a autoria em michel gondry

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    Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais

    Faculdade de Comunicao e Artes

    Centro de Pesquisa em Comunicao

    Habilitao: Publicidade e PropagandaOrientadora: Carolina Marinho

    Autoria em Michel Gondry

    Belo Horizonte/2012

    2

    Andr Mrcio de Oliveira Lage

    Joo Gilberto Versiani Anjos

    Lucas Franco Ferreira

    Izabella Andrade Vasconcelos

    Victor Rodrigues C. A. Souza

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    SUMRIO

    1 INTRODUO.. 5

    2 MICHEL GONDRY, O FRANCS INVENTIVO 6

    2.1 Era uma vez............................................................................................. 6

    2.1.1 Contexto profissional.......................................................................... 6

    2.1.2 Quem ?................................................................................................ 8

    2.1.3 Gondry vai Hollywood.................................................................... 12

    2.2 Videoclipes imaginativos..................................................................... 13

    2.2.1 Autoria compartilhada: Bjrk e Michel Gondry .............................. 17

    2.3 Comerciais e filmes.............................................................................. 21

    3 DESVENDANDO A AUTORIA.................................................................. 27

    3.1 Cinema contemporneo....................................................................... 27

    3.2 O cinema de autor................................................................................. 34

    3.2.1 A Nouvelle Vague francesa............................................................... 34

    3.2.1.1 A poltica dos autores..................................................................... 38

    3.2.1.2 O fim da Nova Onda........................................................................ 38

    3.3 Autoria.................................................................................................... 39

    4 HIBRIDISMO - UMA ANLISE DA OBRA DE GONDRY.... 54

    4.1 Desbravando os videoclipes.. 56

    4.2 Publicidade (muito) criativa. 61

    4.3 Gondry cai nas graas de Hollywood.. 66

    5 CONCLUSO.. 76

    6 REFERNCIAS......................................................................................... 77

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    NOTA AO LEITOR

    Esta pesquisa faz uso da tecnologia QR Codecomo forma de complementar

    o texto. Trata-se de um cdigo de barras que, com o auxlio de umsmartphone com cmera, pode ser escaneado e lido por um qualquer

    aplicativo. Automaticamente, este cdigo te levar a um vdeo ou imagem

    que o ajudar a compreender melhor as informaes contidas no texto. O

    uso dessa tecnologia no essencial, e muito menos obrigatria, para

    entendimento do projeto, mas tornar sua leitura mais rica e interativa, uma

    vez que pequenos trechos da obra de Gondry (vdeos e imagens) sero

    disponibilizados atravs da mesma.Para utilizao do QR Code, voc deve ter instalado em seu celular um

    aplicativo leitor de QR Codes. Em seguida, basta abrir o aplicativo e situar,

    utilizando a cmera, o cdigo dentro da rea demarcada na tela do seu

    smartphone. Boa experincia!

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    1 INTRODUO

    O nome Michel Gondry pode no ser to familiar, mas bastante

    provvel que voc j tenha visto alguma de suas obras. So vrias, e tempara todo tipo de gosto: filmes, videoclipes ou comerciais. Gondry um

    diretor (no s de cinema) francs e um dos mais reconhecidos da nova

    gerao de realizadores. Comeou dirigindo videoclipes para sua pequena

    banda francesa, ganhou notoriedade e conseguiu chegar Hollywood,

    dirigindo diversos longas-metragens - o mais famoso seu segundo filme,

    Brilho eterno de uma mente sem lembranas(2004), com Jim Carrey e Kate

    Winslet, muito aclamado pelo pblico e pela crtica especializada.

    Assim, Michel Gondry se configura como um dos principais expoentes

    da produo audiovisual contempornea. Logo no incio de sua carreira, fez

    parcerias de peso, como com a cantora Bjrk e com o autor Charlie Kaufman

    (Quero ser John Malkovich, Adaptao), por exemplo. Dirigiu vrios

    comerciais para marcas renomadas no cenrio mundial. O comercial para a

    marca de roupas Levis um dos mais premiados de todos os tempos. E,

    alm do filme Brilho eterno, o francs dirigiu vrios outros longas, como

    Sonhando acordado (2006), Rebobine, por favor (2008) e Besouro verde

    (2010). Dessa forma, Gondry possibilita um estudo aprofundado sobre a

    questo da autoria na contemporaneidade.

    Por sermos um grupo no qual todos os integrantes gostam muito de

    cinema, escolhemos Gondry para ser nosso objeto de estudo nessa

    pesquisa. Porm, queramos um tema que tivesse a ver no s com a

    stima arte, mas tambm com comunicao, e Gondry torna isso possvel,

    pelo fato de transitar pelos trs formatos, e, ainda, ter vrios comerciais

    premiados em seu portflio. Nessa perspectiva, a proposta dessa pesquisa

    analisar a linguagem audiovisual empregada pelo diretor nesses diversos

    formatos - filme, clipe e comercial - e identificar as marcas autorais presentes

    nas obras. Ou seja, procuraremos destacar os elementos que unem temtica

    ou tecnicamente as suas obras, em geral, e que nos permite identificar uma

    obra sendo de sua autoria. As marcas autorais de Michel Gondry so

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    perceptveis, a ponto de assistirmos a um filme e perceber que do diretor

    francs.

    Dessa forma, aprofundaremos o estudo sobre autoria no mbito das

    diversas produes audiovisuais do diretor e determinaremos como se d aadaptao da linguagem nos diferentes formatos, com o objetivo de

    identificar e caracterizar o que faz de Michel Gondry um diretor com estilo

    prprio.

    Dividiremos a pesquisa em trs captulos (alm da introduo e da

    concluso). O primeiro captulo ter como objetivo introduzir o leitor sobre

    quem Michel Gondry, ou seja, sua biografia detalhada. O segundo captulo

    trar o conceito de autoria, abordando, primeiramente, o cinema

    contemporneo e depois explicando como a autoria chegou como est nos

    dias de hoje, comeando com Hitchcock, ganhando caractersticas

    francesas, chegando nos Estados Unidos e se espalhando pelo mundo. O

    terceiro e ultimo captulo ser o momento em que analisaremos com mais

    detalhes as obras de Gondry seus clipes mais marcantes, seus comerciais

    inventivos e os filmes com linguagem prpria. Desse modo, conseguiremos

    abordar os principais temas e conceitos necessrios para um bom

    entendimento da autoria, do hibridismo e da linguagem empregada pelo

    diretor francs.

    2 MICHEL GONDRY, O FRANCS INVENTIVO

    2.1 Era uma vez

    2.1.1 Contexto profissional

    Michel Gondry surge em um perodo no qual a hierarquia do cinema

    estava sendo questionada. Dcadas antes, a stima arte passava por uma

    crise, os filmes produzidos no condiziam com o perodo histrico e, em

    funo disso, a audincia desapareceu das salas. Na dcada de 1970,

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    surgem os garotos da nova era de ouro de Hollywood, Martin Scorsese,

    Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg, Peter Bogdanovich,

    entre outros. Eles abriram caminho para jovens realizadores e uma nova

    linguagem. Nesse sentido, e tendo em vista que o cinema constitui orepresentante mais significativo na linguagem audiovisual, a renovao deste

    formato impulsionou o questionamento de outros campos audiovisuais:

    O verdadeiro terremoto, a convulso cultural que transformou aindstria do cinema, comeara a uma dcada antes, quando asplacas tectnicas debaixo dos estdios comearam a se mover,rachando as verdades absolutas da Guerra Fria - o medo universalda Unio Sovitica, a paranoia do Terror Vermelho, a ameaa dabomba - e libertando uma nova gerao de cineastas do gelo doconformismo do anos 50. (BISKIND, 2009, p. 13)

    Peter Biskind conta como o cenrio da guerra contribuiu para a

    transformao do cinema contemporneo. O medo pelo qual a populao

    passava serviu tambm para que ela se libertasse, para que acontecesse

    uma srie de movimentos premonitrios - o movimento dos direitos civis, os

    Beatles, a plula anti-concepcional, o Vietn e as drogas - que combinamos

    abalaram seriamente os estdios e fizeram com que o tsunami demogrfico

    que so os baby boomersdesabasse sobre eles. O cinema se encontrava

    demasiadamente atrasado em relao as outras artes da poca, por seremdemorados demais para serem feitos, era tambm os ltimos a reagir aos

    movimentos culturais. E quando a flower power chegou aos portes de

    Hollywood, chegou com tudo. Nada mais era sagrado, tudo podia ser

    mudado. Era na verdade uma revoluo cultural moda americana.

    Na dcada de 1980, o videoclipe tambm passou por

    transformaes significativas sendo que realizadores da videoarte

    comearam a experimentar o formato. Os videoclipes, que antes eram s umsimples registro, uma forma de promover a banda quando esta no podia

    fazer shows, passam a ser usados como forma de expresso atravs das

    imagens. A partir disto, diversos diretores do cinema comeam a criar gosto

    por outros formatos imagticos: No existe mais a separao entre

    cinematogrfico e televisivo, tecnolgico e artesanal. (REZENDE, 2005, p.

    5). Ou seja, quem antes prezava somente por uma arte ligada ao cinema,

    passa a valorizar todos os formatos do audiovisual. Tendo em vista astransformaes no cenrio audiovisual, Gondry um realizador pertencente

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    a esta gerao das mutaes, e isso lhe permite negar toda e qualquer

    forma de hierarquia.

    2.1.2 Quem ?

    Gondry nasceu na cidade de Versailles, na Frana, em oito de maio de

    1963. Foi criado em uma famlia pouco tradicional e sempre aproximou seu

    trabalho da relao familiar e da educao liberal e artstica que teve em

    casa. Nesse sentido, desde pequeno seus pais o encorajavam e apoiavam

    suas iniciativas criativas, sendo que na maioria das vezes tais criaes

    estavam vinculadas ao brinquedo Lego. Constituam uma famlia apaixonada

    pela msica pop, e em especial pelo trabalho do jazzista Duke Ellington .

    Tendo em vista a perspectiva musical na vida de Gondry, vale pontuar que o

    av do diretor, Constant Martin, creditado como sendo o inventor de um

    dos primeiros sintetizadores (o claviolino), e mesmo que seu pai no

    possusse o mesmo dom musical, manteve vivo esse esprito atravs de sua

    loja de instrumentos, assim como a me de Gondry que era pianista. Tempos

    aps a criao da loja, problemas financeiros levaram o estabelecimento a

    falncia, sobretudo devido a generosidade exagerada de seu pai, que doava

    instrumentos para aqueles que no possuam dinheiro para obt-los.

    Contudo, antes da loja fechar, Michel Gondry e seu irmo ganharam uma

    bateria e um baixo, sendo que mais tarde os irmos formariam uma banda

    pop. A partir deste momento os irmos entrariam em uma jornada

    experimental; no apenas no campo da msica mas tambm em uma srie

    de curtas nos quais sempre tentavam quebrar barreiras tecnolgicas:

    (...) foi nessa fase que Gondry passou pela experincia definitivapara o entendimento do que , ou pode ser a inspirao, algo queem seu mtodo definido do seguinte modo: as ideias surgidasquando elementos contrrios, diferentes, excludentes, se fundem.(REZENDE, 2005, p. 19)

    Apesar das ambies iniciais de Michel terem sido seguir os passos

    de seu av como um inventor, foi sua habilidade como desenhista que o

    levou para a escola de arte em Paris. J nos anos 1980, precisamente em

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    1983, enquanto ainda estava na escola, fez com que seu gosto pela msica

    sasse do papel e, juntamente com amigos, fundou a banda pop Oui Oui, na

    qual se tornou baterista. Apesar da dedicao de Gondry, a banda no fez

    muito sucesso, durando at 1992. Contudo, a banda ainda mantm certarelevncia no cenrio cultural francs por ter Gondry dentre seus integrantes:

    Quando surgiram na cena parisiense ofereceram canesdespretensiosas, se comportando como meninos inocentes em meio selva dos subrbios, a chamada cultura perifrica dava o tompara a nova e vigorosa produo musical e comportamental dapoca. (REZENDE, 2005, p. 25)

    Enquanto cursava a faculdade de artes em Paris, Gondry conheceu e

    se tornou amigo daquele que seria um dos grandes parceiros nos seus

    futuros projetos: Pierre Bismuth. Bismuth , tambm, um francs, nascido em

    1963, que fez faculdade de artes junto com Gondry. Se tornou um artista

    contemporneo, tendo suas obras expostas em vrias cidades famosas,

    como Nova York, Paris e Londres. Como roteirista cinematogrfico, ganhou o

    Oscar, em 2005, juntamente com Kaufman, pelo roteiro de Brilho eterno de

    uma mente sem lembranas.Muitas das produes de Bismuth encontram-

    se ligadas a ideias de lembrana e esquecimento, sobretudo, atravs da

    forma com que estes dois conceitos se articulam na mdia e publicidade. Em

    2004, ano em que foi lanado o filme Brilho eterno de uma mente sem

    lembranas, Bismuth apresentou um trabalho que serviu de introduo a seu

    imaginrio. A exposio, intitulada Algum que eu no conheo e que me

    lembra algum que voc no conhece, mostra uma srie de rostos em close

    de pessoas comuns. Segundo a curadoria da exposio, a ideia seria atacar

    a pretensa convico e certezas do observador quanto as suas prprias

    recordaes:

    Para Bismuth, as imagens cinematogrficas so a porta aberta paraa profunda investigao sobre a natureza emocional, cultural eintelectual dos sujeitos nascidos e educados sob condiesextremas: A do cotidiano feito de referncia e iluses de refernciasditadas por uma catica ordem imposta pelo que, a partir da dcadade 60 passou a ser chamado de: imprio da comunicao.(REZENDE, 2005, p. 16)

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    Dessa forma, conclumos que suas ideias de Bismuth tiveram fundamental

    importncia nos processos criativos e nas realizaes de obras de Gondry,

    sobretudo no filme Brilho eterno que ser analisado posteriormente.

    Apesar das parcerias e amizades terem rendido timos resultados nocampo visual enquanto possibilidades de trabalhar roteiros e novas criaes,

    foi a capacidade inovadora do francs que fez com que ele se destacasse no

    ambiente em que se encontrava, usando formas de tecnologia alternativa (o

    analgico, o artesanal) como fonte de criao para suas obras: (...) em meio

    ditadura do digital, Gondry prope o truque circense e a fantasia da low-

    technology em um momento que poderia ser definido como um

    cinematogrfico instante de tudo ou nada em sua carreira (REZENDE,

    2005, p. 9). Suas produes excntricas e inovadoras como os clipes para

    sua banda Oui Oui, acabam por despertar o interesse da cantora islandesa

    Bjrk, e assim teramos a primeira de muitas colaboraes entre os dois: o

    videoclipe Human Behavior, de 1993. Com visual extravagante, trejeitos

    humanos so expressos atravs do reino animal ,deixando o questionamento

    de quem de fato encontra-se no poder das situaes. O vdeo foi ao ar em

    1993, impressionando espectadores do mundo inteiro: Inspirao a

    misteriosa palavra-chave repetida por Gondry e Bjrk em seus

    encontros. (REZENDE, 2005, p. 31). O sucesso de Human Behavior ser

    detalhado em breve, bem como a parceria com Bjrk, contudo foi ela o

    carto de visita para trabalhos com artistas mais alternativos; como: Rolling

    Stones no clipe de 1995, Massive Attack tambm de 1995, Kylie Minogue de

    2002 e Beck em 1997. Sempre procurando criar e inventar novas formas de

    filmar e produzir videoclipes, Michel oferece algo novo e original em cada um

    de seus trabalhos. Para Gondry, os videoclipes, no so apenas um campo

    de produo e realizao, mas sobretudo um campo de possibilidades

    inventivas, no qual opta por explorar emoes, o intelecto humano e formas

    de percepo da realidade.

    Em 1994, Michel se mudou para a Inglaterra e, apesar de ainda

    produzir videoclipes contribuindo com os artistas mais reconhecidos do

    momento (White Stripes, Foo Fighters), Gondry priorizou os comerciais e

    realizou vdeos para grandes marcas, obtendo muito sucesso no comercial

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    da Levis, Drugstore 501 (2002), que mantm o recorde como o VT mais

    premiado de todos os tempos.

    Apesar de dominar a tcnica, Gondry ainda se mostra receoso quanto

    ao universo publicitrio:

    A publicidade perigosa para um diretor: o ponto de vista tem queser expresso em vinte segundos, o que simplista demais. E odinheiro bom demais em comerciais, voc sempre est no luxo.(HIRSCHBERG, 2006)

    Talvez um sentimento trivial para aqueles que esto acostumados

    com narrativas mais longas do que um minuto, o comercial pode apresentar

    desafios de adaptao de linguagem e estilo, contudo o comercial da Levis

    que particularmente possui mais de 1 minuto, demonstra referncias e

    heranas claras do conhecimento e tcnica de Gondry tendo como base os

    videoclipes. Vale ressaltar ainda, que uma anlise mais minuciosa deste e

    outros comerciais sero obtidas posteriormente.

    Em 1997, o diretor se mudou para Los Angeles, capital mundial dos

    filmes, sendo apenas uma questo de tempo para que ele tambm filmasse

    seus prprios longa metragens:

    Gondry afirma ter decidido promover a travessia do clipe para osfilmes em consequncia do seu contato com Bjrk, ao exibir em umcinema de Londres, um pr-estreia seu trabalho para cano Isobel:Ao ver o filme projetado sobre a tela, diante das pessoas queestavam l para assisti-lo, disse a mim mesmo que o acontecimento

    levava a uma outra dimenso. (REZENDE, 2005, p. 31)

    Como j constatamos neste breve histrico da vida do diretor, as obras de

    Michel Gondry no seguem caminhos claros, de linhas retas e narrativa

    simples. Nesse sentido, e tendo como ponto de partida a ideia de explorar

    ainda mais as possibilidades de criao no campo audiovisual como um

    todo, Gondry migrou para o cinema levando consigo no apenas as ideias

    criativas, mas sobretudo a utilizao de tcnicas inventivas e pouco usuais.

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    2.1.3 Gondry vai Hollywood

    EmNatureza Quase Humana (2001), apesar de o roteiro ser escrito

    pelo famoso e consagrado Charlie Kaufman, o diretor traduziu seu estilopeculiar e visual nico para a tela grande, contudo, o filme provou ser um

    pouco estranho demais para o consumo de massa obtendo pouqussimo

    lucro.

    Porm, j aqueles que eram familiares com a obra de Gondry,sobretudo os espectadores que acompanhavam o trabalho do diretor no

    campo dos videoclipes, aceitaram o filme de forma mais aberta. Em 2004,

    mais uma vez Gondry se uniu a Kaufman, desta vez para contar a histria

    turbulenta de um casal em Brilho eterno de uma mente sem lembranas

    (2004), seu segundo longa. O filme conta com elenco estrelado: Jim Carrey,

    Kate Winslet, Kirsten Dunst e Elijah Wood. Este seria seu primeiro sucesso

    relativamente comercial, ganhador do Oscar de melhor roteiro original no anoseguinte (2005), com seus co-roteiristas: Charlie Kaufman e Pierre Bismuth.

    Gondry ainda dirigiu mais trs filmes: Sonhando acordado(2006), Rebobine,

    por favor (2008) e Besouro verde (2010). Para compreender melhor o

    trabalho do diretor na stima arte, levando em considerao a pesquisa e

    estudo das obras, analisaremos posteriormente trs dos seus cinco filmes.

    Nesse sentido, um estudo mais aprofundado, bem como a decupagem das

    obras, auxiliaro na compreenso da marca autoral que Gondry imprime em

    sua carreira como diretor.

    Compreendendo que a originalidade de suas obras encontra-se no

    modo como escolhe e se apropria da realidade atravs da linguagem visual,

    neste estudo, os videoclipes de Michel Gondry funcionam como ponto de

    partida para entender e compreender este universo inventivo do diretor e,

    sobretudo, o embarao entre o que figurativo e abstrato, velho e novo, em

    suas obras.

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    2.2 Videoclipes imaginativos

    Segundo Arlindo Machado (2001), podemos considerar trs grandes

    grupos de realizadores de videoclipes. O primeiro e no caso mais primitivo

    de todos seria aquele que faz o clipe com o intuito meramente comercial;

    ilustrao imagtica de uma cano. J o segundo, compreende uma gama

    de realizadores vindos do cinema, vdeo arte, documentaristas e que em

    parceria com compositores e msicos ousados, prope transformar este

    campo audiovisual em um reino de experimentalismo e reinvenes.

    Contudo, existe ainda um terceiro grupo de realizadores, aqueles que

    encaram o clipe como forma plena e auto-suficiente, uma perspectiva mais

    contempornea que busca a perfeita sntese entre imagem e som. Este

    terceiro grupo seria composto por realizadores que em geral so os prprios

    msicos que alm de produzirem toda composio sonora, tambm

    produzem a composio imagtica. " Um fenmeno digno de meno no

    universo da cultura pop" (MACHADO, 2000, p. 182). Tendo em vista nosso

    objeto de estudo, Michel Gondry transitaria entre o segundo e o terceiro

    grupo. Retornando a histria do realizador, devemos lembrar que Gondry

    comeou sua carreira produzindo clipes para sua prpria Banda, sendo quemesmo aps ter atuado no cinema e na publicidade, continuou produzindo

    videoclipes sempre com a perspectiva experimental e de reinveno. Nesse

    sentido, Gondry nega (juntamente com outros realizadores) o que at ento

    constitua os dogmas ou manuais de "como fazer" ou "bem-fazer

    videoclipe" (modelo visvel no primeiro grupo de realizadores). Nesse

    sentido, ao invs de apresentar numerosos cortes durante a msica

    (concepo, at ento, padro para videoclipes), Gondry opta em muitoscasos por planos sequncia, imagens em funo do ritmo da msica e no

    simplesmente pela narrativa sugerida atravs da letra. Michel faz do

    videoclipe um campo de possibilidades, de reinvenes e reconstrues da

    linguagem. Realiza questionamentos da realidade no apenas atravs de

    ideias, mas como contexto em suas obras. Nesse sentido, imagens de forte

    impacto visual, e muitas vezes enigmticas, demonstram que as formas de

    criao inventivas perpassam o no usual: o estranho e a mistura detcnicas. O campo de possibilidades criativas, demonstra que necessrio

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    desprender do antigo dogma de videoclipes em que existe a transio literal

    da antiga e cansada dupla comercial - letra e imagem. Como analisaremos

    em seguida, Gondry rasga os manuais e muitas vezes deixa os prprios

    msicos em segundo plano.No videoclipe para a banda Chemical Brothers, da msica Let forever

    be, de 1999, possvel observar muitas caractersticas marcantes dos

    recursos criativos utilizados por Gondry. Tendo em vista a narrativa, o clipe

    revela uma mulher que transita incessantemente entre o plano real e o plano

    irreal chegando um determinado momento em que, nem ela, nem o

    espectador, conseguem discernir o mundo real do fantasioso. Em seus

    delrios, essa mulher sofre multiplicaes, bem como outros elementos que a

    cercam, fortificando ainda mais uma atmosfera de interao entre dois

    planos inicialmente opostos.

    Em um de seus videoclipes mais inventivos e delirante, Gondry retrata o

    cotidiano como forma confusa, embaralhada pela vida moderna, e como

    existe uma ausncia de tempo para as percepes ldicas, faz com que o

    prprio irreal invada e se mescle com a realidade para se expressar. Tendo

    em vista questes de ordem tcnica, as imagens foram captadas com

    cmera DVCAM e com pelcula 16 mm. Contudo, existe uma explicao para

    a filmagem ter sido produzida metade em formato de vdeo e metade em

    formato de filme. Em entrevista realizada para o documentrio Work of

    director (2002), Michel Gondry revela que no existia a possibilidade de

    realizar filmagens em cmera 16 mm no estdio porque ela era muito

    grande, e no comportava no espao disponvel. Segundo o diretor, ao

    comparar o resultado das filmagens, era clara a diferena das imagens.

    Contudo, ao invs de fazer disso um problema, Gondry optou por utilizar este

    recurso como opo esttica. Sendo assim, as imagens da mulher

    caminhando na rua ou passeando no shopping foram realizadas em 16 mm,

    sendo que as imagens das multiplicaes de objetos e da prpria

    protagonista, multiplicada danando, foram realizadas em vdeo. Desta

    forma, mesmo sem a inteno clara, neste clipe Gondry refora ainda mais a

    presena de dois universos distintos no videoclipe: o mundo real (filmagem

    em 16 mm) e o mundo irreal (filmagem em vdeo DVCAM). Ao se tratar de

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    uma das mais brilhantes ideias do clipe (a questo da multiplicao da

    protagonista), Gondry revela como de fato foi produzido:

    O efeito foi criado utilizando sete dubls da protagonista, sendo quecada danarina havia uma mscara da atriz principal em uma escala

    padro. No momento em que a cmera se desloca da protagonista, revelado a multiplicao. (GONDRY, 2002, p. 37)

    Devemos ressaltar que Gondry busca fazer o efeito especial acontecer

    quase sempre diante das cmeras, usando o mnimo de efeitos na ps-

    produo. Nessa perspectiva, este videoclipe apresenta aquilo que constitui

    uma grande caracterstica de seus trabalhos: misturar suportes tcnicos e

    solues criativas (como foi o caso da utilizao do jogo de lentes e

    maquetes de mobilirios) para gerar um produto final que questiona o nossoprprio olhar.

    No videoclipe realizado para a cantora Kylie Minogue, no ano de

    2002, para a msica Come into my world, Gondry utiliza uma de suas

    tcnicas mais marcantes em videoclipes: a utilizao de planos sequncias

    para criar um atmosfera de imerso e fascinao. Neste clipe, a cantora

    Kylie Minogue caminha por um quarteiro de uma cidade e, quando volta ao

    ponto de partida uma cpia da Kylie Minogue incorporada cena, sejuntando 'primeira'. Durante este processo de caminhada pelas ruas da

    cidade, ao final do clipe existem 4 cantoras passeando e interagindo pelas

    ruas. Junto a isso, outras pessoas que participam da cena se multiplicam e

    repetem suas aes com poucas ou nenhuma variao. Como j foi dito,

    este efeito foi obtido devido a filmagem em plano sequncia sobreposto em

    loop, com trajetrias demarcadas para todas as pessoas que participavam

    da cena e cmeras sobre trilhos sempre realizando o mesmo movimento na

    mesma velocidade e tratamento de imagem na ps-produo.

    Ao pensar nas concepes criativas do universo de Gondry, podemos

    dizer que suas tcnicas transcendem o campo dos videoclipes, podendo ser

    observadas em comerciais e filmes como Brilho eterno de uma mente sem

    lembranas. Nesse sentido, e pontuando que um estudo mais aprofundado

    do tema ser abordado no captulo 3, a questo de transcender o campo do

    videoclipe para o campo do cinema encontra-se vinculado a utilizao de

    tcnicas primrias e analgicas prprias dos primrdios do cinema. Nesse

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    sentido podemos realizar uma anlise observando tcnicas e efeitos

    especiais do cineasta Mlis. George Mlis nasceu 8 de dezembro de 1861

    e foi um ilusionista francs de sucesso, e um dos precursores do cinema. Em

    suas obras, a sobreposio de camadas, somado a um plano contnuo,revela uma sequncia de iluses que no apenas contam uma histria, mas

    questionam o nosso olhar. Assim como Mlis era um exmio mgico ao

    tratar a linguagem visual atravs de truques e prprias limitaes tcnicas,

    Gondry resgata a magia dos truques com esquemas altamente elaborados,

    mas basicamente artesanais. Apesar de Mlis utilizar tcnicas rudimentares

    devido a ausncia de tecnologia, Gondry opta por negar qualquer forma de

    hierarquia tecnolgica, e demonstra que no existe mais a separao entre

    tecnolgico e artesanal. H apenas o reino das imagens e dos sons em

    acelerao.

    Seguindo a lgica da transposio tcnica de um formato para outro,

    o videoclipe realizado para os Rolling Stones, da msica Like a Rolling

    Stones, de 1995, utiliza uma nova tcnica jamais vista que contm os

    primrdios do chamado efeito Bullet time, consagrado no filme Matrix (ser

    explicada detalhadamente mais a frente). A tcnica utilizada no clipe tambm

    foi aplicada no comercial da bebida Smirnoff, de 1998, ressaltando o conceito

    de que o hibridismo nas linguagens audiovisuais perpassa as tcnicas

    criativas. Um conceito sustentado no apenas atravs das amostragens dos

    trabalhos de Gondry,mas, sobretudo, em consequncia do fluxo entre

    linguagens que se fundamenta na contemporaneidade. Um fluxo marcado

    pela interao entre linguagens, que ao entrar em contato ,acabam se

    interagindo, se modificando e, sobretudo, se unindo. Um estudo mais

    aprofundado acerca da interao entre as linguagens ser analisado e

    demonstrado posteriormente no Captulo 3. Retornando ao conceito de

    utilizao tcnica no videoclipe da banda Rolling Stones, segundo o diretor,

    ele teve a ideia pois seu av havia feito parte do Clube de Teatro Francs e

    estava sempre mostrando pequenos projetos de imagens surreais e como

    efeitos 3D funcionam no crebro. Ainda segundo Gondry, o efeito 3D obtido

    porque os nossos dois olhos possuem diferentes perspectivas, e como o

    crebro tenta junt-las, acaba reconstruindo a perspectiva em uma outra

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    dimenso. Outro efeito do vdeo, e que tambm consistiu em uma das

    caractersticas marcantes nos trabalhos de Gondry, o efeito de captao

    que permite a distoro da imagem. Segundo o diretor, ele estava buscando

    novas formas de explorar o efeito de morphing (ou fuso), muito utilizado emseus trabalhos. Sendo assim, a tcnica consiste em fazer fotos que

    funcionassem como uma srie de frames por segundo e depois un-las como

    sendo uma imagem s. O resultado final faz com que o personagem em

    cena distora. Tendo em vista a narrativa do clipe, ambos efeitos buscam

    simular os sintomas de embriaguez e delrios da protagonista em busca de

    drogas.

    Neste trabalho do diretor fica a impresso de que o mundo real pode

    ser distorcido e irreal, com um simples movimento. Uma constante inter-

    simbiose entre o corpo e o mundo.

    2.2.1 Autoria compartilhada: Bjrk e Michel Gondry

    Compreendemos que Michel Gondry e a cantora Bjrk no

    representam apenas uma parceria de sucesso, mas sim o aprofundamento e

    extenso da linguagem som e imagem. Nesse sentido, optamos por separar

    os trabalhos realizados pela dupla, uma vez que encontram-se engajados no

    que chamaremos de autoria compartilhada. Ou seja, a criao de novas

    perspectivas sustentadas pela experimentao sonora e visual, sem o apego

    frmulas de produo ou a necessidade de sentido lingustico:

    Os campos de produo cultural propem, aos que neles estoenvolvidos, um espao de possveis que tende a orientar sua buscadefinindo o universo de problemas, de referncias, de marcasintelectuais (frequentemente constituda pelos nomes depersonagens-guia), de conceitos em ismo, em resumo, todo umsistema de coordenadas que preciso ter em mente o que noquer dizer na conscincia para entrar no jogo. (BOURDIEU, 2005,p. 53)

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    No incio da dcada de 1990, quando Bjrk e Gondry comearam a

    realizar a parceria, encontra-se consolidado o que Arlindo Machado em sua

    obra A televiso levada a srio denomina como: "A reinveno do

    videoclipe". Um cenrio onde os videoclipes deixam de representar apenas afigura do msico como ferramenta de marketing para fidelizar os fs, mas

    para expressar representaes artsticas e um novo campo de

    experimentao visual. Nesse sentido, nota-se a valorizao generalizada do

    trabalho de diretores (emergentes da videoarte, cinema, documentrio),

    sendo que a MTV norte-americana, passa a indicar o nome dos diretores e

    profissionais que realizaram o videoclipe no incio e no final de cada obra.

    Tendo em vista este cenrio de reinveno do videoclipe, devemos

    pontuar que em muitos destes "novos" clipes, o resultado suscitado no

    apresenta-se apenas como produto do artista musical ou do diretor, mas sim

    de uma colaborao entre ambas as partes geradoras de sentido. Para

    justificar e compreender esta autoria compartilhada, adentremos no universo

    de Bjrk e Michel Gondry, tendo em vista uma descrio do videoclipe

    Human Behaviour.

    Quando trabalhei com a Bjrk ela veio com 60% ou mais das ideias.

    Eu no me importei, seria estpido de recusar as incrveis coisasque estavam vindo na minha cabea. (GONDRY, 2002)

    Logo no incio do clipe, em um ambiente noturno, observa-se um

    carro avanar por uma estrada ao mesmo tempo em que um ourio a

    atravessa. Visto de longe, o carro apresenta-se bem pequeno em

    comparao ao ourio exibido em primeiro plano. Segundo a anlise do

    terico Rodrigo Ribeiro Barreto, doutor em Comunicao Social, tal

    manipulao de propores deixa claro que no se define de pronto quemest submetido a uma real situao de perigo no universo. Acompanhando a

    direo de arte do clipe (composta sobretudo por texturas de papis e

    tecidos), a aparncia da protagonista em Human Behaviour combina e

    contrasta elementos naturais e sintticos. Proposta, esta, que coloca em

    questo a relao central do clipe: a relao homem/animal. Seguindo no

    mbito da composio artstica, podemos observar que a viso geral da casa

    na verdade representada por uma miniatura em brinquedo, reafirmando-seassim o compromisso de Michel Gondry com a esttica artesanal e simples,

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    que reverbera na construo da casa, figurino, cenografia e at nos efeitos

    visuais do clipe. Contudo, afirmaes do prprio diretor revelam que muitas

    foram as razes e causas para esta opo esttica, tendo em vista desde

    opes pessoais de Gondry, at o nmero limitado da equipe de produo:Naquela poca, eu estava realmente com este sentimento de ficarem uma pequena casa na floresta prximo natureza. Nsconstrumos um cenrio de floresta ou uma pequena rea naturalapenas indo at o jardim e coletando grama, musgo, galhos, folhas.Tudo tinha esta qualidade de feito mo porque ns ramosapenas trs pessoas. (GONDRY, 2002)

    Em entrevista concedida para o documentrio Work of director, que conta

    um pouco da sua trajetria profissional, Michel Gondry revela que seu amigo

    possua um pequeno estdio na floresta a aproximadamente cemquilmetros de Paris. Segundo Gondry, chegando ao local ele foi inspirado

    por coisas como uma mosca que ficava se debatendo na luz, a cor do cu, a

    noite, a luz batendo nas rvores durante a tarde e outras coisas prprias

    daquele contexto: "Eu coloquei essas imagens na histria sem precisar

    justific-las. Aquilo j estava incorporado no ambiente, apenas buscamos

    novos sentidos para explorar o que estava dado (GONDRY, 2002). Segundo

    o diretor, outra inspirao marcante para o clipe Human Behaviour foi ocurta-metragem The Hedgehog in the fog (Norstein, 1975). Um filme que

    busca retratar o sentimento de estar na floresta em meio a neblina, e

    segundo Gondry, essa perspectiva maravilhosa para desenvolver e

    climatizar as sutilezas de uma ideia. Realizando um estudo mais

    aprofundado do videoclipe e tendo em vista a linguagem empregada por

    Gondry em suas outras obras, podemos observar que em seu primeiro

    longa-metragem, Natureza Quase Humana(2001), a traduo das cenas nafloresta previstas pelo roteirista Charlie Kaufman, so transpostas no

    videoclipe Human Behaviour. Esta concepo permite compreender que

    Gondry tem uma tendncia a representar a natureza com traos simples,

    claramente artificiais, movimentos pouco fluidos ou mesmo mecanizados.

    Essa articulao imagtica aparentemente paradoxal, prope no apenas

    destacar e demonstrar a ambiguidade temtica presente em suas obras,

    mas, sobretudo, traduz uma atmosfera de estranheza e nonsensebuscadopelo diretor. claro, contudo, que o espectador compreende esta esttica

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    "artificial", mas estando ela incorporada coerentemente por toda a estrutura

    narrativa do videoclipe. Logo, aquela esttica de estranhesa passa a ser

    compreendida como um mundo possvel e ao mesmo tempo que ldico,

    tambm real:

    Bjrk falava em um mundo abstrato que muito inspirador.Seguindo essa linha criativa ns podemos criar algo muito rico ediversificado por que no temos que explicar tudo. (GONDRY, 2002)

    Alm de opinies compartilhadas, evidente no resultado final a

    preocupao e a constante interlocuo da concepo visual prpria de

    Michel Gondry, com a concepo sonora prpria da Bjrk. Nesse sentido,

    observa-se a ateno do diretor s diversas peculiaridades da cano, bem

    como as possibilidades de criao tendo em vista sua letra e melodia:

    "Human Behaviourcombina o canto quase declamado da artista com uma

    base rtmica marcada por tambores e depois completada com batidas de

    programao eletrnica" (BARRETO, 2007). O importante, no videoclipe

    Human Behaviour de 1993, no contar uma histria com princpio, meio e

    fim, mas sublinhar o protagonismo de Bjrk, desdobrando-a em articulaes

    imagticas que fogem do senso comum e da linearidade. A ideia estarialigada ao transporte de sentidos/significados, poderes/capacidades tendo

    como ponto de partida a personagem de Bjrk nas circunstncias

    fantasiosas criadas: "Nas mais complicadas e abstratas ideias, Michel est

    apenas procurando uma coisa: extrair a grande magia e o mistrio das

    coisas" (BJRK, 2002). Em suma, a anlise contexto-textual de Human

    Behaviour permite compreender que a noo de autoria compartilhada

    proposta nesta pesquisa vislumbra que os trabalhos de Bjrk e Gondry sorecheados por sentidos que no pertencem a ningum especificamente, mas

    h uma ideia de produo coletiva proveniente da interlocuo existente

    entre msica e imagem. Nessa perspectiva, as possibilidades de criao

    provenientes das letras musicais realizadas por Bjrk, juntamente com a

    esttica experimental e diferenciada prpria de Michel Gondry, culminam em

    um resultado singular, com narrativa prpria e desapegada de sentidos

    literais: "Ambos queramos criar algo singular, e a msica ajudou em muitopara criar essa atmosfera" (GONDRY, 2002).

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    Na sequncia, adentraremos no universo dos comerciais e filmes de

    Gondry. Compreendendo melhor no apenas suas obras, mas tambm de

    que forma estes filmes e comerciais se interagem e pertencem a este reino

    de imagens e sons despregados de qualquer forma de hierarquia.

    2.3 Comerciais e filmes

    Gondry, aps experimentar na direo de videoclipes, foi convidado a

    dirigir diversos comerciais, devido ao seu estilo nico de realizao. Dirigiu

    comerciais para Nike, Adidas, Polaroid, Air France, Levis, Gap, HP, Smirnoff,

    Coca-Cola e Motorola.

    O comercial da vodka Smirnoff, Smarienberg (1997), da agncia

    britnica Lowe and Partners, um dos que mais mostra suas caractersticas

    peculiares, que o fazem o diretor que . Nele, o Michel usa a sua imensa

    imaginao pra criar um comercial com cara de curta-metragem de ao de

    01m10s de durao. Logo no incio do comercial, Gondry utiliza-se de uma

    tcnica na qual foi pioneiro: a tcnica Matrix, ou melhor Bullet time. Alm

    dessa tcnica, um efeito muito usado nesse comercial a Fuso: objetos ecenrios virando outras coisas, ou seja, uma cena interagindo com a

    prxima. Por exemplo, a bala do revlver vira uma abelha voando na

    prxima cena; ao sair da janela de um apartamento/casa, na verdade esto

    saindo de um navio etc. So efeitos que do incrvel agilidade e dinmica ao

    comercial, que parece passar em poucos segundos. Outro ponto importante

    de se observar que o comercial no tem slogan ou sequer uma frase,

    mostrando a confiana que a marca tem no diretor, que foi capaz que criaruma obra de destaque que passou bem o conceito da vodka.

    Gondry tambm dirigiu um comercial para a Motorola, o Razr 2

    (2007), da agncia norte-americana Cutwater, no qual utiliza-se do que

    vamos chamar de artesanato digital, uma de suas marcas mais destacveis.

    Ele faz uso de cenrios e objetos de verdade: paredes de papelo, papel

    celofane, ao invs de usar de tecnologia computacional de ponta para criar o

    universo do comercial. A partir desse artesanato, Gondry passa a brincarcom o ritmo da e, mais uma vez, usa a tcnica da fuso para mostrar a

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    personagem em diversos ambientes em que pode se curtir uma boa msica.

    Objetos, que no sabemos se foram criados no computador ou

    artesanalmente, dominam a cena. A imaginao de Gondry vasta e

    podemos ver certa influncia do Surrealismo (no sentido de subverter algica convencional) em diversas de suas obras e essa uma delas.

    Gondry fez um comercial para a Coca-Cola, Snowboarder(2000), da

    agncia japonesa Buf. Alm da tcnica do Bullet Time, podemos perceber

    uma outra tcnica recorrente em seu trabalho. Usada tambm no clipe Joga

    da Bjrk, a tcnica consiste em congelar a imagem e usar um movimento de

    cmera em panning(a cmera se movimenta no mesmo eixo na vertical ou

    horizontal) no qual ele vai e volta na mesma imagem. Ele faz isso vrias

    vezes. Como podem ver um pouco difcil de explicar. Mas uma tcnica

    que marca algumas obras de Gondry e assim podemos perceber

    semelhana entre elas. O comercial consiste em mostrar um snowboarder

    executando uma manobra em uma montanha de neve enquanto alguns

    espectadores observam e vrios deles esto consumindo Coca-Cola. Gondry

    mostra uma lata logo no momento em que se abre (congelando a imagem e

    utilizando a tcnica de cmera). Em outro momento mostra uma pessoa

    tomando uma garrafa no bico. O comercial e a tcnica so eficientes e

    passam bem a identidade da marca Coca-Cola.

    O comercial para a Polaroid, Resignation(2006), tambm foi feito pela

    agncia Buf, mas, dessa vez, na Frana. Tambm faz uso da tcnica

    empregada no comercial da Coca-Cola. Em termos mais tcnicos, consiste

    em captao de imagens em quatro frames por segundo e transio entre

    um frame e outro, com o objetivo de completar os vinte e quatro frames

    necessrios para a composio. O efeito obtido uma leve distoro nas

    cenas. Gondry brinca com esse efeito durante todo o comercial que tem

    durao de um minuto e acompanha um jovem que foi demitido da empresa

    de onde trabalhava e como vingana deixa uma foto (feita com uma cmera

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    Polaroid) de lembrana para sua chefe. Um comercial visualmente muito

    bonito e que corresponde bem com a marca Polaroid.

    Esses comercias, e ainda vrios outros, como citado acima, abriram

    portas para Gondry comear a pensar em longas-metragens. Com o seu

    nome j conhecido no mercado e nos Estados Unidos, Michel migra para os

    filmes. Isso aconteceu a partir do ano de 2001, quando dirigiu seu primeiro

    filme.

    Natureza Quase Humana (2001), foi o primeiro filme de MichelGondry, em parceria com o roteirista Charlie Kaufman. O filme no foi muito

    bem recebido nem pela crtica nem pelo pblico. Por ser um fracasso de

    bilheteria, Gondry passa a ter um certo medo de fazer filmes com um

    oramento muito grande, temendo perder dinheiro.

    Michel Gondry dirigiu, em 2004, seu segundo longa: Brilho eterno de

    uma mente sem lembranas. A ideia do filme comeou quando Gondry ainda

    cursava a faculdade de artes, em Paris, em uma conversa com seu amigoPierre Bismuth (como j dito anteriormente). A ideia de Bismuth era enviar,

    aleatoriamente, cartes de aviso dizendo que sua memria tinha sido

    apagada. Mais tarde, isso se tornaria a base para o filme.

    No longa, Joel (Jim Carrey) descobre que Clementine (Kate Winslet),

    sua, at ento, namorada, utilizou um servio que apaga da memria todas

    as lembranas nas quais ele estivesse presente. Com a dificuldade em lidar

    com a perda e o fato de, na cabea de Clementine, aquela relao jamais

    tivesse existido, Joel acaba recorrendo ao mesmo servio. Assim, o filme se

    passa na mente do personagem principal, Joel.

    Entre memrias do seu relacionamento e lembranas de diversos

    momentos da sua vida, ele luta para impedir que o processo executado, ao

    se dar conta que aquelas lembranas eram essenciais para seu crescimento

    enquanto pessoa.

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    A temtica distancia-se do filme-padro hollywoodiano, assim comoem quase todos os filmes escrito por Charlie Kaufman. Gondry parece ter

    sido escolhido para a direo muito em funo da sua capacidade em

    retratar o imaginrio, que pde ser constatada em vrios de seus videoclipes

    e comerciais, e, principalmente, no filme Natureza Quase Humana, que,

    como dito, tambm fora escrito por Kaufman.

    Nessa parceria, Michel Gondry deixa transparecer sua tendncia para

    o analgico, deixando os efeitos especiais para momentos em que elerealmente se fizesse necessrio. Portanto, notvel que solues incomuns

    fossem utilizadas na construo do filme, de forma a fazer daquele

    imaginrio retratado, um ambiente no to virtual, permitindo assim uma

    melhor interao do mundo real com o inconsciente. O Ardil ilusionista

    mais realista do que o efeito especial. (REZENDE, 2005, p. 19).Toda essa

    linha de filmagem, assim como tcnicas de direo que Gondry optou por

    utilizar, foram necessrias para imprimir em Brilho eternoa mesma essnciaque permeava o roteiro de Kaufman.

    Sonhando acordado(2006), o terceiro filme de Michel Gondry. o

    primeiro longa em que Gondry tambm o roteirista. Nos filmes anteriores,

    Gondry tem como base roteiros de seu colaborador assduo, Charlie

    Kaufman. Apesar dessa troca de roteiristas, o filme mantm uma

    semelhana temtica com o anterior (Brilho eterno de uma mente sem

    lembranas, de 2004).

    Sonhando acordado acompanha um jovem criativo que tem

    problemas em diferenciar sonho da realidade. Ao conhecer uma garota, que

    sua vizinha, tenta conquist-la, mas sempre tem problemas ao achar que a

    realidade um sonho ou vice-versa. Enfrentando problemas tambm no seu

    novo trabalho, Stephane precisa encontrar um jeito de no perder tudo com

    que se importa.

    Um roteiro adequado para que Gondry coloque suas experimentaes

    artsticas em prtica. A partir de um tema surreal (realidade versus sonho/

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    alucinaes), o filme acaba sendo bastante realista e Michel Gondry usa a

    tecnologia a seu favor como uma potncia criadora. Mas isso no faz com

    que o diretor francs deixe de lado o uso de tecnologia mais primitiva. Pelo

    contrrio, f tambm do analgico e do artesanal, Gondry cria cenrios queparecem sair de uma pea de teatro. Papelo, algodo, funcionam como se

    estivssemos entrado na cabea confusa do protagonista. Alm disso,

    vemos muito o uso da tcnica fotogrfica Stop motion, que consiste em

    animar, dar movimento a objetos inanimados. A imaginao no tem limites

    nem para o protagonista e nem para Gondry. A narrativa confusa e tem que

    ser assim: a histria de amor que se desenvolve ao longo do filme anda lado

    a lado com as fantasias, memrias, sonhos que esse amor pode causar. Ou

    seja, o diretor tem liberdade total para ser confuso. E Gondry no falha.

    Em Besouro verde, filme de 2011, Michel Gondry faz sua estreia no

    tipo de filme padro hollywoodiano. No que os outros no fossem

    comerciais, afinal, Jim Carrey e Kate Winslet so consagrados atores docinema norte-americano, mas os filmes de Gondry sempre imprimiam uma

    temtica filosfica, repleta de simbolismos, que caracterizam filme de arte.

    Com relao esttica desses filmes, Gondry sempre se manteve fiel ao seu

    estilo mais abstracionista e, curiosamente, ao sair da temtica qual estava

    habituado ao dirigir Besouro verde, buscou criar uma identidade prpria no

    filme. O filme foi escrito por Seth Rogen e seu parceiro de roteiros, Evan

    Goldberg. Alm de escrever, Rogen tambm protagonizou a obra, imprimindo

    bem seu estilo de humor que distancia-se dos demais em Hollywood. Humor,

    este, que habita um ponto entre o trash,o humor bobo comumente visto no

    Saturday Night Livee nos filmes de Adam Sandler e o humor inteligente,

    sagaz.

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    Como possvel notar, um tipo de comdia bem peculiar, que nem

    sempre funciona, por exigir um pblico que as vezes especfico demais.

    Para cuidar da direo de um filme que envolvesse ao, mas que

    pudesse sempre transmitir esse humor que no pastelo demais, nemmuito inteligente, seria necessria uma esttica diferente, que remetesse aos

    filmes ingnuos de dcadas passadas. Com um oramento muito grande,

    por ser um filme com pretenses de se tornar um blockbuster,a escolha para

    a direo caracteriza a necessidade de ser fazer um filme que teoricamente

    seria difcil de sair do papel. A genialidade de Michel Gondry parece ter sido

    essencial na sua escolha para a direo, mas seus trabalhos anteriores

    foram o que o levaram de fato a dirigir Besouro verde.

    Baseado em um programa de rdio da dcada de 1930, o filme narra

    a vida de Britt Reid (Seth Rogen), um jovem irresponsvel que acabara de

    herdar a fortuna e o jornal de seu falecido pai. Decidido a fazer algo com sua

    vida e ao descobrir que Kato (Jay Chou), um dos empregados de sua

    manso, um genial inventor e especialista em artes marciais, os dois

    passam a combater o crime, porm decidem por passar a imagem de viles

    ao invs de super-heris. O teor fantasioso do filme exigiu de Gondry uma

    direo das cenas de ao que beirassem o surreal, sempre com o intuito de

    enfatizar o teor humorstico do filme.

    Em suma, a vida de Gondry aparenta ser como em seus filmes, clipes

    e comerciais, uma espcie em construo, inacabada e imprevisvel. Ele

    realiza viagens pela arte, imaginao e tcnica procurando a trilha e o

    desdobramento para o desaparecimento de um modo padro de pensar e

    produzir imagens.

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    3 DESVENDANDO A AUTORIA

    3.1 Cinema contemporneo

    A linguagem do cinema, atualmente, est bem desenvolvida e grande

    parte do que aparece de novo , na verdade, uma re-estilizao de algo que

    j foi feito no s no aspecto tcnico, mas em diversas reas

    cinematogrficas. O aspecto visual, que coordenado, no geral, por diretor,

    fotgrafo e diretor de arte, tambm j foi explorado com grande intensidade,

    de forma que, atualmente, exista um pouco de estagnao criativa em

    Hollywood, que insiste (com sucesso), atravs de seus principais diretores,

    em utilizar os padres criados ao longo da histria do cinema, uma vez que o

    retorno de bilheteria praticamente certo.

    No muito diferente o que acontece no cinema, hoje largamenteinfectado pelos blockbusters de Hollywood e voltadoprioritariamente para a produo de descartveis para as salas deexibio em shoppings centers. Por que deveria a televiso pagarsozinha pela culpa de uma mercantilizao generalizada dacultura? (MACHADO, 2001, p. 10)

    Com a criao da televiso, o cinema tambm se viu em situaodelicada. Muitos crticos apostavam no fim do cinema num futuro prximo.

    Na efervescncia dos anos 1980, alguns observadores e cineastaspareciam j convencidos de que o cinema no tinha futuro. Com oavano da televiso e a chegada do videocassete, viam-se ento assalas se esvaziar e fechar s centenas. Na Gr-Bretanha, naAlemanha, na Itlia, a produo de longas-metragens despenca. Osestdios de Hollywood so comprados por investidores estrangeirose multinacionais cujas principais fontes de lucro so exteriores aocinema. (LIPOVETSKY, 2007, p. 12)

    Mas o fato que mudou-se a forma de fazer cinema com a chegada

    de novas formas de assistir aos filmes. Com a necessidade de novos longas

    para preencher as grades de horrio das redes de televiso, viabilizou-se a

    produo de longas com menor oramento, e isso implicava , muitas vezes,

    em um filme de qualidade inferior:

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    () ao mesmo tempo que se torna uma tela entre outras, eis que ocinema, numa configurao que pouco tem a ver com o que eradesde a origem, se apresenta agora numa mini-tela porttil, com apossibilidade de congelar a imagem, voltar atrs, escolher a lnguade dublagem. Eis tambm que, abandonando a tradicional sesso

    em salas de cinema, passam a ser produzidos filmes especficospara consumo fast food em tela nmade, no ultrapassando trsminutos. Mais do que nunca se coloca a questo do gnero cinema,da identidade incerta do cinema. (LIPOVETSKY, 2007, p. 13)

    A chegada da televiso, alm de determinar uma mudana na

    linguagem e na forma de produzir e ver cinema, acabou tambm por

    influenciar no declnio da quantidade de salas de exibio. E isso foi um fator

    determinante para que fosse criado um grande circuito. O cinema foi

    afunilando-se, de forma que apenas as grandes produes tivessem adevida ateno da mdia e das salas de cinema restantes. Obviamente ainda

    existe resistncia, com diversas salas que se restringem a exibir o cinema de

    arte, mas normal que o espao dado ao cinema inovador diminusse com o

    tempo:

    Com o avano da televiso e a chegada do videocassete, viam-seento as salas de cinema esvaziar e fechar s centenas. Na Gr-Bretanha, na Alemanha, na Itlia, a produo de longas-metragensdespenca. Os estdios de Hollywood so comprados porinvestidores estrangeiros e multinacionais cujas principais fontes delucro so exteriores ao cinema. A poca v desaparecer as salas dearte, o cinema experimental, e triunfar a lgica do box-office, dosblockbusters, das frmulas calibradas e sem riscos (filmes de ao,continuaes, remakes). (LIPOVETSKY, 2007, p. 14)

    Outro fator que influencia essa dificuldade de sair do usual no meio

    cinematogrfico o fato do modelo utilizado em Hollywood j ter sido

    aprovado, ao longo dos anos, pelo pblico. Pode-se dizer, at, que o pblico

    foi educado a gostar do cinema da forma como ele hoje e, por se tratar de

    uma indstria bilionria, no conveniente aos estdios colocar toda essa

    identificao a perder na busca por inovao. Existe, portanto, uma falta de

    liberdade criativa aos diretores e artistas em geral no cinema. Dessa forma,

    estranha-se quando vemos um filme to experimental como A rvore da Vida

    (Malick, 2011) que , alm de ter contado com um oramento de 30 milhes

    de dlares, teve muito reconhecimento da crtica (o filme recebeu trs

    indicaes ao Oscar e venceu a Palma de Ouro, em Cannes), j que trata-se

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    de um filme com um tema pouco abordado, tratado de forma abstrata e cheia

    de simbolismos.

    Mas o fato que, atualmente, o cinema experimental tem seu espao

    bastante limitado no cinema de grande oramento. No vivel aos estdios

    investir muito dinheiro em filmes que no se apoiam na frmula padronizada

    para o cinema, criada em Hollywood, por esse motivo, os filmes

    experimentais esto mais presentes na cena alternativa, que engloba os

    filmes de baixo oramento e alguns poucos grandes investimentos dosestdios de Hollywood.

    A exploso quantitativa esconde uma menor diversidade flmica?No o que acontece: se os filmes de grandes oramentos (osfamosos blockbusters) fazem estardalhao, observa-se tambm umcrescimento de filmes personalizados de menor custo que causamentusiasmo. (...) longa a lista dos filmes que agora encontram umgrande pblico afastando-se dos caminhos batidos. (...) comhistrias simples, o cinema contemporneo pode obter umestrondoso sucesso popular demonstrando audcia, inventando

    situaes atpicas ou novas atmosferas poticas. (LIPOVESTKY,2007, p. 15)

    Toda essa limitao impede que grande parte dos diretores busque

    alternativas na concepo de seus filmes. Porm, o mercado criativo vem

    encontrando um bom pblico, que acolhe criaes que fogem ao padro

    hollywoodiano. E esses filmes, por terem um baixo custo de produo,

    acabam sendo distribudos por estdios de grande e mdio porte, uma vez

    que trata-se de uma aposta que no representa uma grande perda, caso nofaa sucesso:

    Hoje, um grande estdio como a MGM aposta precisamente emprodutoras independentes com oramentos de filmes maismodestos, porque "os grandes estdios no sabem mais produzir".Nos Estados Unidos, o cinema independente, que em vinte anosconseguiu conquistar um verdadeiro lugar, lana agora filmes debaixo oramento, s vezes distribudos por grandes produtoras queassumem riscos, filmes que chegam a representar um tero das

    receitas de box-office. (LIPOVESTKY, 2007, p. 15)

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    Vez ou outra, grandes blockbusters incorporam essa ala inventiva do

    cinema, permitindo que filmes mais artsticos porm mantendo o apelo

    comercial atinjam o grande pblico, a exemplo de Alice no Pas das

    Maravilhas (2010), do diretor Tim Burton, que, segundo o siteboxofficemojo.com, fez mais de 1 bilho de dlares mundialmente, sendo

    esta a dcima maior bilheteria do cinema de todos os tempos. Nota-se que a

    necessidade cria a ocasio adequada para que a incorporao do cinema

    underground seja feita pelos estdios. Alice um filme de contedo

    fantasioso, a histria por si s j fantstica neste aspecto, o que permite

    uma abordagem visual mais agressiva, que fuja do que estamos

    acostumados a ver nas telas:

    preciso abandonar a ideia segundo a qual o cinema de grandepblico no poderia gerar outra coisa seno obras indigentesincapazes de tocas a sensibilidade autntica dos espectadores. Adespeito das exigncias de rentabilidade e da influncia crescentedo marketing, o cinema tende a se enriquecer criando obras cujosgneros, personagens e roteiros so menos "ortodoxos", maisheterogneos, mais imprevisveis. (LIPOVESTKY, 2007, p. 16)

    Tim Burton foi a escolha para a direo em funo de seus trabalhos

    anteriores, que evidenciaram sua capacidade em criar mundos com uma

    atmosfera fantstica, como fez em James e o Pssego Gigante (1996), A

    Fantstica Fbrica de Chocolate(2005), A Noiva Cadver(2005) e Sweeney

    Todd (2007). Todos esses filmes com direo de arte bem trabalhada e

    exuberante, o que acabou por ser uma das principais marcas de Tim Burton.

    Alm do aspecto visual, muito evidenciado pela direo de arte e fotografia

    de seus filmes, o diretor tambm marcado pelos temas que o acompanham

    em sua carreira, que geralmente so ligados fantasia, o que permite que

    Burton implemente seu humor caracterstico na maioria deles. Por ir to ao

    contrrio das produes dos grandes estdios de Hollywood, Tim Burton

    acaba por ser um diretor nico, capaz de ser identificado em cada trabalho

    seu, justamente por sua forma peculiar de dirigir seus filmes. Talvez em

    algumas produes, como Planeta dos Macacos(2001), seja um pouco difcil

    identificar caractersticas do diretor, mas ele no deixa de inserir um clima

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    sombrio em cada um de seus filmes, que uma de suas especialidades, e o

    que faz de melhor.

    Outra curiosidade, que por ser uma constante no trabalho de Burton

    pode-se dizer que trata-se de mais uma marca de seus trabalhos, apresena de Johnny Depp na maioria deles. Muito em funo do estilo

    excntrico do ator e sua facilidade em encarnar personagens caricatos, Depp

    tem uma duradoura parceria com Tim Burton, que comeou em Edward

    Mos-de-Tesoura (1990) e mais recentemente aconteceu em Alice.

    interessante notar que muitos diretores tm um ator preferido, com quem

    executam diversos trabalhos. No se trata de uma simples opo sem

    embasamento, mas sim uma adequao do ator ao trabalho do diretor, no

    qual, ao adaptar-se bem ao estilo de filmagem nos primeiros longas,

    chamado a atuar outras vezes.

    Gondry desenvolveu esse tipo de parceria com Bjrk assim como

    Spike Jonze. Mas neste caso, por se tratar de videoclipe, temos um tipo deparceria diferente, na qual a artista almeja um estilo de filmagem especfico

    para sua msica, um estilo que encaixe com a msica experimental e

    alternativa que ela compe. Apesar da diferena no tipo de parceria, a

    subsequente continuao da mesma acontece pelo mesmo motivo, tanto no

    caso de diretor-ator quanto diretor-cantor, que a facilidade de trabalhar

    junto e o retorno positivo do trabalho posteriormente. Gondry demonstrou

    talento para desenvolver essa parceria atravs de seus primeiros

    videoclipes. Em Human Behavior (1993), Gondry j demonstra as

    caracterstica de seu trabalho, o que possibilitou essa identificao que Bjrk

    tem com o trabalho do diretor, e ocasionou as parcerias futuras entre ambos.

    O mesmo acontece entre a cantora islandesa e Jonze. A mente criativa e as

    solues de filmagem e edio que fogem do padro hollywoodiano o que

    propiciou que ambas as parcerias fossem to slidas e duradouras.

    No cinema, o melhor exemplo deste tipo de sintonia o do prprio

    Depp e Burton, mas outros diretores com estilo marcante tambm tm um

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    ator que se identifica com seu trabalho, que o caso do cineasta

    dinamarqus Lars von Trier, que geralmente repete um ou outro ator em

    seus filmes, devido confiana que desenvolve em atores talentosos, como

    Charlotte Gainsbourg, que atuou em Anticristo (2009), e dois anos depoisparticipava de Melancolia(2011), e Willem Dafoe, que esteve em Manderlay

    (2005) e Antricristo. Stellan Skarsgard, ator sueco de sucesso em Hollywood,

    tambm participou de alguns filmes de Trier quatro no total , geralmente

    papis secundrios, mas no deixa de ser uma parceria baseada na

    funcionalidade do talento do ator associado s especificidades e

    necessidades do diretor.

    Lars von Trier um bom exemplo de cinema alternativo, experimental,

    que atingiu, em parte, o grande pblico. Polmico e com um estilo bem

    peculiar, Trier no faria tanto sucesso se no fosse um diretor com

    caractersticas to particulares e at mesmo polmicas. Com temas

    filosficos e profundos, os filmes de Trier so complexos e com uma

    atmosfera densa. Todas suas obras fazem crticas aos mais diversos temas,

    que so trabalhados de forma metafrica, o que faz com que seus filmes

    sejam difceis de se compreender. A marca de Lars notvel em grande

    parte de seus filmes, principalmente nos mais recentes, como Anticristo

    (2009) e Melancolia (2011), que tratam temas como medo e depresso, e

    utilizam de uma direo de arte que cria nos filmes uma ambientao cheia

    de angstia, tristeza. A forma com que utiliza cenas em cmera lenta , em

    diversos momentos, nos dois filmes, mostra um diretor que no faz questo

    de retratar a narrativa de forma convencional ou verossmil, mas sim de

    forma artstica, dotada de simbolismo e significados que agregam sentido ao

    filme. Um sentido que a expresso do pensamento de Lars von Trier, que

    exige uma interpretao que vai alm do que aparece na tela. Essas

    caractersticas so marcantes em basicamente toda a obra do diretor, e isso

    faz de Trier um cineasta com uma marca autoral bem distinta, identificvel

    em qualquer obra sua. Alguns de seus filmes adotam o Dogma 95, que um

    movimento criado por Trier e um outro diretor dinamarqus, Thomas

    Vinterberg. Este movimento foi criado com a inteno de fazer um cinema

    mais realista e menos comercial. O manifesto do Dogma 95, que so uma

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    srie de regras sobre como os diretores devem produzir seus filmes, tem

    regras como a obrigatoriedade de que as filmagens sejam feitas apenas em

    locaes, o som no pode ser inserido posteriormente, no permitido

    utilizar luz artificial (se o ambiente tiver pouca luz, apenas uma lmpadasobre a cmera suficiente, segundo o manifesto) e a cmera deve ser

    usada na mo. Essas so apenas algumas das regras, que totalizam dez. O

    filme Os idiotas(1998), de Trier, foi filmado seguindo o Dogma 95.

    Michael Bay outro diretor ligado a filmes fantsticos, porm ele estdiretamente associado linha hollywoodiana, uma vez que dirige e produz

    filmes de ao. Ele tem uma forma de dirigir bem caracterstica, e que foi

    atenuada ao longo dos anos, que enfoca principalmente as cenas de ao,

    que tendem a ser alucinantes e dotadas de muito trabalho de ps-produo,

    o que faz de Michael Bay um exmio diretor de filmes que exigem uma

    tecnologia mais avanada. Consequentemente, por ser um bom diretor do

    chamado cinema que atraem grandes massas (blockbusters), Michael Baytem um histrico de excelentes bilheterias com seus filmes: " evidente que

    os blockbusters so construdos a partir de histrias simples recheadas de

    efeitos especiais, de aes "eficazes" e de suspense." (LIPOVESTKY, 2007,

    p. 16).

    Justamente por este talento, Bay foi escolhido para dirigir a trilogia

    Transformers. Com filmes no currculo como Armageddon (1998) e Pearl

    Harbor (2001), ele j tinha vasta experincia no campo tecnolgico do

    cinema, e era justamente isso que um filme de robs gigantes lutando uns

    contra os outros exigiria. Bay muitas vezes criticado por deixar a narrativa

    de lado em funo da ao, preferindo desenvolver longas cenas de batalha

    a construir um enredo bem elaborado. No que seus filmes sejam fracos

    enquanto narrativas, mas fato que Michael Bay d ateno exagerada

    ao em seus filmes. Transformersfoi o pice dessa sua marca, trs filmes

    excelentes no aspecto tcnico, com uma ps-produo muito bem feita. O

    terceiro e ltimo filme da trilogia, Transformers: O Lado Oculto da Lua(2011),

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    mostra uma direo perfeita nas interminveis cenas de lutas que destruram

    Chicago no filme e, apesar de no focar tanto no desenvolvimento dos

    personagens, falas etc.,

    Bay impecvel no que se prope a fazer, e justamente na

    pancadaria que conseguimos identificar com facilidade a marca do diretor,

    que evidencia sua preferncia por tomadas em diferentes ngulos, com

    cortes rpidos e um roteiro que favorece o uso da tecnologia a todo

    momento.

    3.2 O cinema de autor

    Podemos dizer que o cinema de autor j existia atravs das lentes de

    Hitchcock, mas somente em funo dos jovens diretores que escreviam para

    a Cahiers du Cinma que este termo ganhou notoriedade. Na dcada de

    1960 com a chegada da Nouvelle Vague, a autoria assumiria novo patamar,onde diretores jovens e transgressores, saem as ruas para filmar.

    3.2.1 A Nouvelle Vague francesa

    A falta de uma produo cinematogrfica francesa que valia a ida aocinema aliada admirao pelo cinema clssico americano fizeram alguns

    jovens criativos franceses comearem um movimento que ficou conhecido

    como a Nouvelle Vagueou a Nova Onda francesa (e em ingls, New Wave).

    Os diretores de mais destaque foram Franois Truffaut e Jean-Luc Godard,

    que eram crticos de cinema e escreviam para revistas francesas

    especializadas em cinema:

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    Os artigos que eles escrevem tm duas frentes: a recusa do que produzido na Frana (salvo seletas excees) e o cinemaamericano como foco privilegiado para a busca de autores(...)(MASCARELLO, 2008, p. 226)

    Dessa forma, os filmes que comearam a ser produzidos por essesjovens (alm de Godard e Truffaut, outros cineastas foram Claude Chabrol,

    Eric Rohmer, entre outros) foram revolucionrios e extremamente influentes

    para a histria do cinema, de forma que: recuperou o cinema mundial de

    uma certa apatia (MASCARELLO, 2008, p. 222). De acordo com esses

    realizadores, o que vinha sendo feito na Frana e no mundo em geral no

    era de boa qualidade ou no refletia o ideal de seus diretores.

    Foi uma poca em que tanto a produo francesa quanto a norte-americana passavam por momentos difceis. A Frana enfrentava a censura

    por causa da guerra e os Estados Unidos dificuldades no modo de produo.

    A Nouvelle Vague foi um movimento protagonizado por jovens que

    possuam um raro acmulo cultural e que viram necessidade de uma

    mudana no modo de produo, distribuio e consumo de filmes. Por

    exemplo, viram em museus, cinematecas, como locais vlidos para o

    processo de produo de uma obra.Eram filmes produzidos independentemente e que tinham

    caractersticas bem marcantes. A admirao pelo cinema americano fez com

    que incorporassem elementos da arte moderna em suas obras: a valorizao

    da montagem, a descontinuidade, a incorporao do acaso e da realidade

    documental, cortes abruptos etc.

    Os realizadores da Nouvelle eram, tambm, admiradores do

    Neorrealismo italiano (alm do cinema americano clssico). Assim, se

    inspiraram muito em Roberto Rossellini, diretor, roteirista e um dos principais

    nomes do movimento. O Neorrealismo foi um movimento cultural que surge

    na Itlia, logo aps a Segunda Guerra Mundial. Caracterizou-se por uso de

    elementos reais, com foque em questes sociais, se parecendo muito com

    um documentrio. Buscava representar a realidade social e econmica da

    poca e do lugar. Dessa forma, possvel ver claras influncias de seus

    filmes nos primeiros longas que fizeram parte da Nouvelle Vague, incluindo

    Os Incompreendidos(Truffaut, 1959) e Acossado(Godard, 1960).

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    Os aspectos de estilo que marcaram a Nouvelle Vagueincluem uso donegativo em preto-e-branco, emprego de no-atores e/ou atores amadores,

    filmagem em locaes reais de Paris, usando os prprios nomes dos

    restaurantes, cafs e seus frequentadores reais. Usavam tambm luz natural

    e para isso tiveram que usar vrios equipamentos novos. Isso tudo para

    conferir aos filmes um tom mais prximo do real e documental. Alm disso,

    explicitam a figura do narrador com uso de voice over e de flashbacks. A

    linguagem passa a ser muito mais coloquial, indo contra formalismos econvenes, com o objetivo de resgatar uma certa inocncia no cinema. Em

    relao montagem, a edio super fragmentada e ressalta o corte mais

    brusco, o chamadojump-cut, conhecido dos filmes de Georges Mlis que o

    empregava como forma de parecer mgica.

    Godard e Truffaut se figuram como seus principais representantes,

    detendo uma das obras mais influentes do sculo XX. Godard caracteriza-se

    pela mobilidade da cmera, pelos demorados planos-seqncia,montagem descontnua, improvisao e pela tentativa de carregar cada

    imagem com valores e informaes contraditrios. Em seu primeiro filme,

    Acossado (1959), o personagem principal logo dirige-se cmera e

    consequentemente ao espectador: a cmera assume um papel de

    personagem no s nessa cena, mas durante todo o longa. O filme

    montado de forma pouco usual, com muitos cortes secos, e em alguns casos

    parecem ser descontnuos. O segundo longa, O pequeno soldado (1960),

    traz a viso ambivalente da guerra na Arglia. Viver a vida (1962) usa o

    recurso brechtiano de episdios, em um tom de documentrio. A cor tem

    efeito simblico em O demnio das onze horas (1965), forte estudo da

    violncia e dos relacionamentos. Duas ou trs coisas que eu sei dela(1967)

    refere-se a Paris, sua fiel inspirao, e Weekend francesa (1967) uma

    crtica a sociedade moderna. Godard se afastou do cinema para filmar uma

    srie de manifestos em 16 mm e vdeo, mas retomou gneros mais

    acessveis com Tudo vai bem (1972). Nos anos 1980, amadurecido, seus

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    http://pt.wikipedia.org/wiki/Montagem
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    filmes se tornaram ensaios contemplativos sobre questes contemporneas,

    desafiando o pblico a pensar de forma diferente.

    Franois Truffaut, em seus 26 filmes, alm da direo cinematogrfica,

    foi tambm roteirista, produtor e ator. Os temas principais de sua obra foram

    as mulheres, a paixo e a infncia. Uma obra cheia de entusiasmo, lucidez,

    que busca manter certa inocncia. Em A noite americana(1973), Jean-Pierre

    indaga: os filmes so mais importante do que a vida? Para Truffaut, a

    resposta sim, e sua paixo pelo cinema transparece nos filmes, repletos dealuses: Atirem no pianista (1960) ao noir americano; Jules e Jim - uma

    mulher para dois(1961) a Chaplin e Jean Renoir e A noiva estava de preto

    (1967) a Hitchcock.

    Apesar das claras homenagens, Bergman no Guia Ilustrado doCinema diz: "Mas Truffaut no mero imitador, e seus ttulos tm frescor e

    imeditiatismo renovados, sobretudo na srie semi-autobiogrfica de cinco

    filmes (....)" com Laud interpretando seu alter ego, Antoine Doinel:

    internado em um reformatrio aos 12 anos, assim como Truffaut, em Os

    incompreendidos(1959). Daniel vai envelhecendo e se apaixona em Beijos

    proibidos (1968); casa-se e tem um filho em Domiclio conjugal (1970);

    divorcia-se e torna-se escritor em O amor em fuga (1978). Aparente levezados ttulos esconde o sofrimento de Truffaut com a perda da espontaneidade

    juvenil e as dificuldades do amor.

    Seus estilos e temas so vastos: do pesadelo futurista Fahrenheit 451

    (1966) ao filme de poca A histria de Adle H(1975) e Frana ocupadaem O ltimo metr(1980).

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    http://pt.wikipedia.org/wiki/Atorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Produtorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Roteirista
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    3.2.1.1 A poltica dos autores

    O momento mais marcante da Nouvelle Vaguefoi a chamada poltica

    dos autores. Em janeiro de 1954, Truffaut escreve um artigo de destaque,

    intitulado Uma certa tendncia no cinema francs. Nele, o diretor critica os

    ranos literrios, o convencionalismo e o falso realismo no cinema. Critica

    tambm a adaptao de obras literrias, sem o mnimo de criatividade, no

    mudando nada do livro original. O final desse artigo marcado por uma fraseque ficou famosa: Eu no posso acreditar na coexistncia pacfica entre a

    tradio da qualidade e um cinema de autor (TRUFFAUT, 1989, p. 36).

    Franois, ento, era contra esse cinema e diretores que seguiam regras, e

    no eram corajosos o suficiente para tentar e usar a criatividade a favor da

    arte. Criar, recriar, inventar eram palavras que estavam na mente de Truffaut

    e prontas para serem usadas a favor da reinveno do prprio cinema. Ele

    queria enfrentar o sistema, derrubar a tradio e construir algo novo em seulugar: Truffaut foi um esprito livre, que no escreveu para bajular, mas

    enfrentou o sistema de qualidade francs seguindo o caminho sempre mais

    difcil, improvvel e arriscado (MASCARELLO, 2008, p. 236). Truffaut queria

    derrubar a ideia de que os diretores eram meros funcionrios dos roteiristas

    (MASCARELLO, p. 236, 2008).

    3.2.1.2 O fim da Nova Onda

    A Nouvelle Vague foi um grande sucesso de crtica, mas,

    comercialmente somente nos primeiros filmes (Acossado e Os

    incompreendidos, de Godard e Truffaut, respectivamente). Ela nos mostrou

    como um diretor pode colocar muito de si em um filme, torn-lo pessoal e

    reconhecvel, contrariando o fato que se acreditava que eram o produtor e

    roteirista que eram os verdadeiros 'donos' do filme (e o diretor 'apenas

    aquele que filmava'). A Nouvelle, obviamente, no duraria para sempre e um

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    fator que contribui para sua derrocada foi o enfraquecimento da grande

    amizade entre os seus principais criadores Godard e Truffaut, no fim dos

    anos 1970. Mas ficou marcada a grande influncia que esse movimento

    exerceu sobre o cinema e essa questo autoral passou a ser maisamplamente observada e discutida.

    A Nouvelle Vague ajudou a mudar a forma de se fazer e pensar o

    cinema, influenciando cineastas no mundo inteiro at os dias de hoje. Mas

    como saber se este ou aquele cineasta um autor e como surgiu essas

    primeiras ideias de usar esse termo? Foucault foi um dos tericos mais

    importantes a discursar sobre esse tema: "A noo de autor constitui o

    momento forte de individualizao na histria das ideias, dos conhecimentos,

    das literaturas (...)" (FOUCAULT, 2009, p. 33). Foucault nos coloca vrios

    questionamentos a respeito, no s do autor, mas tambm da obra e o que

    constitui uma obra: "O que uma obra? (...) Uma obra no o que escreveu

    aquele que se designa por autor?" (FOUCAULT, 2009, p. 37). E ns

    procuraremos discorrer sobre essa noo de autoria no prximo tpico, afim

    de colocar o leitor a parte do que queremos discutir nessa pesquisa.

    3.3 A autoria

    A autoria uma marca, um trao, que distingue o trabalho do diretor.

    Ela pode ser encontrada em um conjunto especfico de elementos da

    linguagem cinematogrfica, que juntos caracterizam a particularidade do

    autor ao produzir, filmar e montar um filme. Mas de se pensar se todas as

    obras daquele diretor e/ou tudo o que ele fez at hoje pode ser considerado,

    realmente, sua obra. Ser que encontraremos traos, marcas de um, por

    exemplo, diretor, em tudo aquilo que j dirigiu? "(...) suponhamos que nos

    ocupamos de um autor: ser que tudo que ele escreveu ou disse, tudo o que

    ele deixou atrs de si, faz parte de sua obra? (FOUCAULT, 2009, p. 38).

    Filmes, roteiros, sim, mas rascunhos, produes no divulgadas podem no

    ser consideradas obras.

    No cinema, a montagem uma das tcnicas mais importantes, pois

    quando o filme ganha linearidade (ou no-linearidade) e coerncia narrativa,

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    as quais so determinantes para a construo da linguagem

    cinematogrfica. Walter Benjamin no defende o cinema enquanto arte

    como um todo, mas especifica a montagem como sendo a formadora da

    obra de arte cinematogrfica:

    Na melhor das hipteses, a obra de arte surge atravs damontagem, na qual cada fragmento a reproduo de umacontecimento que nem constitui em si uma obra de arte, nemengendra uma obra de arte, ao ser filmado. (BENJAMIN, 1996, p.178)

    A arte a que ele se refere se d pela forma com que o filme

    montado, como o diretor decide juntar as peas, caracterizando uma obra

    nica, e que jamais ficaria igualmente montada se fosse feita por outrapessoa (vale lembrar que o diretor do filme trabalha junto com o profissional

    de montagem. O diretor fica ao lado, dando as instrues. um trabalho

    conjunto). Portanto, a montagem define uma particularidade que pode ser

    observada em todos os longas-metragens. Trata-se da forma com que o

    autor decide passar uma mensagem e dar sentido ao filme:

    Como se sabe, muitos trechos so filmados em mltiplas variantes.Um grito de socorro, por exemplo, pode ser registrado em vriasverses. O montador procede ento seleo, escolhendo umadelas como quem proclama um recorde. (BENJAMIN, 1996, p.178)

    A multiplicidade necessria para a boa montagem e consequente

    finalizao do filme demonstram a gama de possibilidades que uma

    produo proporciona aos seus encarregados. Parte-se da filmagem com

    diversas opes de uma mesma cena e pode-se escolher qual usar, recort-

    la, fundir com outras cenas etc.

    A linguagem cinematogrfica acaba por definir, atravs da cartilha

    imaginria da produo flmica - conhecida por todos os grandes diretores - a

    forma bsica de montagem, e cabe ao bom diretor fazer uso da sua

    criatividade e competncia, enquanto profissional e artista, para abstrair e

    fugir do lugar comum: Pois o cinema, como a literatura, antes de ser uma

    arte especfica, uma linguagem que pode expressar qualquer setor do

    pensamento. (BERNARDET, 1994, p. 20)

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    Jean-Claude Bernardet acredita na libertao do cinema da pr-

    concepo da tirania do visual, da imagem pela imagem, do concreto, para

    se tornar uma escrita to malevel e to sutil como a prpria arte da escrita.

    Mas, assim como na literatura, se estabeleceu no cinema uma linguagempadro, que antes limitou muitos escritores e agora limita diretores ausentes

    de capacidade criativa relevante. E, apesar da autoria estar sempre presente

    (no que diz respeito s peculiaridades de cada edio/montagem), nem

    sempre perceptvel grande parte dos espectadores. Por isso, autores que

    possuem uma forma nica de dirigir e montar suas produes so to

    conhecidos, pois h presena de uma marca autoral facilmente notada.

    Jean-Luc-Godard certa vez, disse que no conseguia apreciar

    nenhum filme que no se parecesse com seu autor. Talvez ele estivesse

    referindo a seus companheiros de Nouvelle Vague e tambm aos demais

    contemporneos a ele: Alfred Hitchcock, Federico Fellini, Ingmar Bergman,

    Woody Allen, Michelangelo Antonioni, Stanley Kubrick, Francis Ford Coppola,

    Steven Spielberg, George Lucas, Peter Bogdanovich, Martin Scorsese,

    Robert Altman, Brian de Palma, Pedro Almodvar, dentre tantos outros.

    Grandes nomes que marcaram a histria do cinema, e contriburam

    cada um de forma bastante particular para a conceituao da autoria.

    (...) os discursos comearam efetivamente a ter autores [...] namedida em que o autor se tornou passvel de ser punido, isto , namedida em que os discursos se tornaram transgressores.(FOUCAULT, 2009, p. 47)

    Foucault disse isso em relao livros e obras literrias, mas

    possvel nos apropriarmos dessa citao para entender e adaptar a situao

    para o cinema. Dessa forma, um diretor-autor aquele que transgrediu. E

    um dos primeiros autores a ser destacado Alfred Hitchcock: diretor ingls,

    precursor deste movimento autoral, dono de uma das obras mais influentes

    da histria do cinema, que estudada e destrinchada at os dias de hoje,

    rendendo-lhe ttulo de mestre do gnero suspense. Os 48 filmes de suas

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    carreira so, em sua maioria, responsveis pela construo da linguagem do

    gnero.

    O diretor comeou em 1920 como desenhista de legendas de filmes

    mudos, mas logo se tornou diretor de arte, roteirista e diretor assistente. Feznove filmes mudos, entre eles O pensionista (1926), o primeiro com seu

    tema favorito ('o inocente em perigo') e com uma marca de toda sua obra: a

    breve apario do cineasta em frente a cmera, em algum pequeno trecho

    do filme (o chamado cameo, em ingls). Curiosamente, essa no era sua

    inteno, mas uma vez que apareceu nesse primeiro filme, seus

    espectadores passaram a antecipar sua presena, contribuindo para

    construo de mais uma marca autoral. Em 1929, durante a produo de

    Chantagem e confisso, o som chegou ao cinema, e Hitchcock, com 30

    anos, logo mostrou conhecer a nova tecnologia: num momento do filme,

    criou uma montagem sonora em que a palavra punhal ecoa na mente da

    assassina na manh seguinte ao crime. Seguiram-se excelentes comdias-

    suspenses, como O Homem Que Sabia Demais (1934) e A Dama Oculta

    (1938). Em 1940, David Selznickchamou Hitchcocka Hollywood para dirigir

    a adaptao da obra de Du Maurier Rebeca, a mulher inesquecvel. Seu

    primeiro longa americano, com elenco britnico encabeado por Laurence

    Olivier e Joan Fontaine, ganhou Oscar de Melhor Filme e lanou sua extensa

    carreira nos Estados Unidos, onde permaneceu.

    Hitchcock no se importava com a moralidade, tema ou mensagem,

    mas com a forma de contar a histria. O que explcito em suas entrevistas

    com o tambm cineasta Truffaut:

    Caminhar nessa zona de risco, ser o mestre maior na modulaodos sentimentos da plateia diante da exposio do que estimplicado no desejo de cada personagem (e de cada espectador) uma condio mpar, que fez de Hitchcock objeto de exaltaoespecial dentro da "poltica dos autores" levada a efeito nos anos50 pelos jovens do Cahiers du Cinema (...) (TRUFFAUT, 1989, p.15)

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    No livro, Truffaut discorre sobre os riscos tomados por Hitchcock, e

    como eles contriburam para que alcanasse notoriedade. Em verdade, uma

    de suas grandes marcas a modulao dos sentimentos da plateia, que

    pode ser vista nocatolicismo de A tortura do silncio(1953) e a psicologia de

    Spellbound (1945), Psicose (1960) e Marnie confisses de uma ladra

    (1964) so meros recursos narrativos. O prazer de seus filmes vem de outros

    aspectos, como a perseguio do transeunte que precisa provar sua

    inocncia enquanto foge da polcia e de criminosos, em Sabotador(1942) ou

    o perigo constante que emana de lugares inesperados, em Os Pssaros

    (1962). Sempre surpreende seu pblico, por exemplo, matando a

    protagonista (Janet Leigh) no meio de Psicose(1960).

    Seu extravagante senso rtmico est na cena que coincide som de

    tiros com o soar de pratos durante um concerto no Royal Albert Hall londrino

    (O homem que sabia demais 1934 e 1956) uma perseguio no Monte

    Rushmore (Intriga internacional, 1959) e no estrangulamento no mercado

    Convent Garden (Frenesi, 1972). De 1956 a 1966, a msica de todos os

    seus filmes foi composta por Bernard Herrmann, eficiente em todos os

    longas, mas sobretudo em Um corpo que cai (1958), que, para muitos

    crticos, sua obra-prima.

    A tenso em seus longas no s era construda atravs da trilha

    sonora, mas tambm na sutileza dos detalhes. Hitchcock no priorizava

    mostrar o assassino esquartejando sua vtima, por exemplo, mas mostrar

    toda a tenso presente nos acontecimentos antecedentes ao fato. Em

    Psicose (1959), o assassino no aparece. Toda a tenso reside na faca

    empunhada por ele e na sombra feita por ela, vista atravs da cortina do

    chuveiro. Alfred possua grande maestria em transformar situaes do

    cotidiano em momentos de gran