a caça na África colonial e a questão da preservação da vida

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A caça na África colonial e a questão da preservação da vida selvagem Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC) http://silviocorrea.paginas.ufsc.br [email protected]

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Page 1: A caça na África colonial e a questão da preservação da vida

A caça na África colonial e a questão da preservação da vida selvagem

Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC)

http://silviocorrea.paginas.ufsc.br [email protected]

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A caça na África colonial e a questão da preservação da vida selvagem

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite do Núcleo de Apoio à Pesquisa

Brasil África (NAP) da Universidade de São Paulo para proferir essa palestra sobre

um assunto pouco tratado na história da África colonial. Em segundo lugar, informo

que a presente comunicação terá por base um texto reelaborado a partir de outros

trabalhos apresentados em simpósios e congressos como, por exemplo, o I

Encontro Internacional de Estudos Africanos e o XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro,

realizados respectivamente na Universidade Federal Fluminense em maio e na

Universidade Federal da Bahia em agosto de 2011. Em terceiro lugar, gostaria de

comunicar que partes desta pesquisa já foram publicadas na forma de artigo em

revistas científicas.1 Assim, o que pretendo expor aqui é uma pequena síntese de

minha pesquisa em curso sobre a caça na África colonial.

Introdução

Durante o colonialismo, a caça no continente africano passou a ser controlada por

uma série de decretos e leis imperiais. Porém, a regulamentação variava entre as

colônias porque os impérios não seguiam uma mesma política de preservação da

vida selvagem.

Escusado lembrar que a regulamentação de caça era uma forma de controle

imprescindível ao poder colonial, sobretudo numa vasta região, onde a caça era

praticada por vários grupos de nativos e de adventícios. Nesse sentido, a

regulamentação da caça foi uma ferramenta importante ao domínio colonial, não

apenas para a gestão de certos recursos alimentares, mas também do comércio (de

marfim, de peles, de plumas, etc.) e de todo um mercado simbólico tanto para os

colonizadores quanto para os demais grupos sob domínio colonial. Cabe destacar

que a regulamentação de caça e demais medidas de proteção/preservação da 1 Correa, Sílvio M. de S. Caça e preservação da vida selvagem na África Colonial. Esboços. Revista

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natureza e da vida selvagem no espaço colonial impactaram na estrutura social,

econômica e política de várias comunidades, nas quais a caça tinha múltiplas

funções.

Apesar da regulamentação da caça em várias regiões da África sob domínio colonial

em vigor desde o final do século XIX, houve um decréscimo da fauna bravia em

várias regiões do continente africano devido à caça esportiva e comercial. Houve

também uma caça para fins científicos. Aliás, novas espécies foram descobertas no

final do século XIX e início do XX. A propósito, certos animais eram muito visados

devido ao seu alto valor no mercado já que museus de história natural, jardins

zoológicos e colecionadores privados eram agentes de uma forte demanda

“científica”. Foi também nesse afã em exibir animais selvagens na Europa e nos

EUA que algumas espécies foram mais procuradas que outras.

A descoberta do ocapi Em 1900, foi realizada a International Conference for the Preservation of the Wild

Animals, Birds and Fishes of the African Continent em Londres. Esta conferência

tinha como um dos seus objetivos estabelecer uma orientação comum para as

política imperiais de preservação da vida selvagem em suas colônias na África.

Nesse mesmo ano, um naturalista em Londres recebia a informação de Harry

Johnston, comissário britânico do protetorado de Uganda, sobre um grande

mamífero descoberto no interior da África equatorial.

Durante mais de 10 anos, várias caçadas foram realizadas para capturar esse

animal. Primeiramente, os caçadores europeus se contentaram em obter de

caçadores “pigmeus” partes do animal, como a pele, o crânio, um fêmur, etc. Porém,

o grande desafio era capturar o animal vivo. Somente em 1919, um primeiro

exemplar vivo chegou ao porto da Antuérpia. Vale lembrar que o ocapi foi o último

grande mamífero do continente africano a ser classificado pela zoologia. A história

de sua descoberta se confunde com a história da Partilha da África.

Durante o último quartel do século XIX, alguns viajantes pelo interior da África

tropical obtiveram algumas informações sobre um animal jamais visto pelo homem

branco. Entre eles, o russo de origem alemã, Dr. Wilhelm Junker, teria, inclusive,

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recebido uma pele parcial do corpo desse animal, chamado makapi pelos nativos.2

Em seu livro In Darkest Afrika (1890), Henry M. Stanley fez um comentário sobre um

misterioso animal parecido com um asno e cujo habitat era a densa floresta Ituri no

Congo belga. Stanley observou que os “pigmeus” não mostraram surpresa ao ver os

burros de carga da expedição e relataram caçar um animal semelhante, chamado

atti. O francês Jean-Baptiste Marchand, comandante da Missão Congo-Nilo (1898),

teria sido o primeiro homem branco a fazer uma descrição per visu do ocapi. No

entanto, somente no início do século XX, o ocapi seria classificado, empalhado,

fotografado e mesmo transportado vivo para a Europa.

A descoberta do último grande mamífero das selvas africanas ficou por conta do

naturalista e então comissário britânico de Uganda Sir Harry H. Johnston. Durante

uma expedição à região em busca do atti de Stanley, Johnston soube pelos

“pigmeus” que o nome do animal era o’api e parecia com uma zebra com as pernas

listradas e de pele escura. Obteve dos caçadores M’buti dois utensílios de pele do

animal e que foram enviados ao Dr. P. L. Sclater da Sociedade Zoológica de

Londres. O espólio foi exibido no encontro da mesma sociedade em dezembro de

1900. No ano seguinte, o Dr. Sclater denominou o animal Equus johnstoni.3

No meio científico, a descoberta do ocapi suscitou uma grande polêmica. Alguns

paleontólogos acreditavam ter encontrado o “elo perdido” entre o extinto Heladotério

da Europa oriental e a Girafa das savanas africanas. Na primeira década do século

XX, vários artigos sobre o ocapi foram publicados em revistas, boletins e anais de

sociedades científicas inglesas e francesas. 4 O interesse científico pelo recém

descoberto mamífero era grande e coube a Edwin Ray Lankester a autoria da

primeira monografia sobre o ocapi, em 1910.

2 Junker, Wilhelm. Reisen in Afrika, 1875-1886, 3 Bände, Wien, 1889–1891. 3 Sclater, P. L. „A New Mammalian Genus” Science, New Series, Vol. 14, No. 342 , 114-115 (Jul. 19, 1901). 4 Lankester, Edwin Ray. Exhibition of two skulls and the skin of the new mammal, the okapi. Proceedings of the Zoological Society of London: 279-281 (June 18,1901); On Okapia, a new genus of giraffidae, from Central Africa. Proceedings of the Zoological Society of London : 472-475, 1901; On Okapia, a new genus of giraffidae, from Central Africa. Transactions of the Zoological Society of London, 16 : 279-307, 1902; Sclater, P. L. Exhibition of, and remarks upon, two bandoliers made from the skin of a supposed new species of zebra. Proceedings of the Zoological Society of London : 950 (December 18, 1900); On an apparently new species of zebra from the Semliki forest. Ibid. : 50-52 (February 05, 1901); Exhibition of an original water-colour painting by Sir Harry Johnston, K.C.B., and remarks upon the newly-discovered African mammal, the okapi. Ibid. : 3-6 (May 07, 1901); Menegaux, Auguste. L'okapi. Revue des Idées, 2 [n° 23]: 831-838 (Novembre 15 1905); A propos de l'okapi. Revue des Idées, 2 [n° 24] : 970-972 (Décembre 15, 1905).

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Okapi (1916) Tervuren Museum van Belgish Congo

Até então nenhum cientista havia estudado um exemplar vivo do ocapi. Diretores de

Museus de História Natural e de Jardins Zoológicos procuravam obter o animal, seja

morto para expor em vitrine ou vivo para exibir numa jaula. Porém, a caça do ocapi

não era nada fácil. Além das dificuldades naturais, o habitat do ocapi se encontrava

sob domínio belga. Apesar do interesse científico de naturalistas ingleses, franceses

e alemães, os belgas tentavam manter sob controle o comércio desse animal,

mesmo que fosse para “fins científicos”.

Porém, a demanda obstinada dos institutos britânicos, franceses, alemães, entre

outros, fomentava uma caça clandestina. Desde a descoberta do ocapi em 1900 até

a primeira monografia em 1910, muitos esqueletos, peles e exemplares empalhados

foram enviados para a Europa e EUA para “fins científicos”. Porém, muitos aspectos

da vida desse animal, como, por exemplo, ontogenia e reprodução, distribuição

geográfica, ecologia e comportamento não podiam ser esclarecidos pelos cientistas.

Para isso, aumentava a demanda pela captura de um animal vivo. No meio

científico, naturalistas franceses, ingleses, belgas e alemães trocavam informações

sobre o ocapi com base em seus estudos, principalmente anatômicos.

Page 6: A caça na África colonial e a questão da preservação da vida

Alguns naturalistas se visitavam para analisar os poucos esqueletos, crânios, peles

e exemplares empalhados existentes em museus de história natural ou coleções

particulares. Por outro lado, havia um campo de tensão formado pela concorrência

científica, pelas vaidades pessoais, pelos brios nacionalistas, pelas orientações

imperialistas etc. Além disso, o meio científico dependia, em parte, dos caçadores

locais e dos europeus que se encontravam naquela região. Alguns destes homens

enviavam esqueletos, peles, e exemplares do ocapi e ainda obtinham valiosas

informações sobre a ecologia, a distribuição geográfica, o habitat e o comportamento

do ocapi junto aos caçadores nativos.

Mas se Harry H. Johnston teve o privilégio de “descobrir” o ocapi e, por

isso, receber a medalha de ouro da Sociedade Real de Zoologia, não foi

ele quem logrou a façanha de capturar um ocapi vivo. Somente em

1919, um ocapi vivo chegou ao continente europeu. Mas o animal

morreu meses depois. Dele, restou um registro visual de sua chegada

no porto da Antuérpia.5

Para concluir essa primeira parte da minha apresentação, sugiro

considerar o ocapi como um ícone da Partilha da África, pois sua

descoberta no interior da África coincide com a fase de definição das

fronteiras entre os impérios europeus na África. A descoberta do ocapi

se inscreve num processo de interiorização do poder colonial no qual a

ciência chamou para si a tarefa de classificar a natureza selvagem e

ordenar o suposto caos tropical conforme os padrões científicos da

civilização ocidental.

Na primeira década do século XX, a descoberta e classificação do ocapi

coincidiu ainda com um debate internacional sobre a preservação da

vida selvagem em África cujo marco principal foi a conferência de

Londres de 1900. Mas um episódio funesto ocorreu nas cercanias do

Kilimanjaro em 1910 e demonstrou a grave situação da vida selvagem

durante o colonialismo. A segunda parte desta comunicação é sobre

isso.

5 De eerste levende okapi in Europa komt aan met het schip Anversville, 1919 (filme P&B).

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A matança de 1910

Na África sob dominação colonial, a exploração econômica teve uma série de

impactos ambientais. Entre eles, a drástica redução de várias espécies de animais.

Um dos motivos para isso foi a caça indiscriminada, sobretudo para fins comerciais.

O marfim foi um dos produtos que pesou muito na balança comercial de várias

muitas colônias.

No início do século XX, o marfim foi um dos principais produtos de exportação da

África Oriental Alemã. A política do governo de Rechenberg não poupou esforços

para obter uma balança comercial favorável. 6 Para lograr o aumento das

exportações não houve qualquer escrúpulo em introduzir uma nova regulamentação

de caça em 1908, favorecendo a caça comercial. Em 1908, houve a suspensão da

proibição da caça de elefantes que vigorava nos distritos de Moschi, Mpapua e

Usumbura. Também aboliu-se o peso mínimo das presas que era de 5 kg. Com isso

aumentou o abate indiscriminado. Durante o governo Rechenberg foi liberada ainda

a caça à girafa, zebra, garça real e ao antílope, animais outrora protegidos pela lei

anterior, e foram reduzidos para nove o número de reservas. A flexibilização da

regulamentação de caça e, por conseguinte, de proteção à vida selvagem teve

impactos alarmantes. Entre eles, o aumento da exportação de marfim de 27.889

quilos em 1908 para 51.134 quilos em 1909.7

Algumas medidas do governo Rechenberg foram orientadas por uma vontade

obsessiva em subjugar a vida selvagem. Tal obsessão chegou ao extremo com a

ordem de matar dezenas de milhares de animais selvagens nas proximidades do

Kilimanjaro.8 Apesar da aversão pessoal de Rechenberg à vida selvagem, cabe

ressaltar que muitos colonos, comerciantes, funcionários, soldados e outros agentes

do colonialismo também compartilhavam de certas ideias do governador. Entre elas,

a de que a vida selvagem era um empecilho à civilização nos trópicos.

6 Na Alemanha, os sociais-democratas eram os principais críticos ao colonialismo e enfatizavam os custos e dispêndios do Império alemão, inclusive econômicos, com as colônias ultramarinas. O líder social-democrata August Bebel chegou a afirmar que um copo de leite produzido numa fazenda africana era mais caro para o bolso do trabalhador alemão que uma taça de champagne. Apud TOWNSEND, M. Macht und Ende des deutschen Kolonialreiches. Leipzig, 1931, p.195. 7 WÄCHTER, H. Jürgen. Naturschutz in den deutschen Kolonie in Afrika (1884-1918). Berlin: Lit Verlag, 2008, p.65. 8 WÄCHTER, op.cit. p.73-76.

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A ideia de civilização nos trópicos também moldurava um pensamento científico em

prol do desenvolvimento das colônias em detrimento da vida selvagem. Em 1908, no

mesmo ano que passou a vigorar a nova ordenança de caça na África Oriental

Alemã, o eminente bacteriologista e prêmio Nobel de medicina, Dr. Robert Koch

(1843-1910) propôs o extermínio de algumas espécies da fauna bravia para

erradicar a doença-do-sono em certas regiões já que havia sido comprovado que a

mosca tsé-tsé se alimentava do sangue de certos

animais.9

Não tardou para a imprensa colonial em língua

alemã imprimir em suas páginas a polêmica em

torno da extinção de várias espécies de animais

selvagens para erradicar a doença-do-sono. A polêmica em torno da extinção dos grandes

animais esteve associada à formação de

reservas, inclusive para a caça esportiva. Porém,

alguns achavam que tais reservas preservariam

também as doenças tropicais. Apesar de opiniões

divergentes, a ideia de que a vida selvagem

representava um perigo aos interesses coloniais

mostrou toda a sua força quando, em 1910, o

governador Rechenberg deu ordem para uma

matança sem precedentes. Dr. Koch’s Expedition in Deutsch-Ostafrika

Koloniales Bildarchiv Stadt- Universitätsbibliothek Frankfurt am Main BNr.018-0249-23

Para Rechenberg, a matança de milhares de animais selvagens seria a única

alternativa para evitar a peste bovina, supostamente detectada na vizinha África

Oriental Britânica.10 A criação de um “cinturão de saneamento” nas cercanias do

Kilimanjaro foi uma “medida de extermínio” que durou um mês, sendo alvejadas

dezenas de milhares de animais selvagens de mais de 20 espécies, segundo Carl G.

9 KOCH, Robert. Über meine Schlafkrankheits-Expedition. Vortrag gehalten in der Abteilung Berlin-Charlottenburg der Deutschen Kolonialgesellschaft, Berlin: Dietrich Reimer, 1908. 10 WÄCHTER, op. cit. p.73

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Schillings.11 Essa “faixa sem vida” forjada pelas armas numa das regiões de maior

biodiversidade da África foi alvo de várias críticas.12

A mobilização em prol da vida selvagem tanto na imprensa alemã quanto no círculo

da corte imperial em Berlim foi fundamental para impedir que Rechenberg ordenasse

uma segunda matança de milhares de animais selvagens quando houve suspeita de

peste bovina, na vizinha Uganda, em meados de 1911.13

Em defesa da fauna bravia

Desde o final do século XIX, algumas pessoas pugnaram para avançar a legislação

colonial no que tange à preservação da natureza e aos (ab)usos dos recursos

naturais.14 Paradoxalmente, encontram-se, entre elas, amadores da caça esportiva,

como Carl G. Schillings, Hans Paasche e Hans Schomburg. Estes homens foram os

principais críticos daquela política colonial condizente com a caça comercial. Nesse

sentido, alguns periódicos de associações de caça, como, por exemplo a Deutsche

Jäger-Zeitung e a Zeitschrift des Allgemeinen Deutschen Jagdschutz-Vereins

constituem fonte ímpar sobre os primórdios da preservação ambiental e de proteção

da vida selvagem durante o colonialismo alemão.

A imprensa foi um importante fórum desse debate em prol da preservação, no qual

se discutiu, entre outras coisas, a regulamentação da caça e a criação de reservas

de proteção à vida selvagem nas colônias.15 A drástica redução das manadas de

11 SCHILLINGS, Carl G. “Hagenbeck als Erzieher”. Deutsch-Ostafrikanische Zeitung, Dar es Salaam, 02.12.1911. 12 Sobre tal matança sob as ordens do governador Rechenberg, cf. algumas críticas coevas: BEHN, F. “Naturerhaltung und Wildmord in Deutsch-Ostafrika – ein Kulturskandal”. Naturwissenschaftliche Wochenschrift, Nr. 51, Berlin, 1911. pp.801-807. MATSCHIE, P. “Die Verwüstung deutsch-ostafrikanische Wildbahnen”, Zeitschrift des Allgemeinen Deutschen Jagdzchutz-Verbandes 16 (31), 1911: 360-361; PAASCHE, H. “Deutsch-Afrikanische Naturschutzparke”, Der Tag. 24/08/1911; SARASIN, Paul. Über nationalen und internationalen Vogelschutz, sowie einege anschliessende Frage des Weltnaturschutzes, Basel: Helbing & Lichtenhahn, 1911; SCHILLINGS, Carl G. “Wildmord in Deutsch-Ostafrika”, Zeitschrift des Allgemeinen Deutschen Jagdzchutz-Verbandes 17 (32), 1911: 378-379. 13 WÄCHTER, op cit., p.75-76. 14 Para as colônias inglesas, cf. Mackenzie J.M., The Empire of Nature: Hunting, Conservation and British Imperialism. Manchester: Manchester University Press, 1998; para as colônias alemãs, cf. WÄCHTER, H. Jürgen. Naturschutz in den deutschen Kolonie in Afrika (1884-1918). Berlin: Lit Verlag, 2008 15 Para efeito de amostragem, pode-se mencionar as seguintes matérias: “Die neue Jagdverordnung und der Wildschutz”, Deutsch-Ostafrikanische Zeitung, Dar es Salaam, 20, 23 e 30.12.1911; “Für den Wildreichtum Südwestafrikas”, Windhuker Zeitung, Windhuk, 11.11.1912; “Ein Naturschutzpark in

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elefantes foi um tema abordado pela imprensa metropolitana e colonial tanto em

língua francesa e portuguesa, quanto inglesa e alemã. Esses assuntos transversais

às fronteiras coloniais fomentavam também um debate em escala internacional. De

diferentes nacionalidades, cientistas e amadores da caça esportiva reclamaram a

falta de uma política de proteção à vida selvagem válida para todos impérios e suas

respectivas colônias.16

No que tange à caça, as experiências coloniais tiveram algumas particularidades,

mas o risco da extinção de espécies de animais selvagens em várias colônias e a

redução de várias espécies da fauna bravia fomentaram um debate inter-

metropolitano, inter-colonial e trans-imperial sobre o devir da vida selvagem na

África.17

Como já foi mencionado anteriormente, em 1900, foi realizada a International

Conference for the Preservation of the Wild Animals, Birds and Fishes of the African

Continent em Londres. Apesar do acordo de intenções dos representantes e

delegados dos impérios durante a conferência, não se logrou elaborar uma política

comum de preservação à vida selvagem nos espaços coloniais. Na África austral e

oriental, as colônias da Grã-Bretanha, de Portugal e da Alemanha tinham distintas

regulamentações de caça. Algumas delas eram mais rigorosas que outras. Aliás, a

referida convenção de Londres de 1900 não foi ratificada por Portugal e Alemanha.

unseren Kolonien”, Lüderitzbuchter Zeitung. Lüderitzbucht, 03. 04.1914. 16 Ver por exemplo: SCHILLINGS, Carl G. “Zur Frage des Naturschutzes in den deutschen Kolonien, namentlich in Deutsch-Ostafrika. Naturwissenschaftliche Wochenschrift, Nr. 51, Berlin, 1911, p.807-814. 17 Ao tratar da emergência de uma crítica ambiental moderna, Richard Grove ressaltou a importância dos espaços coloniais franceses, ingleses e holandeses, especialmente ilhas no Oceano Índico e no Caribe, como lugares onde a forma violenta de exploração dos recursos naturais suscitou um pensamento “preservacionista” da natureza tropical. Cf. GROVE, R. Green Imperialism: Colonial Expansion, Tropical Island Edens and the Origins of Environmentalism, 1600–1860. Studies in Environmental History. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, cf. também MACKENZIE, J. (dir.) Imperialism and the Natural World, Manchester: Manchester University Press, 1990.

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Na primeira metade do século XX, as fotografias de caçadas na África colonial foram publicadas em várias revistas e jornais e ilustraram páginas de uma copiosa literatura de caça. Milhares delas fazem parte de vários fundos de acervos em arquivos públicos em vários países da Europa e da África. Trata-se de uma importante fonte iconográfica para o estudo do colonialismo.

A matança em outros espaços coloniais Passadas algumas décadas da polêmica em torno da proposta do médico alemão

Dr. Robert Koch em exterminar os animais de “caça grossa” e da matança nas

cercanias do Kilimanjaro, o médico veterinário português Dr. Nuno José Gago da

Câmara escreveu um artigo sobre a caça em Moçambique, no qual defendeu o

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isolamento de animais selvagens numa grande reserva de caça e o extermínio de

todos os mamíferos selvagens existentes fora dessa reserva.18

Quando publicou seu artigo em prol do extermínio de todos os mamíferos fora da

reserva, o Dr. Nuno José Gago da Câmara já tinha larga experiência em

parasitologia tropical, pois, em 1928, já era assistente do Laboratório do Huambo, do

qual veio depois a ser o primeiro Diretor. Em 1930, foi autor de um pequeno estudo

sobre a raiva em Angola, no qual apresentava, pela primeira vez, um diagnóstico da

virose naquela colônia. Um segundo trabalho foi publicado em 1932, vindo a ser

referência sobre a peste suína em Angola.19 Em 1934, deixou Angola para assumir a

Direção do Laboratório Central de Patologia Veterinária de Moçambique.20

Para o Dr. Câmara, “a erradicação das doenças do gado devida a carraças seria

muito simples e rápida onde não houvesse caça alguma”. Segundo ele, “nas

doenças do gado provocadas por endoparasitas, a caça é incontestável auxiliar da

sua propagação quando se dessedenta e pasta nos mesmos bebedouros e prados

que as espécies pecuárias.”21

Nota-se que o médico-veterinário não era nada simpático à caça, sobretudo porque

o “nefasto papel da caça toma quase sempre graves proporções ao tratar-se das

doenças devidas a vírus.” Para o Dr. Câmara, havia ainda o risco de contágio no

caso de doenças do gado de origem bacteriana, pois “o contato ou a aproximação

da caça nas zonas pecuárias é condição ótima de recíproco contágio.”22

No supracitado artigo do Dr. Câmara, as referências à relação entre doenças do

gado e de animais selvagens na África do Sul, Quênia, Uganda e Tanganica acusam

a circulação de informações no meio científico colonial. Também circulou nos

espaços coloniais de diferentes impérios uma antipatia (provavelmente recíproca)

entre “progressistas” e “preservacionistas”. O Dr. Câmara chegou a considerar

“comodismo anti-progressivo” a posição em prol de reservas de caça. Segundo ele,

mais inteligente seria pensar em criar “reservas de bovinos” no lugar de “reservas de

18 CÂMARA, Nuno J. Gago. A caça em moçambique. Boletim Geral das Colónias. Agência Geral das Colónias. Nº 270 - Vol. XXIII, 1947, p.113. 19 CÂMARA, Nuno J. G. Contribuição para o estudo da Raiva em Angola. Pecuária, 1930, p. 10-23; CÂMARA, Nuno J. G. História da Peste Suína em Angola. Pecuária, 1932, p.25-40. 20 MENDES, Antonio Martins. A história do Laboratório Central de Patologia Veterinária de Angola. RPCV. 97 (541), 2002, p.19. 21 CÂMARA, op cit., p.110. 22 Idem, ibidem.

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caça”. Pareceu-lhe indiscutível o “alcance civilizador e econômico” que envolveria tal

ideia.23

Ainda contra a caça esportiva, o médico veterinário informou que, no orçamento

oficial de Moçambique, as receitas advindas da caça eram praticamente absorvidas

pelas despesas normais de vencimentos e de consumo inerentes às comissões de

caça. Afirmou ainda não haver saldos suficientes para devidamente manter e

convenientemente defender as cinco reservas oficiais de caça.24

Assim, considerou que “a existência da caça acarreta tão graves males e tão

grandes prejuízos que perante eles a sua utilidade fica perfeitamente apagada.”

Asseverou que “a existência da caça só verdadeiramente interessa aos caçadores e

aos naturalistas” e “a sanidade humana e a economia agropecuária de um território

inteiro não devem ser sacrificadas ao interesse de uma tão pequena minoria,

fundamentado em argumentos tão frágeis.25

No entanto, o Dr. Câmara reconheceu que, “por determinados motivos científicos,

por certas conveniências de turismo, ou pelas obrigações de acordos

internacionais”, forçoso era dar uma proteção oficial à caça. Mas “para poder

harmonizar a necessidade de extermínio dos animais bravios com a

condescendência da conservação da caça”, sugeriu “a constituição de uma grande

reserva nacional de caça em condições ótimas de habitat para todas as espécies

selvagens, isolando-a absolutamente do meio exterior, e mantendo-a sob

permanente fiscalização sanitária interna” e “o extermínio de todos os mamíferos

selvagens existentes fora dessa reserva”.26

No radicalismo do Dr. Câmara se percebe um eco daquela proposta polêmica do Dr.

Koch. Mas assim como outros médicos e zoólogos alemães discordaram dos

argumentos do eminente compatriota, também o radicalismo do veterinário

português encontrou resistência entre seus pares. Dois anos antes da publicação do

artigo polêmico do Dr. Câmara, o veterinário José Leitão ponderava a relação entre

a caça e o problema parasitário.27Dez anos depois, Antônio Pegado ainda abordou o

23 Idem, p.110-111. 24 Idem, p.113. 25 Idem, ibidem. 26 Idem, ibidem. 27 LEITÃO, José da Silva. A caça e o problema parasitário. II Congresso da União Nacional In: Boletim geral das colónias. Ano XXI, nº 241 (Julho de 1945), p. 101-111.

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assunto.28 Nas décadas de 1950 e 60, outros artigos trataram de zoonoses com

relação à caça e à pecuária.29 Alguns deles ainda defendiam a matança da “caça

grossa” em prol da civilização.30

Além da diatribe envolvendo veterinários e amadores da caça esportiva sobre o

abate da fauna bravia, houve ainda a ocorrência de uma matança executada pelas

Brigadas de Caça da Missão de Combate às Tripanossomíases (MCT). Por isso, o

assunto ainda era motivo de polêmica no início da década de 1970.

Depois de muitos anos atuando na divisão de veterinária da MCT, Jaime Augusto

Travassos Santos Dias e Armando José Rosinha decidiram abandonar a MCT.31

Durante as VII Jornadas médico-veterinárias, realizadas em Lourenço Marques, de

26 de Setembro a 2 de Outubro de 1971, os dois veterinários apresentaram um

trabalho cujos resultados, com algumas variantes, seriam retomados em outras

publicações.32 Os polêmicos resultados fazem parte de um balanço crítico sobre a

matança da “caça grossa” promovida pela MCT.33 28 PEGADO, Antonio. O problema da caça grossa e a mosca de "Isé-tsé. In: Revista d'aquém e d'além mar. - Ano V, nº 60 (1955), p. 5-7. 29VALADÃO, Francisco Garcia. A luta contra a febre aftosa e o problema da caça em Moçambique. In: Anais dos serviços de veterinária e indústria animal. nº IV (1951), p. 67- 72; DIAS, Jaime Augusto Travassos Santos e GONÇALVES, A. Castelo Branco. Infecciosidade por tripanossomias da caça e da tsé-tsé na região do Muda In: Anais dos Serviços de veterinária de Moçambique. nº IX (1963), p. 41-53; VALADÃO, Francisco Garcia. Alguns aspectos do problema da caça em relação á ocupação pecuária. In: Anais dos Serviços de veterinária de Moçambique. nº X (1966), p. 209-211. 30SILVA, José Marques. Alguns aspectos do controle da Glossina M. West pelo abate da caça na região do Govuro ( sul do Save). I Congresso Nacional de Medicina Tropical – Malária In: Anais do Instituto de medicina Tropical. Vol. X, nº 3 (Set. 1953), p. 925-946; AZEVEDO, J. Fraga de (et al.) Plano de trabalhos para a campanha de erradicação: 2ª fase ou fase de comabte às glossinas: 6ª secção – caça. In: O reaparecimento da glossina palpalis palpalis na ilha do Príncipe. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar , 1961, p. 104 31Jaime Travassos Santos Dias foi professor catedrático da faculdade de veterinária da Universidade Eduardo Mondlane, diretor do Museu de História Natural e sócio fundador da Associação de Proteção da Natureza de Moçambique. Armando José Rosinha assumiu a chefia de diversos setores da Missão de Combate às Tripanossomíases (MCT) por uma década (1953-1963). Exerceu também outras funções durante sua vida profissional, como delegado de sanidade pecuária e chefe dos serviços de protecção à fauna da Direção Nacional de Veterinária de Lourenço Marques. 32 DIAS, Jaime Augusto Travassos Santos; ROSINHA, José Armando. Terão justificação os abates indiscriminados da caça como medida de luta contra a mosaca Tsé-Tsé? Uma análise do caso de Moçambique In: Revista de Ciências Veterinárias. Série A. Vol. IV, (Dezembro 1971), p. 87-99; DIAS, Jaime Augusto Travassos Santos; ROSINHA, José Armando. Terão justificação os abates indiscriminados da caça como medida de luta contra a mosca tsé-tsé? (uma análise do caso de Moçambique) In: Anais dos Serviços de Veterinária de Moçambique. Nº 17-19 (1969-71), p.23-54; DIAS, Jaime Augusto Travassos Santos; ROSINHA, José Armando. Terão justificação os abates indiscriminados da caça como medida de luta contra a mosca tsé-tsé? In: Revista agrícola. vol. XIV, Nº 142 (Jan. 1972), p. 22-26. 33 As Missões de Combate às Tripanossomíases de Angola e Moçambique faziam parte integrante dos Serviços de Saúde e Assistência daquelas províncias com sede, respectivamente, em Luanda e em Lourenço Marques. As Missões de Combate às Tripanossomíases das províncias de Angola e

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Segundo dados coligidos pelos dois veterinários da MCT, foram abatidos em torno

de 230.000 mamíferos (elefantes, rinocerontes, hipopótamos, búfalos, zebras,

gazelas e antílopes...) entre 1947 e 1969.34 Para os médicos veterinários, numa

avaliação do que se fez em Moçambique na “luta anti-glossínica” pesa mais os

“prejuízos sofridos do que os louros alcançados”.35

A crítica dos médicos veterinários, Dias e Rosinha, à “luta anti-glossínica” levada a

cabo em Moçambique questionava mais os meios do que o próprio fim daquelas

medidas radicais de saneamento. Era uma crítica moderada, dentro dos quadros de

um pensamento colonial. Por isso, o problema para eles não era tanto “o

despovoamento animal de extensas áreas, com todas as consequências funestas

derivadas de uma biocenose alterada em suas estruturas fundamentais”, mas a falta

de compensação. A pecuária ou a agricultura, por exemplo, poderiam justificar a

evicção da fauna bravia. Porém, essa deveria ser feita com base em outros

pressupostos científicos que expõem os dois médicos veterinários em sua crítica.36

Para Dias e Rosinha, o problema não era o abate em si, mas as formas como ele

estava sendo realizado, “desafiando as mais rudimentares regras do verdadeiro

espírito científico, sem que de tal facto tivessem resultado consideráveis alterações

nas comunidades glossínicas cuja destruição se visava”. 37 Assim, os médicos

veterinários concluíam o artigo, afirmando que o abate da forma como estava sendo

conduzido em Moçambique não podia continuar. Ressaltaram ainda os autores que

“a fauna bravia da África representa um valor muitas vezes insubstituível (por razões

de ordem científica, estética, cultural, ecológica e econômica) e, como tal, digna de

ser preservada dos entusiasmos, das fúrias e da ignorância de muitos.“38

Moçambique tinham como finalidades: a) O combate e profilaxia da tripanossomíase humana; b) O combate e profilaxia das tripanossomíases animais; c) A investigação científica relativa aos agentes das tripanossomíases e seus insectos vectores; d) O combate à mosca tsé-tsé para impedir a sua expansão e obter a recuperação das áreas por ela infestadas. 34 Para o relatório da MCT em Angola, ver: Missão de Combate às Tripanossomíases : relatório anual de 1966 / Serviço de Saúde e Assistência, MCT. Luanda : SSA, 1967. 35 DIAS, Jaime Augusto Travassos Santos; ROSINHA, José Armando. Terão justificação os abates indiscriminados da caça como medida de luta contra a mosca tsé-tsé? (uma análise do caso de Moçambique) In: Anais dos Serviços de Veterinária de Moçambique. Nº 17-19 (1969-71), p.23. 36 Idem. 37 Idem, p.25. 38 Idem, p.52.

Page 16: A caça na África colonial e a questão da preservação da vida

Considerações finais

A presente comunicação tratou de três momentos da relação entre caça e

preservação da vida selvagem na África colonial: a descoberta do ocapi nas

florestas do Congo belga no início do século XX, a matança de milhares de animais

selvagens na África Oriental Alemã em 1910 e a evicção da fauna bravia realizada

pelas Brigadas de Caça em Moçambique durante mais de três décadas. Se muitas

caçadas no interior da África colonial tiverem finalidades científicas, como a caça ao

ocapi, outras tantas foram realizadas sob uma orientação “científica” de medidas

radicais de saneamento como foram a matança de 1910 e as demais que ocorreram

de forma sistemática em várias províncias de Moçambique e alhures.

O primeiro momento, da descoberta do ocapi, se inscreve num processo de acirrada

concorrência entre os impérios em estender seu domínio no continente africano. A

captura do ocapi (morto ou vivo) demonstra, igualmente, como já havia uma rede

estabelecida entre caçadores nativos e adventícios para atender um mercado de

circulação de animais para jardins zoológicos, museus de história natural,

departamentos de zoologia, etc. No mesmo ano que se anunciou na imprensa

londrina a descoberta de um novo mamífero, ocorreu na capital do império britânico

a conferência para a proteção da vida selvagem na África. Esses dois

acontecimentos ilustram o duplo desafio que se colocou a própria ciência, ou seja,

classificar todos os animais diante do risco imanente da extinção de várias espécies

e buscar alternativas para sua preservação. É nesse sentido que se pode entender

os esforços para a adaptação de várias espécies de animais selvagens em jardins

zoológicos e mesmo a sua reprodução em cativeiro.

Ao mesmo tempo que se buscava preservar a vida selvagem em jardins zoológicos

ou em reservas naturais, algumas vozes se levantavam a favor da evicção da fauna

bravia. O segundo momento, da matança de 1910, foi de explícito radicalismo de

medidas de saneamento do espaço colonial. Nesse sentido, a matança foi uma

medida em prol da pecuária e em detrimento da vida selvagem. A matança nas

cercanias do Kilimanjaro foi o ápice da política colonial que visava, segundo as

palavras do governador Rechenberg, fazer uma colônia e não um jardim zoológico.

Page 17: A caça na África colonial e a questão da preservação da vida

Após a matança de 1910, o governo imperial foi pressionado a introduzir uma nova

ordenança de caça, que passou a vigorar em novembro de 1911.

A maioria das campanhas de evicção da fauna bravia na África colonial ocorreu

entre as décadas de 1950 e 1960. Na Rodésia, por exemplo, foram realizadas

campanhas entre junho de 1958 e outubro de 1960. Em Uganda, desde o final da

década de 1950 até 1963 foram realizadas matanças, sendo que algumas espécies

como os búfalos foram dizimadas por completo. Em Botsuana, na região do delta do

rio Okavango, a campanha durou 23 anos. As espécies animais mais visadas foram,

entre outros, cudos, búfalos, facoceros, impalas e cabritos vermelhos. Na Zâmbia,

uma campanha foi realizada durante dois anos numa área de 520 km2. 39

Em Moçambique, o programa para a evicção da fauna bravia foi o de maior

amplitude e duração na África Oriental. As Brigadas de Caça da Missão de Combate

à Tripanossomíase (MCT) realizaram campanhas desde 1947 até o final do período

colonial, ou seja, por quase 30 anos.

Em relação à preservação da vida selvagem na África colonial, o comércio (de

marfim, de peles, plumas, couro etc.) ameaçou a reprodução natural de muitas

espécies. Sob orientação científica, sobretudo da veterinária e da medicina tropicais,

muitas outras espécies foram ainda condenadas ao extermínio ou à enclausura em

reservas. Por outro lado, desde 1900, houve uma série de esforços em prol da

preservação da vida selvagem. Por isso, a história da caça na África colonial não

deve ser vista apenas como uma história de destruição, mas também de

preservação.

39 Idem, p.26.