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A ARTE DO ENCONTRO COM IMAGENS E PERSONAGENS ESTÉTICOS
ENTRE OS CORPOS QUE HABITAM O CURRÍCULO Larissa Ferreira Rodrigues
- UVV
Dulcimar Pereira - UVV
Resumo: O presente artigo é uma composição de ideias, ações, artes de vida e educação
junto a um grupo de professoras de uma escola do município de Vitória-ES, em pesquisa
realizada no ano de 2013i. Intenciona problematizar os processos de constituição da
docência e do currículo escolar pelo viés da arte e da fabulação dos movimentos de
aprenderensinar, a partir dos entrelaçamentos das conversas disparadas pelos usos de
imagens do cinema durante processos de formação. Articula as conversas docentes com a
rizomática maneira de criar conceitos dos filósofos Gilles Deleuze (1990; 2006 ), Deleuze
e Félix Guattari (1995) e Rodrigo Guéron (2011) na perspectiva de pensar a escola e a
intercessão de imagens constituindo os modos de ser e estar na docência.
Metodologicamente, utiliza o entrelaçamento entre a cartografia e a pesquisa com os
cotidianos, articulando-se às linhas que atravessam os planos de imanência da produção
das práticas educativas e os planos de composição de outros movimentos para a produção
de sentidos e de pensamentos não dogmáticos para os currículos. Conclui que as escolas
criam seus personagens conceituais e estéticos, na tentativa de fuga do endurecimento e
burocratização existentes nas relações cotidianas, compondo novas maneiras de pensar a
docência em seus entrelaçamentos com a produção de currículos.
Palavras-chave: Currículos. Fabulação. Docência.
Entrar. Subir, descer. Ouvir, ver e conversar.
Correr, parar, ser parado, ficar paralisado. Sentir, discutir, indagar.
Incomodar e ficar incomodado. Velocidades, repouso.
Falar e falar, calar e calar. Barulhos e silêncios, cheiros, cores, vazios.
Saber e não-saber: escola. Confusão, criação.
Conceitos e pessoas: personagens em aprendizagens. Inventar, roubar, viver, artistar.
Câmera, fabulação:
Caos-Escolas.
Começamos com um jogo de palavras que povoam nossos pensamentos ao dizer da
escola, da produção dos currículos e da subjetivação da docência. Somos remetidas à
diversidade de linhas que, como dizem Deleuze e Parnet (1998) constituem os indivíduos e
a vida porque, ao mesmo tempo, que tentam burocratizar as conversas, ações-invenções e
os modos de viver-escola, também nos remetem para desconcertantes maneiras de
experimentar conhecimentos-artes em seus espaçostempos.
Entretanto, não encontramos somente palavras soltas, mas também jogos de forças-
verdades sobre as experiências educativas que nos possibilitam indagar sobre os processos
constituintes do caos-força-pensamento nas escolas. Processos que se dobram sobre as
formas dogmáticas de compreender a educação na tentativa de deslizar pela lógica
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moralizante “de mortificação do corpo e da linguagem” (BRITO, 2010), traçando fugas da
retidão do pensamento.
Deleuze (2006) problematiza a imagem dogmática do pensamento, dizendo que ela
acaba por construir uma ideia de erro ao buscar a pura verdade, e isso se torna um
obstáculo para o surgimento de uma filosofia da diferença e da repetição, ou seja, de uma
filosofia da potência e da afirmação da vida.
Afirmar a vida no caos-escola significa curvar a força a favor de um povo-menor,
artista, que inventa línguas, lendas, gestos, pensamentos, personagens e sentidos para
habitar e explorar as paisagens escolares. Aprendemos com Deleuze (1979) e Foucault
(1979) que transpor a linha de força é estabelecer outra relação consigo capaz de afetar
outras forças, permitindo resistir, furtar-nos e fazer a vida dobrar-se contra o poder.
Dobras estilísticas, éticas e estéticas (FOUCAULT, 1979) que inventam conceitos e
que vão além: criam personagens pelos quais os conceitos circulam e, que imanentemente,
movimentam o pensamento. Dobras de invenção, de fabulação que permitem que os
personagens sejam também estéticos, constituídos pelo plano de composição da arte.
Marques (2013, p. 20) destaca que os personagens conceituais são inventados, não
representam o filósofo e [...] não devem ser confundidos com personificações
míticas[...]Como potência é um personagem conceitual quem opera os movimentos que
descrevem o plano de imanência e povoa-o de conceitos [...] É ele quem faz viver os
conceitos. Já os personagens estéticos, são criados a partir do plano de composição da arte
e constituem a obra do artista, buscando dialogar com ela.
Fabular ganha a conotação Deleuziana de afirmar a arte como potência criadora de
outras formas de vida nas escolas. A tentativa de entender a função fabuladora perpassa
por captar o momento em que o personagem real ficciona. O processo fabulatório que está
em jogo na perspectiva deleuzina não é a apreensão de personagens reais, como por
exemplo, analisar e julgar as produções de professores e alunos, mas sim “[...] o devir da
personagem real enquanto se põe a ‘ficcionar’, quando ‘em flagrante delito de criar lendas’
(Deleuze, 1990, p. 189).
O devir das personagens permite o desenho de paisagens caóticas, que mesmo
diante a homogeinização que tenta sobrecodificar os movimentos de aprenderensinar
produzidos no encontro entre os planos de imanência e os planos de composição,
atravessam os corpos que habitam o currículo com vida e arte. Marques (2013, p.19, 20)
argumenta que Deleuze e Guattari consideram a arte e a filosofia como potências do
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pensamento. Enquanto o plano de imanência é da filosofia, o da arte é o da composição,
como afirmam os autores. Esses dois planos são criações e opõem-se à ideia de formação e
de desenvolvimento.
Nesse contexto, uma questão que se coloca é referente aos modos pelos quais nesse
encontro é possível fabular e ultrapassar as fronteiras dogmaticamente estabelecidas entre a
arte e a realidade na produção de conhecimentos nas escolas. Consideramos que a
intencionalidade deste artigo pauta-se em indagar os processos de constituição da docência
e do currículo escolar pelo viés da arte e da fabulação dos movimentos de
aprenderensinarii, a partir dos entrelaçamentos das conversas disparadas pelos usos de
imagens do cinema durante a formação continuada de professores.
Buscamos a potência metodológica de pesquisa que emerge entre os
procedimentos dos estudos com os cotidianos e da pesquisa cartográfica. Importou-nos
deslizar entre as “linhas e planos” (Deleuze e Guattari, 1995) ou “mergulhar” na rebeldia
do cotidiano escolar, (Alves e Oliveira, 2002), que produz saberesfazeres que não são
passíveis e domináveis. Acreditamos, assim como Ferraço (2008, p.27) que
[...] qualquer tentativa de pesquisa com o cotidiano só se faz possível, em meu
caso, como processo, se acontecer com as pessoas que praticam esse cotidiano
e, sobretudo, a partir de negociações com as questões que se colocam em meio
às redes tecidas.
Nesse sentido, nas redes de conversações realizadas com os professores, nos
cotidianos de uma escola de Ensino Fundamental do Município de Vitória/ES, em
processos de formação continuada com encontros que ocorriam quinzenalmente, durante 6
meses, acompanhamos os sentidos, as sensações e as experimentações feitas pelos
docentes numa concepção ética e estética. Figuras e personagens compunham as conversas
que se configuraram como blocos de sensações, de afectos e perceptos (DELEUZE, 1990),
tornando-se essenciais para compreendermos os fluxos e as intensidades dos movimentos
produzidos por essa unidade de ensino.
Conectamo-nos, então, às redes de conversações da escola que envolvem discursos,
textos, narrativas, imagens, sons, encontros, silêncios e silenciamentos (CARVALHO,
2009). Cartografamos as experiências nos desenhos que os corpos faziam em nossas
conversas porque
[...] cartografia no cotidiano escolar implica acompanhar movimentos que vão transformando a cultura da escola, fortalecendo a criação coletiva e individual,
ou seja, cartografar os “possíveis” do coletivo escolar em seu modo processual e
relacional (CARVALHO, 2008, p. 129).
Dessa maneira, nas superfícies das relações produzidas, fomos remetidas pelos e
com movimentos-câmera do cinema que emergiram com os cotidianos da escola,
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disparados nas conversas com os professores para seguir e conhecer personagens
conceituais e estéticos que entrelaçavam-se nas redes tecidas durante a pesquisa.
Uma escola en-cena
A câmera percorre os espaços da escola. Ouvimos sons. As imagens nas paredes
com as atividades das crianças ecoam as sonoridades desse momento de produção; na
quadra, ouvimos o som da bola e das cordas batendo ao chão e os movimentos dos corpos
que agitam-se; no refeitório cheiros e sabores percorrem as mesas; subimos as escadas e,
nos corredores, as professoras caminham em várias direções, traçando linhas em suas
ações: há uma aula para ministrar, um aviso para dar, uma solicitação a fazer... A escola
não para... Nem a câmera. Nas salas, as crianças realizam as atividades, cada uma a seu
tempo, e as professoras cumprem mais um dia de sua jornada de trabalho. Apaixonadas,
cansadas, satisfeitas, felizes, inquietas, surpresas... Num misto de sensações e de
provocações, sentindo e afetando-se na constituição do corpo-escola. Um caos-escola está
sendo produzido e com ele a “[...] possibilidade virtual de um mundo atual (o que
chamamos real), uma possibilidade que deseja, e tantas vezes, consegue atualizar-se,
tornando-se real” (GUERÓN, 2011, P.15)”.
A câmera segue e, em outra sala, mais vozes são ouvidas. Agora ela não só
acompanha e afeta-se pela e com a escola, mas produz afetos, agencia conversas e dispara
pensamentos com FRATiii
. As imagens do cinema entram na composição da vida escolar e,
como diz Deleuze (2007), ajudam a pensar a banalidade da vida cotidiana, já que é um
agenciamento que reúne às suas cenas “partes reais, para fazê-las produzirem enunciados
coletivos, como prefiguração do povo que falta [...]” (p. 266). As professoras, então,
colocam-se a conversar sobre o afetamento de seus corpos em meio aos modos como se
constituemiv.
[...] existe o massacre do professor da educação básica. O professor vive uma
angústia e, hoje, é ainda maior, porque o horário que é o nosso de planejamento, é a
alimentação do sistema de gestão, que é a pauta eletrônica. Nós estamos deixando de
planejar as aulas para poder alimentar o sistema, porque, na verdade, a prefeitura não
nos deu o equipamento para fazer em hora-aula. Eles não querem que faça na hora da
aula a chamada e o registro do conteúdo. Querem que você faça no horário de
planejamento. Não existe mais planejamento na educação básica.
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Outras professoras en-cenam, gesticulam concordando com a colega, “[...] as
imagens agora “falam”, [como se fossem também as do filme FRAT], interrompendo as
narrações e liberando a partir de si, descrições, pensamentos e leituras (GUÉRON, 2011, P.
22, grifo nosso)”. A câmera é afetada e capta essas expressões: contrariedade, insatisfação,
petrificações ... E as professoras-frat continuam a falar ...
Às vezes a gente tem que pegar com as pedagogas... Poxa, ela até falou assim:
“Vamos sentar e planejar”. E eu assim: “Poxa, mas vem um conselho de classe aí e eu
tenho que terminar as minhas pautas”.
As professoras denunciam os movimentos petrificantes que perseguem a
constituição da docência e os currículos escolares: os horários, as pautas, as relações com a
Secretaria de Educação.
[...] a gente teve uma formação fajuta lá – e até hoje tenho dificuldade no negócio,
mas enfim, um ajuda, outro ajuda... Na primeira reunião de pedagogo a gente foi colocar
todas as nossas ansiedades com relação ao sistema, com relação a um monte de coisas.
Eles já tinham uma pauta! Você sabe o que é as pessoas olharem para você e fazer cara de
paisagem? E no outro dia, no outro encontro, manter a mesma pauta [...].
A câmera segue e traz à cena aquilo que afeta as personagens professoras-frat e que
produz insatisfação: regulação dos horários e das tarefas. A situação-limite, dramática,
existencial das professoras que também se assemelham aos vários personagens do cinema
da imagem-tempo (DELEUZE, 1990) guia a câmera. Figuram forças niilistas que tentam
engessar, controlar o planejamento e a ação pedagógica. Entretanto, as professoras-frat em
oposição a essas forças, reagem, vão ontologicamente, produzindo outras condições de
existência para as necessidades, desejos e para o drama de ter que inventar lendas, fabular
outras histórias e sentidos para os currículos escolares. O que essas imagens movem em
nossos pensamentos para indagar sobre o que dizem as professoras? Que outras
possibilidades de composição dos currículos em meio aos engessamentos cotidianos
poderiam ser vislumbradas?
As docentes falam da pauta eletrônica, ressentem-se por não serem ouvidas e, nesse
momento, a câmera distancia-se e busca outras imagens para dialogar com elas sobre o que
dizem: o plano-montagem com as muitas vozes que ecoam é atravessado pelo plano de
composição. Assim, Deleuze (1990, p.9) indica a potência de pensar a formação docente
não só por uma imagem-movimento. Em vez de representar um real já decifrado, o neo-
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realismo visava um real, sempre ambíguo, a ser decifrado; por isso o plano-seqüência
tendia a substituir a montagem das representações.
As imagens da escola também são disruptivas: Devem outras lógicas, abrem o
campo das sensações e experiências. O foco da câmera é deslocado novamente para os
corredores e encontra uma professora que adapta o conteúdo do livro didático para a sua
turma; outra faz um jogo para suas crianças que estão com dificuldades em matemática; na
biblioteca, livros são pesquisados para o desenvolvimento de um projeto; conversas aqui,
negociações ali, e a docência vai articulando-se em processos de invenção e de fabulação
de mundos.
A fabulação, como Deleuze (2006) nos coloca a pensar, permite o contato entre o
dentro e o fora, uma intercessão entre a ficção e a realidade, ampliando as possibilidades
de aprenderensinar pela potência falsificadora, pois é “antes de tudo uma potência
criadora de mundos, de mundos habitáveis e visíveis” (PIMENTEL, 2013, P. 183).
Entendemos que apesar das petrificações a que as professoras fazem referência,
existe a potência criadora dos corpos que habitam e se encontram nos currículos e que
apresentam outras possibilidades. Rolnik (2007) destaca que somos movidas pela repulsa
ou atração nos encontros de corpos- corpos outros e os mesmos que se tornaram outros.
Linhas que se entrecruzam e, assim,
Os homens estão expostos a viver essas três linhas, em todas as suas dimensões.
É através delas que eles se expressam, se orientam. É em seu exercício que se
compõem seus territórios, com seus modos de subjetivação, seus objetos e saberes (ROLNIK, 2007, p. 53).
Essas linhas encontram-se emaranhadas. É possível estarmos em uma delas
territorializados e, de repente, em outra, desterritorializados. Moleculares, inconscientes,
invisíveis, desestabilizadoras, nômades. Molares, conscientes, visíveis, limitadas. E as
linhas de fuga que buscam outras trajetórias e outras possibilidades para habitar os
currículos.
Linhas que agenciam o foco da câmera, que ora aproxima-se, ora distancia-se. As
conversas e imagens vão assumindo cartografias que desenham e mostram, no exercício
docente, os modos de saber-fazer-conhecer-compreender-viver a profissão. As professoras-
frat se metamorfoseiam no encontro com o filme “Como Estrelas na Terra”v, compondo
com as professoras-inventoras; a potência criadora de novos mundos é agenciada pelos
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encontros da criança com a escola e sua luta por uma subjetividade a-centrada. Segundo
Deleuze (1991, p.113),
A luta por uma subjetividade moderna passa por uma resistência às duas formas
atuais de sujeição, uma que consiste em nos individualizar de acordo com as
exigências do poder, outra que consiste em ligar cada indivíduo a uma identidade
sabida e conhecida, bem determinada de uma vez por todas. A luta pela
subjetividade se apresenta então à diferença e direito à variação, à metamorfose.
Assim, as professoras-Frat não são apenas sujeitadas ao clichê de professor
salvacionista afirmado pelo filme “Como estrelas na terra”, mas buscam variar e
metamorfosear as redes de conversas que emergem pela força do coletivo ao se dobrar
sobre as petrificações impostas pela lógica individualizante e burocrática dos sistemas de
ensino.
Deleuze (1990), Guéron (2011) e Machado (2009) concordam que promover outras
imagens de pensamentos significa romper ou “quebrar” os clichês que tendem a manter o
pensamento preso a modelos de perfeição e de verdade, a esquemas representacionais que
excluem ou que não se encaixam na ordem recognitiva da imagem dogmática do
pensamento. Dito de outro modo, é preciso extrair dos clichês uma nova imagem de
pensamento, de formação continuada e de aprendizagem nas escolas que possibilitem uma
relação direta com o tempo.
Relação de conhecimento que viabilize o encontro da criança com um mundo
sensível, artista, envolto pela valorização de uma vida que aprende, ensina, descobre e
potencializa os saberes escolares para além do domínio da memorização, resolução
dogmática de problemas disciplinares, ao deslocar as conversas das docentes para a
necessidade de fabular a educação, pela urgência de práticas mais éticas e estéticas, mais
coletivas e inventivas.
-Eu acho que a gente tem que começar a não aceitar as questões [...].
-Tinha que acontecer algum enfrentamento [...] nós não nos mobilizamos [...] Na
verdade, somos muito covardes também. Nós somos muito covardes também, a gente
precisa se unir.
-Mas olha, a justiça... olha só, a gente está lidando contra tubarões. Por quê?
-Mas tubarões se assustam diante do coletivo(...).
Nessa cena, as personagens-professoras-Frat se enfrentam: a imagem-clichê da
professora petrificada, submissa aos sistemas educativos começa a se desfazer. Ela sofre
uma dobra na força que as colocam como impotentes diante das determinações oficiais.
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Outras alternativas são vislumbradas com a fabulação criada para o enfrentamento dos
tubarões pelo coletivo escolar.
Deleuze e Guattari (1995) destacam que os movimentos macropolíticos e
micropolíticos estão coengendrados, o que nos permite pensar e agir por meio da
resistência ao poder instituído. Criando lendas, fabulando a vida, na qual uma
micropolítica de lutas entre tubarões e o coletivo escolar permita o surgimento de imagens-
tempo, imagens-vida, imagens-obra-arte que possibilitam a atualização de conhecimentos,
pensamentos e docências mais sensíveis, artistas e estéticas para os habitantes do currículo.
Então, as professoras se entreolham. A imagem-tempo é de desejo. Imagem-tempo
que, para Deleuze (2006) promove outra duração e criação de diferença, ao deslizar por
lógicas não dogmáticas, por um tempo puro que remete o pensamento e as ações para
outras possibilidades de docência e de aprendizagem nas escolas. Desejo que não se vê
pelo clichê professora-salvadora, corpos isolados, mas que se afeta e que se constitui num
corpo-coletivo.
Assim, a imagem da câmera não desencadeia só imagem-movimento, que como
ressalta Bergson (2006), constitui o universo material, ou seja, são imagens iluminadas e
iluminadoras, que em dobras de subjetivação constituem a matéria e o espírito, as coisas e
os pensamentos.
A mesma câmera que segue a lógica de um plano-sequência, que condiciona
olhares a ações que prendem nossa atenção e aprisionam o pensamento em uma condição
reta, guiando o acontecimento de ações nas escolas, também capta a invenção de história:
“professoras que, num corpo-coletivo, podem opor-se aos tubarões”. Não é fixada essa ou
aquela professora-heroína; as ligações são soltas, abrem um campo possível para pensar e
viver o caos-escola.
Um pouco de possível?! Cenasimagens fabuladoras de vida-educação
As professoras entreolham-se. A imagem é da surpresa do encontro de corpos que
encontram possibilidades. Não se veem isoladas, mas como corpos que afetam e que se
constituem num coletivo. Os desenhos das conversas com as professoras assumem
contornos variados. A câmera capta a imagem do corpo-coletivo que passa a compor
desenhos estéticos da escola e que rompem com a ideia imobilizadora da regulação de
tempos, horários e engessamentos. Assim, movem-se na direção de imagens que suscitam
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outros modos de compreender os sentidos pelos quais a docência é assumida por esse
coletivo.
Linhas molares, moleculares e de fuga produzindo forças e sentidos nos corpos que
se movimentam. Tessitura de encontros... Professoras-frat, professoras-inventoras
metamorfoseando-se em outras composições de escola-vida. A câmera desliza e agora
capta as imagens de “Um raio de sol através da chuva”vi. No cruzamento dos olhares
docentes atentos à tela, há aberturas. Carvalho (2013, p. 04), ao discutir o currículo entre
imagens e afecções, dialoga sobre o episódio do filme, transpondo a relação desigual de
grandezas e de poder entre criança e mundo para o campo do currículo. Segundo a autora,
“esse universo de proporções grandiosas se mantém pelo afastamento do universo infantil,
tanto pelos seus conteudospráticos, como pelo distanciamento colocado entre o mundo dos
que professam e o dos que aprendem”.
E mais conversas sobre docência e currículo.
- Na verdade eu penso que quando a gente ensina, a gente aprende também. E
quando a gente está lá, a gente está fazendo atividade com uma criança, de repente surge
uma situação que vai levar a novas aprendizagens [...]
As professoras portam em si, uma geografia de linhas (DELEUZE; PARNET,
2004), que dão abertura para fabulação de outros modos de aprenderensinar na escola.
Linhas que buscam o plano da composição, da arte: cantar músicas, produzir histórias em
quadrinhos, encenar, ser surpreendido e deixar-se surpreender pelas relações entre docentes
e discentes com as possibilidades de produção de conhecimentos.
-[...] tem horas que você tem que extravasar, deixar a criança extravasar, contar
história, contar um caso, mas ao mesmo tempo, tem horas que você tem que manter a
disciplina, porque aquilo dali tem que virar um conhecimento, um aprendizado para ele.
O que as docentes apontam é um constante deslizamento por entre o plano da
imanência que atravessa a vida com os saberes escolares, com as imposições de um
sistema capitalista classificatório, modelizante e excludente que acomete as escolas com
falta de tempo para planejamento e burocracias da gestão do ensino. No entanto, deslizar é
passar entre as coisas e ideias. É encontrar espaço para compor uma fábula. Uma relação
direta com o tempo, na qual não podemos mais separar ou entender o que são professoras-
frat, professoras-inventoras, professoras-raposas. A câmera não consegue mais
dicotomizar. Ficção e realidade são uma só, escola e arte são uma só, signos e vida são um
só: sentido.
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Deleuze (2003), em “Proust e os signos”, destaca que a relação do pensamento com
a exterioridade se constitui em presença dos signos e que sua importância é provocar,
violentar, consciente ou inconscientemente, o pensamento a pensar e a buscar o sentido.
Essa busca em relação entre signo e sentido diz, portanto, respeito ao aprendizado.
- E citamos aqui como experiência a utilização da tecnologia para incentivar a leitura e a
escrita utilizando um software chamado HQ e utilizamos o blog educacional, que deu um
suporte legal e um incentivo muito bom aos alunos na participação, na construção, um
intercâmbio, uma discussão... HQ é um programa de construção de história em
quadrinhos, então envolve muita leitura, escrita, imagens.
- E houve uma turma que me pediu para trazer música clássica…Eu fiquei assim
“Gente, música clássica…”, aí eu tinha em casa e trouxe. E durante a aula eu colocava,
eles iam fazendo as atividades e ouvindo música. Ficava aquele ambiente gostoso, mais
calmo - são coisas que a gente vai inventando assim.
-Você lê um texto e, de repente, “Quem quer vir aqui na frente dramatizar?”, aí
você monta as cadeiras ali na frente, traz telefone velho, umas coisas doidas assim, e eles
fazem ali, outras vezes eu conto a história - digo, conto história não, já montei as cadeiras
assim ao redor da minha mesa, e trouxe um lençol para fechar dos lados e eu ficava lá por
trás falando (não me lembro nem o que era!), e eles levantavam e iam ver quem é que
estava falando! Pois sabiam que era eu! Sabiam que era eu, mas eu mudava a voz assim,
sabe? Fazia o papel de dois personagens, mudando a voz, e eles tinham que ir lá ver quem
é que estava falando. Eu achei tão engraçado isso. Sabe, umas coisas bem malucas assim
que a gente faz que tem hora que dá certo.
Aprender é compor. É produzir encontros e se constituir entre signos e sentido.
Entre leituras e escritas e músicas e dramatizações e imagens e aprendizados ... E os corpos
que habitam os currículos criam personagens conceituais, personagens-câmera que se
movem por entre os planos e linhas e criam personagens-estéticos: professoras-frat,
professoras-inventoras, professoras-raposas, que no caos-escola, produzem artisticamente e
são compostas pelos signos da arte como exercício do pensamento. Dessa maneira, como
Deleuze (2003) ressalta, permitem a descoberta de um tempo puro para a música, para a
produção de sentidos para os conteúdos expostos nos quadrinhos, na dramatização, na
invenção de outra temporalidade que transborda na contação de histórias com os
estudantes. Produção fabuladora de imagens-tempo, que operam por sensações óticas e
sonoras puras de diferença para os processos de constituição da docência e dos currículos.
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Por uma ou várias vidas? A vida que pulsa...
A câmera desliza pelas imagens produzidas nos movimentos que a escola en-cena.
Imagens petrificantes que, a princípio pareciam imobilizar os corpos, abrem espaço a
outras que apontam possibilidades de vida e de invenção. A articulação com outras
imagens permite deslocar o pensamento para a constituição de um coletivo que cria e
fabula em suas criações.
O corpo coletivo composto pelas vozes-imagens-sons-movimentos das professoras
que mobiliza forças é constituído por essas personagens que assumem em seus fazeres
cotidianos a composição de linhas que atravessam e constituem suas práticas. Elas não se
prendem a uma única definição da docência. Elas não são “isso ou aquilo”, mas isso “isso e
aquilo e e e e ...”. Em sua constituição, são atravessadas por movimentos petrificantes,
regulatórios, ressentem-se... movimentam-se e traçam linhas que percorrem outros traçados
e apresentam modos de viver a escola e de compor seus currículos.
A câmera dá um giro e retorna aos espaços que já são outros e os mesmos
atravessados por outras linhas que entraram em sua composição. Silêncios, risos, passos,
reclamações, saltos... sons, cores, cheiros e sabores compõem essas cenas. A câmera
desliza nesse vai-e-vem recordando as imagens. Distancia-se e, enquanto desloca-se, outro
grupo coloca-se a conversar. Silêncio! Outras conversas-imagens que a escola en-cena,
ainda estão por vir, assumindo linhas de fuga, de invenção, traçados criativos e estéticos
nos desenhos cartográficos de constituição da escola em seus currículos com as
experiências das professoras.
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MARQUES, Davina. Entre literatura, cinema e filosofia: Miguilim nas telas. 2013.227
f. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de
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ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS,
2007.
i Pesquisa desenvolvida como projeto de extensão intitulado “Formação de professores do ensino
fundamental: devir-docência em movimentos de problematizações e composições curriculares”, coordenado
pela profª Drª Janete Magalhães Carvalho, apoio CNPq (Bolsa PQ).
iii FRAT é um curta-metragem produzido por estudantes da escola francesa ESMA . Imagem disponível:
http://www.itsartmag.com/features/frat/ . Acessado em 26-04-2014
v “Como estrelas na terra”, filme indiano. Imagem disponível:
http://trabalhosdaprofivani.blogspot.com.br/2012/09/como-estrelas-na-terra-toda-crianca-e.html. Acessado
em 26-04-2014. vi “Um raio de sol através da chuva” é o primeiro episódio do filme “Sonhos” de Akira Kurosawa. Imagem
disponível:http://javiuesse.wordpress.com/2012/09/11/sonhos-1990. Acessado em 26-04-2014.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 100049