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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática Campus Coração Eucarístico Orozimbo Marinho de Almeida A CAMINHO DA CATEDRAL SANTA MARIA DEL FIORE: Brunelleschi, Arquitetura, Arte e Matemática Belo Horizonte 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

Campus Coração Eucarístico

Orozimbo Marinho de Almeida

A CAMINHO DA CATEDRAL

SANTA MARIA DEL FIORE:

Brunelleschi, Arquitetura, Arte e Matemática

Belo Horizonte

2018

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Orozimbo Marinho de Almeida

A CAMINHO DA CATEDRAL SANTA MARIA DEL FIORE:

Brunelleschi, Arquitetura, Arte e Matemática

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para a obtenção do Grau de

Mestre em Ensino de Ciências e Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Elenice de Souza Lodron Zuin

Área de concentração: Ensino de Matemática.

Belo Horizonte

2018

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Almeida, Orozimbo Marinho de

A447c A caminho da Catedral Santa Maria Del Fiore: Brunelleschi, arquitetura,

arte e matemática / Orozimbo Marinho de Almeida. Belo Horizonte, 2018.

180 f.: il.

Orientadora: Elenice de Souza Lodron Zuin

Coorientadora: Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de Oliveira

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

1. Brunelleschi, Filippo, 1377-1446 - Análise. 2. Catedral de Santa Maria del

Fiore. 3. Geometria - Estudo e ensino. 4. Matemática - Estudo e ensino. 5. Cúpula.

I. Zuin, Elenice de Souza Lodron. II. Oliveira, Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de.

III. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. IV. Título.

CDU: 378.147

Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999

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Banca Examinadora

________________________________________________

Elenice de Souza Lodron Zuin

(Orientadora)

________________________________________________

Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de Oliveira

(Coorientadora)

__________________________________________________

Cláudio Lister Marques Bahia

(PUC Minas)

__________________________________________________

Amauri Carlos Ferreira

(PUC Minas)

__________________________________________________

Romanelli Lodron Zuin

(PUC Minas)

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Dedicatória

Para minha mãe

que, não mais aqui,

permanece sempre comigo.

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Cúpula da Catedral de Florença.

Óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2017)

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Agradecimentos

Apresento meus agradecimentos:

À minha orientadora, Profa. Dra. Elenice de Souza Lodron Zuin, pelo incentivo ao

plantar em mim a semente geradora deste trabalho, regada pelo seu acolhimento, generosida-

de, disponibilidade e socialização de seus conhecimentos;

À coorientadora, Profa. Dra. Lídia M. Paixão Oliveira, pela leitura crítica e sugestões

apresentadas ao longo do processo da escrita;

Aos professores da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Florença Giuseppe

Conti e Roberto Corazzi, por me acolherem em Florença, pela atenção e disponibilidade em

compartilhar seus conhecimentos através de encontros desde o primeiro contato e pela con-

cessão das imagens do seu livro;

Aos professores Dr. Amauri Carlos Ferreira, Dr. Cláudio Lister Bahia, Dr. Romanelli

Lodron Zuin, Dr. Altino Barbosa Caldeira e Dr. Carlos Antônio Carmargos D‟Avila, do Curso

de Arquitetura da PUC Minas, pelas preciosas contribuições apresentadas;

À amiga Profa. Yonne Grossi que, com sua sabedoria e competência, direcionou-me

em busca do objeto, ensinou-me a escrever, enxugando o texto;

A Fábio Martins, pelo seu apoio e sua amizade;

À minha irmã, Adriana, e à minha sobrinha, Adrianinha, pelo incentivo;

Ao Márcio Schuffner, por toda sua colaboração no dia do minicurso;

À colega e amiga Nayara Leão, pela consideração e amizade;

Aos funcionários da Secretaria do Programa;

Aos demais professores do Mestrado e a todos aqueles que se fizeram presentes no

transcurso da pesquisa.

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Os conhecimentos matemáticos são proposições constru-

ídas pelo nosso intelecto de modo a funcionar sempre

como verdadeiras, ou porque são inatas ou porque a ma-

temática foi inventada antes das outras ciências. A bi-

blioteca foi construída por uma mente humana que pen-

sava de modo matemático, porque sem a matemática não

se constrói labirintos. E, portanto, trata-se de confrontar

as suas proposições matemáticas com as proposições do

construtor, e desse confronto pode-se tomar ciência,

porque é a ciência de termos sobre termos.

(ECCO, in O nome da Rosa,1986, p.251)

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RESUMO

Esta dissertação busca evidenciar elementos da Matemática e Geometria presentes na constru-

ção da Cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore em Florença. Descreve a região da Tos-

cana, na Itália, localizando sua capital Florença. Ao apresentá-la, conduz o leitor à Catedral

Santa Maria del Fiore, cuja edificação é revelada. São mostrados centros urbanos da Toscana,

sua formação, arquitetura, arte, transformações socioeconômicas na região e as Corporações

de Ofícios. Abordam-se tormentos, conflitos e anseios do homem medieval para que se apre-

enda o contexto no qual foi construído o Templo e posteriormente sua Cúpula, que apresenta-

ra desafios devido à sua forma octogonal e grandes proporções. Introduz o artesão, artista e

arquiteto Filippo Brunelleschi, responsável pela realização de seu projeto final. Trata-se de

uma cúpula alvo de estudos recentes. Revela-se a importância da Matemática e Geometria em

sua construção através de pesquisa, há pouco elaborada, mostrando os segredos de sua edifi-

cação com o uso aprimorado de conhecimentos geométricos. A partir deste trabalho, elabo-

rou-se um Guia a ser utilizado na formação inicial e continuada dos cursos de Arquitetura,

Engenharia Civil, Matemática, Física e outras áreas, tendo como objetivo mostrar a aplicação

da Matemática na solução de impasses ocorridos na construção da referida cúpula.

Palavras-chave: Cúpula. Catedral de Santa Maria. Brunelleschi. Geometria. Matemática,

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RIASSUNTO

Questa dissertazione cerca di evidenziaregli elementi di Matematica e Geometria presenti

nella costruzione della Cupola della Cattedrale di Santa Maria del Fiore a Firenze, descrive la

regione della Toscana in Italia, individua e presenta sua capitale Firenze. Conduce il lettore

alla Cattedrale di Santa Maria del Fiore, di cui spiega la struttura. Indica i centri urbani della

Toscana, la loro formazione, l'architettura, l'arte, le trasformazioni sociali nella regione e le

Arti (corporazioni di arti e mestieri). Le torture, i conflitti e le angosce dell'uomo medievale

vengono affrontati per far capire il contesto in cui è stato costruito il tempio e più tardi, la sua

cupola. Questaha presentato sfide nella sua costruzione dovute alla sua forma ottagonale e alle

sue grandi proporzioni. Presenta l'artigiano, artista e architetto Filippo Brunelleschi, respon-

sabile della sua realizzazione e del suo progetto finale. Lacupola rivela l'importanza della

Matematicanella sua costruzione, attraverso una ricerca, recentemente elaborata, che mostra i

segreti della sua fabbricazione con l'uso raffinato della Geometria. Da questo lavoro è stata

sviluppatauna guida da utilizzare nei corsi di laurea in architettura, ingegneria civile e aree

correlate, il cui obiettivo é mostrare l‟ impiego della Matematica nella soluzione degli ostacoli

che si sono presentati nella costruzione della cupola.

Parole chiave: Cupola. Cattedrale di Santa Maria del Fiore. Brunelleschi. Geometria. Mate-

matica.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Vista da Toscana – arredores de Panzano ........................................................... 20

Figura 02 – Vista de Florença ................................................................................................ 24

Figura 03 – Detalhe da Catedral Santa Maria del Fiore ....................................................... 36

Figura 04 – Planta baixa da antiga igreja de Santa Reparata e ampliação da construção ...... 40

Figura 05 – Fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore ................................................... 41

Figura 06 – Catedral de Florença, afresco de Andrea di Buonaiuno, entre 1366 e 1369 .......43

Figura 07 – Torres em residências particulares – símbolo de poder econômico ................... 49

Figura 08 – Perspectiva linear com ponto de fuga – Santa ceia (Leonardo da Vinci),

Milão...................................................................................................................................... 67

Figura 09 – Disposição dos tijolos na forma “espinha de peixe”, em algumas seções da

cúpulada Catedral de Santa Maria del Fiore ..................................................................... 68

Figura 10 – Lanterna coroando a Cúpula e sobre ela a esfera de cobre, obra de Verocchio.. 76

Figura 11 – Cúpula da Catedral de Florença........................................................................... 81

Figura 12 – Determinação da vela - porção de um cilindro elíptico....................................... 83

Figura 13 – Curva catenária .................................................................................................... 84

Figura 14 – Quarto e quinto agudo da seção transversal da cúpula......................................... 85

Figura 15 – Estrutura das velas................................................................................................ 87

Figura 16 – Tijolos colocados ortogonalmente às linhas meridianas das velas – cordas

flexíveis.................................................................................................................................... 88

Figura 17 – Disposição dos tijolos segundo aneis ortogonais – visualização segundo

superfícies cônicas................................................................................................................... 88

Figura 18 – Determinação das cordas flexíveis....................................................................... 90

Figura 19 – Detalhe das duas teorias na determinação das cordas flexíveis........................... 90

Figura 20 – Visualização das superfícies cônicas................................................................... 91

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Figura 21 – Reforço circular disposto a partir de uma determinada altura para garantir a

estabilidade da cúpula ........................................................,....................................................91

Figura 22 – Posição da cúpula (circular) e a técnica “espinha de peixe” em forma de

élice......................................................................................................................................... 92

Figura 23 – Traçado da Cúpula com a disposição na forma “espinha de peixe...................... 92

Figura 24 – Paralelo entre a cúpula da Catedral de Florença e a Catedral de Brasília............ 93

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 14

CAPÍTULO I – CENÁRIOS INAUGURAIS

1.1– Toma da Toscana a estrada...........................................................................................20

1.2 - Florença: um poema de arte e arquitetura no espaço urbano........................................24

1.3 - Santa Maria del Fiore – a catedral: história e construção.............................................36

CAPÍTULO II- O DECLÍNIO DA IDADE MÉDIA E A CONSTRUÇÃO DA CÚPULA

2.1 – A arte e arquitetura no contexto medieval.............;....................................................44

. 2.2 – O ofício de artesão .....................................................................................................53

. 2.3 – Impasses na construção da cúpula..............................................................................59

CAPÍTULO III – A CÚPULA DA CATEDRAL DE FLORENÇA

3.1 – Brunelleschi: sábio, artesão, arquiteto, escultor ........................................................64

3.2 – A presença de Brunelleschi na construção da cúpula ................................................71

3.3 – A cúpula octogonal – pelas mãos da Matemática ......................................................81

CAPÍTULO IV – MATEMÁTICA E GEOMETRIA NA TRAMA DA ARQUITETURA

- Um relato de Experiência

4.1 – Do produto...................................................................................................................95

4.2 – O minicurso.................................................................................................................96

4.3 – Análise dos dados........................................................................................................96

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................104

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................108

APÊNDICES A (Questionário) ............................................................................................111

APÊNDICES B (Detalhamento do minicurso)......................................................................113

APÊNDICES C (Cartaz do minicurso)..................................................................................115

APÊNDICES D (Produto educacional) ................................................................................116

ANEXO 1 (Mini glossário ilustrado) ....................................................................................172

ANEXO 2 (Concordância de curvas) ....................................................................................177

ANEXO 3 (Bibliografia complementar) ...............................................................................178

ANEXO 4 (Autorização para utilização de imagens) ............................................................180

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação procura articular distintas dimensões temáticas: Arquitetura, Matemá-

tica, Geometria e Arte que envolvem a construção da Cúpula da Catedral de Santa Maria del

Fiore, em Florença, na Toscana, Itália.

A construção da Catedral de Santa Maria del Fiore, ou Santa Maria da Flor, iniciada

em1296, baseada no projeto do arquiteto italiano Arnolfo di Cambio (1240-1310) para substi-

tuir o pequeno templo de Santa Reparata. É possível que o fato tenha ocorrido devido à rivali-

dade existente entre as cidades de Florença e Siena. Florença decide construir uma grande e

majestosa catedral para evidenciar seu poder. Nessa época, a população de Florença atinge

90.000 habitantes o que demanda uma catedral maior para abrigar os fiéis. A edificação é fei-

ta, conservando em seu interior, a igrejade Santa Reparata, contudo, em 1375, é demolida.

Atualmente no interior da Santa Maria del Fiore, à direita de quem entra no templo, existe

uma escada que conduz aos subterrâneos da catedral, onde podem ser observadas as funda-

ções da antiga construção.

Em 1375, a obra do corpo da catedral é finalizada, faltando a edificação da cúpula. Ha-

ja vista que as cúpulas, até então são de base circular – denominadas de cúpula de rotação –

essa é projetada tendo uma base octogonal, o que causa sérias dificuldades na sua construção.

A solução para esse impasse só deve ocorrer por volta de 1420, isto é, cento e vinte anos após

o início da construção do templo, através do artesão e arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-

1446) que provavelmente utiliza seus conhecimentos de matemática e de geometria. A partir

do momento em que a Arquitetura apropria da Matemática, concretiza-se o fim do padrão

gótico e o início do padrão moderno.

Isto posto, uma questão se coloca: como explicitar a relação entre Arquitetura, Geome-

tria e Arte na construção daquela cúpula? É o que se pretende nesta presente pesquisa. Brunel-

leschi, na realidade, constrói duas cúpulas, uma interna cujo diâmetro é 45m e a externa de

diâmetro 54m e sua altura alcança 116 m. Sua grandiosidade, beleza, estética são motivos de

encantamento para os que a contemplam.

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Cabe indagar: onde buscar meu interesse pelas artes em geral? Como a construção da

cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore e Brunelleschi entram em meu percurso acadêmi-

co?

Minha trajetória nas artes da Matemática, das Línguas e das Artes Plásticas possibilita

um olhar distinto sobre o mundo, transitando por caminhos que se cruzam em diversas áreas

dos saberes e fazeres. Na obra A Magia dos Números, de Paul Karlson, encontro suporte para

justificar meu percurso eclético. O autor lembra que:

o mundo sempre esteve e está repleto de matemática. Isto nos pode causar

admiração pois o matemático é tido como um indivíduo de óculos escuros,

seco, alheio à vida, cujo reino, verdadeiramente, não é deste mundo, mas que delicia com elipses, e hipérboles, com frações e raízes, com logaritmos e in-

tegrais, o que é pura verdade. Mas quando tira seus óculos e esfrega os olhos

para passar em revista o céu e a terra, a sua alegria de descobridor não tem

fim. No alto dos céus depara com a lua cheia: um círculo perfeito (...). Nas ondas majestosas do oceano e no movimento pulsante da água ele vê a ima-

gem do conceito que tem das funções periódicas; a ornamentação cósmica

do céu estrelado fornece ao matemático uma riqueza inesgotável de relações geométricas. (KARLSON, 1961, p.3).

Hoje, pode-se dizer que minha alma sempre foi de educador, uns momentos pelas dis-

ciplinas das Ciências Exatas, outros voltados para Letras e/ou Artes, cada uma contribuindo

com seu colorido na tela da minha vida. Procuro ver o mundo sem lentes escuras.

Frequento Florença desde os anos de 1970. Sinto-me atraído por ela e, cada vez que lá

retorno, é como se estivesse voltando para casa. Chego a considerá-la quase como minha ci-

dade natal. De tantas idas e vindas por aquelas terras, não cheguei a imaginar que, um dia,

esta cidade e a cúpula que enfeita sua catedral fossem estar tão presentes em minha trajetória

acadêmica e pessoal. Admirar a cidade do alto de um mirante no Piazzale Michelangelo, pas-

sear pelos labirintos dos Jardins de Boboli, um jardim renascentista, percorrer ruelas por onde

circularam Dante Alleghieri, Nicolau Macchiavel, entre outros, são experiências marcantes e

inesquecíveis, que enriquecem a alma.

Esta dissertação reforça minha identidade com a cidade e, com ela, rendo homenagem

à Florença que, sendo considerada o berço do Renascimento, exibe, em cada esquina, em cada

canto, uma riqueza histórica e artística.

Do ponto de vista científico, a relevância desta pesquisa ancora-se numa dimensão

multidisciplinar entre Arquitetura, Arte e Matemática. Edgard Morin (2002), em sua obra A

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Religação dos Saberes, preconiza a importância dessa interdisciplinaridade. Cabe rememorar

a recomendação dada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PC-

NEM):

Será preciso procurar suprir a carência de propostas interdisciplinares para o

aprendizado, que tem contribuído para uma educação científica excessiva-mente compartimentada, especialmente no Ensino Médio, fazendo uso, por

exemplo, de instrumentos com natural interdisciplinaridade, como [...]. Fe-

lizmente, pelo menos no plano das leis e das diretrizes, a definição para o Ensino Médio estabelecida na LDB/96, assim como seu detalhamento e en-

caminhamento pela Resolução CNE/98, apontam para uma revisão e uma a-

tualização na direção correta. Vários dos artigos daquela Resolução são de-dicados a orientar o aprendizado para uma maior contextualização, uma efe-

tiva interdisciplinaridade e uma formação humana mais ampla, não só técni-

ca, já recomendando uma maior relação entre teoria e prática no próprio pro-

cesso de aprendizado. (BRASIL, 1998, p.48).

É inegável a importância de se estabelecer uma relação entre conteúdos de áreas dife-

rentes para que se possa promover, entre os sujeitos do fazer pedagógico, uma efetiva siste-

matização do conhecimento produzido.

Finalmente,do ponto de vista social, a importância desse trabalho reside na possibilida-

de de levar tal conhecimento através de um Guia, às outras áreas do saber como a Arquitetura,

a Engenharia Civil e no Ensino Médio através da Educação Matemática. Além disso, a arte e

a estética dessa suntuosa cúpula merecem ser conhecidas e admiradas.

O objetivo deste trabalho é apresentar a construção da cúpula octogonal da Catedral de

Santa Maria del Fiore circunscrita aos campos da Matemática, Arquitetura e Arte, demarcadas

pela obra de Brunelleschi. Em paralelo, perfilam-se os objetivos específicos:

Descrever a região da Toscana na Itália e a cidade de Florença para localizar a posição

da catedral de Santa Maria del Fiore no tecido urbano;

Analisar a arte entre os séculos XIII e XV d. C. no contexto histórico/religioso medie-

val fazendo referências às dificuldades de construir uma cúpula de base octogonal;

Identificar os impasses e dificuldades da construção da cúpula da Catedral Santa Maria

del Fiore afim de apreender o uso da geometria na solução dos impasses criados;

Descrever resultados de pesquisa recente que analisa à luz da Matemática, a constru-

ção da Cúpula.

A dissertação tem como principais referenciais teóricos Giuseppe Conti e Roberto

Corazzi, pautando-se nos estudos desses dois pesquisadores da Universidade Florença,que

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circundam a temática desenvolvida nessa pesquisa. Registram noções de arquitetura em seu

aspecto de projeto, de matemática, principalmente no que tange aos conhecimentos de geome-

tria, perspectiva e da arte no período medieval. Esse corpus de saberes é utilizado como eixo

referencial do trabalho. Os autores consultados fizeram uma investigação, detalhada e não

invasiva com instrumentos georadar, sobre a estrutura das paredes da cúpula e do material

utilizado em sua construção. Por estar fora dos objetivos desta dissertação, não foram analisa-

dos, em detalhes, neste trabalho. Contudo, tal questão pode ser um precioso material para fu-

turas pesquisas.

A presente investigação constituiu-se de uma pesquisa exploratória e documental, fun-

damentada em fontes secundárias, com análise qualitativa1. Entre os procedimentos metodo-

lógicos tomou-se a análise de conteúdo. Parte do trabalho de campo foi realizado em Floren-

ça, nos verões italianos de 2017 e 2018, onde foram coletados dados relevantes. Houve opor-

tunidade de encontros com os autores Conti e Corazzi, recebendo deles, preciosas informa-

ções. Para os referenciais em outros idiomas, optou-se por uma tradução livre para o portu-

guês. Decidiu-se em adotar a grafia italiana para os nomes próprios.

Esta pesquisa gerou o produto educacional intitulado Desafios na construção da Cú-

pula da Catedral de Florença com o objetivo de ser um guia para os profissionais da Arquite-

tura, Engenharia Civil, formação inicial e continuada de professores de Matemática e áreas

afins, além de atender os docentes em serviço. Devido à especificidade do tema e a sua finali-

dade, expressa anteriormente, em alguns momentos, fez-se necessário retomar, no seu todo ou

em partes, alguns capítulos da dissertação. Em outros, há partes que não estão contempladas

na dissertação, como é o caso dos elementos geométricos presentes na construção da cúpula e

o material dos anexos.

Em relação à divisão do texto, o primeiro capítulo situa a Catedral de Santa Maria del Fiore

no contexto espacial e urbano na cidade de Florença, região da Toscana, Itália.

O segundo capítulo contextualiza o período medieval apreendendo arquitetura, religião,

arte, movimento intelectual entre outros, evidencia a importância do artesão nas Corporações

de Ofícios e registra, entre os séculos XIII e XV d.C., o projeto de construção da catedral.

1 A pesquisa teórica tem, normalmente, como objeto de estudo, um corpus de dados constituídos de estudos já

realizados ou de documentos relacionado à temática. Nessa pesquisa, os procedimentos definem-se

essencialmente pela leitura, categorização e interpretação dos dados evidenciados nesse corpus. (PEREIRA,

1999, p. 31)

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O terceiro capítulo explicita a presença do arquiteto Filippo Brunelleschi e a solução

encontrada para os impasses criados na edificação da cúpula octogonal da Santa Maria del

Fiore. Além disso, apresentam-se algumas evidências atuais, a partir de pesquisas realizadas

pelos autores já citados, quanto à utilização da matemática na construção da cúpula.

O quarto capítulo traz o relato de experiência referente ao minicurso ministrado e assen-

tado no Guia educacional, elaborado por esta pesquisa, intitulado: Desafios na construção da

Cúpula da Catedral de Florença. É apresentada uma análise das respostas do questionário

aplicado aos participantes do minicurso – estudantes de Arquitetura, Engenharia Civil, Mate-

mática e áreas afins – sobre o referido produto.

Seguem-se algumas considerações finais do estudo.

O desenrolar da pesquisa evidencia o campo da interdisciplinaridade. Os cálculos ma-

temáticos representam um dos eixos da sustentação de uma arquitetura voltada para a arte e

estética. Por todos os aspectos apresentados, conclui-se que é possível exercitar o olhar mate-

mático no encontro de saberes e fazeres.

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CAPÍTULO I

CENÁRIOS INAUGURAIS

Famosa por sua arte, história e paisagem, a Toscana é uma região onde pas-sado e presente se unem em agradável harmonia. (...) Vários castelos e man-

sões foram construídos para os Medici, os grandes patronos do Renascimen-

to, que financiaram cientistas eminentes como Galileu Galilei. 2

Este capítulo localiza, na Itália, a região da Toscana e sua capital Florença, onde se er-

gue a catedral Santa Maria del Fiore com sua imponente cúpula octogonal, foco desta disser-

tação. A narrativa deita raízes nas belezas naturais que compõem o relevo regional.

De Florença são declinadas sua história, arte, movimento político, intelectual e sua es-

tética na configuração do projeto arquitetônico. Ressaltar-se-á seu grau de importância frente

às demais cidades italianas, assim como a presença de sua catedral acima mencionada. Para a

escrita do texto, tem-se apoio nas obras de Bessana (2009), Bloch (1959) e Listri (2002) por

apresentarem, de forma inspiradora, as principais características que envolvem esse trabalho.

A relevância da narrativa da região da Toscana, de Florença e da catedral demanda

uma necessidade de se localizar a problemática da dissertação no espaço, tempo e contexto

cultural.

2 In: Guia da Folha de São Paulo (1998, p.305).

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1.1 – TOMA DA TOSCANA A ESTRADA

Figura 1 - Vista da Toscana – Arredores de Panzano

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida (2012)

A Itália é um sonho que retorna pelo resto da vida.

Anna Akhnatova

Entre as vinte regiões em que está dividida a Itália, seu fascínio resume-se em uma ú-

nica, a Toscana, “joia das mais preciosas de um imenso assentamento ambiental, cultural,

artístico e gastronômico. Centro espiritual e capital do comércio, é o berço da língua italiana,

pois, italiano oficial é o falado nessa região” (LISTRI,2002, p. 5).Tal fato explica porque um

grande número de escolas que ensinam a língua italiana para estrangeiros estão ali localiza-

das. Seus contrastes culturais assemelham-se aos paisagísticos que representam a diversidade

e especificidades do país.

A Toscana está localizada na parte central da Itália, entre o norte do Mar Mediterrâneo

e os Montes Apeninos, cercada e entrecortada por grandes cadeias montanhosas. Conhecida

por suas belas paisagens, densas florestas e vegetação mediterrânea incluindo a videira, o car-

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valho, a oliveira e o cipreste, árvore sagrada dos Etruscos3. Ocupa uma área de aproximada-

mente 23 mil quilômetros quadrados sendo a quinta maior em extensão. Seus limites são: ao

sul, está o Lazio, onde se localiza Roma, a capital do país, a leste, estão a Umbria e Marche,

ao norte, Emilia-Romagna e Liguria, a noroeste.

Seu território é banhado pelo Mar Tirreno e pelo Mar da Liguria. Colinas e montes –

66% de suas terras – são predominantes em seu relevo, mas, também, há presença de forma-

ções montanhosas. Entre as sete ilhas da costa que formam seu arquipélago, merece referência

a ilha de Elba, terceira maior da Itália em extensão. As províncias (municípios) que a inte-

gram são: Siena, Prato, Pistoia, Pisa, Massa-Carrara, Lucca, Livorno, Grosseto, Florença e

Arezzo. Possui 287 cidades e 1757 distritos.

Os montes Apeninos são formados por duas cadeias principais quase paralelas. Uma

das ramificações é representada pelos Alpes Apuanos que cobrem seu norte e se estendem até

o mar da Ligúria. Nessa região, localiza-se o Monte Pisanino (1946 m), ponto mais alto. Apu-

anos foram os primeiros habitantes da região cujo assentamento confrontava-se com o territó-

rio etrusco.

Descrevendo a região, ocorre registrar a narrativa feita por Roberto Bessana sobre o

Vale D‟Orcia, ali localizado:

Castelos medievais, colinas, cidades antigas, belas vilas, casas isoladas, ci-

prestes, vinhas fabulosas e oliveiras, campos de trigo da cor de ouro, são es-

tes apenas alguns elementos que compõem as paisagens harmoniosas do Val D‟Orcia, próximo da província de Siena. O Vale D‟Orcia é um símbolo uni-

versal, tanto pela beleza natural da Toscana, como pela relação genuína entre

o homem e a terra que habita (BESSANA, 2009, p.45).

Considerado patrimônio mundial, em 2004, pela UNESCO, o Vale D‟Orcia é lar de

paisagens únicas e, por isso, um dos mais fotografados pelos visitantes. Nele os ciprestes são

como os ponteiros de uma bússola virtual que acompanham os viajantes todo o tempo.

O legado artístico e a influência da cultura erudita remetem a região à Itália Renascen-

tista. Na Toscana, nascem os mais influentes personagens da ciência e das artes, como Fran-

cesco Petrarca (1304-1374), Dante Alighieri (1265-1321), Sandro Botticelli (1445-1510),

3A história dos Etruscos, desde sua origem, até o estabelecimento no solo itálico, constitui uma incógnita para os

modernos arqueólogos. De onde veio esse povo e como chegaram a dominar a área ocupada pelos vilanovianos

são fatos que não se pode determinar. (SOARES, 1969, p. 222).

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Michelangelo Buonarotti (1475-1564), Leonardo da Vinci (1452-1519), Galileu Galilei

(1564-1642), Filippo Brunelleschi (1377-1446), Giacomo Puccini (1858-1924), entre outros.

Seis de suas localidades foram designadas patrimônio mundial, entre elas estão: o cen-

tro histórico de Florença (1982); a praça da Catedral de Pisa (1987); o centro histórico de Sie-

na (1995), o Vale D‟Orcia. A região possui mais de 120 reservas naturais que são protegidas.

Isto faz da Toscana, incluindo a capital Florença, um destino turístico muito solicitado atrain-

do visitantes de várias partes.

Toscana é herdeira da antiga Etrúria, a terra dos Etruscos, nome da região na idade

clássica. A partir do século III d.C., passa a ser conhecida como Tucia e seus domínios com-

preendiam um vasto território incorporando grande parte da Itália central (Toscana, Lazio

setentrional). A partir do século X, a Tucia setentrional recebe o nome de Toscana devido a

seus primeiros habitantes, os tuscos. Segundo Raimond Bloch, em seu livro Gli Etruschi, os

etruscos foram

[...] responsáveis pela maior civilização da Toscana, viveram na Etrúria duran-te a pré-história, foram se expandindo pela área compreendida entre os rios

Arno e Tibre. Sua longa história sobre o solo da península italiana desenvol-

ve-se entre o início do século VIII a.C. e pouco antes da Era Cristã. A princí-pio, em guerra contra os gregos, com os quais dividia a hegemonia do Medi-

terrâneo e,mais tarde, contra os romanos. Apesar de terem sucumbido à do-

minação romana no século III a.C., sua influência cultural não é interrompida. Trazem para a Toscana uma série de inovações no campo de infraestrutura de

transporte, agricultura e mineração, além de criar arte. Ainda hoje, na Toscana

e regiões vizinhas, encontram-se muitos vestígios etruscos. (BLOCH, 1959,

p.16).

Seguindo sua descrição, Bloch narra que as origens da Etrúria são ainda incertas. Se-

gundo Heródoto, os etruscos emigram da Lídia e outras localidades da Ásia Menor, via

mar,em direção às praias ensolaradas do mar Tirreno. Decifrar a língua etrusca em sua totali-

dade é,ainda hoje, um desafio. As cidades fundadas por eles, em geral, localizam-se nas en-

costas das montanhas. Cortona é um exemplo, pequena e pitoresca, localiza-se em uma colina

coberta de bosques, oliveiras e vinhedos. Está a 115 km de Florença e pertence à província de

Arezzo. Os etruscos possuíam um vasto conhecimento de irrigação. Após a incorporação da

Etrúria, Roma fundou as cidades de Lucca, Pisa, Siena e Florença provendo a área com novas

tecnologias e desenvolvimento, além de segurança.

O desenvolvimento da civilização etrusca, da história romana, da arte medieval e o esplendor

do Renascimento, conferem às cidades toscanas uma marca indelével. É uma espécie de “au-

ra” que as reveste diferenciando-as das demais cidades das outras regiões.

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A região atrai visitantes de muitas partes do mundo, devido à cidade de Florença, sua

capital, e outras como: Siena, Pisa, Arezzo. Quando se fala da Itália, de sua paisagem, de arte,

gastronomia, de Leonardo da Vinci, de Dante Alighieri, em qualquer parte do mundo, fala-se

da Toscana. As principais atividades econômicas são a indústria, o comércio, o artesanato, o

turismo e a agricultura que mantêm uma posição relevante.

Os vinhedos de suas colinas produzem vinhos bastante respeitados em virtude de seu

clima temperado e ensolarado. O Chianti é uma parte da região que engloba as províncias de

Florença, Arezzo e Siena. É um território de colinas que deve notoriedade à sua produção

vinícola. O vinho produzido nessa região viaja pelo mundo, como um símbolo italiano.4“A

área do Chianti é habitada há, pelo menos, 4000 anos como atestam recentes descobertas ar-

queológicas” (BESSANA,2009, p.15).

Os toscanos orgulham-se do azeite que produzem. Em boa parte da região, o comum

na paisagem é ser representada alternadamente por vinhas, carvalhos e oliveiras. Oito mil e

quinhentos hectares do território são cobertos por carvalhos, oliveiras, girassóis, papoulas,

cereais e pastagens que se alternam com as filas de ciprestes.

No período medieval, peregrinos que viajavam entre a cidade de Roma e a atual Fran-

ça, enriqueceram a região com novos conhecimentos: culinária, arte, artesanato, etc. Alimen-

tação e abrigo, necessários à estada desses viajantes, incentivaram o crescimento de comuni-

dades ao redor de igrejas e tabernas. Durante os séculos XII e XIII, conflitos entre os Guelfos

e Gibelinos –facções políticas apoiadas pelo papado e pelo Sacro Império Romano – no norte

e na região central da Itália, ocasionaram divisões entre os toscanos. Esses fatores incentivam

o surgimento de algumas comunas medievais ricas e poderosas na Toscana: Arezzo, Florença,

Lucca, Pisa e Siena. Possuíam certos ativos que garantiram destaque: Pisa tinha um porto,

enquanto Siena, o poder dos estabelecimentos bancários, Lucca, capital financeiro em casas

bancárias e mercado da seda, Florença, cultura e arte. Todavia, o encantamento da região

circunscreve sua capital, Florença. Sua tradição medieval, a estética de sua arquitetura, as

cores das casas, amarelo palha com janelas, quase sempre verde bandeira, o simbolismo de

seus monumentos, intrigam e fascinam seus visitantes.

4 Segundo Belford, os morros e vales suaves de Chianti se acomodam entre Siena e Florença, as grandes cidades

das artes dispõem de alguns dos melhores vinhedos da Itália. Florestas de carvalhos dão lugar a pastagens

abertas, enquanto que boas estradas rurais levam a Abadias isoladas e a castelos no alto dos morros. (BELFORD,

2014, p. 110).

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1.2 - FLORENÇA, POEMA DE ARTE E ARQUITETURA NO ESPAÇO

URBANO

Figura 2 - Vista de Florença

Fonte: Conti e Corazzi (2014, p. 4-5)

O mistério dos telhados de Florença está todo aqui: são, com a Cúpula, quase um “sacramento” que se torna um espelho e difu-

sor de beleza, pureza e paz celestial.

Giorgio La Pira

Em sua obra Florença, o berço do Renascimento, Machado lembra a escritora e crítica

literária americana Mary McCarthy: “Os florentinos, de fato, inventaram a Renascença, o que

quer dizer que eles inventaram o mundo moderno”, e a autora completa:

Parece exagero, mas não é. Em Florença, estruturou-se a língua italiana, a

partir de Dante, lá Galileu deu início à ciência moderna, lá nasceu a nova

concepção de política com Machiavel e se deu a revolução que libertaria a

arte de todos os limites e preconceitos que vigoraram na Idade Média. Em Florença, o homem redescobriu a importância de seu papel no mundo.

(MACHADO, 2004, p. 9-10).

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Acredita-se que conhecer uma cidade seja também conhecer contornos de sua história, ou

seja, sua fundação, desenvolvimento, estrutura urbana, influências, características de sua ar-

quitetura, atmosfera, o modo de falar dos habitantes e até mesmo o modo de viver.

Como se deu o processo de desenvolvimento desse assentamento romano surgido às

margens do Arno? A partir de um rio, uma ponte, uma estrada, tem-se a origem de Florença.

Pier Francesco Listri autor da obra La piccola grande storia di Firenze quando se refere à

origem de Florença, assim se expressa:

Assim nasce Florença – um rio, uma ponte, uma estrada marcam o lugar no

qual será construída Florença. O rio é bravo e inconstante. Divide-se em bra-

ços, forma ilhas e pântanos, inunda planícies na época de cheia e, no verão,

torna-se calmo como um riacho. É navegável até o mar por longos períodos do ano. Garante energia aos moinhos e água límpida. Os pastores, que des-

cem dos Apeninos para lavar a lã, sabem que o rio não apresenta perigo. A

ponte, inicialmente construída de madeira e, mais tarde, sobre uma sólida base de pedra, é segura porque apoia-se, de um lado, sobre uma margem de

rochas mais alta do que o terreno que a circunda. A estrada toma a direção

das colinas que estão ao norte. O lugar é encantado. Espalha-se entre colinas, protegido dos ventos, o rio garante a vida. Parece ter sido criado de propósi-

to, circundado por olmos, carvalhos, álamos e salgueiros para acolher o ho-

mem até a noite dos tempos. Aqui nasce Florença, fundada pelos legionários

de Cesar,supõe-se que, durante a realização da festa de primavera, que acon-teceu entre o final de abril e o início de maio do ano de 59 a.C., provavel-

mente, habitada pelos etruscos. (LISTRI, 2002, p.37).

A velha ponte, o rio Arno e o tecido urbano do acampamento romano que restou, mar-

cam a origem de Florença. Uma ponte; um rio; uma estrada que, percorre uma estreita planí-

cie, sulcando-a de sul a norte, em direção às colinas de Fiesole e Monte Morello. Esse é o

cenário sobre o qual Florença se acampava e ainda hoje se acampa. Se as razões de seu pros-

perar podem ser múltiplas e variadas, nem todas a tornam afortunada devido às condições

geográficas.

Para construir o caminho que leva à pequena cidade às margens do Arno a representar

uma parte do primeiro plano na história italiana e europeia, torna-se necessário explicitar con-

flitos entre Império e comuna. A análise abraça o período entre a fundação de Florença e o

momento de grande esplendor econômico, político e cultural nos primeiros decênios do século

XIV.

Cardini descreve o período inicial da Florença romana:

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A Florença Romana, um acampamento modelado na forma tradicional do

Castrum5 militar,um quadrado cercado de muralhas com aproximadamente

1800 m de lado, dentro do qual viviam entre 10000 e 15000 pessoas. A área,

construída sobre duas grandes ruas que se cruzavam no centro do quadrado, chamadas de Cardo Maximus, na direção norte-sul e Documanos, orientada

no sentido leste-oeste. Era praticamente um trecho da estrada chamada Via

Cassia que cortava a cidade na direção leste-oeste. Quatro portas são coloca-das nos pontos onde as ruas cortam as muralhas. No cruzamento das ruas fi-

ca a sede da administração. (CARDINI, 2015, p.19).

Uma planície de modestas dimensões: comprimento aproximado de 40 km e largura

um pouco mais de 10 km, esses limites condicionam o desenvolvimento da “grande Floren-

ça”, por muito tempo, desabitada por condições ambientais. Entre os séculos X e VIII a.C.,

surge, provavelmente onde hoje é o centro da cidade, um modesto acampamento vilanoviano6,

mais tarde abandonado.

No período entre os séculos VII e VI a.C., os etruscos se estabelecem na região. Por

questões de segurança, evitam as planícies, dando preferência às encostas, de onde é possível

controlar o rio frente à chegada de invasores. Fundam a cidade fortificada de Fiesole, com

sólidas muralhas implantadas às margens da planície ao norte do Arno. Tudo começa quando

os romanos precisam atravessar o rio para chegar à Gália Cisalpina, constroem a ponte e fun-

dam um acampamento para fiscalizara região. O ano é de59 a.C., Florença, conforme Cardini

e outros autores, é filha de Roma. Existem, entretanto, autores que consideram Florença uma

cidade etrusca e não romana, já que na época de sua fundação, Fiesole, etrusca, florescia nas

colinas ao lado do acampamento romano.

Na descrição de Cardini (2015), a natureza não é indulgente com Florença. As colinas

que a circundam são belas e apreciáveis, formam, entretanto, uma bacia úmida – abrasadora

no verão e gelada no inverno – dividida em duas por um rio tranquilo, estreito na entrada e

saída da cidade, ocasionando enchentes e mortes. Os romanos a fundam para proteger a velha

ponte na confluência do rio com uma estrada consular: ainda hoje são bem visíveis seus tra-

ços. Todavia, o mar Mediterrâneo, fonte de vida e riqueza, fica longe da cidade; o tráfico flu-

vial do rio Arno é atrofiado; a agricultura sofre com transformações climáticas. Ocorrem in-

vasões bárbaras, levando os romanos a abandonar a região.

5 Os antigos romanos utilizavam o termo Castrum para se referirem aos edifícios, ou áreas de terreno reservas para serem utilizadas pelas legiões romanas como acantonamentos ou posições defensivas. (CARDINI, 2015,

p.19).

6 Vilanoviana é o nome moderno dado à uma civilização pré-histórica. Seu nome vem da cidade Villanova,

localizada na província de Bolonha. Séculos X a VIII a.C. (CARDINI, 2015, p.18).

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Ao final do primeiro século d.C., sob o domínio do imperador Adriano, Florença assis-

te à uma decisiva reestruturação urbanística. Nascem os grandes edifícios públicos, como as

termas, teatro e anfiteatro. De acordo com Levi (1994), Adriano foi um construtor, amante da

paz, responsável por reafirmara universalidade da cultura latina e que prolongou por séculos a

vida do Império Romano.

Nas últimas décadas do segundo século, reformas administrativas de Dioclesiano

transformam Florença na capital da região formada por Tucia e Umbria. Até o final do impé-

rio romano ela está submetida a um governador. Passa por um período de decadência nos sé-

culos III e IV. É ocupada pelos bizantinos em 553 e em 570. A região Toscana é conquistada

pelos Lombardos que colocam sua base em Fiesole e fazem de Lucca, sua capital. Florença

deve esperar o seu renascimento no período carolíngio. Conforme narrativa de Cardini, “um

eclipse parece cobrir a história florentina entre os séculos V e IX: como outros centros do

universo romano – ocidental que também se viram envolvidos em uma crise de destruição por

um longo período de invasões bárbaras”. (CARDINI, 2015, p.22). Para Listri, sob Carlos

Magno “há um renascimento Florentino. O trabalho e comércio de tecidos, de lã, impulsio-

nam a economia criando classes mercantis que desenvolvem a cidade”. (LISTRI, 2002).

Já nos séculos XI e XII, a cidade é um centro modesto, entretanto vê-se que ultrapassa Arez-

zo, Volterra e outras cidades importantes, mas é inferior a Lucca e Pisa no número de habitan-

tes, potência e riqueza. Nascem as Corporações de Ofícios, com a Arte de Calimala, assim

chamada por estar na rua principal, isto é, na Cardo Maximus. São criadas, no início dos anos

duzentos, as artes da troca (banqueiros), da lã, da seda e ainda outras que dão à Florença um

sentido de vitalidade.

No alvorecer do ano mil, com suas carências e vicissitudes, no que se refere à produ-

ção agrícola, alimentícia e habitacional, os florentinos vivem isolados entre muralhas constru-

ídas pelos romanos e suas fontes de riqueza eram apenas campos para cultura e pastoreio. No

entanto, ao se debelar a mortalidade infantil, a população cresce, a agricultura se desenvolve e

a cidade passa a ser mediadora do transporte de mercadorias entre o sul e o norte. Florença se

afirma decididamente no tráfico, apesar de seu porto fluvial ser modesto e não possuir uma

grande estrada. É carente de rebanhos e não tem aqueles apreciados corantes que são utiliza-

dos para tingir os tecidos. Importa lã da Inglaterra e do Maghreb, região localizada no norte

da África,e busca na Ásia, através da “rota da seda”, as mágicas especiarias necessárias para

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tingir os tecidos de azul ultramar ou de vermelho brilhante. Nesta época, estão florescendo as

Corporações de Oficio que são assim descritas por Brucke:

Os cidadãos de Florença, na Idade Média, mostram um forte e contínuo im-pulso de agrupar-se em associações chamadas de Artes, às quais imprimem

um caráter artesanal. Escrevem estatutos que especificam direitos e deveres

de seus membros, exigem juramentos e fidelidade, fazem reuniões, impõem tributos e serviços. Tais organizações garantem aos seus membros uma certa

segurança em um mundo turbulento, no qual a autoridade pública é fraca e a

sobrevivência depende da cooperação e assistência recíproca. Além de for-necer uma ajuda, seja material ou psicológica, desenvolvem um importante

papel social resolvendo conflitos entre seus componentes. (BRUCKE, 1997,

p.42).

Efetivamente, o artesanato evolui do „sistema familiar‟ para o „sistema das corpora-

ções‟, quando o artesão se desloca para a cidade e passa a produzir para um mercado estável

constituído pelos habitantes urbanos. Nesse período de retomada de crescimento econômico e

explosão demográfica, são construídos mosteiros e igrejas e sua arquitetura é dominada pelo

estilo românico.

A primeira classe a se organizar, a dos mercadores que, em 1082, institui as artes, uma

associação profissional que, por ser forte e rica, força o governo a promover uma concorrên-

cia com as famílias da nobreza. Em 1197, as Corporações de Ofícios são em número de sete e

surgem as artes medianas e as menores. Em 1293, as ordens de justiça, verdadeira revolução

político administrativa, regularizam o número e os direitos políticos das associações de clas-

ses (artes). Ao se aproximar o século XIV, o poder de Florença se explicita através do prestí-

gio e riqueza arquitetônica das catedrais, basílicas, igrejas e atividades mercantis. Atinge

90.000 habitantes. Com seu crescimento e diante de uma maior complexidade das formas so-

ciais e políticas, estruturam-se associações capazes de atender às novas demandas.

Nesse século XIV, “as coletividades criadas estabelecem conselhos – legislativo, do

povo e executivo, das comunas. Todavia, a criação de tais órgãos é excludente. Podem parti-

cipar das comunas quem estiver inscrito em uma das associações da cidade” (LISTRI, 2009,

p. 21). Por exemplo, para o executivo supremo, torna-se necessário pertencer a uma associa-

ção. A direção suprema da cidade, a Senhoria7, é formada por oito priores escolhidos como

representantes das comunidades das artes, representativa da Justiça.

7 A Senhoria é uma forma de governo pela qual o poder comunal é centralizado em uma só pessoa, que o exerce

vitaliciamente. É mais tardia em Florença, pois será a forma predominante no restante das cidades italianas já a

partir da segunda metade do século XIII. A Senhoria governava com o apoio de 8 priores. (MAQUIAVEL,

2007, p. IX)

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Em meados do século XIII, é criada a mais antiga instituição de caridade, chamada

Virgem da Misericórdia8, que ainda hoje tem sua relevância na cidade, acolhendo e socorren-

do os necessitados. Nessa época, nascem as chamadas Companhias comum futuro promissor.

Entre elas, destacam-se a Companhia dos Cantores de Laudas, cuja característica é louvar

publicamente a Virgem Maria; a dos Tabernáculos cujos membros incitam os artistas a pinta-

rem nas ruas e praças imagens da Madona. Antigas ordens religiosas - franciscana e domini-

cana – utilizam-se as praças existentes na cidade para suas cerimônias e pregações. Sobressa-

em duas praças, a de Santa Croce e de Santa Maria Novella. Mais tarde surgem outras. Em

1250 iniciam-se a construção da igreja da Santíssima Trindade ede grandes hospitais: San

Pancrazio, San Salvi, Santa Maria Novella e Santa Maria Nuova.

A partir de 1252, é instituído o florim de ouro como moeda corrente que, depois de um

século torna-se uma das moedas europeias mais valorizadas. A conjuntura é percorrida por

conflitos entre classes sociais: os Guelfos e os Ghibelinos. A historiografia tradicional refere-

se aos Guelfos como guardiões da fidelidade ao papado enquanto que os Ghibelinos, devotos

do império, apoiam a nobreza.Em 1261, o Palácio Público do Bargelo passa a ser sede do go-

verno. Posteriormente, transfere-se para o Palazzo Vecchio ou Palácio da Senhoria.Em

1279,dá-se o início da construção igreja de Santa Maria Novella, sob a ordem dos dominica-

nos. Sua fachada, concluída posteriormente, apresenta um estilo renascentista, sendo utilizado

mármores verde e branco, formando motivos geométricos. Seu interior, amplo e luminoso,

apresenta estilo gótico.

Ao final do século XIII, o governo decide construir uma catedral a ser projetada pelo

renomado arquiteto Arnolfo de Cambio. Sua edificação inicia-se em 1296. Nos últimos anos

desse século, na praça central da cidade, onde estava sendo construída a grande catedral, fo-

ram realizadas obras de urbanização. Nessa época, grande parte da população vive na pobre-

za, para não dizer, na indigência. Chegam a Florença as grandes ordens dos mendicantes. En-

tre elas estão os beneditinos e os franciscanos que em 1211 e 1221 são visitados por São

Francisco. Le Goff assegura que “jamais se dirá o suficiente quanto à importância das ordens

mendicantes, dominicanos e franciscanos, principalmente, na história das cidades da Idade

8A Misericórdia, conhecida em toda a Itália, presta serviços assistenciais especialmente na área da saúde. Nasceu

em Florença em 1244, da necessidade de recolher os doentes atingidos pela peste que assolava a cidade. Hoje

atende famílias necessitadas com centenas de voluntários que são chamados de fratelli que conduzem suas

ambulâncias.

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Média”. (1998, p.17-18). Aos beneditinos, durante um longo período, cabe reger o tribunal da

inquisição que combate a heresia.

O século XIV contempla o esplendor de Florença. Divide-se em duas partes; a primei-

ra, tumultuada por conflitos entre habitantes e governo, além de invasores. A segunda organi-

za a forma do governo com suas respectivas hierarquias, atributos, normas e regulamentos. O

exercício do poder assume um novo perfil. No início do século ainda há conflitos dentro e

fora dos muros da cidade. Listri relata que

[...] duas famílias, os Cerchi e os Donati, dão vida a um novo dualismo de

conflitos, repudiado pela cidade, o primeiro forma o grupo dos Brancos, o

segundo conhecido pelos Negros (ligados ao papa Bonifácio VIII). O impe-

rador Arrigo VII chega na Itália, assedia Florença que resiste. Um ano após, em 1313, morre em Siena deixando a Itália dividida em duas: onorte imperi-

al e o sul ocupado. (LISTRI, 2014, p.43).

Antes da morte de Arrigo, para defender-se, Florença recorre a aliados estrangeiros e a

escolha recai sobre Roberto D‟Angió, eleito para governar a cidade por cinco anos. Paralelo a

tais acontecimentos, outras cidades da região tentam construir um estado Toscano sem incluir

Florença. Pisa desafia Florença e Lucca assedia e conquista Pistoia que pertencia a Florença.

O estado florentino recorre a Carlos da Calábria, filho do rei de Nápoles. Déspota, acaba com

as riquezas da cidade. Em contrapartida, salva Florença dos invasores e a cidade retoma seu

destino. Recupera o governo de Arezzo, Pistoia, Cortona, enquanto que internamente restaura

suas magistraturas republicanas.

A pausa democrática dura pouco e, em 1342, Florença vivencia uma nova ditadura es-

trangeira conduzida por Gualtieri di Brienne, duque de Atenas. Com intrigas consegue eleger-

se dirigente da cidade e de maneira despótica, apoiado pelas classes menos favorecidas, reali-

za uma reforma fiscal. Estabelece alianças ambíguas e acaba alijado do poder pelas elites

dominantes. Em 1348, a peste domina a cidade e extermina grande parte da população. Esse

acontecimento encontra eco nas páginas imortais de Decameron, escrito por Giovanni Boc-

caccio (1313-1375).

É oportuno salientar Giovanni de Milão, que dominava parte do norte da atual Itália,

“alia-se às cidades adversárias de Florença e ameaça invadi-la. Essa revida e retoma sua estra-

tégia de expansão territorial e assim dizima territórios inimigos restando apenas o estado do

papa que se opõe ao grupo dos Guelfos, conflito cunhado como a guerra dos oito san-

tos.”(BESSANA, 2009, p.42). A paz só será estabelecida quando o papa Gregório XI for su-

cedido por Urbano VI.

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John Najemy recorda que:

Durante todo esse período de desavenças externas, o estado Florentino, in-ternamente foi palco de uma luta triangular entre: uma elite que assume uma

nova identidade em qualidade de mercadores e banqueiros internacionais, o

povo organizado nas Corporações de Ofícios e as classes trabalhadoras, principalmente a imensa indústria têxtil. (NAJEMY, 2006, p.XIII).

Percebe-se, o início de atividades mercantis e industriais que permitem uma acumula-

ção de capital presente na primeira revolução industrial do século XVIII.

No final do século XIV, na descrição de Capretti,

Florença apresentava uma fisionomia urbana e arquitetônica bem definida,

refletindo os estágios de sua história. Aos olhos de seus habitantes, a cidade se mostrava organizada e sólida, representando a base do território que a cir-

cundava. (CAPRETTI, 2008, p. 12).

Torna-se relevante trazer para a história de Florença a presença da família Medici. Sua

fama ultrapassa os muros florentinos e toscanos, de origem camponesa tornam-se exímios

mercadores e aliam ao seu poder econômico o político. Promovem as artes, letras e ciências.

Criam bibliotecas, museus e patrocinam jovens artistas. Revivem a cultura grega, favorecem o

estudo da filosofia e do humanismo. Sua influência atinge a igreja católica, conseguindo ele-

ger dois papas de sobrenome Medici. “Foram mecenas e grandes colecionadores de obras de

arte”, tais como: o David de Michelangelo, A primavera de Boticelli, o rapto das Sabinas,

entre outras (MACHADO, 2004, p.14). Berço do Renascimento, patrimônio mundial da hu-

manidade pela UNESCO, Florença desempenha um papel econômico e cultural preponderante

nos séculos XV e XVI durante o governo dos Medici que configura outra estética, arquitetura

e cultura.

Em 1420, inicia-se a construção da igreja de São Lourenço da família Medici, projeto de

Brunelleschi. Com essa obra, inaugura-se o estilo arquitetônico típico do Renascimento flo-

rentino. Há grande harmonia de tons cinzas claro, escuro e a geometria equilibrada dos pilares

e arcadas. Em 1523, narra Machado p.71, “Michelangelo projeta um edifício para acolher

obras raras da biblioteca, em estilo maneirista, beirando o barroco”.

Até o início do século XIII, na arquitetura predomina o estilo gótico, mas no decorrer

desse século surgem alterações próprias de cada região. Janson coloca que:

Ao longo do século XIII o novo estilo perde aos poucos o seu caráter “im-portado” e a adversidade regional volta a afirmar-se. Em meados do século

XIV, observa-se uma tendência crescente de intercâmbio de influências entre

essas realizações regionais, até que um estilo “gótico internacional” surpre-

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endentemente homogêneo, prevalece em quase toda parte. Pouco depois,

quebra-se essa unidade: a Itália, liderada por Florença, cria uma arte radi-

calmente nova, a do Pré-Renascimento. Um século mais tarde, finalmente, o

Renascimento italiano torna-se a base de outro estilo internacional (JAN-SON, 1998, p.131-132).

A arquitetura gótica italiana tem uma posição de destaque por não ser totalmente gótica

como em outras regiões da Europa. A Itália cria estruturas de uma beleza e imponência extra-

ordinárias. A Igreja Franciscana de Santa Croce, em Florença, conforme diz Janson:

[...] é uma obra prima da arquitetura gótica, embora seus tetos sejam de ma-

deira e não de abóbodas de arestas, Certamente isso se deve a escolhas deli-beradas, e não a necessidades técnicas ou econômicas; assim, evoca-se a

simplicidade das primitivas basílicas cristãs e liga-se a pobreza franciscana à

tradição da igreja primitiva. Não há indícios do sistema estrutural gótico a

não ser na capela-mor com abóbodas e arestas. Por que então chamar a Santa Croce de gótica? Sente-se de imediato que esse espaço interno produz um

efeito radicalmente diverso daquele criado pela arquitetura primitiva cristã

ou pela arquitetura românica. As paredes da nave têm as qualidades de leve-za e transparência que se vê nas igrejas góticas. (JANSON, 1998, p.139).

Numerosas janelas exprimem o papel dominante da luz. Não se têm dúvidas de que a

igreja de Santa Croce é gótica, mas é, sobretudo, Franciscana e florentina. As construções

seculares do gótico italiano têm um caráter tão específico quanto as igrejas. Não há nada que

se compare à imponente austeridade do Palazzo Vecchio, Câmara Municipal de Florença.

Edifícios como esses, semelhantes a uma fortaleza, refletem as lutas entre as facções – parti-

dos políticos, classes sociais de famílias importantes – tão características da vida interna das

cidades-estados italianas. A moradia do homem de posses (ou palazzo, termo designativo de

qualquer grande casa urbana) é, literalmente, o seu castelo, projetado para resistir aos assaltos

armados. O Palazzo Vecchio9 segue o mesmo padrão. Por trás de suas paredes, o governo da

cidade pode sentir-se bem protegido contra a ira das multidões enfurecidas. A alta torre não

simboliza apenas o orgulho cívico, mas tem um objetivo eminentemente prático. Ao dominar

a cidade e os campos vizinhos, serve de posto de observação contra os inimigos internos e

externos.

Formas harmoniosas e equilibradas constituem uma constante na arquitetura florenti-

na. Uma sucessão rítmica de arcadas pode ser observada em vários edifícios na cidade e con-

ferem a eles um caráter de sóbria elegância. Arquitetos florentinos sabem contrabalançar o

empobrecimento do gótico graças a um equilíbrio de formas, que já prenuncia o Renascimen-

9Palazzo Vecchio ou Palazzo della Signoria, sede do governo de Florença, ainda hoje, hospeda a Prefeitura.

(NAJEMY, 2006, p. XIV).

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to. Tem-se um exemplo claro dessa situação, ao analisar a estética da cúpula da Catedral de

Florença. A sensação de equilíbrio e harmonia que ela transmite é fruto de proporções áureas

que existem entre os elementos que a compõem. Tais elementos utilizados por Brunelleschi a

tornam agradável de ser apreciada.

Há pouco mais de duzentos anos, Florença elege seu primeiro prefeito. Pietro Leopol-

do de Lorena reforma, reorganiza a administração e cria o cargo de prefeito. Os prefeitos são

mais importantes do que os ministros porque estão mais próximos da população. Conforme

Cardini (2015), um plebiscito, ocorrido em l86l, depõe o último Grande Duque de Florença e

a Toscana é anexada ao Reino da Itália recentemente formado. Em 1865, a capital da Itália

deixa de ser Turim sendo transferida para Florença. Seis anos mais tarde, com a anexação da

região do Lácio ao reino, Roma passa a ser a capital.

No século XIX, a população de Florença duplica, enquanto que, no século XX, chega a

triplicar-se, devido ao crescimento do turismo, comércio e indústria. Na Segunda Guerra

Mundial, a cidade é ocupada pelos alemães (1943-1944). A resistência à ocupação nazista,

forte e generalizada, culmina com um levante da população em agosto de 1944. Durante a

guerra, as pontes de Florença são destruídas, no entanto, a Ponte Vecchio é poupada por seu

extraordinário valorhistórico e artístico.

Em 1966, a paz de Florença é, outra vez, interrompida por uma trágica circunstância:

uma inundação que ainda hoje é lembrada como uma das calamidades que mais afetaram a

cidade. Na descrição de Listri (2014), o rio Arno invade significativa parte da cidade provo-

cando 34 mortes e danos incalculáveis ao patrimônio artístico. Diversos voluntários de dife-

rentes partes do mundo dirigem-se para Florença, tentando recuperar as obras de arte da cida-

de, em parte danificadas de forma irreversível. Um gesto de valentia de muitas pessoas –

chamadas pelos florentinos de “Anjos de Barro” – numa demonstração de solidariedade inter-

nacional por essa extraordinária cidade italiana.

A história política e religiosa de Florença é rica em tradições, suas festas populares

atraem seus habitantes. Mas, o que representa a Florença de hoje? Cardini sugere:

A Florença, de hoje, é um símbolo, um “logos”, uma grife. Florença fascina, Florença faz sonhar, Florença vende. De tudo: da moda às marcas de vinhos

finos, da prataria ao couro trabalhado, das imagens cinematográficas à litera-

tura. Escrever sua história é, ao mesmo tempo, desesperador e muito fácil. Existem bibliotecas inteiras sobre fatos esplêndidos ou terríveis, sobre mo-

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numentos, obras de arte, sobre protagonistas destes dois mil anos vividos en-

tre o Arno e as colinas. [...] Entretanto, não são apenas rosas. O Arno está

sempre menos prateado como nunca foi, e das sacadas das casas pendem ou-

tras coisas que não as glicínias em flor. A cidade viveu suas noites escuras, como aquela contada por Vasco Pratolini em Crônicas dos pobres aman-

tes.[...] a peste, a fome e a sórdida miséria de bairros desesperados, a fúria

das águas imundas e enlouquecidas daquela noite de novembro de 196610

.

(CARDINI, 2015, p.5).

Como pessoas, as cidades deixam impressas– em seu aspecto exterior, na sua estrutura

urbana, na soma de características, ora substanciais, ora impalpáveis, que fazem sua atmosfera

– os traços de seu passado: as glórias, contradições, sofrimentos e erros. Ainda hoje, Roma

fala aos visitantes, até mesmo para aquele que não sabe a história, de seus antigos esplendo-

res, de sua desolação medieval, de belas basílicas, de sua exuberância nas artes renascentista e

barroca, de sua retórica fascista feita de colunas e arcos neoclássicos. O mesmo se dá com

Florença.

Para quem visita Florença, a cidade revela, antes de tudo, a marca romana no traçado

ortogonal das ruas centrais, nos nomes de algumas ruas (via do Campidoglio, via das Termas),

além da estrutura característica dos edifícios localizados entre as praças Peruzzi e a de Santa

Croce, que acompanham uma linha curvilínea porque foram construídos sobre a planta de um

antigo anfiteatro romano. Entretanto, o visitante percebe imediatamente – pelas casas com

torres de pedra, construções renascentistas, igrejas românicas – que o grande tempo da cidade,

os seus séculos de ouro, são XIII a XVI. Uma época gloriosa, significativa, com a qual os

florentinos continuam a sonhar mesmo depois de seu fim. Tanto é que, um turista mais atento

não terá dificuldade em distinguir a quantidade de imitações e restaurações pesadas e arbitrá-

rias.

À primeira vista, Florença apresenta construções barrocas: um exame mais preciso re-

velará o contrário, existe um barroco refinado e precioso, porém discreto. Atualmente, é uma

cidade rica em atividades industriais, artesanais, comerciais e culturais, com uma vida artística

e científica através de suas escolas de arte, universidades. Dos seis séculos de esplendor artís-

tico e cultural, destacam-se os gênios da arte como Michelangelo, Giotto, Botticelli e Brunel-

10 O rio Arno sempre ameaçou Florença. Em 1333, a Ponte Vecchio foi destruída pela enchente. Mas a maior

tragédia foi a grande inundação de 4 de novembro de 1966. É considerada a maior catástrofe da cidade. O tempo

dos florentinos passou a ser contado como “antes” e “depois” do desastre. A cidade ficou sob as águas barrentas

que danificaram várias obras de arte, algumas definitivamente perdidas. (MACHADO, 2004, p. 129).

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leschi, imortalizados em obras presentes na Catedral Santa Maria del Fiore, na Igreja de Santa

Croce, nas galerias Academia e Uffizi e no palácio Pitti.

Em razão de sua posição central, comunica-se com a maioria das linhas ferroviárias

nacionais. Sua população se aproxima de 380.000 habitantes e na região metropolitana con-

tam-se 1.000.000 habitantes.

A Galleria degli Uffizi está entre os grandes museus do mundo, abrigando obras de

Leonardo da Vinci, Rafael e Boticelli, entre outros. Outras galerias são dignas de citação:

Academia, Galerias do Palazzo Pitti. A ponte velha, il Ponte Vecchio, símbolo maior de Flo-

rença por ser sua origem, abriga hoje joalherias que atraem a atenção dos passantes. Outras

referências arquitetônicas da cidade envolvem o Palazzo dela Signoria, a Basílica de Santa

Croce, a Igreja de San Miniato al Monte que, em 2018, completa 1000 anos. Todos esses mo-

numentos explicitam uma riqueza de arte e arquitetura.

Aquele que chega a Florença, por via férrea, e desce na estação Santa Maria Novella,

estará no centro da cidade. Da praça da estação, entra-se na via Panzani, a seguir, via Ceretani

e, percorrendo três quadras, vislumbrará a majestosa Catedral Santa Maria del Fiore. É impo-

nente sob todos os ângulos. Deixar-se perder no centro de Florença, por entre ruelas, arcos e

arcadas é um encanto. Contudo, é fácil de se encontrar: basta olhar para cima e procurar a

Cúpula da Catedral. Muitas ruas do centro histórico convergem para a Praça San Giovanni

onde ela está posta. Um destaque especial será dado à cúpula dessa catedral, cujos desafios de

sua construção demarcam o objeto dessa dissertação.

A Catedral, cuja construção foi iniciada em 1296, estendendo-se ao longo dos anos

trezentos e meados do século XV, torna-se o centro religioso de Florença e uma marca do

poder e riqueza da igreja.

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1.3 – SANTA MARIA DEL FIORE - A CATEDRAL:

HISTÓRIA E CONSTRUÇÃO

Conforme relato de Francesco Gurrieri (1994), em sua obra La Catedrale di Santa

Maria del Fiore,a Firenze, a atual Praça de San Giovanni, no centro de Florença, era ocupada,

desde os tempos bárbaros, por um assentamento ligado ao culto cristão. Essa região, desde o

início da Idade Média, representa o mais importante centro religioso florentino. Além do Ba-

tistério San Giovani, ocupam o espaço, naquela época, um hospital, um cemitério e a igreja de

Santa Reparata. Escavações evidenciam que, em seus oito séculos de história, ela sofre várias

reformas. No século XIII, é substituída pela Catedral de Santa Maria del Fiore.

Figura 3 – Detalhe da Catedral Santa Maria del Fiore

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida (2012)

No coração do centro histórico de Florença, ergue-se a Catedral de Santa Maria del Fiore.

Ao seu lado destaca-se o campanile de Giotto, cuja construção teve início em 1334.

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Na última década do século XIII, o arquiteto Arnolfo di Cambio11

é chamado a Flo-

rença para projetar a catedral que substituirá a igreja de Santa Reparata, então existente no

local. Em grande solenidade, é nomeado chefe da construção da Catedral. Assim a descreve

Gurrieri:

É uma obra da arte gótica do início da renascença italiana,considerada de

fundamental importância para a História da Arquitetura, é um registro da ri-queza e poder da capital da Toscana nos séculos XIII e XIV. Seu nome pa-

rece referir-se ao lilium, (lírio), símbolo de Florença, mas, documento do sé-

culo XV, por outro lado, informa que fiore significa “flor”, no caso, refere-

se, metaforicamente, ao fruto de Maria, ou seja, Jesus. (GURRIERI, 1994, p.148).

Diz-se também que seu nome Fiore, é tirado de Florença – flor. Durante o período da

república Florentina, em 1293, o tabelião Ser Mino de Cantoribus sugere a substituição, no

mesmo local, da velha catedral de Santa Reparata (que só será destruída completamente em

1375) por uma catedral maior e mais suntuosa de modo que, conforme suas palavras “a indús-

tria e o poder do homem não pudessem inventar, ou mesmo tentar nada maior e mais belo”

(GURRIERI, 1994 p. 148), e que estava preparado para financiar a construção. Esperava-se

que a população contribuísse e todos os testamentos incluíssem uma cláusula de doação para

as obras. Em setembro de 1296, é lançada a pedra fundamental na presença de autoridades,

entre elas, o Cardeal Pietro Valeriani, enviado especial do papa Bonifácio VIII. “Nos primei-

ros anos da construção os trabalhos aconteceram com grande entusiasmo e satisfação”.

(GURRIERI, 1994, p.150).

Arnolfo projeta um templo imenso e magnífico destinado a ser o maior e mais belo da

Toscana. É composto de duas partes distintas e perfeitas, harmonicamente conjugadas, três

naves, sendo a central mais larga do que as laterais, com altas pilastras, iluminadas por gran-

des janelas e ogivas12

. Um amplo octógono abraça as naves13

em sua extremidade final no

ponto mais alto da construção. É destinado a receber uma cúpula que será encimada por uma

11 Arnolfo di Cambio – (1232 ou 1245-1302). Considerado o melhor arquiteto do período gótico, nasceu em Colle di Val d‟Elsa, fixando-se em Florença em 1296. Dirigiu os primeiros trabalhos da Catedral de Santa Maria

del Fiore e projetou o Palazzo Vecchio (MACHADO, 2004, p. 145).

12 Ogiva é o perfil formado por dois arcos de círculo que se cruzam de acordo com certo ângulo (ÁVILA,1996,

p. 67).

13 Nave e a parte interna da igreja desde a entrada até a capela-mor. Denomina-se nave central quando esse

espaço é subdividido por pilastras, colunas ou arcos (ÁVILA, 1996, p.65).

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lanterna14

. Parece audaz a ideia de se colocar uma cúpula octogonal imensa cobrindo as ex-

tremidades das três naves, concepção que Arnolfo talvez tenha trazido da catedral de Siena,

anteriormente construída.

A catedral deveria ter a mesma estrutura do batistério localizado a sua frente. Como

ele, seria coberta de mármore da Toscana em cores branca, vermelha e verde, e sua cúpula

deveria ser octogonal e projetada para receber 30000 fieis. Arnolfo, porém, morre na primeira

década do século XIV, sendo sepultado na igreja de Santa Reparata. Seu ambicioso projeto

apenas havia começado. Em 1300, é criado um órgão gestor para supervisionar as obras.

Os trinta anos, que se seguiram, após a morte de Arnolfo, coincidem com um tempo de

instabilidade e crises políticas. As lutas entre os Bianchi e Neri, facções que lutavam pela he-

gemonia política e econômica, na região no final do século XIII seguidas pelas trapaças com

Carlo di Valois, Arigo VII, Castruccio Castracani, acabam por tirar do foco a construção do

monumento e a gestão de seus recursos. Por este motivo, em 1310, o papa Clemente V, de

Avignon, promete indulgências em troca de um sustento monetário para a continuação dos

trabalhos. No ano seguinte, o arcebispo da cidade impõe ao clero o pagamento de taxas para

ajudar o projeto. Em 1321, estabelece-se, em decreto público, a exigência imposta às Corpo-

rações de Ofícios que reservem uma parte de suas arrecadações para a obra. Em 1331, para

que as atividades da construção se normalizem, os trabalhos da maior igreja de Florença re-

começam depois de suspensos por um longo período.

São tomadas iniciativas para angariar fundos e agilizar a gestão financeira, quais se-

jam, colocar a obra da Catedral sob a responsabilidade e proteção direta da Arte da Lã (sem

dúvida, a de maior prestígio e mais rica entre as corporações florentinas) e criar um imposto

para as lojas dos artesãos. Quanto à obra, em um primeiro momento, os esforços concentram-

se em duas direções: de um lado a construção do campanário para substituir a antiga torre de

Santa Reparata, do outro, reconstruir a praça para receber a catedral. “Nesse trabalho, em

1393, torna-se necessário rebaixar o terreno e aumentar a área da praça. Com a permissão dos

proprietários, algumas casas são demolidas e o cemitério é transferido para outra área da cida-

de”. (GURRIERI, 1994, p. 153).

14 Lanterna é um elemento decorativo com uma dupla função de permitir a entrada da luz a assegurar boa

ventilação (KING, 2017, p. 141). Conforme Corona (1989, p. 296), é um corpo cilíndrico ou prismático, mais

alto que largo, com aberturas de iluminação sobre a cúpula.

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Um período difícil, na história de Florença, se aproxima marcando outra interrupção

da construção. Experiências negativas do governo, guerras, escassez de fundos, inundações, a

terrível peste em 1348 acompanham a vida de Florença até a década de 1350. Com lenta recu-

peração, atenções se voltam para a construção do campanário15

. A catedral entra em foco ape-

nas em 1353quando se discute o projeto para suas capelas laterais e as tribunas16

do octógono

que sustentarão a cúpula, um passo definitivo para o término da construção. O grande arquite-

to e escultor Jacopo Talenti (1300-1362), projetista da catedral de Orvieto, apresenta um pro-

jeto para a continuidade da construção, a propósito do qual, o supervisor da fábrica anota em

seu diário: “muito caro”. Elege-se um conselho para estudar e discutir o projeto que será acei-

to e Talenti passa a ser o substituto natural de Arnofo de Cambio. Assim, começam pequenas

alterações no projeto original.

Depois do primeiro período de interrupção forçada, a Corporação de Ofício da Lã re-

solve dar novo vigor à atividade do canteiro de obras e decide contratar Giotto17

que, em 12

de abril de 1334, é nomeado chefe dos trabalhos. De idade avançada, renomado por seus a-

frescos, encarrega-se de terminar a construção do campanário porque queria deixar em Flo-

rença uma obra de arquitetura. Seu falecimento em 24 de abril de 1337 impede a continuidade

da obra. Andrea Pisano, (1290-1348/9) escultor e membro das Artes dos Ourives de Pisa, au-

tor da primeira porta do batistério de Florença, o sucede mantendo-se no cargo de chefia de

1337 a 1343, quando se afasta de Florença após a queda do Duque de Atenas, de quem era

arquiteto oficial. Em 29 de março de 1359, festeja-se a conclusão do campanário. Sua base

quadrada de 13,30m de lado, estreita-se um pouco mais acima para 12,40m; a espessura de

suas paredes é 3,60 m e possui 84,70 m de altura.

Na descrição de Gurrieri (1994) a forma longitudinal da catedral, típica das basílicas

paleocristãs, é formada por quatro partes com cerca de 19,5 m cada uma. A nave central é

quadrada e as laterais são retangulares de dimensões 9,5 m x 19,5 m. A definição do módulo

estrutural é evidenciada pelo emprego de materiais distintos. As pilastras18

são de pedra forte.

15 Campanário é a torre onde se encontram os sinos, formando parte da construção ou separado dela (CORONA,

1989, p. 101).

16 Tribuna é o lugar reservado e elevado, com abertura em janelas e varandas para assistir às cerimônias religiosas (ÁVILA, 1996, p. 90).

17Giotto di Bordone (1267-1337), pintor e arquiteto, mais conhecido na história da arte pela utilização da

perspectiva na pintura renascentista. Estabeleceu o elo entre a pintura medieval, bizantina e o renascimento.

Conforme Vasari, era atribuído a ele o papel de grande renovador da pintura (VASARI, 2011, p.91).

18 Pilastras são colunas ou pilares integrados às paredes, apresentando-se ligeiramente salientes (ÁVILA, 1996,

p.73)

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Representa um novo conceito de arquitetura gótica – como mudança de estrutura das paredes,

de forma contínua para plataforma. O projeto arquitetônico de Arnolfo de Cambio é uma das

maiores sínteses dos novos conceitos construtivos medievais. Nele, estão presentes a exatidão

matemática, a maturidade, a essencialidade construtiva. Medindo 153m de comprimento, 38m

de largura na parte frontal, sendo a largura na abside19

90m. Sua altura, sem a cúpula, chega a

86,7m. Ocupa a quarta posição entre as grandes catedrais até hoje construídas; são maiores

que ela: São Pedro, em Roma, São Paulo, em Londres e a catedral de Milão.

A figura 4, mostrada a seguir, ilustra as plantas-baixas sobrepostas do projeto inicial

da Catedral de Santa Maria del Fiore, de Arnolfo de Cambio, sua sucessiva ampliação e a

antiga Igreja de Santa Reparata.

Figura 4 – Planta baixa da antiga igreja de Santa Reparata e ampliação da construção

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.35).

19 Abside é a extremidade, em semicírculo, de uma basílica romana, e, por analogia, do coro de uma igreja

(CORONA, 1989, p. 49)

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Figura 5 - Fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida (2012).

A fachada original desenhada por Arnolfo di Cambio iniciada em meados do século

XV, realizada por vários artistas em uma obra coletiva, mas só é concluída até o terço inferior

de sua altura. Posteriormente, desmanchada, por estar fora da moda, por ordem de Francisco I

de Medici. Entre 1587 e 1588, abre-se um concurso para a criação de nova fachada que termi-

naria em escândalo e desavenças, e os projetos apresentados não são aceitos. A obra fica in-

completa até o século XIX, quando, em 1864, Emílio de Fabris vence concorrência para a

construção da nova fachada, a que se aprecia nos dias de hoje. Conforme a narrativa de Fran-

cesco Gurrieri, “é um enorme e magistral mosaico de mármores coloridos (branco, vermelho,

verde), extraídos da região da Toscana, em estilo neogótico, com uma volumetria dinâmica e

harmoniosa. Concluída em 1887, sendo dedicada à Virgem Maria” (GURRIERI, 1994,

p.148).

É interessante observar, em seu interior, a presença de figuras não religiosas, como

um quadro de Dante e afrescos de comandantes militares. É notada, também, a ausência de

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capelas20

privadas de ricas famílias florentinas, muito frequentes na época, como se vê nas

igrejas de Santa Maria Novella e Santa Croce. O Duomo, como é chamado em italia-

no,sempre foi considerado um lugar público dos florentinos. Durante muitos anos as quatro

portas laterais estavam sempre abertas para a livre passagem daqueles que quisessem atraves-

sar a praça. Ainda em seu interior, sobre a porta principal, há um grande relógio com decora-

ção em pintura de Paolo Ucello, acertado conforme a hora itálica, uma divisão do tempo em-

pregada na Itália até do século XVIII, que atribui ao pôr do sol, o início do dia. Seus vitrais

são os maiores no gênero, criados entre os séculos XIV e XV, retratando imagens de santos

do Velho e Novo Testamento.

A Catedral, hoje, desempenha as mesmas funções para as quais foi construída, ou seja,

acolher fieis em oração, realizar cultos e cerimônias religiosas e, no presente, suas capelas são

utilizadas também para apresentações e concertos musicais, ampliando, dessa forma, seus

propósitos inaugurais. Sua imponência e notoriedade atraem grande número de turistas. Re-

presenta, hoje, um marco na cidade que não permite esquecer a força e o poder de Florença

daquela época.

Para informar-se em qual atmosfera se dá a edificação da catedral e o desafio da cons-

trução da cúpula octogonal, necessário se faz contextualizar períodos medievais que circuns-

crevem as Corporações de Ofícios existentes na época.

20 Capela é o recinto de uma igreja onde fica um altar particular. (ÁVILA, 1996, p. 30).

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CAPÍTULO II

O DECLÍNIO DA IDADE MÉDIA E A CONSTRUÇÃO

DA CÚPULA

Este capítulo concentra-se no período medieval e sua transição para o Renascimento.

Centros urbanos na Toscana, sua formação, arquitetura, arte, transformações sociais e as Cor-

porações de Ofícios. A narrativa apresentada apoia-se nos escritos de Georges Duby e na des-

crição da trajetória das Corporações de Ofícios feita por Antônio Rugiu, por ele denominadas,

Artes. Anseios do homem medieval, conflitos, tormentos são revelados, levando o leitor a

jogar-se no ambiente propício para compreender a atmosfera e o contexto cultural no qual foi

construída a cúpula da Catedral de Florença, na Toscana, objeto deste trabalho.

A Catedral de Florença é retratada no afresco de Andrea di Bonaiuno, elaborado entre

1366 e 1369, quando a Cúpula ainda não fora construída (Figura 6).

Figura 6 - Catedral de Florença, afresco de Andrea di Bonaiuno, entre 1366 e 1369

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 6)

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2.1. ARQUITETURA E ARTE NO CONTEXTO MEDIEVAL

Georges Duby defende que a arquitetura na Idade Média “é marcada por estruturas de-

fensivas: muralhas, torres, fortalezas”. (DUBY,1986, p.33). Um grande número de igrejas

românicas, góticas, edifícios públicos, residências particulares chegaram até nossos dias rela-

tivamente bem conservados enquanto o mesmo não se dá com a arquitetura de defesa.

A Toscana, por ter sido densamente populosa, rica em castelos e terras cercadas por

muralhas, por abrigar cidades entre as maiores da Europa de então, conserva ainda sua arqui-

tetura fortificada. Nas representações simbólicas da cidade medieval, foram usados elementos

precisos pela sua conotação: as muralhas, a catedral, os edifícios públicos. Não se pode igno-

rar que muralhas, além da defesa, apresentam também uma função psicológica; quem mora

entre os muros tem o status de cidadão, o que contribui para criar um sentimento de união

entre os habitantes. A cinta das muralhas e suas portas, único elemento de ligação com o

mundo exterior, compõem os verdadeiros símbolos da cidade.

A posição de absoluta vanguarda de Florença, a partir do final do século XIII, não se

assenta exclusivamente sobre a qualidade das interpretações artísticas e de reflexões críticas,

mas também sobre uma crescente integração sobre política territorial, expansão urbana, teori-

zação sobre o caráter e o papel da cidade. O espaço da sociedade florentina, na transição entre

Idade Média e Renascimento, apresenta-se em constante crescimento. Para Duby, “trata-se de

um crescimento econômico, territorial, cultural que, pouco a pouco, integra-se, colocando-a

em uma posição de equilíbrio entre os estados italianos”. (DUBY, 1986, p.35)

A arquitetura da Idade Média configura-se de forma especial pelas muralhas, hoje

pouco conservadas, caídas por abandono ou para ceder novos espaços para a polis, que é um

aglomerado de construções e de pessoas, circundada pelos muros com torres cuja função prin-

cipal é a defesa. A região da Toscana insere-se na Idade Média com suas cidades e transfor-

mações agrárias. Algumas cidades como Siena, Florença, Pisa, colocam-se como símbolos

dos assentamentos e agregados urbanos. Tornam-se significativas as formas de poder presen-

tes na tomada de decisões políticas e religiosas. A arquitetura, estilos, decorações contribuem

de forma fundamental para a edificação dos assentamentos entre os séculos XI e XIV.

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Ao narrar sobre cidades do território toscano, a colocação de Duby é sugestiva:

A presença de uma série de centros urbanos, de um poder comunal e um po-

der eclesiástico, algumas vezes aliados, outras, em contraste, cede lugar a

uma dupla alternativa, laica e eclesiástica, de duração não episódica. Em se-gundo lugar, a exasperada tensão municipalista, surgida em cidades comu-

nais com particular violência, mas destinada a durar muito tempo, constitui

um forte impulso para a diversificação da imagem urbana. De um lado, a po-

tencial concorrência dentro de uma mesma cidade, do outro, a existência de uma situação análoga entre outros centros. (DUBY, 1986, p.34).

Sem dúvida, as condições favorecem as maiores e mais caracterizadas inovações ar-

quitetônicas que acontecem nos chamados centros urbanos, os quais podem ser definidos co-

mo lugares caracterizados pela presença de um número de artistas e de grupos significativos

de compradores das obras por diferentes motivações – ambições pessoais e familiares, compra

de indulgências, visando salvação eterna – estão prontos a investir uma parte de sua riqueza

em prédios representativos e obras de arte. Esse último ponto é uma constante nos centros

urbanos na Baixa Idade Média. Por outro lado, o centro é dotado de instituições de tutela, de

educação e promoção dos artistas e distribuição das obras de arte. Afinal, são as cidades que

vão se expressando como centrais em relação a um território medieval.

A mera presença de uma concentração de transformações arquitetônicas, em uma de-

terminada localidade da Toscana, no período em questão, não basta para transformá-la em

centro. O centro implica a presença de um poder político, econômico e/ou religioso com seus

castelos, propriedades ou santuários. Após o ano 1000, com o desenvolvimento econômico do

campo e a fragmentação do sistema feudal, o desenvolvimento urbano assume características

particulares. A partir do século XI, os proprietários de terras perdem servos que migram para

as cidades. Embora livres, sentem-se submissos a vínculos feudais, ou seja, têm dificuldade de

lidar com a recente liberdade. No que compete à moradia, trabalho, alimentação, os recém

chegados são acolhidos algumas vezes nas paróquias. Em paralelo, surgem grupos indepen-

dentes que se dedicam ao comércio, artesanato e administração pública. Para Duby (1986),

esses agrupamentos estão na esteira da origem da burguesia.

De que forma o território toscano articula seus assentamentos? Fazendo uma leitura das

transformações urbanas através de sua história. Ainda Duby auxilia na compressão dos assen-

tamentos: “na Idade Média, a sociedade é imaginada ser dividida em três ordens hierárquicas

com diversas funções: aqueles que oram, aqueles que trabalham e aqueles que combatem”.

(DUBY, 1986, p.5).

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Hauser, ao discorrer sobre a Idade Média, chama a atenção para os três períodos em

que ela está dividida:

A Idade Média está dividida em três períodos culturais distintos: a economia natural da primitiva Idade Média, a cavalaria galante da alta Idade Média e a

cultura burguesa urbana de sua última parte. Acontecimentos importantes

separam tais períodos, tais como: o surgimento de uma nobreza ao serviço da cavalaria, que a acompanha, a mudança da economia natural em economia

monetária urbana, o acordar da sensibilidade lírica e o nascer do naturalismo

gótico, a emancipação da burguesia e o início do capitalismo moderno. (HAUSER, 1972, p.181).

E assim que a economia monetária urbana e a maneira burguesa de viver predominam,

características do período anterior aos poucos são abandonadas. Que características são essas?

O desejo de simplificação, a estilização, a renúncia à profundidade e perspectivas espaciais,

etc. Entretanto, existe um único elemento de importância que domina a Idade Média, antes e

depois dessa época: é o aspecto de um mundo concebido metafisicamente.

A arte, no período de transição para a alta Idade Média, emancipa-se da maior parte

das limitações que lhe foram impostas, sem, porém, perder seu caráter espiritual profunda-

mente religioso, ao expressar uma sociedade completamente cristã. Durante esse período de

transformações, o movimento espiritual do clero mantém-se apesar da heresia e do sectarismo

semrival. A igreja, com o prestígio de seu monopólio sobre os meios de salvação, não perde o

poder.

A catedral é considerada uma imagem terrena da „cidade de Deus‟. Por esse motivo,

sua rápida difusão em toda a Europa, revela a necessidade de exprimir uma nascente civiliza-

ção, ligada, tanto ao desenvolvimento das cidades, quanto ao crescimento das burguesias co-

merciais locais. Representa uma renovação da religiosidade cristã liderada pelas ordens men-

dicantes.Ela é um símbolo das novas relações entre o humano e o divino. Como se dá a difu-

são de um estilo de construção, como o gótico? A princípio, é necessário que existam, no pais

que o recebe, condições semelhantes às do lugar de origem, isto é, uma ampliação dos hori-

zontes da cidade. Segundo a descrição de Soares,

[...] é necessário haver um contato íntimo entre esses países. Pode ocorrer,

também, pelo fascínio, pelo foco de irradiação como o que Paris passou a

exercer em relação à toda a Europa culta, a partir do século XIII. É dela que

as cortes importam ideias e objetos de arte da moda; é nela que os príncipes vão buscar artistas para trabalharem seus palácios. Esses artistas têm grande

mobilidade e viajando, observando as diversidades locais, aprendem novos

processos de construção e ensinam o que já conhecem. (SOARES, 1969, p.447, v.26).

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O artista aqui referido é o mestre de obras. É ele quem trata, com o conclave da igreja,

as obras a serem executadas. “Ele inicia a elaboração dos projetos de arquitetura, desenha as

fachadas e os portais, o perfil dos arcos, as soluções das abóbodas, os croquis das estátuas e

de outros elementos da decoração.” (SOARES, 1969, p.447). É ele quem acompanha o talhe

da pedra, recorta com suas próprias mãos as peças mais difíceis e dá acabamento às escultu-

ras. Acompanha o trabalho passo a passo, resolve dificuldades, inventa máquinas que facili-

tam a construção e ocupa-se dos operários, tal como fez Brunelleschi que será referido no

próximo capítulo.Como pagamento, recebe um salário anual fixo, moradia e, em certos casos,

terras para cultivo, roupas com direito a luvas, víveres e uma diária móvel para cada dia de

trabalho efetivo.

No século XIII, um dos responsáveis diretos pela difusão do estilo gótico é o próprio

mestre de obras. Ele testemunha o nascimento de uma nova relação de trabalho, aplicada à

produção artística: é o início do trabalho assalariado. O trabalhador, vendo-se livre dos víncu-

los feudais, oferece seus préstimos a quem lhe convier; não possui terras, nem capital, apenas

aptidões que conseguem desenvolver. Por isso, as ordens religiosas, chegando numa região

para fins de catequese, podiam contratar mestres de obras estrangeiros, que construíam mo-

numentos,diferentes da tradição local.Ao comentar o surgimento das comunas independentes

nessa época, Soares relata:

Quando dois grandes brigam, um terceiro menor leva vantagens. Esta ideia

popular aplica-se perfeitamente à situação das cidades italianas a partir do

século XIII. O papa e o imperador disputavam a chefia efetiva da hierarquia feudal. Enquanto isso, Florença, Veneza, Siena, Pisa, Milão e outras cidades

do norte da Itália, começam a obter concessões de ambos os lados, o que

termina em transformá-las em verdadeiros estados independentes. (SOA-RES, 1969, p.471, v. 28).

Como explicar tal independência? Com o comércio cada vez mais desenvolvido no

Mediterrâneo, essas cidades prosperam e podem adotar uma política própria, pois não vivem

mais sob a tutela dos grandes impérios. A liberdade conseguida pelo próprio esforço, à custa

de lutas e sofrimentos, proporciona o surgimento de um novo homem que é considerado como

um ser dotado de direitos inalienáveis, assinalando assim o advento da Idade Moderna. Esses

novos horizontes abertos à humanidade são resultados de uma longa preparação a partir da

baixa Idade Média. Esse é um dos motivos pelo qual o gótico manifesta-se de maneira dife-

rente na Itália, ao exibir uma forma distinta de religiosidade e de vida urbana. Por outro lado,

a paisagem característica da Itália e seu povo extrovertido inspiram uma nova plástica, aberta

e generosa, portanto, distinta do que se desenvolvia em outras regiões.

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A introdução do gótico, na Itália, deve-se, sobretudo, à atividade dos monges cister-

cences21

, congregação católica beneditina que, “nos primeiros anos do século III, constroem

abadias segundo modelo francês: planta em cruz latina, com três naves, transepto e coro re-

tangular”. (SOARES,1969, p.478).

Porém, a Basílica de São Francisco, localizada em Assis, apresenta justaposição de es-

tilos romano e gótico. Tal solução hibrida será mantida por muito tempo em construções que

se salientam pela leveza de suas fachadas de mármore colorido – recortadas por desenhos

geométricos que acentuam as linhas horizontais – pela elegância de seus interiores abertos e

espaçosos, e pelas torres quadradas que lembram a tradição romana.

Duby (1986) observa que a cidade medieval toscana mostra-se cautelosa em suas vá-

rias atividades produtivas e comerciais, pela lucidez dos estatutos que impõem regras de con-

vivência com relação à higiene, funcionalidade e decoro. Entre as aparelhagens físicas, que

fazem o ponto de apoio e agregação, estão: torres para os nobres, lojas e oficinas para as cor-

porações comerciais e artesanais. Parte da população, presumivelmente, permeia por todo o

agrupamento urbano, morando em zonas mais obscuras dos edifícios ou em choupanas, até

mesmo em grutas espalhadas pelo território. O setor da arte e arquitetura, a hierarquização das

corporações, juntamente com a chegada de uma constituinte senhoril, produzem novas figuras

investidas pela aristocracia. A Toscana, nessa época, estava dividida em duas porções diferen-

tes: a setentrional com muitas cidades e a Toscana do sudeste, correspondente aos territórios

nos quais os centros urbanos eram escassos. A maior parte dessas cidades tem origens remo-

tas, etruscas ou romanas.

Particularmente as torres, abundantes na cidade medieval italiana, representam o do-

cumento de um contraste interno, todo particular. Nascem como pequenas fortificações, ina-

cessíveis à rua e ligadas ao nível do primeiro ou segundo andar, constituindo refúgios de e-

mergência. Retratam o exemplo típico de transformação urbana no qual o mudar de situação

sócio- econômica corresponde à uma adaptação das estruturas nas edificações. A construção

da cidade toscana exprime-se também pela residência senhoril das casas com torres da baixa

Idade Média, surgem edifícios austeros que antecedem as construções do Renascimento. É

comum uma construção apresentar alpendres (pórticos) não apenas nos edifícios públicos

21 Cistercenses é a Ordem reformada dos beneditinos, fundada em 1098 por Roberto de Molesmes, assim

chamada pelo mosteiro de Citreaux (Cistes, Cisternium) e conduzida ao pleno florescimento por Bernardo de

Claraval. Usam hábito branco com escapulário escuro; existe também um ramo feminino (CANTELE, 2014, p.

120).

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mas, nas casas particulares naturalmente das famílias mais ricas e arquitetos muito favorecem

para fixar algumas características da cidade medieval.

O homem da alta Idade Média passa a ser atormentado pelas tensões e conflitos de

uma libertação inovadora. Indivíduos capazes de reflexão sentem a modernidade de sua épo-

ca, estão conscientes de que podem abrir novos caminhos. Tornam-se novos homens. Esse

sentido de modernidade é claramente testemunhado pelo surgimento de obras literárias e ar-

quitetônicas.

Figura 7 - Torres em residências particulares – símbolo de poder econômico

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida (2012).

A catedral é também basílica, no sentido romano da palavra, lugar de reunião da co-

munidade; nela, podem ser tratadas também questões políticas ou econômicas. Aqui entra a

continuidade que nunca foi alcançada entre arquitetura maior (essencialmente as igrejas) e

construções comuns: são feitas pelas mesmas pedras, pelas mesmas mãos, pelas mesmas ima-

ginações.

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Os embates entre cidades vizinhas são realidade na Toscana da Idade Média. “Em

1150, Florença torna-se livre, o que significa que já não pertence a alguém, não tem um se-

nhor, não é vassala nem foi tomada pelas armas. A despeito das turbulências, a cidade perma-

nece livre até 1434.” (MACHIAVEL, 2007, p. VIII). A cidade livre apresenta equilíbrio po-

rém, precário. As contradições de uma estrutura feudal são frequentes e resistentes às inova-

ções externas. Entretanto, a atração da cidade em desenvolvimento provoca a vinda de alguns

senhores feudais, que veem grande possibilidade de lucros: o preço das terras aumenta no

curso dos processos de expansão urbana. Cultura feudal e cultura burguesa confrontam-se nas

cidades toscanas: convivem ou se combatem. O movimento das cruzadas coloca em destaque

a cidade de Pisa. No século XII, é uma das cidades mais importantes devido ao tráfego com o

oriente, ao lado e em contraste com Gênova. Em outras cidades da região, introduzem-se

novas atividades e nesse quadro de transformações político sociais inserem-se também as no-

vas comunidades rurais abertas às relações com os proprietários de terras com o objetivo de

participar do governo das comunidades.

Em paralelo às lutas contra o feudalismo, Pisa, Lucca e, sobretudo, Florença, entram

em atrito com cidades vizinhas e rivais. Em 1125, Fiesole é vítima de Florença. Na segunda

metade do século XII, os conflitos estendem-se. O ponto central da discórdia é a luta de Flo-

rença para ter um livre acesso ao mar, permitindo o escoamento de sua produção principal-

mente de lã. No início do século XIII, confrontos pelo predomínio político- econômico sur-

gem sob o nome de Guelfos e Ghiberlinos que, por décadas, embatem entre si. As relações

que se estabelecem, entre as cidades toscanas e o território regional a partir do século XIII,são

múltiplas, especialmente para Florença e Siena onde novos modelos de construções inovam a

arquitetura. Em Florença, a cultura do espaço, entre o final do século XIII e primeira metade

do século XIV,traz inovações no terreno da arquitetura e da arte.

Para Duby (1986) a arquitetura na cidade comunal apresenta um comportamento pro-

gressivo e experimental que anuncia as várias técnicas atuando em dois diferentes níveis: o

perfeccionismo internacionalista gótico da catedral que catalisa a capacidade organizativa do

clero de um lado, do outro a vitalidade inventiva e atuante das corporações artesanais. Expres-

sa em uma tensão operativa que procura não mais o papel ético da arte, mas o lucro, as rela-

ções de produção. No que se refere à forma urbana, não se tem dúvida de que este crescimen-

to progressivo nas cidades toscanas torna-se mais operante: nas escrituras das edificações ao

longo de ruas tortuosas e vivas, sente-se o vibrar de cada passo de cada sacada, de cada pedra.

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Duby ressalta que:

A expressão Ars Nova, usada foi no século XIV para indicar um desenvol-

vimento em diversos campos da criação, como na arquitetura, escultura, ou-

rivesaria, pintura. Os artistas e seus mercenários não consideravam mais a arte como meio de revelar os mistérios do mundo. Para eles, a arte é ilustra-

ção, narração, a transposição clara e legível de uma história. Aqui reside uma

mudança fundamental: o artista deixa de ser o coadjuvante do clérigo na ce-

lebração litúrgica e coloca-se a serviço do homem. (DUBY, 1986, p. 234).

Ars Nova define também certas formas de composição musical que se caracterizam

pela proliferação de um ornamento, pelo espírito de um deleite estético. Na pintura, existe

uma relação de dependência entre o artista e o cliente conforme descreve Michael Baxandall

na introdução de seu livro O olhar Renascente:

[...] uma pintura do século XV é o testemunho de uma relação social. De um

lado, o pintor que realizava o quadro, ou, ao menos, supervisionava sua exe-

cução. De outro, alguém que o encomendava, fornecia fundos para sua reali-

zação e, uma vez concluído, decidia de que forma usá-lo. Ambas as partes

agiam de acordo com as instituições e convenções – comerciais, religiosas,

perceptivas, sociais, na acepção mais ampla do termo –que eram diferentes

das nossas – e influenciaram suas relações em comum. Aquele que enco-

mendava, pagava e definia a utilização a ser dada à pintura poderia ser cha-

mado o mecenas, se nesse termo não estivessem inseridas várias conotações

provenientes de outras situações bem diversas. Essa segunda pessoa, na tran-

sação da qual a pintura será o resultado, é um agente ativo, determinante e

não necessariamente benevolente: podemos chamá-lo cliente. A melhor pin-

tura era realizada sob encomenda por um cliente que exigia sua execução

conforme suas especificações. (BAXANDALL, 1991, p.11).

Pelo que coloca Baxandall, pode-se inferir que os artistas em contato com o cliente es-

tão em uma relação de submissão. Não são livres para externar sua criação, fazem a obra se-

guindo a solicitação do contratante, limitando sua criatividade.

Grande parte das cidades toscanas atinge um momento de prosperidade É a cidade do

século XIII, autônoma, especializada em setores para atividades artesanais e comerciais, dis-

tribuídas conforme um desenho informal; possivelmente, fruto de um acordo conduzido pelas

corporações de ofícios interessadas. Quanto às condições dos artistas nesta época, faz-se o-

portuno relatar a descrição de Georges Duby:

Os artistas, a partir do final do século XIII, são quase todos leigos, assim

como seus antecessores. Organizam-se em Companhias de Ofícios muito fe-chadas e sobremodo especializadas. Essas corporações, envolvem o grupo

familiar, oferecem refúgio, favorecem deslocamento entre cidades, de uma

fábrica a outra e tem, como consequência, os encontros e a formação dos a-

prendizes e a difusão das técnicas operativas. (DUBY, 1986,p.240).

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As Companhias de Ofícios, citadas por Duby, foram associações existentes na Idade

Média que reuniam especialistas de uma mesma profissão cujo objetivo era regulamentar as

diversas atividades e defender os direitos dos artesãos. No século XIII,já existem as Confrari-

as dos Pedreiros e dos Ourives. Depois de 1300, são criadas outras, entre elas, a dos pintores.

Giotto, gestor da corporação dos pintores, por certo período, organiza equipes, redige contra-

tos e distribui trabalho entre seus associados. Corporações, de modo similar, operam nas cons-

truções de catedrais.

O centro de Florença, a partir de 1335, acolhe as sedes oficiais das 21 artes, todas den-

tro do perímetro da cidade romana. As várias atividades produtivas articulam-se por setores

nas ruas, cujos nomes referem-se à atividade às quais estão destinadas. A cidade do século

XIII sofre todo o processo urbanístico da baixa Idade Média, criam-se hospitais e asilos em

geral anexados às igrejas em especial pelas ordens religiosas dos mendicantes, estabelecem-se

nas ruas entre as portas da cidade e o centro.

A arte e cultura já começam a assumir um papel preponderante e decisivo na constru-

ção do ambiente da cidade. Giotto é colocado em um pedestal na história de Florença por re-

velar a arte, libertando da rigidez da arte grega. É uma arte ligada ao passado e à natureza,

duas maiores referências reduzidas à uma única matriz.

No século XIII, quando surgem as ordens mendicantes – franciscana e dominicana –

os monastérios são construídos nos arredores dos centros habitados enquanto os frades se

mantêm totalmente isolados. A pregação dos frades mendicantes, segundo Le Goff, “é um dos

momentos fortes da sociabilidade urbana a partir do século XIII, combinando discurso religio-

so e novidades da vida na cidade”. (LEGOFF, 1998, p.10).

Em certas regiões, por estarem expostas a assaltos, constroem os muros defensivos. A

vida dentro dos mosteiros flui rápida e ativa muito mais do que se pensa. Apresentam uma

boa estrutura, entradas e corredores a perder de vista, clausuras e pátios cercados por galerias

com colunas ornamentadas, jardim com cisterna no centro, horta, farmácia, biblioteca, igreja

(aberta ao público) e cemitério. Com ou sem clausuras, os conventos são fontes de atividades

intelectuais e criatividade, sobretudo aqueles mais aristocráticos copiavam manuscritos, pro-

duziam grande variedade de textos.

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2.2 O OFÍCIO DE ARTESÃO

Antonio Rugiu (1998), em seu livro Nostalgia do mestre artesão, descreve e analisa,

de forma detalhada, as Corporações de Ofícios. Dermeval Saviani, na introdução da edição

brasileira dessa obra, escreve que:

[...] o autor nos traz o conhecimento do trabalho artesanal, tanto em seu sig-

nificado histórico mais amplo como na particularidade, do modo como ope-

ravam cotidianamente os mestres artesãos, em suas relações como os apren-dizes, com os clientes, como os pais dos aprendizes, com os poderes tempo-

rais e espirituais, associando-se para resguardar suas prerrogativas e privilé-

gios.(SAVIANI,1998, p.7).

Conforme Rugiu (1998), as Corporações de Ofícios, associações de artesãos e merca-

dores desenvolvem-se na Europa, entre os séculos XII e XIV. Atingem seu ápice no século

XIV quando começam a perder importância até sua supressão legal no século XVIII, demar-

cando a primeira revolução industrial. As Corporações contribuem, de forma significativa,

para o desenvolvimento das artes. O autor utiliza o termo “arte” para indicar aquelas particu-

lares associações, principalmente na Toscana. Antes do final do século XIX, o termo Corpo-

rações era raramente empregado. A corporação tem privilégios garantidos pelo poder público

para o exercício e o ensino da própria atividade em um determinado território. Esse monopó-

lio compreende o poder para gerir instrução geral e a socialização, como também a qualifica-

ção profissional dos aprendizes e, mais tarde, se tornam mestres naquela corporação.

Uma das prerrogativas definidas por elas é a obrigação de não invadir o setor profis-

sional estabelecido. Os conflitos entre elas são frequentes e inflamados. Outro benefício é a

proibição das oficinas de acolher um número de aprendizes superior àquele estabelecido.Do

início até o momento máximo do esplendor artesão, a soma dos ganhos superava o peso das

obrigações (vínculos). À medida que o regime comunal se transformava em senhoria e, a se-

guir, em monarquia, os vínculos tornavam-se cada vez mais preponderantes em relação aos

privilégios. Este é um sintoma claro de que o modo de produção e as relações sociais típicas

das Corporações estavam cada vez mais desatualizados. Entretanto, os artesãos continuam a

existir.Rugiu narra que:

Também hoje, os artesãos existem individualmente ou com normais associa-

ções sindicais ou profissionais, mas o que importa é que, há dois séculos eles

não constituem um corpo dotado de obrigações especiais. Com o fim da

Corporação mais elevada culturalmente, aquela dos Pedreiros-Liberais em favor da nascente Maçonaria simbólica, no início do século XVIII, não signi-

ficou que desapareceriam os arquitetos, engenheiros, mestres de obras, pe-

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dreiros qualificados, mas que, eles, sem seus antigos privilégios não serão

mais formados nas escolas das oficinas, mas em itinerários distintos de ins-

trução geral e específica aos vários níveis. O que teria sido das corporações

militares e eclesiásticas se devessem renunciar às escolas e Academias Mili-tares e aos seminários?A capacidade reprodutiva é o primeiro requisito de

sobrevivência. Se cair, o fim está próximo. Os conteúdos e métodos, a ideo-

logia que, mais tarde, será transmitida nas escolas ou universidades públicas, são, em muitos aspectos, opostos em relação àqueles da formação artesã de

antigamente. (RUGIU, 1998, p.25).

Antes do século XII, na Itália da Alta Idade Média, têm-se notícias de “scholae” de

pescadores e açougueiros em Ravena; de sapateiros e carpinteiros em Roma. O uso do termo

em latim scholae (associações de ofício) indica que não só estavam preocupados coletivamen-

te com a formação de seus continuadores, mas ostentavam também um patrimônio cultural e

pedagógico dotado de técnicas de transmissão. Rugiu assinala que o termo “escola” não mor-

reu. Ainda hoje, se ouve dizer: que um profissional é da “escola tal”, que pode ser um profes-

sor erudito, um marceneiro ou um mestre de obras.

Antes do século XI, quando as comunidades viviam em lugares isolados e fortificados,

artesãos de vários gêneros, pintores, caldeireiros, e outras categorias sociais formavam-se nas

oficinas dos mosteiros que faziam, às vezes, das escolas de Arte, “cuidavam especialmente do

treinamento dos jovens”. (HAUSER,1972,p.242).Esses mosteiros, verdadeiras e autossufici-

entes cidades, dão exemplos de uma convivência de dois tipos de formação: a primeira, desti-

nada aos irmãos ordenados ou clérigos e, a segunda, aos leigos trabalhadores encarregados do

serviço ou da produção material. Os monges podem exercer as respectivas artes, naturalmente

com a permissão do abade, mas sem se envaidecer nem mesmo pelos brilhantes resultados

obtidos. Cada produto serve para proveito do mosteiro e, sobretudo, pela glorificação de

Deus. A avidez pelo dinheiro é ainda mais condenada. Para preveni-la, a venda de produtos

artesanais do mosteiro deve dar-se por um preço inferior àquele do mercado civil.

O aprendizado é feito oralmente; alunos em coro repetem a frase do professor, até que

saibam de cor. Os padres podem recitar de cor quase todas as orações do ofício. Por isso, a

leitura não é mais um instrumento indispensável de conhecimento, mas apenas um subsídio da

memória em caso de esquecimento. Com relação à escrita, salvo exceções, eles não têm aces-

so, nem mesmo os futuros clérigos, ou seja, os futuros intelectuais profissionais. O castelo

feudal é quase exclusivamente o acampamento de guerra no qual o senhor repousa depois do

saque e se prepara para o próximo. O mosteiro, ao contrário, constitui uma lição viva do tra-

balho organizado, a tal ponto que acaba por influenciar as sucessivas burguesias.

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interior dos mosteiros, há uma divisão técnica e social do trabalho, por isso, constitui

um modelo formativo, com funções não diferentes da organização das corporações. A própria

convivência entre dois níveis, sacerdotes e clérigos e os artesãos, antecipa a bifurcação entre

artes liberais e artes “mecânicas”. Para Rugiu (1998), nos séculos sucessivos, esses dois níveis

correm paralelos, até a atual divisão entre estudos do tipo “ensino médio e universitário,” des-

tinados a alimentar o trabalho intelectual e, em contraposição, a formação profissio-

nal.Teoricamente destinados a reproduzir mão de obra em nível de técnicos inferiores ou ope-

rários qualificados.Nas palavras de Rugiu,

O mérito dos mosteiros dos séculos VI ao XI, aproximadamente, não é ape-

nas por considerar as obras de arte e de estudos, além de transmitir o patri-mônio pedagógico dos clássicos, mas também por ter acolhido as atividades

materiais ordenando-as, aperfeiçoando-as, segundo o regime de vida então

vigente. Além das formas de contabilidade agrária e artesã e até as bases do

crédito bancário, que explodirá nos séculos sucessivos. (RUGIU, 1998, p.27).

Há alguns aspectos da formação das corporações, derivadas daquelas utilizadas nos

mosteiros que apresentam diferenças. Uma delas refere-se ao trabalho dos monges e dos ser-

vos quando copiam interminavelmente manuscritos, muitas vezes, sem entender o significado

deles. Até o ano mil, era menos humilhante cultivar a terra do que “scribere” manuscritos

porque a terra era testemunha contínua e natural do ato criador de Deus. Essa mentalidade é

difícil de se reconstruir, desaparece à medida que as corporações se consolidam. Certa aura

mágica sobreviverá das corporações.

Até o século XIII, ou mais tarde, com a crise do feudalismo, a queda da população no

campo e o consequente fenômeno da urbanização em torno dos muros que circundam os cen-

tros habitados, dão origem aos burgos. Para lá, confluem artesãos e comerciantes. A qualidade

de vida lentamente aumenta, o mercado diversifica-se estabelecendo múltiplas relações de

troca. À medida que cresce o consumo, cresce a produção em quantidade e qualidade.

Aumento na taxa de instrução básica e especializada proporciona um salto tecnológico

de organização do trabalho e uma maior flexibilidade e eficácia dos produtores. Surgem asso-

ciações de artesãos e sócios progressivamente institucionalizadas conquistando a proteção dos

poderes públicos. Tal ascensão inicia-se no século XII e culmina no século XV, acompanhada

também da difusão das universidades, que são associações particulares dedicadas à produção

de bens intelectuais típicos das artes liberais. Mais tarde surge o ensino de Teologia, Direito e

Medicina.

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A distinção entre artes mecânicas e universitates de artes liberais é pouco marcada.

Antes do século XI, o trabalho, como hoje entende-se, não tem ainda um nome. As palavras

que mais se aproximam - labor, opus– se referem à fadiga física e moral para fazer penitência

do pecado original. Essa ideologia feudal não consegue resistir aos fortes impulsos da socie-

dade comunal nascente. “Os artesãos e comerciantes que animam os burgos e depois conquis-

tam as cidades não trabalham para salvar a alma, mas para ganhar”. (RUGIU, 1998, p.36).

A princípio, isto não é tão claro como será mais tarde. A ascensão desses burgueses

significa que não se considera mais pecaminoso comprar a obra de outrem e, portanto, vender

a própria, mas também que se considera lícito, ou pelo menos tolerável, especular sobre a

duração do tempo ou até sobre empréstimo a juros excessivos. Trata-se de uma escala de va-

lores totalmente nova.

Ideias humanistas consideram a produção intelectual como topo da atividade humana e

que sua forma mais nobre seja a expressão da palavra, instrumento ideal de comunicação e de

conhecimento. Até o surgimento das corporações, a palavra é considerada de propriedade

divina, exatamente como o tempo. Os primeiros mestres laicos da universidade medieval são

acusados de usá-la para adquirir fama. Isto porque já estava em curso uma mudança de menta-

lidade.

No século XIII, Giovanni da Dinamarca, propõe a distinção entre artes mecânicas e ar-

tes liberais, as mecânicas compreendiam todas as atividades artesanais, inclusive aquela dos

médicos. As artes liberais incluem a Matemática, Geometria, Astronomia, Música (quadrivi-

um) e Retórica, Gramática e Lógica (trivium). Não é difícil entender que o clero docente qui-

sesse refrear o desenvolvimento das universidades laicas, criticando as novidades perigosas

que elas introduziam, como os estudos médicos. Apesar da crítica, a medicina continua a se

desenvolver, permanecendo, porém, até o século XVII, uma faculdade curiosamente mais

próxima dos estudos filosóficos-literários do que do naturalístico-científico. A mudança de

mentalidade depois do ano mil liberaliza os velhos impedimentos teológicos e coloca todos os

produtores de atividade no mesmo plano. Sobre a questão da arte, é interessante registrar a

definição oferecida por Rugiu:

Uma arte é qualquer atividade racional e justa do espírito, aplicada à fabrica-

ção de instrumentos, materiais ou intelectuais. É uma técnica inteligente do fazer. Assim, o intelectual, é um artesão como os outros e, com tal consciên-

cia, é levado a organizar-se em corporações e dar vida às universidades dos

estudos, apesar de resistência e as críticas daquele clero culto que pensa de-ter a exclusividade das artes liberais. (RUGIU, 1998,p. 31).

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Arte, do latim ars com a mesma raiz de “ar” de “artus” e de armus (úmero – que dá

sentido de movimento); arm (braço, ainda hoje, no inglês moderno) e também de arma (fer-

ramenta, instrumento). Do grego “techne – equivale à técnica, no sentido mais preciso da

capacidade teórico-prática de realizar e organizar uma atividade, pelo uso racional dos conhe-

cimentos e dos hábitos e o uso do mecanismo”. Assim, no latim medieval, às vezes ars = me-

canismo. O contrário de ars era iners (sem ars), inerte ou incapacidade de produzir qualquer

coisa concretamente.

Artes liberais são atividades dignas de um homem livre, livre da necessidade de traba-

lhar para sobreviver. Tais atividades são feitas com que instrumentos? Com livros. Artesão –

termo mais recente –no século XVI, dizia-se artista. Mister – misteri – ministério – mesteri–

mistério (soava como mestieri– profissão, em italiano). Uma corporação que apresenta os

requisitos de uma atividade organizada rigidamente (mister) é de um fazer secreto (mistério).

Dizendo-se mestieri refere-se a uma atividade que tem o segredo dos seus procedimentos,

inclusive os procedimentos didáticos para iniciar aprendizes-mestres. O segredo do ofício

(mistério), ou melhor, o mistério do ofício é, provavelmente, a razão pela qual sabemos pou-

quíssimo da autêntica atividade didática e formativa que se desenvolveu no interior das ofici-

nas e depósitos dos mercadores, pelo menos até o século XVII, na ausência de documentação.

A relação de igualdade entre artes mecânicas e artes liberais estava prestes a acabar.

Em relação ao prestígio, as artes liberais superavam e os mercadores prevaleceram sobre os

artesãos. Sem os mercadores, não haveria expansão do comércio. Os artífices deviam limitar

as vendas num restrito circuito da clientela. Mercadores permitiam realizar exportações de

produtos para além dos territórios comuns. Como toda vantagem tem também um preço, sur-

giram as obrigações constitucionais que incidiam sobre os artífices enquanto o comércio con-

seguia livrar-se delas.

Outra diferença, entre as duas categorias sociais, descrita por Rugiu (1998),a favor dos

mercadores, era o maior vínculo ao “mistério do ofício”. Nas operações de câmbio, os mer-

cadores também possuíam seus mistérios envolvendo técnicas de conhecimento mercadológi-

co. Entretanto, os mistérios dos artesãos eram mais determinantes. O ambiente comercial re-

gistrava, de forma precária, seus secretos mecanismos (contabilidade, armazenamento, etc),o

mesmo não se dá no recinto fechado de uma loja por apresentar uma organização do trabalho.

As operações mais complexas competem ao mestre e a outros poucos eleitos. Por exemplo, na

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composição das tintas para tingir um tecido. Basta ver hoje, em uma civilização capitalista,

como resguardam os segredos da fabricação industrial.

Quanto ao progressivo prevalecer do mercador sobre o artesão, não é uma novidade na

Idade Média. O mesmo ocorre na Grécia (na idade pré-homérica)e em Roma (nas repúblicas

dos séculos III e II a.C.). Entre o mercador e o artista existia uma relação de dependência, mas

a dependência do mercador era menor, pois, para ele, é mais fácil encontrar um novo artesão

do que o artesão encontrar um bom mercante. O negociante acaba por ter nas mãos o artista,

tornando-se seu empreendedor, empregador e fornecedor (matéria prima importada por ele),

além de financiador.

Somente a primeira Revolução Industrial, no século XVIII,consegue(e não de todo)

inverter a situação, impondo a figura do capitalista que fabrica e distribui sua produção. E

provável que os alfaiates tenham tido poucos segredos para proteger, mas os construtores de

catedrais e palácios,tintureiros, ourives e outros apresentavam muitos. Tal costume de guardar

segredo era comum no ensino público. A título de exemplo, Brunelleschi, que pertenceu à

uma corporação de ofício,não revelou seu projeto de construção da cúpula da catedral de Flo-

rença.

Doren (1940) sustenta que, na Alemanha, França e Grã-Bretanha, as relações mestre-

aprendiz eram patriarcais, diferentes da situação italiana e, em particular, daquelas Corpora-

ções toscanas.“Na Itália, a relação é do tipo escolar, na qual aluno paga para aproveitar o en-

sino de um determinado mestre”. (DOREN, apud RUGIU, 1998, p.39). Ou seja, nos países do

norte,pagava-se uma mensalidade para a formação do aprendiz; na Itália, fazia-se um depósito

prévio. Também, no norte, os jovens eram submetidos à obrigação de estar sob o comando do

mestre-patrão. Tal obrigação não era tida como suficiente para compensar o mestre pelos seus

preciosos ensinamentos, pela formação profissional e pela ética do comportamento. Os mes-

tres exerciam influência direta sobre a vida dos ajudantes (controle sobre seus comportamen-

tos morais, amores, amizades).

Em suma, a relação entre mestre e aprendiz era sempre uma relação educativa, rele-

vante e compreensiva de procedimentos do aprendizado formal e informal, e de socialização

dos comportamentos requeridos pela classe social e pelo grupo específico. Sem dúvida, o fe-

nômeno educativo das corporações constituiu, em toda parte, no plano ideológico e no concre-

to, uma revolução pedagógica tão sensível, quanto pouco considerada, pelos historiadores da

cultura e da própria pedagogia.

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O artesão Fillipo Brunelleschi, referência do próximo capitulo, entra, como aprendiz,

na Corporação dos Ourives e Escultores em 1399 com vinte e um anos completos. Não pro-

vinha de uma corporação arquitetônica. Na Corporação dos Ourives, entre outros temas, en-

sinava-se Geometria, Aritmética, Perspectiva e Anatomia Pictórica.

2.3 - IMPASSES NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA

Em 19 de agosto de 1418, em Florença, é publicado um edital para a construção da

cúpula da catedral Santa Maria del Fiore. A construção da catedral iniciada há mais de um

século estava sem a cúpula, não fora construída por apresentar desafios devido às suas gran-

des dimensões.

Quem desejar projetar um modelo para a construção da cúpula principal da

catedral – para a armação, escoramento, andaime ou qualquer outro instru-

mento para levantar a construção – cuja obra é de responsabilidade da Opera del Duomo, poderá fazê-lo até o final de setembro. Ao projetista escolhido

será dado a soma de 200 florins de ouro. (KING, 2017, p.9).

Conforme relato de Ross King (2017), duzentos florins, na época, correspondiam ao

salário que receberia um artesão, durante dois anos. O concurso atrai a atenção de carpintei-

ros, pedreiros, mestres de obras, arquitetos de toda a região da Toscana. As propostas deveri-

am resolver uma série de problemas como: uma estrutura provisória de madeira, capaz de

sustentar a construção, o transporte, a uma altura considerável, de pesados blocos de mármo-

re, pedras, tijolos.

Florença, nessa época, apresenta um aspecto rural. Entre seus muros, encontram-se

campos de cereais, hortas, vinhedos enquanto ovelhas soltas pelas ruas perambulam nas pro-

ximidades do mercado. A cidade conta com 50.000 habitantes e a nova catedral deve refletir a

imagem de um centro importante e poderoso. Com a indústria da lã, Florença transforma-se

em um dos principais centros da Europa.

Durante todo o Trecento, o desenvolvimento econômico proporciona à cidade um au-

mento de construções, só visto na antiga Roma. Utiliza-se areia extraída do rio Arno para a

preparação da argamassa e cascalho, recolhido de seu leito, para edificar novas construções

espalhadas pela cidade, entre elas, igrejas, mosteiros, muralhas. Foram necessários mais de 50

anos para terminar e elevar os muros da cidade, com mais de seis metros de altura e oito qui-

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lômetros de extensão,que ocorreu em 1340. Foi construído o Palazzo Vecchio, sede do gover-

no, que apresenta uma torre de 90 metros de altura. Monumental é também o campanário da

catedral com 85 metros de altura, rico em baixos relevos e coberto de mármore. Esse foi o

projeto de Giotto, concluído em 1359, após vinte anos de trabalho.

Até então, em 1418, o projeto mais importante ainda estava inacabado. A substituição

da antiga igreja de Santa Reparata, em ruínas, por uma nova catedral, concebida para ser uma

das maiores da cristandade, não fora concretizada. Orgulho dos cidadãos de Florença, mais do

que pela fé religiosa, a comuna estabelecera que a catedral seria construída com o maior es-

plendor. Seus construtores encontraram grandes obstáculos à medida que se aproximava a

conclusão dos trabalhos. Teoricamente o prosseguimento da obra já estava bem definido, po-

rém, as dimensões da cúpula eram enormes e, se construída conforme o projeto, seria a maior

e a mais alta já edificada.

Conforme relato de King (2017), durante cinquenta anos, ninguém de Florença, ou de

qualquer outra parte da Itália, tinha a menor ideia de como realizar o projeto. O trabalho ina-

cabado da Santa Maria del Fiore transforma-se em grande quebra-cabeça arquitetônico da

época. Desde o início, considerada uma tarefa impossível, os próprios projetistas, incapazes

de imaginar a conclusão, confiavam em uma providencial solução feita por algum arquiteto

iluminado.

A pedra fundamental da nova catedral fora colocada em 1296, sob um projeto de Ar-

nolfo di Cambio, o arquiteto chefe, a quem se deve também a construção dos muros da cidade

e o Palazzo Vecchio. Sua morte, pouco após o início dos trabalhos, não impede o prossegui-

mento das obras e, nos decênios seguintes, uma região inteira do centro da cidade é demolida

para dar espaço à construção da catedral. Em 1339, o nível da rua, hoje via Calzauiole, é re-

baixado para melhor visualizar a catedral.

No outono de 1347, uma frota genovesa desembarca nas costas italianas, junto com os

habituais carregamentos de especiarias indianas e, com eles,ratos asiáticos portadores da peste

negra. Grande parte da população florentina morre num período de um ano.

Até o final de 1355, da catedral existiam apenas a fachada e as paredes laterais. Seu in-

terior estava exposto aos agentes atmosféricos e as fundações do lado oriental incompletas,

assim permanecem por largo período. Em 1366, feita a cobertura, passou-se a planejar o lado

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oriental, que incluía também a cúpula. Não se sabe se o projeto da cúpula foi elaborado por

Arnolfo, hoje não há registro de documento de sua proposta original.

Nos anos setenta do século XIV, veio à luz uma estrutura das fundações projetadas pa-

ra sustentar uma cúpula com cerca de trinta e seis metros de largura. Se construída com tal

diâmetro, a cúpula teria quatro metros a mais que a da Mesquita de Santa Sofia em Istambul,

construída novecentos anos antes pelo imperador Justiniano.

A superintendência da fundação e construção da catedral competia, desde 1330, à

Corporação da Lã, rica e potente, Arte da Lã. Como não entendiam de arquitetura, decidiram

recorrer a alguém que fosse competente na matéria, um arquiteto especialista, capaz de proje-

tar a catedral, criar modelos e gerenciar sua construção. Escolheram Giovanni di Lapo Ghini,

que reinicia os trabalhos.

Os responsáveis solicitam um segundo projeto a um grupo de construtores, chefiados

por Neri di Fioravanti. O destino da catedral está em vias de mudar radicalmente. Fioravanti

e seu grupo criticam os suportes externos chamados arcobotante22

, propostos por Giovanni di

Lapo Ghini e sugerem uma abordagem estrutural diferente para a cúpula. Porém, deixando de

lado tais arcos para suportar as paredes, como seria resolvido o problema da sustentação da

cúpula? Fioravanti, célebre arquiteto de Florença, desfrutava de experiência na elaboração de

projetos arquitetônicos complicados e problemáticos. Entretanto, seu projeto para a cúpula

era muito mais ambicioso e original. O debate com os gestores da Opera del Duomo sobre a

escolha de um dos projetos foi controvertido. Giovanni, ao colocar dúvidas sobre o desmoro-

namento da cúpula – medo comum entre os arquitetos da Idade Média – convence os respon-

sáveis a adotar o modelo de Neri di Fioravanti, ampliando, porém, as dimensões dos pilares

de sustentação da cúpula. Todavia, aumentar as pilastras equivalia, provavelmente, a aumen-

tar o problema.

Seria impossível construir a cúpula sem o auxílio de um suporte visível? Essa e outras

questões foram objeto do debate ocorrido em 1367, durante o qual os expositores na Opera

del Duomo optaram pela realização de uma cúpula maior do que aquela prevista no projeto

anterior. Três meses mais tarde, provavelmente pelo desejo de dividir a responsabilidade da

22 Arcobotante - peça construída em forma de arco que se encosta na parede externa do edifício para aliviar a

parede do peso das abóbodas de cobertura, descarregando-o, permitindo, assim, a abertura de grandes janelas e

rosáceas. É uma característica da arquitetura gótica. (AURÉLIO, 2001, p. 128).

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construção, o projeto foi colocado, aos cidadãos de Florença, em um referendum, para que

decidissem como fazer.

Para King (2017), a decisão de adotar o projeto de Fioravanti representou um ato de

confiança. Jamais nenhuma cúpula com tais dimensões tinha sido construída desde a antigui-

dade e seu diâmetro com mais de 44 metros superaria a do Panteon de Roma, cuja cúpula era

considerada, há mais de mil anos, a maior até então construída. E a cúpula da Santa Maria del

Fiore não seria apenas a maior de todas, mas também a mais alta. As paredes atingiam 43 me-

tros de altura, sobre as quais seria construído um tambor octogonal para receber a cúpula, oca-

sionando um acréscimo de 9 metros na altura. O objetivo de construir o tambor era de elevar,

ainda mais, a altura da cúpula cuja curvatura seria iniciada a 52 metros do solo. Maior do que

qualquer torre gótica construída na França, no século XIII.

O modelo contemplava a existência não de uma cúpula, mas duas, uma dentro da ou-

tra. Uma estrutura arquitetônica desse tipo era rara. Utilizada na Pérsia, durante o período

medieval, transforma-se em uma expressão característica da arquitetura islâmica na constru-

ção de mesquitas e mausoléus. Previam um invólucro externo para elevar a altura e, um inter-

no, menor, que sustentava uma parte do peso da externa. Por outro lado, a parte externa teria a

função protetora dos agentes externos e atmosféricos.

Outra particularidade da cúpula de Fioravanti era a forma singular. Diferente de outras

cúpulas precedentes, o Panteon inclusive, o perfil de Santa Maria del Fiore, deveria ter uma

forma ogival e não hemisférica. Isso significava que, ao invés de descrever um semicírculo,

seus lados seriam curvados até o ponto mais alto no estilo do arco gótico. Esta forma arquite-

tônica é conhecida como quinto agudo. Essa complexa estrutura criou vários problemas aos

homens que realizaram sua construção cinquenta anos mais tarde e sua edificação exigiu solu-

ções engenhosas.

O modelo de Neri di Fioravanti tornou-se um objeto de culto para os florentinos. Uma

maquete de 4 metros de altura e 8 metros de comprimento foi colocada na nave lateral da ca-

tedral em construção. Anualmente os arquitetos e responsáveis eram chamados ao canteiro de

obras da catedral, sendo obrigados a jurar, sobre a Bíblia,que seguiriam corretamente o proje-

to. Quando foi lançado o edital, no verão de 1418, para resolver aquelas dificuldades, mais de

uma dezena de modelos foram inscritos na Opera del Duomo.

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Cento e vinte anos após o início da construção da catedral, a cúpula estava prestes a se

concretizar. Entre os projetos apresentados, apenas um oferecia uma solução original para o

problema da curvatura da cúpula. Esse modelo, fabricado em tijolos, foi feito não por um car-

pinteiro e ou pedreiro, mas por um homem que dedicou o trabalho de uma vida para resolver

dilemas ligados a relógios e ourivesaria, de nome Fillipo Brunelleschi. É sobre a sua engenho-

sa solução que tratará o próximo capítulo.

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CAPITULO III

. A CÚPULA DA CATEDRAL DE FLORENÇA

Este capítulo articula duas temáticas: apresentar o artista, artesão, escultor e arquiteto

Fillipo Brunelleschi e sua utilização da Matemática como recurso para resolver dilemas e im-

passes na construção da cúpula. O alcance de tais questões repousa na perplexidade e desafios

encontrados. Assim, a pedra fundamental da Catedral de Santa Maria del Fiore, lançada em

1296, será o marco da imponente obra finalizada em meados do quattrocento.

3.1 BRUNELLESCHI – sábio, artesão, arquiteto, escultor

Filippo Brunelleschi nasce em Florença em 1377 de uma família de classe média. Seu

pai, Brunellesco di Lippo Lappi, conhecido tabelião da cidade, a princípio, esperava que ele

seguisse seus passos na escolha da profissão. Entretanto, Brunelleschi demonstrara talento

inato para resolver problemas que envolvessem máquinas. Era apaixonado por mecânica. Seu

avô fora uma pessoa letrada. Segundo Vasari (2011, p.226), “seu pai ensinou-lhe, na sua perí-

cia, os princípios das letras e do ábaco, nos quais se mostrava engenhoso e de espírito elevado

e mantinha, com frequência, a mente num plano abstrato”.

A desilusão com a falta de interesse,do filho, para seguir uma carreira de tabelionato,

leva o pai, a colocá-lo, ainda adolescente,como aprendiz de artesanato, no ateliê de um ouri-

ves, amigo da família. Para um jovem curioso do mundo da mecânica, foi a escolha mais

adequada. Os ourives eram os príncipes dos artesãos na Idade Média, com possibilidades de

aplicação em vários setores. Podiam aprender a dourar objetos e decorações dos manuscritos,

incrustar pedras preciosas, fundir metais, construir relógios, trabalhar com a prata e esmaltes.

Não por acaso Luca Della Robbia, Donatello, Andrea del Verocchio, Leonardo da Vinci,

grandes astros da constelação artística e artesanal florentina tiveram uma formação de ourives.

Brunelleschi cresce no ambiente do ateliê de seu mestre e rapidamente aprende a arte

de incrustar. Ao lado dessa atividade, começa a estudar motores, e em particular pesos, rodas,

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engrenagens. Os resultados mais imediatos desse aprendizado foram uma série de relógios por

ele criados inclusive um relógio despertador. Torna-se mestre em ourivesaria em 1398 com

vinte e um anos. Faz-se conhecido, três anos mais tarde, ao se inscrever em um concurso para

a criação das portas do Batistério de San Giovanni. O concurso não se realiza devido à peste

que na época assola Florença.

Em 1401, a Corporação dos Mercadores de Tecidos decide financiar o projeto de

construção de novas portas para o referido batistério. Brunelleschi encontra-se em Pistoia,

para onde partira, evitando a epidemia e lá, junto a outros artistas, ocupa-se do altar da cate-

dral. Ao tomar conhecimento do concurso, retorna imediatamente a Florença. Sete candida-

tos,entre ourives e escultores foram julgados por trinta e quatro juízes, um deles, o banqueiro

Giovanni di Bici Medici, o patriarca da família Medici. Cada candidato recebe quatro placas

de bronze para executar uma cena baseada em um único tema: o sacrifício de Isaac pelas

mãos de seu pai Abraão. Foi concedido um ano para a execução da tarefa que teria dimensões

de 43cm x 33cm. Filippo Brunelleschi foi vencido por Lorenzo Ghiberti.23

Inconformado com a derrota, Brunelleschi parte para Roma, com seu amigo Donatel-

lo24

, também escultor, onde permanece por mais de uma década, construindo relógios, joias e

estudando antigas edificações romanas. Vagava pelas ruas de Roma à procura de ruínas. O

que ele realmente procurava? Segundo King (2017), buscava, nessas construções, o estudo de

proporções, altura e relações entre medidas. Brunelleschi media a altura das colunas ou das

construções com uma simples haste. “Esse método, utilizado para medir, ele aprendera na

obra Practica Geometriae de Leonardo Fibonacci, quando estudara nas escolas florentinas”

(KING, 2017, p. 50). Utiliza outros instrumentos e até um espelho, num método descrito,

também por Fibonacci.25

23 Lorenzo Ghiberti (1381-1455) – Nos primeiros anos da vida aprendeu o ofício de ourives com o pai

Bartoluccio Ghiberti, que lhe ensinou a arte na qual era grande mestre. Lorenzo aprendeu-a tão bem que a

exercia bem melhor do que seu pai. E, como se deleitasse muito mais com a arte da escultura e do desenho, às

vezes manipulava cores e fundia estatuetas de bronze, que recebiam acabamento gracioso. (VASARI, 2001,

p.200).

24 Donato Donatello (1386-1428) – Nasceu na cidade de Florença, tendo sido chamado de Donatello por seus

concidadãos e pelos artistas da época, nome com que subscreveu muitas obras. Foi escultor extraordinário e

maravilhoso estatuário, exímio nos estuques, perfeito na perspectiva e estimado na arquitetura também.

(VASARI, 2011, p. 253).

25 Neste caso, o processo envolve o observador posicionar o espelho no chão, a certa distância, defronte ao

objeto a ser medido. A seguir, colocar-se em uma posição tal que, possa ver o objeto através do espelho. Calcula-

se, então, a altura da construção utilizando-se a semelhança de triângulos.

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King (2017) afirma que Filippo Brunelleschi não foi o primeiro a estudar as ruínas de

Roma. Já em 1375, Giovanni De‟Dondi, notável relojoeiro, mediu o obelisco que se encontra

na Praça de São Pedro, em Roma, utilizando um procedimento descrito em seu livro. Mas, o

que Filippo buscava era estabelecer relações entre medidas das colunas. Ao calcular as pro-

porções das colunas, conseguiu determinar as medidas específicas das três ordens arquitetôni-

cas (dórica, jônica e coríntia) criadas pelos gregos, imitadas e melhoradas pelos romanos. Tais

ordens são tiradas de relações matemáticas precisas de uma série de regras das proporções que

determinam o efeito estético final, como o efeito conseguido por ele na cúpula da catedral.

Apenas para exemplificar: a altura de uma cornija coríntia é um quarto da altura da coluna

sobre a qual está colocada, enquanto que, a altura de cada coluna é 10 vezes a medida de seu

diâmetro. Numerosos exemplos dessas três ordens existiam na Roma dos primeiros anos do

quattrocento. O pórtico do Panteon é de estilo coríntio, o Coliseu reúne as três ordens. O dóri-

co no térreo, o jônico do segundo piso e o coríntio no terceiro andar.

Sua permanência em Roma foi o primeiro exemplo de uma nova forma de se fazer

pesquisa. Os arquitetos Leon Batistta Alberti, Michelangelo e outros, seguiram seu exemplo,

viajando para Roma para encontrar uma fonte de inspiração em suas ruínas.

Entre suas atividades, o jovem Brunelleschi, sobressai como arquiteto,porém, antes de

aventurar-se nessa área, passa por uma experiência de ensino-aprendizagem com o célebre

cartógrafo e matemático Paolo dal Pozzo Toscanelli (1397-1482)26

, que o teria introduzido no

estudo da geometria aplicada, deixando o mestre estupefato pelas questões que coloca e pelas

intuições que desenvolve.

Seu amigo e rival Ghiberti, em seus Commentari, sustenta que o artista conhecia, além

da própria arte, as letras, a geometria, a aritmética, a filosofia, a história e a teoria do desenho,

incluindo anatomia. Prova de que Brunelleschi não era como seus antecessores, ilustres, po-

rém, iletrados. Sua formação artesanal, embora tardia, agrega conhecimento de artes liberais.

26 Paolo Toscanelli (1397-1482), matemático, geógrafo e astrônomo florentino, amigo de Brunelleschi, elaborou

o mapa que permitiu Colombo chegar à América (SZAMOSI, 1986, p.128).

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67

Brunelleschi desenvolve uma representação plana de objetos em três dimensões, torna-se um

dos mais importantes arquitetos da estética renascentista em Florença, ao lado de Masaccio27

,

na pintura.

Em 1415, Brunelleschi estabelece a perspectiva linear matemática utilizando-se de es-

pelhos – todas as linhas paralelas em um plano deveriam convergir para um único ponto de

fuga; a perspectiva de projeção central. Brunelleschi destaca-se como propagador dos seus

princípios, que, embora conhecidos pelos gregos e romanos, foram esquecidos durante toda a

Idade Média. Restabelece, na prática, o conceito de ponto de fuga e a relação entre a distância

e o tamanho dos objetos.

Figura 8 – Perspectiva Linear com ponto de fuga – Santa Ceia (Leonardo da Vinci), Milão.

Fonte: https://br.pinterest.com

A perspectiva é um método de representar objetos tridimensionais em uma superfície

de duas dimensões permitindo o controle da posição relativa, à dimensão ou à distância, como

os objetos são observados na realidade, de um particular ponto de vista. Brunelleschi é consi-

derado seu inventor, aquele que descobriu suas leis matemáticas. Ele observara exemplos de

antigas perspectivas pictóricas durante suas viagens pela Itália. Desenvolve suas regras base-

27 Tommaso Masaccio – (1404-1428) – pintor italiano, demonstrou grande qualidade na pintura de afrescos,

retratando ao natural e é tão forte sua expressão que suas figuras só faltam falar. Grande amigo de Brunelleschi.

(VASARI, 2011, p.221)

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ando-se em várias fontes. Em sua época, era comum utilizar a técnica de medir e observar. O

grande salto foi usar essa técnica também na pintura. Nas palavras de Szamosi,

Uma solução simbólica de problemas de percepção de distância surgiu na prática da atividade singularmente humana de representar o mundo em três

dimensões em uma superfície bidimensional, isto é, na prática da pintura e

do desenho. Esse desenvolvimento teve um efeito profundo sobre a posterior evolução cultural humana (SZAMOSI, p.115,1988).

Ao lado dessa descoberta de representar objetos tridimensionais no plano, encontra-se

seu grande feito que é a construção da cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore, em Flo-

rença, quando soluciona um impasse técnico. Essa obra arquitetônica marca uma nítida ruptu-

ra com às edificações góticas. Fora encarregado de executar o projeto concebido em 1367 por

Fioravanti. Estuda uma forma de construí-la mais alta e não circular, não usual na época. Ini-

ciada há 120 anos, a catedral demandava a construção de sua cúpula. Para deslocar o material

pesado para a base da cúpula, projeta máquinas, movidas por animais, que giram, enquanto o

material sobe ou desce da mesma. Um procedimento de vanguarda na época.

Utiliza tecnologia avançada para resolver o impasse. Cria uma forma de dispor os tijo-

los num arranjo chamado espinha de peixe no qual uns suportam o peso dos outros, evitando

assim, que escorreguem.

Figura 9 –Disposição dos tijolos na forma “espinha de peixe”,

em alguma seções da Cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Conti e Corazzi (2005, p. 41 )

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A construção da cúpula, iniciada em 1420, será concluída em 1436. É provável que o

emprego da Matemática e da Geometria, envolvidas em sua edificação, circunscreva um con-

texto de harmonia e estática. Arquitetos da época dominavam bem a Matemática, em particu-

lar, Brunelleschi, visto que, seus conhecimentos lhe permitem estabelecer as bases geométri-

cas da perspectiva. Outros matemáticos, contemporâneos, também estiveram envolvidos no

projeto da cúpula, entre eles Giovanni Dell‟ Abaco e Paolo Toscanelli, que o auxiliaram em

soluções geométricas.Sua criatividade exprime uma solução particular. Entrelaça elementos

técnicos romanos, românicos e góticos, combinando materiais de forma original. Assim, a

cúpula octogonal, de 52 metros de diâmetro e surpreendente altura, transforma-se em um pro-

blema de simples solução. Ainda hoje, discute-se: que conhecimentos possuía Brunelleschi

para efetuar os complexos cálculos que evitaram acidentes estáticos à sua famosa cúpula?

Nos dizeres de King (2017), Brunelleschi fora estimulado a inventar uma solução pes-

soal para sua construção pela impossibilidade ou pela recusa dos mestres carpinteiros em fa-

zer andaimes de sustentação, altos e resistentes, como exigia aquela obra. Tais estruturas de

madeira e ferro, já não eram utilizadas pelos arquitetos de Florença. Há muito, abandonadas

ou, até mesmo, esquecidas. Brunelleschi é atraído por uma aventura audaciosa: constrói duas

cúpulas em alvenaria, uma dentro da outra, conforme o projeto de Fioravanti. Utiliza particu-

lares engenhos, ignora completamente andaimes provisórios e emprega novas e mais racionais

tecnologias. Em paralelo à construção da cúpula, inicia em 1429, o projeto para o Hospital

dos Inocentes, obra encomendada pela Corporação da Seda, que geria também a Corporação

dos Ourives.

Considera-se que uma oficina de ourives florentina, entre os séculos XIV e XV, dife-

re-se daquela do século anterior. Afirma Hauser (1972) que, ali ensinavam elementos de geo-

metria e matemática, perspectiva e anatomia que sobreviverá também nos estudos médicos até

a primeira metade do século XIX. Leon B. Alberti, contemporâneo de Brunelleschi, afirma

que as matemáticas deveriam fazer parte de uma formação humanista. Ele próprio, antes de se

diplomar em direito canônico, havia se dedicado à Física e à Matemática ao lado das Letras e

à Filosofia. A razão pela qual Alberti recomenda a matemática e, em especial, a geometria,

útil para as perspectivas e para as proporções, é de caráter especulativo e pedagógico.

Até o século XVI, os conhecimentos de aritmética de origem hindu-arábica, ainda não

estavam completamente aceitos e difundidos na Europa. Apenas no século XVII, atinge uma

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elaboração das regras de cálculo com números inteiros, com as frações e com os numerais

decimais. Rugiu sustenta que:

É lícito pensar que, no tempo em que Brunelleschi projeta e constrói a cúpu-la, como chefe de obra, o uso da matemática para fins de engenharia, se limi-

tasse à medidas simples, à definição de relações entre desenho e construção.

Das atividades do jovem arquiteto, sobressai aquela construtiva. (RUGIU, 1998, p. 100)

Na época do império romano, projetos arquitetônicos utilizavam-se da curva. Como

comprovação empírica têm-se o Coliseu e o Panteon, localizados em Roma. Brunelleschi não

foi o primeiro a retomar, cerca de doze séculos depois, a solução da alvenaria curva. O estilo

românico, principalmente aquele do final do período gótico, utilizara a técnica. A substituição

de pesadas paredes de sustentação das pilastras por arcos, também foi estudada por ele.

Brunelleschi é um artesão que projeta na prancheta e, depois, arregaça as mangas para

apalpar os tijolos, ainda quentes, mostrando como se faz a argamassa. É mestre de obras, diri-

ge os trabalhos. Para ele, é natural controlar, retificar desenhos e planos de produção do dia a

dia, estar no canteiro de obras, do amanhecer ao anoitecer, para supervisionar pessoalmente os

trabalhos. Em sua formação, durante a juventude, terá visto um pouco de geometria e, talvez,

de aritmética, que seus pares de algumas gerações anteriores não tinham conhecimento. É

também interessado em cultura humanista. Antes da famosa cúpula, Brunelleschi havia dado

prova da admirável fusão entre intuição estético-funcional e inovação tecno-prática com a

construção do Hospital dos Inocentes, que é caracterizado por suas proporções e uma série de

colunas.

Defende a perspectiva e seus princípios matemáticos em tratados. Artistas como Paolo

Uccello, Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci e Michelangelo, seus contemporâneos, aderi-

ram à técnica de perspectiva recriada por ele. Outras grandes obras de Brunelleschi são o

Palazzo Pitti, protótipo do estilo palaciano renascentista: a igreja de San Lorenzo, igreja di

Santo Spirito, e a capela dei Pazzi, caracterizada por sua estrutura geométrica. Isto posto,

convém registrar reflexões de Brunelleschi feitas a Mariano Taccola, matemático, administra-

dor, artista e engenheiro de Siena, sobre o motivo de guardar segredo das invenções e de suas

relações com detentores de poder.

[...] não devemos comunicar a muitos as nossas invenções, mas apenas a

poucos que entendem e apreciam a Ciência, porque colocar muito à mostra e

explicar as próprias invenções e ações, significa apenas desperdiçar o que você criou. Existem muitas pessoas que gostam apenas de ouvir e depois cri-

ticar os inventores e contradizer aquilo que fazem e dizem, para assim impe-

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dir que sejam ouvidos e valorizados. Para mais tarde, depois de alguns meses

ou anos, dizerem as mesmas coisas, por escrito ou através de dese-

nhos,contando vantagem de serem eles os inventores (...). Não se pode

mostrar a todos e a cada um, os segredos das águas do mar e dos rios e das construções que neles são feitas, mas sim a um grupo especial de pesquisa-

dores, filósofos, mestres na Arte Mecânica que decidem tudo o que é neces-

sário para construir e edificar. (RICCI, 2014, p.217)

3.2 - A PRESENÇA DE BRUNELLESCHI NA CONSTRUÇÃO DA

CÚPULA

Como se deu o envolvimento de Brunelleschi com a construção da cúpula? A obra de

Ross King, La Cupola de Brunelleschi (2017) será o suporte para responder à esta questão

inicial.

Quando Brunelleschi volta, de forma definitiva para Florença, entre 1416 e 1417, fixa

residência na casa onde passara sua infância, nos arredores da catedral. Um presente para o

homem que, entusiasmado com o problema arquitetônico da cúpula, poderia seguir, de perto,

sua construção. Consta que a construção estava bastante adiantada. O tambor, sobre o qual

será levantada a cúpula estava pronto. Fora construído entre 1410 e 1413, com paredes com

quatro metros de largura, capaz de suportar o peso da cúpula. Conforme escreve King,

Sendo conhecida a intenção de construir uma cúpula para a Catedral de Flo-rença – uma cúpula que ninguém sabia ainda com edificar - Filippo deve ter-

se interessado pelos métodos de construção dos antigos romanos, No início

do quattrocento não existiam cúpulas para serem examinadas. Depois do grande incêndio em 64 d. C., Nero promoveu uma regulamentação urbanísti-

ca, alargando as ruas, limitando o uso de materiais inflamáveis nas constru-

ções. Os romanos começam a utilizar o cimento, uma nova invenção. A his-

tória das cúpulas inicia-se a partir desse catastrófico acontecimento, cuja responsabilidade, os romanos suspeitam ser de Nero. (KING, 2017, p. 12).

O maior interesse de Brunelleschi parece ter sido o Panteon, templo dedicado a todos

os deuses, construído por Adriano entre 118 e 128, d.C. O diâmetro de sua cúpula mede 43

metros e sua altura 44 metros, pode-se imaginá-lo inscrito em um cubo. Sem sustentação visí-

vel, parece desafiar todas as leis da natureza. Em que aspectos estruturais dessa cúpula,

Brunelleschi teria se aprofundado? Problemas de estática eram conhecidos. Como neutralizar

as forças que agem sobre a cúpula? O arquiteto deve projetar uma estrutura que neutralize

essas pressões formando um jogo de ação e reação. O Panteon dá a ele a prova de que é pos-

sível construir uma cúpula com as dimensões propostas para a catedral de Florença. Não se

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sabe, com certeza, quanto tempo permanece em Roma e nem quando a deixa. Acredita-se que,

por mais de dez anos, com ocasionais visitas a Florença.

Em 1418, Filippo Brunelleschi tinha 41 anos, morava no centro de Florença, na vizi-

nhança ocidental de Santa Maria del Fiore. Herdara a casa de seu pai. Observa, diariamente, o

canteiro de obras da catedral em construção a poucos passos de sua casa. À sombra da nascen-

te Santa Maria del Fiore, teria visto diversas operações executadas por máquinas criadas para

suspender enormes blocos de mármores e materiais para construção. O dilema de sua edifica-

ção, seguramente, era discutido em família: Seu pai, “Ser”Brunellesco, com certeza, votara

para a decisão do projeto de Neri di Fioravanti, na ocasião do referendum ocorrido em 1367.

Em 1413, um grande andaime, fora criado para deslocar o material para o alto da cons-

trução e o novo nome, Santa Maria del Fiore, escolhido, em substituição ao de Santa Repara-

ta. Com quarenta anos, Brunelleschi, de baixa estatura, calvo e de aspecto mal humorado,

característica marcada por um nariz aquilino, lábios finos e queixo caído, seu aspecto físico

combina com suas roupas, frequentemente sujas e descuidadas. Em Florença, essa forma de

vestir e se apresentar em público, é considerada como um sinal de genialidade. Não é de se

surpreender que não tenha se casado. A renúncia de uma vida familiar fazia parte de uma tra-

dição entre outros artistas como: Donatello, Masaccio, Leonardo da Vinci e Michelangelo.

Muitos artistas e pensadores florentinos mantinham à distância o casamento e as mulheres.

Assim que volta a Florença, envolve-se no projeto da cúpula. Em maio de 1417, a

Opera del Duomo paga-lhe 10 florins para desenhar projetos para a cúpula. Apesar de sua

formação de ourives, durante quatro décadas de sua vida, não praticara muito no setor. Em

1412, participa da construção da catedral de Prato, mas o trabalho desenvolvido era de caráter

decorativo e não estrutural. Até o momento, não havia recebido nenhum encargo para um

trabalho arquitetônico, apenas para o projeto de uma casa, próxima ao mercado velho. Em

1418, já era conhecido, sobretudo, pelo experimento da perspectiva linear. Trata-se de uma

das primeiras inovações de Brunelleschi e um ponto de referência na história da pintura.

Quando foi publicado o edital para construir um modelo da cúpula, em agosto de

1418, deve ter-se alegrado pela oportunidade que surgia. Em junho, o mestre de obras Gio-

vanni D‟Ambrogio, idoso e adoentado, constrói um modelo da cúpula, mas este não atrai a

atenção dos responsáveis pela Opera del Duomo. Filippo Brunelleschi e outros onze concor-

rentes, se inscrevem. A proposta, feita em 1367, permanece sem alterações, o edital aberto

refere-se apenas para a execução dos trabalhos.

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A forma de edificar utilizando-se de suportes invisíveis, conforme o modelo de Fiora-

vanti – as armações circulares que sustentariam a cúpula e que foram a base dos debates em

1366/ 67, - era ainda um problema sem solução. É possível construir cúpulas perfeitamente

esféricas sem a utilização de suportes, pois, cada arco construído horizontalmente, sustenta o

próximo a ser elaborado. Leon Battista Alberti (1989) explica, em seu tratado sobre a Arquite-

tura, que a cúpula esférica não necessita de suportes porque não é composta apenas de arcos,

mas de anéis sobrepostos. Contudo, a forma da cúpula de Florença, conforme o modelo de

1376, não é circular, mas octogonal e fechada entre arcos ogivais, significando que a superfí-

cie da parede não seria contínua, mas interrompida em cada ângulo do octógono. King nos

oferece, de forma detalhada, o processo de preparação do modelo proposto por Brunelleschi

No final de agosto, duas semanas após o anúncio do edital do concurso, Filippo já havia iniciado a construção do modelo de sua proposta para a cú-

pula, modelo esse em tijolo. Os responsáveis da Opera del Duomo nomea-

ram quatro mestres de obras para assisti-lo na construção. Devem ter se es-tranhado com o que viram, pois, Brunelleschi construía o mesmo com gran-

de esmero. Para a parte de madeira, trouxe como ajudantes dois amigos es-

cultores, Donatello e Nani di Banco. (KING, 2017, p. 73).

Apesar de o edital estabelecer o término no final de setembro, o prazo foi adiado por

dois meses, para permitir a Filippo terminar sua proposta. Foi necessário esperar até dezembro

de 1418 para que o grande conselho examinasse os projetos apresentados. A comissão julga-

dora, formada por treze membros responsáveis, incluindo representantes da Corporação da

Lã, reuniu-se na Catedral. O modelo de Brunelleschi atraia atenção dos participantes de forma

particular. Ele oferece uma solução simples e audaciosa, propõe abandonar os suportes para

construir. Trata-se de uma proposta surpreendente. Como seria possível edificar uma cúpula

com grandes dimensões, sem escoramento necessário? Arrojada é sua proposta e muitos de

seus contemporâneos o consideraram louco. Outros projetos foram abandonados e apenas dois

selecionados: o de Brunelleschi e o de Lorenzo Ghiberti, seu antigo concorrente. De agora em

diante, os dois trabalharão juntos na coordenação do projeto da cúpula.

Na manhã de 7 de agosto de 1420, faz-se uma comemoração a 42 metros de altura pe-

lo início das obras. Conta-nos King (2017, p. 91) que “pedreiros e operários envolvidos nos

trabalhos da catedral, subiram até o tambor que será a base da cúpula. Fizeram uma refeição à

base de pão, melão e vinho, oferecidos pela Opera del Duomo. Esse pequeno lanche celebra

um momento histórico”. Após 50 anos de projetos e discussões, a construção da grande cúpu-

la da catedral está prestes a ser iniciada. Apoiados nas bordas do tambor, operários podem

ver, a seus pés, espalhados por todas as partes do canteiro de obras na praça, dezenas de vigas

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de pedra, e centenas de milhares de tijolos empilhados. A vida nos canteiros de construção,

daquela época, não era invejável. Pagava-se pouco, a jornada era longa, o trabalho arriscado.

Mais de 300 pessoas trabalhavam na cúpula, incluindo aqueles que extraiam pedras nas jazi-

das.

A semana era longa, de segunda-feira a sábado, do amanhecer ao pôr do sol, No verão,

com os dias maiores, a jornada era de 14 horas de trabalho. O tempo da tarefa controlava-se

por uma ampulheta, colocada no local. Brunelleschi, como mestre de obras, era muito rígido.

O conceito de tempo estava mudando no século XV. A partir de 1400, começa-se a subdividir

a hora em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos. Antes disso, uma hora estava dividida

em 40 minutos. O ritmo do tempo da vida começa a aumentar sua velocidade.

Os trabalhadores, além das ferramentas, traziam alimentação. O almoço era às 11 ho-

ras, quando o sino da catedral batia duas vezes. Não podiam descer da cúpula antes de termi-

nada a jornada. Para matar a sede durante os dias quentes, tomavam vinho misturado com

água, para evitar embriaguez. No inverno, o vento e a chuva impossibilitavam o trabalho e as

atividades eram suspensas. Os trabalhadores ficavam em casa, sem receber salário. Os pedrei-

ros não tinham conhecimento do projeto elaborado por Brunelleschi. Não gozavam da confi-

ança dos responsáveis pela sua execução. Apenas cumpriam ordens. King (2017) cita as pa-

lavras do estadista Agnolo Pandolfini, em um tratado filosófico escrito por um dos mais há-

beis seguidores de Brunelleschi, o arquiteto Leon Battista Alberti, na obra Della tranquillità

dell’ animo, em 1441, pouco tempo após a conclusão da construção da cúpula

[...] tenho o hábito, sobretudo à noite, quando a agitação de minha alma me

enche de inquietações, e procuro conforto nessa amarga preocupação e tris-

tes pensamentos, imaginando e construindo na minha mente maquinas ainda inexistentes para transportar e elevar pesos, tornado possível a criação de

grandes e maravilhosas coisas. (KING, 2017, p.104).

Este trecho foi retirado de um diálogo entre dois personagens que estão dentro da ca-

tedral e sob a cúpula recém construída. Bem que poderia ser uma interlocução de Brunelles-

chi.

Um dos principais problemas na construção da cúpula de Santa Maria del Fiore – e de

qualquer estrutura de grandes dimensões – era transportar o pesado material, como barras de

alvenaria e placas de mármore, a dezenas de metros de altura e instalá-las na posição correta e

com precisão, conforme exigia o projeto. Os blocos de arenito pesavam, cada um, cerca de

770 kg e, centenas deles deveriam ser suspensos para construir a cúpula. A solução para esse

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problema foi projetada por Brunelleschi, ao construir mecanismos, não conhecidos até então.

No canteiro de obras, havia máquinas e Brunelleschi cria outras, inclusive um guindaste, a-

primorado por ele. Torna-se um dos equipamentos mais utilizados na época do Renascimen-

to, sendo estudado e analisado por arquitetos e engenheiros. Quem inspirou a invenção dessa

máquina, assim como outras invenções de Brunelleschi? Ainda hoje, é um enigma. Em 1420,

não existia o conhecimento teórico para fazer funcionar tais equipamentos, entretanto, pouco

tempo depois, chegam a Florença, certo número de manuscritos sobre mecânica e matemática,

dos antigos gregos, possibilitando aos arquitetos e engenheiros do Renascimento, utilizá-los

em seus trabalhos. Dois anos após a utilização do guindaste, um aventureiro siciliano vindo de

Constantinopla traz manuscritos em grego. Entre eles estão tragédias de Ésquilo, Sófocles,

obras de Plutarco, Luciano, Estrabão e Demóstenes. Encontram-se também, uma obra com-

pleta do geômetra Proclo de Alexandria, e um tratado de antigas técnicas de elevação: as Co-

leções Matemáticas de Pappo de Alexandria. Essa obra do IV século d. C, trata de guinchos

polias e fios – todos elementos fundamentais no guindaste ou grua.“Nos anos seguintes, sur-

gem vários manuscritos de matemáticos e engenheiros gregos, tornando possível falar de um

„renascimento da matemática na Itália, no século XV‟.” (KING, 2017, p.114).

O guindaste bastava para elevar e descer material, entretanto, era incapaz de deslocá-lo

lateralmente e, um movimento lateral seria necessário para instalar os reforços circulares, de

pedras. Tais traves eram associadas, em muitos níveis, inclinadas na direção do eixo vertical

da cúpula. Uma máquina capaz de depositá-las com precisão infinitesimal, em qualquer dire-

ção – acima, abaixo ou de lado – era, nesse ponto da construção, indispensável. Seria necessá-

rio criar uma grua, potente e com o braço mais extenso. A Opera del Duomo enfrenta esse

problema com o mesmo procedimento: lança outro edital, solicitando que os projetos fossem

apresentados até abril de 1423.

O inverno de 1422/1423 foi rigoroso. Em janeiro os trabalhos da cúpula foram suspen-

sos por causa do frio e um sistema de cobertura foi instalado para proteger, da neve, as pare-

des da catedral. Brunelleschi aproveita essa pausa para projetar uma grua, que foi a escolhida

entre as várias propostas apresentadas. Suas máquinas, muito depois de sua morte, continua-

ram a ser utilizadas. Coroando a cúpula viriam uma lanterna (figura 10) e, sobre ela, uma es-

fera de cobre, com 2,5 m de diâmetro, que é confiada ao escultor Andrea del Verrocchio28

.

28 Andrea del Verocchio (1435-1488) era natural de Florença e, em sua época, foi escultor, entalhador, pintor e

músico excelente; muito bem dotado pela natureza em todas as coisas, dedicou-se às ciências, sentido grande

prazer no estudo da geometria na juventude (VASARI, 2011, p. 362).

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Em seu ateliê, na ocasião, trabalhava, como aprendiz, um jovem chamado Leonardo da Vinci.

Encantado com as máquinas de Brunellesci, que Verrocchio utilizou para instalar a esfera,

Leonardo produz uma série de desenhos dessas máquinas e, mais tarde, foram atribuídas a ele

sua criação.

Figura 10 - Lanterna coroando a Cúpula e sobre ela a esfera de cobre, obra de Verocchio

Fonte: Conti e Corazzi (2005,p.20)

No início de 1426, a cúpula atinge a altura de 20 metros sobre o tambor e as calotas,

curvando-se para dentro, superam o ângulo crítico de 30 graus. Esse fato pode explicar o mo-

tivo pelo qual, somente agora,são utilizados os anéis feitos de pedra e madeira. São colocados

a partir dessa altura, e não mais baixo, onde a pressão circular era bem mais elevada. Foram

dispostos em volta da circunferência da calota de modo a torná-la mais espessa nos ângulos.A

alvenaria da calota externa foi feita para que se tornasse autossuficiente, sem perigo de desa-

bar para dentro. Os anéis são praticamente despercebidos, visíveis apenas em poucos pontos

entre as duas calotas.Essas estruturas circulares, que são em número de nove, desempenham

um papel fundamental na construção da cúpula. Vista da parte externa da catedral, parece

perfeitamente octogonal, como decidido no projeto de 1367.

King (2017) afirma que por mais engenhosa que tenha sido a colocação dos tijolos na

forma de espinha de peixe, não teria impedido que a cúpula desmoronasse. Ele argumenta:

O verdadeiro golpe de mestre de Brunelleschi foi criar uma estrutura circular

para dar forma à estrutura octogonal da cúpula, ou seja, a cúpula foi

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construída contendo dentro da estrutura das paredes das duas calotas, uma

série de aneis circulares. A cúpula interna é mais espessa do que a externa.

Suas paredes têm espessura variando entre 1,40m a 2,0 m, aproximada-

mente em algumas faixas. Ela é larga o suficiente para incorporar dentro de sua estrutura uma cupula circular com 70 cm de espessura. (KING,

p.181,2017).

Ele acreditava que se pudesse evitar o desmoronamento, devido ao peso, não por meio

de contrafortes externos, mas graças ao emprego de uma série de anéis de pedra e madeira,

incorporados à estrutura, de modo que formando círculos, sustentariam a cúpula nos prová-

veis pontos de ruptura. Todas as tensões seriam absorvidas pela própria estrutura sem recorrer

a suportes externos. Além disso, tais anéis estando contidos na estrutura, não seriam notados e

formariam uma cúpula de rotação na parte interna, entre as cúpulas.

Roland Mainstone, construtor inglês, que desenvolveu esse modelo logo após fazer

uma pesquisa nos anos setenta do século XX, explica que “a cúpula interna foi construída

como se fosse uma cúpula circular mas com partes cortadas por dentro e por fora para deixar

espaço para a abóboda octogonal da cúpula externa”. (MAINSTONE apud KING, 2017, p.

181).

Mais uma vez, Brunelleschi, o mestre do ilusionismo, desfruta a diferença entre aparência

de superfície e a realidade interna. Documentos, de fevereiro de 1426, oferecem um sinal para

o prosseguimento do projeto. Quando se decide construir a cúpula sem sustentação externa,

outras alterações são realizadas. Em certas partes da cúpula, os tijolos estariam dispostos na

forma “espinha de peixe”e a partir da altura de 20 metros, a pedra calcária deveria ser substi-

tuída por tijolos ou pedra vulcânica, por serem mais leves. Foram escolhidos os tijolos, já que

o tufo calcário não estava disponível em Florença; deveria ser importado.

A Opera del Duomo29

firma contrato para a aquisição de milhares de tijolos e Brunelleschi

inicia o projeto de modelos especiais para os mesmos. Na época, tijolos comuns tinham, na

base 25x12 cm, mas na cúpula seriam necessários além dos retangulares, triangulares e forma

especiais para se encaixarem nos ângulos do octógono, as dimensões dos tijolos eram variadas

e as formas para projetá-los, numerosas. Manetti, o biógrafo de Brunelleschi, afirma que ele

inspecionava a fabricação dos tijolos nas olarias, pois o controle de qualidade do material era

a maior preocupação do mestre de obras. De igual importância, era também a argamassa.

Dela, narra Manetti, Brunelleschi ocupou-se pessoalmente. “Durante a Idade Média, a arga-

29 A Opera del Duomo foi a empresa administradora dos trabalhos na Catedral de Santa Maria del Fiore.

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massa era feita de uma mistura de areia, argila e cal. Para uma estrutura das dimensões da

cúpula, foi necessária uma maior quantidade de cal”. (KING, 2017, p. 162)

Oito grupos de pedreiros trabalham, simultaneamente, na construção das velas, as paredes

da cúpula interna têm uma largura de 1,80 m e, a externa, 0,60 m, e são construídas ao mesmo

tempo. Em média, sua altura se eleva 30 centímetros por mês. Na primavera de 1428, os tra-

balhos avançam, sem problemas. Em menos de oito anos, a cúpula atinge a altura de vinte

metros acima do tambor que a suporta, a construção deve ser, agora, mais rápida já que seu

contorno estreita-se à medida que atinge o alto.

Em março de 1433, alcança a altura de 30m, o que significa que os pedreiros traba-

lham a 80m do solo, equivalendo a um edifício de 20 andares. Nesse ponto, os operários pre-

param-se para colocar a terceira trave de pedra como reforço. No entanto, os trabalhos não

seguiram como se esperava, quando foram descobertas fendas nas paredes laterais, na parte

oriental do templo, isto é, no ponto mais próximo da cúpula. A estrutura da catedral, como

fora construída, não suportava o peso da cúpula. Sem alarme por parte do órgão gestor da

obra, a Opera del Duomo, Brunelleschi é consultado e, ousado como sempre, sugere uma re-

estruturação no corpo da catedral. Propõe cercar sua lateral com uma série de capelas, con-

forme estava no projeto de Neri di Fioravanti, de 1367. King mostra a solução proposta por

Brunelleschi:

[...] constituiu aquilo que ele definiu como catena totius ecclesiae ou seja uma corrente em torno da igreja. Como os contrafortes externos da catedral

gótica, as capelas, serviriam de apoio, reforçando as paredes do templo con-

tra as forças que empurram para fora, provocadas pelo peso da cúpula. Bru-

nelleschi assegurou que dessa forma ela se tornaria mais bela. (KING, 2017, p.106).

Em novembro de 1429, mercenários florentinos atacam Lucca, a cidade da seda e lã,

situada a 60 km de Florença. Contra todas as previsões, essa campanha estava destinada a ser

longa e exaustiva. Durante muito tempo, vítima da peste e guerras, Florença, nos primeiros

anos da construção da cúpula gozara de um período de trégua. Em 1424 entra em luta contra

o duque de Milão. A guerra contra Lucca sobrecarrega as despesas destinadas ao canteiro de

obras da cúpula. No início da campanha militar, os salários de grande parte dos pedreiros e

trabalhadores são divididos ao meio e, de outros, reduzidos de forma mais drástica; de uma

lira ao dia para uma lira ao mês. Brunelleschi também sofre redução; de 100 florins anuais,

passa a receber apenas 50.

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No início de 1431, os responsáveis pela obra decidem abandonar o projeto inicial de

1367, de Fioravanti. A cúpula já era, segundo eles, incomparável ao modelo proposto. Não

significava que Brunelleschi havia alterado o modelo, mas que a estrutura do projeto tinha

perdido sua função, portanto a construção poderia ser prosseguida de forma autônoma. Para

restaurar as rachaduras ocorridas na parte oriental da catedral, utilizaram-se traves de metal e

madeira. Com essa mudança no projeto, Brunelleschi perde o entusiasmo e, em 1433, é aler-

tado para acelerar os trabalhos. Um ano mais tarde, ao final da execução do projeto, lamenta a

reestruturação feita no mesmo. Brunelleschi assinala “se fossem construídas as capelas, como

eu havia sugerido, poderia ter evitado aquelas traves horríveis à vista, e mais uma vez insiste

para que os responsáveis reconsiderassem seu projeto”. (KING, 2017, p.123).

A resposta final foi categórica, deveria esquecer as capelas e concluir a construção da

cúpula. Tal episódio marca um dos raros momentos em que a opinião de Brunelleschi não foi

respeitada. Mas esta desagradável situação é ofuscada por outro acontecimento mais preocu-

pante: em agosto de 1434, poucos dias após o encontro com os responsáveis pelos trabalhos,

Brunelleschi é preso pelo não pagamento da taxa anual da Corporação dos Pedreiros e Cons-

trutores. Pouco depois de sua prisão, a Opera del Duomo vem em seu socorro. Indignados

pelo acontecido, insistem para libertá-lo, o que ocorre duas semanas mais tarde, em 31 de

agosto.

Cerimônias religiosas, em Florença, aconteciam quase que semanalmente. Em tais o-

casiões a população vem às ruas para assistir aos espetáculos: cortejos de padres e monges

vestidos com suas ricas batinas de seda e douradas, trazendo estandartes das ordens às quais

pertenciam e suas relíquias mais sagradas, tudo isso acompanhado pelo bater dos sinos, do

som de trombetas, do canto de textos sagrados, aspergindo água benta. Em 1436, a festa da

Anunciação, comemorada a 25 de março, foi ocasião de um festejo especial. Naquele dia, o

papa Eugênio IV desfilava em procissão saindo da Igreja de Santa Maria Novella em direção

ao centro da cidade. Era acompanhado por sete cardeais, trinta e sete arcebispos, nove mem-

bros do governo florentino, entre eles, Cosimo de Medici. Eram seguidos pela multidão para a

Praça San Giovani, onde se localiza a catedral. Após cento e quarenta anos de construção, era

chegado o momento da consagração de Santa Maria del Fiore.

Brunelleschi conseguira, com sucesso, criar uma estrutura arquitetônica incomparável,

apesar de toda adversidade e ressentimentos, realizara o sonho de sua juventude. Ainda ado-

lescente, passava pela catedral sem a cúpula e ouvia o ruído dos maquinários trabalhando. Ao

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admirar o perfil da cúpula destacar-se na cidade, deve ter pensado com orgulho que consegui-

ra igualar-se, ou superar, os mestres romanos, cujas obras havia, estudado. A lanterna coloca-

da sobre a cúpula fora consagrada, em março de1446, por Sant‟Antonino, arcebispo de Flo-

rença. Brunelleschi viveu o suficiente para presenciar a cerimônia. Morreu no mês seguinte,

em 15 de abril, aos 69 anos. Sua obra é apreciada por Corazzi no prefácio de seu livro La Cu-

pola del Duomo di Firenze:

A originalidade de Brunelleschi consiste na musicalidade que consegue ex-trair de suas obras e que se revela, de forma particular, na cúpula. A simpli-

cidade do método por ele criado, o torna ainda maior; é próprio dos gênios,

desenvolver um método simples para solucionar um problema complicado. Sua estrutura, formada de duas calotas com 1,20m de espaço entre elas para

permitir o acesso à base da lanterna colocada em seu ápice, é formada de oi-

to velas que representam secções de um cilindro elíptico. A sensação de e-quilíbrio e harmonia que a cúpula transmite, é fruto das proporções áureas

que existem entre os elementos que a compõe.(CORAZZI, 2016, p.7).

Sabe-se que objetivo de Brunelleschi foi racionalizar o desenho arquitetônico e, para

tanto, nas palavras de Janson, “ele precisava do vocabulário padronizado e regular dos anti-

gos, baseado no círculo e no quadrado. Pensava que o segredo de suas construções era a har-

monia e as proporções”. São as mesmas relações de números inteiros que determinam a har-

monia musical. E Janson completa: “a teoria das proporções forneceu-lhe, por assim dizer, a

sintaxe que regeu o uso de seu vocabulário arquitetônico.” (JANSON, 1988, p.194).

Para Mariella Zoppi, diretora do curso de graduação de Arquitetura da Paisagem, da

Universidade de Florença, na apresentação do livro de Conti e Corazzi:

[...] nenhum visitante, nenhum crítico de arte ou de arquitetura pode escapar

ao encanto de sua Cúpula: elegante, misteriosa, indescritível. Obra prima de

um gênio incontestável: Brunelleschi, que transitava com absoluta destreza entre as regras da harmonia e das proporções, entre o saber científico – o co-

nhecimento da mecânica, por exemplo - e a capacidade de organizar o can-

teiro de obras de forma funcional e moderna, inventando e experimentando

máquinas e dispositivos que permitissem a realização do trabalho. (CONTI e CORAZZI, 2011, p.1).

Com a cúpula, Florença adquire uma nova dimensão. Esse monumento converte-se no

centro de um novo mundo. É a expressão da confiança em si mesma. Torna-se símbolo do

Renascimento, dominando, há séculos, a cidade, contribui para delinear o inconfundível perfil

com seu volume puro e compacto; insere-se harmoniosamente no contexto paisagístico que

circunda a cidade. E nas palavras de Vasari “as montanhas do entorno de Florença são seme-

lhantes à ela.” (VASARI, 2011, p. 243).

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King encerra sua obra com uma reflexão que merece ser mencionada:

Hoje, como nos últimos cinco séculos, o perfil ogival da cúpula domina Flo-rença. Ela tem vista para as ruas estreitas, ou aparece de repente, virando

uma esquina para entrar em uma praça. É visível dos degraus de igrejas, co-

mo San Miniato al Monte, das arcadas e terraços dos cafés. Em dias claros, pode ser observada de Pistoia, a 25 km a oeste, onde no quattrocento, cida-

dãos rebatizaram uma de suas ruas em via dell'Apparenza, porque a cúpula

não era apenas tijolos, pedras e mármore - o resultado de uma incrível faça-

nha de engenharia - também não é uma aparição milagrosa, obra de Deus e seus anjos que se materializou durante a noite no vale do Arno, como o a-

fresco no mosteiro de Santissima Annunziata que os florentinos acreditavam

ter sido pintado por um anjo. Há algo milagroso na cúpula, independente-mente de onde você olha, seja de perto ou de longe. O fato de ter sido cons-

truída por um homem - entre guerras e intrigas, com conhecimento limitado

das forças da natureza - a torna mais parecida com um prodígio. (KING,

2017, p.280).

3.3 – A CÚPULA OCTOGONAL: PELAS MÃOS DA MATEMÁTICA

Figura 11 - Cúpula da Catedral de Florença

Fonte: óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2017)

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O intertítulo circunscreve elementos de uma cúpula octogonal, sólida, imponente, ad-

mirada que pode ser observada de vários pontos da cidade de Florença como símbolo de po-

der religioso. Cabe indagar: como foi possível sua construção nos 16 anos que cobrem ideias

e realizações? Qual foi a técnica construtiva utilizada pelo mestre de obras? Dois autores se-

rão visitados para responder às perguntas que envolvem princípios essenciais de Matemática,

Geometria e Estética. São eles: Conti e Corazzi (2011).

A Cúpula da Catedral de Florença sempre despertou a fantasia de visitantes e interesse

de estudiosos pela beleza, misteriosa técnica de construção e pela excepcionalidade de suas

dimensões:

Seu diâmetro interno mede 45 m, o externo 54 m, sua base encontra-se a 55

m do solo, a Cúpula atinge 91 m e, com a lanterna, que pesa 750 toneladas, chega a 116 m; seu peso é de 29.000 toneladas. É interessante notar que as

medidas dos elementos que a compõem determinam proporções áureas pois

começa de uma altura de 55 m do solo, apoia-se em um tambor octogonal de 13m, tem 34 m de altura, acima dela apoia-se uma Lanterna de 21m. Podem

aqui ser observados alguns números da sucessão de Fibonacci, que, como se

sabe, estão ligados à razão áurea. (CONTI,2014, p.1).

A propósito da sequência de Fibonacci, seus elementos estão assim dispostos:

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89... e cada elemento, a partir do terceiro, é calculado somando

seus dois antecedentes imediatos. Dividindo-se dois termos consecutivos da sequência de

Fibonacci, o maior pelo menor, os quocientes tendem a um valor próximo de 1,618. Esse nú-

mero é nomeado de número (fi), que é a razão áurea. As formas arquitetônicas buscam a

estética utilizando-se dos elementos geométricos cujas medidas estão em razão áurea. Apenas

por esse motivo, merecem ser saudadas as proporções utilizadas na cúpula. No entanto, é ne-

cessário destacar que, naquela época, o sistema de medidas não era decimal, apesar disso, é

notável que, atualmente, com do sistema internacional, encontrem-se medidas que podem ser

classificadas como pertencentes à sequência de Fibonacci.

É relevante evidenciar a importância da Matemática na construção da cúpula. Sabe-se

que Brunelleschi, seu mestre de obras, também transitava pela Matemática. A prova de sua

importância, nesse campo, está no fato de ser citado em textos da História da Matemática,

como dos autores Boyer, Kline e outros, além de estar cercado de notáveis matemáticos, prin-

cipalmente Paolo Pozzo Toscanelli e Giovanni dell‟Abaco. Recentes estudos mostram que,

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[...] a Cúpula é formada por oito faces, chamadas velas, cada uma delas é

uma secção de um cilindro elíptico30

. As bordas de cada face, que na parte

externa são cobertas de mármore branco, são arcos de circunferência, en-

quanto que a secção meridiana ou reta31

de cada vela é um arco de elipse. So-bre esse fato, houve, no passado, numerosas polêmicas e até hoje fazem-se

afirmações inexatas sobre esta questão. (CONTI, 2014, p.2).

Os autores, munidos de um scanner a laser, digitalizaram o relevo da cúpula e suas

bordas, em algumas centenas de pontos. Trabalharam os dados utilizando a teoria de aproxi-

mação de funções e o modelo matemático dos mínimos quadrados para encontrar o melhor

ajuste desses dados a arcos de circunferência e elipse. Em seus dizeres:

Obtivemos, para cada borda, uma circunferência de raio médio 36,18m, com

um erro mínimo médio, da ordem de 1 cm. Este resultado é muito interessan-

te porque é quase coincidente com a medida teórica de 36 m que deve ser o

raio de cada borda. Quanto aos perfis médios de cada vela, consideramos os pontos que se obtém cortando uma vela com um plano perpendicular à sua

base, passando pelo eixo central da Cúpula. A curva teórica deve ser uma e-

lipse, e considerando o melhor ajuste dos dados, a cônica assim obtida com tal método é uma elipse, exatamente como o esperado conforme as conside-

rações teóricas, e neste caso também, com um erro mínimo. (CONTI, 2014,

p.2).

A superfície de cada vela é, portanto, uma porção de um cilindro elíptico – sua inter-

seção com um plano perpendicular à sua geratriz é uma elipse – cada face pertence a um ci-

lindro diferente conforme a posição do eixo e da orientação e suas bordas são arcos de circun-

ferência (figura 12).

Figura 12 – Determinação da vela. Porção de um cilindro elíptico

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.240).

30 Um cilindro elíptico é uma superfície constituída de todas as retas (chamadas geratrizes), que são paralelas à

uma reta dada e que passam por uma elipse. (STEWART, 2009, p. 766).

31 Secção meridiana de um sólido – intersecção da superfície desse sólido com um plano perpendicular à sua

base passando pelo eixo do mesmo. (STEWART, 2009, p. 766).

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O perfil da cúpula aproxima-se de uma curva catenária32

invertida (figura 13), ou seja,

uma curva formada por um fio preso em suas extremidades estando sujeito à ação da gravida-

de.De acordo com o matemático Bernoulli33

, sua forma “é a mais apropriada para ser o perfil

de uma cúpula auto sustentável, isto é, que se sustenta por si mesma” (BERNOULLI apud

CORAZZI, 2014, p.12). Bernoulli fez essa afirmação no final do século XVII.

Figura 13 – Curva catenária

Fonte:Conti e Corazzi, (2011, p. 101)

Brunelleschi evita detalhes da arte gótica, seu modelo tem uma forma estrutural pura

que supera qualquer elemento ornamental. Leonardo Ximenes, no século XVIII, referindo-se

à estética da curva, escreve:

Brunelleschi certamente não tinha conhecimento que, depois dele, viriam al-guns geômetras e demonstrariam que para dar a um arco, a uma cúpula com

aquela amplitude, e que fosse máxima sua resistência, seria necessário fazer

uma curva catenária invertida. Entretanto, não resta dúvida que a forma da

Cúpula de Brunelleschi aproxima-se da curva catenária (XIMENES, apud CONTI, 2014 p. 3).

Corazzi constata que a base do tambor octogonal, suporte da cúpula, não é regular.

Suas medidas variam entre 16,90 m e 17,24m. Em consequência, tem-se que os ângulos do

octógono não são congruentes, isto é, não medem 135o, como deveria ocorrer, se a base fosse

32 Christiaan Huygens (1629-1695), astrônomo, matemático, físico, Christian Huygens, foi sem dúvida o maior

cientista da Holanda. (SIMMONS, 1987, p. 705). Ele foi o primeiro a utilizar o termo catenária na matemática.

33 Johann Bernoulli, matemático suíço (1667 –1748) desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento

da Matemática Moderna Europeia. (SIMMONS, 2009, p.725).

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regular. Grande parte da bibliografia que descreve a obra prima de Brunelleschi, ainda con-

forme Corazzi, mostra que o contorno aparente da cúpula obedece a regras precisas; “o perfil

externo é um sexto de quarto agudo, enquanto que, o interno é um sexto de quinto agudo”

(2014, p.7-9). Tais locuções podem ser visualizadas na figura 14.

Figura 14 - Quarto e quinto agudo da secção transversal da cúpula

Fonte: Conti (2014, p. 3)

Qual seria o significado de tais locuções? Significam que, para se determinar o perfil

da cúpula interna, divide-se o diâmetro menor, de 45 m, em cinco partes iguais (quinto agu-

do), medindo, cada parte, 9 m. Ao se colocar a ponta seca do compasso na primeira das cinco

partes - chamada de centro de quinto agudo – traça-se um arco de circunferência, de raio 36

m. A seguir, fazendo-se centro no ponto simétrico dessa divisão em relação ao centro do diâ-

metro, traça-se outro arco, também de raio 36 m. A interseção desses arcos é o ponto mais

alto da cúpula interna. O perfil da calota externa é determinado, utilizando-se o mesmo pro-

cedimento. Divide-se o diâmetro maior (54 m) em quatro partes congruentes (quarto agudo).

Cada uma delas medirá 13,50 m. Com centro no ponto de quinto agudo, traça-se um arco cujo

raio medirá 40,5 m (54 – 13,5); utilizando seu simétrico, traça-se outro arco, com o raio igual.

Os dois arcos cortam-se no ápice da cúpula externa.

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Entre as duas calotas34

, existe um corredor de 1,20 m de largura, através do qual se

pode atingir seu ponto mais alto, ou seja, a base da lanterna que se apoia na cúpula. Ao subir

as escadas, o visitante tem à sua direita a cúpula interna e à esquerda, a externa. Em alguns

trechos, nas paredes, pode-se observar a disposição dos tijolos. Não foram colocados na hori-

zontal, paralelos ao plano do solo; alguns estão dispostos segundo linhas curvas, chamadas

cordas flexíveis, outros, na vertical, formando a conhecida espinha de peixe e também outros

seguindo a direção do eixo da cúpula. Surgem perguntas: qual o motivo dessa particular dis-

posição dos tijolos? Em que regras encontram justificativa? Segundo Conti,

[...] ele não deixa nenhuma anotação sobre os motivos dessa forma de dis-

tribuição; na realidade existem duas descrições suas (1420 e 1426) infor-mando quais seriam as características da Cúpula, mas não a técnica que seria

utilizada na construção. Tal atitude poderia estar ligada às relações conflitan-

tes que tinha com os florentinos, os quais, sempre polêmicos com ele, tenta-

vam controlar seu trabalho. Existe no Arquivo do Estado, de Florença, um documento datado de 1425/26, escrito durante a construção da cúpula, no

qual Giovanni di Gherardo, de Prato, acusa Brunelleschi de cometer graves

erros em sua construção. (CONTI, 2014, p. 4).

Pelos estudos e conhecimentos adquiridos, no período que passara em Roma, Brunelles-

chi conseguira informações sobre construção de cúpulas de base circular, chamadas de cúpu-

las de rotação. São exemplos de tais cúpulas, a do Panteon e da Catedral de São Pedro, loca-

lizadas em Roma e Santa Sofia, em Istambul, entretanto, uma cúpula de base octogonal, re-

presentava um desafio a ser vencido. Ele sabia que, naquela de rotação, problemas de estática

eram menores, visto que, as forças distribuem-se de forma uniforme. Sugeriu que se fizesse

uma base circular, mas os florentinos não aprovaram a sugestão, alegando que deveria ter a

mesma forma, octogonal, da pequena cúpula do Batistério San Giovanni, localizado a poucos

passos da Catedral. A técnica construtiva daquela de rotação é simples, já que os tijolos são

colocados em paralelo à base, formando anéis sobrepostos, cujo diâmetro diminui a cada anel

colocado, até fechar-se no ponto mais alto da obra. É a chamada estrutura autossustentável.

Conti chama a atenção para o fato:

[...] os paralelos da cúpula de rotação são sempre perpendiculares às linhas dos meridianos, exatamente como no globo terrestre. Esta técnica não pode

ser aplicada em uma estrutura de base octogonal, tendo em vista a desconti-

nuidade que os vértices do octógono apresentam. Dessa forma, a colocação dos tijolos, de duas velas adjacentes, formaria um ângulo, exatamente no

ponto onde as tensões são maiores. (CONTI, 2014, p. 4).

34 Calota - porção da abóboda com o fim de dar mais altura ao teto ou destinado a servir de fundo para pinturas

decorativas. (CORONA, 1989, p. 99)

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As duas calotas estão ligadas entre si por um sistema de contrafortes; 8 deles são angu-

lares, isto é, estão nos planos das arestas comuns entre duas velas e 16, duas em cada vela,

dividem a face em três partes iguais. Os contrafortes, que estão nas faces, têm uma espessura

de 1,75 m na base e 0,40 m no ponto mais alto. Aqueles que estão nas arestas têm o dobro de

espessura. Outra importante componente estrutural da Cúpula são os 144 arcos horizontais (18

em cada vela) que reforçam a calota externa fazendo a ligação com os reforços das arestas.

Estão distribuídos em 9 níveis nos dois terços superiores da Cúpula sendo a distância entre

eles de 2,50 m (figura 15).

Figura 15 – Estrutura das velas

Fonte: Conti-Corazzi (2014,p. 148) Fonte: Conti-Carazzi (2005, p. 51)

Qual foi, então, a solução apresentada por Brunelleschi? Conti assim explica:

Sua ideia foi: partir da aresta da vela, colocar os tijolos de forma contínua, como se fosse uma cúpula de rotação. Para tanto, coloca os tijolos sempre na

perpendicular às linhas meridianas da vela, como se fosse o globo terrestre;

deste modo os tijolos ficam dispostos conformelinhasortogonais a cada seção

plana da elipse, chamadas cordas flexíveis. Dessa forma, as cordas flexíveis correspondem aos paralelos da cúpula de rotação: a diferença está no fato de

que, nessa última, são paralelas ao solo e na cúpula de Brunelleschi, apresen-

tam uma direção curvilínea. (CONTI, 2014, p. 5).

Na interseção de duas velas adjacentes, localiza-se a borda. Cada uma é um arco de

circunferência (quarto agudo). A estrutura da construção apresenta 8 velas, visto que a base é

um octógono. O assentamento dos tijolos é feito a partir da borda, de modo que esteja em po-

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sição perpendicular a ela. O tijolo inicial pertence a duas faces simultaneamente e os seguin-

tes, colocados um ao lado do outro, de forma tal que dois tijolos consecutivos façam entre eles

um ângulo de 180o. Seguindo esta organização até a próxima borda, a curva gerada por tal

disposição é chamada corda flexível (figura 16).

Figura 16 - Tijolos colocados ortogonalmente às linhas meridianas das velas – cordas flexíveis

Fonte: Conti (2014, p.5)

Figura 17- Disposição dos tijolos segundo aneis octogonais

- visualização segundo superfícies cônicas

Fonte: Conti (2014, p. 5)

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Estudiosos como P. Sanpaolesi, M. Fondelli, S. Di Pasquale, A. Chirugi, G. Petrini e,

mais recentemente, Giuseppe Conti e Roberto Corazzi contribuíram de forma fundamental

para avaliar o processo de construção elaborado por Brunelleschi.

As teorias foram criadas para entender a técnica utilizada por Brunelleschi ao dispor os

tijolos seguindo a forma de corda flexível. Nos dizeres de Conti, apenas duas teorias merece-

ram crédito:

A teoria das curvas de direções ortogonais (principalmente, Ximenes, Chia-

rugi, Quilghini, Rossi) e a teoria das curvas obtidas pela interseção entre um

cilindro elíptico e um cone variável (Di Pasquali e outros). É importante sa-lientar que existia uma forte discussão entre os defensores dessas duas teori-

as, cada um supondo que a sua fosse a correta. Traduzi em fórmulas mate-

máticas tais hipóteses e cheguei à uma conclusão muito interessante: apesar de terem sido formuladas de formas diferentes, apresentam o mesmo resulta-

do e indicam uma tendência às cordas flexíveis,como foi descrito anterior-

mente.(CONTI,2014, p.6).

Medições precisas feitas pelos professores Conti e Corazzi confirmam que a cúpula

real coincide, perfeitamente, com tais estudos e permite concluir que outras teorias surgidas

anteriormente não têm correspondência com o objeto real.

Como foram determinadas as cordas flexíveis? Ximenes, Chiarugi, Quilchini e Rossi,

defendiam que os pontos da corda flexível seguem a direção de retas ortogonais aos planos

meridianos das faces. Tais retas são pertencentes aplanos tangentes às velas, ou seja, um

ponto Po qualquer, da corda flexível, é determinado pela a interseção de um plano

meridiano da vela com uma reta pertencente à um plano tangente à face no ponto considera-

do.A teoria defendida por Di Pasquale e outros, era que as cordas flexíveis são resultado da

interseção de um cone - sendo o vértice variável sobre o eixo da cúpula – com os cilindros

elípticos das velas, que são porções de um cilindro elíptico.

Na opinião de Tampone, “a Cúpula é, sobretudo, um texto de Geometria rigorosissima,

extremamente coerente, principalmente no plano da forma” (TAMPONE, 2011, p.8).Nas

figuras 18 e 19, a seguir, são mostradas a determinação das cordas flexíveis segundo as duas

teorias que, aparentemente divergentes, apresentam os mesmos resultados comprovads pelos

pesquisadores Conti e Corazzi.

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Figura 18 - Determinação das cordas flexíveis

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 1

Figura 19 – Detalhe das duas teorias na determinação das cordas flexíveis

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 173)

Na figura 20, vê-se, no plano e tridimensionalmente, as interseções das faces com

cones cujos vértices estão sobre o eixo da cúpula conforme a teoria de Di Pasquale.

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Figura 20 – Visualização das superficies Cônicas

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.38). Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 215)

A partir de determinada altura, em intervalos regulares, e incorporados à estrutura das

paredes, foram colocados círculos de pedra e madeira nos prováveis pontos de ruptura. Com

tais reforços, todas as tensões seriam absorvidas pela própria armação (figura 21).

Figura 21 – Reforço circular disposto a partir de uma determinada altura

para garantir a estabilidade da cúpula

Fonte: Conti (2014, p. 5)

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No que respeita à disposição dos tijolos na forma de espinha de peixe, pensa-se que

tinham a função de apoiar os tijolos recém assentados, mas, também funcionavam como

juntas de dilatação, atuando como se fossem os suportes da estrutura, pois, caso contrário, a

sustentação seria muito maciça, principalmente nas bordas das velas. À medida que a cons-

trução vai se elevando, os tijolos tornam-se mais inclinados para dentro da cúpula. Se esta

inclinação for muito grande, eles tendem a escorregar, enquanto a argamassa ainda não estiver

solidificada. Para resolver esta situação, em intervalos regulares, foram colocados linhas de

tijolos perpendiculares, em forma de héliceconforme mostram as figuras 22 e 23.

Figura 22 – Posição da cúpula (circular) e a técnica “espinha de peixe” em forma de hélice

Fonte: Conti e Corazzi, (2005, p. 36).

Figura 23 – Traçado da cúpula com a disposição na forma “espinha de peixe”

Fonte: Conti e Corazzi, (2005, p. 37).

O arranjo dos tijolos na forma espinha de peixe assumiu uma grande importância na fase

construtiva, porque permitiu a construção da cúpula sem o emprego de andaimes.

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Quanto à estática da Cúpula,

As arestas das velas têm um papel primordial para a estática geral da cúpula, porque graças à sua seção constante, ao longo do desenvolvimento vertical

da construção, elas contêm a resultante dos esforços dentro do núcleo central

de inércia; elas são orientadas para o centro teórico do octógono e também são elementos de referência confiáveis para orientar o traçado da curvatura

interna e externa das velas e de suas bordas. (CONTI e CORAZZI, 2011,

p.108).

Rocha (2011) reforça a importância das arestas serem arcos de circunferência, que é

uma curva incompressível, isto é, não pode ser comprimida. No ponto em que tais arcos se

encontram, processa-se uma compressão, causando equilíbrio à obra. Ao estabelecer um para-

lelo entre a Catedral de Florença e a de Brasília (figura 24), Rocha escreve que:

... a catedral de Florença, um dos primeiros tetos notáveis que se formaram,

é baseada na incompressibilidade do círculo. Os arcos são feitos de pedra e aqui surge o corpo da catedral. Isso é um círculo, que esses arcos feitos de

pedra cortada fazem com que trabalhe a compressão. Esses arcos compri-

mem. Esse círculo trabalha a tração. A catedral de Brasília, essa invertida, esse círculo trabalha a compressão e esse que está enterrado trabalha a tra-

ção. O princípio é o mesmo. (ROCHA, 2011, p. 192).

Figura 24 - Paralelo entre a Cúpula da Catedral de Florença e a Catedral de Brasília

Fonte: Rocha (2011, p. 193).

Esse autor defende que, no ponto mais elevado da cúpula da Catedral de Florença,

ocorre uma compressão de forças e, em sua base, uma tração, enquanto na Catedral de Brasí-

lia, dá-se o oposto. É a Geometria transformando o desastre em sucesso.

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Para Rocha,

O círculo é uma forma ideal para construções, se submetido a forças homo-

gêneas, porque é indeformável. Essa indeformabilidade faz com que aquele

elemento geométrico tenha um valor muito grande. Portanto o círculo traba-lha muito bem a tração e isso é usado há muito na construção.(ROCHA,

2011, p.196).

Pode-se perceber a beleza da cúpula através da Matemática. As proporções, entre as

medidas das várias partes que a compõem, são reduzíveis à seção áurea, por esse motivo é

mais harmoniosa e agradável de ser apreciada. Conti afirma que as cordas flexíveis e a dispo-

sição dos tijolos em espinha de peixe, são os dois grandes segredos de Brunelleschi35

. Estu-

dos apontam que Brunelleschi utilizou essa técnica para evitar que as fileiras de tijolos for-

massem ângulos na confluência de duas velas, o que ocasionaria um problema de estática. Os

tijolos dispostos em direção radial, seguindo a orientação do centro de quinto agudo, são im-

portantes do ponto de vista da Geometria global, como centros de curvatura das bordas. Ao

utilizar a curva catenária, Brunelleschi reconhece essa forma como a mais correta para que

um arco sustente o próprio peso.

Por fim, ao trabalhar com elementos da Geometria, o antigo artesão da Corporação dos

Ourives, consegue construir com solidez, a imponente cúpula que emoldura a Catedral de

Santa Maria del Fiore. É como se ela apontasse em direção aos céus de Florença, parecendo

cobrir com sua sombra todos os povos da Toscana. A Cúpula da Catedral... do finito da con-

dição humana ao infinito da transcendência sagrada.

A presente pesquisa gerou um Guia educacional dirigido a estudantes de Arquitetura,

Engenharia Civil, áreas correlatas e profissionais em exercício. O produto em questão foi tes-

tado através de um minicurso e sua avaliação será objeto do próximo capítulo.

35 Esta informação foi transmitida verbalmente por Giuseppe Conti em um dos encontros com o autor desta

dissertação, em Florença, no mês de julho de 2018.

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CAPITULO IV

MATEMÁTICA E GEOMETRIA NA TRAMA DA

ARQUITETURA:UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

É uma premissa do mestrado profissional elaborar um produto que deve ser aplicado, a um

determinado grupo, com propósito de validar a pesquisa e o material desenvolvidos. O objeti-

vo do presente capítulo é analisara aplicação do minicurso concebido sobre o Guia gerado por

esta dissertação.

4.1 – DO PRODUTO

Concluída a pesquisa, elaborou-se um Guia intitulado “Desafios na Construção da Cú-

pula da Catedral de Florença – a Geometria na Arquitetura” que circulará sob a forma de a-

postila. Esse Guia revela, ao leitor, a aplicação da geometria, possivelmente utilizada na cons-

trução da cúpula da Catedral Santa Maria del Fiore, em Florença, Itália. Nesse material, abor-

dam-se as dificuldades encontradas por seu construtor, Filippo Brunelleschi, e as prováveis

soluções. De forma preliminar, narram-se os pontos mais importantes da dissertação, incluin-

do informações sobre a catedral mencionada e, a seguir, apresentam-se elementos matemáti-

cos que teriam sido utilizados na elevação da cúpula.

O propósito desse Guia é divulgar o processo de construção da cúpula através do em-

prego de conhecimentos básicos de Matemática. Conhecimentos estes aplicados na formação

inicial e continuada em Arquitetura, Engenharia Civil, Licenciatura em Matemática e áreas

afins e, da mesma forma, para profissionais em exercício. Tem-se ainda a intenção de divulgar

a história, a arte e a estética dessa cúpula que é considerada a abóboda celeste de Florença.

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4.2 – O MINICURSO

A divulgação do minicurso realizou-se através de cartazes,36

fixados nos pontos estra-

tégicos em áreas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Matemática e Fí-

sica, da PUC Minas, do campus Coração Eucarístico, em Belo Horizonte e, através dos coor-

denadores dos respectivos cursos, houve divulgação para um público externo. Sua aplicação

ocorreu no sábado, 29 de setembro de 2018, na sala 135, do prédio 3, do campus mencionado.

Entre 19 participantes, havia estudantes de graduação, profissionais e professores da área e

também dois profissionais das Ciências Sociais.37

O minicurso teve duração de 3 horas e meia, sendo, a primeira parte, realizada pela

profa. Elenice Zuin, focalizando, principalmente o Número Áureo e a Sequência de Fibo-

nacci, sob uma perspectiva histórico-matemática. Em seguida, o mestrando prof. Orozimbo

Marinho de Almeida apresentou os conceitos matemáticos, possivelmente utilizados na cons-

trução da cúpula e outros aspectos, ainda não muito discutidos, sobre a sua criação.

A exposição foi dialogada com os presentes, que fizeram perguntas e esclareceram

dúvidas. Após a apresentação, foi solicitado aos participantes que respondessem a um questi-

onário38

com o objetivo de avaliar o minicurso, coletar dados e colher sugestões para possí-

veis alterações e novas aplicações.

4.3 – ANÁLISE DOS DADOS

A seguir, apresenta-se uma análise dos dados coletados a partir dos questionários res-

pondidos pelos participantes do minicurso. Houve questões não respondidas por todos.

No preâmbulo da enquete, foram solicitadas informações que pudessem definir o perfil

dos participantes, ou seja, estudante de graduação, período cursado ou profissional formado,

curso de formação e instituição. Como já mencionado, 19 participantes, entre eles, profissio-

36 Uma cópia do cartaz encontra-se no Apêndice C, página 115.

37 O detalhamento do Minicurso está apresentado no Apêndice B, páginas 113 e 114.

38 O questionário, na íntegra, está disponibilizado no Apêndice A, páginas 111 e 112.

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nais já graduados, nas áreas de Arquitetura, Comunicação Social e Matemática, os demais,

estudantes de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil e Matemática. Regis-

tra-se ainda a presença de graduados cursando um segundo curso. Destes, dez eram alunos

e/ou professores da PUC Minas, local de divulgação do minicurso. Assinalam-se presenças de

participantes da UNA, FUMEC e UFMG (Quadro 1).

Quadro 1 – Formação dos participantes

Características

segundo a formação

Profissionais

Estudantes

Matemática Arquitetura Outros Matemática Arquitetura e Engenharia Civil

Participantes

2 1 2 2 15

Fonte: Dados da pesquisa

O questionário foi elaborado contemplando seis questões:

1) Porque você se inscreveu neste minicurso?

As respostas foram as seguintes:

Na perspectiva dos estudantes:

- “Achei a temática interessante e, por fazer curso de graduação na área, imaginei

que pudesse contribuir”.

- “Despertou meu interesse, pois a cúpula trata-se de uma grandiosidade da arqui-

tetura; vi o folheto no mural do prédio do meu curso”.

- “Porque, ao ver o cartaz na porta da minha sala, despertou muito meu interesse!

É uma área que chama minha atenção”.

- “Por achar interessante”.

- “Não sabia a descrição do minicurso, porém, o título me chamou atenção, pois gosto da área de história da arquitetura”.

- “Para agregar mais conhecimento e ter outra perspectiva da construção”.

- “Porque o título é atrativo e de interesse de minha área”

- “O tema do minicurso é relevante ao conteúdo ensinado no curso”.

- “Eu me interesso muito por geometria e seus estudos aplicados na Arquitetura.

Além disso, eu já conhecia a catedral de Santa Maria del Fiore e queria entender um pouco mais sobre sua história e processo construtivo”.

- “Gosto muito da história da arquitetura e acho impressionante como conseguira construir algo tão grandioso numa época com poucos recursos”.

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- “Resolvi me inscrever no minicurso, pois a área de História da Arquitetura e suas

disciplinas afins é um dos aspectos preferidos por mim na minha área de estudo”.

- “Porque me interesso nos métodos de construção de estruturas complexas”.

- “Achei muito interessante e eu amo aprimorar meu conhecimento sobre História”.

- “Porque amo os dois temas abordados, arquitetura e matemática, E o período trata-

do”.

- “A história por trás da construção da cúpula de Brunelleschi é um assunto que sem-

pre me despertou interesse, tanto nos aspectos arquitetônicos, quanto nos aspectos téc-

nicos de construção”,

Os profissionais assim se pronunciaram:

- “Porque o tema é importante para a minha formação e informação além de estar

vinculado com a matemática”.

- “Ter a possibilidade de compreender o uso da Matemática no período da constru-ção da cúpula”.

- “Interesse profissional”.

Ao analisar as respostas desta primeira questão, pode-se agrupá-las em catego-

rias, tendo como eixo a unidade de referência interesse.

Quadro 2 - Categorias

Categorias Valor absoluto

Interesse pela geometria, sua aplicação e métodos 4

Conhecer a Catedral Santa Maria del Fiore 1

Interesse Histórico

História da Arquitetura 4

Temas abordados: arquitetura, ma-temática e História

3

Importância para a formação profissional e infor-mação

4

Temática interessante 4

Fonte: Dados da pesquisa

O grupo estava bastante motivado, atento e presente, demonstrando grande interesse

no decorrer da exposição.

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2) A segunda questão: Você já tinha conhecimento da Catedral de Santa Maria del

Fiore? ( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo, como tomou conhecimento da refe-

rida catedral?

Responderam, afirmativamente, nove pessoas.

Era de se esperar que a opção “sim “excedesse o “não”, haja vista que, no curso de

Arquitetura, a disciplina História da Arquitetura, aborda sua presença. Entretanto, daqueles

que afirmaram não conhecer a referida catedral, a metade deles são provenientes do curso de

Arquitetura, o que é um paradoxo.

Dois participantes informaram já ter visitado a catedral e sete (todos estudantes de Ar-

quitetura) afirmaram conhecê-la através de seus estudos.

3) Entre as informações do minicurso, em relação a cada assunto especificado no

quadro abaixo, marque com um X a opção de acordo com seus conhecimentos e a

relevância dos temas para sua área de atuação profissional.

Os dados trabalhados apresentam-se no quadro3, abaixo.

Quadro3 - Conhecimento de temas – em valores absolutos

Categorias

Conhecimento sobre o tema

Relevância

Nenhum Pouco Muito SIM NÃO

Divisão dos períodos históricos – 11 06 16 02

Corporações de ofício 06 09 02 15 03

Retângulo Áureo 04 07 07 18 01

Sequência de Fibonacci 07 06 05 18 01

Perspectiva 03 04 11 18 –

Ponto de fuga 02 05 11 18 –

Brunelleschi como inventor da perspectiva

09 05 03 13 03

A história da construção da cúpula 09 03 05 15 04

Construção com tijolos com a téc-nica “espinha de peixe”

10 06 03 16 03

Cilindro elíptico 10 02 02 17 02

Curva catenária 07 10 01 17 02

Filippo Brunelleschi 06 06 06 19 –

Fonte: Dados da pesquisa

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No que se refere à divisão dos períodos históricos, pouco mais da metade dos partici-

pantes já possuía certo conhecimento e quase todos pensam ser relevante o tema.

Quanto às Corporações de Ofício, seis dos entrevistados, não possuíam conhecimento.

Porém, a maioria considera a temática relevante.

Brunelleschi, como inventor da perspectiva: neste item, três participantes não consi-

deram relevante esta informação.

As Corporações de Ofício têm um papel fundamental na história da Arquitetura e da

Engenharia Civil e, possivelmente, alguns participantes não conseguiram perceber de forma

clara esta importância. A história da construção da cúpula, para quatro participantes, não foi

tida como relevante. Apesar disso, em ambos os casos, os que consideram esses dois temas

importantes, perfazem um número bem superior à metade dos participantes

Informações sobre o cilindro elíptico, dez pessoas desconheciam e dezessete conside-

ram relevante sua abordagem. Esse fato, provavelmente, está atrelado ao pouco ou nenhum

conhecimento sobre o cilindro elíptico e sua aplicação na cúpula, algo só descoberto no século

XXI por Conti e Corazzi (2011), com pouca divulgação, principalmente no Brasil.

Mais da metade do grupo desconhecia a técnica da disposição dos tijolos sob a forma

de espinha de peixe e dezesseis participantes consideraram o assunto importante para a área

de arquitetura e engenharia civil.

O Retângulo áureo, a sequência de Fibonacci,“ponto de fuga” atingem o maior índice

de relevância – 18 participantes. A proporção áurea está em tudo, na vida, na natureza, em

nosso corpo e isto parece ter sido reconhecido pelos participantes. Já a perspectiva que é um

dos fundamentos do desenho, não é utilizada apenas na arte mas também na arquitetura, en-

genharia, computação e em outras áreas. Tal informação parece também ter sido assimilada

pelo grupo, conforme mostra a alto índice de relevância. Não esperávamos que profissionais

em serviço ou em formação desconsiderassem alguns aspectos históricos que são fundamen-

tais para o entendimento do contexto geral do tema apresentado, apesar de esse número não

concentrar a maioria dos participantes.

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4) O que foi mais interessante para você nesse minicurso?

Optamos por transcrever algumas respostas consideradas mais significativas devi-

do ao fenômeno da Interdisciplinaridade:

- “A interdisciplinaridade entre Arquitetura, Matemática e História”.

- “Ver como a matemática está inserida no cotidiano, mas, na maioria das

vezes, não nos damos conta de como isso acontece. Perceber o uso de co-

nhecimentos matemática para resolver uma questão-problema”.

- “A utilização da geometria na construção da cúpula e a multidisciplinari-

dade do conteúdo”.

- “As relações estabelecidas entre a história da época medieval, a influência

da matemática nas construções e a forma como resolviam os problemas que

surgiam ao longo da construção”.

- “A tecnologia dos materiais na construção”.

- “A explicação matemática e estrutural por trás de uma catedral tão bonita

e grandiosa, como também o conhecimento sobre a razão áurea, que achei

muito interessante”.

- “A explicação matemática que permitiu a sustentação e a história por trás

das invenções de Brunelleschi”.

- “A relação feita em relação à proporção áurea e a sequência de Fibonacci

com a construção da cúpula”.

Tais considerações nos remetem à Educação Matemática e. segundo D‟Ambrosio, ao

dissertar sobre a questão do conhecimento:

O enfoque holístico à história do conhecimento consiste essencialmente de

uma análise crítica da geração e produção de conhecimento, de sua organi-

zação intelectual e social e da sua difusão. No enfoque disciplinar, essas aná-lises se fazem desvinculadas, subordinadas a áreas do conhecimento muitas

vezes estanques: ciências da cognição, epistemologia, ciências e artes, histó-

ria, política, educação, comunicações [..].A transdisciplinaridade é um en-foque holístico ao conhecimento que se apoia na recuperação das várias di-

mensões do ser humano para a compreensão para a compreensão do mundo

na sua integridade.O enfoque interdisciplinar, substitui a arrogância do pre-tenso saber absoluto pela humildade da busca incessante, evita comporta-

mentos incontestados e soluções finais e, portanto, tem como consequência

respeito, solidariedade e cooperação. A multidisciplinaridade procura reunir

resultados obtidos mediante o enfoque disciplinar, como se pratica nos pro-gramas de um curso escolar.A interdisciplinaridade, muito procurada e prati-

cada hoje em dia, sobretudo nas escolas, transfere métodos de algumas dis-

ciplinas para outras, identificando assim novos objetos de estudo. (D‟AMBRÓSIO apud BICUDO, 2004, p.17-18).

Outras assertivas merecem registro devido à sua relevância em detalhes:

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- “Aprender a importância do retângulo áureo e a sequência de Fibonacci, e o

processo de construção de algo tão grandioso como a cúpula em tempos remo-

tos”.

- “A abordagem do tema, muito interessante”.

- Entender com Brunelleschi solucionou os problemas da construção. Gostaria

de agradecer pelo curso, foi muito interessante”.

- “As relações matemáticas e de perspectiva empregadas na construção da cúpu-

la”.

- “A construção com os arcos auto sustentáveis. As dimensões e a grandeza da

obra”.

- “As estratégias construtiva e sistemas estruturais. O pensamento construtivo”.

- “Conhecer os métodos construtivos criados e utilizados na época, para tornar a

construção viável. O que foi um enorme desafio para a época e foi realizado com

perfeição”.

- “Compreender as duas cúpulas (interna e externa) e a amarração dos tijolos de

forma estrutural da cúpula”.

- “Aprender sobre a história da cúpula, aprimorar e relembrar os conhecimentos.

Amei tudo. Foi maravilhoso. Estou encantada com a aula e com os professores.

Aguardo mais cursos!

-“A maneira pela qual os dois professores transmitiram os conhecimentos”.

-“A exposição bem articulada dos dois professores que ministraram o minicur-

so”.

5) Há alguma outra informação que você considera que poderia ser inserida neste mini-

curso?

Entre as respostas, destacam-se:

- “Mostrar mais os cálculos envolvidos”.

- “Aprofundar os sistemas estruturais”.

- “O minicurso foi bem completo em relação à sua proposta”.

- Talvez, mostrar como são construídas estruturas desse tipo com as tecnologias

atuais”.

- Acredito que não, foi bem completo”.

- “Aprofundar mais nas fórmulas matemáticas”.

- “Não, pois não faltou informação na exposição do minicurso”.

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- “Mostrar, se possível, o posicionamento dos tijolos com a técnica espinhade

peixe”.

- “Mais informações sobre cilindro elíptico”.

Essas sugestões podem pontuar uma reflexão, permitindo utilizá-las positivamente em

cursos de Arquitetura, Matemática entre outros.

6)Você considera ser relevante a temática deste minicurso ser proposta no seu curso

ou no curso de sua área de formação ? ( ) sim ( ) não

Quadro – 4 - Relevância da temática tratada

Sim Não Não responderam

10 - 05

Fonte: Dados da pesquisa

Conclui-se que a temática foi relevante, mais da metade dos componentes do grupo as-

sim a consideram. Além disso, posteriormente, em conversas informais com os participantes,

todos se mostraram agradecidos e motivados a buscar mais informações.

Pelo exame do questionário aplicado, pode-se inferir que o minicurso foi avaliado de

maneira positiva pelos integrantes e que novos conhecimentos foram adquiridos por eles. Des-

tacam-se, do mesmo modo, que alguns temas abordados eram ignorados por significativa par-

te dos assistentes, despertando o interesse pelo seu conhecimento. Acredita-se que esta con-

clusão permite ratificar a importância do minicurso e do Guia extraído da dissertação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objeto desta dissertação pretendeu identificar elementos da Matemática e Geometria

presentes na construção da Cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore, localizada em Flo-

rença, Itália. O artesão da Corporação dos Ourives e também arquiteto, Filippo Brunelleschi,

seu construtor, utiliza seus conhecimentos de mestre de obras e matemática, para solucionar

um impasse que se prolongara por mais de um século. Com suas enormes dimensões, difícil

seria erguer a Cúpula octogonal sem suportes, mas, a utilização de tais sustentações seria im-

praticável por suas grandes proporções: altura da Catedral e diâmetro da Cúpula. A base da

abóboda, sendo de forma octogonal – até então, a cúpulas tinham base circular, por isto cha-

madas de cúpula de rotação– apresentaria ângulos em seus vértices, o que provocaria o des-

moronamento da construção, sua estática estaria comprometida.

O processo mental e estrutural da cúpula é desconhecido e, assim permanecerá, pois é

um segredo que o arquiteto não quis revelar. Todavia, hoje, a parte estrutural não é mais um

mistério, apesar de certos aspectos secundários não estarem bem definidos.A inexistência,

proposital, de registros deixados por Brunelleschi, sobre seu projeto de construção da Cúpula,

estimula pesquisadores a criarem teorias sobre sua edificação. Algumas delas, surgidas ao

longo dos séculos, como já destacado, foram estudadas pelos professores Giuseppe Conti e

Roberto Corazzida Universidade de Florença. Portanto, o trabalho de pesquisa desta disserta-

ção teve como base fundamental esses autores, que, em 2011, divulgaram seus estudos através

da obra Il Segreto della Cúpola di Brunelleschi. Conta-se, ainda, com informações trazidas

por Ross King, em sua obra publicada em 2017, La Cupola di Brunelleschi.

Qual foi a contribuição do autor da dissertação ao realizar esta investigação? Do ponto

de vista pessoal, sua trajetória profissional, nas artes da Matemática, das Línguas e da Artes

Plásticas, possibilitou um olhar distinto sobre o mundo. Fato este que chama sua atenção para

os impasses verificados na tentativa de construir uma cúpula de forma octogonal. Ainda nesse

plano, alia-se à satisfação de trazer à tona um tema envolvente e curioso, proporcionando ao

leitor, ampliar seus conhecimentos sobre a Idade Média e apreciar a forma como os mestres

de obras, aparentemente sem recursos, podiam criar seus próprios métodos para resolver di-

lemas e impasses. Na perspectiva científica, esta dissertação ancora-se numa dimensão multi-

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disciplinar entre, Arquitetura, Arte e Matemática, cumprindo, dessa forma, a sugestão dos

Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, publicados no final da década de 1990. Do

ponto de vista social, a importância desse trabalho está em permitir que se leve tal conheci-

mento a outras áreas do saber, como a Arquitetura, Engenharia Civil e áreas convergentes.

Esta dissertação teve como produto educacional um Guia com objetivo inicial de ser

utilizado por estudantes ou profissionais que se interessem pelo tema. Esse produto foi testado

sob a forma de minicurso. No entanto, verificou-se em sua aplicação, sua relevância para a

formação inicial e continuada de professores de Matemática e áreas afins, permitindo também

um trabalho no Ensino Básico. Entre 19 participantes, havia estudantes de graduação dos cur-

sos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Matemática, profissionais e professores.

Após a exposição dialogada com os participantes, foi solicitado que preenchessem um questi-

onário para que se pudesse obter elementos que comprovassem a valia do produto. Pelo exa-

me do questionário aplicado, infere-se que o minicurso foi avaliado de maneira consistente

pelos integrantes e que novos conhecimentos foram adquiridos pelos participantes, sendo esta

outra condição válida. Destaca-se, do mesmo modo, que alguns temas abordados eram igno-

rados por significativa parte dos assistentes, despertando o interesse pelo seu conhecimento.

Esta conclusão permite ratificar a valia do minicurso e do Guia extraído da pesquisa.

As formas arquitetônicas da Cúpula buscam a estética, valendo-se de elementos geo-

métricos, cujas medidas estão em razão áurea. Apenas por esse motivo, merecem ser admira-

das as proporções nela utilizadas. O objetivo geral da pesquisa deita raízes na construção da

cúpula octogonal da Catedral Santa Maria del Fiore, de Florença, sendo delineados os objeti-

vos específicos:descrever a região da Toscana, Itália e a cidade de Florença, para localizar a

Catedral de Santa Maria del Fiore,no tecido urbano; analisar a Arte entre os séculos XIII e

XV d.C. no contexto histórico medieval, fazendo referências às dificuldades de construir uma

cúpula de base octogonal; identificar os impasses e dificuldades da construção a fim de em-

preender o uso da Matemática na solução dos desafios criados; descrever resultados de pes-

quisa recente que analisa, à luz de Matemática, a construção da Cúpula.

Finalmente algumas considerações podem ser referenciadas pelo estudo. Em primeiro

lugar, supõe-se que Brunelleschi tenha utilizado apenas conhecimentos de Geometria elemen-

tar. A teoria da Geometria Analítica é muito posterior, tomando forma apenas no século

XVII. Outra apreciação refere-se à Curva Catenária invertida. Sua teoria foi desenvolvida de

forma independente por Huygens e Bernoulli no final do século XVII. Acredita-se que Bru-

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nelleschi, intuitivamente, percebeu que o perfil da Cúpula deveria ter essa configuração para

que a mesma se tornasse mais sólida, suportando, desse modo, seu próprio peso.

Do que foi exposto pelos estudiosos, por investigações analíticas e pelos estudos da

Cúpula in loco, infere-se que a obra de Brunelleschi é um texto de geometria rigorosa e coe-

rente sob o ponto de vista da forma. A cúpula é formada de duas calotas octogonais uma in-

terna e outra externa. A parte interna, bem mais espessa do que a externa, possui, em sua es-

trutura, um suporte circular, portanto, autossustentável. A cúpula externa, com sua estrutura

mais fina, segundo Brunelleschi, tem a função de proteger das intempéries da natureza, a calo-

ta interna. Cada uma possui oito faces chamadas velas que são seções de cilindro elíptico39

.

As bordas de cada face que, na parte externa, são cobertas de mármore branco, são arcos de

circunferência, enquanto que a secção meridiana ou reta40

de cada vela é um arco de elipse.

Cada face pertence a um cilindro diferente conforme a posição do eixo e da orientação.

Na cúpula de rotação, ou seja, de base circular, os tijolos estão dispostos paralelamente

ao plano do solo, como se fossem os paralelos do globo terrestre, que por sua vez são perpen-

diculares aos meridianos. À medida que os anéis de tijolos são assentados, fecham-se aos

poucos, e a estrutura obtida torna-se autossustentável, ou seja, não necessita de suportes, para

ser construída. Quanto à disposição dos tijolos na cúpula octogonal, não foram assentados na

horizontal, paralelos ao plano do solo, como são colocados na cúpula hemisférica, mas segun-

do linhas chamadas cordas flexíveis. Com referência à determinação das cordas flexíveis, teo-

rias foram apresentadas e analisadas pelos autores. Aquela sustentada por Di Pasquale e Bar-

toli, afirma que as curvas da corda flexível são determinadas pelas interseções das velas com

cones variáveis, cujos vértices encontram-se sobre o eixo da cúpula. Para evitar que os planos

de colocação dos tijolos formassem ângulos, na junção de duas velas, Brunelleschi iniciou o

assentamento dos tijolos a partir da borda, de modo que estivesse em posição perpendicular, à

ela. Dessa forma, o tijolo, inicial pertence a duas faces simultaneamente, evitando assim, um

ângulo menor do que 180o. Seguindo a colocação dos tijolos, um ao lado do outro, tal disposi-

ção descreve a corda flexível. Giuseppe Conti demonstra que as soluções apresentadas por

duas teorias coincidem perfeitamente, levando ao mesmo resultado.

39 Um cilindro elíptico é uma superfície constituída de todas as retas (chamadas geratrizes), que são paralelas à

uma reta dada e que passam por uma elipse. (STEWART, 2009, p. 766).

40 Secção meridiana de um sólido – intersecção da superfície desse sólido com um plano perpendicular à sua

base passando pelo eixo do mesmo. (STEWART, 2009, p. 766).

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A construção das velas foi objeto de um atento estudo que, analisa a inclinação das

mesmas, com o objetivo de identificar a geometria, nelas aplicada. Se os tijolos fossem dis-

postos conforme as geratrizes do cilindro elíptico, formariam com as bordas ângulos diedros

que aumentariam à medida que a cúpula crescesse. Tais ângulos gerariam tensões com as

mesmas, o que comprometeria a estática da obra. A partir de determinada altura, em interva-

los regulares, e incorporados à estrutura das paredes, foram colocados círculos de pedra e ma-

deira nos prováveis pontos de ruptura. Com tais reforços, todas as tensões seriam absorvidas

pela própria armação. Além disso, tais anéis estando contidos na estrutura, não seriam notados

e formariam uma cúpula de rotação na parte interna, entre as cúpulas.

Com a elevação das paredes, os tijolos ficam cada vez mais inclinados e, para que

aqueles recém assentados não resvalem, Brunelleschi opta por distribuí-los na forma espinha

de peixe, obedecendo a determinados intervalos. King (2017) afirma que o verdadeiro golpe

de mestre de Brunelleschi foi criar uma estrutura circular para dar forma à estrutura octogonal

da cúpulaou seja, ela foi construída contendo dentro da estrutura das paredes das duas calotas,

uma série de aneis circulares. A cúpula interna é mais espessa do que a externa. Suas paredes

têm espessura variando entre 1,40 m a 2,0 m, de forma aproximada, em algumas faixas. A

interna é espessa o suficiente para incorporar dentro de sua estrutura uma cúpula circular com

70 cm de espessura. Portanto, ela é auto sustentável como as cúpulas circulares. Como as a-

restas das faces são arcos de circunferências, na opinião de Rocha (2011), a construção torna-

se mais sólida e firme, pois a circunferência é incompressível. Acredita-se que este seja outro

fator que mantém a Cúpula estática.

Face aos argumentos apresentados, fica evidente a presença de Brunelleschi como res-

ponsável pela construção da Cúpula Octogonal, tornando-a sólida, autosustentável, impondo-

se à admiração dos que a contemplam. Conforme Rugiu (1998, p. 100), “Brunelleschi proje-

tou e depois construiu a cúpula. O uso da matemática para fins de engenharia talvez se limi-

tasse às medidas simples, à definição de relações entre desenho e construção, e a pouco mais”.

Encerra-se citando as palavras do matemático italiano Piergiorgio Odiffredi:41

Il matemático vede un’opera d’arte in modo diverso dalle autre persone.

La bellezza è legata alla semplicità.

41Conferência proferida em 22 de outubro de 2018, na sala Juvenal Dias, no Palácio das Artes, em Belo Horizon-

te, intitulada Matemática e Bellezza. Tradução: O matemático aprecia uma obra de arte de forma diferente das

outras pessoas. A beleza está associada à simplicidade.

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APÊNDICES E ANEXOS

APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO APLICADO NO MINICURSO

A CÚPULA DA CATEDRAL DE SANTA MARIA DEL FIORE (Itália): Desafios na construção e conceitos matemáticos

Data: 29 de setembro de 2018

QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO

NOME: ___________________________________________________________________________________

CURSO: __________________________________________________Período(s): _______________________

1) Por que você se inscreveu neste minicurso?

2) Você já tinha conhecimento da Catedral de Santa Maria del Fiore? ( ) SIM ( ) NÃO

Em caso afirmativo, como tomou conhecimento da referida catedral?

3) Entre as informações do minicurso, em relação a cada assunto especificado no quadro abaixo, marque com um X a opção de acordo com seus conhecimentos e a relevância dos temas para sua área de atu-ação profissional.

Assuntos Conhecimento sobre o tema Relevância

Nenhum Pouco Muito SIM NÃO

Divisão dos períodos históricos

Corporações de ofício

Retângulo Áureo

Sequência de Fibonacci

Perspectiva

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Ponto de fuga

Brunelleschi como inventor da perspec-tiva

A história da construção da cúpula

Construção com tijolos com a técnica “espinha de peixe”

Cilindro elíptico

Curva catenária

Filippo Brunelleschi

4) O que foi mais interessante para você neste minicurso?

5) Há alguma outra informação ou temática que você considera que poderia ser inserida neste minicur-so?

6) Você considera ser relevante a temática deste minicurso ser proposta no seu curso? ( ) SIM ( ) NÃO

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APÊNDICE B

DETALHAMENTO DO MINICURSO

“A CÚPULA DA CATEDRAL DE SANTA MARIA DEL FIORE (Itália): Desafios na construção e conceitos matemáticos”

ofertado aos alunos de Graduação em Arquitetura,Engenharia Civil, Matemática ou

profissionais da área

O Minicurso foi baseado no produto educacional extraído da dissertação “A caminho da cate-

dral de Santa Maria del Fiore”, elaborada no Mestrado em ensino de Matemática pela PUC-

Minas

Ministrantes: Profa. Elenice de Souza Zuin e Prof. Orozimbo Marinho de Almeida

Data – 29 de setembro de 2018

Duração – 3h e 30 minutos

Local – PUC Minas, campus Coração Eucarístico, em Belo Horizonte, sala 135 do prédio 3

OBJETIVOS

Oferecer a alunos de graduação em Arquitetura, Engenharia Civil, Matemática, Física e a pro-

fissionais da área, a oportunidade de conhecer a construção da cúpula da Catedral de Santa

Maria del Fiore, em Florença na Itália, bem como a utilização dos conceitos de geometria

nela aplicada.

Em paralelo, alinham-se os objetivos específicos:

- descrever a região da Toscana na Itália e a cidade de Florença para localizar a posição da

catedral de Santa Maria del Fiore no tecido urbano;

- identificar os impasses e dificuldades da construção da cúpula da Catedral de Santa Maria

del Fiore a fim de apreender o uso da geometria na solução dos impasses criados.

– descrever resultados de pesquisa recente que analisa à luz da Matemática, a construção da

Cúpula.

- apresentar princípios geométricos presentes na construção da cúpula.

TÓPICOS

Razão Áurea/ Retângulo Áureo

Sequência de Fibonacci

Curva Catenária

Concordância entre Curvas

Aspectos históricos e geográficos da região da Toscana

Considerações sobre a construção da Cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore

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METODOLOGIA

Apresentação do minicurso de forma expositiva e dialogada com os participantes.

AVALIAÇÃO

Para a avaliação, foi elaborado um questionário que permitirá verificar se o minicurso atingiu

a expectativa dos participantes, sendo possível colher sugestões para futuros minicursos.

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APÊNDICE C

CARTAZ DO MINICURSO

Cântico

Cecília Meireles

Não queiras ter Pátria. Não dividas a Terra. Não dividas o Céu. Não arranques pedaços ao mar.

Não queiras ter. Nasce bem alto. Que as coisas todas serão tuas. Que alcançarás todos os horizontes. Que o teu olhar, estando em toda parte Te ponha em tudo, Como Deus

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APÊNDICE D

PRODUTO EDUCACIONAL

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Fonte: Óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2017)

DDDEEESSSAAAFFFIIIOOOSSS NNNAAA

CCCOOONNNSSSTTTRRRUUUÇÇÇÃÃÃOOO

DDDAAA CCCÚÚÚPPPUUULLLAAA

DDDAAA CCCAAATTTEEEDDDRRRAAALLL

DDDEEE FFFLLLOOORRREEENNNÇÇÇAAA

OOOrrrooozzziiimmmbbbooo MMMaaarrriiinnnhhhooo dddeee AAAlllmmmeeeiiidddaaa

EEEllleeennniiiccceee dddeee SSSooouuuzzzaaa... LLLooodddrrrooonnn ZZZuuuiiinnn

LLLííídddiiiaaa MMM... LLLuuuzzz PPPaaaiiixxxãããooo RRR... OOOllliiivvveeeiiirrraaa

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

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Cúpula da Catedral de Florença. – autor: Orozimbo Marinho de Almeida, 2017

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Orozimbo Marinho de Almeida

Elenice de Souza Lodron Zuin

Lídia Maria Luz Paixão Ribeiro de Oliveira

DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA DA

CATEDRAL DE FLORENÇA

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Belo Horizonte

2018

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APRESENTAÇÃO

Este guia é se constitui no produto educacional fundamentado na dissertação do Mes-

trado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, intitulada A caminho da Catedral de Santa Maria del Fiore – Brunelleschi,

Arquitetura, Arte e Matemática.

Temos como objetivo apresentar ao leitor a aplicação dos saberes matemáticos, entre

eles a geometria, na Arquitetura, possivelmente utilizados na construção da Cúpula da Catedral

de Santa Maria del Fiore (1420-1436), localizada em Florença, na Itália, a partir de uma compi-

lação dos principais pontos da dissertação e, a seguir, elementos matemáticos supostamente

empregados em sua edificação.

Nosso intuito é divulgar, nos apontamentos aqui referenciados, o processo da execução

da cúpula através da utilização de conhecimentos básicos da Matemática para a formação inici-

al e continuada em Arquitetura, Engenharia Civil e áreas afins e, da mesma forma, para profis-

sionais em serviço. Trazemos, igualmente, algumas informações sobre a catedral. Como tantos

admiradores desta obra da arquitetura, defendemos que a história, a arte e a estética dessa sun-

tuosa cúpula merecem ser conhecidas, admiradas e divulgadas.

Esse material pode também ser utilizado por professores de Matemática que queiram

trabalhar de forma interdisciplinar, em uma perspectiva histórica.

Agradecimentos especiais aos professores Giuseppe Conti e Roberto Corazzi, da Fa-

culdade de Arquitetura da Universidade de Florença, por todo o interesse e apoio na condução

deste trabalho e pela cessão das imagens.

Os autores

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 123

2 – CENÁRIOS INAUGURAIS

2.1 - Toma da Toscana a estrada ........................................................................................ 125

2.2 - Florença – Poema de arte e cultura no espaço urbano ................................................127

2.3 - A Catedral de Florença ............................................................................................... 132

2.4 - Presença de Brunelleschi da construção da cúpula ........................................;............138

3 – A CÚPULA OCTOGONAL

3.1 – Pelas mãos da Matemática ..........................................................................................148

4 – PRINCÍPIOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA CÚPULA

4.1 – Sequência de Fibonacci ............................................................................................ 162

4.2 – Razão Áurea ............................................................................................................. 164

4.3 – Curva catenária ......................................................................................................... 167

5 – PALAVRA FINAL ............................................................................................................169

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... ............. 170

ANEXO 1

Mini Glossário Ilustrado .......................................................................................................... 172

ANEXO 2

Concordância entre curvas ...................................................................................................... 177

ANEXO 3

Bibliografia complementar ...................................................................................................... 178

ANEXO 4

Documento de autorização de imagens ....................................................................................180

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A arte nasceu com o homem e deu a ele a consciência de sua capa-

cidade criadora de interpretação e imaginação. Desde sempre, ele

teve necessidade de representar os elementos que compunham o seu

dia a dia e, ao fazê-lo, olhava o mundo ao seu redor, utilizando o

material de que dispunha no momento de sua criação. As primeiras

manifestações que chegaram até nós vêm do período Paleolítico

(por volta de 40.000 anos).

... eram manifestações ligadas à vida e à natureza, é uma ar-

te que, partindo da fidelidade linear à natureza, e na qual as

formas individuais estão ainda exteriorizadas de forma rígi-

da e laboriosa, se encaminha para uma técnica muito mais

ágil e sugestiva, quase impressionista. É a arte dos caçado-

res primitivos que supunham encontrar-se na posse do pró-

prio objeto desde que possuíssem a sua imagem.

(HAUSER, 1972, p.13).

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DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA DA

CATEDRAL DE FLORENÇA

Amo mais Florença que minha vida ou a salvação de minha alma.

Maquiavel

1 - INTRODUÇÃO

Arquitetura é obra construída. O processo de criação de uma obra deve passar pela ela-

boração de um projeto. Esse projeto envolve desenhos ou modelos, são necessários dados obje-

tivos, medidas, escalas, introdução de figuras geométricas corretas e precisas. Nesta fase de

elaboração de um projeto arquitetônico, conforme narra Souza (2008, p. 106), “que a geometria

se revela uma indispensável ferramenta e uma inseparável aliada na determinação e construção

dos volumes através de figuras geométricas”. Gregos e romanos, em suas construções utiliza-

vam formas originárias da geometria, com base na proporção áurea, retângulo áureo e outras

figuras geométricas. Estes padrões formais são retomados no Renascimento.

Souza assinala que:

A Arquitetura pode ser compreendida como o resultado construído, fruto da

manipulação de sólidos geométricos, através da composição de volumes chei-os e vazios, saliências e reentrâncias, num jogo de luz e sombra, com cuidados

estéticos, preenchendo determinada finalidade e inserido num determinado

ambiente urbano. (SOUZA, 2008, p.106).

Neste Guia, foram abordados, para melhor acompanhamento do trabalho, alguns pressu-

postos e bases conceituais indispensáveis para estabelecer uma relação entre – a Geometria,

ciência do espaço e a Arquitetura – arte do espaço. A Geometria trabalha com formas geomé-

tricas. Em geral a palavra forma remete ao formato de um objeto, aparência interna ou externa,

envolvendo parte ou o todo. Os elementos básicos da representação de formas são os três su-

portes primitivos da Geometria: ponto, reta e plano.

As formas são caracterizadas por propriedades próprias que buscam atingir, ou não, os

padrões de beleza. A simetria, ritmo, movimento, harmonia, todos esses fatores contribuem

para que a obra seja agradável de ser vista, que possua estética. A palavra estética vem do gre-

go e seu significado é: aquele que nota, que percebe. É conhecida como a filosofia da arte ou o

estudo do que é belo em manifestações artísticas e naturais.

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A estética remete à beleza e provoca, dentro de cada indivíduo, uma sensação de leveza,

harmonia, equilíbrio, proporção, simetria.

Existem também outros conceitos fundamentais envolvendo o mundo das formas e suas

representações que são as medidas, escalas e proporções. Inicialmente as medidas eram base-

adas no próprio corpo humano, entre elas, pé, palmo, polegada. A partir da Revolução Francesa

(1789), foi instituída uma medida que não sofresse alterações, para ser adotada mundialmente,

que foi o sistema métrico decimal, fundamentado na medida da quarta parte do meridiano ter-

restre que passa por Paris

Outros conceitos ligados à representação, que são indispensáveis na Arquitetura, são a

escala e a proporção, intimamente relacionados. A escala é um sistema que permite confrontar

as dimensões de um desenho com suas medidas reais e, a proporção, uma conceituação mate-

mática, inicialmente atribuída a Pitágoras (585-500 a.C.). Foi definida por Leon Alberti (1404-

1472) como: “a relação das partes de uma determinada composição entre si e das partes com o

conjunto” (ALBERTI apud SOUZA, 2008, p.109). As formas arquitetônicas buscam a estética

utilizando-se dos elementos geométricos.

Desafios encontrados na construção da Cúpula da catedral Santa Maria del Fiore, de Flo-

rença, configuram o objeto do trabalho que será exposto.

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2 - CENÁRIOS INAUGURAIS

2.1 – TOMA DA TOSCANA A ESTRADA

Entre as vinte regiões em que se divide a Itália, seu fascínio resume-se em uma única, a

Toscana. Berço da língua italiana, seus contrastes culturais assemelham-se aos paisagísticos

representando a diversidade e especificidades do país.

A região da Toscana está localizada na parte central da Itália entre o norte do Mar Medi-

terrâneo e os Montes Apeninos, cercada e entrecortada por grandes cadeias montanhosas. Co-

nhecida por suas belas paisagens, ocupa uma área que se aproxima de 23.000 km2.

Figura 1 – A Toscana, Itália

Fonte: https://www.google.it

A região atrai visitantes de muitas partes do mundo devido à cidade de Florença, sua capital,

e outras, como: Siena, Pisa e Arezzo.

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Figura 2 – A Toscana (Chianti), Itália

Fonte: Óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2018).

Os vinhedos de suas colinas produzem vinhos respeitados em virtude de seu clima tem-

perado e ensolarado. Os toscanos orgulham-se do azeite que produzem. Em boa parte da região,

o comum na paisagem é ser representada alternadamente por vinhas e oliveiras. Oito mil e qui-

nhentos hectares de seu território são cobertos por oliveiras, girassóis, papoulas e cereais que se

alternam com filas de ciprestes. No período medieval, peregrinos, que viajavam entre a cidade

de Roma e a atual França, enriqueceram a região com novos conhecimentos: culinária, arte,

artesanato, etc. Alimentação e abrigo, necessários à estada desses viajantes, incentivaram o

crescimento de comunidades ao redor de igrejas e tabernas. O encantamento da região circuns-

creve sua capital, Florença.

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2.2 - FLORENÇA:

POEMA DE ARTE E ARQUITETURA NO ESPAÇO URBANO

Sua tradição medieval, a estética de sua arquitetura, as cores das casas, muitas delas em

amarelo ocre com janelas quase sempre verde bandeira, o simbolismo de seus monumentos,

intrigam e fascinam seus visitantes.

Figura 3 – Vista parcial de Florença

Fonte: Arquivo pessoal de Orozimbo Marinho de Almeida (2012).

Em sua obra, Florença, o berço do Renascimento, Machado lembra Mary McCarthy”,

escritora e crítica literária americana: Os florentinos, de fato, inventaram a Renascença, o que

quer dizer que eles inventaram o mundo moderno”. E a autora completa:

Parece exagero, mas não é. Em Florença, estruturou-se a língua italiana, a par-

tir de Dante, lá Galileu deu início à ciência moderna, lá nasceu a nova concep-

ção de política com Machiavel e se deu a revolução que libertaria a arte de to-

dos os limites e preconceitos que vigoraram na Idade Média. Em Florença, o homem redescobriu a importância de seu papel no mundo (MACHADO,

2004, p. 9-10).

Florença foi fundada no ano de 59 a.C. a partir de um acampamento romano. Exibe mais

de dois mil anos de história e hoje é uma cidade aberta ao turismo. Já no século III, a cidade

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prosperava, o comércio era ativo sendo o poder exercido por grandes proprietários de terra. Ao

longo de sua existência sofre invasões, assiste às lutas internas entre facções e famílias. Entre

os séculos XI e XII surge uma nova classe social, formada por artesãos oriundos do meio rural.

Seus membros organizam-se em Corporações de Ofícios, chamadas de Artes. As Corporações

de Oficio são assim descritas por Brucke:

Os cidadãos de Florença, na Idade Média mostram um forte e contínuo impul-so de agrupar-se em associações chamadas de Artes, às quais imprimem um

caráter artesanal. Escrevem estatutos que especificam direitos e deveres de

seus membros, exigem juramentos e fidelidade, fazem reuniões, impõem tri-butos e serviços. Tais organizações garantem aos membros uma certa segu-

rança em um mundo turbulento, no qual a autoridade pública é fraca e a so-

brevivência depende da cooperação e assistência recíproca. Além de fornecer

uma ajuda, seja material ou psicológica, desenvolvem um importante papel social resolvendo conflitos entre seus membros. (BRUCKE, 1997, p. 42).

O artesanato evolui do „sistema familiar‟ para o „sistema das corporações‟ quando o ar-

tesão se desloca para a cidade e passa a produzir para um mercado interno constituído pelos

habitantes urbanos. Nesse período de retomada de crescimento econômico e explosão demográ-

fica, são construídos mosteiros e igrejas e sua arquitetura é dominada pelo estilo românico.

Na última década do século XIII, o arquiteto Arnolfo di Cambio é chamado a Florença

para projetar uma grande catedral cuja pedra fundamental será lançada em setembro de 1296.

Devido às suas grandes dimensões, sua cúpula torna-se um desafio para ser edificada. Cento e

vinte anos após seu início a cúpula começa a ser construída em 1420. A história política e reli-

giosa de Florença é rica em tradições, suas festas populares ainda hoje, atraem seus habitantes.

Mas, o que representa a Florença de hoje? Para Cardini,

A Florença de hoje é um símbolo, um “logos”, uma grife. Florença fascina, Florença faz sonhar, Florença vende. De tudo: da moda às marcas de vinhos

finos, da prataria ao couro trabalhado, das imagens cinematográficas à litera-

tura. Escrever sua história é, ao mesmo tempo, desesperador e muito fácil. E-

xistem bibliotecas inteiras sobre fatos esplêndidos ou terríveis, sobre monu-

mentos, obras de arte, sobre protagonistas destes dois mil anos vividos entre o Arno e as colinas. [...] Entretanto, não são apenas rosas. O Arno está sempre

menos prateado como nunca foi, e das sacadas das casas pendem outras coisas

que não as glicínias em flor. A cidade viveu suas noites escuras, como aquela

contada por Vasco Pratolini em Crônicas dos pobres amantes. [...] a peste, a fome e a sórdida miséria de bairros desesperados, a fúria das águas imundas e

enlouquecidas daquela noite de novembro de 19661. (CARDINI, 2015, p.5).

1 Era o 4 novembro do 1966, quando Florença foi inundada para uma implacável e devastadora maré de água e

lama. Três dias de chuva forte e a subida rápida do nível do rio Arno foram só o prelúdio do cataclisma que estava

por acontecer na cidade. (CARDINI, 2015, p. 6).

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Trata-se de uma cidade rica em atividades industriais, artesanais, comerciais e culturais,

possui vida artística e científica com suas escolas de arte e universidades. Dos seis séculos de

esplendor artístico e cultural, destacam-se os gênios da arte como Michelangelo, Giotto, Botti-

celli e Brunelleschi, imortalizados em obras presentes na Catedral Santa Maria del Fiore, na

Igreja de Santa Cruz, nas galerias Academia e Uffizi e no Palácio Pitti.

O século XIV contempla o esplendor de Florença. Divide-se em duas partes sendo a

primeira, tumultuada por conflitos entre habitantes e governo além de invasores. A segunda,

organiza forma de governo com suas respectivas hierarquias, atributos, normas e regulamentos.

Nessa organização salienta-se a fama dos Medici, que ultrapassa limites florentinos e toscanos.

De origem camponesa tornam-se exímios mercadores e aliam ao seu poder econômico o políti-

co. Promovem as artes, letras e ciências. Criam bibliotecas, museus e patrocinam jovens artis-

tas. Revivem a cultura grega, favorecem o estudo da filosofia e do humanismo. Sua influência

atinge a igreja católica, conseguindo eleger dois papas de sobrenome Medici. “Foram mecenas

e grandes colecionadores de obras de arte”, tais como: David, de Michelangelo; A primavera,

de Boticelli; Rapto das Sabinas, de Giambologna, entre outras. (MACHADO, 2004, p.14).

Berço do Renascimento, patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO, Florença

desempenha um papel econômico e cultural preponderante nos séculos XV e XVI. Florença

não teria a mesma configuração estética, arquitetônica e cultural sem a presença dos Medici.

Até o início do século XIII na arquitetura predomina o estilo gótico, mas no decorrer desse sé-

culo surgem alterações próprias de cada região. Para Janson,

Ao longo do século XIII o novo estilo perde aos poucos o seu caráter “impor-

tado” e a adversidade regional volta a afirmar-se. Em meados do século XIV, observa-se uma tendência crescente de intercâmbio de influências entre essas

realizações regionais, até que um estilo “gótico internacional” surpreendente-

mente homogêneo prevalece em quase toda parte. Pouco depois, quebra-se es-

sa unidade: a Itália, liderada por Florença, cria uma arte radicalmente nova, a do Pré-Renascimento. Um século mais tarde, finalmente, o Renascimento ita-

liano torna-se a base de outro estilo internacional. (JANSON, 1998, p.131-

132).

A arquitetura gótica italiana tem uma posição de destaque por não ser totalmente gótica

como em outras regiões da Europa. A Itália cria estruturas de uma beleza e imponência extra-

ordinárias. Não há nada que se compare à imponente austeridade do Palazzo Vecchio, a Câma-

ra Municipal de Florença (figura 4). Suas formas estruturais seguem o mesmo padrão. Por trás

de suas paredes, governos da cidade sentiam-se protegidos contra a ira das multidões enfureci-

das. A alta torre não simboliza apenas o orgulho cívico, mas tem um objetivo eminentemente

prático. Ao dominar a cidade e os campos vizinhos, servia de posto de observação contra os

inimigos internos e externos.

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Figura 4 – Palazzo Vecchio – sede do governo de Florença

Fonte: Arquivo pessoal de Orozimbo Marinho de Almeida (2012)

Arquitetos florentinos souberam contrabalançar o empobrecimento do gótico com um

equilíbrio de formas que já prenuncia o Renascimento. Tem-se um exemplo claro desse cenário

ao analisar a estética da Cúpula da Catedral de Florença.

A sensação de equilíbrio e harmonia, que a Cúpula transmite, é fruto de proporções áu-

reas que existem entre os elementos que a compõem. Tais elementos, utilizados por Brunelles-

chi, a tornam alvo dos olhares e destaca-se a sua proporção em meio às demais construções,

Formas harmoniosas e equilibradas constituem uma constante na arquitetura florentina.

Uma sucessão rítmica de arcos pode ser observada em vários edifícios na cidade conferindo-

lhes um caráter de sóbria elegância.

Aquele que chega a Florença, por via férrea, e desembarca na estação Santa Maria No-

vella estará no centro da cidade. Da praça da estação, entra-se na via Panzani, a seguir via Ce-

retani e, percorrendo três quadras, vislumbrará a imensa Catedral Santa Maria del Fiore. É ma-

jestosa sob todos os ângulos.

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Figura 5 – Arcos em uma rua de Florença

Fonte: Óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2017).

Deixar-se perder no centro de Florença, por entre ruelas, arcos2 e arcadas é um encanto.

Mas é fácil se encontrar: basta olhar para cima e procurar a Cúpula da Catedral. Muitas ruas do

centro histórico convergem para a Praça San Giovanni onde ela está posta.

Um destaque especial será dado à cúpula dessa catedral, cujos desafios em sua constru-

ção demarcam o objeto deste Guia.

2 Arco -- Elemento estrutural curvo, quase sempre com a concavidade voltada para cima, que construtivamente

cobre um vão suportando cargas. (CORONA, 1989, p. 50.)

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2.3 – A CATEDRAL DE FLORENÇA

Figura 6 – Detalhe da Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida (2012)

Conforme relato de Francesco Gurrieri, em sua obra La Catedrale di Santa Maria del

Fiore a Firenze, a atual Praça de San Giovanni, no centro de Florença, foi ocupada, desde os

tempos bárbaros, por um assentamento ligado ao culto cristão. Essa região, desde o início da

Idade Média, representa o mais importante centro religioso florentino. Além do Batistério San

Giovani, ocupavam o espaço, naquela época, um hospital, um cemitério e a igreja de Santa Re-

parata. Escavações evidenciaram que, em seus oito séculos de história, esse local de culto so-

freu várias reformas. No século XIII, é substituído pela Catedral de Santa Maria del Fiore.

Na última década do século XIII, o arquiteto Arnolfo di Cambio3 é chamado a Florença

para projetar a catedral que substituirá a igreja de Santa Reparata. Em grande solenidade, é no-

meado chefe da construção da Catedral.

Assim a descreve Francesco Gurrieri:

3 Arnolfo di Cambio (1232 ou 1245-1302), considerado o melhor arquiteto do período gótico, nasceu em Colle di

Val d’Elsa, fixando-se em Florença em 1296. Dirigiu os primeiros trabalhos da Catedral de Santa Maria del Fiore

e projetou o Palazzo Vecchio. (MACHADO, 2004, p. 145).

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É uma obra da arte gótica do início da renascença italiana, considerada de fundamental importância para a História da Arquitetura, é um registro da ri-

queza e poder da capital da Toscana nos séculos XIII e XIV. Seu nome parece

referir-se ao lilium, (lírio), símbolo de Florença, mas, documento do século

XV, por outro lado, informa que fiore significa “flor”, no caso, refere-se, me-taforicamente, ao fruto de Maria, ou seja, Jesus. (GURRIERI, 1994, p.148).

Diz- se também que seu nome Fiore, é tirado de Florença – flor. Durante o período da

república Florentina, em 1293, o tabelião Ser Mino de Cantoribus sugere a substituição da ve-

lha igreja de Santa Reparata, que será destruída completamente em 1375, por uma catedral

maior e mais suntuosa de modo que, conforme suas palavras “a indústria e o poder do homem

não pudessem inventar, ou mesmo tentar nada maior e mais belo” (GURRIERI, 1994, p. 148), e

que estava preparado para financiar a construção. Esperava-se que a população contribuísse e

todos os testamentos incluíssem uma cláusula de doação para as obras. Em setembro de 1296, é

lançada a pedra fundamental na presença de autoridades, entre elas, o Cardeal Pietro Valeriani,

enviado especial do papa Bonifácio VIII. “Nos primeiros anos da construção os trabalhos acon-

teceram com grande entusiasmo e satisfação”. (GURRIERI, 1994, p.150).

Arnolfo projeta um templo imenso e magnífico destinado a ser o maior e mais belo da

Toscana. É composto de duas partes distintas e perfeitas, harmonicamente conjugadas, três na-

ves, sendo a central mais larga do que as laterais, com altas pilastras, iluminadas por grandes

janelas e ogivas4. Um amplo octógono abraça as naves

5 em sua extremidade final no ponto

mais alto da construção. É destinado a receber uma cúpula que será encimada por uma lanter-

na6 Parece audaz a ideia de se colocar uma cúpula octogonal imensa cobrindo as extremidades

das três naves, concepção que Arnolfo talvez tenha trazido da catedral de Siena, anteriormente

construída.

A catedral deveria ter a mesma estrutura do batistério localizado a sua frente. Como ele,

seria coberta de mármore da Toscana em cores branca, vermelha e verde, e sua cúpula deveria

ser octogonal e projetada para receber 30000 fieis. Arnolfo, porém, morre na primeira década

do século XIV, sendo sepultado na igreja de Santa Reparata. Seu ambicioso projeto apenas ha-

via começado. Em 1300, é criado um órgão gestor para supervisionar as obras.

Os trinta anos, que se seguiram, após a morte de Arnolfo, coincidem com um tempo de

instabilidade e crises políticas. As lutas entre os Bianchi e Neri, facções que lutavam pela

4 Ogiva - perfil formado por dois arcos de círculo que se cruzam de acordo com certo ângulo (ÁVILA, 1996, p.

67). 5 Nave é a parte interna da igreja desde a entrada até a capela-mor. Denomina-se nave central quando esse espaço

é subdividido por pilastras, colunas ou arcos (ÁVILA, 1996, p.65). 6 Lanterna é um elemento decorativo com uma dupla função de permitir a entrada da luz e assegurar boa

ventilação (KING, 2017, p. 141). Conforme Corona (1989, p. 296), lanterna é um corpo cilíndrico ou prismático,

mais alto que largo, com aberturas de iluminação sobre a cúpula.

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hegemonia política e econômica, na região no final do século XIII seguidas pelas trapaças com

Carlo di Valois, Arigo VII, Castruccio Castracani, acabam por tirar do foco a construção do

monumento e a gestão de seus recursos.

Por este motivo, em 1310, o papa Clemente V, de Avignon, promete indulgências em

troca de um sustento monetário para a continuação das obras. No ano seguinte, o arcebispo da

cidade impõe ao clero o pagamento de taxas para ajudar o projeto. Em 1321, estabelece-se, em

decreto público, a exigência imposta às Corporações de Ofícios que reservem uma parte de

suas arrecadações para a obra. Em 1331, para que as atividades da construção se normalizem,

os trabalhos da maior igreja de Florença recomeçam depois de suspensos por um longo perío-

do.

Figura 7 – A cúpula da catedral e o batistério octogonais

Fonte: Fotografia de Luciano Mugnaini (edizioni EMMEVU, s.r.l., 2012)

São tomadas iniciativas para angariar fundos e agilizar a gestão financeira, quais sejam,

colocar a obra da Catedral sob a responsabilidade e proteção direta da Arte da Lã (sem dúvida,

a de maior prestígio e mais rica entre as corporações florentinas) e criar um imposto para as

lojas dos artesãos. Quanto à obra, em um primeiro momento, os esforços concentram-se em

duas direções: de um lado a construção do campanário para substituir a antiga torre de Santa

Reparata, do outro, reconstruir a praça para receber a catedral. Nesse trabalho, em 1393,

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torna-se necessário rebaixar o terreno e aumentar a área da praça. Com a permissão dos pro-

prietários, algumas casas são demolidas e o cemitério é transferido para outra área da cidade.

Um período difícil, na história de Florença, se aproxima marcando outra interrupção da

construção. Experiências negativas do governo, guerras, escassez de fundos, inundações, a ter-

rível peste em 1348 acompanham a vida de Florença até a década de 1350. Com lenta recupe-

ração, as atenções se voltam para a construção do campanário. A catedral entra em foco apenas

em 1353 quando se discute o projeto para suas capelas laterais e as tribunas7 do octógono que

sustentarão a cúpula, um passo definitivo para o término da construção. O grande arquiteto e

escultor Jacopo Talenti (1300-1362), projetista da catedral de Orvieto, apresenta um projeto

para a continuidade da construção, a propósito do qual, o supervisor da fábrica anota em seu

diário: “muito caro”. Elege-se um conselho para estudar e discutir o projeto que será aceito e

Talenti passa a ser o substituto natural de Arnolfo de Cambio. Assim, começam pequenas alte-

rações no projeto original.

Depois do primeiro período de interrupção forçada, a Corporação de Ofício da Lã re-

solve dar novo vigor à atividade do canteiro de obras e decide contratar Giotto que, em 12 de

abril de 1334, é nomeado chefe dos trabalhos.8 De idade avançada, renomado por seus afrescos,

encarrega-se de terminar a construção do campanário9 já que queria deixar em Florença uma

obra de arquitetura. Seu falecimento, em 24 de abril de 1337, impede a continuidade da obra.

Andrea Pisano, (1290-1348/9), escultor e membro das Artes dos Ourives de Pisa, autor da pri-

meira porta do batistério de Florença, o sucede mantendo-se no cargo de chefia de 1337 a 1343,

quando se afasta de Florença após a queda do Duque de Atenas, de quem era arquiteto oficial.

Em 29 de março de 1359, festeja-se a conclusão do campanário. Sua base quadrada de 13,30m

de lado, estreita-se um pouco mais acima para 12,40m; a espessura de suas paredes é 3,60 m e

possui 84,70 m de altura.

A forma longitudinal da catedral, típica das basílicas paleocristãs, é formada por quatro

partes com cerca de 19,5 metros cada uma. A nave central é quadrada e as laterais são retangu-

lares de dimensões 9,5 m x 19,5 m. A definição do módulo estrutural é evidenciada pelo em-

prego de materiais distintos. As pilastras são de pedra forte. Representa um novo conceito de

arquitetura gótica – como mudança de estrutura das paredes, de forma contínua para platafor-

ma. O projeto arquitetônico de Arnolfo de Cambio é uma das maiores sínteses dos novos

7 Tribuna é um lugar reservado e elevado, com abertura em janelas e varandas para assistir às cerimonias

religiosas. (ÁVILA, 1996, p. 90). 8 Giotto di Bordone (1267-1337), pintor e arquiteto, mais conhecido na história da arte pela utilização da

perspectiva na pintura renascentista. Estabeleceu o elo entre a pintura medieval, bizantina e o renascimento. De

acordo com Vasari, “era atribuído a ele o papel de grande renovador da pintura”. (VASARI, 2011, p.91). 9 Campanário é uma torre onde se encontram os sinos, formando parte da construção ou separado dela.

(CORONA, 1989, p. 101).

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conceitos construtivos medievais. Nele, estão presentes a exatidão matemática, a maturidade, a

essencialidade construtiva. Medindo 153 metros de comprimento, 38 metros de largura na par-

te frontal, sendo a largura na abside10

, 90 metros. Sua altura, sem a cúpula, chega a 86,7 me-

tros. Ocupa a quarta posição entre as grandes catedrais até hoje construídas; são maiores que

ela: São Pedro, em Roma, São Paulo, em Londres e a catedral de Milão.

A fachada original desenhada por Arnolfo di Cambio é iniciada em meados do século

XV, realizada por vários artistas em uma obra coletiva, mas só é concluída até o terço inferior

de sua altura. Posteriormente desmanchada, por estar fora da moda, por ordem de Francisco I

de Medici. Entre 1587 e 1588, abre-se um concurso para a criação de nova fachada que termi-

naria em escândalo e desavenças, e os projetos apresentados não são aceitos. A obra fica in-

completa até o século XIX, quando, em 1864, Emílio de Fabris vence concorrência para a cons-

trução da nova fachada, a que se aprecia nos dias de hoje.

A figura 8, ilustra as plantas baixas sobrepostas do projeto inicial da Catedral de Santa

Maria del Fiore, de Arnolfo di Cambio, sua sucessiva ampliação e a antiga igreja de santa Re-

parata.

Figura 8 – Planta baixa da antiga igreja de Santa Reparata e ampliação da construção

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 25)

Conforme a narrativa de Gurrieri (1994), “é um enorme e magistral mosaico de mármo-

res coloridos (branco, vermelho, verde), extraídos da região da Toscana, em estilo neogótico,

com uma volumetria dinâmica e harmoniosa. Concluída em 1887, sendo dedicada à Virgem

Maria” (GURRIERI, 1994, p.148).

10 Abside é a extremidade, em semicírculo, de uma basílica romana, e, por analogia, do coro de uma igreja.

(CORONA, 1989, p. 49).

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Figura 9 - Fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida – 2012

É significativo observar, em seu interior, a presença de figuras não religiosas, como um

quadro de Dante e afrescos de comandantes militares. É notada, também, a ausência de cape-

las11

privadas de ricas famílias florentinas, muito frequentes na época, como se vê nas igrejas

de Santa Maria Novella e Santa Croce. O Duomo, como é chamado em italiano, sempre foi

considerado um lugar público dos florentinos. Durante muitos anos, as quatro portas laterais

estavam sempre abertas para a livre passagem daqueles que quisessem atravessar a praça. Ain-

da em seu interior, sobre a porta principal, há um grande relógio com decoração em pintura de

Paolo Ucello, acertado conforme a hora itálica, uma divisão do tempo empregada na Itália até

do século XVIII, que atribui ao pôr do sol, o início do dia. Seus vitrais12

são os maiores no gê-

nero, criados entre os séculos XIV e XV, retratando imagens de santos do Velho e Novo Tes-

tamento.

A Catedral, hoje, desempenha as mesmas funções para as quais foi construída, ou seja,

acolher fieis em oração, realizar cultos e cerimônias religiosas e, no presente, suas capelas são

utilizadas também para apresentações e concertos musicais, ampliando, dessa forma, seus pro-

pósitos inaugurais. Sua imponência e notoriedade atraem grande número de turistas e represen-

ta um marco na cidade que não permite esquecer a força e o poder de Florença daquela época.

11 Capela é o recinto de uma igreja onde fica o altar particular (ÁVILA, 1996, p. 30). 12 Vitral é uma vidraça de cores ou pintura. Comumente designa aquela que representa algo imaginado pelo artista

e é executado em pedaços de vidros coloridos, rejuntados com chumbo (CORONA, 1989, p. 472).

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2.4 – PRESENÇA DE BRUNELLESCHI

NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA

Em 19 de agosto de 1418, em Florença, é publicado um edital para a edificação da cúpula

da catedral Santa Maria del Fiore. A construção da catedral iniciada há mais de um século

estava sem a cúpula, não fora construída, por apresentar desafios devido às suas grandes di-

mensões.

Quem desejar projetar um modelo para a construção da cúpula principal da ca-tedral – para a armação, escoramento, andaime ou qualquer outro instrumento

para levantar a construção – cuja obra é de responsabilidade da Opera del Du-

omo, poderá fazê-lo até o final de setembro. Ao projetista escolhido será dado a soma de 200 florins de ouro. (KING, 2017, p. 9).

Conforme narrativa de Ross King (2017), duzentos florins, na época, correspondiam ao

salário que receberia um artesão, durante dois anos. O concurso atrai a atenção de carpinteiros,

pedreiros, mestres de obras, arquitetos de toda a região da Toscana.

Até então, em 1418, o projeto mais importante estava ainda inacabado. A substituição da

antiga igreja de Santa Reparata, em ruínas, por uma nova catedral, concebida para ser uma das

maiores da cristandade não fora concretizada. Orgulho dos cidadãos de Florença, mais do que

pela fé religiosa, a comuna estabelecera que a catedral seria construída com o maior esplendor.

Seus construtores encontraram grandes obstáculos à medida que se aproximava a conclusão dos

trabalhos. O prosseguimento da obra já estava bem definido, porém, as dimensões da cúpula

eram enormes e, se construída conforme o projeto, seria a maior e a mais alta já edificada.

Durante cinquenta anos, ninguém de Florença ou de qualquer outra parte da Itália tinha a

menor ideia de como realizar o projeto. O trabalho inacabado da Catedral de Santa Maria del

Fiore transforma-se em grande quebra cabeça arquitetônico da época. Desde o início, conside-

rada uma tarefa improvável, os próprios projetistas, incapazes de imaginar a conclusão, confia-

vam em uma providencial solução feita por algum arquiteto iluminado. Seria impossível cons-

truir a cúpula sem o auxílio de um suporte visível? Essa e outras questões foram objeto do de-

bate ocorrido em 1367, durante o qual os expositores da Opera del Duomo optaram pela reali-

zação de uma cúpula maior do que aquela prevista no projeto anterior. Três meses mais tarde,

provavelmente pelo desejo de dividir a responsabilidade da construção, o projeto foi colocado,

aos cidadãos de Florença, em um referendum, para que escolhessem como fazer.

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A decisão de adotar o projeto de Fioravanti13

representou um ato de confiança. Jamais

nenhuma cúpula com tais dimensões tinha sido construída desde a antiguidade e seu diâmetro,

com mais de 44 metros, superaria a do Panteon de Roma, cuja cúpula era considerada, há mais

de mil anos, a maior até então construída. E a cúpula da Santa Maria del Fiore não seria apenas

a maior de todas, mas também a mais alta. As paredes da catedral atingiam 43 metros de altura,

sobre as quais seria construído um tambor octogonal para receber a cúpula, ocasionando um

acréscimo de 9 metros em sua altura. O objetivo de construir o tambor era de elevar, ainda

mais, a altura da cúpula cuja curvatura seria iniciada a 52 metros de altura. Maior do que qual-

quer torre gótica construída na França, no século XIII.

O projeto contemplava a existência não de uma cúpula, mas duas, uma dentro da outra.

Uma estrutura arquitetônica desse tipo era rara. Utilizada na Pérsia, durante o período medie-

val, transforma-se em uma expressão característica da arquitetura islâmica na construção de

mesquitas e mausoléus. O modelo previa um invólucro exterior para elevar a altura e, um inte-

rior, menor, que sustentava uma parte do peso da externa. Por outro lado, a parte externa teria a

função protetora de agentes externos e atmosféricos.

Outra particularidade da cúpula de Neri era a forma singular. Diferente de outras cúpu-

las precedentes, Panteon inclusive, o perfil da cúpula de Santa Maria del Fiore, deveria ter uma

forma ogival e não hemisférica. Isso significava que, ao invés de descrever um semicírculo,

seus lados seriam curvados até o ponto mais alto no estilo do arco gótico. Esta forma arquitetô-

nica é conhecida como quinto agudo. A complexa estrutura cria vários problemas aos seus

construtores cinquenta anos mais tarde e sua edificação exigiu soluções engenhosas. A proposta

de Neri tornou-se um objeto de culto para os florentinos. Cento e vinte anos após o início da

construção da catedral, a cúpula estava prestes a se concretizar. Entre os projetos apresentados,

apenas um oferecia uma solução original para o problema de sua curvatura. Esse modelo, fabri-

cado em tijolos, foi feito não por um carpinteiro e ou pedreiro, mas por um homem que dedicou

o trabalho de uma vida para resolver dilemas ligados a relógios e ourivesaria, de nome Fillipo

Brunelleschi.

Filippo Brunelleschi nasce em Florença, em 1377, de uma família de classe média. Ar-

tesão, ourives e, posteriormente, arquiteto, dedicou-se ao estudo da geometria. Entre suas ativi-

dades, o jovem Brunelleschi, sobressai como arquiteto, porém, antes de aventurar-se nessa área,

passa por uma experiência de ensino-aprendizagem com o célebre cartógrafo e matemático

13 Neri di Fioravanti, escultor e arquiteto de Pistoia, bastante ativo em Florença na metade dos anos trezentos, teve

seu projeto para a Cúpula da Catedral Santa Maria del Fiore, escolhido em um concurso. Mais tarde, tal projeto foi

executado por Brunelleschi.

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Paolo dal Pozzo Toscanelli (1397-1482)14

que o teria introduzido no estudo da geometria apli-

cada, deixando o mestre estupefato pelas questões que coloca e pelas intuições que desenvolve.

Em 1415, Brunelleschi estabelece a perspectiva linear matemática utilizando-se de

espelhos – todas as linhas paralelas em um plano deveriam convergir para um único ponto de

fuga. Brunelleschi destaca-se como propagador dos seus princípios, que, embora conhecidos

pelos gregos e romanos, foram esquecidos durante toda a Idade Média. Restabelece, na prática,

o conceito de ponto de fuga (figura 12) e a relação entre a distância e o tamanho dos objetos.

Antonio Manetti (1475), biógrafo de Brunelleschi, descreve o experimento feito por ele,

utilizando uma tela quadrada de madeira, onde pintou a imagem do Batistério que fica defronte

à catedral. Para comparar a imagem pintada com a real, fez um pequeno orifício no centro do

quadro pintado e ele se posicionou na porta da catedral voltado para o batistério. Ao olhar pelo

orifício, no verso da tela, pôde ver a imagem real do batistério. A seguir, com a ajuda de um

espelho, colocado na outra mão e ajustado a uma distância adequada, visualizou a imagem pin-

tada refletida no espelho e admirou a perfeita coincidência da imagem pintada com a imagem

real. Brunelleschi pretendia demonstrar a precisão de um desenho feito com a definição geomé-

trica de um ponto de vista (a posição do olho) (figuras 10 e 11).

Brunelleschi inaugura o estudo com os espelhos, da perspectiva artificial, sendo pionei-

ro nesse experimento. Entretanto, os cálculos e projeções, que são necessárias para utilização

da perspectiva, ainda não estavam elaborados, tão pouco os artistas daquela época tinham esse

tipo de percepção.

Figura 10 – Experimento utilizado por Brunelleschi

Fonte: http://www.artaban-asso.co

14 Paolo Toscanelli (1397-1482), matemático, geógrafo e astrônomo florentino, amigo de Brunelleschi, elaborou o

mapa que permitiu Colombo chegar à América. (SZAMOSI, 1986, p. 124).

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Figura 11 – Experimento utilizado por Brunelleschi

Fonte: https://beontheroadwith.blogspot.com/2017/03/prospettiva-pittorica-come-nasce-e-dove.html

Figura 12 – Perspectiva Linear com ponto de fuga – Santa Ceia (Leonardo da Vinci)-Milão

Fonte: https://br.pinterest.com

A perspectiva é um método de representar objetos tridimensionais em uma superfície de

duas dimensões permitindo o controle da posição relativa, à dimensão ou à distância, como os

objetos são observados na realidade, de um particular ponto de vista. Brunelleschi é considera-

do seu inventor, aquele que descobriu suas leis matemáticas. Sua obra prima será a cúpula da

catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, quando soluciona um impasse técnico.

Essa obra arquitetônica marca uma nítida ruptura com as edificações góticas. Fora en-

carregado de executar o projeto concebido, em 1367, por Fioravanti. Estuda uma forma de

construí-la mais alta e não circular, algo não usual na época. Iniciada 120 anos antes, a catedral

demandava a construção de sua cúpula. Para deslocar o material pesado para a base da cúpula,

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ele projeta máquinas, movidas por animais, que giram, enquanto o material sobe ou desce da

mesma. Um procedimento de vanguarda na época.

Brunelleschi utiliza tecnologia avançada para resolver o impasse. Cria uma forma de

dispor os tijolos num arranjo chamado espinha de peixe no qual uns suportam o peso dos ou-

tros, evitando assim, que resvalem (figura 13).

Figura 13 – Disposição dos tijolos na forma “espinha de peixe”,

em alguma seções da Cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Conti e Corazzi (2005, p. 41).

A construção da cúpula, iniciada em 1420, será concluída em 1436. É provável que o

emprego da Geometria, envolvida em sua edificação, circunscreva um contexto de harmonia e

estática. Arquitetos da época dominavam bem a Matemática, em particular, Brunelleschi, visto

que, seus conhecimentos lhe permitem estabelecer as bases geométricas da perspectiva. Outros

matemáticos, contemporâneos, também estiveram envolvidos no projeto da cúpula, entre eles

Giovanni Dell‟ Abaco e Paolo Toscanelli, que o auxiliaram em soluções geométricas.

A criatividade de Brunelleschi exprime uma solução particular. Entrelaça elementos téc-

nicos romanos, românicos e góticos, combinando materiais de forma original. Assim, a cúpula

octogonal, de 52 metros de diâmetro e surpreendente altura, transforma-se em um problema de

simples solução. Ainda hoje, discute-se: quais conhecimentos Brunelleschi possuía para efetuar

os complexos cálculos que evitaram acidentes estáticos à sua famosa cúpula?

Ele fora estimulado a inventar uma solução pessoal para sua construção, pela impossibi-

lidade ou pela recusa dos mestres carpinteiros em fazer escoramento de sustentação, altos e

resistentes, como exigia aquela obra. Tais estruturas de madeira e ferro já não eram utilizadas

pelos arquitetos de Florença. Há muito haviam sido abandonadas ou até mesmo esquecidas.

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Brunelleschi é atraído por uma aventura audaciosa: constrói duas cúpulas em alvena-

ria, uma dentro da outra, conforme o projeto de Fioravanti. Utiliza particulares engenhos, igno-

ra completamente os suportes provisórios e emprega novas e mais racionais tecnologias para

sua época.

Até o século XVI, os conhecimentos de aritmética de origem hindu-arábica, ainda não

estavam completamente aceitos e difundidos na Europa. Apenas no século XVII, atinge uma

elaboração das regras de cálculo com números inteiros, com as frações e com os numerais de-

cimais. Rugiu lembra:

É lícito pensar que, no tempo em que Brunelleschi projeta e constrói a cúpula,

como chefe de obra, o uso da matemática para fins de engenharia, se limitasse

à medidas simples, à definição de relações entre desenho e construção. Da a-tividade do jovem arquiteto, sobressai aquela construtiva. (RUGIU, 1998,

p. 100).

Na época do império romano, projetos arquitetônicos utilizavam-se da curva. Como

comprovação empírica tem-se o Coliseu e o Panteon, localizados em Roma. Brunelleschi não

foi o primeiro a retomar, cerca de doze séculos depois, a solução da alvenaria curva. O estilo

românico, principalmente aquele do final do período gótico, havia utilizado a técnica. A substi-

tuição de pesadas paredes de sustentação das pilastras15

por arcos, também fora estudada por

ele.

Brunelleschi é um artesão que projeta na prancheta e depois arregaça as mangas para

apalpar os tijolos, ainda quentes, mostrando como se faz a argamassa. É mestre de obras, dirige

os trabalhos; para ele é natural controlar, retificar desenhos e planos de produção do dia a dia,

estar no canteiro de obras, do amanhecer ao anoitecer, para supervisionar pessoalmente os tra-

balhos. Em sua formação, durante a juventude, terá visto um pouco de geometria e, talvez, de

aritmética, que seus pares de algumas gerações anteriores não tinham conhecimento. Interessa-

se também pela cultura humanista.

Defende a perspectiva e seus princípios matemáticos em tratados. Artistas como Paolo

Uccello, Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci e Michelangelo, seus contemporâneos, aderiram

à técnica de perspectiva recriada por ele. Outras grandes obras de Brunelleschi são o Palazzo

Pitti, protótipo do estilo palaciano renascentista: a igreja de San Lorenzo, igreja di Santo Spiri-

to, e a capela dei Pazzi, caracterizada por sua estrutura geométrica.

Isto posto, registramos reflexões de Brunelleschi feitas a Mariano Taccola, matemáti-

co, administrador, artista e engenheiro de Siena, sobre o motivo de guardar segredo das inven-

ções e de suas relações com detentores de poder.

15 Pilastras são colunas ou pilares integrados às paredes, apresentando-se ligeiramente salientes. (ÁVILA, 1996,

p.73)

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... não devemos comunicar a muitos as nossas invenções, mas apenas a poucos

que entendem e apreciam a Ciência, porque colocar muito à mostra e explicar

as próprias invenções e ações, significa apenas desperdiçar o que você criou. Existem muitas pessoas que gostam apenas de ouvir e depois criticar os inven-

tores e contradizer aquilo que fazem e dizem, para assim impedir que sejam

ouvidos e valorizados. Para mais tarde, depois de alguns meses ou anos, dize-

rem as mesmas coisas, por escrito ou através de desenhos, contando vantagem de serem eles os inventores (...). Não se pode mostrar a todos e a cada um,

os segredos das águas do mar e dos rios e das construções que neles são feitas,

mas sim a um grupo especial de pesquisadores, filósofos, mestres na Arte Me-cânica que decidem tudo o que é necessário para construir e edificar. (RICCI,

2014, p. 217).

O modelo de Brunelleschi atrai a atenção dos participantes de forma particular. Como

seria possível edificar uma cúpula com grandes dimensões, sem escoramento necessário? Arro-

jada é sua proposta e muitos de seus contemporâneos o consideraram louco.

Na manhã de 7 de agosto de 1420, faz-se uma comemoração a 42 metros de altura pelo

início das obras. “Pedreiros e operários envolvidos nos trabalhos da catedral, subiram até o

tambor que será a base da cúpula. Fizeram uma refeição à base de pão, melão e vinho, ofereci-

dos pela Opera del Duomo. Esse pequeno lanche celebra um momento histórico” (KING,2017,

p.92).

Após 50 anos de projetos e discussões, a construção da grande cúpula da catedral está

prestes a ser iniciada. Um dos principais problemas na construção da cúpula de Santa Maria del

Fiore – e de qualquer estrutura de grandes dimensões – era transportar o pesado material, como

barras de alvenaria e placas de mármore, a dezenas de metros de altura e instalá-las na posição

correta e com precisão, conforme exigia o projeto. Os blocos de arenito pesavam, cada um,

cerca de 770 kg e, centenas deles deveriam ser suspensos para erguer a cúpula. A solução para

esse problema foi projetada por Brunelleschi, ao constituir mecanismos, não conhecidos até

então. No canteiro de obras, havia máquinas e ele cria outras, inclusive um guindaste, que ele

aprimorou. Torna-se um dos equipamentos mais utilizados na época do Renascimento, sendo

estudado e analisado por arquitetos e engenheiros.

No início de 1426, a cúpula atinge a altura de 20 metros sobre o tambor e as calotas16

,

curvando-se para dentro, superam o ângulo crítico de 30 graus. Esse fato pode explicar o moti-

vo pelo qual, somente, naquele momento, são utilizados os anéis feitos de pedra, colocados a

partir dessa altura, e não mais baixo, onde a pressão circular era bem mais elevada. Foram dis-

postos em volta da circunferência da calota de modo a torná-la mais espessa nos ângulos.

16 Calota é uma porção da abóboda com o fim de dar mais altura ao teto ou destinado a servir de fundo para

pinturas decorativas (CORONA, 1989, p. 99).

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Essas estruturas circulares, que são em número de nove, desempenham um papel funda-

mental na construção da cúpula.

King (2017) afirma que por mais engenhosa que fosse a colocação na forma de espinha

de peixe, não teria impedido que a cúpula desmoronasse. Ele argumenta:

O verdadeiro golpe de mestre de Brunelleschi foi criar uma estrutura

circular para dar forma à estrutura octogonal da cúpula, ou seja, a

cúpula foi construída contendo dentro da estrutura das paredes das duas

calotas, uma série de aneis circulares. A cúpula interna é mais espessa

do que a externa. Suas paredes tem espessura variando entre 1,40m a

2,0 m, aproximadamente em algumas faixas. Ela é larga o suficiente

para incorporar dentro de sua estrutura uma cupula circular com 70 cm

de espessura. (KING, 2017, p.181).

Ele acreditava que se pudesse evitar o desmoronamento, devido ao peso, não por meio

de contrafortes externos, mas graças ao emprego de uma série de anéis de pedra e madeira, in-

corporados à estrutura, de modo que formando círculos, sustentariam a cúpula nos prováveis

pontos de ruptura. Todas as tensões seriam absorvidas pela própria estrutura sem recorrer a

suportes externos. Além disso, tais anéis estando contidos na estrutura, não seriam notados e

formariam uma cúpula de rotação na parte interna, entre as cúpulas.

Roland Mainstone, construtor inglês, que desenvolveu esse modelo logo após fazer uma

pesquisa nos anos setenta do século XX, explica que “a cúpula interna foi construída como se

fosse uma cúpula circular mas com partes cortadas por dentro e por fora para deixar espaço

para a abóboda octogonal da cúpula externa” (MAINSTONE apud KING, 2017, p. 181).

A alvenaria da calota externa foi feita para que se tornasse autossuficiente, sem perigo

de desabar para dentro. Os anéis são praticamente despercebidos, visíveis apenas em poucos

pontos entre as duas calotas. Vista da parte externa da catedral, parece perfeitamente octogonal,

como decidido no projeto de 1367. Mais uma vez, Brunelleschi, o mestre do ilusionismo, des-

fruta a diferença entre aparência de superfície e a realidade interna.

Quando ocorre a decisão de se construir a cúpula sem sustentação externa, outras altera-

ções são relevantes. Em certas partes da cúpula os tijolos estariam dispostos na forma espinha

de peixe e, a partir da altura de 20 metros, a pedra calcária seria substituída por tijolos ou pedra

vulcânica, por serem mais leves. Foram escolhidos os tijolos, já que o tufo calcário não estava

disponível em Florença; deveria ser importado.

Manetti, o biógrafo de Brunelleschi, lembra que ele inspecionava a fabricação dos tijo-

los nas olarias, pois o controle de qualidade do material era a maior preocupação do mestre de

obras. De igual importância era também a argamassa. Dela, narra Manetti, que Brunelleschi

ocupou-se pessoalmente. “Durante a Idade Média, a argamassa era feita de uma mistura de a-

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reia, argila e cal. Para uma estrutura das dimensões da cúpula, foi necessária uma maior quant i-

dade de cal.” (KING, 2017, p. 162).

Oito grupos de pedreiros trabalham, simultaneamente, na construção das velas (cada

uma das oito faces, as quais compõem a cúpula), as paredes da cúpula interna têm uma largura

de 1,80 metros e, a externa, 0,60 metros e são construídas ao mesmo tempo. Em média, sua

altura cresce 30 centímetros por mês. Na primavera de 1428, os trabalhos avançam, sem pro-

blemas. Com menos de oito anos de trabalho, a cúpula atinge uma altura de vinte metros acima

do tambor que a suporta, e a construção deve ser, neste momento, mais rápida já que seu con-

torno estreita-se à medida que atinge o alto.

Em março de 1433, alcança a altura de 30 metros, o que significa que os pedreiros tra-

balham a 80 metros do solo, equivalendo a um edifício de 20 andares. Nesse ponto, os operá-

rios preparam-se para colocar a terceira trave17

de pedra como reforço. No início de 1431, os

responsáveis pela obra decidem abandonar o projeto inicial de 1367, de Fioravanti. A cúpula já

era, segundo eles, incomparável ao modelo proposto. Não significava que Brunelleschi havia

alterado o modelo, mas que a estrutura do projeto tinha perdido sua função, portanto, a constru-

ção poderia ser prosseguida de forma autônoma. Brunelleschi, em 1433, é alertado para acele-

rar os trabalhos.

Um ano mais tarde, ao final da execução do projeto, lamenta a reestruturação feita no

mesmo. Brunelleschi assinala: “[...] se fossem construídas as capelas, como eu havia sugerido,

poderia ter evitado aquelas traves horríveis à vista, e mais uma vez insiste para que os respon-

sáveis reconsiderassem seu projeto”. (KING, 2017, p.123).

Brunelleschi conseguira, com sucesso, criar uma estrutura arquitetônica incomparável,

apesar de toda adversidade e ressentimentos, realizara o sonho de sua juventude. Ainda adoles-

cente, passava pela catedral sem a cúpula e ouvia o ruído dos maquinários trabalhando. Ao ad-

mirar o perfil da cúpula destacar-se na cidade, deve ter pensado com orgulho que conseguira

igualar-se, ou superar, os mestres romanos, cujas obras havia estudado.

A lanterna (figura 14) colocada sobre a cúpula fora consagrada em março de 1446 por

Sant‟Antonino, arcebispo de Florença. Brunelleschi viveu o suficiente para presenciar a ceri-

mônia. Morre no mês seguinte, em 15 de abril, aos 69 anos.

17 Trave é o mesmo que viga. Elemento estrutural, geralmente em posição horizontal, que trabalha a flexão e que

transmite os esforços às colunas que, por sua vez trabalham a compressão. (CORONA, 1989, p. 471).

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Figura 14 - Lanterna corando a Cúpula e sobre ela a esfera de cobre, obra de Verocchio

Fonte: Conti e Corazzi (2005, p.20).

A obra de Brunelleschi é apreciada por Corazzi no prefácio de seu livro La cupola del

duomo di Firenze:

A originalidade de Brunelleschi consiste na musicalidade que consegue extrair

de suas obras e que se revela, de forma particular, na cúpula. A simplicidade do método por ele criado, o torna ainda maior; é próprio dos gênios, desenvol-

ver um método simples para solucionar um problema complicado. Sua estrutu-

ra, formada de duas calotas com 1,20m de espaço entre elas para permitir o acesso à base da lanterna colocada em seu ápice, é formada de oito velas que

representam secções de um cilindro elíptico. A sensação de equilíbrio e har-

monia que a cúpula transmite, é fruto das proporções áureas que existem entre

os elementos que a compõe. (CORAZZI, 2017, p.7).

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3 - A CÚPULA OCTOGONAL

3.1 – PELAS MÃOS DA MATEMATICA

Figura 15 - Cúpula da Catedral de Florença

Fonte: Óleo sobre tela de autoria de Orozimbo Marinho de Almeida (2017)

A cúpula octogonal, sólida, imponente, majestosa, pode ser observada de vários pontos

da cidade de Florença como símbolo de poder religioso. Cabe indagar: como foi possível sua

construção nos dezesseis anos que cobrem ideias e realizações? Dois autores serão visitados

para responder à pergunta que envolve princípios essenciais de Matemática, Geometria e Esté-

tica. São eles: Conti e Corazzi (2011). A cúpula sempre despertou a fantasia de visitantes e in-

teresse de estudiosos pela beleza, misteriosa técnica de construção e pela excepcionalidade de

suas dimensões. Conti, referindo-se às suas medidas, narra que:

Seu diâmetro interno mede 45 m, o externo 54 m, sua base encontra-se a 55 m

do solo, a Cúpula atinge 91 m e, com a lanterna, que pesa 750 toneladas, che-ga a 116 m; seu peso é de 29.000 toneladas. É interessante notar que as medi-

das dos elementos que a compõem determinam proporções áureas, pois come-

ça de uma altura de 55 m do solo, apoia-se em um tambor octogonal de 13m,

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tem 34 m de altura, acima dela apoia-se uma lanterna de 21m. Podem aqui ser

observados alguns números da sucessão de Fibonacci, que, como se sabe, es-

tão ligados à razão áurea. (CONTI, 2014, p.1).

A propósito da sequência de Fibonacci, seus elementos estão assim dispostos:

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89 ... e, cada elemento, a partir do terceiro, é calculado somando

seus dois antecedentes imediatos. Dividindo-se dois termos consecutivos da sequência de Fibo-

nacci, o maior pelo menor, os quocientes tendem a um valor próximo de 1,618. Esse número é

chamado de número - que é a razão áurea. As Formas Arquitetônicas buscam a estética uti-

lizando-se dos elementos geométricos cujas medidas estão em razão áurea. Apenas por esse

motivo, merecem ser saudadas as proporções utilizadas na Cúpula. Entretanto, é necessário

ressaltar que, naquela época, o sistema de medidas, utilizado na Itália, não era decimal, apesar

disso, é notável que, atualmente, com do sistema internacional, encontrem-se medidas que po-

dem ser inseridas na sequência de Fibonacci.

É relevante evidenciar a importância da Matemática na construção da cúpula. Sabe-se

que Brunelleschi, seu mestre de obras, foi também “matemático”. A prova de sua importância,

nesse campo, está no fato de ser citado em textos da História da Matemática, como Boyer, Kli-

ne e outros, além de estar cercado de notáveis matemáticos, Toscanelli e Giovanni dell‟Abaco.

Recentes estudos mostram que:

[...] a Cúpula é formada por oito faces, chamadas velas, cada uma delas é uma secção de um cilindro elíptico

18. As bordas de cada face, que na parte externa

são cobertas de mármore branco, são arcos de circunferência, enquanto que a

secção meridiana19

de cada vela é um arco de elipse. Sobre esse fato, houve,

no passado, numerosas polêmicas e ainda hoje fazem-se afirmações inexatas sobre esta questão. (CONTI, 2014, p.2).

Roberto Corazzi e Giuseppe Conti, realizando um estudo, munidos de um scanner a la-

ser, digitalizaram o relevo da cúpula e suas bordas, em algumas centenas de pontos. Trabalha-

ram os dados utilizando o modelo matemático dos mínimos quadrados da circunferência e da

elipse. Registram:

Obtivemos, para cada borda, uma circunferência de raio médio 36,18m, com um erro mínimo médio, da ordem de 1 cm. Este resultado é muito interessante

porque é quase coincidente com a medida teórica de 36 m que deve ser o raio

de cada borda. Quanto aos perfis médios de cada vela, consideramos os pontos que se obtém cortando uma vela com um plano perpendicular à sua base, pas-

sando pelo eixo central da Cúpula. A curva teórica deve ser uma elipse, e con-

siderando a cônica dos mínimos quadrados, a cônica assim obtida com tal mé-

todo é uma elipse, exatamente como o esperado conforme as considerações teóricas, e neste caso também, com um erro mínimo. (CONTI, 2014, p. 2).

18 Um cilindro elíptico é uma superfície constituída de todas as retas (chamadas geratrizes), que são paralelas à

uma reta dada e que passam por uma elipse. (STEWART, 2009, p. 766). 19 Secção meridiana de um sólido – intersecção da superfície desse sólido com um plano perpendicular à sua base

passando pelo eixo do mesmo. (STEWART, 2009, p. 766).

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A superfície de cada vela é, portanto, uma porção de um cilindro elíptico – sua interse-

ção com um plano perpendicular à sua geratriz é uma elipse – cada face pertence a um cilindro

diferente conforme a posição do eixo e da orientação.

Corazzi afirma que a base do tambor octogonal, suporte da cúpula, não é regular. Suas

medidas variam entre 16,90 m e 17,24m. Em consequência, tem-se que os ângulos do octógono

não são congruentes, isto é, não medem 135o, como deveria ocorrer, se a base fosse regular.

Grande parte da bibliografia que descreve a obra prima de Brunelleschi, ainda conforme Coraz-

zi (2014, p.7-9), mostra que o contorno aparente da cúpula obedece a regras precisas; “o perfil

externo é um sexto de quarto agudo, enquanto que, o interno é um sexto de quinto agudo” (fi-

gura 16).

Figura 16 – Construção do perfil da cúpula - Quarto e quinto agudos

Fonte: Conti (2014, p. 3)

Qual seria o significado de tais locuções? Significam que, para se determinar o perfil da

cúpula interna, divide-se o diâmetro menor, de 45 m, em cinco partes iguais (quinto agudo),

medindo, cada parte, 9 m. Ao se colocar a ponta seca do compasso na primeira das cinco partes

– chamada de centro de quinto agudo – traça-se um arco de circunferência, de raio 36 m. A

seguir, fazendo-se centro no ponto simétrico dessa divisão em relação ao centro do diâmetro,

traça-se outro arco, também de raio 36 m. A interseção desses arcos é o ponto mais alto da cú-

pula interna. O perfil da calota externa é determinado, utilizando-se o mesmo procedimento.

Divide-se o diâmetro maior (54 m) em quatro partes congruentes (quarto agudo). Cada uma

delas medirá 13,50 m. Com centro no ponto de quinto agudo, traça-se um arco cujo raio medirá

40,5 m, ou seja (54 – 13,5); utilizando seu simétrico, traça-se outro arco, com o raio igual. Os

dois arcos cortam-se no ápice da cúpula externa.

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151

As duas calotas estão ligadas entre si por um sistema de contrafortes; 8 deles são angula-

res, isto é, estão nos planos das arestas comuns entre duas velas e 16, duas em cada vela, divi-

dindo a face em três partes iguais (figura 16). Os contrafortes, que estão nas faces, têm uma

espessura de 1,75 m na base e 0,40 m no ponto mais alto. Aqueles que estão nas arestas têm o

dobro de espessura. Outras importantes componentes estruturais da Cúpula são os 144 arcos

horizontais (18 em cada vela) que reforçam a calota externa fazendo a ligação com os reforços

das arestas. Estão distribuídos em 9 níveis nos dois terços superiores da Cúpula sendo a distân-

cia entre eles de 2,50 m

Figura 16 – Estrutura das calotas

Fonte: Conti- Corazzi (2014, p.148) Fonte: Conti-Carazzi (2005, p. 51)

O perfil da Cúpula aproxima-se de uma curva catenária invertida, ou seja, curva

formada por um fio preso em suas extremidades, estando sujeito à ação da gravidade (figura

17).

Sua forma, de acordo o matemático Bernoulli20

ao final do século XVII “é a mais apro-

priada para ser o perfil de uma cúpula autoportante, isto é, que se sustenta por si mesma”

(BERNULLI apud CORAZZI, 2014, p.12). Huygens21

foi o primeiro a utilizar o termo catená-

ria, na matemática.

]

20 Johann Bernoulli, matemático suíço (1667 – 1748), desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da

Matemática Moderna Européias. (SIMMONS, 2009, p. 725). 21 Christiaan Huygens (1629-1695), astrônomo, matemático, físico, Christian Huygens foi, sem dúvida, o maior cientista da Holanda. (SIMMONS, 1987, p. 705).

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152

Figura 17 – Curva catenária

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.101)

Brunelleschi evita detalhes da arte gótica, seu modelo tem uma forma estrutural pura que

supera qualquer elemento ornamental. Entre as duas calotas, existe um corredor de 1,20 metros

de largura através do qual se pode atingir o ponto mais alto, ou seja, a base da lanterna que

apoia-se na cúpula. Ao subir as escadas, o visitante tem à sua direita a cúpula interna e à es-

querda, a externa. Em alguns trechos, nas paredes, é observável a disposição dos tijolos. Estes,

não foram colocados na horizontal, ou seja, paralelos ao plano do solo, mas, segundo linhas

curvas, chamadas cordas flexíveis. Outros, na vertical, formando a conhecida espinha de peixe

e também outros seguindo a direção do eixo da cúpula.

Surgem perguntas: qual o motivo dessa particular disposição dos tijolos? Em que regras

encontram justificativa? Segundo Conti,

[...] ele não deixa nenhuma anotação sobre os motivos dessa forma de distri-buição; na realidade existem duas descrições suas (1420 e 1426) informando

quais seriam as características da Cúpula, mas não a técnica que seria utilizada

na construção. Tal atitude poderia estar ligada às relações conflitantes que ti-nha com os florentinos, os quais, sempre polêmicos com ele, tentavam contro-

lar seu trabalho, Existe no Arquivo do Estado de Florença, um documento es-

crito em 1425/26, durante a construção da cúpula, no qual Giovanni di Ghe-rardo, de Prato, acusa Brunelleschi de cometer graves erros em sua constru-

ção. (CONTI, 2014, p. 4).

Pelos estudos e conhecimentos adquiridos, no período que passara em Roma, Brunelles-

chi conseguira informações sobre construção de cúpulas de base circular, chamadas de cúpulas

de rotação (figura 18). São exemplos de tais cúpulas, a do Panteon, da Catedral de São Pedro,

localizadas em Roma, de Santa Sofia, em Istambul, entretanto, uma cúpula de base octogonal,

representava um desafio a ser vencido. Ele sabia que, naquela de rotação, problemas de estática

eram menores, visto que, as forças distribuem-se de forma uniforme. Sugeriu que se fizesse

uma base circular, mas os florentinos não aprovaram a sugestão, alegando que deveria ter a

mesma forma, octogonal, da pequena cúpula do Batistério San Giovanni, localizado a poucos

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passos da Catedral. A técnica construtiva daquela de rotação é simples, já que os tijolos são

colocados em paralelo à base, formando anéis sobrepostos, cujo diâmetro diminui a cada anel

colocado, até fechar-se no ponto mais alto da obra. É a chamada estrutura autossustentável.

Conti chama a atenção para o fato:

[...] os paralelos da cúpula de rotação são sempre perpendiculares às linhas

dos meridianos, exatamente como no globo terrestre. Esta técnica não pode ser

aplicada em uma estrutura de base octogonal, tendo em vista a descontinuida-de que os vértices do octógono apresentam: dessa forma, a colocação dos tijo-

los, de duas velas adjacentes, formariam um ângulo, exatamente no ponto on-

de as tensões são maiores. (CONTI, 2014, p. 4).

Figura 18 - Cúpula de rotação

Fonte: Conti e Corazzi (2005, p.40 )

Qual foi, então, a solução apresentada por Brunelleschi? Conti, assim, explica:

A ideia de Brunelleschi foi, partir da aresta da vela, colocar os tijolos de forma

contínua, como se fosse uma cúpula de rotação. Para tanto, os colocou sem-pre na perpendicular às linhas meridianas, como se fosse o globo terrestre;

deste modo os tijolos ficam dispostos conforme as linhas chamadas cordas

flexíveis. Em outras palavras, as cordas flexíveis correspondem aos paralelos da cúpula de rotação: a diferença está no fato de que, nesta última, paralelas ao

plano do solo e na cúpula de Brunelleschi, apresentam uma direção curvilínea.

(CONTI, 2014, p. 5).

Na interseção de duas velas adjacentes, localiza-se a borda. Cada uma é um arco de cir-

cunferência (quarto agudo). A estrutura da construção apresenta oito delas, visto que a base é

um octógono. Brunelleschi inicia o assentamento dos tijolos a partir da borda, de modo que

esteja em posição perpendicular a ela. Dessa forma, o tijolo, inicial pertence a duas faces simul-

taneamente, evitando, assim, um ângulo menor do que 180o. Seguindo a colocação dos tijolos,

um ao lado do outro, forma-se a corda flexível (figuras 19 e 20).

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Figura 19 - Tijolos colocados ortogonalmente às linhas meridianas das velas – cordas flexíveis

Fonte: Conti (2014, p.5).

Figura 20 - Disposição dos tijolos segundo aneis octogonais

- visualização das superfícies cônicas

Fonte: Conti (2014, p. 5).

As intersecções de duas velas, vista na figura 20 (à esquerda), não formam ângulos

rasos como o que se vê na figura à direita. O ângulo diedro ficaria cada vez mais fechado, o que

comprometeria a estática da estrutura. Brunelleschi, ao que parece, vê nas cordas flexíveis uma

solução para esse problema.

Brunelleschi, seguindo na contramão dos personagens de sua época, não revela por es-

crito, seu método de trabalho com o qual constrói sua obra prima. Durante séculos, a Cúpula

florentina tem sido objeto de pesquisas por parte de estudiosos que procuram descobrir o segre-

do de sua construção.

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Corazzi argumenta que:

Tais estudos aumentaram nas últimas décadas, a partir das pesquisas de Piero

Sanpaolesi, iniciados por volta de 1940. Com o decorrer do tempo, surgiram diversas teorias sobre a tecnologia utilizada na Cúpula. Do confronto entre e-

las surgiram posições aparentemente distintas, entretanto, construindo mode-

los matemáticos de tais teorias, observa-se que quase todas levam ao mesmo resultado e fornecem idêntica direção para as cordas flexíveis (CORAZZI,

2016, p.79).

Corrazzi informa que estudiosos como P. Sanpaolesi, M. Fondelli, S. Di Pasquale A.

Chirugi, G. Petrini e mais recentemente, o próprio Roberto Corazzi e Giuseppe Conti contribuí-

ram de forma fundamental para avaliar o processo de construção elaborado por Brunelleschi.

Conti (2014), partindo de várias teorias sobre a técnica de Brunelleschi, com referência à dispo-

sição dos tijolos ao seguir a direção da corda flexível, conclui que apenas duas delas aproxi-

mam-se das trajetórias ortogonais, embora se apresentem contrastantes. Depois de traduzir tais

teorias em fórmulas matemáticas, para verificar sua validade, Conti e Corazzi (2012) chegam à

uma conclusão: apesar de serem formuladas com nuances diferentes, os resultados foram i-

guais. Após estudos minuciosos, confirmaram que a cúpula real, coincide, de forma perfeita,

com a teoria obtida pelas duas pesquisas. Outras teorias foram descartadas por não correspon-

derem ao objeto real. Sendo possível transformar um estudo teórico em modelo matemático,

pode-se analisá-lo detalhadamente e fazer previsões de sua construção.

As teorias foram criadas para entender a técnica utilizada por Brunelleschi ao dispor os

tijolos seguindo a forma de corda flexível. Nos dizeres de Conti, apenas duas teorias merece-

ram crédito:

A teoria das curvas de direções ortogonais (principalmente, Ximenes, Chiaru-

gi, Quilghini, Rossi) e a teoria das curvas obtidas pela interseção entre um ci-lindro elíptico e um cone variável (Di Pasquali e outros). É importante salien-

tar que existia uma forte discussão entre os defensores dessas duas teorias, ca-

da um supondo que a sua fosse a correta. Traduzi em fórmulas matemáticas

tais hipóteses e cheguei a uma conclusão muito interessante: apesar de terem sido formuladas de formas diferentes, apresentam o mesmo resultado e indi-

cam uma tendência às cordas flexíveis, como foi descrito anteriormente.

(CONTI, 2014, p.6).

Medições precisas, feitas pelos professores Conti e Corazzi, confirmam que a Cúpula

real coincide, perfeitamente, com tais estudos e permite concluir que outras teorias surgidas

anteriormente não têm correspondência com o objeto real.

Como foram determinadas as cordas flexíveis? Ximenes, Chiarugi, Quilchini e Rossi,

defendiam que os pontos da corda flexível seguem a direção de retas ortogonais aos planos

meridianos das faces. Tais retas são pertencentes a planos tangentes às velas, ou seja, um ponto

Po qualquer, da corda flexível, é determinado pela a interseção de um plano meridiano da

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vela com uma reta pertencente à um plano tangente à face no ponto considerado. A teoria de-

fendida por Di Pasquale e outros era que as cordas flexíveis são resultado da interseção de um

cone (figuras 22, 23, 24) – sendo o vértice variável sobre o eixo da cúpula – com os cilindros

elípticos das velas (figura 21). Esta teoria é simples sob o ponto de vista de construção, uma

vez que tal curva pode ser determinada localmente: basta construir a curva que, em um ponto

Po, é perpendicular ao plano meridiano da vela que contém o eixo da cúpula. Para especificá-la,

basta um esquadro. Por outro lado, a outra teoria traz uma melhor explicação do ponto de vista

global (CONTI, 2014).

Figura 21 -Determinação da vela; porção de um cilindro elíptico

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.240).

Figura 22 – Determinação das cordas flexíveis

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.164)

Po

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Figura 23 – Detalhe das duas teorias na determinação das cordas flexíveis

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 173)

Segundo os autores, fica em aberto a questão: se Brunelleschi teria escolhido uma ou outra

teoria sobre o traçado das curvas. “Provavelmente tenha utilizado a primeira porque é mais

imediata, mais “geométrica”, mais facilmente imaginável e materializavel com modelos”. Na

opinião de Tampone, “a Cúpula é, sobretudo, um texto de Geometria rigorosíssima, bastante

coerente, principalmente no plano da forma”. (TAMPONE, 2011, p.8).

Figura 24 – Visualização das superficies Cônicas

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.38). Fonte: Conti e Corazzi (2011, p. 215)

A partir de determinada altura, em intervalos regulares, e incorporados à estrutura das

paredes, foram colocados círculos de pedra e madeira nos prováveis pontos de ruptura. Com

tais reforços, todas as tensões seriam absorvidas pela própria armação (figura 25).

Po

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Figura 25 – Reforço circular disposto a partir de uma determinada altura

para garantir a estabilidade da cúpula

Fonte: Conti (2014, p. 5)

Quanto à disposição dos tijolos na forma de espinha de peixe (figura 26), pensa-se que

tinham a função de apoiar aqueles recém assentados, mas também funcionavam como juntas de

dilatação, atuando como se fossem os suportes da estrutura, pois, caso contrário, a estrutura

seria muito maciça, principalmente nas bordas das velas. À medida que a construção se eleva,

os tijolos tornam-se mais inclinados para o interior da cúpula. Quando esta inclinação é muito

grande tendem a deslizar, enquanto a argamassa ainda não estiver solidificada. Para resolver

esta situação, em intervalos regulares, foram colocados elementos perpendiculares conforme

podem ser vistos na figuras 26.

Figura 26 – Posição da cúpula (circular) e a técnica “espinha de peixe” em forma de hélice

Fonte: Conti e Corazzi (2011, p.36)

O assentamento desses tijolos perpendiculares, segue a disposição de uma hélice (figura 27).

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Figura 27 - Disposição das hélices cilíndricas sobre as velas

Fonte: Conti e Corazzi, (2005, p. 37)

O emprego da forma espinha de peixe (figura 28) assumiu uma grande importância na

fase construtiva, já que permitiu a construção da cúpula sem o emprego de andaimes.

Figura 28 – Detalhe da construção em “espinha de peixe”

Fonte: Conti (2014, p.6).

Quanto à estática da Cúpula, avalia-se que

As arestas das velas têm um papel primordial para a estática geral da cúpula,

porque graças à sua seção constante, ao longo do desenvolvimento vertical da construção, elas contêm a resultante dos esforços dentro do núcleo central de

inércia; elas são orientadas para o centro teórico do octógono e também são

elementos de referência confiáveis para orientar o traçado da curvatura interna e externa das velas e de suas bordas (CONTI e CORAZZI, 2011, p.108).

Rocha (2011) reforça a importância das arestas serem arcos de circunferência, que é

uma curva incompressível, isto é, não pode ser comprimida. No ponto em que tais arcos se en-

contram, processa-se uma compressão, causando equilíbrio à obra. Ao estabelecer um paralelo

entre a Catedral de Florença e a de Brasília (figura 29), Rocha declara que:

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[...] a catedral de Florença, um dos primeiros tetos notáveis que se formaram,

é baseada na incompressibilidade do círculo. Os arcos são feitos de pedra e

então surge o corpo da catedral. Isso é um círculo, que esses arcos feitos de pedra cortada fazem com que trabalhe a compressão. Esses arcos comprimem.

Esse círculo trabalha a tração. A catedral de Brasília, essa invertida, esse cír-

culo trabalha a compressão e esse que está enterrado trabalha a tração. O prin-cípio é o mesmo. (ROCHA, 2011, p. 192).

Figura 29 – Paralelo entre a Cúpula da Catedral de Florença e a Catedral de Brasília

Fonte: Rocha (2011, p. 193).

O autor defende que, no ponto mais elevado da cúpula da Catedral de Florença, ocorre uma

compressão de forças e, em sua base, uma tração, enquanto que na Catedral de Brasília, dá-se o

oposto. É a Geometria transformando o “desastre” em sucesso. Para Rocha,

O círculo é uma forma ideal para construções, se submetido a forças homogê-neas, porque é indeformável. Essa indeformabilidade faz com que aquele ele-

mento geométrico tenha um valor muito grande. Portanto, o círculo trabalha

muito bem a tração e isso é usado há muito na construção. (ROCHA, 2011, p.196).

Através da Matemática, percebe-se a beleza da cúpula. As proporções, entre as medidas

das várias partes que a compõem, são reduzíveis à seções áureas, por esse motivo, pode-se di-

zer que se torna mais harmoniosa e agradável de ser apreciada.

Conti afirma que as cordas flexíveis e a disposição dos tijolos em espinha de peixe, são

os dois grandes segredos de Brunelleschi22

. Estudos apontam que Brunelleschi utilizou essa

técnica para evitar que as fileiras de tijolos formassem ângulos na confluência de duas velas, o

que ocasionaria um problema de estática. Os tijolos, dispostos em direção radial, seguindo a

22 Esta informação foi transmitida oralmente por Giuseppe Conti, um dos autores, em um dos encontros com

Orozimbo Almeida, em Florença, em julho de 2018.

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orientação do centro de quinto agudo, são importantes do ponto de vista da Geometria global,

como centros de curvatura das bordas. Ao utilizar a curva catenária, Brunelleschi reconhece

essa forma como a mais correta para que um arco sustente o próprio peso.

Por fim, ao trabalhar com elementos da Geometria, o antigo artesão da Corporação dos

Ourives, consegue construir com solidez, a imponente cúpula que emoldura a Catedral de Santa

Maria del Fiore. É como se ela apontasse em direção aos céus de Florença, parecendo cobrir

com sua sombra todos os povos da Toscana. A Cúpula da Catedral... do finito da condição

humana ao infinito da transcendência sagrada.

Figura 30 – A cúpula vista do interior da catedral

Fonte: Fotografia de Orozimbo Marinho de Almeida - 2012

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4 – PRINCÍPIOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA

CÚPULA

Algumas suposições referenciam os elementos matemáticos e geométricos utilizados por

Brunelleschi para solucionar os impasses da cúpula octogonal. A Sequência de Fibonacci é uma

delas.

4.1 - SEQUÊNCIA DE FIBONACCI

Leonardo Fibonacci (1175-1250) nasceu e faleceu em Pisa. Foi educado na África, via-

jando pela Europa e Ásia Menor. Conhecido também como Leonardo Pisano, desempenhou

papel importante na revitalização da matemática antiga. Conforme Ávila,

Em 1202, publicou a obra Liber Abaci (Livro do Abaco), que teve importância

decisiva na tarefa de tornar conhecida, na Europa, a matemática dos árabes e

hindus. Introduziu, também, o sistema decimal Hindu-Árabe e os algarismos

arábicos. Por muitos, considerado um dos matemáticos mais talentosos da I-dade Média, criou uma sequência de números que definem, entre outras coi-

sas, a curvatura de espirais tais como em conchas de caracóis, o padrão de se-

mentes, em plantas com flores o número de pétalas de uma flor e nas espirais que aparecem do miolo de um girassol. (ÁVILA, 1985, p. 12).

Em sua obra, Fibonacci lançou o seguinte problema sobre a reprodução de coelhos: Um

casal de coelhos torna-se produtivo após dois meses de vida e, a partir de então, geram um

novo casal a cada mês. Começando com um único casal de coelhos recém-nascidos, quantos

casais existirão ao final de um ano?

Supondo fn o número de casais existentes após n meses, tem-se que f0 = f1 = 1.

No n-ésimo mês, tem-se que fn é igual ao número existente um mês antes, fn-1, mais o nú-

mero de nascimentos novos. Tal número é exatamente o número de casais existentes há dois

meses, fn-2, aqueles que têm pelo menos dois meses de vida, portanto em condições de reprodu-

zir. Então cada termo da sequência de Fibonacci é a soma dos dois precedentes. Dentro desse

raciocínio pode-se argumentar que a sequência por ele criada é a seguinte:

1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ...

na qual, cada termo, a partir do terceiro, representa a soma dos dois imediatamente anteriores.

Considerando tais números de forma genérica, seja a sequência:

f1, f2 , f3, f4, ...fn-2, fn-1, fn, fn+1, ... assim definida:

f1 = 1;

f2 = 1

f3 = f1 + f2

f4 = f2 + f3 e, genericamente, fn = fn-2 + fn-1

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Existem muitas aplicações para a sequência de Fibonacci e são interessantes os padrões

numéricos que eles representam. Dada a sequência, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, ... que

padrões podemos extrair da sequência de seus quadrados?

1, 1, 4, 9, 25, 64, 169, 441, ...

Observa-se que:

1 + 1 + 4 = 6, sendo 6 = 2 x 3

1 + 1 + 4 + 9 = 15 sendo, 15 = 3 x 5

1 + 1 + 4 + 9 + 25 = 40 sendo, 40= 5 x 8

1 + 1 + 4 + 9 + 25 + 64 = 104, sendo 104 = 8 x 13

Conclui-se que os números de Fibonacci estão “embutidos” nas somas de seus quadra-

dos. Por que isso acontece? Tomando, por exemplo, a última igualdade: por que a soma dos

quadrados de 1, 1, 2, 3, 5 e 8 é igual a 104 = 8 x 13? Verifica-se geometricamente tal igualdade.

Ao se construir dois quadrados de lado 1, um ao lado do outro, forma-se um retângulo

de dimensões 2 x 1. Sobre esse retângulo, constrói-se um quadrado de lado 2 e, ao lado da figu-

ra formada, faz-se um quadrado de lado 3. Debaixo desse quadrado, constrói-se um quadrado

de lado 5 e, ao lado, um quadrado de lado 8. Qual é a área do maior retângulo formado?

É exatamente como foram construídos, ou seja, 12 + 2

2 + 3

2 + 4

2 + 5

2 + 8

2 = 104, isto é,

a soma dos quadrados internos. A área de um retângulo é o produto da base pela altura e, no

exemplo a altura é 8 e a base é 5 + 8, que é o próximo termo da sequência de Fibonacci, portan-

to, 13. Deste modo, a área será o produto 8 x 13. Continuando o processo, geram-se retângulos

no formato 13 x 21, 21 x 34 e assim por diante.

Dividindo dois termos consecutivos da sequência de Fibonacci, o maior pelo menor, os

quocientes vão se aproximando, cada vez mais, do valor 1,618. Esse número é chamado de

número – o Número Áureo. É o que será mostrado a seguir.

Figura 31 - Retângulos áureos

Fonte: http://pegasus.portal.nom.br

Posteriormente, distingue-se a presença da Razão Áurea – Retângulo Áureo, contribu-

indo para a estética e encantamento da obra.

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4.2 - RAZÃO ÁUREA - RETÂNGULO ÁUREO

De acordo com Ávila (1989, p. 9), “a razão áurea é um número bastante conhecido por

aqueles que se interessam pela matemática. Os gregos antigos já atribuíam à essa razão propri-

edades mágicas e a usavam para a construção de seus edifícios”.

Como o número π, a razão áurea, conhecida como número ϕ, é também um número ir-

racional. Utilizado desde a antiguidade, recebeu vários nomes: Número Áureo, Razão Áurea,

Seção Áurea, Número de Ouro, etc.

A divisão áurea de um segmento, ou divisão em média e extrema razão, diz respeito à

divisão de um dado segmento em partes proporcionais cujo resultado é a razão áurea (figura

32).

Diz-se que um ponto B de um segmento AC divide esse segmento em média e extrema

razão, se

Figura 32 – Segmento áureo

Na relação acima, fazendo AB = a e BC = x, tem-se AC = a + x.

Logo, pode-se escrever:

=

Esta proporção está associada aos lados de um retângulo cujos lados têm medidas (a + x) e a.

Utilizando a notação algébrica desenvolvida a partir do século XVI, escreve-se:

x2 =a

2 + ax ou x

2 – ax – a

2 = 0.

Resolvendo a equação, encontra-se, para x, o valor aproximado de x = a x 1,6180.

A razão está associada aos lados de um retângulo cujas medidas são (a+ b) e a. Tal

retângulo é chamado de retângulo áureo. Dado um retângulo ABCD (figura 33), suprimindo

desse retângulo um quadrado ABFE, de lado a, o retângulo restante CDEF será semelhante ao

retângulo original, isto é, seus lados são proporcionais aos lados do triângulo ABCD, inicial.

Esse tipo de retângulo tem propriedades singulares que justificam o qualificativo de

retângulo áureo. Considerado por arquitetos e artistas como o retângulo que possui as propor-

ções ideais para uma estética aprazível à vista.

A B C

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Tal retângulo é utilizado em construções, as mais antigas. O Partenom, em Atenas, reve-

la em sua fachada um retângulo áureo, embora não haja indícios de que, ao construir o templo

no quinto século a.C., os arquitetos de Péricles tenham conscientemente usado o retângulo áu-

reo.

De volta à proporção estabelecida anteriormente, = , e usando-se uma conhe-

cida propriedade das proporções, pode-se escrever: = = = . Isto signi-

fica que o retângulo de lados (a+b) e a é áureo, então, também é áureo o retângulo de lados a e

b. Ao aplicar o mesmo raciocínio, é possível mostrar que também são áureos os retângulos de

lados b e (a-b), ( a-b ) e (2b-a) e, assim por diante (figura 33).

A figura 33 indica, igualmente, a construção de um retângulo áureo. Para se construí-lo, os

passos são os seguintes:

Traça-se uma semirreta e nela marca-se o ponto A

Constrói-se um quadrado de lado a, e vértices, A, B, C e D.

Encontra-se o ponto médio M do segmento AB

Com centro em M e raio MC. Obtemos o ponto E, no prolongamento de AB.

Desenha-se um retângulo com vértices em A, D e E, o quarto vértice será o ponto F.

O retângulo DAEF é áureo.

Figura 33 – Construção do Retângulo Áureo

Fonte: https://velhobit.com.br

Para provar que é um retângulo áureo, basta mostrar que EF é o segmento áureo de AE.

Sabendo-se que ME=MC, que l é a medida do lado do quadrado e que M é o ponto médio desse

lado, tem-se que MB = , aplicando-se o “teorema de Pitágoras” ao triângulo MBC:

(MC)2 = ( )

2 + l

2,

B

C D

A

M

E

F

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tem-se, então, que MC = .

Assim o segmento ME tem como medida como pode ser conferido na figura 32.

Deste modo, o lado AE, tem como medida= .

Este resultado mostra que o retângulo é áureo.

Conti e Corazzi, apresentam em seu livro La Cupola di Santa Maria del Fiore, um estu-

do da fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore, mostrando os detalhes da proporção áurea

presentes na obra. A figura 34 ilustra o estudo feito.

Figura 34 – Proporções áureas na Catedral de Santa Maria del Fiore

Fonte: Conti e Corazzi (2005, p. 43)

Nota-se a harmonia e a estética da obra, resultado da proporção áurea.

Também a existência da ESPIRAL ÁUREA merece ser lembrada (figura 35).

Figura 35 - Espiral áurea

A partir de um retângulo áureo, como apresentado anteriormente (figura 33), constrói-se

uma espiral áurea (figura 35). Como proceder?

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A partir do primeiro quadrado, ou seja, o quadrado de lado 1, centro em um dos vértices

do quadrado e raio igual ao lado, traça-se um arco. Na sequência, utiliza-se o vértice do qua-

drado de lado 2, repetindo-se o mesmo processo anterior, e assim sucessivamente, formando a

espiral áurea.

Existe uma relação entre o retângulo áureo e a divisão áurea ou divisão de um segmento

em média e extrema razão?

A partir da igualdade já estabelecida

=

pode-se afirmar que a2 = ab + b

2 e dividindo-se a equação por a

2, tem-se

1 = + .

Fazendo = m, tem-se a equação dos segundo grau m2 + m = 1.

Ao completar os quadrados dos termos, encontra-se:

m2 + m + = ou seja (m + )2 = ,

assim, portanto, temos m =

que é, aproximadamente, igual a 0,618 que é a razão áurea = ϕ .

Então, a razão entre os lados de um retângulo áureo é igual à razão áurea. “As proprie-

dades estéticas e artísticas dessa razão são mostradas no retângulo áureo cujos lados estão na

razão 1 para ϕ ou vice versa. Esse retângulo é considerado como o mais agradável aos olhos”

(LAURO, 2005, p.35 apud SANTOS, 2013, p.38).

4.3 - CURVA CATENÁRIA

A curva catenária descreve uma família de curvas planas, que seriam geradas por uma

corda suspensa pelas suas extremidades e sujeitas à ação da gravidade.

Figura 36 – Curva catenária

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Catenaria

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O problema de descrever matematicamente o modelo da curva, formada por um fio

suspenso entre dois pontos e sob a ação exclusiva da gravidade, foi proposto por Galileu Galilei

(1564-1642), que defendeu que a curva seria uma parábola. Aos 17 anos, Huygens mostrou, em

1646, que a conjectura era falsa. Em 1690, Jakob Bernoulli relançou o problema à comunidade

científica. Sua resolução foi publicada independentemente em 1691 por Leibniz, Huygens e o

próprio Bernoulli.

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PALAVRA FINAL

Esperamos que as informações contidas neste Guia possam, de alguma forma, trazer mais

conhecimentos para os leitores, agregando reflexões sobre os problemas que surgem constan-

temente nas construções civis, a partir de um personagem importante, que foi Brunelleschi,

com toda a sua genialidade em uma época que, aparentemente, havia poucos recursos se com-

pararmos com a atualidade.

Para complementar as informações, agregamos três anexos. O primeiro é um mini glos-

sário ilustrado integrando alguns elementos empregados na Arquitetura, o segundo, uma cons-

trução envolvendo concordância de curvas e, o terceiro, uma bibliografia complementar.

As aplicações estéticas de motivos geométricos são universais: em cada época, em cada

cultura, encontram-se formas geométricas que embelezam o ambiente no qual se vive. Deixan-

do de lado, diferenças culturais específicas, tem-se que a aplicação da geometria é comum a

todas as culturas. Seu uso, talvez a origem dela própria, deriva da necessidade humana de dis-

tinguir a ordem do caos; a tendência de reconhecer uma estrutura como imperfeita e melhorá-

la, pertence apenas aos homens.

Como as línguas, a Arquitetura e a Matemática são sistemas altamente estruturados de

símbolos abstratos que, relacionados, comunicam significados precisos. Até mesmo quem não

possui uma educação formal em Arquitetura, é capaz de distinguir uma obra de construção civil

mais elaborada de outra mais simples. Motivos geométricos fascinam o ser humano. Talvez a

razão esteja no que Gombrich (2003) chama de o fato mais importante da esperiência estética:

O prazer, com frequência, está entre a monotonia e a confusão.

A Geometria é considerada um dos mais importantes instrumentos para controlar o

espaço e fornecer regras para traçar e conectar os diversos elementos através dos quais se

constroi a realidade arquitetonica. Deixando à parte os conceitos relativos à Geometria como

disciplina científica, volta-se a atenção, de forma particular, para o estudo das figuras planas,

aos traçados das partições de uma figura, às relações que se estabelecem com a superposição de

várias figuras e, de forma mais ampla, a todo o patrimônio de aplicação geomética

desenvolvida ao longo dos séculos, referência direta com a linguagem arquitetônica. Arquitetos

e engenheiros, nas suas diversas modalidades, usando formas geométricas, satisfazem os olhos

com a geometria e o espírito com a matemática, modificando a vida e a paisagem no planeta

Terra.

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REFERÊNCIAS

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Professor de Matemática, v. 6, p. 44-47, 1985.

BRUCKE, Gene. Dal comune alla signoria. Bologna: Società Editrice Il Mulino, 1977.

CARDINI, Franco. Breve storia di Firenze. Pisa: Pacini, 2015.

CONTI, Giuseppe; CORAZZI, Roberto. La Cupola di Santa Maria del Fiore. Firenze: Silla-

be, 2005.

CONTI, Giuseppe. La Matematica nella Cupola Santa Maria del Fiore a Firenze. Rivista

Ithaca: Viaggio nella Scienza IV, p. 5-11, 2014.

CORAZZI, Roberto; CONTI, Giuseppe. Il segreto dela cupola del Brunelleschi a Firenze.

Firenze: A. Pontecorboli, 2011.

CORAZZI, Roberto. La cupola del duomo di Firenze: originalità, proporzione e armonia.

Firenze: A. Pontecorboli, 2016.

CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos Alberto. Dicionário da arquitetura brasileira. São Pau-

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GOMBRICH, Ernst Hans. La storia dell’arte. Milano: Arnoldo Mondadori, 2003.

GURRIERI, Francesco. La cattedrale di Santa Maria del Fiore a Firenze. Firenze: Franco

Bulletti, 1994. Cassa di Risparmio di Firenze. v.1.

GURRIERI, Francesco. Il segreto della Cupola del Brunelleschi a Firenze. Bollettino Ingegne-

ri, Firenze, n.12, p. 3-9, 2011.

JANSON, Horst W.; JANSON, Anthony F. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins

Fontes,1988.

KING, Ross. La cupola di Brunelleschi: La nascita avventurosa di un prodígio dell‟ar-

chitettura e del genio che lo ideò. 6. ed. Milano: Bur Rizzoli, 2017.

MACHADO, Lucia Monteiro. Conheça Florença: berço do Renascimento. São Paulo: Nova

Alexandria, 2004.

MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhora-

mentos,1998

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RICCI, Massimo. Il genio di Filipo Brunelleschci e la construzione dela cupola di Santa

Maria del Fiore. Città di Castello: Sillabe, 2004.

ROCHA, P. M. da. Cidade para todos. In: LIMA, Renata (org.). Tetos do Brasil: origem, histó-

ria e arte. Lisboa: Babel, 2011.

RUGIU, Antonio Santoni. Nostalgia do mestre artesão. Campinas: Autores Associados, 1998.

SANTOS, Márcia Boiko. A Geometria na arquitetura. Maringá. 2013. 172f. Dissertação

(Mestrado em Educação para Ciência e Matemática) – Centro de Ciência Exatas, Universidade

Estadual de Maringá, 2013.

SOUZA, Edson Eloy. Arquitetura e geometria. Arq.urb – Revista eletrônica de Arquitetura

e Urbanismo, n.1, p. 105-118, 2008.

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ANEXO 1

MINI GLOSSÁRIO ILUSTRADO

ALGUNS ELEMENTOS EMPREGADOS NA ARQUITETURA

Conceitos

Figuras correspondentes

ABÓBADA – sf construção em forma de arco com a qual

são cobertos espaços compreendidos entre muros, pilares

ou colunas. (Michaelis, 1998, p. 14).

ÁBSIDE – sf (lat. apside) - recinto semicircular ou poli-

gonal, de uma basílica romana, geralmente abobadado.

(Corona, 1989, p.49).

ADRO – sm (lat. Atriu) – terreno em frente ou em volta de

uma igreja. Por extensão, o nome também pode designar,

em Arquitetura, aos terrenos margeantes de uma constru-

ção. Nas igrejas mais antigas, é comum a existência de

cemitérios localizados no adro. (Michaelis, 1998, p. 64).

ARCADA – sf (arco + ada) série de arcos contíguos.

(Ávila, 1996, p. 20).

ARCO – sm (lat. arcu) - elemento estrutural curvo com a

concavidade voltada para cima, que, construtivamente,

cobre um vão suportando cargas. (Corona, 1989, p.50)

ARCOBOTANTE – sm (fr arc-boutant) - construção em

forma de meio arco, erguida na parte exterior dos edifí-

cios na arquitetura gótica para apoiar as paredes e repartir

o peso das paredes e colunas. Só assim se conseguiu au-

mentar as alturas das edificações, dando forma (beleza) e

função (estrutura) com a técnica da época. O arcobotante

liga-se ao contraforte, e estes, ligados, auxiliam-se na

sustentação do peso da abóbada. (Michaelis, 1998, p.78)

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ARQUITETURA GÓTICA – estilo de arquitetura que pre-

dominou na Baixa Idade Média (séculos X e XV).

ÁTRIO – sm (lat. atriu) - designa o pátio central das ca-

sas gregas e romanas, pode ser também a área com um

pequeno tanque no centro que captava a água das chuvas.

É aplicado ao vestíbulo de uma Igreja Paleocristã e ao

espaço coberto que antecede uma Igreja. Nos tempos

modernos, designa uma sala espaçosa; saguão de

um hotel ou edifício público, que dá acesso a outra de

maior importância. (Michaelis, 1998, p.85)

CALOTA – sf (lat. calota) - porção central de uma abóbo-

da circular ou cônica, disposta de forma que alteie o teto

ou sirva de fundo para pinturas decorativas. (Michaelis,

1998, p. 399).

CAPELA – sf (lat tardio cappella) - recinto de uma igreja

onde fica o altar partícular (Ávila, 1996, p.30). Cada uma

das partes da igreja onde fica um altar. (Michaelis, 1998,

p. 420).

CAPITEL – sm (provençal capitel) - remate ou coroamen-

to de uma coluna, pilastra, balaústre, etc. (Michaelis,

1998, p. 423).

CLAUSTRO – sm (lat. claustru) - pátio interior descoberto

e rodeado de arcarias, nos conventos ou edifícios que o

foram. (Michaelis, 1998, p. 515).

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COLUNA – sf (lat. coluna) - pilar cilíndrico que sustenta

abóboda, estátua, etc., constante, em geral, de base, fuste e

capitel. (Michaelis, 1998, p. 530).

COLUNATA – sf (italiano colonnata) - série de colunas

dispostas simetricamente. (Michaelis, 1998, p. 539).

CÚPULA – sf (lat. cúpula) - coberta abobadada em forma

de taça com a abertura voltada para baixo, construída

sobre plano circular, oval ou poligonal. (Michaelis, 1998, p. 625).

ESCORA – sf (hol med schore, via fr.ant escore) - supor-

te metálico ou de madeira que sustenta ou serve de arrimo

a um elemento construtivo quando este não suporta a

carga dele exigida. (Michaelis, 1998, p. 854).

FACHADA – sf (ital. facciata), parte da frente de um

edifício. (Michaelis, 1998, p. 931).

LANTERNA – elemento decorativo com dupla função:

permitir a entrada da luz e assegurar boa iluminação

(King, 2017, p. 141).

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NAVE – sf (lat. nave) - parte interna da igreja, desde a

entrada até a capela mor. Denomina-se nave central quan-

do esse espaço é subdividido por pilastras, colunas ou

arcos. (Ávila, 1996, p. 65)

OGIVA – sf (fr. ogive) - perfil formado por dois arcos de

círculo que se cruzam de acordo com certo ângulo. (Ávila,

1996, p. 67).

PILASTRA – sf. (ital. pilastro) - pilar de 4 faces onde,

uma delas está anexada ao bloco construtivo. A pilastra é

um elemento da arquitetura clássica usada para dar a apa-rência de uma coluna de suporte e articular uma extensão

da parede, com apenas uma função ornamental.

(Michaelis, 1998, p. 1617).

PÓRTICO – sm (lat. porticu) - local coberto à entrada de

um edifício, de um templo ou de um palácio. Pode se es-

tender ao longo de uma colunata, com uma estrutura co-

brindo uma passarela elevada por colunas ou fechada por

paredes. A ideia surgiu na Grécia antiga. (Michaelis, 1998,

p. 1634)

ROSÁCEA – sf (lat. rosácea) - vidraça de cores, quase

sempre circular, geralmente rendilhada e magnífica.

(Michaelis, 1998, p. 1860). Elemento arquitetônico orna-

mental usado no seu auge em catedrais durante o perío-

do gótico. Dentro do eixo condutor deste período artístico,

a rosácea transmite, através da luz e da cor, o contato com a espiritualidade e a ascensão ao sagrado.

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TAMBOR – sm (ár. Tanbûr) - elemento da arquitetura

eclesiástica sobre o qual apoia-se a cúpula. Pode ser cir-

cular ou poligonal. (Michaelis, 1998, p. 2014).

TRANSEPTO – sm (trans + septo ) - nave transversal que

separa, numa igreja, o coro das outras naves, formando os

braços de uma cruz, nos templos construídos no estilo das basílicas primitivas. (Michaelis, 1998, p. 2098).

TRAVE – sf (lat. trabe) - viga de grandes dimensões usa-

da na construção de edifícios, (Michaelis, 1998, p. 2108).

TRIBUNA – lugar reservado e elevado, com aberturas em

janelas e varandas para assistir cerimonias religiosas. São

sacadas que se abrem do segundo piso para o interior

da nave de uma igreja e serviam para que personalidades

ilustres assistissem ao culto sem entrar em contato com

a plebe. O lugar elevado de onde falam os oradores, tam-bém é chamado de púlpito. (Ávila, 1996, p.90).

VITRAL – vidraça formada de pedaços de vidro colorido

ou pintados, sendo rejuntados com chumbo. (Corona,

1989, p. 472).

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ANEXO 2

CONCORDÂNCIA ENTRE CURVAS

Concordância é uma ligação entre curvas (retas, arcos) que acontece de forma harmônica, isto é sem ruptura

no traçado.

A concordância se faz segundo duas propriedades:

1. Na concordância de uma reta com um arco, o segmento de extremidade no ponto de concordância e no centro do arco deve ser perpendicular à reta.

2. Ao concordar dois arcos, o centro deles e o ponto de concordância devem ser colineares.

Alguns problemas podem ser resolvidos, embora conhecimentos tecnológicos já os tenha solucionado.

Há uma variedade de questões de concordância, entre elas, as que se seguem:

1) Concordar um arco com uma semirreta.

2) Concordar uma semirreta com um arco que passa por um ponto P.

3) Concordar um arco que passa por um ponto P com uma ardo dado, sendo C o ponto de concordância.

4) Concordar um arco com duas retas paralelas.

5) Concordar dois arcos, de mesmo raio, com duas semirretas paralelas cujas origens estão na mesma per-

pendicular.

6) Concordar dois arcos de raios diferentes com duas semirretas paralelas de sentidos opostos cujas origens

pertencem à uma mesma perpendicular às semirretas.

7) Concordar dois arcos, de mesmo raio, com duas semirretas cujas origens não estão na mesma perpendicu-lar.

8) Concordar dois arcos com raios de medidas diferentes com duas semirretas paralelas de sentidos opostos

cujas origens não pertencem à mesma perpendicular.

APLICAÇÃO DE CONCORDÂNCIA

Construção de arcos

a) Arco pleno ou romano – sua flecha é igual à metade do vão do arco.

b) Arco ogival – a flecha é maior do que a metade do vão.

c) Arco abatido – a flecha é menor do que a metade do vão.

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ANEXO 3

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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ALBERTI, Leon Batista. Matemática Ludica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

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ALVES, Maira Leandra. Muito além do olhar: um enlace da matemática com a arte. 2017. 88f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Pontifícia Universidade do Rio

Grande do Sul. Porto Alegre: 2007.

ANTONAZZI, Helena Maria. Matemática e Arte: uma associação possível. 2005. 137f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul, Porto Alegre: 2005.

ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 1999.

ÁVILA, Geraldo. Retângulo áureo, divisão áurea e sequencia de Fibonacci. RPM – Revista do Profes-

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artes nas universidades. São Paulo: Edusp, 1993.

BARBOSA, Ana Mae T. Bastos; Arte – educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo:

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BARTH, Glauce Maria Pereira. Arte e Matemática: subsídios para uma discussão interdisciplinar por

meio das obras de Escher. 2006. 113f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do

Paraná, Curitiba, 2006.

BERRO, Roberto Tadeu. Relações entre Arte e Matemática: um estudo da obra de Maurits C. Escher.

2008. 106f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade São Francisco, Itatiba, 2008.

BOYER, C. Benjamin. História da Matemática. 3. ed. Tradução de Elza F. Gomide. São Paulo:

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BRUNER, Jerome Saymour. Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Bloch, 1969.

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CARDINI, Franco. Storia Illustrata di Firenze. Firenze: Pacini, 2013.

CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento. São Paulo: Cortez / Instituto Paulo Freire,

1998.

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DUBRETON, J. Lucas. La vita quotidiana a Firenze ai tempi dei Medici. Milano: Risoli, 1985.

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DUBY, Georges. Historia Artistica da Europa. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

DUBY, Georges. Lo specchio del feudalesimo. Roma: Laterza, 1981.

ECO, Umberto. A definição da arte. Rio de Janeiro: Record, 2016.

FILHO, Dirceu Zaleski. Matemática e Arte. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

GABELLI, Mario; CHERUBINI, Giovanni. La Toscana e i suoi comuni. Firenze: La Madragora,1985.

GOMBRICH, Ernst Hans. I senso dell’ordine. Milano: Enaudi, 1984.

GUALTIERI, Piero. Il Comune di Firenze, tra due e trecento. Firenze: Leo S. Olschk, 2009.

HENSSEN, Johannes. A teoria do conhecimento. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lisboa: Ulisseia,1924.

LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Lisboa: Gradiva, 1984

MACHADO, Nilson José. Matemática e realidade. São Paulo: Cortez, 1987

MIZUKAMI, Maria das Graças. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1961.

MORRISSEY, Jake. Gênios e rivais: Bernini, Borromini e a disputa que transformou Roma. São Paulo:

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RESTUCCI, Amerigo. L’arquitetura civile in Toscana. Milano: Silvana, 1995.

VANUCCI, Marcello. I Medici – una famiglia al potere. Roma: Newton e Compton, 1987.

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ANEXO 4

AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE IMAGEM