a caixa econômica federal

Upload: fernanda-huguenin

Post on 06-Apr-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    1/9

    A Caixa Econmica Federal, a poltica dobranqueamento e a poupana dos escravos, por AnaMaria Gonalves

    18 de setembro de 2011 s 16:3317 Comentrios

    Uma imagem indita de Machado

    So tanto mais de admirar e at de maravilhar essas qualidades de medida, de tato, de

    bom gosto, em suma de elegncia, na vida e na arte de Machado de Assis, que elas so

    justamente as mais alheias ao nosso gnio nacional e, muito particularmente, aos

    mestios como ele. [...]. Mulato, foi de fato um grego da melhor poca, pelo seu

    profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra.

    O trecho acima de um artigo do jornalista, professor, crtico e historiador literrio JosVerssimo, em artigo no Jornal do Comrcio, um ms depois da morte de Machado.Causou espanto em muita gente, inclusive em Joaquim Nabuco, que lhe enviou umacarta: Seu artigo no jornal est belssimo, mas essa frase causou-me arrepio: Mulato,

    foi de fato um grego da melhor poca. Eu no teria chamado o Machado mulato

    [itlico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa sntese. Rogo-lhe

    que tire isso quando reduzir os artigos a pginas permanentes. A palavra no

    literria e pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um

    branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em

    nada afetava a sua perfeita caracterizao caucsica. Eu pelo menos s vi nele o

    grego. O nosso pobre amigo, to sensvel, preferiria o esquecimento glria com a

    devassa sobre suas origens. interessante perceber que o que causa espanto a Nabuco Verssimo ter chamado Machado de mulato, e no ter dito que as qualidades demedida, tato, bom gosto e elegncia, na vida e na arte, eram alheias aos mestios comoele, um neto de escravos. Pensamento condizente com um governo brasileiro quediscutia a nossa condenao ao atraso e pobreza de esprito, adquirida via mestiagem.A soluo seria tentar reproduzir, nos trpicos, a pureza de sangue europeia, sonho deconsumo antigo das elites portuguesa, na poca do Brasil colnia, e brasileira, pelo queparece, at os dias atuais.

    A ideia de embranquecimentos dos brasileiros antiga, e muitos eram abolicionistasno por questes humanitrias, mas porque acreditavam ser necessrio estancar o

    http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/#commentshttp://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/#commentshttp://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/#commentshttp://revistaforum.com.br/idelberavelar/wp-content/uploads/2011/09/machado.jpghttp://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/#comments
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    2/9

    quanto antes a introduo de sangue negro entre os nacionais. Em um ensaio publicadoem Lisboa, em 1821, o mdico e filsofo Francisco Soares Filho aponta aheterogeneidade do Brasil como o grande empecilho para o pas se tornar um EstadoModerno: Hum povo composto de diversos povos no he rigorosamente uma Nao;he um mixto de incoherente e fraco. O livro de Andreas Hofbauer, Uma histria do

    branqueamento ou o negro em questo, transcreve vrios trechos do artigo de FranciscoSoares Filho, Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brasil, entre os quaisdestaco o que fala da necessidade e das vantagens de se promover a miscigenaocontrolada:

    Os africanos, sendo muito numerosos no Brasil, os seus mistios o so igualmente;nestes se deve fundar outra nova origem para a casta branca. () Os mistios

    conservaro s metade, ou menos, do cunho Africano; sua cr he menos preta, os

    cabellos menos crespos e lanudos, os beios e nariz menos grossos e chatos, etc. Se

    elles se unem depois casta branca, os segundos mistios tem j menos da cr baa,

    etc. Se inda a terceira gerao se faz com branca, o cunho Africano perde-se

    totalmente, e a cr he a mesma que a dos brancos; s vezes inda mais clara; s noscabellos he que se divisa huma leve disposio para se encresparem. () E deste modo

    teremos outra grande origem de augmento da populao dos brancos, e quasi extino

    dos pretos e mistios desta parte do Mundo; pelo menos sero to poucos que no

    entraro em conta alguma nas consideraes do Legislador.

    Hofbauer tambm cita o artigo de Antnio dOliva de Souza Sequeira, Addio ao

    projeto para o estabelecimento politico do reino-unido de Portugal, Brasil e Algarves,de 1821, no qual, alm de reforar as ideias do benefcio da mestiagem de seuconterrneo, aponta a necessidade de promover a imigrao: Como o Brasil deve ser

    povoado da raa branca, no se concedero benefcios de qualidade alguma aospretos, que queiro vir habitar no paiz. () E como havendo mistura da raa preta com

    a branca, () ter o Brasil, em menos de 100 annos todos os seus habitantes da raa

    branca. () Havendo casamentos de brancos com indgenas, acabar a cr cobre; e se

    quizerem apressar a extino das duas raas, estabeleo-se premios aos brancos, que

    se casarem com pretas, ou indgenas na primeira e segunda gerao: advertindo, que

    se devem riscar os nomes de mulato, crioulo, cabco e indgena; estes nomes

    fazem resentir odios, e ainda tem seus ressaibos de escravido () sejo todos

    Portuguezes!.

    (Um breve parnteses: no sei se sou apenas eu que consigo ver semelhanas entre o

    discurso acima, de 1821, com o de esqueamos isso de brancos, negros, amarelosetc somos todos Brasileiros!, muito comumente encontrados em artigos de AliKamel, Demtrio Magnoli e Yvonne Maggie, por exemplo, apoiados pelorequentamento da teoria da mestiagem, feito por Gilberto Freyre.)

    A ideia de que, em 100 anos, os brasileiros seriam todos brancos, foi atualizada em1911 por Joo Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional. Nessa poca o cientificismo

    j tinha biologizado o conceito de raa, e o racismo brasileiro se dividia entre duascorrentes de pensamento. A segregacionista, que dizia que a mestiagem j nos tinhaposto a perder e que nunca seramos uma nao desenvolvida; e a assimilacionista, queapostava na salvao atravs do processo de branqueamento, com imigrantes europeus.

    Apostando sempre no seu povo, essa ltima tornou-se a posio oficial do governobrasileiro, que tentava vender, no exterior, a ideia de um pas com grande futuro

  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    3/9

    espera dos europeus; ou espera de europeus, para ser mais exata. Participvamos defeiras e congressos internacionais, disputando imigrantes com Argentina, Chile eEstados Unidos, e o discurso de Lacerda, representante brasileiro no I CongressoUniversal de Raas, em Londres, tenta aplacar o medo dos europeus de compartilharemo Brasil com uma raa inferior: () no Brasil j se viram filhos de mtis (mestios)

    apresentarem, na terceira gerao, todos os caracteres fsicos da raa branca [...].Alguns retm uns poucos traos da sua ascendncia negra por influncia dosatavismos() mas a influncia da seleo sexual () tende a neutralizar a do

    atavismo, e remover dos descendentes dos mtis todos os traos da raa negra() Em

    virtude desse processo de reduo tnica, lgico esperar que no curso de mais um

    sculo os mtis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidir com a extino paralela

    da raa negra em nosso meio.

    A elite intelectual brasileira, formada por literatos, polticos, cientistas e empresrios,indignada com as declaraes do diretor do Museu Nacional, foi debater nos jornais erevistas. Alguns clamavam que 100 anos era um absurdo de tempo, que o apagamento

    do negro se daria em muito menos. Outros debochavam do otimismo de Lacerda, comoo escritor Silvio Romero, que acreditava que o processo, que todos concordavam serirreversvel, levaria, pelo menos, uns seis ou oito sculos. Mas todos concordavam queera apenas uma questo de tempo, desde que o Brasil continuasse a promover a entradade brancos europeus, a no fazer nada para integrar os negros que j estavam no pas oupara baixar a taxa de mortalidade entre eles, e a dificultar a entrada de novos africanos.De fato, o governo brasileiro financiou a vinda de imigrantes europeus, no fezabsolutamente nada que ajudasse escravos e libertos e proibiu a entrada de africanos.Um decreto de 28 de junho de 1890 diz que estava proibida a entrada de africanos noBrasil, e reforado por outros em 1920 e 1930, quando os banidos nonecessariamente precisam ser africanos, mas apenas parecer. Em 1945, um decreto leino mais probe, mas diz que:

    Art. 1oTodo estrangeiro poder, entrar no Brasil desde que satisfaa as condiesestabelecidas por essa lei.

    Art. 2oAtender-se-, na admisso de imigrantes, necessidade de preservar edesenvolver, na composio tnica da populao, as caractersticas mais convenientesda sua ascendncia europia, assim como a defesa do trabalhador nacional.

    Imigrao europeia

    http://revistaforum.com.br/idelberavelar/wp-content/uploads/2011/09/imigracaoeuropeia.jpg
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    4/9

    Tal decreto, me parece que foi revogado apenas em 1980. Mas as caractersticas mais

    convenientes da nossa ascendncia europeia ainda so as desejveis e estimuladas pelogoverno, como nos mostra, exatamente 100 anos depois do pronunciamento de JooBatista Lacerda, diretor do Museu Nacional,esse comercial da Caixa EconmicaFederal(ver comercial do ms de setembro.

    O fato mais visvel o branqueamento de Machado de Assis. Sobre esse assunto, que longo e complexo, sugiro aentrevista com o professor Eduardo de Assis Duartee, paraquem quiser se aprofundar um pouco mais, a leitura de seu livro Machado de AssisAfrodescendente: escritos de caramujo. Verssimo, atendendo ao apelo de Nabuco,nunca incluiu o artigo em seus livros; e para acabar com qualquer dvida quanto mulatice, a certido de bito de Joaquim Maria Machado de Assis diz que o grandeescritor, da cor branca, faleceu de arteriosclerose. Questionada pelo ato falho, a

    assessoria de imprensa da Caixa se manifestou, dizendo que o banco sempre se

    notabilizou pela sua atuao pautada nos princpios da responsabilidade social e pelorespeito diversidade. Portanto, a Caixa sempre busca retratar em suas peas

    publicitrias toda a diversidade racial que caracteriza o nosso pas. Mas h tambmoutro fato interessante no universo europeizado do comercial: no Rio de Janeiro de1908, circulam apenas brancos. O comercial, assinado por Caixa 150 anos eGoverno Federal Pas rico pas sem pobreza, apaga completamente as presenasnegra e mestia da capital federal do incio do sculo. Tais atitudes colocam o governocomo propagador e vtima das polticas oficiais de branqueamento da populao e deensino deficiente, voltado para o descaso com e o esquecimento do passadoescravocrata brasileiro. Tivessem os profissionais envolvidos na criao, produo eaprovao de tal comercial estudado um pouco mais a vida dos africanos no Brasil, noteriam cometido erros to banais. E to graves, porque em nome de um governo e deuma instituio que diz ter uma histria construda por todos os brasileiros, mas queparece, nesse caso, retratar apenas aqueles brasileiros que sempre foram mais brasileirosdo que os outros. A nossa desigualdade entre iguais.

    Tivessem esses profissionais dado uma olhada nos levantamentos demogrficos dapoca (embora raa no tenha entrado nas estatsticas entre 1890 e 1940porqueramos todos brasileiros) ou nas crnicas publicadas em jornais e revistas da poca,

    ou o interesse de conhecerem um pouco melhor o assunto em questo, saberiam que apopulao negra e mestia do Rio de Janeiro deveria ser, no mnimo, 30 e 40% do total,mas aparentava ser muito mais. A ento capital federal, onde j era numerosa a presenade escravos e libertos, recebeu grandes contingentes de negros e mulatos aps a

    assinatura da Lei urea, chegados das reas rurais e de diversas partes do Brasil. Eleseram, ento, a maioria a circular pelas ruas, em busca de emprego, que no havia, oufazendo bicos, tentando se adaptar nova realidade. Uma sociedade movedia e

    dolorosa, como nos contam as crnicas de Joo do Rio, entre tantas outras to fceisquantos de achar, caso houvesse interesse.

    E por falar em movedia e dolorosa, interessante tambm perceber como o governo

    retrata os escravosem outro comercial(ver ms de maio) referente comemorao dos150 anos da Caixa, o Libertos.

    O comercial nos faz acreditar que a poupana dos escravos havia sido uma iniciativa

    progressista da Caixa quando, na verdade, foi um retrocesso nas leis informais queregulavam as iniciativas de compra de liberdade, e uma forma de o governo brasileiro,

    http://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.pco.org.br/conoticias/especiais/entrevista/9_9_entrevista_assis.htmlhttp://www.pco.org.br/conoticias/especiais/entrevista/9_9_entrevista_assis.htmlhttp://www.pco.org.br/conoticias/especiais/entrevista/9_9_entrevista_assis.htmlhttp://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=1833536&sid=9781531831216746691109425&k5=2A89EF40&uid=http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=1833536&sid=9781531831216746691109425&k5=2A89EF40&uid=http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=1833536&sid=9781531831216746691109425&k5=2A89EF40&uid=http://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=1833536&sid=9781531831216746691109425&k5=2A89EF40&uid=http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=1833536&sid=9781531831216746691109425&k5=2A89EF40&uid=http://www.pco.org.br/conoticias/especiais/entrevista/9_9_entrevista_assis.htmlhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-brhttp://www.150anoscaixa.com.br/pt-br
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    5/9

    j no final da escravido, lucrar um pouco mais com a explorao do trabalho escravo.H um estudo interessante sobre essa poupana, A poupana: alternativas para acompra da alforria no Brasil (2a metade do Sculo XIX), da historiadora e professoraKeila Grinberg, que vou tentar resumir aqui, em meio a outras informaes. importante entendero cenrio em que a poupana dos escravos foi lanada.

    Aps a Revoluo Industrial, a Inglaterra buscava novos mercados consumidores paraseus produtos e, vendo a escravido com um dos grandes entraves, promulgouunilateralmente o Slave Trade Suppression Actde 1845, conhecido no Brasil como BillAberdeen. O ato considerava como sendo pirataria o comrcio de escravos entre africa e as Amricas, e a Inglaterra poderia abordar qualquer navio em atividadesuspeita e liberar a carga humana. Muitos desses africanos foram levados para colniasinglesas no Caribe, onde trabalharam sob condies bem parecidas com a escravido.Vrios navios brasileiros foram aprendidos e destrudos, gerando uma srie deincidentes diplomticos que, em conjuno com outros fatores, levaram o Brasil a pararcom o trfico. Na verdade, a presso era para que o Brasil obedecesse a Lei Feij,

    tambm conhecida como lei para ingls ver, promulgada em 7 de novembro de 1831,que dizia:

    A Regncia, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os

    sditos do Imprio, que a Assemblia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte:

    Art. 1. Todos os escravos, que entrarem no territrio ou portos do Brasil, vindos de

    fora, ficam livres.

    Essa lei nunca foi obedecida e precisou ser reforada com a Lei Eusbio de Queirs,aprovada em 4 de setembro de 1850:

    Art. 1: As embarcaes brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras

    encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo

    a seu bordo escravos, cuja importao proibida pela lei de 7 de novembro de 1831,

    ou havendo-os desembarcado, sero apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de

    guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que no tiverem

    escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porm que se

    encontrarem com os sinais de se empregarem no trfego de escravos, sero igualmente

    apreendidas e consideradas em tentativa de importao de escravos.

    Inicialmente, a Lei Eusbio de Queirs tambm teve pouqussimo efeito, fazendoinclusive com que o trfico se intensificasse. Como a vida til de um escravo era curta,e as condies dos cativeiros brasileiros nunca foram ideais para a reproduo, comoacontecia, por exemplo nos EUA, os exploradores de trabalho escravo trataram degarantir um bom estoque de peas, comeando a pensar, inclusive, que a escravido,algum dia, poderia ter fim. Quando a Inglaterra intensificou o controle nos mares,comeou ento o aumento do comrcio interno, com as provncias do Rio de Janeiro eSo Paulo, ancoradas na lucrativa economia cafeeira, importando peas do norte enordeste. Possuir escravos que se tornavam cada vez mais caros, ento, comeou a sercoisa de gente grande, com a diminuio da entrada de peas de reposio e a

    crescente demanda da indstria cafeeira, base da economia brasileira da poca. O Brasil

    passava por grandes transformaes, e outras duas leis importantes tambm foram

    http://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rja
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    6/9

    promulgadas em 1850, a Lei das Terras e a lei do Cdigo Comercial, ambas comprofundas ligaes com a escravatura.

    Comeando a se pensar pela primeira vez em um Brasil sem escravos, a Lei das Terrasdefendia os interesses dos grandes latifundirios, garantindo-lhes o direito de regularizar

    a posse das terras que ocupavam. As terras no ocupadas passaram a ser do Estado e spoderiam ser adquiridas em leiles, com pagamento vista, impossibilitando que ex-escravos (e possveis colonos, porque j se discutia uma poltica de imigraes), quandolibertados, se tornassem proprietrios atravs de ocupaes.

    O Cdigo Comercial regulamentava a criao de sociedades annimas e comerciais,uma necessidade por causa das reorientaes na economia brasileira. No tendo maiscondies de comprar escravos, a gente mdia e mida comeou a ter outrasnecessidades de crdito e a se interessar por outros bens de consumo, aumentando aimportao de bens estrangeiros. Em 1851, por exemplo, surgiu no Rio de Janeiro oBanco do Commercio e da Indstria que, junto com outros bancos, passou a receber

    depsitos e a emprestar dinheiro. Foi esse banco que, em 1853, depois de uma fusocom o Banco Commercial do Rio de Janeiro, deu origem ao Banco do Brasil. SegundoKeila Grinberg, () Com isso, o crescimento das atividades comerciais no pas,devido principalmente prosperidade dos negcios do caf, foi facilitado pelo aumento

    da emisso de moeda, e pela autorizao, por parte do governo imperial, da realizao

    de vrias operaes comerciais pelos bancos. Em 1857 j havia vrios bancosoferecendo esses servios, mas a crise no setor cafeeiro e o grande nmero deinstituies privadas, levou o governo a centralizar a atividade bancria, principalmenteas de poupana e crdito, atravs da Lei dos Entraves, de 1860. Foi atravs dessa lei queo Governo Imperial criou a Caixa Econmica, que entrou em atividade em 1861 como o

    primeiro banco que receberia as pequenas economias das classes menos abastadas,

    nos moldes de vrias instituies privadas de grande sucesso nos EUA e na Europa.

    As Caixas prestariam os servios de depsito em poupana e de emprstimos tendocomo garantia a penhora de bens. Com isso, o governo buscava centralizar no Estado

    as economias dos poupadores, de pequenos a grandes, de modo que o montante

    arrecadado pudesse contribuir para o desenvolvimento da infra-estrutura do pas,

    como aconteceu nos Estados Unidos, onde a poupana alavancou o investimento em

    ferrovias, centros de tratamento de gua e esgoto e canais. A princpio, a arrecadaono foi muito grande, ao contrrio da procura por emprstimos, e s melhorou umpouco a partir de 1864, coma quebra de vrias instituies concorrentes.

    A Lei do Ventre Livre, de 1871, reconheceu, entre outras coisas, o direito do escravoformar peclio. Na verdade isso j acontecia havia muito tempo. Escravos se reuniamem associaes (Juntas ou Irmandades) auto-regulamentadas e contribuiam para umfundo comum que, entre outras coisas, servia para a compra de cartas de alforrias deseus associados. A novidade da lei que, diferente do que acontecia antes, se o escravotivesse dinheiro suficiente a carta de alforria no poderia mais ser negada pelo seu dono.A Caixa Econmica ento passou a aceitar depsitos de escravos, mas a caderneta depoupana teria que ser aberta em nome dos seus donos, porque o decreto de fundao,de 1861,dizia:

    No sero admittidos, como depositantes ou abonadores, os menores, escravos, e maisindivduos que no tiverem a livre administrao de sua posse e bens

    http://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rjahttp://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2723-12-janeiro-1861-556013-publicacao-75580-pe.htmlhttp://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2723-12-janeiro-1861-556013-publicacao-75580-pe.htmlhttp://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2723-12-janeiro-1861-556013-publicacao-75580-pe.htmlhttp://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2723-12-janeiro-1861-556013-publicacao-75580-pe.htmlhttp://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=1&ved=0CBkQFjAA&url=http%3A%2F%2Frevistadeindias.revistas.csic.es%2Findex.php%2Frevistadeindias%2Farticle%2Fdownload%2F856%2F928&rct=j&q=%22A%20poupan%C3%A7a%3A%20alternativa%20para%20a%20compra%20da%20alforria&ei=FKd0TrHgLtC1tge4_-zQDA&usg=AFQjCNHjUIhtEynYSXYROsNF2UBNjNTgcQ&cad=rja
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    7/9

    E para que o escravo tivesse certeza disso, de que no era dono daquele dinheiro edaquela poupana do escravo, Keila Grinberg nos conta que todas as cadernetas de

    escravos eram riscadas onde aparecia a palavra senhor antes do espao destinado

    redao do nome do poupador. Para que no restasse dvidas de que poupar no fazia

    de nenhum escravo, um senhor.

    Isso significa que a poupana dos escravos criada pela Caixa Econmica Federal no

    nenhuma novidade entre as modalidades de se juntar dinheiro para a compra da cartade alforria, e ainda um retrocesso, no sentido de proibir depsitos em nome deescravos. Caixas Econmicas no estatais, surgidas na dcada de 1830 na Bahia, emPernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro, seguindo omodelo das caixas existente em outros pases escravistas das Amricas, no tinham essaproibio. Ento, o que a Caixa Econmica Federal fez, em 1872, ao oficializar apoupana dos escravos, foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o

    escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comumacordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do

    escravo. Antes de oficializar essa proibio, inclusive, a prpria Caixa aceitavadepsitos de escravos, como prova a existncia da caderneta de poupana de nmero12.729: mesmo margem da lei, entre 1867 e 1869, a escrava Luiza depositoureligiosamente 5 mil ris por ms com o aval de D. Antonia Luiza Simonsen, sua

    senhora, escreve Grinberg. A poupana dos escravos de ganho coloca-os novamentesob a tutela de seus senhores.

    Escravos de ganho nas ruas do Rio, por Debret

    Luiz Carlos Soares nos d uma ideia da vida de um escravo de ganho no Rio de Janeiro,em sua tese Urban Slavery in Nineteenth Century Rio de Janeiro: Uma parcela

    considervel desses cativos [que andavam pelas ruas do Rio] era constituda pelos

    escravos de ganho. Estes desenvolviam as mais diversas modalidades de comrcio

    ambulante, carregando as suas mercadorias em cestos e tabuleiros cabea, ou

    transportavam, sozinhos ou em grupos, os mais variados tipos de cargas, ou ainda

    ofereciam os seus servios em quaisquer eventualidades, at mesmo no transporte de

    pessoas em seus ombros pelas ruas da cidades nos dias chuvosos ou carregando em

    suas cabeas barris com os dejetos das residncias que noite eram jogados ao mar.

    Profisses mais especializadas, como sapateiros, barbeiros, joalheiros, ou at mesmomendicncia e prostituio, estavam entre as atividades exercidas pelos escravos deganho. So esses os escravos retratados no comercial Liberdade da Caixa, todossaudveis, higienizados, sorridentes e bem tratados. A realidade, no entanto, era bem

    http://revistaforum.com.br/idelberavelar/wp-content/uploads/2011/09/Debret_6.jpg
  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    8/9

    outra. Alguns realmente conseguiam se dar bem, sendo capazes de juntar boaquantidade de dinheiro; mas eram excees. O que valia a pena, nessa modalidade, era oescravo ter um pouco mais de liberdade em relao aos escravos rurais ou domsticos,sob maior vigilncia. Os escravos de ganho eram mandados para a rua por seussenhores, onde deveriam trabalhar para pagar o jornal, ou seja, uma quantia diria,

    semanal ou mensal estipulada pelo dono. Era o excedente desse jornal, se houvesse, queos escravos poderiam poupar para empregar no que bem quisessem, desde ocomplemento alimentao deficiente, roupas, aluguel de um cmodo para morar longedo senhor, ou a carta de alforria. E era esse excedente que, em nome do dono, poderiaser depositado na poupana dos escravos, na esperana de, um dia, ser suficiente para

    comprar a liberdade; o que se tornava cada vez mais difcil.

    A partir de 1850, com a venda macia de escravos para as zonas cafeeiras, o nmero deescravos diminuiu consideravelmente na cidade do Rio de Janeiro. O recenseamentorealizado em 1872, ano de lanamento da poupana de escravos, conta que eles eram, aotodo, 37.567, dos quais 5.785 eram criados (escravos de aluguel para servios

    domsticos) e jornaleiros (de ganho). Escravos de ganho j no eram bom negcio. Emalguns setores mais lucrativos, como o de transporte, eles estavam perdendo espao paratrabalhadores livres, melhor organizados e de melhor aparncia; em sua maioriaimigrantes pobres portugueses. Esse o cenrio quando a Caixa Econmica Federaldecide aceitar dinheiro de trabalho escravodesde que em nome do donos, semprebom lembrar -. Com a alta sucessiva do preo, e com seus donos usando mtodos legaise ilegais para manter os escravos que possuam, as compras de cartas de alforria setornaram rarssimas depois da Lei de 1871.Que no restem dvidas: a alforriacustava caro. Para se ter uma ideia, entre 1860 e 1865 o preo mdio pago por um

    escravo para ficar livre variou entre 1:350.000 ris e 1:400.000 ris, mas chegou a

    mais de 1:550.000 ris em 1862. Evaristo, depois de trs anos de poupana acumulou

    irrisrios 8.100 ris. Luiza, aquela que depositava com consentimento da sua senhora

    Antonia Luiza Simonsen, chegou a pouco mais de 200.000 ris, lembra Grinberg.

    Provavelmente, foram rarssimos os que conseguiram comprar suas cartas de alforriaatravs das cadernetas dos escravos, como a escrava Joana do comercial. Aplicados nobanco, os recursos destinados compra de sonho serviam para aumentar os lucros daCaixa que, segundo o estatuto de criao, podia utilizar o dinheiro das poupanas parafazer emprstimos, a juros, atravs do Monte de Socorro, com as penhoras. Talvez issotambm pudesse ser chamado de explorao de mo de obra escrava. Da qual, hoje, aCaixa de orgulha, a ponto de apresentar como um dos grandes feitos a ser comemorado

    em seus 150 anos de existncia. Ironicamente, ou nopois realmente quero acreditarque fruto da profunda ignorncia histrica e da falta de sensibilidade -, o confessionalfoi exibido no ms de maio, para ser potencializado e remetido Lei urea. Coisas dapropaganda, que talvez pudesse ser usada para nos responder duas perguntas:

    - O que foi feito do dinheiro dessas cadernetas de poupana quando aconteceu aabolio? O dinheiro era dos escravos, o excedente do que tinham que pagar ao dono,mas no estava no nome deles. Eles conseguiram recuperar essas economias?

    - Em 1872, quando foi criada a caderneta dos escravos, dirigida aos escravos deganho, j fazia 41 anos que o trfico atlntico de escravos estava proibido. Visto que a

    maioria dos escravos de ganho era composta por africanos (Luiz Carlos Soares nosinforma que, na segunda metade do XIX, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos

  • 8/2/2019 A Caixa Econmica Federal

    9/9

    2.869 pedidos de concesso de licena para trabalhar ao ganho, 2.195 eram paraafricanos), a Caixa, antes de aceitar a abertura das cadernetas, checava se tinhamentrado legalmente no Brasil ( bom lembrar que, em 1900, a expectativa de vida dobrasileiro era de 33,4 anos, sendo a dos escravos bem menor que a dos no-escravos),ou era cmplice dos que tinham sequestrado, capturado e mantido ilegalmente africanos

    em crcere privado e trabalhos forados, conforme as leis de 1831 e 1850?

    Seria bom que a Caixa Econmica Federal investigasse a possibilidade de ter cometidoerros e, se for o caso, se retratasse. Pelo branqueamento de Machado e por ter lucrado,talvez ilegalmente, com o dinheiro dos escravos, e fazer disso motivo de orgulho. Seno por toda a populao afrodescendente brasileira, pelos seus mais de 14.000funcionrios homenageados em umbelssimo comercialcomemorando o Dia daConscincia Negra.

    Para que eles no se sintam usados. Para que ns no nos sintamos enganados por merase belas campanhas de marketing. Para que este pas comece a conhecer e respeitar sua

    Histria. Para que as palavras de sua assessoria no sejam propaganda enganosa: Obanco sempre se notabilizou pela sua atuao pautada nos princpios daresponsabilidade social e pelo respeito diversidade. Que assim seja!

    http://www.youtube.com/watch?v=Sh7HKL6oSGMhttp://www.youtube.com/watch?v=Sh7HKL6oSGMhttp://www.youtube.com/watch?v=Sh7HKL6oSGMhttp://www.youtube.com/watch?v=Sh7HKL6oSGM