

apresenta na forma de um parque temático semelhante à Disneylândia (F- 28.1-2).

18 Flora, Fauna e Primavera. 19 Ex-patrão de Jeffrey Katzenberg, o produtor de “Shrek”, sócio de Steven Spielberg e de David Geffen e ex-funcionário da Disney (RIZZO, 2001, p. 32)

Figura 26: Alguns personagens dos clássicos da Disney, parodiados em Shrek (2001)

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Estas paródias estão no filme não apenas para se fazer rir, ou mesmo para se

passar por alegorias, ou mesmo homenagens, afinal o filme é da DreamWorks, uma

produtora que rivaliza as bilheterias com sua concorrente direta, a Walt Disney. Estas

paródias estão cheias de ironias e críticas a um sistema moral que por muito tempo ditou

o que é correto e errado para as crianças verem. Talvez seja por isso que “Shrek” seja

tão mal interpretado, pois ele desfaz o que os filmes politicamente corretos da Disney

pareciam divulgar como correto.

Nos próximos tópicos, iremos detalhar melhor como se dá a profanação dos

ideias moralistas da Disney, no filme “Shrek”.

Figura 27: 1. Michael Eisner – Disponível em: <httpimages.askmen.com

galleriesmenmichael-eisnerpicturesmichael-eisner-picture-5.jpg>

Acesso em: 5 fev. 2009; 2. Lorde Farquaad –

Shrek (2001)

Figura 28: 1- Disneylândia – Disponível em <http://www.visitingdc.com/city/disneyland-address.asp >Acesso em: 8 fev. 2009; 2- Disneylândia – Disponível em

<http://www.ics.uci.edu/~pkc09/attractions.html> Acesso em: 8 fev. 2009; Lancelot, reino de Farquaad – Shrek (2001)

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3. 2. 1 – A Profanação da moralidade tradicionalista dos clássicos Disney, em Shrek.”

No filme “Shrek”, predomina as características carnavalescas em que o

baixo se eleva e permeia entre o meio da alta sociedade, mas também o alto desce, e se

envolve com o baixo. Estamos falando de Shrek, o ogro sujo, sem bons modos e sem

respeito moral, que é elevado a status de um cavaleiro, o herói do filme. Segundo

Fossatti (2005, p. 27), em seu artigo sobre a moral em “Shrek“, com base na moral

relativista de Nietzsche, “o filme exemplifica a mora relativista, na qual o bom, o mau,

o certo e o errado variam de acordo com a perspectiva de quem avalia”. Dessa forma, as

ações e o comportamento de Shrek, podem não ser considerados amorais, pois nesse

caso a avaliação do que faz é certo, ou errado depende de quem avalia, sendo essa

avaliação variável. Contudo, no contexto carnavalesco, todas estas regras e estudos

sobre a moral podem perder sua credibilidade, e assim daria liberdade de criar sua

própria filosofia como o próprio Shrek fez ao afirmar que os ogros são como as

cebolas20. Uma mensagem que ele tenta passar para o Burro é que as pessoas nem

sempre são realmente como se apresentam. É nessa perspectiva da liberdade de não se

deter a uma lei ou ordem específica que “‘Shrek’ finaliza com a coexistência dos

diferentes personagens não mais violentados a submeter-se a uma lei, mas aptos a

viverem de acordo com sua própria moral” (FOSSATTI, 2005, p. 27). Claro que para

isso Shrek muda sua atitude arrogante e imoral para sobresair se ao mau, representado

na figura do Lorde Farquaad.

Do outro lado, temos a princesa Fiona que se apresenta bem vestida, cabelo

bem feito, mas que durante o filme se mostra não tão bem educada como pensamos,

arrotando alto, matando pássaros para retirar os ovos para comer, comendo ratos no

espeto, e até mesmo se transformando em um ogro fêmea. Lembrando o capítulo dois,

em que citamos Bakhtin (1981, p. 106), o carnaval reúne num único ciclo os diversos

valores, assim como o sacro e o profano, o baixo e o elevado. Shrek e Fiona são os

símbolos desta hierarquia social, que neste mundo carnavalesco se unem e se

completam. No percurso de volta, Shrek se mostra consciente das diferenças

hierárquicas existentes entre ele e Fiona, e, por tanto, procura não exteriorizar seus

sentimento por ela. Fiona, também, sente dificuldade de aceitar que possa está

apaixonada pelo ogro, porém, ela também sente medo de se revelar, pois ela nem

20 Confira a fala de Shrek, na epigrafe, no inicio do capitulo 3.

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Figura 29: Os Sete Anões tem que se lavarem. – Branca de Neve e os Sete Anões (1937)

sempre é bonita, como ocorre durante o dia. Os dois sofrem este dilema, porém, ao

final, temos a seguinte moral: as aparências não importam num relacionamento, nem

sua classe social.

3. 2. 1. 1 – Os bons modos carnavalizados.

No outro lado da questão está a Disney, que sempre mostrou uma ideia

otimista, ou seja, para se viver de acordo com as normas morais, devemos procurar

sempre nos promover, elevar nosso status. Sendo assim, devemos seguir a ordem e os

bons modos. A aparência e a higiene pessoal são fundamentais principalmente quando

se vai à mesa. Exemplos assim estão presentes em alguns clássicos da Disney, como em

“Branca de Neve e os Sete Anões”, que mostra Branca de Neve mandando os Sete

Anões ir se assear para poderem jantar. Dessa forma, mesmo que eles não fiquem

satisfeitos com a nova ordem, são sujeitados a obedecê-la (F- 29).

No filme “Cinderela”, somos apresentados, logo no início, à jovem

Cinderela acordando. Depois se lavando (F- 30.1) e cuidando para ficar bem

apresentável. Cinderela está sempre rodeada de passarinhos e ratos, que por sua vez são

domesticados e se apresentam vestidos. Numa outra cena, ela liberta um ratinho de uma

ratoeira, e como ele não faz parte de seu grupo de amigos roedores, ela o veste uma

camiseta (F- 30.2-3) e lhe dá um nome. Essas cenas mostram nosso cotidiano, mas que

para as crianças, talvez nem seja perceptível a mensagem que o filme quer passar de que

a higiene pessoal precisa ser feita todos os dias; e que devemos ser hospitaleiros com as

visitas.

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São essas cenas que expressam bons modos, higiene pessoal, e como

devemos nos apresentar em público, mas que Shrek não respeita, e vai além, ele faz o

oposto, em sua higiene matinal, ao invés de um banho com água, ele se suja com lama

(F- 31.1). Em seguida, ele solta gases na lagoa para matar peixes (F- 31.2). Essas cenas

são tão absurdas, ao compararmos com nossa realidade e costumes, que nem são

levadas a sério, o que pode nos proporcionar boas gargalhadas. Numa sequência

adiante, Shrek salva o Burro dos guardas, mas não o acolhe em sua casa, expulsando-o

de casa sem nenhuma educação ou cordialidade (F- 31.3-4), sendo destratado sem os

bons modos da hospitalidade. Nessa cena, o ato de Shrek tratar mau o asno pode

incomodar aos pequenos espectadores, pois mostra o mocinho da história agindo

moralmente errado e não da forma como o filme “Cinderela” mostra.

Figura 30: Cinderela se banhar e depois acolhe o novo ratinho – Cinderela (1950)

Figura 31: Shrek se banha com lama e depois expulsa o Burro. – Shrek (2001).

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Nos clássicos da Disney, quando o príncipe se encontra com a princesa,

sempre é educado, respeitoso, delicado e amável. Com Branca de Neve, o príncipe a

beija, salvando-a da morte e a leva nos braços (F- 32.1). O mesmo ocorre com a

princesa Aurora, em “A Bela Adormecida”, que é galanteada na floresta pelo príncipe

Filipe (F- 32.2). Já Cinderela é convidada pelo príncipe a dançar delicadamente em

trajes de princesa (F- 32.3). Todas são tratadas com respeito e delicadeza, assim como a

moralidade dos bons modos ensinam, e presentes em diversas culturas, neste caso a

cultura norte-americana.

Entretanto, Shrek desconhece estes galanteios e estes bons modos. Ao

chegar à torre para salvar Fiona, ele não a beija como ela esperava, nem a trata com

delicadeza. Ao contrário, sacode-a (F- 33.1), agarra-a pelo braço e saem correndo sem

ao menos se preocupar se estava machucando-a ou não. Mais à frente, quando ela

descobriu que ele não era o cavaleiro que ela esperava, Fiona decide não seguir viagem

com Shrek, e ele, sem se importar com a vontade dela, simplesmente a joga no ombro e

a leva sem nenhuma delicadeza (F- 33.3).

Figura 33: Momentos nada galanteadores de Shrek com Fiona – Shrek (2001).

Figura 32: Os Príncipes em seus momentos de galanteios com as princesas – Branca de Neve e os Sete Anões (1937); A Bela Adormecida (1959); Cinderela (1950)

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São essas cenas que mostram Shrek agindo sem respeito e educação com

Fiona, que o humor e a ironia se fazem presentes. São atos em que o espectador não

espera tais reações de ambos personagens, pois tanto Shrek, quanto Fiona, se mostram

sem respeito um pelo outro, criando diálogos cômicos, e ações hilárias.

3. 2. 1. 2 – A hierarquia e o matrimônio profanados.

Bakhtin (1981, p. 106) afirma que o carnaval proporciona aos indivíduos o

livre contato familiar, “capaz de opor-se às onipotentes relações hierárquico-sociais da

vida extracarnavalesca”. Estas relações hierárquico-sociais estão presentes nos clássicos

da Disney aqui já mencionados, em que as princesas estão sempre em busca da

felicidade, isto é, na conquista do príncipe encantado. São os príncipes que chegam em

seus cavalos brancos e as levam embora, enquanto aparece na tela: “E viveram felizes

para sempre!” (F- 34).

O casamento é visto, nesses clássicos, como o objetivo final de toda a luta

contra o mal enfrentada pelos protagonistas durante o filme. As princesas, que no início

sofriam no trabalho doméstico ou eram aprisionadas em torres ou tinham que fugir da

morte sempre foram recompensadas com a liberdade e a promessa de um final feliz.

Segundo Chauí (2002, p. 169), esse ato de praticar sempre o bem, a espera da

gratificação divina, seria “a idéia do dever [...] o dever torna morais um sentimento,

uma intenção, uma conduta ou uma ação” (CHAUI, 2002, p. 169, grifo da autora).

Assim, a ideia de praticar sempre o bem, mesmo sofrendo, seria valida, pois teria assim

sua recompensa.

Nos clássicos da Disney, as protagonistas procuram elevar seus status,

mudando assim sua aparência, como é o caso da Cinderela, que por intervenção de sua

Figura 34: E eles viveram felizes para sempre. – Branca de Neve e os Sete Anões (1937); A Bela Adormecida (1959); Cinderela (1950)

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Figura 35: De Borralheira para Princesa – Cinderela (1950)

Fada Madrinha, pode ter a chance de dançar com o príncipe, mesmo sendo por um curto

período de tempo. Ela não só teve a oportunidade de dançar com ele, mas também de

conquistar seu coração. Contudo, foi preciso ela se transformar da simples camponesa

para uma princesa em vestes de baile e sapatos de cristal (F- 35), adequando sua

aparência, e assim, elevando seu status para poder chegar até o alcance do príncipe.

Depois que ele é conquistado, sua aparência já não importa tanto, embora no final ela se

torne rainha.

Em “Branca de Neve e os Sete Anões”, a história é similar, porém com

alguns detalhes a mais. Branca de Neve é uma jovem bonita que, ao completar idade de

casar, desperta a inveja de sua madrasta, que viu em sua enteada uma concorrente para

os possíveis pretendentes, pois ela é mais jovem e mais bonita. A madrasta manda matá-

la e, para escapar da morte, ela foge para a floresta (F- 36.1) onde foi acolhida pelos

Sete Anões. Lá passa a cuidar da casa (F- 36.2). Doméstica, ela vive também a espera

de seu príncipe encantado para poder sair desta vida de serviçal. Na história, ela tem que

morrer (F- 36.3) para renascer nos braços do príncipe que a leva em sua garupa.

Todas estas mulheres são dependentes de seus heróis para viverem felizes.

Elas são frágeis, cheias de pudores, e vivem num mundo onde a hierarquia social

Figura 36: A fuga; o trabalho doméstico; a morte – Branca de Neve e os Sete Anões (1937)

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dominava as regras de relacionamentos, definindo a separação de classes e assim com

quem cada indivíduo deveria se relacionar. Entretanto, no mundo carnavalesco há uma

quebra dessas “barreiras hierárquicas entre as pessoas e a eliminação de certas regras e

tabus vigentes na vida cotidiana” (BAKHTIN, 2008, p. 14), o que não seriam normal no

mundo extracarnavalesco, permitindo a aproximação entre os indivíduos sem a

distinção social.

No filme “Shrek”, essas mulheres são representadas pela princesa Fiona, que

não é frágil, e sabe se proteger (F- 37.3). Quando Shrek sai em sua jornada para salvar a

princesa Fiona que está presa na torre mais alta e vigiada por um dragão, desconhece a

coragem da princesa e sua força. Ao chegar ao quarto onde Fiona está aprisionada,

descobrimos uma jovem dissimulada, que finge estar dormindo para ser acordada pelo

seu herói com um beijo de amor (F- 37.1-2). Fiona, assim como as outras princesas,

sonha com seu príncipe montado num cavalo branco pronto para levá-la para seu castelo

e torná-la sua rainha. Contudo, Fiona se decepciona ao descobrir que seu herói é um

ogro (F- 37.4). Afinal como ela poderia beijar um ogro, se essa não é a ordem natural

das coisas? Uma princesa não pode se relacionar com uma criatura e Shrek é uma

criatura (F- 37.5).

Entretanto, durante o percurso de volta, eles se descobrem, vendo que há

muito mais em comum entre eles do que imaginavam. Na sequência de imagens

seguintes, podemos conferir esses momentos em que os dois se descobrem: depois que

Figura 37: Uma princesa fora do comum e um príncipe nada comum – Shrek (2001).

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Fiona notou que Shrek tem um comportamento amigável com o Burro, ela decide

preparar o café da manhã (F- 28.1); Fiona e Shrek brincam com um sapo e uma

serpente, como se estivessem em parque de diversão (F- 28.2); Shrek prepara ratos no

espetinho e planejam futuros encontros (F- 28.3). Todavia, ela é consciente das

semelhanças que existem entre os dois, apenas parece não aceitar. Nós espectadores

descobrimos depois que durante a noite Fiona se transformava em ogro devido a uma

maldição (F- 28.4). Por isso, ela temia ser rejeitada por Shrek.

Os contratempos e as regras moralistas os colocam em lados opostos. Shrek

volta para seu pântano e Fiona termina na cerimônia de casamento com Lorde Farquaad.

De acordo com a hierarquia social e os finais tradicionalistas dos clássicos da Disney,

este casamento entre Fiona e Farquaad poderia ser moralmente correto se os reais

motivos de Farquaad não fossem apenas para obter o título de rei, e os de Fiona em

desfazer a maldição que carrega desde seu nascimento. Temos assim uma inversão de

valores, já não é a mulher que almeja mudar seu status, mas o príncipe. No entanto, o

casamento não é consumado com o beijo, pois Shrek entra interrompendo-o (F- 39.1).

Farquaad não se intimida, pois já tem o que almejava: a coroa real. Então ocorre o pôr-

do-sol e Fiona se mostra em forma de ogro para toda a sociedade (F- 39.2), deixando

todos espantados e pasmos. O novo Rei Farquaad fica revoltado com a surpresa

indesejável e tenta aprisionar os dois, mas o dragão surge pelo vitral e o devora (F-

39.3), em uma homenagem ao filme “Jurassick Park” (1993) numa cena que um

Tiranossauro Rex devora outro dinossauro de porte menor. Shrek fica surpreso, mas não

Figura 38: Momentos de

Shrek e Fiona.

Shrek (2001)

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se incomoda e os dois dão o primeiro beijo (F- 39.4). Para a surpresa de todos, Fiona

sofre outra transformação, porém esta última não a transforma em humano, mas a deixa

permanecer como ogro. Temos mais outra inversão da ordem moral apresentada nos

clássicos da Disney, em que a princesa sofre a transformação mudando de status, do

baixo para o alto. E nesse caso, é Fiona que tem que perder o status de nobreza e se

igualar ao seu amado: mudando de princesa a ogro, e não o oposto como todos

esperavam, permitindo assim um relacionamento possível. Afinal o alto status não é o

objetivo dos protagonistas desta história, mas sim apenas sua felicidade naquele

momento, mesmo que seja em um pântano comendo ratos e outras espécies nada

convencionais.

Um outro casal que se destaca na história é o Burro e o dragão fêmea. Os

dois são de espécies diferentes e mesmo assim, se apaixona um pelo outro. Eles

protagonizam cenas cômicas, tipo a que Burro descobre que o dragão não é ele, e sim

ela (F- 40.1); outra menos engraçada, e mais confidencial, quando os dois se encontram

pela primeira vez depois da fuga do castelo (F- 40.2) e a sequência animada divertida

em que todos os personagens se encontram na sequência final do filme (F- 40-3). Num

clássico da Disney, esse tipo de relacionamento não apareceria, pois a Disney parecia

sempre passar, em seus clássicos, mensagens de moralismo e de como as relações

sociais e conjugais deveriam ser: cada indivíduo com seu par, de acordo com a classe a

qual faz parte. Contudo, em “Shrek” essas relações não só podem ser possíveis, como

Figura 39: Um

casamento como nunca se viu num conto de fadas. –

Shrek (2001).

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também são permitidas, pois com a carnavalização estas barreiras moralistas de classes,

raças, estatura, cor e gêneros deixam de existir.

Ao término do filme, a moral que pode ficar para muitos é sobre como se

deve conviver com as pessoas, sejam elas diferentes na aparência, ou que tenham

opiniões opostas. Contudo, o filme “Shrek” não pode ser apenas isso, pois outras

pessoas podem dizer que o filme é formado por varias sequências de cenas irônicas que

parodiam e criticam os filmes clássicos da Disney, e que não procuram passar nenhum

tipo de moral. Além disso, o filme “Shrek” não tem uma mensagem definitiva, nem um

final conclusivo, fica em aberto para cada pessoa interpretar à sua maneira e, julgar a

moralidade de acordo com os ensinamentos morais que fizeram parte da sua criação.

Figura 40: Uma dupla romântica animal. E viveram feios para sempre. FIM! – Shrek (2001).

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CCoonnssiiddeerraaççõõeess

FFiinnaaiiss

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cinema infanto-juvenil com o passar dos anos mostrou que a

moralidade se adapta às novas culturas regentes em cada época

específica. Um dos estúdios que mais representou significativamente a qualidade

enquanto cinema infantil foi a Walt Disney, que desde seus primórdios soube priorizar a

moral e os bons costumes. Contudo, o cinema infanto-juvenil não se restringe só aos

clássicos da Disney, outros estúdios se destacaram por lançarem diversos filmes, com

novas técnicas, e novas perspectivas de moralidade. Foi com base nestes novos filmes

que analisamos “Shrek”, e como a moralidade presente nos clássicos da Disney é

profanada nele.

A monografia foi estruturada em três capítulos, em que procuramos

respeitamos a seguinte ordem dissertativa: refletimos sobre as definições da moralidade,

com base nos teóricos específicos, e como esta moralidade é apresentada nos filmes

com classificação LIVRE; depois discutimos a carnavalização e suas categorias,

fundamentadas nos teóricos citados, e presentes tanto no cinema infanto-juvenil, de

maneira geral, como nos novos filmes da Disney; e num terceiro momento, pudemos

analisar e refletir a profanação da moralidade dos clássicos da Disney, presentes em

cenas do filme “Shrek”. Mostramos assim como a moralidade é vista pelo conceito

carnavalesco, e de como as regras são desrespeitadas pelo ogro e por seus amigos.

Também pudemos notar a falta de cavalheirismo de Shrek com a princesa Fiona, e

como seu conceito de boa aparência de uma boa higiene pessoal, é completamente

diferente da convencional dos clássicos Disney; a sua ação em salvar a princesa

também, foi de forma egoísta, pois estava interessado em ganhos próprios e não na

questão moral de salvar alguém. Em “Shrek”, a hierarquia social não é levada a sério,

nem a hegemonia entre espécies. Primeiro temos um ogro que se apaixona por uma

humana, e depois a humana que se apaixona pelo ogro; em seguida um asno de tamanho

pequenino se entregando aos encantos de um dragão fêmea e de tamanho gigantesco.

Mesmo assim, apesar do evidente contraste, ao termino do filme, todos ficam bem. E é

nesse final feliz que “Shrek”, mais uma vez, renova o final dos filmes infantis: nos

clássicos Disney, é a princesa que espera casar com um príncipe para se tornar rainha.

Em “Shrek”, é o oposto, temos o Lorde querendo casar com a princesa apenas para ser

rei. Ainda nos clássicos, é normal vermos a princesa, antes vista como uma doméstica,

sofrer uma transformação ao final, e assim mostrar que não é mais a mocinha de

aparência camponesa, e sim uma mulher da nobreza. E, como pudemos analisar, não foi

isso que aconteceu em “Shrek”. A princesa Fiona, ao beijar seu verdadeiro amor,

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quebrou a maldição que a atormentava, mas, ao invés de ficar na forma humana, ela se

tornou uma ogra, fazendo o par perfeito de Shrek e invertendo assim todos os valores

que estávamos acostumados a ver no cinema infanto-juvenil da Disney.

Portanto, conforme as discussões feitas, temos um vasto material que

contribuirá para entender de que forma a profanação da moralidade dos clássicos da

Disney ocorre em “Shrek”. Dessa forma, também almejamos contribuir para futuras

pesquisas a serem desenvolvidas sobre como o cinema infanto-juvenil pode influenciar

a formação moral de jovens espectadores e, de antemão, como a carnavalização pode

interferir consideravelmente nesta formação, visto que é um gênero modificador da

ordem e da moral, assim pregada pela sociedade. Assim, nosso trabalho de pesquisa não

está limitado ou mesmo concluído, deixando em aberto possibilidades de novas

inquietações e discussões posteriores.

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RReeffeerrêênncciiaass

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A BELA Adormecida (Sleeping Beauty), Direção: Clyde Geronimi. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1959, DVD (75 min), adaptação do famoso conto de fadas de Charles Perrault.

A DAMA e o Vagabundo (Lady and the Tramp). Direção: Clayde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1955, DVD (76 min), baseado em conto de Ward Greene.

AKIRA (Akira). Direção: Katsuhiro Ôtomo. Produção: Katsuhiro Ôtomo. Japão: Tokyo Movie Shinsha, 1988, DVD (124 min), baseado no mangá de Katsuhiro Ôtomo.

ALICE no País das Maravilhas (Alice in Wonderland). Direção: Clayde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1951, DVD (75 min), baseado nas obras de Lewis Carroll: Alice no País das Maravilhas e Alice no País do Espelho.

BAMBI (Bambi). Direção: David Hand. Produção: Disney. Florida: Walt Disney Pictures, 1942. DVD (70 min), baseado em livro de Felix Salten.

BRANCA de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs). Direção: David Hand. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1937. DVD (83 min), baseado em história de Jacob Ludwig Carl Grimm e Wilhelm Carl Grimm.

CINDERELA (Cinderella). Direção: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske. Produção: Walt Disney. Florida: Walt Disney Pictures, 1950. DVD (75 min), baseado em um conto de Charles Perrault.

DEU a Louca na Chapeuzinho (Hoodwinked). Direção: Cory Edwards. Produção: Maurice Kanbar, David Lovegren, S. B. Montgomery e P. Stutzman. Los Angeles: Blue Yonder Filmes / Kanbar Entertainment, 2005, DVD (80 min), baseado em história de Todd Edwards e Cory Edwards.

DUMBO (Dumbo). Direção: Hamilton Luske e Bem Sharpesteen. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1941. DVD (64 min), baseado em obra de Helen Aberson e Harold Perl.

ENCANTADA (Enchanted). Direção: Kevin Lima. Produção: Barry Josephson, Barry Sonnenfeld. Flórida: Walt Disney Pictures / Andalasia Productions / e outros. 2007, DVD (108 min).

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GEORGE o Rei da Floresta (George of The Jungle). Direção: Sam Weisman. Produção: Jon Avnet, David Hoberman, Jordan Kerner. Flórida: Walt Disney Pictures, 1997, DVD (92 min).

HARRY Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Sorcerer Stone). Direção: Chris Columbus. Produção: David Heyman. Los Angeles (EUA / Inglaterra): Warner Bros, 2001, DVD (152 min), baseado no livro de J. K. Rowling.

JURASSIC Park – Park dos Dinossauros (Jurassic Park). Direção: Steven Spielberg. Produção: Kathleen Kennedy e Gerald R. Molen. Los Angeles: Amblin Entertainment / Universal Pictures / WNET New York, 1993, VHS (101 min), baseado em livro de Michael Crichton.

O GAFANHOTO e as Formigas (The Grasshopper and the Antes, 1934). In: Tesouros de Walt Disney - Sinfonias Ingênuas (Walt Disney Treasures: Silly Symphonies - The Historic Musical Animated Classics). Direção e produção: Walt Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 2004, DVD – 1 (354 min), baseado na fábula de Esopo.

O JARDIM Secreto (The Secret Garden). Direção: Agnieszka Holland. Produção: Fred Fuchs, Tom Luddy e Fred Roos. Los Angeles: Warne Bros, 1993, DVD (101 min), baseado no livro de Francês Hodgson Burnett.

O REI Leão (The Lion King). Direção: Roger Allers e Robert Minkoff. Produção: Don Hahn. Flórida: Walt Disney Pictures, 1994, DVD (87 min), basedo no mangá de Osamu Tezuka, Kimba – o leão branco, entre outras inspirações.

OS EMBALOS de Sábado à Noite (Saturday Night Fever). Direção: John Badham. Produção: Milt Felsen e Robert Stigwood. Los Angeles: Paramount Pictures, 1977, DVD (112 min), Historia de Nik Cohn.

OS GOONIES (The Goonies). Direção: Richard Donner. Produção: Harvey e Richard Donner. Los Angeles: Warner Bros, 1985, DVD (115 min), baseado em história de Steven Spielberg.

PETER Pan (Peter Pan). Direção: Clayde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske. Produção: Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1953, DVD (77 min), baseado na obra de J. M. Barrie.

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PINÓQUIO (Pinocchio). Direção: Hamilton Luske e Bem Sharpsteen. Produção: Walt Disney. Flórida: Walt Disney Pictures, 1940, DVD (88 min), baseado em conto de Carlo Collodi.

POR Água Abaixo (Flushed Away). Direção: David Bowers e Sam Fell. Produção: Ceil Kramer, Peter Lord e David Sproxton. Los Angeles (EUA / Inglaterra), DreamWorks SKG / Aardman Animations, 2006, DVD (90 min), baseado em história de Sam Fell, Peter Lord, Dick Clement e Ian La Frenais.

SHREK (Shrek). Diretor: Andrew Adamson e Vicky Jenson. Produção: Jeffrey Katzenberg, Aron W Warner, J. H. Williams. Los Angeles: PDI / DreamWorks, 2001, DVD (90 min), a partir do livro de William Steig.

TEKKONKINKREET (Tekkonkinkreet). Direção: Michael Arias. Produção:não consta . Japão: Sony Pictures / SPHE, 2007, DVD (111 min), baseado em mangá “Preto e Branco” de Taiyo Matsumoto.