a arte funerÁria oitocentista - francisco queiroz · na diocese do porto j. francisco ferreira...
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A ARTE FUNERÁRIA OITOCENTISTANA DIOCESE DO PORTO
J. Francisco Ferreira Queiro z
Resumo: Partindo da história da criação dos cemitérios modernos no Porto, com particular destaquepara o mais antigo (Cemitério da Lapa), são explicitados os principais entraves na aceitação desta novarealidade, com tão grandes implicações socioartísticas. Apontamos figuras da cidade que contribuíramfortemente para este processo e, tendo como mote o monumento erigido ao Bispo D. Manuel de Sta.Inês, resumimos o que a arte funerária na área geográfica da Diocese do Porto desenvolveu de específico em relação ao restante país. Para destrinçar estas especificidades, são abordados (e complementados com alguns exemplos visuais) os seguintes aspectos: estrutura urbanística dos cemitériosoitocentistas . tipo de monumentos, artífices e materiais.
Introdução
Os inúmeros cemitérios do século XIX que se encontram por todo espaçogeográfico da Diocese do Porto são óptimas ferramentas de estudo para a Históriae disciplinas afins. Existirá melhor "lugar de memória" do que um cemitério? Estepotencial aplica-se sobretudo ao século XIX, que criou os cemitérios públicos eque com eles teve uma relação muito peculiar de "atracção-repulsa". À medidaque foi ganhando aceitação, o cemitério oitocentista foi entendido como "cidadedos mortos" : espaço arruado e ajardinado, com belos monumentos, local privilegiado de passeio e encontro. Mas, esta cidade em miniatura assumiu tambémcaracterísticas de museu: um "museu da morte". Isto porque se tomou num espaçoem que cada monumento espelhava uma memória familiar, de mentalidades, devaidades, de estéticas, arquitecturas e símbolos .
Propomo-nos focar os cemitérios oitocentistas desta região como repositóriode património artístico, como laboratório dinâmico de estéticas, como mostruáriofamiliar de concepções fúnebres . Para a sociedade actual, os cemitérios não sãolocais agradáveis e isso certamente dificulta a pesquisa a muitos historiadores. Noentanto, se há casos em que a máxima "só se ama o que se conhece" é flagrantemente verdade, este é um deles.
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A criação dos cemitérios públicos em Portugal
Tal como os Romanos acreditavam, um homem pode aspirar a tomar-se
imortal se deixar uma memória. E para isso suceder, um túmulo sumptuoso podeser a forma mais fácil e eficiente de "prolongar" uma vida já terminada. Até aoséculo XIX, a generalização dos enterramentos nas igrejas só permitia a muito
poucos a ostentação fúnebre dessa memória. Os monumentos funerários eramsimples e escassos. Um sarcófago era já uma tipologia de monumento reservadaà realeza e alta fidalguia. Uma placa tumular brasonada era apanágio de nobres.A burguesia (e mesmo muitos nobres) normalmente "desaparecia" sob o soalhodas igrejas, sem qualquer rasto visual para perpetuar a sua memória. Isto, já paranão falar dos mais pobres.
Mesmo nos casos em que importantes famílias patrocinavam a construção decapelas privativas nas igrejas, quase sempre estas não assumiam claramente uma
linguagem arquitectónica fúnebre. Integravam-se na orgânica dessas igrejas e empouco diferiam das restantes capelas laterais. Ostentavam apenas uma pedra dearmas, uma ou outra placa tumular gasta pelo calcorrear dos crentes e, em casosmais raros, arcossólios e sarcófagos.
Portanto, estudar globalmente uma sociedade através da arte funerária anterior ao século XIX' é virtualmente impossível, já que a morte não dava origem a
abundantes manifestações artísticas próprias. Mesmo assim, muito antes do séculoXIX duas importantes características na forma de viver a morte se notavam, características essas que permanecerão nos cemitérios públicos oitocentistas:
- A hierarquização espacial do local de enterramento. A proximidade dos
cadáveres ao altar mor era "disputada" e só os mais notáveis a ela tinhamacesso. A arraia miúda era sepultada nos locais mais afastados, frequentemente até no exterior, sobretudo quando havia falta de espaço no interiordos templos. No caso dos cemitérios oitocentistas, essa hierarquização foibem mais complexa.
- A ideia de jazigo familiar sumptuoso em associação com uma capela. Ascapelas particulares das igrejas eram normalmente panteões familiares.Numa primeira fase da arte funerária oitocentista na região do Porto, também os jazigos em forma de capela vão assumir esse maior pendor: quasesempre vão possuir uma abertura em que a visibilidade para o interior émuito forte, como se o cemitério fosse a igreja (ou mesmo um claustro) e
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o espaço interior do jazigo-capela comunicasse com o todo desse cemitério.Daí o uso de um portão em ferro (como muitas capelas laterais das igrejaspossuíam). Se os primeiros jazigos oitocentistas em forma de capela construídos nesta região tivessem sido concebidos como túmulos autónomos,porque não levaram uma porta de madeira como qualquer igrejinha, impedindo a visibilidade para o interior?
A questão higiénica foi uma das que mais pesou para que, a partir do séculoXVIII, algumas vozes se levantassem contra as inumações no interior das igrejas.Na Europa central , o processo foi mais precoce, mas acabou por ter ecos em Portugal. Frutos de um Iluminismo que procurava também afrontar o enorme podereclesiástico, as primeiras tentativas legislativas nesse sentido não deram resultados, muito porque o processo de laicização da sociedade portuguesa estava bastante retardado em relação a outros países. Apesar de muitas vozes dentro docatolicismo julgarem ser um abuso o enterramento de pecadores lado a lado comrelíquias de santos, o que é certo é que a Igreja nunca conseguiu evitar um factoconsumado, que vinha já do período tardo-romano.
Assim, foi necessário que muita tinta corresse até que os cemitérios públicosportugueses fossem oficialmente criados, em 1835. Porém, estes tinham de sercatólicos a priori, facto bastante revelador da especificidade que a criação doscemitérios oitocentistas assumiu em Portugal.
O Porto, como em quase tudo nessa época, foi pioneiro na criação de cemitérios fora das igrejas. No entanto, esta precocidade deveu-se a uma complexaconjugação de factores, ainda pouco estudada.
Tudo se despoletou em 1833, com o Cerco do Porto. Nesse ano, a situaçãoextremamente difícil de salubridade na cidade gerou uma epidemia muito mortífera: o cholera morbus. Esta rapidamente lotou os locais de enterramento, factoagravado pelos soldados que iam morrendo nas investidas dos Miguelistas.
Nessa altura, o Porto ouvia algumas vozes ilustradas a clamar contra os enterramentos no interior de igrejas, ainda para mais dentro da cidade, com osperigos inerentes. Ora, no contexto do Cerco essa situação agudizava-se. Uma daspessoas que mais se notabilizou pela batalha contra as formas habituais deenterramento foi Francisco de Assis Sousa Vaz, um eminente médico portuense.
O Cerco do Porto gerou heróis. O primeiro, obviamente, D. Pedro IV, comquem a cidade se identificou e sofreu por ideais que a mentalidade colectivaportuense tanto prezava. Era o Liberalismo, era a abolição de seculares privilégios
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Injustos, a possibilidade do burguês ascender socialmente, a perspectiva de umpaís moderno, a liberdade de comércio.
Se D. Pedro foi o herói militar, D. Manuel de Santa Inês foi o herói religioso.Tendo sido escolhido por D. Pedro aquando da entrada na cidade (pela sua simpatia com a causa liberal, que o tinha obrigado a permanecer na sombra até então),este bispo .foi bastante acarinhado par toda a população do Porto.
Perante a situação muito difícil vivida com o Cerco, D. Manuel de SantaInês enviou uma circular aos párocos (em Março de 1834) recomendando-lhesa construção de novos cemitérios. Este facto é importante, tanto mais que afigura do Bispo Sta. Inês esteve associada a forte resistência contra a implantação do cemitério público do Prado do Repouso (que viria a ocupar a Quinta doPrado do Bispo, pertencente à Mitra). Tal como sugere um jornal da época,pensamos que D. Manuel de Santa Inês terá sido pressionado nesta questão.Aliás, muitos cónegos da Sé do Porto não aceitaram bem este bispo : possuíauma ideologia maioritariamente diferente da deles e não estava sequer reconhecido pela Santa Sé. Por isso , tudo leva a crer que , tanto D. Pedro como D.Manuel de Santa Inês, foram claramente favoráveis à criação de cemitérios maisapropriados.
Neste contexto surge-nos a Irmandade de Nossa Senhora da Lapa. Se estainstituição já era muito respeitada pelos portuenses, durante o Cerco assumiu maisainda essa relevância, tendo sido a sua igreja (ainda em construção) escolhida porD. Pedro para servir de Capela Real. D. Pedro acabaria por doar o seu coração à
cidade do Porto, dando origem ao túmulo que hoje se vê na capela-mar da Igrejada Lapa .
Em 1833, a Mesa da Irmandade da Lapa pediu a D. Pedro que autorizassea construção de um cemitério privativo. As razões para este pedido não são aindatotalmente conhecidas. De facto , a conjugação do Cerco com a epidemia de cóleranão o poderiam justificar, por si só. Em termos de superfície, a Igreja da Lapa eradas maiores do Porto, com bastantes locais de enterramento disponíveis no seuinterior e com o importante detalhe de não ser igreja paroquial, de modo que sódava sepultura a irmãos.
Estamos bastante persuadidos de que este pedido materializou uma intençãoavant la lettre. De facto, a Mesa poderia ter em mente um mero terreno anexotemporário para sepulturas. Mas todo o processo de construção do Cemitério daLapa parece mostrar que, já em 1833, a Irmandade de Nossa Senhora da Lapapretendia um cemitério "ao moderno". Ou seja, convenientemente murado, eno-
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brecido com portal, com locais próprios para a construção de monume ntos, talcomo se fazia já há algumas décadas em Paris , cidade modelo para quase tudo naépoca.
Em 1833 foram também criados os cemitérios do Alto de S. João e dos Prazeres, em Lisboa. Porém, eram apenas terrenos improvisados para inumar os coléricos. Só em 1835, com o decreto de Rodrigo da Fonseca Magalhães que criavaos cemitérios públicos, foram oficialmente transformados em cemitérios, aprovei tando o precedente criado em 1833.
Podemos afirm ar que o Cemitério da Lapa é o mais antigo cemitério moderno português ainda existente , em termos de criação , j á que foi criado antesmesmo do decreto que estabeleceu os cemitérios públicos. E o Cemitério daLapa só não foi o primeiro cemitério moderno do país em termos da construçãode monumentos porque a Irman dade de Nossa Senhora da Lapa estava basta nteonerada na época com a construção da monumental igreja , e com as obras docolégio. Assim , como situação de transição, foi neces sário estabelecer um cem itério interino, por detrás da capela-mar, e também com uma secção no claustro.Curiosamente, este cemitério interino foi estabelecido aind a antes da portaria dacriação ofic ial do Cemitério da Lapa, o que não deixa de levantar questõesquanto a uma eve ntual urgência sanitária em o construir. Refira-se, aliás , quegrande parte dos inumados neste cemitério foram milit ares mortos durante oCerco .
Nos Prazeres temos , provavelmente, os monumentos funerários mais antigosconstruídos em Portugal ao ar livre, num cemitério católico. Porém, este facto nãoretira precocidade ao Cemitério da Lapa já que este último foi, de início, concebido para ser um cemitério moderno, no que foi pioneiro: em 1833 nenhuma leiainda tinha definido o que seriam os novos cemitérios públicos .
O cemitério interino da Lapa funcionou até inícios de 1837. A primeira inumação nos terrenos do novo cemitério data de Agosto de 1836, embora este nãoestivesse ainda construído. A segunda inumação só .se dá em 1837, desta vez jácom a indicação do número da sepultura, indício de que já estives se o terrenoordenado em secções. Só em Junho de 1837, a Mesa Adminis trativa da Irmandadeda Lapa aprova as condições para venda de terrenos dest inados a jazigo perpétuo.Depreendemos que, nessa data , o cemitério estaria já minimamente pronto , embora a entrada não estivesse sequer constru ída. Aliás, o cemitério só foi oficialmentebenzido no Verão de 1838.
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o papel do Cemitério da Lapa na arte funerária da regiãoda Diocese do Porto
o primeiro monumento erigido no Cemitério da Lapa terá sido o mausoléua José Ferreira Borges, expoente máximo do liberalismo comercial portuense.Menos de um ano depois, o mausoléu a D. Manuel de Sta . Inês ocupou um lugarsimétrico, à entrada do cemitério. Estes primeiros monumentos de portuenses no
táveis geraram uma crescente onda de aceitação do novo cemitério e de imitaçãona construção de monumentos. Nos anos seguintes, o Cemitério da Lapa começou
a encher-se de construções, não só de negociantes (os futuros Barão de Ancede eBarão de Massarelos), como de profissiona is liberais com prestígio (como o cirurgião António de Andrade) .
O Cemi tério da Lapa assumiu-se então, não só como um cemi tério de elite,
mas também como um símbolo do Libe ralismo e da alta burguesia portuense.Apesar de ser privativo, o Cemitério da Lapa influenciou, numa primeira fase,
todos os cemitérios públicos da reg ião do Porto (e do norte do país em geral).Nesta fase , a gestão do Cemitério da Lapa foi qua se irrepreensível. Em
tudo este cemitério se procurava aproximar da grandios idade, do asseio e doRomantismo dos cemitérios modernos europeus. Por detr ás deste sucesso estava
um homem: João da Sil va Ribe iro . Ele era Director da Irmandade da Lapa
quando esta pediu a autorização para estabelecer um cemitério moderno. Ele foi ,de facto , o fund ador do cemitério . Deveria ter con hecimento do que seriam oscemitérios modernos , em Paris , por exe mplo. Foi também ele quem fez a plantado Cemitério da Lapa e sempre deste cuidou como se fosse a sua segunda cas a,
emprestando mesmo dinheiro para que se comprassem arbustos, de forma a nãopassar a época do plantio. João da Silva Ribeiro esteve nas duas comissões queerigiram os importantes monumentos a José Ferreira Borges e ao Bispo EleitoD. Manuel de Santa Inês . Pensamos que parte da iniciativa em cons truir estesdois monumentos partiu de João da Si lva Ribeiro, que sabe ria ser necessária acriação de precedentes de monta para que outros port uenses começassem também a construir na Lapa os seus monumentos e que fosse , ass im, tomando form a
um cemitér io de nível europeu. Curiosamente, este negociant e estabelec ido noPorto e natural de Gu imarães não era propriamente um personagem com gra ndevisibilidade social na cidade .
A forma como João da Silva Ribeiro concebeu o cemitério viria a favoreceruma diferenciação clara entre a arte funerária do Porto oitocentista e a que se fazia
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então nos cemitérios de Lisboa (e mesmo em outros países). Isto, mesmo com acircunstância dos primeiros monumentos erigidos na Lapa terem sido construídosem Lisboa. Um determinado conjunto de factores (sobretudo associados com aquestão dos materiais e dos artífices) fez com que a arte funerária portuense ganhasse características próprias, o que a torna mais interessante, sobretudo porquese desviou consideravelmente de algumas das correntes europeias mais estereotipadas .
O primitivo Cemi tério da Lapa era um tabu leiro dividido em 8 secções,havendo uma secção lateral , que foi-se enc hendo de capelas monumentais . Osprimeiros mausoléus do cemitério foram sobretudo erigidos em memória de personalidades rele vantes ou pessoas isoladas. As primeiras cape las tiveram umcarácter mais familiar , na sequênc ia da tradição fúnebre dos séculos anter iores,como já referimos. Porém, essa diferença foi-se esbatendo nos anos seguintes.Apesa r disso, a distinção entre mausoléu e cape la permaneceu sobre tudo pelolocal que cada uma destas tipologias de monumento ocupou no Cemitério daLapa . Sendo este de elite, a capela assumi u-se como a forma máxima de osten tarpoder económico e, por isso, cada vez foram sendo maio res as cape las construídasna secção lateral, durante a década de 1840. Estas ficaram laterais ao cemitério,como as capelas das igrejas ficavam em relação às naves dos templos. E quandoa secção lateral poente começou a encher-se, logo a Irmandade da Lapa adquiriuuma tira de terreno à Câmara Municipal do Porto (que dava para a Rua de S.Brás, do lado nascente) de forma a continuar a haver espaço disponível paraestas capelas monumentais . Curiosamente, as últimas capelas construídas nestasecção (década de 1870, embora hajam posteriores), já não são tão grandiosas.O jazigo em forma de capela estava então já banalizado e construíam-se capelasde dimensões mais modestas na divisão superior do cemitério, onde a plantapermitia colocar as várias tipo logias de monumento (mausoléus e capelas) deforma quase aleatória.
Esta ideia de secção lateral, destinada a capelas , foi copiada em quase todoo norte do país. É mais visível nos cemitérios rurais dos concelhos da Feira, Gaia,Maia e Matosinhos. Porém, o tipo de cape las constru ídas nestes cemité rios foramjá muito mais tardias. Monumentais, sim, mas apenas à esca la local. Secções laterais com capelas semelhantes (cópias) às do Cemitério da Lapa são mais rarase possuem menos exemplares. Podem ser encontradas, por exemp lo, em Campanhã,Rio Tinto, Matosinhos ou Perafita.
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Os cemitérios municipais e a questão dos cemitérios privativos
o cemitério municipal do Prado do Repouso foi inaugurado em Dezembro de1839. Porém, durante cerca de duas décadas este cemitério permaneceu poucomoderno: um vasto descampado onde apenas eram sepultados os mais pobres. Oscidadãos abastados, se a sua mentalidade era mais "moderna", preferiam ser sepultados na Lapa (podiam tornar-se irmãos no próprio dia em que compravam oterreno). Se fossem mais "tradicionais", talvez preferissem ser sepultados nos cemitérios das muitas outras ordens e irmandades existentes na cidade. Estas possu
íam cemitérios já no exterior das igrejas (cumprindo parcialmente o decreto de1835), mas sem qualquer ordenação espacial moderna.
Perante este cenário, o cemitério público municipal não podia mesmo engrandecer-se. Em 1848, Francisco de Assis Sousa Vaz apontava um outro proble
ma deste cemitério: não devia chamar-se simplesmente cemitério público (como opovo o chamava, em contraposição aos restantes, que tomavam o nome da suaparóquia e/ou irmandade), mas sim Prado do Repouso , um nome psicologicamente bem mais apelativo, ainda para mais para a mentalidade Romântica dessa épocaque precisava suavizar a morte .
Em Setembro de 1851 geraram-se tumultos na cidade. O Governador Civil
mandou terminar drasticamente com os enterramentos nos cemitérios privativosdo Porto, procurando cumprir disposições superiores que nem sequer tiveram emconta a especificidade do caso portuense (j ã que a proibição aplicava-se, não sóaos insipientes cemitérios de algumas ordens, como também ao formoso Cemitérioda Lapa). Perante as incongruências da portaria e as inúmeras pressões, a autoridade civil teve de voltar atrás. As prerrogativas das irmandades foram sempre maisfortes que o poder do Governo Civil e da Câmara Municipal e o Cemitério doPrado do Repouso foi-se mantendo em estagnação. Aliás, os próprios vereadoresdo município preferiam também ser sepultados nos cemitérios das irmandades,facto que mostra claramente a situação vivida.
Nunca como no século XIX as irmandades tiveram um papel tão forte nacidade do Porto e a questão dos enterramentos foi um factor muito importante
para reforçar essa situação. Quantos negociantes não se tornaram irmãos apenaspara poder ter o privilégio de aí serem sepultados? Alguns deles eram até irmãos(e mesmo mesários) em várias irmandades, conforme desejassem beneficiardaquilo que cada instituição podia oferecer de melhor. Por exemplo, notáveiscom altos cargos e fortes ligações à Misericórdia ou ao Carmo acabaram por
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erigir os seus jazigos na Lapa, porque certamente achavam que estas instituiçõesnão possuíam cemitérios tão bons como o da Lapa . Por outro lado, era algo complicado erigir um monumento sumptuoso nos cemitérios do Carmo, do Terço ouda Misericórdia, sendo estes meros terrenos junto a edifícios das respectivasirmandades. Só na extensão bem orden ada do Cemitério da Lapa estes monumentos poderiam ser erigidos e apreciados pela sua grandiosidade. Nas catacumbas da Ordem Terceira de S. Francisco (e por press ão de alguns irmãos), aindase chegaram a erigir mausoléus . Porém, es tes ficaram claramente limi tados emaltura e supe rfície , deslocados da função original , torn ando-se monumentos algogrotescos.
Aquando da segunda grande epidemia de cólera no século XIX, em 1855, asituação no Porto vai-se alterar um pouco. As autoridades civis conseguem finalmente fechar (por algum tempo) os cemitérios privativos que não tinham condições e, paralelamente, mandam construir de forma apressada um novo cemitériomunicipal: Agramonte. Este serviu sobretudo para inumar os coléricos. Ora, existindo dois cemitério s municip ais, a população começou a encarar o Cemit ério doPrado do Repouso como o mais digno , já que não era um cemitério improvisado,como o de Agramonte, cuja capela era até em madeir a. Por outro lado , alguns"corajosos" tinham já mandado erigir monumentos no Prado do Repouso (emboraapenas mausoléus). E os seus titulares não eram portuenses para desprezar: oconhecido pintor Augusto Roquemont, Vicente José de Carvalho e Bernardo Joa quim Pinto (dois conhecidos lentes da Escola Médico-Cirúrgica) e, logo após aepidemia, o mausoléu a Francisco Eduardo da Costa, o mais conceituado músicoportuense da primeira metade do século XIX. Foi-se , assim , abrindo caminho paraque também o Cemitério do Prado do Repouso se fosse tornando local habitual deconstrução de monumentos. As primeiras capelas terão surgido aqui no início dadécada de 1860. Porém , o cemitério não possuía secções latera is, como a Lapa , demodo que as capela foram sendo colocadas ao longo das ruas (como no casolisboeta). É sintomático, no entanto , que os cemitérios da área geográfica da diocesenão tivessem seguido este modelo (que viria a ser também usado em Agramonte),mas si~ o da Lapa .
Após a epidemia de 1855, os cemitérios das irmandades foram sendo reabertos, embora já fosse cada vez menos consensual a manutenção daqueles que nãotinham condições. Num processo longo e difícil , cada irmandade foi negociandocom a Câmara Municipal a aquisição de secções privativas nos cemitérios municipais , tendo sido a Misericórdi a do Porto a primeira a fazê-lo. Com a reestruturação
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do Cemitério de Agramonte, em 1869, as restantes ordens entenderam também sereste já um bom local para estabelecerem os seus cemitérios privati vos. A circunstância das ordens do Carmo , de S. Francisco e da Trindade terem adquirido secções próprias neste cemitério fez com que o volume de construções tivesse tidoaqui um cresc imento notável nos anos seguintes, rapidamente maior do que o doCemitério do Prado do Repouso. que , afinal se situava numa zona menos nobre dacidade. Dos cemitérios privativos já existentes, só os da Lapa e do Bonfim semantiveram em local próprio, porque, apesar dt'~ão serem públicos, eram jácemitérios com condições, em locais elevados e razoavelmente afastados de habitações, com concepções urbanísticas modernas (sobretudo o da Lapa) .
Em finais do século XIX, o Cemitério da Lapa tomou-se demasiado pequenopara a quantidade de pessoas que ali pretendiam ter um jazigo próprio. O cemitério não podia alargar-se mais (já o tinha sido por duas vezes), porque estavaencravado num pequeno quarteirão. Assim, a Irmandade da Lapa teve de permitir,não só a construção de capelas no meio das secções outrora destinadas a mausoléus, como a demolição de antigos monumentos. Por outras palavras, o cemitériomais importante do norte do país foi muitíssimo mais rico em construções oitocentistas do que é actualmente. Não fosse a circun stância da Irmandade da Lapater tido necessidade de recorrer a demolições para rentabilizar o cemitério, esteseria actualmente um belo jardim de monumen tos, muito próximo da necrópoleRomântica que João da Silva Ribeiro idealizou.
o quebrar da resistência social e a criação dos outros cemitériosna área da diocese
Nesta região , nem o decreto de 1835 nem outros posteriores (como o decretode 1844, que contribuiu para originar os graves tumultos da Maria da Fonte) foramsuficientemente persuasivos para poderem ser aplicados. Tantas outras portariasforam emanadas posteriormente, muitas delas sem quaisquer resultados. Quasetodos os cemitérios públicos desta região foram criados tardiamente em relação àmédia nacional, sobretudo por factores de mentalidade. Isto, claro , muito mais naszonas rurais . Na cidade do Porto, essa resistência social manifestou-se de outrasformas, sobretudo através do recurso generalizado aos cemitérios privativos,fenómeno quase específico desta cidade. Aliás, no Porto existem actualmente 8cemitérios privativos, o que é caso único no país. Conhecemos outros exemplos
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de cemitérios privativos (em Vila do Conde, Viana do Castelo ou Braga), mas
mais pequenos e não com o peso histórico e artístico que tiveram os cemitériosprivativos do Porto.
A criação dos cemitérios públicos partiu sobretudo da necessidade em pos
suir espaços apropriados e afastados _da povoação, que pudessem suprir a grandesmortandades. É sintomático o pânico que se gerava na cidade sempre que haviamnotícias de cólera em portos com os quais o Porto negociava intensivamente.Sempre que isso sucedia, os jornais enchiam-se de notícias alarmantes (por vezescontraditórias), de artigos de fundo alertando para a situação dos cemitérios dacidade e de anúncios de livros ensinando o povo a lidar com a cólera. O choleramorbus era um autêntico fantasma para os portuenses, compreensível dada a situação traumatizante vivida com esta doença aquando do Cerco do Porto.
O ano de 1855 foi particularmente rico em inaugurações de cemitérios apressados nesta região, em especial nas zonas mais urbanizadas ainda sem cemitériopúblico. Já referimos o Cemitério de Agrarnonte, mas em muitas freguesias do
Concelho de Bouças (Matosinhos), Maia e Gaia mais próximas da cidade doPorto, foi este também o ano de inauguração dos cemitérios hoje existentes. Alotação dos locais tradicionais de enterramento a isso obrigavam, face à pressãodemográfica e à epidemia de cólera desse ano.
No espaço geográfico da Diocese do Porto, o estabelecimento de cemitérios
modernos foi-se arrastando por todo o século XIX (e mesmo no início do séculoXX). Os principais entraves ao cumprimento das numerosas disposições legaissobre o estabelecimento de cemitérios e a consequente aceitação desta nova realidade foram sobretudo três:
- A falta de dinheiro das entidades que deviam criar os cemitérios públicos:Câmaras Municipais e, sobretudo, as Juntas de Paróquia, frequentementecom parcos recursos. Esta falta de dinheiro era agravada nos casos em queas ditas entidades não possuíam terrenos próprios convenientes;
- - Os motivos de ordem religiosa (resistência ao enterramento longe de uma
igreja), mesmo sendo os cemitérios públicos portugueses católicos a priorie todos benzidos convenientemente.
- Os motivos de ordem estética e social. Muitas vezes, os novos cemitérioseram criados em terrenos provisórios, sem qualquer preparação, que depois ficavam praticamente abandonados (recebendo apenas cadáveres de
pobres e indigentes), agravando ainda mais a conotação negativa destes
espaços.
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Para ultrapassar es ta resistênc ia social, recorreram-se frequentemente às se
guintes so luções :
- Cr iar cemitérios o ma is próx imo possível das igrejas, nos casos em qu e
isso era exequível, para qu e as pessoas se ntissem o terren o como mais
sacralizado . Na região da Diocese do Porto, fo i um fenó me no mu ito co
mum, já que o povoamento disperso permit ia cr iar ce mi tér ios nos adros
ou passais das igrej as paroquiai s, frequenteme nte isol ad as de habitaçõe s.
Isto, claro, só em freg ues ias ru ra is. No caso de ce mitérios munic ip ais, a
escolha du m terren o j unto a um a igreja era ape nas possível em alg uns
casos. Em Matosin hos, foi rela tivame nte fác il, j á qu e não ex istiam mu itas
hab itações próxim as à Igrej a Ma triz. Em Gaia, a vereação diri gida pelo
Co nselheiro Veloso da Cruz criou o ce mi tério municipal na cerca do
Mosteiro da Serra do Pila r, em 1855. A circuns tânc ia da ce rca do mos
teiro já ser murada, bem como o fac to do ter reno perten cer à Fazenda
Nacional (por extinç ão das ordens religiosas), deve ter sido re le vante na
escolha do local. Re du zia os cus tos para o mu ramento do ce mi tério e
pe rmitia uma poster ior concessão govername ntal fac ilitada (e se m cu st os)
do terren o. Por outro lado, co mo existia um a igreja próxima, esta podi a
servir como ca pe la mortuária, evitando o custo elevado de a cons trui r de
raiz. Cur iosame nte, o Cemitério da Serra do Pi lar viria a ser abandona do,
fac to explicável sobretudo pe la velha rivalid ade entre as freg ues ias qu e
compunham a sede do concelho (que era de criação recente, j á que Vila
Nova pertenceu durante muito tempo à cidade do Port o). Assim, Gaia é
um dos pou cos concelhos do país que não possui ce mitério munici pal. Os
po ucos outros casos que co nhecemos também se situa m na região de
entre Dou ro e Minho , em que as sedes de co nce lho era m, mu itas ve zes,
tão populosas qua nto as res tantes fregu esias.
- Quando não era possível cr iar os cemitérios junto às igrejas, escolhia m-se
também terrenos junto a ca pelas ou mosteiros, em locais mais afastados da
povoação (como em Vila do Conde) ou em locais mais ou menos ermos
que tinh am j á servido de enterrame nto aquando das ep idemias de có lera de
1833 ou 1855 . Es ta so lução não foi ass im tão co mum na reg ião do Po rto,
porque qu ase se mpre os mortos destas epide mias foram sepultados j unto às
igrejas paroquiais: o tipo de povoamento o permitia.
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Muito comum nesta região foi, sim , a influência de notáveis locais que ofereciam grossas quantias para ajudar à construção de um cemitério, de forma a que
depois aí pudessem colocar o seu mausoléu ou capela com grandiosidade. Istosucedeu frequentemente com "brasileiros" endinheirados que regressavam "à ter
ra" e necessitavam mostrar o bem estar económico adquirido, em paralelo com aarquitectura por vezes exagerada utilizada nos seus palacetes. Muitas vezes, eramaté estes notáveis que tomavam a iniciativa de construir o cemitério local. Outrasvezes, o cemitério já existia e estes é que o muravam e arranjavam para depois aíconstruir o seu panteão familiar. Este fenómeno foi também importante para quea resistência social se quebrasse em muitas paróquias: se até o brasileiro rico
construía um monumento no cemitério, também os restantes o poderiam e deveriam fazer. Existe aqui uma importante componente de imitação (imitação do queera considerado moderno), mas também uma componente de competição, pelomelhor / maior monumento do cemitério, que fez com que tenhamos hoje exemplos magníficos de arte funerária, nos cemitérios desta região.
Em geral, os cemitérios mais antigos da região do Porto só começaram a re
ceber monumentos funerários passados vários anos após a sua construção oficial. Sóem alguns cemitérios mais tardios foram construídos monumentos logo após a suaabertura, uma vez que a resistência social não era já tão grande e a construção demonumentos funerários nos cemitérios era já um dado perfeitamente adquirido.
Convém igualmente notar que , na história dos cemitérios oitocentistas destaregião, a questão da datação é sempre um problema complicado, mesmo quandoexistem epígrafes. Fiar-se nos primeiros registos de enterramento também não estáisento de perigos. Aliás, qualquer documento escrito pode não ser inteiramentefiável em relação à criação de cemitérios porque, por vezes , são referidos como"cemitérios públicos" locais que nada tinham de "moderno" ou são omitidos cemitérios públicos existentes anteriormente. Lembremo-nos, por exemplo, do cemitério municipal de Gaia , do qual não existe actualmente qualquer vestígio.
É nossa opinião que a distinção entre cemitérios públicos "modernos" e "não
modernos" é muito importante e pode ser feita , sobretudo, através da existência ounão de monumentos funerários ao estilo do século XIX . Em Agramonte, a data aconsiderar para a inauguração é a de 1855, mas o verdadeiro cemitério modernosó foi estabelecido após 1869, com a reorganização da planta, com as primeirasconcessões de jazigos e com a construção de uma capela funerária decente (etc.).
Antes disso, era um terreno mais ou menos vedado, destinado apenas a sepulturastérreas ou, quando muito, pequenos epitáfios à cabeceira.
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J . FRA NCISCO FERREIRA QUEIROZ
As princ ipais razões para que as Juntas de Paróquia e Câmaras Municipaisviessem a optar pela venda de terrenos destinados à construção de monumentoseram as seguintes:
a) uma forma de ganhar maior rendimento, já que estes monumentos iriamocupar para sempre um espaço próprio no cemitério. A construção demausoléus e capelas pres supunha um mínimo de bem estar económico por
parte dos seus titulares e, como tal , deveria ser paga de acordo com arespectiva posição social. Esta razão seria, certamente , a que mais pesava,até porque os administradores dos cemitérios queixavam-se frequentemente dos custos que tinham para os manter.
b) uma forma de embelezamento do cemitério, atraindo, por outro lado , maisinteressados em construir, no cemitério, outros monumentos.
Nos caso de cemitérios mais tardios, as entidades que os detinham apenas selimitavam a copiar o que tinha sido feito pelas administrações de outros cemité
rios. Por outro lado, não só a Administração Concelh ia e o Governo Civil acon selhavam tal medida como , muitas vezes , eram os próprios habitantes que o exigiam.Referimos anteriormente o caso relativamente comum de notáveis locais que tomavam, ele s próp rios, a inic iativa de construir um cemitério e o arranjarem para ,
em seguida, aí construírem a sua capela ou mausoléu. Em muitos casos, foramestes notávei s locais que , através do efeito "bola de neve" , transformaram terrenos
mal cuidados nos verdadeiros cemitérios modernos desta regi ão . Muitas vezes,eram até eles que "obrigava m" as Juntas de Paróquia ou Câmaras Municipais aregul amentar a venda de jazigos.
Os principais cem itérios portuenses ditaram as modas construtivas para osmais pequenos cemitérios dos arredores. A influência exercida pelos cemitérios doPorto foi esmagadora, apesar de se encontrarem monumentos construídos porcanteiros de Lisboa em muitos cemitérios desta região. Primeiramente, foi o Cemitério da Lapa a irradiar influência, mais ou menos até à década de 1860/70. Apartir desta data e apesar de ainda ser um cemitério de elite, já nem todas as"modas" fúne bres eram aqui iniciadas: o Prad o do Repouso teve nesta época
alguma influência, logo suplantada pela do Cemitério de Agramonte que, em finais do século XIX, se tornou o modelo preferido para os cemitérios rurai s dadiocese. Ora, como estes últimos são quase sempre tardios (geralmente posterioresa 1855), temo s a notar que o neogótico domina particularmente na construção dejazigos, sendo o granito o material mais utilizado. Em algun s cemitérios maiores,
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1 CONGRESSO SOBRE A DIOCESE DO PORTO
nomeadamente municipais, o mármore também surge, mas quase só em mausoléus, monumentos mais pequenos, requerendo menos cantaria.
O mármore era mais caro, embora já existisse no Porto um punhado de
oficinas especializadas neste material pétreo. Estas, aliás, floresceram devido àcada vez maior procura de monumentos funerários em mármore. Numa primeira
fase, alguns canteiros vieram mesmo de Lisboa para o Porto, em procura de umbom negócio numa cidade que estranhava o mármore mas que dele necessitavapara materializar o ideal do túmulo romântico. Mais tarde, são os canteiros estabelecidos no Porto que montam filiais na província, quando o mercado da construção de monumentos fúnebres nessas zonas era já significativo. Por exemplo:
José Pinto Castelo, referenciado desde 1884 com oficina no Porto, montou umafilial em Amarante, que laborou durante quase dez anos. Assim, pôde cobrir co mmais eficácia a região do Vale do Sousa, onde podemos encontrar bastantes monumentos saídos da sua oficina (sobretudo em Penafiel) .
As oficinas de canteiros que construíram mais obras fúnebres nesta regiãodurante o século XIX foram :
- Até 1870, Emídio Amatucci, José Joaquim Pinto e José Almeida da Costa
- Entre 1870 e 1890, António Almeida da Costa, Bernardo Marques da Silva,e José Amatucci
- Entre 1890 e inícios do século XX, António Coelho de Sá, António Almeidada Costa, Joaquim Maria da Silva, Joaquim Almeida da Costa, Bernardo
Marques da Silva e João Gomes de Barros.As oficinas de cantaria de Lisboa só esporadicamente colocaram monu mentos nesta região. Isso sucedeu sobretudo nestas circunstâncias:
- Alguns dos primeiros monumentos erigidos na Lapa foram construídos emLisboa, por não haver ainda ninguém no Porto habituado a empreender tal
tipo de construção, nos casos em que se impunha o uso do mármore.- No caso de monumentos posteriores, normalmente o encomendador tinha
grandes ligações a Lisboa e acabava por aí encomendar o monumento.
A ofici na dos irmãos Antunes dos Santos é uma excepção, já que tinha origemem Lisboa mas possuía filia l no Porto. Foi esta oficina, por exemplo, que construiuo pedestal da estátua equestre de D. Pedro IV, na actual Praça da Liberdade.
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Conclusão
Disseminados pelo espaço da Diocese do Porto, os cemitérios são locaisprivilegiados de estudo para o século XIX, pela multiplicidade de abordagens quepermitem . Mas, para que estes locais não se empobreçam progressivamente, necessitam de protecção patrimonial eficaz . A destruição e a situação de abandonoque alguns importantes monumentos sofrem actualmente, perante uma sociedadeque encara a morte com muita dificuldade, põem em causa um potencial de estudoaté agora insuficientemente aproveitado. Quantas personagens do século XIX hojeprecisamos conhecer melhor e para as quais pouco mais temos senão o seu monumento funerário? O cemitério oitocentista é a nossa memória colectiva numarquivo repleto de documentos em pedra e ferro.
Comentários às ilustrações
Como forma de alertar para a preservação dos nossos cemitérios oitocentistas ,optamos por incluir neste trabalho algumas ilustrações antigas onde se podem vermonumentos construídos na Lapa no século XIX e que, infelizmente, já não existem.
Na figura 1, podemos ver o jazigo-capela n." 23, erigido por João Antóniode Freitas Júnior para sua mulher , falecida em 1855. Terá sido construído entre1857/58. João António de Freitas Júnior foi um conhecido comerciante do Porto.Esteve estabelecido na Rua das Flores com um negócio de lotarias e câmbios,negócio esse que foi sendo progressivamente alargado a todo o tipo de produtos,desde chás a queijos . Freitas Júnior foi deputado e um dos caixas do contrato dotabaco no Porto. Posteriormente, começou a especializar-se na venda de papel,tendo também montado uma tipografia própria . Neste jazigo repousam os restosmortais de Camilo Castelo Branco , que era amigo do filho de João António deFreitas Júnio r. Daí esta estampa ter sido incluída na obra de Alberto Pimentel"Romance do Romancista", publicada em 1890, e que relata a vida do célebreescritor. A capela de Freitas Júnior ainda existe, em razoável estado de conservação. Porém, no lado esquerdo da imagem podemos ver o jazigo n." 7 (encimadopor uma cruz) , que foi mandado erigir na década de 1850 por José Moreira deSousa Machado, tendo sido demolido poucos anos após esta estampa ter sidolitografada. Através deste documento visual ficamos a conhecer, não só mais umexemplo de uma tipologia de monumento relativamente comum no Cemitério da
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Lapa, como também um tipo de remate de gradeamento que não foi habitual(apesar de ter sido muito utilizado na cantaria): a ampulheta alada.
Na figura 2, temos um outro mausoléu encimado por cruz, que terá sido
erigido por Carlos Viera da Mota para seu pai, o Conselheiro Bernardo José Vieirada Mota, falecido em 1859. O terreno tinha sido adquirido alguns anos antes por
Delfina Cabral Pais do Amaral, para sepultar seu marido Bento Ferreira CabralPais do Amaral. Estes eram sogros de Carlos Vieira da Mota, que foi um magis trado ilustre (à semelhança do seu pai, Bernardo, Presidente do Tribunal da Re
lação do Porto durante muitos anos ). Carlos Vieira da Mota, que viria a ser oConde do Juncal, viveu durante alguns anos em Lisboa, em virtude de ter sido
deputado e Juiz do Supremo Tribunal de Justiça.Na figura 3, podemos ver ainda um outro mausoléu encimado por cruz (que
terá sido muito semelhante ao refe renciado para a figura 1). Foi mand ado erigirpor Fortunato de Oliveira Chamiço, para a sua falecida mulher, em finais dadécada de 50 do século XIX. Importante comerciante do Porto , Fortun ato de
Oliveira Chamiço era pai do conhecido capit alista e deputado Francisco Chamiçoe do negoci ante proprietário da famosa barraca da Prai a da Granja , Edua rdo
Chamiço (bem como do homónimo comerciante Fortunato Chamiço).A figur a 4 refere-se ao jazigo n." 80, mandado erigir à volta de 1842-44 por
João José Borges, à memória de sua mulher. João Jos é Borges foi escri vão e
tabelião no Porto , nomeadamente das execuções do Depósito público e do Juízoda Conservatória das nações estrangeiras. Também foi tabelião em Barcelos.
Bibliografia para aprofundamento da temática
Em segu ida apresentamos algum as refe rências bibliográficas com interessepara a história e caracterização dos cemitérios oitocentistas portugueses. Feliz mente, esta listagem está em constante ampliação, uma vez que decorrem importantes estudos monográficos sobre alguns dos mais relevantes cemitérios do país .
Trabalhos da nossa autoria
- O f erro na arte fun erária do Porto oitocentista. O Cemitério da Irmandadede N," S." da Lapa, 1833-1900. Tese de Mestrado em História da Arte orientada
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1. FRANCISCO FERREIRA QUEIROZ
pelo Prof. Doutor Agostinho Araújo e apresentada à Faculdade de Letras do Porto
em 1997 (3 volumes policopiados).- O Cemitério da Madalena (com a colaboração de Jorge Serafim Freitas).
ln "Santa Maria Madalena de Fermucia (Madalena - Vila Nova de Gaia) . Subsídios para uma Monografia". Junta de Freguesia da Madalena, 1997, pp. 153-159.
- Um virtuoso do mármore. Outras notas para uma biografia de AntónioAlmeida da Costa (1832-1915). ln "Boletim da Associação Cultural Amigos deGaia", n." 44, Dezembro de 1997, pp . 49-54.
- A primeira oficina de cantaria de mármores no Porto. Notas para umabiografia de Emídio Carlos de Sousa Amatucci (181I-1872) . ln "O Tripeiro", 7:série, ano XVII , n." 2, Fevereiro de 1998, pp. 51-55 .
- Contributos para a História dos Cemitérios de Gaia (partes I, II e III). ln"Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia" , 7.° vol., n." 45, Junho de 1998,pp. 54-62; n." 46, Dezembro de 1998, pp. 23-35; n." 47, Junho de 1999, pp. 45
-57.- Os monumentos a José Ferreira Borges e D. Manuel de Santa Inês. ln "O
Tripeiro", T? série, ano XVII, n." 11, Novembro de 1998, pp. 338-344.-Para a história da "Centenária Casa Felisberto ": a mais antiga oficina de
mármores do Porto em actividade. ln "Arqueologia Industrial", do Museu da
Ciência e Indústria do Porto, 3: série , vol. 2, n." I-II , 1998, pp. 23-30.- Cemitérios oitocentistas portugueses: os Museus da Morte. ln "Museu", do
Círculo Dr. José de Figueiredo (Museu Nacional Soares dos Reis), IV série, n." 7,Porto, 1998, pp. 89-106.
- Especificidades da arte funerária oitocentista na região da Serra de S.Mamede. Os Cemitérios de Portalegre, Castelo de Vide e Nisa (com a colaboração
de Ana Margarida Portela) . Estudo monográfico realizado no âmbito da 4: ediçãodo Programa Nacional de Bolsas de Investigação para Jovens Historiadores eAntropólogos da Fundação da Juventude, em 1998. Porto, Fundação da Juventude,
2000.- O Cemitério da Conchada. Introdução ao seu estudo (em co-autoria com
Ana Margarida Portela). ln "Munda", do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro,n.O 37, Coimbra, Maio de 1999, pp. 65-76.
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Trabalhos de outros autores
ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DO PORTO - Arte e silêncio. Catálogo da exposição comemorativa do 150.° aniversário do Cemitério do Prado do Repouso. Fotografias de Fernando Aroso. Porto, Pelouro de Limpeza e Serviços Gerais da C.M.P.,1989.
BORGES, Américo Augusto Moutinho - Tendências histórico-artísticas do século XIX.Neogótico nos cemitérios do concelho de Vila Nova de Gaia. Trabalho de seminário,2 vols., s.l., Universidade Portucalense, s.d.
CAROLINO, Luís Miguel Nunes - A cidade dos mortos - um espelho da cidade dos vivos.Estratégias de afirmação social no cemitério de N.a s.a dos Remédios de Évora. 1840-19/0. ln Actas do "2 .° Encontro de História Regional e Local do Distrito de Portalegre" (Novembro de 1994). Lisboa, Associação de Professores de História, 1996,pp. 271-284.
CATROGA, Fernando - O cemitério romãntico. ln catálogo "O Neomanuelino ou areivenção da arquitectura dos Descobrimentos", Lisboa, LP.P.A .R., 1994, pp. 75-85.
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DIAS, Vítor Manuel Lopes - Cemitérios. Jazigos e sepulturas. Monografia. Porto, EditorialDomingos Bandeira, 1963.
FEIJÓ, Rui Graça / CABRAL, João Pina - Um conflito de atitudes perante a morte. Aquestão dos cemitérios no Portugal contemporâneo. ln "A morte no Portugal contemporâneo . Aproximações sociológicas, literárias e históricas". Lisboa, Editorial Querco,1985.
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FLORES, Francisco Moita et ai. - Cemitérios de Lisboa: entre o real e o imaginário.Lisboa, C.M.L., 1993.
GOMES, Maria de Fátima Isidro Martins - Temendo a morte. Alguns aspectos de vida emGondomar, 1834-1893. Freguesias de Fãnzeres, S. Cosme, S. Pedro da Cova, RioTinto e Valbom. Tese de Mestrado em História Modema apresentada à Faculdade deLetras da Universidade do Porto em 1996.
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SILVA, António Manuel dos Santos Pinto da / SILVA, Fernando Augusto Pereira da - As"tabuletas" funerárias em madeira da Senhora da Laje (Arouca) como expressão decultura popular. Arouca, 1990 (separata de "Rur ália", n." I , pp. 35-42) .
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - A transferência dos restos mortais de Francisco deAlmada e Mendonça para o Cemitério do Prado do Repouso. Porto, 1994 (separatade "O Tripeiro", 7.' série, ano XIII, n." 6).
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J. FRANCISCO FERREIRA QUEIROZ
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - Cemitérios Portuenses : História e arte. Semináriopolicopiado apresentado no curso de Ciências Históricas (ramo de Património) daUniversidade Portucalense. 6 tomos, 12 volumes. Porto, 1994.
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - Ser e estar perante a morte no Porto dos séculos XIXe XX: reflexos no património cemiterial. Lisboa, 1994 (separata de "Lusitânia Sacra",2.a série, n." 6).
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - Subsídios para uma iconografia da morte no Portodo século XIX (I). Arouca, 1994 (separata de "Poligrafia", n." 3, pp. 124-152).
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - Subsídios para uma iconografia da morte no Portodo século XIX (II). Porto, 1995 (separata de "Humanística e Teologia" n." 16, fascículos 1-2, pp. 175-213).
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e - Vultos de Vila Nova de Gaia nos cemitérios municipais portuenses. Separata de "Gaia da há Cem Anos - Colóquio Comemorativo doCentenário da Igreja do Tome", V. N. de Gaia, 1995.
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Fig. 1
Fig. 3
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Fig. 2
Fig. 4
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