a atuação do nutricionista nos núcleos de apoio à saúde da...

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Universidade de Brasília UnB Faculdade de Ciências da Saúde Departamento de Nutrição Programa de Pós-Graduação em Nutrição Humana A atuação do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) Andhressa Araújo Fagundes Brasília-DF Abril, 2013

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Universidade de Braslia UnB

Faculdade de Cincias da Sade

Departamento de Nutrio

Programa de Ps-Graduao em Nutrio Humana

A atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Andhressa Arajo Fagundes

Braslia-DF

Abril, 2013

- 1 -

Universidade de Braslia UnB

Faculdade de Cincias da Sade

Departamento de Nutrio

Programa de Ps-Graduao em Nutrio Humana

A atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Andhressa Arajo Fagundes

Tese de doutorado, apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Nutrio Humana, do Departamento de

Nutrio, da Faculdade de Cincias da Sade, da

Universidade de Braslia, como requisito parcial

obteno do ttulo de Doutora em Nutrio Humana.

Linha de pesquisa: Nutrio Social.

Orientadora: Prof. Dr. Elisabetta Recine

Braslia-DF

Abril, 2013

- 2 -

A atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Tese de doutorado avaliada pela Banca Examinadora:

Prof. Dr. Elisabetta Recine (Presidente)

Departamento de Nutrio

Faculdade de Cincias da Sade

Universidade de Braslia

Prof. Dr. Andrea Sugai Mortoza (Membro Externo)

Departamento de Nutrio

Faculdade de Sade

Universidade Federal de Gois

Prof. Dr. Anelise Rizzolo (Membro Interno)

Departamento de Nutrio

Faculdade de Cincias da Sade

Universidade de Braslia

Prof. Dr. Bethsaida de Abreu Soares Schmitz (Membro Externo)

Departamento de Nutrio

Centro de Cincias da Sade

Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Magda Scherer (Membro Externo ao Departamento)

Departamento de Sade Coletiva

Faculdade de Cincias da Sade

Universidade de Braslia

Prof. Dr. Renata Alves Monteiro (Suplente)

Departamento de Nutrio

Faculdade de Cincias da Sade

Universidade de Braslia

ii

- 3 -

Dedico minha filha, linda Sofia, com todo o meu amor.

Todo o meu reconhecimento pela sua compreenso.

Voc a minha inspirao, a minha fora.

iii

- 4 -

AGRADECIMENTOS

Os meus agradecimentos Deus, pela proteo e bnos recebidas, so dirios, a todo o

momento. Sei que sem Essa fora no seria possvel. Aqui, eu quero tambm agradecer:

Prof Dr Elisabetta Recine, orientadora e chefe. Betta, o que eu posso lhe dizer? Agradecer os

ensinamentos, a verdadeira orientao, a confiana, o apoio, a pacincia, o incentivo, o convvio, o

OPSAN, as oportunidades, a compreenso e o seu olhar justo, sensato e ponderado? Parece-me,

ainda, insuficiente. Espero retribuir-lhe. Continuar a caminhada. Por tudo isto, a minha (inicial e

muito antiga) admirao por voc aumenta, incessantemente.

minha pequena e to imensa Sofia. Espero que um dia tudo isso faa sentido para voc tambm,

minha filha. Esse sempre o meu objetivo: que tudo faa sentido para ns. Obrigada pela

compreenso, por ser to especial e doce, e pelos chamegos deliciosos nas horas de desnimo. Ah,

muito obrigada pela lista de siglas, filhota Gogoia.

Sandrinha, pelo amor, apoio e incentivo. Obrigada por me resgatar e trazer a minha essncia no

meio de tanta correria, nos momentos mais difceis. Obrigada pela efetiva colaborao. s uma linda

e amada companheira.

Ao meu amado Pai: a distncia s nos aproxima. No consigo definir. Agradeo a sua existncia.

minha Me e Sandra, pelo amor, confiana, incentivo e apoio. Amo vocs.

Aos meus irmos, Lohraine e Thiciano: perto ou longe, amor especial. Vocs so vocs, sempre!

s minhas sbias e doces avs, Fiuca e Ambrozina. Em especial, vov Ambrozina, para quem essa

luta faz muito sentido. Ao vov Lavinho, que durante esse percurso que eu escolhi, nos deixou.

Obrigada por ter manifestado a sua admirao e o seu apoio antes de ir...

s amigas Helen Duar e Luciana Sardinha, muito especiais, que dispensam palavras. Cada encontro

uma injeo de nimo. Posso acreditar. Helen, sua leitura sempre um diferencial!

Aos verdadeiros e amados amigos que formam a minha Rede de Ateno (e Apoio): Dani, Rodrigo,

Sam, Ana Maria, Sylvia, Ivana, Manu e Carol. Igualmente, o meu amor pelos filhos destes amigos.

Saber que eu posso contar com vocs e compartilhar a vida fundamental para mim.

Arlene: o seu cuidado um super diferencial.

iv

- 5 -

s amigas do OPSAN: vocs tm participao especial na tese e um lugar bem especial em meu

corao, para sempre. Nat, muito obrigada pela cooperao braal na reta final!

Ao querido casal, Andrea e Berti: mesmo que no saibam, o apoio e o incentivo de vocs so

fundamentais para mim. Obrigada, de corao.

Priscila Ollin (Pibic), cuja contribuio foi fantstica. Futura nutricionista, bem vinda!

Aos novos amigos do NESP. Em especial, Magda e rica. Conhec-las e contar com vocs um

presente especial.

Jow, Severo, amigos, obrigada pelo incentivo! Aos familiares, amigos e colegas que tambm

torceram.

banca da qualificao, professoras Anelise Rizzolo, Magda Scherer e Andrea Sugai que, de forma

gentil e cuidadosa, colaboraram muito com o trabalho. Agradeo banca final pelo aceite do convite,

por enquanto.... Sei que viro importantes contribuies.

Profa. Knia Baiocchi, coordenadora da Ps-graduao, por dispor de tantos momentos para as

situaes especiais que eu trazia. A todos os professores. De forma muito especial, Renata

Monteiro, Anelise Rizzolo e Marina Ito.

Em especial, aos nutricionistas e profissionais dos NASFs que participaram da pesquisa. Fui muito

bem recebida em todos os locais! Os meus sinceros agradecimentos. Kimielle Cristina, os meus

especiais agradecimentos.

Agradecimentos Institucionais

Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Nutrio Humana/UnB, que me recebeu e

ofereceu as condies necessrias para a concretizao do trabalho. Ao pessoal da secretaria, muito

obrigada pelas prestimosas contribuies.

s Secretarias Municipais de Sade representadas na amostra.

Coordenao Geral de Alimentao e Nutrio, do Ministrio da Sade, pelo financiamento. Ao

CNPq, pelo financiamento do Universal2011. CAPES, pela bolsa de estudos.

v

- 6 -

O que importa no (somente) prevalecerem declaraes de

boas intenes, porm aumentar a margem para otimismo quanto

s alternativas concretas de interveno nas prioridades fixadas

e diminuir o distanciamento entre as intenes e as aes

efetivas

Bertoldo Arruda, 2008

vi

- 7 -

RESUMO

A Ateno Primria Sade, considerada a porta de entrada do Sistema nico de Sade,

caracteriza-se por um conjunto de aes de sade, que abrangem a promoo, a proteo, a

preveno de agravos, o diagnstico, o tratamento, a reabilitao e a manuteno da sade, no

mbito individual e coletivo. Em 2008, o Ministrio da Sade, com o objetivo de ampliar a

abrangncia e a resolubilidade das aes de ateno bsica, e fortalecer a insero da Estratgia

Sade da Famlia, institucionalizou os Ncleos de Apoio Sade da Famlia. A partir de ento,

seria oferecido s Equipes de Sade da Famlia um suporte tcnico-pedaggico no atendimento

populao, por meio da insero de outras categorias profissionais, incluindo o nutricionista.

Essa pesquisa buscou conhecer e analisar a atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio

Sade da Famlia, bem como a insero das aes de alimentao e nutrio nesse mbito de

ateno sade. A motivao se deu pelo desconhecimento dos fatos, uma vez que recente a

implantao dessa estratgia no Brasil; pela importncia da insero das aes de alimentao e

nutrio na ateno primria sade, que foi legitimada a partir do dispositivo do matriciamento

pelo Ncleos de Apoio Sade da Famlia; e pelo histrico de atuao do campo especfico da

Nutrio na Ateno Primria Sade, restrito e pontual. Assim, foi realizado um estudo

transversal, com abordagem multimtodo quali-quantitativo (inqurito online, observao no

participante, anlise documental, grupo focal e entrevista semi-estruturada individual com

elaborao de relato de estudo de casos). Participaram do estudo, em fases diferentes, no

somente os nutricionistas, mas tambm quatro equipes dos NASF pesquisados. Com essa

proposta foi possvel (1) o olhar do pesquisador sobre o objeto do estudo; (2) dos nutricionistas

sobre a prpria ao, sobre os prprios processos de trabalho e sobre a equipe na qual est

inserido; e (3) o da equipe sobre os processos de trabalho e a insero das aes de alimentao e

nutrio nesse contexto. Os resultados foram equivalentes e complementares. Foram positivos

medida que revelam a preparao e o engajamento dos profissionais, que esto extrapolando a

atuao em suas reas especficas, de cada formao, para uma ateno mais abrangente, voltada

promoo da sade, conforme recomenda a proposta. Salienta-se, neste contexto, a atuao do

nutricionista com compartilhamento das aes e proposies com enfoque interdisciplinar

coletividade. Ficou evidente a relevncia das aes de alimentao e nutrio nos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia para estes profissionais, o que indica um campo propcio para o

contnuo trabalho. As dificuldades e os desafios relatados referem-se, essencialmente, questes

mais estruturantes, cujas respostas dependem da gesto e de aes pblicas. Cita-se nesse

conjunto: ausncia ou carncia de recursos para desenvolverem o trabalho, a falta de uma

formao complementar em sade coletiva para o trabalho, problemas com o quantitativo de

recursos humanos e a alta rotatividade de profissionais. Os resultados trazem a descrio da

organizao das atividades e do processo de trabalho, bem como a percepo e o posicionamento

destes profissionais sobre a experincia vivida. Assim, espera-se contribuir para que as aes de

alimentao e nutrio faam parte, efetivamente da ateno primria sade. Igualmente, que

possa contribuir com outros profissionais e municpios, visando adequada implantao e

funcionamento dos NASF como ordenadores de uma rede de ateno que contribua com a

melhor qualidade de vida da populao.

Palavras-Chaves: Estratgia Sade da Famlia; Ateno Primria Sade; Alimentao e

Nutrio; Apoio Matricial.

vii

- 8 -

ABSTRACT

The Primary Health Care (APS), considered the entrance door to the Unique Health System, is

characterized by a set of health actions, which covers promotion, protection, prevention of

diseases, diagnostic, treatment, rehabilitation and health maintenance, in the individual and

collective scope. In 2008, the Ministry of Health, with the objective to expand the

comprehensiveness and the solvability of actions of primary attention, supporting and

strengthening the insertion of the Family Health Strategy and qualify the intervention in strategic

areas, institutionalized the Cores to Support Family Health (NASF). Since then, it would be

offered to the teams of the Family Health a technical and pedagogical support in the assistance of

the population, through the inclusion of other professionals, including nutritionists. This research

sought to understand and analyze the performance of the nutritionist in NASF, as well as the

insertion of food and nutrition actions in the context of health care. The motivation is given by

the ignorance of the fact, as it is recent the implementation of this strategy in Brazil; for the

importance of the insertion of food and nutrition actions in the primary health care, which was

legitimized from the support matrix by NASF; and the track record of the specific field of

Nutrition in APS, restricted and punctual. Thus, it was conducted a cross-sectional study,

qualitative and quantitative, through a multi method proposition (online survey, no participant

observation, document analysis, focus groups and individual semi-structured interviews with the

preparation case studies reports). Participants were not only nutritionists, but also four teams of

the researched NASF. With this proposal was possible: (1) the view of the researcher on the

studied object; (2) of the nutritionists on their own actions, on their own work processes and on

the team they belong to; and (3) of the team on the processes and the inclusion of food and

nutrition actions in this context. The results were complementary and equivalent in the three

optics. They were very positive as they revealed the professionals preparation and engagement,

that were beyond their performance in the specific areas of formation, to look back to the broader

health promotion, as recommended by the proposition. The difficulties and challenges reported

refer mainly to the more structural issues whose answers depend on management and public

actions. It read in this set: the absence or lack of resources to develop the work, the lack of

additional training in public health for the work, problems with the amount of human resources,

high staff turnover, among others. The results provide a description of the activities organization

and the work process, as well as the perception and positioning of these professionals about the

experience. Thus, it is expected to make food and nutrition actions effectively part of the primary

health care. Also, to help other professionals and municipalities, seeking adequate deployment

and operation of NASF as officers of a care network that contributes to better quality of life.

Key-Words: Primary Health Care; Family Health, Nutrition.

viii

- 9 -

SUMRIO

Lista de Abreviaturas e Siglas................................................................................................ 11

Lista de Figuras....................................................................................................................... 12

Lista de Tabelas..................................................................................................................... 13

Lista de Quadros..................................................................................................................... 13

I. APRESENTAO.............................................................................................................. 14

II. INTRODUO.................................................................................................................. 16

III. REVISO DA LITERATURA....................................................................................... 17

3.1. Ateno Primria Sade.................................................................................................. 17

3.2. Nutrio na Ateno Primria Sade.............................................................................. 31

IV. JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO ESTUDO..................................................... 38

V. OBJETIVOS....................................................................................................................... 39

5.1. Objetivo Geral.................................................................................................................... 39

5.2.Objetivos Especficos.......................................................................................................... 39

VI. MATERIAIS E MTODOS............................................................................................ 41

6.1. Concepo do estudo.......................................................................................................... 41

6.2. Caracterizao da pesquisa................................................................................................ 41

6.3. Aspectos ticos.................................................................................................................. 44

6.4. Fase 1 do estudo................................................................................................................. 45

6.4.1. Sujeitos............................................................................................................................ 45

6.4.2. Instrumentos.................................................................................................................... 45

6.4.3. Procedimento de coleta de dados................................................................................... 47

6.4.4. Anlise de dados.............................................................................................................. 47

6.4.5. Divulgao dos resultados.............................................................................................. 48

6.5. Fase 2 do estudo................................................................................................................. 49

6.5.1. Unidades de Observao e Sujeitos................................................................................ 50

6.5.2. Instrumentos.................................................................................................................... 51

6.5.3. Procedimento de coleta de dados................................................................................... 51

6.5.4. Anlise de dados.............................................................................................................. 55

6.5.5. Divulgao dos resultados.............................................................................................. 57

6.6. Financiamento do Estudo................................................................................................... 57

VII. RESULTADOS E DISCUSSO.................................................................................... 58

7.1. Produtos da Fase 1 do estudo............................................................................................. 59

7.1.1. Artigo 1: A Atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF) ...................................................................................................................................... 59

7.1.2. Artigo 2: A percepo do nutricionista sobre os Ncleos de Apoio Sade da

Famlia no Brasil ...................................................................................................................... 83

ix

- 10 -

7.2. Produtos da Fase 2 do estudo............................................................................................. 100

7.2.1. Estudo de Casos.............................................................................................................. 101

7.2.1.1. Estudo de Caso M1...................................................................................................... 101

7.2.1.2. Estudo de Caso M2...................................................................................................... 114

7.2.1.3. Estudo de Caso M3...................................................................................................... 131

7.2.1.4. Estudo de Caso M4...................................................................................................... 145

7.2.2. Entrevistas com nutricionistas........................................................................................ 154

Sntese de resultados da Fase 2................................................................................................. 162

Discusso da Fase 2.................................................................................................................. 167

VIII. CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 173

REFERNCIAS...................................................................................................................... 176

ANEXOS E APNDICES ..................................................................................................... 185

Anexo I Termo de Consentimento e Instrumento para coleta de dados da Fase 1......... 186

Anexo II Marcador de livro............................................................................................... 193

Anexo III Plano de anlise de dados .................................................................................. 194

Anexo IV Convite para participao da Fase 2................................................................... 195

Anexo V Instrumentos de coleta de dados e informaes da Fase 2................................. 196

Anexo VI Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da Fase 2..................... 200

Anexo VII Termo de autorizao para gravao da Fase 2 ................................................ 202

Apndice I Parecer favorvel do CEP/FS/UnB para a pesquisa........................................... 203

Apndice II Parecer de aprovao de emenda do CEP/FS/UnB para a pesquisa ............. 204

x

- 11 -

Lista de Abreviaturas e Siglas Abrandh: Ao Brasileira pela Nutrio e Direitos Humanos

ABS: Ateno Bsica Sade

AN: Alimentao e Nutrio

ACS: Agente Comunitrio de Sade

APS: Ateno Primria Sade

CAPS: Centro de Ateno Psicossocial

CEP: Comit de tica em Pesquisa

CFN: Conselho Federal de Nutricionistas

CNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade

Consea: Conselho de Segurana Alimentar e Nutricional

CRAS: Centro de Referncia em Assistncia Social

CS: Centro de Sade

DCNT: Doenas Crnicas No Transmissveis

DSC: Discurso do Sujeito Coletivo

ECH: Expresses-Chaves

EI: Entrevistas Individuais

Enpacs: Estratgia Nacional para Promoo da Alimentao Saudvel

EqSF: Equipe de Sade da Famlia

ER: Equipe de Referncia

ESF: Estratgia de Sade da Famlia

FAO: Food Agriculture Organization

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IC: Ideia Central

MS: Ministrio da Sade

NASF: Ncleo de Apoio Sade da Famlia

NC: Ncleo Central

OME: Ordem Mdia de Evocao

OMS: Organizao Mundial de Sade

OPAS: Organizao Pan-Americana de Sade

PACS: Programa de Agentes Comunitrios de Sade

PNAB: Poltica Nacional de Ateno Bsica

PNAN: Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio

PNPS: Poltica Nacional de Promoo da Sade

PSE: Programa Sade na Escola

PSF: Programa de Sade da Famlia

PST: Projeto de Sade no Territrio

PTS: Projeto Teraputico Singular

RS: Representaes Sociais

SAN: Segurana Alimentar e Nutricional

Sisan: Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional

Sisvan: Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e Nutricional

SUS: Sistema nico de Sade

TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TRE: Terapia de Reduo de Estresse

TRS: Teoria das Representaes Sociais

UBS: Unidade Bsica de Sade

UCE: Unidade de Contexto Elementar

UnB: Universidade de Braslia

WHO: Word Health Organization

- 12 -

Lista de Figuras

Figura 1. Representao grfica da definio de Ateno Primria Sade ...................... 18

Figura 2. Formao do conceito de Redes Integradas de Ateno Sade......................... 22

Figura 3. Ateno Primria Sade nas Redes de Ateno Sade................................... 23

Figura 4. Processo de concepo e desenvolvimento do percurso metodolgico do

estudo .................................................................................................................................. 43

Figura 5. Representao do estudo sobre as variveis que envolvem as aes de

alimentao e nutrio na Ateno Primria Sade.......................................................... 46

Figura 5. Processo metodolgico da segunda fase do estudo.............................................. 50

Figura 6. Abrangncia geogrfica do estudo A atuao do Nutricionista nos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF)..................................................................................... 58

Figura 7. Fluxograma do trabalho do NASF M3................................................................. 115

Figura 8. Aes de alimentao e nutrio realizadas pelos Ncleos de Apoio Sade da

Famlia (NASF) pesquisados............................................................................................... 155

Figura 9. Fatores considerados mais importantes no processo de trabalho dos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF) pesquisados ................................................................. 158

Figura 10. Fatores que descrevem como realizado o processo de trabalho dos Ncleos

de Apoio Sade da Famlia (NASF) pesquisados ............................................................ 160

Figuras do Artigo 1 A atuao dos nutricionistas nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Figura 1. Conformao das equipes dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF)..... 65

Figura 2. Frequncia de publicaes tcnicas que so conhecidas ou utilizadas pelos

nutricionistas dos NASF pesquisados.................................................................................... 68

Figuras do Artigo 2 A Percepo dos nutricionistas nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF) no Brasil

Figura 1. Fatores influenciadores da atuao dos nutricionistas no NASF.......................... 91

Figura 2. Classificao Hierrquica Descendente do total do corpus analisado.................. 93

Figura 3. Eixo Funes Especficas ................................................................................. 94

- 13 -

Lista de Tabelas

Tabela 1. Histrico dos parmetros das modalidades dos Ncleos de Apoio Sade da

Famlia (NASF) .................................................................................................................... 29

Tabela 2. Sntese dos elementos terico-metodolgicos do projeto de pesquisa.................. 39

Tabelas do Artigo 1 A Atuao dos nutricionistas nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Tabela 1. Frequncia (%) da percepo dos entrevistados segundo as dimenses sobre

planejamento e execuo das aes nos NASF em que atuam .............................................

66

Tabela 2. Frequncia (%) das aes de sade correlatas alimentao e nutrio que

esto sendo realizadas pelos NASF, segundo a forma e envolvimento dos profissionais... 67

Tabela 3. Percepo (%) dos nutricionistas dos NASF pesquisados quanto

disponibilidade de recursos no local de trabalho, segundo escala de satisfao .................. 69

Tabelas do Artigo 2 A Percepo dos nutricionistas nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF)

Tabela 01. Elementos da representao social do termo indutor Ateno Bsica

Sade, segundo a frequncia e a ordem mdia de evocao................................................ 90

Tabela 02. Elementos da representao social do termo indutor Ncleos de Apoio

Sade da Famlia (NASF), segundo a frequncia e a ordem mdia de evocao................ 90

Lista de Quadros Quadro 1. Marco lgico para pesquisa 'A atuao do nutricionista nos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF)'...................................................................................... 42

Quadro 2. Principais resultados segundo a Matriz para atuao no NASF ........................ 163

Quadro 3. Exemplo 1 de agenda mensal de um nutricionista no NASF.................................. 165

Quadro 4. Exemplo 2 de agenda mensal de um nutricionista no NASF .................................... 166

- 14 -

I. APRESENTAO

O Sistema nico de Sade (SUS) tem sido desafiado a prestar servios mais efetivos

frente ao atual panorama epidemiolgico brasileiro. Um conjunto de evidncias refora a

necessidade de ser dada maior nfase ao atendimento na Ateno Primria Sade (APS), com

objetivo de dar maior resolutividade ateno prestada, promover a sade e prevenir as doenas

(Brasil, 2012b; OPAS, 2011.

Neste contexto, outras categorias profissionais de sade, alm dos profissionais mdicos,

envolvidos na preveno e controle de doenas contemporneas e seus determinantes, foram

incorporadas s diferentes equipes no mbito da APS, dentre eles o nutricionista. Particularmente

em relao a este profissional, ressalta-se a necessidade do fortalecimento da ateno nutricional

na APS como fator importante para corroborar com a preveno e o cuidado das condies

crnicas apresentadas pela populao brasileira (Brasil, 2012a).

Assim, foi realizado um estudo exploratrio com abordagem multimtodo (quali-

quantitativo), para analisar a atuao do nutricionista nos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF) na perspectiva de contribuir com as aes e o processo de trabalho deste profissional na

APS.

Para compor o referencial terico ser apresentada a Ateno Primria Sade (APS) e

seus componentes no contexto do SUS, a Estratgia Sade da Famlia (ESF) e os Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF) e as Redes de Ateno Sade.

Para maior compreenso do processo de qualificao e estruturao da ateno sade no

Brasil integram tambm o referencial terico temas como trabalho em sade, que permeia a

complexidade das novas relaes impostas pelo ofcio, e os Modelos de Ateno Sade.

Posteriormente, foi apresentado o campo da alimentao e nutrio nesse nvel de ateno

sade.

As situaes vivenciadas na trajetria pessoal como nutricionista, nortearam, sem dvida,

a deciso de realizar esse estudo. Como pesquisadora, investigar e conhecer a atuao

profissional dos meus pares, em uma proposta de trabalho que considerei importante e acredito,

pode colaborar com a nutrio no Brasil. Interpretar o significado dos resultados obtidos me

trouxe reflexes desafiadoras e considervel aprendizado em cada etapa.

- 15 -

Os resultados apresentados podero se somar a um conjunto de estudos recentes que

objetivam compreender aes, processos de trabalho e resultados alcanados nos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF).

Embora o foco do presente estudo tenha sido nas aes dos nutricionistas possvel

ampliar algumas anlises para a equipe como um todo. O percurso da pesquisa e os resultados

encontrados foram instigantes medida que me aproximavam da perspectiva inicial:

compreender para avanar.

Parte dos resultados foi apresentada em forma de artigos cientficos e, outra parte, em

forma de relato que, posteriormente, tambm compor um artigo cientfico.

- 16 -

II. INTRODUO

O atual perfil de morbidade da populao brasileira est intrinsecamente relacionado com

modos de vida no saudveis, merecendo destaque a alimentao inadequada e o sedentarismo,

que atinge parcelas significativas da populao, em todas as faixas sociais e etrias (Brasil,

2012b).

Como resultado desse cenrio, alm dos agravos sade, que se manifestam em

incidncias crescentes das Doenas Crnicas No Transmissveis (DCNT), como hipertenso

arterial, diabetes, doenas cardiovasculares, dislipidemias, excesso de peso e obesidade, entre

outras, ocorre o crescente gasto oramentrio do Sistema nico de Sade (SUS) para o

tratamento dessas doenas e suas complicaes (Coutinho et al., 2008). Estima-se, por exemplo,

que o SUS utilizou cerca de R$ 31,5 milhes, em 2011, somente com os procedimentos

relacionados cirurgia baritrica, e R$ 487.976.502,84 foi o custo atribuvel obesidade, com

procedimentos relacionados s doenas que tem a obesidade como fator de risco no mesmo

perodo (Oliveira, 2013).

A complexidade ainda maior por que o Brasil no equacionou totalmente os problemas

alimentares relacionados carncia de alimentos. Atualmente, coexistem perfis nutricionais

distintos e, s vezes, sobrepostos carncias nutricionais e excesso de peso (Ferreira e

Magalhes, 2007), impondo a necessidade de aes pblicas e que atuem sobre esta dupla carga

de doenas. Acumulam-se evidncias de que o caminho mais eficaz e eficiente investir na

promoo da sade e na preveno de doenas (Brasil, 2012b; 2006a; 1999).

O atendimento do primeiro nvel de ateno sade que, em geral, acontece em uma

Unidade ou Posto de Sade e/ou pelos profissionais que compe as equipes da Estratgia Sade

da Famlia (ESF) constitui o lcus privilegiado para o desenvolvimento de aes de promoo de

sade (Brasil, 2012b; 2006b). Ferreira e Magalhes (2007) afirmam que intensificar e qualificar

as aes de promoo da sade no mbito da ateno primria representa um caminho promissor

para o campo da alimentao e nutrio.

Face ao exposto, justifica-se caracterizar o trabalho dos nutricionistas que atuam nos

Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF), identificar os caminhos percorridos, desde a

organizao dos ncleos, a forma de atuao e os obstculos enfrentados.

- 17 -

III. REVISO DA LITERATURA

A reviso da literatura foi estruturada com enfoque na Ateno Primria Sade,

detalhando a Estratgia Sade da Famlia e os Ncleos de Apoio Sade da Famlia. Sero

contextualizados os Modelos de Ateno e as Redes de Ateno Sade, como parte integrante

da proposta brasileira de transformar este nvel no centro coordenador da ateno sade, e o

tema referente processos de trabalho para este contexto de atuao. Posteriormente, sero

apresentados os principais parmetros das aes de alimentao e nutrio na Ateno Primria

Sade (APS).

3.1. A Ateno Primria Sade

O Sistema nico de Sade (SUS) um sistema pblico e gratuito, baseado nos princpios

da universalidade do atendimento e integralidade de seus servios e aes e equidade.

composto pelas trs esferas de governo (federal, estadual e municipal) e pode ser complementado

pela rede privada. Considerando o princpio da integralidade, oferece atendimento nos trs nveis

de ateno sade: primrio, secundrio e tercirio (Brasil, 1990).

A Ateno Primria, considerada a porta de entrada do SUS, caracteriza-se por um

conjunto de aes de sade, que abrangem a promoo, a proteo, a preveno de agravos, o

diagnstico, o tratamento, a reabilitao e a manuteno da sade no mbito individual e

coletivo. Orienta-se, como todo o Sistema, pelos princpios da universalidade, equidade e da

participao social, da acessibilidade e da coordenao do cuidado, do vnculo e continuidade, da

integralidade, da responsabilizao e a humanizao (Brasil, 2012b; 2006a).

A APS pode ser definida como um conjunto de valores: o direito a sade, solidariedade e

equidade; um conjunto de princpios: responsabilidade governamental, sustentabilidade,

intersetorialidade, participao social, dentre outros; e um conjunto indissocivel de elementos

estruturantes da rede de servios sade ou atributos da APS: acesso ao primeiro contato,

integralidade, longitudinalidade, coordenao, orientao familiar e comunitria, competncia

cultural (OPAS, 2011) (Figura 1).

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Figura 1. Representao grfica da definio de Ateno Primria Sade.

Fonte: OPAS, 2011.

O Programa de Sade da Famlia (PSF) foi implantado no Brasil em 1994, como um

modelo diferenciado de ateno primria sade, orientado por aes interdisciplinares1 em

direo a intervenes voltadas promoo da sade da populao, consubstanciado na atuao

das Equipes de Sade da Famlia (ESF) (Starfield, 2002; Assis et al., 2002; Brasil, 2001).

Inicialmente, focava-se a extenso da cobertura, principalmente em reas de maior risco

social. Aos poucos adquiriu centralidade na agenda de sade, caracterizando-se como a estratgia

estruturante dos sistemas municipais e modelo de Ateno Primria Sade j presente em 95%

dos municpios brasileiros (Brasil, 2012b; Giovanella et al., 2009; Walley et al., 2008).

Em 2006, visando operacionalizao da Ateno Primria2 Sade foi aprovada a

Portaria n 648/GM de 28 de maro de 2006, a Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB)

(Brasil, 2006a), que apresentou as diretrizes e normas para a organizao da ateno primria

1 O termo interdisciplinar define o conhecimento que passa de setorizado para integrado, com interaes recprocas

entre disciplinas cientficas (Saviani, 2003; Berticelli, 2003). Para Bochniak (1992) a interdisciplinaridade a forma

correta de superar a fragmentao do saber instituda no currculo formal, e transcender a justaposio das

disciplinas; traz reciprocidade, mutualidade e dilogo, gerando troca de dados, resultados, informaes e mtodos.

Para Piaget (1970), a interdisciplinaridade pode ser entendida como o intercmbio mtuo e integrao recproca

entre vrias cincias (Morin, 2000). Requer a integrao entre os saberes e a atuao das equipes de sade, e no

somente a coexistncia de vrios profissionais numa mesma situao de trabalho, compartilhando o mesmo espao

fsico e a mesma clientela (Peduzzi, 2009). 2 Alguns autores utilizam os termos Ateno Primria Sade e Ateno Bsica Sade como sinnimos e na

perspectiva de unidades locais ou nvel de assistncia. Para uns, a APS o primeiro nvel de ateno dos servios de

sade, indo ao encontro de sua definio de porta de entrada para o sistema, com as unidades bsicas sua instncia

operacional (Gil, 2006). Recentemente, o Ministrio da Sade (Brasil, 2012b) padronizou a terminologia: Ateno

Primria Sade.

http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/int.html

- 19 -

para o Programa Sade da Famlia (PSF) e o Programa de Agentes Comunitrios de Sade

(PACS) (Brasil, 2006a). Alm da PNAB foram publicados outros instrumentos legais que

orientam as aes promotoras da sade no Brasil: a Poltica Nacional de Promoo da Sade

(PNPS) e o Pacto pela Vida, ambos em 2006 (Brasil, 2006a; 2006b).

Alm da APS ser uma estratgia prioritria, de atendimento famlia, de forma integral e

contnua, com enfoque no ambiente fsico e social, tem como objetivo reorganizar a prtica

assistencial. Desta maneira, pode ser definido como um modelo de ateno, que pressupe o

reconhecimento da sade como imprescindvel para a qualidade de vida, valorizando o

acolhimento, o vnculo e a autonomia dos sujeitos (Coelho, 2010; Coutinho et al., 2009; Gil,

2006; Brasil, 2006b).

O Relatrio Mundial de Sade apresenta as diferenas entre ateno convencional e a

APS (WHO, 2008), confirmando o elevado potencial de ofertar aes de sade mais eficazes e

equitativas. Diversos estudos apontam que uma APS bem estruturada e qualificada capaz de

resolver de 85% a 90% dos problemas de sade de uma comunidade, desde que as equipes de

ateno sejam capacitadas para reconhecer, prevenir e tratar as necessidades e os problemas de

sade mais frequentes (OPAS, 2011; Glanville et al., 2011; Paim et al., 2011; Macinko et al.,

2010; 2006; Rasella et al., 2010).

Por outro lado, pases com APS incipiente apresentam resultados sanitrios mais pobres,

especialmente para indicadores da sade infantil. Quanto mais forte a orientao dos pases para

a APS, menores as taxas de mortalidade por todas as causas, de mortalidade prematura por todas

as causas e por asma, bronquite, enfisema, pneumonia e doenas do aparelho circulatrio. A APS

est associada, ainda, com redues nos efeitos adversos da desigualdade de renda na sade

(Mendes, 2009).

Avalia-se que o problema mais relevante dos sistemas de sade, em pases ou regies que

vivem a transio epidemiolgica, a incoerncia entre esta situao epidemiolgica e o modelo

de ateno sade. Em geral, este modelo fragmentado e focado nas condies agudas

(WHO/FAO, 2003). Em nvel global, grande parte dos debates sobre a crise dos sistemas de

sade, relacionam-se discrepncia entre as necessidades de sade das populaes os

chamados fatores contextuais (envelhecimento populacional, o perfil epidemiolgico, os avanos

cientficos e a incorporao tecnolgica), e a forma com que os sistemas de sade se organizam

para responder a estas demandas os denominados fatores internos (Kuschnir e Chorny, 2010).

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O modelo de ateno sade, segundo Paim (1999), uma forma de organizao das

relaes entre sujeitos (profissionais de sade e usurios), mediadas pelas tecnologias do

processo de trabalho em sade (materiais e no materiais). A recomendao atual para os

modelos de ateno sade inclui elementos que propem aes de promoo, proteo,

recuperao e reabilitao, tanto ao indivduo, quanto famlia e comunidade, por meio de

servios assistenciais (ambulatoriais, hospitalares e de apoio diagnstico), e de vigilncia em

sade (ambiental, epidemiolgica e sanitria).

Assim, os modelos de ateno sade so configuraes que os sistemas de sade

adquirem, em determinado tempo e lugar, em funo da viso prevalecente da sade, da situao

demogrfica e epidemiolgica e dos fatores econmicos, polticos, tecnolgicos, cientficos e

culturais vigentes, articulando diferentes intervenes no processo sade/doena. Mendes (2007)

considera que o modelo seminal, do qual derivam quase todos os outros, o modelo de ateno

s condies crnicas (Chronic Care Model) (Mendes, 2007; 1999; Singh e Ham, 2006).

Para Mendes (2010), s haver uma ateno primria de qualidade, quando seus atributos

(acesso ao primeiro contato, integralidade, longitudinalidade, coordenao, orientao familiar e

comunitria, competncia cultural) estiverem adotados em sua totalidade e quando esse nvel de

ateno cumprir as suas trs funes essenciais: resolubilidade, comunicao e responsabilizao

(Mendes, 2010; Starfield et al., 2005).

Considera-se como alternativa para enfrentar o complexo panorama mundial dos sistemas

de sade a implantao das Redes de Ateno Sade, coordenadas pela APS, visando acabar

com a fragmentao das aes e dos recursos financeiros empreendidos (OPAS 2011; Kuschnir e

Chorny, 2010; Mendes, 2009).

As Redes de Ateno Sade (RAS) so organizaes de conjuntos de servios de sade

vinculados por uma misso nica, objetivos comuns e por uma ao cooperativa e

interdependente, que permitem ofertar uma ateno contnua e integral determinada populao,

sendo coordenada pela ateno primria sade (Mendes, 2010). uma rede organizada que

presta (ou faz arranjo para prestar) servios de sade, visando equidade e a integralidade e que

presta contas por seus resultados clnicos e econmicos e pelo estado de sade da populao a

que serve (OPAS, 2011).

Recomenda-se que estas Redes sejam estabelecidas sem hierarquia entre os diferentes

componentes, com todos os pontos de ateno sade igualmente importantes, relacionando-se

horizontalmente e funcionando sob coordenao da ateno primria. Assim, os servios de

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menor densidade tecnolgica, como os da APS, devem ser descentralizados e os servios de

maior densidade, como os hospitais, devem ser concentrados (Mendes, 2011). Esse o conceito

de concentrao e disperso, ratificado pela OMS (OPAS, 2011; WHO, 2000), quando atesta que

as RAS devem ser organizadas em arranjos produtivos mistos, que combinam a concentrao de

certos servios com a disperso de outros.

O ponto central o acesso ao sistema de sade. O atendimento deve abranger o ciclo

completo de ateno s condies de sade, com responsabilidades sanitrias pela populao de

abrangncia (Mendes, 2010). Essa rede integrada deve se caracterizar por ter um territrio e

populaes definidos com ampla oferta de estabelecimentos e servios, integrados por sistemas

eletrnicos de informao, com um modelo assistencial centrado na pessoa, na famlia, na

comunidade e territrio, sob um nico sistema de governana e financiamento adequado. Outro

quesito para a organizao em RAS a capacidade de descentralizar seus processos, atuando de

forma intersetorial (Mendes, 2011; 2010; 2009).

A Organizao Pan-americana de Sade (OPAS) (2011a) destaca que a integralidade do

cuidado s ser alcanada com a constituio de uma rede integrada de cuidado entre os trs

nveis de ateno, alm de ser inter-relacionada com outras polticas sociais. Ou seja, mesmo

sendo centrada e ordenada pela APS, a existncia de redes secundria e/ou terciria

desintegradas pode gerar prejuzos tanto para a sade da populao, quanto prejuzos financeiros

para o sistema.

A RAS constituda por trs dimenses: os elementos, os atributos e os mbitos de

abordagem, conforme apresentado na Figura 2 (OPAS 2011; 2010; Mendes, 2009; 2007). So ao

todo trs elementos bsicos (a populao, a estrutura operacional e o modelo de ateno sade)

e 14 atributos propostos em quatro mbitos de abordagem (Mendes, 2009). Para esse estudo,

sero apresentados os conceitos referentes aos elementos.

O primeiro elemento bsico refere-se populao, que a razo de se estruturar um

sistema integrado capaz de estabelecer intervenes sanitrias, provendo o cuidado sade, em

conformidade com os riscos de doena, invalidez e morte. Nesse contexto, a populao aquela

que vive em territrios sanitrios singulares, organizada em famlia, com realidades

socioculturais semelhantes (OPAS, 2011; Mendes, 2010).

- 22 -

Figura 2. Formao do conceito de Redes Integradas de Ateno Sade.

Fonte: OPAS, 2011; Mendes, 2010.

inerente s redes a definio dos territrios sanitrios, sendo o conceito de

territorializao um importante instrumento de organizao dos processos de trabalho e das

prticas de sade. Esse conceito vem sendo utilizado por distintas iniciativas no mbito do SUS,

como a ESF, a Vigilncia em Sade Ambiental, e a prpria descentralizao prevista na

Constituio Federal (Santos e Rigotto, 2010; Monken e Barcellos, 2005; Bengoa, 1957).

A estrutura operacional, segundo elemento bsico para a constituio de Redes Sade,

so os ns e as ligaes materiais e imateriais que comunicam esses ns, constitudos por cinco

componentes: (1) o centro de comunicao, que deve ser a ateno primria sade; (2) os

pontos de ateno secundrios e tercirios; (3) os sistemas de apoio, compreendidos pelos

lugares institucionais onde se prestam servios comuns a todos os pontos de ateno; (4) os

sistemas logsticos, que so as solues tecnolgicas, ancoradas na tecnologia da informao,

para organizao racional e efetiva do fluxo de informaes; e (5) os sistemas de governana,

que so definidos como arranjos organizativos para a gesto de todos os componentes das redes

de ateno sade (OPAS, 2011; Mendes, 2010).

E o terceiro elemento constitutivo so os modelos de ateno sade. Este organiza o

funcionamento, articulando as relaes entre populaes e as intervenes de sade (Mendes,

2010). Devem ser determinados pela situao epidemiolgica, demogrfica, pelas questes

sociais e pelas relaes por elas constitudas. Atualmente, inmeros estudos so realizados sobre

esse tema, pois existem diversos modelos, que devem ser derivados das necessidades da

populao e, consequentemente, definiro o tipo de interveno, a triagem e o fluxo do sistema.

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A proposta das Redes Integradas de Ateno tem como objetivo o campo do cuidado

integrado, sendo explcitas as recomendaes de que a APS seja seu eixo orientador (Figura 3)

(OPAS 2011). Observa-se, face ao exposto, que a APS representa um conjunto complexo de

conhecimentos e procedimentos, e demanda uma interveno ampla em diversos aspectos para

que se possa ter efeito positivo sobre a qualidade de vida da populao (Brasil, 2010a).

Figura 3. Ateno Primria Sade nas Redes de Ateno Sade.

Fonte: OPAS, 2011.

No tocante a essa complexidade, cita-se o trabalho em equipe como uma das variveis

que merecem ateno nesse processo em busca do aprimoramento da oferta de servios de

ateno sade da populao. Sob estes conceitos, inserem-se a atuao dos profissionais no

contexto de Redes de Ateno Sade, cuja recomendao o trabalho em equipe.

Cattani e Holzmann (2011) definem trabalho em equipe pela ao de um conjunto de

pessoas a fim de atingir objetivos comuns com responsabilidade e compromisso compartilhados,

comunicao aberta e efetiva. Supe cooperao, confiana e valorizao das diferenas

individuais, demandando esforo coordenado e constante aperfeioamento de seus membros, de

forma que seu desempenho seja maior do que a soma dos desempenhos individuais.

Peduzi (2009) conceitua trabalho em equipe multiprofissional como uma modalidade de

trabalho coletivo construdo por meio da relao recproca, de mo-dupla, entre as mltiplas

intervenes tcnicas e interao profissionais de diferentes reas. Coaduna com o Catani e

Holzmann (2011), afirmando que deve ser configurado pela comunicao e cooperao.

A literatura cientfica aponta para um consenso quanto recomendao do trabalho em

equipe (Cattani e Holzmann, 2011; Peduzzi, 2009), defendido como estratgia eficaz, tendo em

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vista o aumento potencial de resultados (Moscovici, 2001). Porm, a literatura igualmente relata

a persistncia e a predominncia da noo de equipes segmentadas que dividem o mesmo espao

fsico, os mesmos pacientes, em situaes de trabalho semelhantes (Fortuna et al., 2005, Scherer

et al., 2009). A cooperao, nesse contexto, pode se tornar mais complexa. Mltiplas vises

sobre um mesmo problema podem gerar oportunidade de solues criativas, porm, estas

diferentes vises sobre o mesmo assunto podem tambm gerar conflitos (Pdua e Boog, 2006).

Moscovici (2001) confirma que grupos existem em todas as organizaes e que equipes

so raras ainda, embora ostentem essa denominao frequentemente. Segundo Ojeda e Strey

(2008), perpetuam-se saberes e prticas individualizadas, centrados em interesses corporativos,

em territrios e prticas hierarquizados que fragmentam as aes de sade.

Um dos grandes desafios atuais para constituir uma APS de qualidade, organizadora da

rede integrada de cuidados a presena e fixao de profissionais qualificados nas Equipes de

Sade da Famlia, o grau de efetividade clnica das equipes frente aos problemas de sade e a

prtica efetiva da coordenao do cuidado com garantia da integralidade (OPAS, 2011). Ou seja,

profissionais comprometidos e com o trabalho em equipe.

Em um breve histrico, Peduzzi (2009) afirma-se que o trabalho em equipe no campo da

sade foi formado a partir de trs vertentes: (1) a noo de integrao, como conceito estratgico

do movimento da medicina preventiva nos anos 1950; (2) a transio da abordagem da

unicausalidade para a multicausalidade no processo sade-doena; e (3) as consequentes

alteraes nos processos de trabalho em busca de ampliar os objetivos das intervenes e

introduzir novos instrumentos e tecnologias, com o respaldo do objetivo de ateno integral ao

usurio.

Estabelece-se, portanto, uma agenda para os gestores e profissionais de sade, a partir da

necessidade de articulao entre as equipes, diversas e heterogneas, exigindo profissionais com

conhecimentos, habilidades e atitudes que possibilitem as mudanas necessrias na organizao

dos servios trabalho em equipe, competncias compartilhadas e humanizao no atendimento

(Brasil, 2008; Giovanella et al., 2009).

So trabalhos constitudos por prticas, normas e regulaes que situam os profissionais

em espaos sociais e em permanente luta na relao com os outros. Ojeda e Strey (2008),

completam afirmando que a circulao de saberes e poderes entre as diferentes profisses tornam

as prticas em sade um espao social de disputas. Desse modo, o trabalho em equipe pressupe

no apenas encaminhamentos, mas reunies conjuntas, nas quais os casos so discutidos pela

- 25 -

equipe visando a articulao do trabalho das diferentes especialidades (Scherer e Pires, 2009;

Ojeda e Strey, 2008; Pdua e Boog, 2006).

Assim, considerando o novo contexto das aes de sade no Brasil e as diretrizes ligadas

ao papel da Ateno Primria como ordenadora do cuidado das Redes de Ateno Sade,

verifica-se que as principais necessidades de mudana se concentram no fortalecimento da fora

de trabalho da sade, com enfoque nos processos e nos profissionais.

Para atender a estas necessidades, o Ministrio da Sade atualizou a Poltica Nacional de

Ateno Bsica (PNAB) (Brasil, 2012b), publicando a Portaria 2.488, de 21 de outubro de 2011

(Brasil, 2011a). Dentre outros aspectos, essa Portaria reafirma a implantao dos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia (NASF) como forma de atuao ampliada na APS, desempenhando o

papel de ordenadores do cuidado na lgica da qualificao da APS e estabelecimento das RAS.

3.1.1. Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF)

O Apoio Matricial (AM) um arranjo organizacional ou metodologia de trabalho, que

viabiliza o suporte tcnico em reas especficas para equipes responsveis pelo desenvolvimento

de aes bsicas de sade, visando facilitar o direcionamento dos fluxos e a articulao de

determinada rede (Nunes, 2011; Campos e Dominitti, 2007).

Assim, o profissional apoiador matricial um especialista que tem um ncleo de

conhecimento e um perfil com potencial de agregar recursos do saber e contribuir com

intervenes, visando aumentar a capacidade de solucionar os problemas de sade da populao

(Campos e Domitti, 2007).

Inicialmente, esse conceito foi concebido dentro da linha de pesquisa voltada para a

reforma das organizaes e do trabalho em sade. Posteriormente, foi adotado pelo Ministrio da

Sade, como base para a Ateno Primria/Sade da Famlia (Campos e Domitti, 2007),

mediante o desafio de superar as intervenes tradicionalmente hospitalocntricas e implantar

estratgias de cuidado territoriais e integrais, ancoradas em novos saberes e valores culturais.

O Ministrio da Sade recomendou esse arranjo organizacional ao identificar que, mesmo

concentrando esforos para estender o cuidado para todos os nveis de assistncia, especialmente

na ateno primria, seria invivel faz-lo sem a incorporao de outras categorias profissionais,

ainda no contempladas na equipe bsica (Dimenstein et al., 2009).

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A determinao veio por meio da institucionalizao da Portaria N 154, em 24 de janeiro

de 2008, cuja recomendao foi implantar os Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF) para

matriciar as equipes de sade da famlia e estabelecer a corresponsabilizao dos casos

atendidos, por meio de repasse de recurso do Governo Federal aos municpios e ao Distrito

Federal que optarem pela ao (Brasil, 2008).

O objetivo oferecer s equipes uma retaguarda especializada e um suporte tcnico

pedaggico no atendimento sade (Dimenstein et al., 2009; Campos e Domitti 2007; Brasil,

2008; Nunes, 2011), conforme explicitado na regulamentao: (1) ampliar a abrangncia e a

resolubilidade das aes de ateno bsica, apoiando e fortalecendo a insero da Estratgia

Sade da Famlia e (2) qualificar a interveno em reas estratgicas, entre elas a Alimentao e

a Nutrio. A corresponsabilizao das equipes deve se efetivar por meio de discusses e

intervenes conjuntas com as famlias e comunidades, atendimentos coletivos ou na forma de

superviso ou capacitao (Brasil, 2010a; Brasil, 2008).

Para tanto, esta equipe de matriciamento deve ser constituda por equipes compostas por

diferentes categorias profissionais, de distintas reas de conhecimento, dentre os quais o

nutricionista est previsto (Brasil, 2012b). No necessariamente estes profissionais tero relao

direta e cotidiana com os usurios.

O NASF tem a responsabilidade de reforar as oito diretrizes da ateno bsica em

conjunto com suas equipes de sade, quais sejam: a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, a

territorializao, a integralidade, o controle social, a educao permanente em sade, a promoo

da sade e a humanizao (Brasil, 2012b; 2010a; 2008).

Foram definidas pelo Ministrio da Sade nove reas estratgicas para o NASF, que

orientam a contratao dos profissionais, respectivamente: Sade da Criana, do Adolescente e

do Jovem (pediatra), Sade da Mulher (ginecologista), Sade Mental (psiclogo e psiquiatra),

Reabilitao e Sade Integral da Pessoa Idosa (fisioterapeuta, fonoaudilogo e terapeuta

ocupacional), Servio Social (assistente social), Alimentao e Nutrio (nutricionista),

Atividade Fsica e Prticas Corporais (professor de Educao Fsica), Assistncia Farmacutica

(farmacutico) e Prticas Integrativas e Complementares (homeopata e acupunturista) (Jaime et

al., 2011; Brasil, 2010).

Para cumprir os objetivos, as atribuies de todos os profissionais que compem os

NASF, conforme a Portaria, so:

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Identificar, em conjunto com as ESF e a comunidade, as atividades, as aes e as prticas

a serem adotadas em cada uma das reas cobertas;

Identificar, em conjunto com as ESF e a comunidade, o pblico prioritrio a cada uma

das aes;

Atuar, de forma integrada e planejada, nas atividades desenvolvidas pelas ESF e de

Internao Domiciliar, quando estas existirem, acompanhando e atendendo a casos, de

acordo com os critrios previamente estabelecidos;

Acolher os usurios e humanizar a ateno;

Desenvolver coletivamente, com vistas intersetorialidade, aes que se integrem a

outras polticas sociais como: educao, esporte, cultura, trabalho, lazer, entre outras;

Promover a gesto integrada e a participao dos usurios nas decises, por meio de

organizao participativa com os Conselhos Locais e/ou Municipais de Sade;

Elaborar estratgias de comunicao para divulgao e sensibilizao das atividades dos

NASF por meio de cartazes, jornais, informativos, faixas, folders e outros veculos de

informao;

Avaliar, em conjunto com as ESF e os Conselhos de Sade, o desenvolvimento e a

implementao das aes e a medida de seu impacto sobre a situao de sade, por meio

de indicadores previamente estabelecidos;

Elaborar e divulgar material educativo e informativo nas reas de ateno dos NASF; e

Elaborar projetos teraputicos individuais, por meio de discusses peridicas que

permitam a apropriao coletiva pelas ESF e os NASF do acompanhamento dos usurios,

realizando aes multiprofissionais e transdisciplinares, desenvolvendo a

responsabilidade compartilhada.

Acrescenta-se que, alm da parceria com os profissionais da ESF, os NASF devero atuar

com outros setores, de forma articulada e integrada, compartilhando as prticas em sade nos

territrios sob responsabilidade das equipes nos quais esto cadastrados, alm de realizar aes

juntamente aos equipamentos pblicos, trabalhos educativos e de incluso social (Brasil, 2012b;

2008).

As caractersticas dos NASF so definidas por modalidades (NASF 1, NASF 2 ou NASF

3), quanto ao nmero de profissionais nas equipes e ao nmero de Equipes de Referncia (ER).

Ao longo do processo de implantao esses parmetros foram modificados, visando adequar a

ao e obter melhores indicadores. Inicialmente, estes eram baseados no quantitativo

populacional e, posteriormente, passaram a ser definidos pela carga-horria de trabalho de cada

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equipe. Alm das trs modalidades, possvel, ainda, a criao de consrcio para a implantao

do NASF 1 entre os municpios que no atinjam os parmetros estabelecidos. Desde o incio, foi

vetada a implantao de mais de uma modalidade de forma concomitante nos municpios (Brasil,

2008).

Cabe esclarecer que o NASF 3 foi incorporado dois anos aps a institucionalizao do

NASF (Brasil, 2010), com o objetivo de promover a ateno integral em sade mental,

prioritariamente para usurios de crack, lcool e outras drogas. Atualmente, essa modalidade

preconiza os mesmos parmetros do NASF 1 e 2. Para facilitar a visualizao e compreenso, a

Tabela 1 apresenta o histrico destes parmetros de vinculao, desde o momento da

institucionalizao dos Ncleos at a presente data.

A definio das categorias profissionais que comporo o NASF deve ser feita a partir de

critrios de prioridade de sade identificados no territrio e de responsabilidade do gestor

municipal (Brasil, 2010a).

Importa ressaltar que as mudanas dos parmetros ampliaram o matriciamento dos

profissionais dos NASF nos territrios. Inicialmente, apoiavam somente as EqSF e a Portaria n

2.488/2011 passou a recomendar, tambm, o apoio s equipes de ateno s populaes

especficas (Consultrios na Rua, equipes Ribeirinhas e Fluviais etc.) e s Academias da Sade.

Por outro lado, pode ser observado que o nmero de equipes que devem ser matriciadas pelos

NASF sofreu uma reduo ao longo do processo de implantao desta ao (Brasil, 2012b;

2011a; 2010a; 2008).

Quanto organizao e ao desenvolvimento do processo de trabalho do NASF, devem

contar com diversas formas de interveno no territrio e dependem de algumas ferramentas

tecnolgicas: as de Apoio Gesto e de Apoio Ateno (Brasil, 2010a).

A ferramenta de Gesto resumida pela tecnologia de Pactuao do Apoio, que se refere

avaliao conjunta do territrio entre os gestores, as Equipes de Sade da Famlia (EqSF) e o

Conselho de Sade, e pactuao do desenvolvimento do processo de trabalho e das metas, entre

os gestores, a equipe do NASF e as EqSF. As ferramentas de Apoio Ateno contemplam,

alm do Apoio Matricial, a Clnica Ampliada, o Projeto Teraputico Singular (PTS) e o Projeto

de Sade no Territrio (PST), detalhadas a seguir (Brasil 2010a; Brasil 2008).

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Tabela 1. Histrico dos parmetros das modalidades dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia

(NASF).

Modalidade do NASF/

Parmetros de vinculao NASF 1 NASF 2 NASF 3

1. Portaria N 154/GM/MS, de 24 de janeiro de 2008

Nmero de Profissionais na

equipe dos NASF

No mnimo de 5

categorias no

coincidentes

No mnimo 3

No existiam Nmero de Equipes de

Sade da Famlia (EqSF) de

referncia

Mnimo de 8 e

mximo de 20, exceto

na Regio Norte, com

mnimo de cinco

No mnimo 3

2. Portaria N 2.843/GM/MS, de 20 de setembro de 2010

Nmero de Profissionais na

equipe dos NASF Mantm parmetros da portaria anterior

Mnimo 5 categorias

no coincidentes em

populao menor

que 20 mil hab2

Nmero de Equipes de

Sade da Famlia (EqSF) de

referncia

Mantm parmetros da portaria anterior Mnimo de 4 e

mximo de 7

3. Portaria N 2.488/GM/MS, de 21 de outubro de 2011

Nmero de Profissionais na

equipe dos NASF

Acmulo de no

mnimo 200h/s1 a

soma da carga de

trabalho dos

membros, com todos

os profissionais

trabalhando pelo

menos 20h/s e cada

ocupao ter, no

mximo, 80 h/s

Acmulo de no

mnimo 120h/s a

soma da carga de

trabalho dos

membros, com todos

os profissionais

trabalhando pelo

menos 20h/s e cada

ocupao ter, no

mximo, 40 h/s

Foram suprimidos

tornando-se NASF 2

Nmero de Equipes de

Sade da Famlia (EqSF) de

referncia

Mnimo de 8 e

mximo de 15

Mnimo de 3 e

mximo de 7

4. Portaria N 3.124/GM/MS, de 28 de dezembro de 2012

Nmero de Profissionais na

equipe dos NASF

Acmulo de no

mnimo 200h/s1 a

soma da carga de

trabalho dos

membros, com todos

os profissionais

trabalhando pelo

menos 20h/s e cada

ocupao ter, no

mximo, 80 h/s

Acmulo de no

mnimo 120h/s a

soma da carga de

trabalho dos

membros, com todos

os profissionais

trabalhando pelo

menos 20h/s e cada

ocupao ter, no

mximo, 40 h/s

Acmulo de no

mnimo 80h/s a

soma da carga de

trabalho dos

membros, com todos

os profissionais

trabalhando pelo

menos 20h/s e cada

ocupao ter, no

mximo, 40 h/s

Nmero de Equipes de

Sade da Famlia (EqSF) de

referncia

Mnimo de 5 e

mximo de 9

Mnimo de 3 e

mximo de 4

Mnimo de 1 e

mximo de 2

1 h/s = horas semanais

2 hab. = habitantes

Fonte: Brasil, 2008; 2010c; 2010d; 2011a; 2012c.

- 30 -

A Clnica Ampliada compreendida pela discusso e pela conjugao dos aspectos

identificados por cada profissional de diferentes ncleos profissionais sobre determinado caso,

considerando o olhar de cada rea sobre os diagnsticos, sintomas e prognstico. Com essa

ferramenta, alm de ampliao dos olhares profissionais, h uma compreenso mais abrangente

do processo sade-doena, no privilegiando a avaliao de apenas um profissional/especialista,

possibilitando a construo compartilhada de diagnsticos e de teraputicas (Brasil, 2010a).

O Projeto Teraputico Singular (PTS) recomendado para situaes clnicas mais

complexas. Trata-se de um conjunto de propostas de condutas teraputicas articuladas,

direcionadas ao indivduo, famlia ou comunidade, como resultado da discusso coletiva da

equipe interdisciplinar. Envolve quatro momentos essenciais: o diagnstico, a definio das

metas, a diviso de responsabilidades e as reavaliaes (Brasil, 2010a).

O Projeto de Sade no Territrio (PST), por sua vez, caracteriza-se pela organizao de

estratgias de gesto que integrem os diferentes planos de cuidado existentes no territrio,

tambm direcionados aos indivduos, famlias e grupos especficos, articulando os servios de

sade com outros servios e polticas sociais, de forma a investir na qualidade de vida e na

autonomia dos sujeitos e comunidades do territrio (Brasil, 20010a; Mngia e Lancman, 2008).

Peduzzi (2009) afirma que a principal funo dos profissionais e das equipes de

referncia elaborar e aplicar o projeto teraputico individual, familiar e comunitrio , que

pressupe trs diretrizes: vnculo teraputico, gesto colegiada e transdisciplinaridade.

Nesse contexto, o cuidado integral sade da populao demanda a integralidade da

ateno expressa em redes de ateno sade e o planejamento de linhas de cuidado para as

diferentes necessidades de sade, alm da integrao com as outras polticas governamentais de

interface (Brasil, 2010a; Mngia e Lancman, 2008). Dentro de tal perspectiva, a ao dos NASF

busca superar a lgica fragmentada da sade na implementao de redes de ateno e cuidado, de

forma corresponsabilizada com as EqSF.

Assim, considerando as ferramentas de apoio ateno e o estabelecimento das RAS, os

NASF devem desempenhar a funo de cooperao do cuidado assistencial e da conectividade

de papis e de tarefas dos diferentes pontos de ateno e profissionais, com o objetivo de

qualificar a APS (OPAS, 2011). Devem ser o eixo coordenador do fluxo de pacientes e de

informaes, nessa rede regionalizada de cuidado, articulando-se a todos os nveis de ateno

necessrios para garantir a resolutividade e integralidade, com responsabilizao territorial e

compartilhamento de competncias e responsabilidades (OPAS, 2011; Brasil, 2010a).

- 31 -

Quanto ao panorama atual da implantao, dados do Ministrio da Sade3, acessados em

fevereiro de 2013, contabilizavam o total de 1.442 NASF 1; 444 NASF 2; e 129 NASF

intermunicipais, totalizando 1.995 ncleos no territrio brasileiro (Brasil, 2013). No momento

desta consulta no havia dados disponveis para o NASF 3, possivelmente pelas recorrentes

alteraes dos parmetros dessa modalidade.

Desde o incio da implantao, em 2008, uma mdia de 70% dos NASF conta com a

presena de nutricionistas, pressupondo um reconhecimento quanto importncia do

componente alimentar e nutricional como determinante de sade, por parte dos gestores (Brasil,

2010a; Jaime et al., 2011; Brasil, 2008). Seguindo esse parmetro, aproximadamente 1.396

NASF contam com o nutricionista atualmente.

3.2. Nutrio na Ateno Primria Sade

A primeira reflexo que surge quanto ao tema da tese a necessidade, cada vez mais

atual e relevante, da realizao de aes efetivas e eficazes de alimentao e nutrio em nvel

local. As aes de alimentao e nutrio na ateno primria ainda no so desenvolvidas na

extenso e organicidade preconizadas pelos modelos de ateno (Boog, 2008; Ferreira e

Magalhes, 2007; Recine e Vasconcellos, 2011). Da mesma maneira, Coutinho e colaboradores

(2009) ressaltam que a cobertura de aes de alimentao e nutrio na ateno primria e a

insero do nutricionista no SUS ainda so insuficientes, frente demanda epidemiolgica

existente. Afim de compreender a situao atual se faz necessrio expor o contexto destas aes

no campo da sade coletiva4 (Vasconcelos, 2002; 1999).

Semelhantemente rea mdica, a nutrio construiu sua trajetria com base na

racionalidade entre os conceitos do normal e do patolgico, buscando enfrentar a doena

nesse caso, os desvios nutricionais-, como manifestao de causas subjetivas e externas, e

alcanar um determinante universal (Koifman, 2001). Essa conduta reduziu a

multidimensionalidade e a complexidade do ato de se alimentar aos elementos da vertente

biologicista (Prado et al., 2011).

3 Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade (CNES), do Ministrio da Sade, 2013.

4 Nutrio em Sade Coletiva tambm reconhecida como nutrio em sade pblica, nutrio em medicina

preventiva, nutrio social, nutrio comunitria, um dos campos ou reas de estudo especficos da complexa e

multidisciplinar cincia da nutrio (Vasconcelos, 2002; 1990). Neste estudo ser utilizada a expresso Nutrio em

Sade Coletiva, considerando que este termo incorpora o social na categoria sanitria e o privilegia como categoria analtica (Campos, 2000). Bosi e Prado (2011) afirmam que o encontro do campo da Alimentao e Nutrio (AN)

com o campo da Sade Coletiva (SC) trouxe novas reflexes capazes de subsidiar projetos inovadores de

alimentao, voltados para a sade humana. Dessa maneira, a nutrio passa a ser problematizada, considerando a

sua multidimensionalidade.

- 32 -

Alm disso, para melhorar o quadro epidemiolgico da populao foi necessrio, alm de

alcanar o melhor desempenho dos servios de sade, incluir a execuo de aes e de cuidados

que visavam evitar ou interromper o curso dos agravos sade, como o caso da ateno

nutricional. Ao longo dos anos os estudos cientficos e as experincias de vrios pases

demonstraram que no se podem adotar, no enfrentamento dos problemas nutricionais, propostas

de interveno apenas sob a tica do consumo (Arruda, 2008).

Foi no contexto da compreenso sobre as limitaes do modelo biomdico que se

destacou o conceito da promoo da sade (Ferreira e Magalhes, 2007). As crticas se dirigiam

hegemonia do enfoque curativo, reducionista, hospitalocntrico e de alto custo, que no

equacionam os agravos decorrentes do perfil de morbimortalidade da sociedade contempornea.

As evidncias mostravam que o ato de cuidar e promover sade implica em compreender a sade

de maneira global, ligada ao modo de vida das pessoas, uma vez que a sade e a situao

alimentar e nutricional de uma populao dependem de mltiplos fatores, tais como:

econmicos, sociais, hbitos, cultura, ambiente, produo e distribuio de alimentos (Arruda,

2008; Buss, 2000; Dimenstein et al., 2009).

Portanto, a promoo da sade amplia o conceito de sade, incorpora novos princpios s

prticas de sade, diferentes campos de conhecimentos e prope estratgias organizacionais para

os servios de sade, orientando aes amplas e coletivas, e que requerem a intersetorialidade e a

transversalidade em prticas concretas (Monken e Barcellos, 2005). Torna-se evidente a

importncia do trabalho interdisciplinar (Loch-Neckel et al., 2009), que pressupe a presena e a

participao articulada dos profissionais da sade, o que vai garantir, tambm, a integralidade na

assistncia.

Essa abordagem favoreceu uma mudana nas aes at ento ditas tradicionais no campo

da sade coletiva, apontando para as potencialidades do campo da alimentao e nutrio.

Entretanto, ainda preciso reconhecer, na prtica, o papel das aes de alimentao e nutrio na

sade coletiva. Do ponto de vista setorial, o alcance desse objetivo requer a insero destas aes

em todos os nveis de ateno do SUS. Aes efetivas nessa rea podem contribuir

significativamente, sobretudo, na reduo do risco de desenvolvimento de DCNT, na promoo

do adequado crescimento e desenvolvimento infantil e bem estar geral da populao (Pinheiro et

al., 2006).

Atualmente, parece desnecessrio enfatizar que a nutrio adequada indispensvel

sade. O equilbrio da sade ocorre por meio de diversos fatores e as evidncias cientficas

- 33 -

confirmam que o fator alimentar um dos mais importantes, sendo capaz de interferir sobre a

higidez fsica, capacidade produtiva e a resistncia a doenas (Vasconcelos, 2011; Arruda, 2008).

As condies crnicas prevalecem no Brasil e no mundo e necessitam de cuidado

permanente. Causam srias consequncias econmicas e sociais, ameaando os recursos da

sade de diversos pases, uma vez que esto aumentando no mundo, e nenhum pas est imune

ao impacto causado por elas (Dimenstein et al., 2009). imperativo fortalecer aes que

colaborem com os hbitos individuais e prticas coletivas, especialmente, relacionados ao

comportamento alimentar para um melhor estado de sade.

Boog (2008) menciona que fato incontestvel a importncia da alimentao saudvel

para a promoo da sade. Esta mesma importncia na preveno e no cuidado de sade pode ser

exemplificada pelos indicadores de mortalidade advindos das DCNT, cujos determinantes so de

etiologia multifatorial e compartilham fatores de riscos modificveis, como a alimentao

inadequada, a obesidade, a dislipidemia, a inatividade fsica e o tabagismo (Mendes, 2012;

WHO, 2004; WHO/FAO 2003). No Brasil, em 2007, 72% das mortes foram em consequncia da

carga das DCNT, alm de promoverem uma maior parcela das despesas com assistncia

hospitalar no SUS (Carvalho et al., 2011, Schmidt et al., 2011).

Ainda necessrio avanar com medidas mais efetivas para que a promoo da

alimentao saudvel alcance populao. Embora o Brasil tenha um histrico importante de

aes de alimentao e nutrio em sade coletiva, essa trajetria foi marcada por diversidades e

complexos cenrios. Por exemplo, muitas das aes nesta rea eram feitas de forma isolada, com

uma abordagem restrita e emergencial, como os programas assistenciais de distribuio de

alimentos (Arruda, 2008).

Em 1999, o Ministrio da Sade publicou a Portaria N 710, promulgando a Poltica

Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN) (Brasil, 2003; 2012a), cujos fundamentos

principais abordavam a transversalidade das aes e o perfil epidemiolgico, demogrfico e

social da populao. Essa poltica, integrante da Poltica Nacional de Sade (PNS), prope a

articulao de aes intersetoriais para promoo da sade, cujos principais objetivos so: a

garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no Pas; a promoo de prticas

alimentares saudveis; a preveno e o controle dos distrbios nutricionais; e o estmulo s aes

que propiciem o acesso universal aos alimentos.

- 34 -

A PNAN passou por um processo de reviso em 2009/2010, quando completou 10 anos.

Foi republicada pela Portaria N 2.715, de 17 de novembro de 2011, e, atualmente, est

consubstanciada em orientaes para elaborao e implantao dos programas e projetos em

alimentao e nutrio do setor sade, com princpio realizao do direito humano

alimentao adequada (Brasil 2012a; 2010a). Refora os princpios do SUS e apresenta-se

organizada em nove diretrizes - aperfeioadas e atualizadas - indicativas de linhas de aes,

quais sejam:

1. Organizao da Ateno Nutricional

2. Promoo da Alimentao Adequada e Saudvel

3. Vigilncia Alimentar e Nutricional

4. Gesto das Aes de Alimentao e Nutrio

5. Participao e Controle Social

6. Qualificao da Fora de Trabalho

7. Controle e Regulao dos Alimentos

8. Pesquisa, Inovao e Conhecimento em Alimentao e Nutrio

9. Cooperao e articulao para a Segurana Alimentar e Nutricional

A primeira diretriz, Organizao da Ateno Nutrio, orienta a prtica na ateno

primria, afirmando que:

A ateno nutricional deve fazer parte do cuidado integral na Rede de

Ateno Sade (RAS), tendo a Ateno Bsica como coordenadora do

cuidado e ordenadora da rede. A Ateno Bsica, pela sua capilaridade e

capacidade de identificao das necessidades de sade da populao sob

sua responsabilidade, contribui para que a organizao da ateno

nutricional parta das necessidades dos usurios. Nesse intuito, o processo

de organizao e gesto dos cuidados relativos alimentao e nutrio

dever ser iniciado pelo diagnstico da situao alimentar e nutricional

da populao adscrita aos servios e equipes de Ateno Bsica. (...)

Compreende cuidados voltados promoo e proteo da sade,

preveno, diagnstico e tratamento de agravos, devendo estar associados

s demais aes de ateno sade do SUS, para indivduos, famlias e

comunidades, contribuindo para a conformao de uma rede integrada,

resolutiva e humanizada de cuidados (Brasil, 2012a).

- 35 -

A diretriz de Promoo da Alimentao Adequada e Saudvel, destaca a necessidade de

desenvolve-la de maneira intersetorial no contexto dos determinantes sociais da sade. Nesta

perspectiva, tambm o conceito de alimentao adequada e saudvel expresso na PNAN

ultrapassa os limites biolgicos, sendo considerada como a "prtica alimentar apropriada aos

aspectos biolgicos e socioculturais dos indivduos, bem como ao uso sustentvel do meio

ambiente, devendo estar em acordo com as necessidades de cada fase do curso da vida e com as

necessidades alimentares especiais; referenciada pela cultura alimentar e pelas dimenses de

gnero, raa e etnia; acessvel do ponto de vista fsico e financeiro; harmnica em quantidade e

qualidade; baseada em prticas produtivas adequadas e sustentveis com quantidades mnimas

de contaminantes fsicos, qumicos e biolgicos" (Brasil, 2012a).

Em acrscimo, orienta que as equipes de referncia devero ser apoiadas por equipes

interdisciplinares, a partir de um processo de matriciamento e clnica ampliada, com a

participao de profissionais da rea de alimentao e nutrio que devero instrumentalizar os

demais profissionais para o desenvolvimento de aes integrais nessa rea, respeitando o seu

ncleo de competncias. Tais orientaes reafirmam os tpicos abordados no aporte terico

dessa seo (Brasil, 2012b). Assim considerados estes parmetros, configura-se um campo de

ao muito mais amplo que o tradicional.

Como j citado, a presena do nutricionista na ateno primria sade reduzida, o que

compromete consideravelmente o atendimento populao. Em grande parte dos municpios

brasileiros a atuao desse profissional precisa ser fortalecida para que as potencialidades das

intervenes neste campo possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida e de sade da

populao (Brasil, 2009). O objetivo da atuao do profissional na APS atuar no planejamento,

organizao e oferta das aes de ateno nutricional local (Brasil 2010a; 2009).

No modelo tradicional da ateno primria, poucos municpios brasileiros contam com

profissionais nas unidades bsicas de sade, ou quando o profissional est presente muitas vezes

distribui sua carga horria semanal em mais de uma unidade. Esta situao precariza o vnculo

com a equipe e com a populao atendida e leva concentrao das atividades na agenda de

atendimento ambulatorial na tentativa de reduzir a demanda reprimida.

A implantao dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF) abriu um espao de

atuao indito para o profissional. Atualmente, o nutricionista integra grande parte dos NASF

implantados no pas, conforme mencionado. Esse profissional tem presena heterognea nas

Unidades de Sade e no est previsto na composio da equipe bsica da Estratgia Sade da

- 36 -

Famlia (Lang e Ribas, 2011; Arruda, 2008; Assis et al., 2002). Para atuar no mbito da ESF o

profissional requer uma formao que o capacite a identificar os determinantes sociais dos

problemas locais.

As aes de alimentao e nutrio na APS devem se pautar nos princpios da

universalidade, da integralidade e da equidade, bem como no trabalho interdisciplinar,

intersetorial, tico, resolutivo, longitudinal, acolhedor, com vnculo e responsabilizao. So

atividades relativas ao diagnstico, planejamento, programao, implementao, monitoramento

e avaliao, considerando as caractersticas sociais, econmicas, culturais, demogrficas e

epidemiolgicas do territrio (Brasil 2010a; 2009).

Os eixos estratgicos, delineados pelo Ministrio da Sade, (Brasil, 2010a) para as aes

de alimentao e nutrio na APS (Jaime et al., 2011) so:

1. Promoo de prticas alimentares saudveis, em mbito individual e coletivo, em todas as

fases do ciclo de vida;

2. Contribuio na construo de estratgias para responder s principais demandas

assistenciais quanto aos distrbios alimentares, deficincias nutricionais, desnutrio e

obesidade;

3. Desenvolvimento de projetos teraputicos, especialmente nas doenas e agravos no

transmissveis;

4. Realizao do diagnstico alimentar e nutricional da populao;

5. Promoo da segurana alimentar e nutricional fortalecendo o papel do setor sade no

sistema de segurana alimentar e nutricional.

Alm disso, o nutricionista do NASF deve elaborar, revisar, adaptar, padronizar e definir

os protocolos de ateno nutricional, individual e coletiva. Devem identificar oportunamente

problemas relacionados alimentao e nutrio e referenciar para outra instncia do sistema de

sade, quando necessrio. Devem tambm desenvolver aes de promoo da alimentao

saudvel e de preveno de agravos relacionados alimentao e nutrio, contemplando a

formao e a educao permanente dos profissionais das equipes de SF (Jaime et al., 2011;

Brasil, 2012a).

No contexto das atribuies citadas, trabalhar de forma interdisciplinar um componente

imprescindvel, que pressupe a interao de saberes e experincias entre profissionais de uma

equipe que realizam tarefa conjuntamente, o que permite uma viso de sade integral, em que o

ser humano visto como um todo (Pinheiro et al., 2008; Silva, 2008).

- 37 -

Os espaos interdisciplinares como os grupos de educao em sade, os atendimentos

conjuntos, o apoio matricial, o projeto teraputico singular, as visitas domiciliares e a educao

permanente so oportunidades para os profissionais compartilharem seus conhecimentos

especficos com a equipe e a comunidade, em prol da populao. A intersetorialidade requer

dinmica complexa, uma vez que objetiva articular diferentes setores na resoluo de problemas

no cotidiano da gesto da ateno em sade.

- 38 -

IV. JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO ESTUDO

A ateno desenvolvida no mbito da Estratgia Sade da Famlia considerada

fundamental no contexto da promoo da sade. A criao dos Ncleos de Apoio Sade da

Famlia (NASF) possibilita a interdisciplinaridade, onde os diferentes profissionais, entre eles o

nutricionista atuam coordenadamente para qualificar a ateno sade (Brasil, 2008; Dimestein

et al., 2009; Boog, 2008).

A alimentao um fator determinante da sade. A Lei Orgnica de Sade (Lei N

8.080/1990) prev que as aes de alimentao e nutrio devem ser desempenhadas de forma

transversal s aes de sade. A Emenda Constitucional N 64, de 2010, incorporou a

alimentao como um direito social. A Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN)

integra os esforos do Estado Brasileiro por meio de um conjunto de polticas pblicas que

prope respeitar, proteger, promover e prover os direitos humanos sade e alimentao,

representando a explicitao do compromisso com a erradicao dos males relacionados

alimentao (Recine et al., 2009; Coutinho et al., 2009; Brasil, 2003; Brasil, 2010a; 2010b).

A atual situao alimentar e nutricional do Pas torna evidente a necessidade de uma

melhor organizao dos servios de sade para atender s demandas geradas pelos agravos

relacionados m alimentao (Brasil, 2012a). Os nutricionistas que atuam na APS, em especial

nos NASF, tm atribuies na implantao das aes recomendadas na PNAN. Segundo as

recomendaes dessa Poltica, a ateno nutricional, no mbito da ateno primria, dever

dar respostas s necessidades de sade do seu territrio, considerando aquelas de maior

frequncia e relevncia e observando critrios de vulnerabilidade.

Face ao exposto, o presente estudo pretende contribuir com as necessidades atuais de

conhecer o processo de trabalho e qualificar as aes desenvolvidas pelos nutricionistas nos

NASF. Apresenta relevante justificativa por se tratar de uma prioridade no mbito da gesto do

SUS, subsidiando as necessidades consequentes s transies epidemiolgica e nutricional no

pas. As questes que o projeto visa responder esto apresentadas no modelo terico-

metodolgico (Tabela 2).

- 39 -

Tabela 2. Sntese dos elementos terico-metodolgicos do projeto de pesquisa.

Questes de pesquisa Objetivos Hipteses

Questo orientadora Geral Emprica

Como se d a atuao do

nutricionista nos Ncleos de

Apoio Sade da Famlia

(NASF) no Brasil?

Analisar a atuao do

nutricionista nos NASF no

Brasil.

Relatos de nutricionistas que atuam

nos Ncleos de Apoio Sade da

Famlia revelam que ainda exercem

suas atividades de forma a cobrir as

demandas reprimidas do servio de

sade (Brasil, 2010e).

Questes norteadoras Especficos Terica

A atuao dos nutricionistas

nos NASF tem ocorrido de

forma integrada aos demais

profissionais da equipe?

1. Identificar o perfil dos

profissionais que atuam nos

NASF

2. Identificar as aes de

alimentao e nutrio

realizadas pelos nutricionistas

e pelas equipes de sade nos

NASF.

3. Caracterizar a forma de

atuao dos nutricionistas nos

NASF tanto na sua ao

especfica como nos processos

de integrao com outros

profis