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Hansen. Int. 3(1), 1978 A artrite na reação hansênica JOSE CARLOS DE ALMEIDA PERNAMBUCO (*) DILTOR VLADIMIR DE ARAUJO OPROMOLLA (**) MARCIO MATHEUS TOLENTINO (***) RESUMO — Foi realizado um estudo prospectivo de 21 pacientes com hanseníase virchowiana internados no Hospital "Lauro de Souza Lima" (Bauru — SP) com a finalidade de descrever, do ponto de vista clinico evolutivo, a artrite que acompanha a reação tipo eritema nodoso ou polimorfo (artrite reacional), e procurar estabelecer diagnóstico diferencial com várias doenças reumáticas. A artrite reacional pode preceder, acompanhar ou suceder as lesões de eritema nodoso ou polimorfo, mas em quase metade dos casos elas estão ausentes. A artrite geralmente tem inicio agudo e pode ser monoarticular, oligoarticular e poliarticular, simétrica ou não, ocorrendo com certa freqüência recorrências do quadro articular. Artralgias, sintomas gerais, hepatoesplenomegalia, adenomegalia dolorosa, neurites e outras manifestações clinicas podem ser observadas. Os quadros laboratorial e radiológico não foram específicos. O estudo evolutivo (máximo de seguimento — 30 meses) mostrou serem comuns as recidivas das manifestações articulares com tendência a que as lesões de eritema nodoso se tornem mais discretas ou não mais acompanhem a artrite. Em nenhum caso houve persistência das manifestações articulares e também não acarretaram seqüelas. E discutido o diagnóstico diferencial com gota, artrites traumáticas, sépticas, osteo- mielite, artrose, anemia falciforme, febre reumática e doenças difusas do tecido conectivo. realçada a necessidade de, em todo estudo de comprometimento articular na hanseniase, ser afastada a possibilidade de associação desta com doenças reumáticas e da obrigatorie- dade da artrite reacional ser lembrada no diagnóstico diferencial de várias afecções reumáticas. Termos índice: Hanseniase. Reação hansênica. Artrite. (*) Médico Reumatologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente do Departamento de Moléstias Infecciosas, Dermatologia, Itadiodiagruistico e Radiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. (**) Medico Dermatologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente Doutor do Departamento de Moléstias Infecciosas, Dermatologia, Radiodiagmistico e Radiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Filio de Mesquite Filho. (***) Médico Gastroenterologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente Doutor do Departamento de Moléstias Infecciosas, Dermatologia, Radiodiagn6stico e Radiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Hansen. Int., 3(1):18-29, 1978 18

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Page 1: A artrite na reação hansênica - ilsl.br · Artrite na reação hansênica A hanseníase durante as fases de ente-ma nodoso ou polimorfo (reação hansêni-ca) pode ser considerada

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ansen. Int. 3(1), 1978

A artrite na reação hansênica

JOSE CARLOS DE ALMEIDA PERNAMBUCO (*)DILTOR VLADIMIR DE ARAUJO OPROMOLLA (**)

MARCIO MATHEUS TOLENTINO (***)

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(*) Médico Rde Molésde Botuc

(**) MedicoDepartaFaculdad

(***) MédicoDepartaFaculdad

Hansen. Int., 3(

ESUMO — Foi realizado um estudo prospectivo de 21 pacientes com hanseníase

iana internados no Hospital "Lauro de Souza Lima" (Bauru — SP) com a

ade de descrever, do ponto de vista clinico evolutivo, a artrite que acompanha a

tipo eritema nodoso ou polimorfo (artrite reacional), e procurar estabelecer

stico diferencial com várias doenças reumáticas.

artrite reacional pode preceder, acompanhar ou suceder as lesões de eritema

ou polimorfo, mas em quase metade dos casos elas estão ausentes. A artrite

ente tem inicio agudo e pode ser monoarticular, oligoarticular e poliarticular,

ca ou não, ocorrendo com certa freqüência recorrências do quadro articular.

ias, sintomas gerais, hepatoesplenomegalia, adenomegalia dolorosa, neurites e outras

stações clinicas podem ser observadas. Os quadros laboratorial e radiológico não

específicos. O estudo evolutivo (máximo de seguimento — 30 meses) mostrou serem

s as recidivas das manifestações articulares com tendência a que as lesões de eritema

se tornem mais discretas ou não mais acompanhem a artrite. Em nenhum caso

persistência das manifestações articulares e também não acarretaram seqüelas.

discutido o diagnóstico diferencial com gota, artrites traumáticas, sépticas, osteo-

, artrose, anemia falciforme, febre reumática e doenças difusas do tecido

ivo.

çada a necessidade de, em todo estudo de comprometimento articular na

iase, ser afastada a possibilidade de associação desta com doenças reumáticas e

igatorie- dade da artrite reacional ser lembrada no diagnóstico diferencial de várias

s reumáticas.

ce: Hanseniase. Reação hansênica. Artrite.

eumatologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente do Departamentotias Infecciosas, Dermatologia, Itadiodiagruistico e Radiologia da Faculdade de Medicinaatu. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.Dermatologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente Doutor domento de Moléstias Infecciosas, Dermatologia, Radiodiagmistico e Radiologia dae de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Filio de Mesquite Filho.

Gastroenterologista do Hospital Lauro de Souza Lima. Professor Assistente Doutor domento de Moléstias Infecciosas, Dermatologia, Radiodiagn6stico e Radiologia dae de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

1):18-29, 1978

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Artrite na reação hansênica

A hanseníase durante as fases de ente-ma nodoso ou polimorfo (reação hansêni-ca) pode ser considerada doença por com-plexo imune, e exemplo de manifestaçãoclinica do fenômeno de Arthus (11). Osdoentes, além do comprometimento cutâ-neo, apresentam com freqüência sintomasgerais, febre, dor testicular, artralgias, pro-teinúria, hematúria e mais raramente iritesou iridociclites. Na reação hansenica, oca-sionalmente, a agressão ao sistema ósteo--articulo-muscular é mais intensa, ocorren-do alterações inflamatórias agudas, difusasdas mãos e dos pés ("mãos e pés reacio-nais") (4, 7, 9), miosite (7, 8), periostite (8),osteite (8), osteoporose e artrite (8, 10).

È clássico o conhecimento da alta fre-qiiência de artralgias durante essa reação,porém, a artrite é bem menos comum epouco estudada, não tendo incidência bemestabelecida. Essa artrite da hanseniase, aqual denominamos de artrite reacional, po-de ocorrer na ausência de eritema nodosoou polimorfo (10), comportando-se assimcomo equivalente reacional já descrito emoutras localizações (2).

0 seu quadro articular pode ser confun-dido com artrite reumatóide (5), febre reu-mática (6), lupus eritematoso sistêmico (3) eoutras doenças reumáticas, devendo--se sempre, sob o ponto de vista de diag-nóstico, afastar possibilidades de associa-ção com a hanseníase.

Fundamentados nestas Ultimas observa-ções e considerando a precariedade da li-teratura neste assunto, resolvemos desen-volver este trabalho com a finalidade dedescrever a artrite reacional do ponto devista clinico e evolutivo, procurando aindaestabelecer o diagnóstico diferencial comvárias doenças reumáticas.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Dos doentes internados no Hospital"Lauro de Souza Lima" (Baum — SP)portadores de hanseníase virchoviana em

atividade, foram selecionados e estudados21, que apresentavam artrite reacional,sendo 16 do sexo masculino e 5 dofeminino. Quanto a cor 16 eram brancos, 3pardos e 2 pretos. A caracterização dahanseníase foi estabelecida por critériosclínicos, histopatológicos, baciloscópicos eimunológicos. 0 diagnóstico de artrite foifeito clinicamente pela presença de derramearticular e aumento da temperatura local.

A faixa etária dos doentes foi de 18 a 76anos, com os tempos de duração da mo-léstia variando de 1 ano e meio a 30 anos.Dos 21 casos, 13 (61,9%) apresentavammais de 10 anos de evolução.

Todos os pacientes já haviam apresenta-do surtos anteriores de reação hansenica,sendo que 15 deles (71,4%) referiam ter tidodores articulares durante esses surtos edois afirmaram que sua doença se inicioucom essa sintomatologia. Não foram inclui-dos na casuística pacientes com evidênciade outras moléstias reumáticas.

Para a seleção e caracterização dos doen-tes foi utilizado um protocolo constando deanamnese, exame físico completo, hanse-nológico e reumatológico. Foram realiza-dos hemograma completo, velocidade dehemossedimentação, pesquisa de célula LE,pesquisa de fator anti-nuclear, dosagem deácido Uric°, urina — rotina com sedimentoqualitativo, pesquisa de fator reumatóidepela prova do látex e radiografia dasarticulações comprometidas. O comprome-timento articular foi classificado em mono-articular, oligoarticular (2 ou 3articulações) e poliarticular. Foiconsiderado simétrico não só quandoocorria a coincidência das articulaçõesatingidas em ambos os lados mas tambémquando havia bilateralidade semcoincidência, no caso das pequenasarticulações das mãos e dos pés.

Todos os pacientes foram seguidos dia-riamente por período mínimo de 30 dias. Asrecorrências de alterações inflamatórias ar-ticulares durante esse período inicial foramconsideradas dependentes do mesmo surtode reação ou equivalente reacional hanse-nico. Considerou-se recidiva o aparecimen-

— 19 — Hansen. Int., 3(1):18-29, 1978

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to eventual de novas manifestações articu-lares, nos doentes que foram observadospor período de tempo variando de 3 a 30meses de seguimento e, nesses casos,foram utilizados outra vez o mesmoprotocolo e os mesmos critérios.

O tratamento foi feito com talidomida,analgésicos anti-inflamatórios não hormo-nais e, nos casos em que a articulação dojoelho estava comprometida, foi realizadatambém infiltração intra-articular com cor-ticosteróides. 0 emprego de corticosterói-des por via oral subordinou-se à respostaterapêutica durante a primeira semana. To-dos os pacientes estavam sendosubmetidos terapêutica com sulfona.

RESULTADOS

As lesões cutâneas da reação que acom-panharam o surto de artrite foram de grausvariados, desde ausentes (10 casos —47,6%) até intensas, com nódulos supu-rados (4 casos — 19,0%). A reação foiconsiderada discreta em 7 casos (33,3%)que apresentavam poucos nódulos averme-lhados esparsos.

A manifestação articular precedeu oaparecimento dos nódulos cutâneos em 4doentes (19,0% ), por um período que va-riou de 4 a 15 dias (media — 12 dias);apenas 2 casos (9,5% ) apresentaram ar-trite 7 dias após terem se instalado aslesões cutâneas e nos demais (15 casos —71,4%) ocorreu concomitância das duasmanifestações.

O quadro clínico articular sempre teve iní-cio súbito e em poucas horas estava com-

pletamente instalado. Dor intensa, impo-tência funcional, derrame articular e au-mento da temperatura local caracterizavamesse comprometimento. Rubor foi verifica-do apenas em 8 casos (38,1% ).

A artrite foi poliarticular em 11 doentes(52,4% ), oligoarticular em 3 (14,3%) emonoarticular em 7 casos (33,3%) e, quan-do poliarticular, ela foi simétrica na maioria(8 casos — 72,7%). As articulações maisfreqüentemente comprometidas foram asdos joelhos (figura 1), as interfalangeanasproximais (figura 2) e as dos tornozelos (fi-gura 3), sendo que as articulações dos om-bros, coxofemorais, temporomandibulares eas da coluna nunca foram envolvidas.

O quadro I mostra a distribuição destecomprometimento, onde consideramos con-juntamente as artrites oligoarticulares e po-liarticulares.

Além da articulação ou articulações queexibiam sinais evidentes de artrite, os pa-cientes referiam artralgias em várias ou- trasarticulações e alguns, rigidez matinal. Um dospacientes apresentava deformidades idênticasAs da artrite reumatóide (figura 4), outro umquadro de mão reacional, dois um quadro depé reacional (figura 5) e, um outro, eritemaagudo na perna esquerda (reaçãoerisipelatóide).

Quanto aos sintomas gerais, observamosque nos pacientes que apresentaram nódu- lossubcutâneos em grande número foram degrande intensidade e praticamente ine-xistentes nos casos em que as lesões cutâneaseram discretas ou ausentes. Outrasmanifestações clinicas encontradas podem seranalisadas no quadro II.

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Artrite na reação hansênica

X — Corresponde à articulação comprometida

Fig. 1 — Paciente com artrite de ambos os joelhos, mais intensa à esquerda. Note a atrofia de quadricepsbilateral.

— 21 — Hansen. Int., 3(1):18-29, 1978

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Fig. 2 -- Dedo anular fusiforme devido à artrite da articulação interfalangeana proximal.

Fig. 3 — Artrite de ambos os tornozelos, sendo o quadro mais intenso à esquerda.

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Artrite na reação hansênica

ig. 4 — Mão com dedos em pescoço de cisne, seqüela de <<mão reacional>>.

ig. 5 — Artrite das articulações interfalangeanas acompanhando quadro de <<pé reacional>>.

— 23— Hansen. Int., 3 (1) :18-29, 1973

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O estudo do hemograma revelou anemiacom hemoglobina menor do que 12g% em11 casos (52,4% ), leucocitose acima de8.000 células/mm3 e sem desvio h esquer-da em 13 (61,9% ). A velocidade de he-mossedimentagdo de 16 a 148 mm na Lahora (média — 73,9). A pesquisa do fatorreumatóide pela prova do látex foi positivaem 3 pacientes (14,3% ). A pesquisa decélula LE foi negativa em todos os doentese a presença de fator anti-nuclear em níveisacima de 1:50 foi constatada em dois ca-sos (9,5%).

Quanto ao exame de urina, em 6 casos(28,5%) encontramos proteimiria, em 5(23,8%) hematúria e em 3 (14,3%) leu-cocitúria. Todos apresentavam dosagem deácido Uric° dentro dos limites de normali-dade.

As radiografias das articulações atingi-das, afora aumento de partes moles, foramnormais em 9 casos (42,9%) e as altera-ções observadas nos 12 restantes estão re_sumidas no quadro III, sendo que 5doentes apresentaram ocorrência de duasdessas alterações.

Com a diminuição ou supressão da me-dicação no período inicial do estudo, foiverificado que 5 pacientes (23,8%) apre-sentaram recorrência da artrite. As arti-culações comprometidas em dois casos fo-ram as mesmas do quadro inicial, emoutros dois foram atingidas alem dasiniciais outras articulações e em 1 casohouve comprometimento de articulaçõesdiferentes. Os doentes exibiram aindauma ou mais recor-

rencias, de maneira que a duração do surtovariou de 1 a 3 meses, quando então torna-ram-se assintomáticos. Dos 21 casos estu-dados, 18 puderam ser seguidos porum período máximo de 30 meses, dentro doqual 10 (55,5%) não tiveram recidivas doquadro articular e 7 (33,3%) apresentaramum ou mais surtos, conforme pode serobservado no quadro IV, após umperíodo intercrítico que variou de 3 a 18meses.

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Artrite na reação hansênica

QUADRO IVDistribuição de 21 casos de artrite reacional de acordo com o número de surtos,

duração de seus respectivos periodos intercriticos e o tempo de seguimento

Os novos surtos ocorreram nas mesmasarticulações anteriormente comprometidasou em novas articulações, sendoobservados casos que inicialmente erammonoarticulares e se tornarampoliarticulares nos surtos subseqüentes evice-versa. Notamos também 3 casos queno surto inicial apresentavam lesões deeritema nodoso e nos surtos seguintesessas não foram constatadas. A situaçãoinversa foi observada em apenas 1 caso noqual a reação cutânea foi consideradadiscreta. Os quadros laboratorial eradiológico realizados nas recidivas foramsemelhantes aos do surto inicial, exceto emdois pacientes que apresentaram,respectivamente, aumento das áreas de lisee periostite (Fig. 6 e Fig. 7).

Através da terapêutica adotada, não houve ocorrência de seqüelas e/ou persistên-cia da artrite reacional em nenhum dos ca-sos estudados.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Nossos resultados sugerem que a artritereacional tem inicio agudo com acometi-mento articular inflamatório evidente,podendo ser monoarticular, oligoarticularou poliarticular. A artrite em geral é precedida ou coexiste com simples artralgias nasoutras articulações não comprometidas erigidez matinal pode estar presente. Oquadro articular pode preceder,acompanhar ou suceder as lesõescutâneas tipo eritema

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nodoso ou polimorfo, quando estas estãopresentes.

A artrite da hanseníase ocorre freqüente-mente sob a forma de equivalente reacio-nal e parece existir nesses casos tendênciaao comprometimento poliarticular, ao pas-so que, quando acompanha lesões gravesde eritema nodoso, ou polimorfo, há ten-dência ao comprometimento monoarticu-lar. Não notamos diferenças na gravidadeda artrite nos casos com ou sem eritemano- doso, como foi observado por Ramu(10). A febre e sintomas gerais estiverampre- sentes naqueles cujas lesões de peleeram intensas, o que confirma os achadosdesse mesmo autor.

Além dos sintomas gerais e febre, cons-tata-se com certa freqüência hepatoesple-nomegalia, adenomegalia dolorosa, neuritesperiféricas, dor testicular, icterícia e com-prometimento ocular. Em alguns casos po-de -se observar concordância com outrosfenômenos, como mãos e pés reacionais ereação erisipelatóide.

Os resultados dos exames laboratoriaissão semelhantes aos encontrados na rea-cão hansênica sem comprometimento arti-

cular, carecendo de especificidade. As ra-diografias realizadas na maioria dos nossoscasos, afora aumento de partes moles, fo-ram normais e, com nossos dados, não po-demos afirmar que algumas das alteraçõesradiológicas encontradas sejam especificasdo fenômeno reacional estudado.

O estudo evolutivo dos pacientes (má-ximo de observação — 30 meses) demons-trou que a artrite reacional, apesar de apre-sentar freqüentes recorrências acarretandosurtos prolongados e serem comuns recidi_vas das manifestações articulares, estassão efêmeras e nunca constatamosdeformidades permanentes, sob o esquematerapêutico proposto. Apesar do encontroem alguns doentes de sinais radiológicosde, artrose, não podemos afirmar que setrata de artrose pós-artrite, pois não podeser afastada coexistência das duaspatologias. Portanto, quando doentes dehanseníase apresentam quadro articularcrônico prolonga- do, são provavelmenteportadores de outra doença reumáticaassociada.

As doenças que freqüentemente devemser diferenciadas da artrite reacional sãoaquelas que evoluem com artralgias ou ar-

Fig. 6 — Áreas de lise na rótula, durante surto reacional joelho E (26/8/77).

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Artrite na reação hansênica

Fig. 7 — Aumento das Áreas de use em novo surto reacional (1/10/77).

trites em articulações periféricas e as doen-ças difusas do tecido conjuntivo.

Assim, o diagnóstico diferencial com gotaaguda é muito difícil em virtude de ambaspatologias se caracterizarem por iniciosúbito, com artrite de intensos sinais infla-matórios, efêmera e de caráter cíclico. Adiferenciação clinica é particularmentedifícil, nos casos não acompanhados delesões cutâneas reacionais. Alem disso, odoente de hanseníase pode apresentarcrises de gota aguda primária ousecundária a insuficiência renal devido àamiloidose. O diagnóstico correto pode serestabelecido com a dosagem do ácido úricosanguíneo, pesquisa de cristais de Acidoúrico no líquido sinovial e a observaçãoclinica que poderá mostrar a evolução paracronicidade na gota. Os outros exameslaboratoriais e o quadro radiológico podemauxiliar, mas na maioria dos casos sesuperpõem.

As artrites traumáticas são freqüentesnos doentes de hanseníase e seu quadroclinico

muito parecido com o da artrite reacio-nal, especialmente na forma monoarticular,mas a ausência de manifestações gerais,febre, eritema nodoso ou polimorfo e outras

manifestações sistêmicas, além do quadrolaboratorial distinto, torna fácil o diagnós-tico.

Também oferecem dificuldades diagnós-ticas as artrites sépticas e osteomielite emáreas adjacentes às articulações, que sãomuito comuns na hanseníase. Na artritereacional, entretanto, Os sintomas gerais,febre e sinais de toxemia em geral sãomenos intensos, mas às vezes só a análisee cultura do liquido sinovial ou o estudoevolutivo clinico-radiológico permitem esta-belecer o diagnóstico correto.

Nos pacientes de cor negra ou pardapode haver dificuldade em diferenciar clini-camente, em especial a forma poliarticularde artrite reacional, da anemia falciforme.Alem da velocidade de hemossedimentação,que geralmente é normal nesta última, aprova de falcização das hemácias e aeletroforese de hemoglobina possibilitamefetuar o diagnóstico.

O diagnóstico diferencial com outradoença articular comum na hanseníase,que são as artroses primárias ousecundárias, mesmo na formamonoarticular da artrite reacionalgeralmente é fácil, pois naquelas oacometimento articular ocorre de modo

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K

Pernambuco et al.

insidioso e sem significativos sinais flogis-

ticos, além do quadro laboratorial ser nor-

mal. A coexistência das duas patologias é

perfeitamente possível, principalmente nos

pacientes de idade avançada.

Quando a artrite reacional é recorrente,

assumindo um caráter migratório, acarre-

tando um surto prolongado, pode ser

confundida com febre reumática, mas a

ausência de sinais de cardite, nódulos

subcutâneos de Meynet e eritema marginado

permite estabelecer o diagnóstico. 0 quadro

evolutivo, laboratorial e radiológico pode ser

muito semelhante.

Um dos problemas de difícil diagnóstico

diferencial que às vezes enfrentamos 6 entre

artrite reacional da hanseníase e lupus

eritematoso sistêmico. Ambas patologias

apresentam os exames chamados da fase

aguda do soro alterados, alterações

imunológicas evidentes, quadro clinico pro-

teiforme e o acometimento articular pode ser

semelhante. Para estabelecer o diagnóstico às

vezes necessitamos da evolução e estudos

anatomopatológicos, embora o encontro de

célula LE seja raro na hanseníase.

Quando os pacientes apresentam defor-

midades idênticas às da artrite reumatóide,

seqüelas de "mão reacional"(1) e também

comprometimento poliarticular e suben-

trantes, conforme observamos em um de

nossos casos, o diagnóstico diferencial com

artrite reumatóide é praticamente impos_

sivel, do ponto de vista clinico, e s6 pode ser

confirmado com o estudo evolutivo,

sinoviandlise, biópsia de sinóvia e radiologia.

Nesses casos os exames da fase aguda do

soro, bem como a pesquisa de fator

reumatóide, são de pouca utilidade, pois

podem estar alterados nas duas patologias. O

quadro radiológico, entretanto, auxilia, pois

não se observam na artrite reacional erosões e

destruições articulares.

As chamadas variantes da artrite reuma-

tóide, a esclerodermia, a poliomiosite e a

artrite tuberculosa, não costumam oferecer

dificuldades diagnósticas.

Concluindo, em todo estudo de artrite

reacional deve ser afastada a possibilidade de

associação da hanseníase com outras doenças

reumáticas. 0 fato da primeira manifestação

objetiva ou subjetiva da polarização na

hanseníase poder ser articular, exige que essa

patologia entre sempre no diagnóstico

diferencial das diversas afecções reumáticas,

principalmente nos países onde a hanseníase

ainda é endêmica.

SUMMARY — Twenty-one patients with Virchowian hanseniasis from the HospitalLauro de Souza Lima (Bauru-SP), were clinically studied in order to establish the type ofarthritis that occurs in erythema nodosum hansenicum (ENH). For this form of jointinvolvement in hanseniasis, the authors suggest the name "reactional arthritis". Patients withevidence of other rheumatic diseases were not included in their investigation.

Reactional arthritis may preceed, accompany or follow the appearance of ENH orpolymorphous lesions, but in approximately half of the cases studied they were absent.Arthritis generally has an acute beginning and may be mono-articular, oligoarticular orpolyarticular, symmetrical or asymmetrical. Relapses of articular manifestations occur fre-quently. Arthralgia, constitutional symptoms, hepatomegaly, generalized painful lymph-nodeenlargement, peripheral neuritis and other clinical manifestations were observed. The labo-ratory and radiological findings, however, were not specific. During the period of thisstudy. (maximum — 30 months), relapses of articular manifestations were common,with a tendency for the ENH lesions to become more discrete or no longer present. In nocase did the articular manifestations continue or did they provoke sequels.

The paper discusses the differential diagnosis of reactional arthritis with gout, trau-matic arthritis, septic arthritis, osteomyelitis, osteoarthritis, sickle-cell anemia,rheumatic fever, and diffuse connective tissue diseases. It emphasizes that in any study ofarticular involvement in Hanseniasis, the possibility of its association with other rheumaticdiseases should be excluded. On the other hand, reactional arthritis should be consideredin the differential diagnosis of rheumatic diseases.

ey words: Hanseniasis. Hansenic reaction. Arthritis.

Hansen. Int., 3(1)18-29, 1978— 28 —

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Artrite na reação hansênica

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Recebido para publicação em abril de 1978.

— 29 — Hansen. Int., 3(1) :18-29, 1978