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Página 1 de 23 ATAS DO CONGRESSO INTERNACIONAL SABER TROPICAL EM MOÇAMBIQUE: HISTÓRIA, MEMÓRIA E CIÊNCIA IICT – JBT/Jardim Botânico Tropical. Lisboa, 24-26 outubro de 2012 __________________________________________________________________________________________________________________________ ISBN 978-989-742-006-1 ©Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 2013 A ARQUITETURA DOS GABINETES DE URBANIZAÇÃO COLONIAL EM MOÇAMBIQUE (1944-1974) ANA VAZ MILHEIRO*; FILIPA FIÚZA** * ISCTE_Instituto Universitário de Lisboa, Dinâmia-CET ** Bolseira do projeto de investigação "Os Gabinetes Coloniais de Urbanização: Cultura e Prática Arquitectónica" (PTDC/AUR-AQI/104964/2008) [email protected] Resumo No quadro colonial português da segunda metade do século XX, o urbanismo e a arquitectura de promoção pública destinados a Moçambique seguem as diretrizes de outros projetos realizados em Lisboa para os territórios ultramarinos. Uma análise da sua evolução permite elencar as políticas de Obras Públicas do governo central para o Ultramar. Esta produção urbanística e arquitetónica é essencialmente realizada no âmbito do Gabinete de Urbanização Colonial (GUC), criado ainda durante a Segunda Guerra Mundial por Marcelo Caetano, então ministro das Colónias. O Gabinete conhecerá outras designações: em 1951 passa a Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU), e em 1957 a Direcção de Serviços de Habitação e Urbanismo da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (DSUH-DGOPC) do Ministério do Ultramar. A sua acção em Moçambique segue essencialmente as linhas de orientação que são conhecidas para outras regiões do então “Império colonial português”, destacando-se uma visão mais conservadora ou tradicionalista que caracteriza os tempos iniciais de arranque desta estrutura, seguindo-se um período de estabilização linguística no plano da “arquitetura de representação”, designadamente com os programas públicos de maior significado político (estruturas de representação administrativa, liceus e escolas técnicas, instalações hospitalares), e terminando numa abordagem que se pretende mais adequada aos habitats locais, integrando dispositivos aprofundados nos estudos internacionais em “Arquitectura Tropical”. O panorama aqui apresentado é ainda lacunar, por não se encontrar a investigação completamente encerrada. Palavras-chave: Gabinete de Urbanização Colonial, arquitetura, Moçambique * O GUC E O CASO DE MOÇAMBIQUE O Gabinete de Urbanização Colonial é um núcleo de projeto urbano e de arquitetura, dependente do Ministério das Colónias, e associado ao quadro político e administrativo do Estado Novo. Com a revisão constitucional de 1951, passa a designar-se Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU), alterando novamente a sua composição em 1957 quando entra em ação a Direcção de Serviços de Urbanização e Habitação (DSUH), sob jurisdição da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (DGOPC). O GUC é lançado em Dezembro de 1944 com “um carácter de organismo comum a todas as colónias de África” (Dec. nº34: 173, 06/12/1944) e começa a trabalhar oficialmente no primeiro dia do ano seguinte. Posteriormente, a sua ação amplia-se às restantes províncias ultramarinas da Índia Portuguesa, Macau e Timor. O objetivo de Marcelo Caetano é que, para lá dos planos urbanísticos, sejam igualmente confiados aos seus técnicos, “os estudos […] dos problemas da habitação nas regiões tropicais e dos edifícios hospitalares” (Ibidem).

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A ARQUITETURA DOS GABINETES DE URBANIZAÇÃO COLONIAL EM MOÇAMBIQUE (1944-1974)

ANA VAZ MILHEIRO*; FILIPA FIÚZA** * ISCTE_Instituto Universitário de Lisboa, Dinâmia-CET

** Bolseira do projeto de investigação "Os Gabinetes Coloniais de Urbanização: Cultura e Prática Arquitectónica" (PTDC/AUR-AQI/104964/2008)

[email protected]

Resumo

No quadro colonial português da segunda metade do século XX, o urbanismo e a arquitectura de promoção pública destinados a Moçambique seguem as diretrizes de outros projetos realizados em Lisboa para os territórios ultramarinos. Uma análise da sua evolução permite elencar as políticas de Obras Públicas do governo central para o Ultramar. Esta produção urbanística e arquitetónica é essencialmente realizada no âmbito do Gabinete de Urbanização Colonial (GUC), criado ainda durante a Segunda Guerra Mundial por Marcelo Caetano, então ministro das Colónias. O Gabinete conhecerá outras designações: em 1951 passa a Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU), e em 1957 a Direcção de Serviços de Habitação e Urbanismo da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (DSUH-DGOPC) do Ministério do Ultramar. A sua acção em Moçambique segue essencialmente as linhas de orientação que são conhecidas para outras regiões do então “Império colonial português”, destacando-se uma visão mais conservadora ou tradicionalista que caracteriza os tempos iniciais de arranque desta estrutura, seguindo-se um período de estabilização linguística no plano da “arquitetura de representação”, designadamente com os programas públicos de maior significado político (estruturas de representação administrativa, liceus e escolas técnicas, instalações hospitalares), e terminando numa abordagem que se pretende mais adequada aos habitats locais, integrando dispositivos aprofundados nos estudos internacionais em “Arquitectura Tropical”. O panorama aqui apresentado é ainda lacunar, por não se encontrar a investigação completamente encerrada. Palavras-chave: Gabinete de Urbanização Colonial, arquitetura, Moçambique

*

O GUC E O CASO DE MOÇAMBIQUE

O Gabinete de Urbanização Colonial é um núcleo de projeto urbano e de arquitetura, dependente do

Ministério das Colónias, e associado ao quadro político e administrativo do Estado Novo. Com a revisão

constitucional de 1951, passa a designar-se Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU), alterando

novamente a sua composição em 1957 quando entra em ação a Direcção de Serviços de Urbanização e

Habitação (DSUH), sob jurisdição da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações (DGOPC).

O GUC é lançado em Dezembro de 1944 com “um carácter de organismo comum a todas as colónias de

África” (Dec. nº34: 173, 06/12/1944) e começa a trabalhar oficialmente no primeiro dia do ano seguinte.

Posteriormente, a sua ação amplia-se às restantes províncias ultramarinas da Índia Portuguesa, Macau e

Timor. O objetivo de Marcelo Caetano é que, para lá dos planos urbanísticos, sejam igualmente confiados

aos seus técnicos, “os estudos […] dos problemas da habitação nas regiões tropicais e dos edifícios

hospitalares” (Ibidem).

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Constituído por engenheiros e arquitetos, e tendo por consultor um especialista em higiene tropical e

climatologia, é inicialmente chefiado por um engenheiro de minas, Rogério Cavaca. Funciona em Lisboa,

primeiro na Alameda D. Afonso Henriques, transferindo-se depois para a sede do Ministério do Ultramar no

Restelo, projeto do arquiteto João António Aguiar, elaborado já na fase final do período colonial, em 1960

(FIÚZA, 2012). Os projetos são solicitados pelos governadores dos territórios coloniais ou diretamente pela

tutela. A sua produção acompanha igualmente os ciclos impostos pelos quatro planos de fomento que

arrancam em 1953, simultaneamente na metrópole e nas regiões ultramarinas.

Tal como as restantes províncias ultramarinas, Moçambique irá receber um conjunto de obras da

responsabilidade dos profissionais do Gabinete que refletem as diferentes fases da cultura de projeto que é

desenvolvida por este organismo até à revolução de Abril de 1974.

PROJETOS URBANOS

Na transição da década de 1940 para a seguinte, precisamente no período de arranque do GUC, os censos

coloniais mostram que a população dita “civilizada de toda a Província, [aumenta] de 55.450 para 91.954

habitantes” (CRUZ; LOPES, 1956:3). O número apontado para a restante população, no mesmo território, é

de 5.732.767 indivíduos apurados no censo de 1950 (AGUIAR II, 1952: 6). A cidade de Lourenço Marques,

atual Maputo, atinge os 24.791 habitantes entre a população “civilizada”, impondo novas dinâmicas de

crescimento urbano no perímetro da cidade formal ou “europeia”, a que se juntam 45.070 africanos

(AGUIAR, 1955: 10). No parecer elaborado pelo engenheiro civil Manuel Braga, da Direcção dos Serviços de

Urbanização e Obras da Câmara Municipal de Lourenço Marques, em Fevereiro de 1952, pode ler-se:

“Lourenço Marques é uma cidade colonial em que predomina a população não europeia, sob clima não

europeu, em meio geo-económico não europeu, o que forçosamente conduzirá a uma solução urbanística

não europeia” (BRAGA , 1952: 2).

É neste contexto que João António Aguiar é encarregado de elaborar os estudos para um novo plano

urbano, concebendo provavelmente o projeto urbanístico mais significativo, e também o mais divulgado, no

âmbito do trabalho do Gabinete para a região de Moçambique. Datado de 1952-1955, o processo que

antecipa o seu traçado é detalhadamente descrito por João Morais em Maputo, património da Estrutura e

Forma Urbana. Tipologia do Lugar (2001). Segundo o investigador, Aguiar terá realizado viagens prospetivas

à capital da colónia moçambicana a partir de 1947, cumprindo os procedimentos habitualmente seguidos

com outros projetos considerados estratégicos pela tutela ministerial. Responde então à solicitação da

Câmara Municipal da cidade que, nesse mesmo ano, endereça a Lisboa um pedido para elaboração de um

novo plano de urbanização. O projeto inclui um exaustivo levantamento da cidade (história, clima, geografia,

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população, ainda identificada por grupos raciais, e projeções futuras1). O documento permite igualmente

compreender as estruturas já traçadas e os equipamentos implantados, cujas localizações se mantêm

(aeroporto, ferrovia, Jardim Zoológico e bairros indígenas2). Importantes menções são precisamente feitas

aos bairros indígenas preexistentes e a identificação de diferentes abordagens urbanas que antecedem a sua

própria proposta. Se no Bairro Xipamane, o arquiteto critica a ausência de logradouros, que classifica como

elementos urbanos fundamentais à higiene pública, o Bairro de Munhuana, destaca-se por uma abordagem

mais “culturalista”. Este compreende já a existência de logradouros, assentando numa estrutura radial e

desenhando uma praça pública com potencial vocação de representação. O bairro possui ainda

equipamentos relevantes, casos da maternidade indígena ou da missão católica com o mesmo nome e para

a qual Pancho Guedes reformará, mais tarde, a igreja de Santa Ana da Munhuana (1965). As casas são

igualmente qualificadas, apresentando um traçado de filiação “deco”, levando o urbanista a comentar a

generosidade das áreas residenciais. Prevê então uma maior facilidade de integração destas populações na

sociedade colonial.

Aguiar propõe consolidar a cidade existente, reforçando os zonamentos insinuados pelos planos anteriores,

caso das grandes infraestruturas (porto e ferrovia) ou dos principais núcleos sanitários, e a complementar as

funções em falta. Inventariam-se as escolas primárias, os hospitais principais (São José de Lhanguene/José

Macamo e Miguel Bombarda, hoje Hospital Central) e outros serviços públicos. Circulações e

estacionamento são preocupações igualmente presentes, manifestando uma clara inclinação pelas questões

ditas “pragmáticas”.

Quanto às questões estéticas, o plano de João Aguiar é bastante crítico da cidade existente,

evidenciando a falta de unidade arquitetónicas das praças e promovendo uma maior

monumentalização das principais artérias urbanas. Em Maio de 1955, nas comemorações da

“Revolução Nacional”, o plano é apresentado na imprensa local, expressando-se a expectativa de

que “a Câmara Municipal, no superior interesse do desenvolvimento da cidade, seja inflexível no

cumprimento das disposições aprovadas “ (s.n., 1955, s.p.). Acrescenta o articulista que “têm

particular importância e urgência os prolongamentos das avenidas «24 de Julho» e «General

Machado», não só pelo que representam como saídas de primeira ordem da cidade, como pelo

bom serviço que prestariam por ocasião da visita Presidencial, no ano que vem” (idem), reforçando

a importância do espaço urbano servir de cenário à representação do poder colonial. Outro aspeto

1 Cf. Plano Geral de Urbanização de Lourenço Marques, vol. II, 1955. 2 Cf. Morais, 2001: 160.

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Fig. 1 - Plano Geral de Urbanização de Lourenço Marques, João Aguiar/GUU, 1955 [sobreposição com ortofotomapa atual, Filipa Fiúza, 2012]

referido – e que confirma anteriores processos de consolidação de praças públicas, igualmente de

representação, nas diversas cidades ultramarinas (cf. MILHEIRO, 2012a) – é a referência explícita à

“oportunidade única que se oferece de construir uma das mais belas praças portuguesas, émula do

famoso Terreiro do Paço, onde se reúnam serviços públicos, num magnífico enquadramento, junto

ao porto” (s.n., 1955:s.p.), o que será apontado, mas nunca verdadeiramente terminado, como se

verá a seguir.

Apesar da receção, o plano de Aguiar parece ter pouca expressão na cidade, ainda que contribua

para a acentuação do caracter de zonamento e se verifique ter influenciado as vias dominantes de

crescimento da cidade. Da proposta de expansão para Sommerschield e para a Costa do Sol, um

dos aspetos mais reformadores, pouco do desenho de Aguiar foi aplicado.

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No panorama moçambicano, o plano de Lourenço Marques é acompanhado por outras realizações,

cuja utilização no terreno se revela variável. Contudo, e segundo o relatório de 1952, elaborado no

âmbito do próprio Gabinete, em Moçambique, apenas Namaacha (João Aguiar e Mário de Oliveira,

1948), Vila Pery (João Aguiar, 1950), e Tete (João Aguiar, 1951) teriam sido objecto da elaboração

de planos urbanos por parte dos técnicos do GUC (cf. GUU, 1952: 3). O mesmo documento

esclarece ainda que são realizados projetos de Abastecimento de Água para as povoações de Porto

Amélia, Mocuba, Inhambane e Quelimane3 (este tratado apenas ao nível de estudo prévio, sendo o

plano desenvolvido em 1955) (cf. GUU, 1952: 11), cumprindo exigências mínimas de higienização e

salubridade urbanas, que muitas vezes antecipam a realização de planos mais ambiciosos, num

esforço simultâneo de ordenamento e embelezamento do espaço público. Estes aspetos sanitários

são comprovados, por exemplo, pelo relatório de “Descrição e localização geográfica” da cidade de

Quelimane que acompanha o projeto de Abastecimento de Água da cidade.

A construção civil que esteve praticamente parada durante bastante tempo, atravessa ultimamente uma fase

de grande intensidade, tendo-se construído nestes últimos 3 anos, segundo informação colhida na Câmara

Municipal, cerca de 100 casas na área da cidade. Como consequência disto Quelimane tem-se desenvolvido,

apresentando já hoje aspecto atraente, mas para o seu nível de vida ser aceitável, torna-se indispensável que

seja dotada com um abastecimento de água em condições eficientes. (Martins, 1952, in GUU, 1955: 2)

O quadro da produção urbanística será ampliado com a execução de novos projetos, de que Vila

Junqueiro (1953), Nacala (1953), Manica (1953), Mocímboa da Praia (1953), Palane (1953),

Nampula (1953), Gurué (1953), Inhambane (s.d.4), Ribaué5, Ressano Garcia6, Malange7, Moamba8, e

Beira, são exemplos realizados ao longo da década de 1950. João Aguiar é o urbanista responsável

de todos os planos cuja autoria foi possível identificar.

3 O Plano de Urbanização de Quelimane está contudo identificado como sendo o trab. 25 do GUC, devendo-se o traçado muito provavelmente a João Aguiar. [IPAD cota: 12975] 4 Desenhos assinados simultaneamente por João Aguiar e Rogério Cavaca. 5 Localizaram-se somente os desenhos (e não os processos escritos) no Arquivo histórico Ultramarino. 6 Idem. 7 Idem. 8 Idem. O inquérito para a urbanização da vila de Moamba é assinado pelo engenheiro geografo João Fernandes Delgado e datado de 1951. Os desenhos localizados parecem sugerir o traçado de João Aguiar.

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Fig. 2 - Plano Geral de Urbanização de Namaacha, João Aguiar, Mário de Oliveira/GUC, 1948 [sobreposição com ortofotomapa atual, Filipa Fiúza, 2012]

Na década seguinte, o paradigma altera-se. Os planos supervisionados por Aguiar garantiam

zonamento e monumentalidade urbana, sempre tendo em consideração a posição do aglomerado

na hierarquia das cidades coloniais, operando essencialmente sobre o espaço formal. Mas com a

alteração da Lei Orgânica do Ultramar de 1957, a abordagem urbanística irá concentrar parte

importante da sua atuação na resolução dos problemas das populações africanas que

preferencialmente ocupam as zonas periféricas da cidade consolidada. Os novos “bairros

populares”, terminologia que substitui os antigos “bairros indígenas” (que ainda assumiam a

segregação como programa), seguem esquemas tendencialmente “mais orgânicos”, prevalecendo a

habitação unifamiliar servida por equipamentos de proximidade (escola primária, posto sanitário,

mercado, etc.). Os arquitetos da renovada Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação, que se

mantém enquadrada no Ministério do Ultramar, providenciam para Moçambique principalmente

trabalhos de consultoria, deslocando-se ao território e debruçando-se no novo planeamento das

povoações interiores, deixando aos serviços técnicos de urbanismo das autarquias de maior

dimensão o planeamento das suas cidades. Em 1963-1964, Mário de Oliveira e Fernando Schiappa

de Campos supervisionam um conjunto de planos urbanos. Na sequência desse trabalho, Oliveira

publicará dois importantes ensaios sobre a sua experiência moçambicana. No primeiro decorre

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sobre o tema do habitat local a propósito do novo plano para o Quelimane (cf. Oliveira, 1965a) e no

segundo descreve os processos de elaboração dos povoamentos para a região de Moçambique

(OLIVEIRA, s.d.). Em 1965, o arquiteto Leopoldo de Almeida encontra-se na Beira a preparar o

futuro plano de urbanização desta importante cidade portuária, sendo destacado para outros

projetos, caso da urbanização da povoação marítima do Lumbo (cf. Urbanização da Povoação

Marítima do Lumbo, 1965, IPAD cota 12982).

Fig. 3 - Problemas de Povoamento no Norte de Moçambique, Mário de Oliveira/GUU, s.d. [separata da revista Geographica n.13]

OS PRIMEIROS PROJETOS

Fiel ao espírito da sua fundação, o início da produção do Gabinete caracteriza-se pelo domínio dos

programas de equipamentos básicos, nomeadamente na área da saúde, e da habitação para funcionários

públicos. Inclui-se aqui as casas tipo weekend ou de veraneio. André Faria Ferreira em Obras Públicas em

Moçambique – inventário da produção arquitectónica executada entre 1933 e 1961 destaca, por exemplo, a

produção do arquiteto Luís Coelho Borges, já de 1952, “carregada de elementos de conotação

tradicionalista” (FERREIRA, 2008: 60), confirmando-se por esta altura o aperfeiçoamento de uma imagem

arquitetónica inspirada figurativamente na arquitetura popular portuguesa, de modo a garantir uma ligação

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afetiva à Metrópole. Estes programas inserem-se naturalmente na crescente consciência das

potencialidades turísticas da colónia, mas também na preocupação em providenciar momentos de lazer aos

funcionários da administração pública. Não são contudo os programas dominantes, que se subdividem entre

as diferentes categorias (funcionários superiores e outros) e atividades profissionais (administração, ensino,

saúde e serviço militar).

Faria Ferreira descreve também as habitações destinadas a trabalhadores e operários indígenas,

prevalecendo aqui um carácter mais economicista que se repercute numa elaboração arquitetónica de

grande simplicidade formal (cf. Ferreira, 2008: 62). Esta linguagem é aprofundada no decorrer da evolução

das práticas de projeto pelos arquitetos que em Lisboa vão procurando atender às necessidades crescentes

das regiões ultramarinas. Nos anos de 1960, enfrentando portanto novos desafios, o desenho incorre em

abordagens progressivamente mais pragmáticas, como se percebe na elaboração dos diferentes projetos-

tipo de Habitações para Operários do Centro Social de Sussundenga, dos arquitetos A. Sousa Mendes e Júlio

Naya (trab. 666, 1962): “Quanto ao aspeto plástico das moradias, procurou-se dentro de uma grande

simplicidade, obter um conjunto equilibrado, sóbrio e dentro das possibilidades dos materiais empregados,

valorizando-se com o uso da cor diferente nas zonas destacadas entre vãos, o que oportunamente será

indicado” (MENDES; NAYA, 1962: 3).

Apesar do documento fundador do GUC apontar muito claramente para a concretização de equipamentos

específicos, privilegiando a área da saúde, o relatório, já aqui citado, de 1952 revela uma atuação mais

diversificada (cf. GUU, 1952:8). Assim, no âmbito da instrução é mencionado o projeto de alteração do

Colégio de Nossa Senhora da Vitória de Nampula; na área dos Serviços Zootécnicos, o desenho do

Laboratório de patologia veterinária de Lourenço Marques (João Aguiar, 1950-1951); no âmbito dos

“Organismos culturais e regionais”, destaca-se a Associação Africana de Quelimane (Luís Coelho Borges,

1948); entre os edifícios religiosos encontra-se a Igreja da Missão de Fonte Boa e o Carmelo de Lourenço

Marques (João Aguiar, s.d., 1952?); no quadro dos equipamentos turísticos, a cidade de Quelimane recebe

um projeto de um hotel de Mário de Oliveira (trab. 262, 1950). No relatório menciona-se ainda a Estação

Receptora e Transmissora (entre as “Repartições Públicas”), não se identificando todavia a sua localização.

Mas são as estruturas de saúde que ocupam um lugar destacado. Assim, até 1952, os arquitetos do

GUC terão executado os projetos do Hospital de Miguel Bombarda e da Clínica Neuro Psiquiátrica,

ambos em Lourenço Marques, do Hospital Nacional de Tete, da Leprosaria de Moçambique no Alto

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Molocué9, e do Posto de Infecção e Desinfecção da cidade da Beira, este último de Mário de

Oliveira (trab. 234, 1949).

Fig. 4 - Habitações para Operários do Centro Social de Sussundenga, A. Sousa Mendes e Júlio Naya/DSUH, 1962, trab.666 [Alçado Principal das Habitações Geminadas]

Da listagem de obras públicas anterior, tome-se como exemplos a Associação Africana de

Quelimane (trab. 157), de Coelho Borges, e, em Lourenço Marques, o Laboratório de patologia

veterinária (trab. 290) e o Carmelo da cidade (trab. 338), ambos de João Aguiar. Os três casos

permitem confrontar objetivos e escalas urbanas diferenciadas, possibilitando traçar uma primeira

caracterização da cultura de projeto nesta fase inicial do GUC.

Na proposta para o Quelimane percebem-se já os constrangimentos em projectar sem

conhecimento prévio do lugar de implantação e a necessidade em antecipar problemas, situação

que muitas vezes se observa em obras menos ambiciosas programaticamente e localizadas em

aglomerados menos populosos: “O edifício foi estudado de forma a poder ser localizado tanto num

terreno de gaveto, como num terreno apenas com uma frente” (Coelho, 1948:2). Já a descrição da

planta, “estudada tendo sempre presente uma boa e lógica distribuição de dependências, bem

iluminadas e ventiladas e principalmente uma construção fácil e económica” (Idem), enuncia o

sentido de economia exigido.

9 A pesquisa realizada quer no Arquivo Histórico Ultramarino quer no Centro de Documentação do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) não localizou, até ao momento, todos os projectos da área da saúde citados no relatório de 1952.

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Como são limitados os recursos das entidades que se propõem construir este edifício, durante a elaboração do

projecto houve a preocupação de pôr de parte tudo o que pelo seu elevado preço contribuísse para onerar

demasiadamente o custo da obra. /Embora o seu acabamento seja modesto, pois apenas se emprega como

revestimento o tijolo, conseguiu-se tirar partido das diferenças dos pés direitos na composição das fachadas

(Idem: 4-5).

Fig. 5 - Associação Africana de Quelimane, Coelho Borges/GUC, 1948, trab.157 [Alçado Principal e Alçado Posterior]

Já na capital, os desenhos sofisticam-se, respondendo genericamente à necessidade crescente em encontrar

uma “arquitetura de representação” oficial, ponderada entre a monumentalidade e o historicismo. Esclarece

Aguiar na Memória Descritiva e Justificativa do Laboratório de patologia veterinária que “a composição

arquitetónica das fachadas (…) foi estudada com o propósito de lhe dar uma expressão oficial e ao mesmo

tempo funcional, o que se conseguiu com a composição da entrada e distribuição de janelas destinadas a

iluminar os gabinetes laboratoriais e de investigação “ (AGUIAR, 1951: 4). O primeiro esboço é ainda

executado no local, a quando de uma das visitas de Aguiar à cidade, provavelmente na preparação do plano

de urbanização. O mesmo documento revela igualmente as medidas tomadas no domínio da protecção solar

e da ventilação, reforçando as preocupações com o clima que se verificam desde o início. Assim, “a defesa

contra os raios solares está assegurada em todos os Blocos pelo prolongamento do telhado que cobre a

galeria de circulação projectada em todo o perímetro. /A ventilação do interior de todos os compartimentos

faz-se através dos caixilhos basculantes de portas e janelas./ O desvão do telhado será ventilado por meio de

telhas ventiladoras distribuídas de forma mais conveniente” (AGUIAR, 1951: 9-10).

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Fig. 6 - Laboratório de patologia veterinária de Lourenço Marques, João Aguiar/GUC, 1951, trab.290 [Alçado Principal]

Para o Carmelo de Lourenço Marques, a linguagem adapta-se aos objetivos religiosos, admitindo

um espírito mais historicista e maior modéstia no tratamento plástico, mantendo igual

performance no domínio técnico.

O conjunto Mosteiro, Igreja e Residência das Irmãs (…) foi projectado com sobriedade como é imposto pela

regra da ordem. Os alçados, apesar da simplicidade da composição, têm caracter bem vincado por elementos

arquitecturais próprios e adequados ao clima./ Assim o conjunto é dominado por um elemento vertical,

formado pela torre. A igreja com pórtico de entrada, rosácea dominante guarnecida de armação de ferro

forjado composta por o brasão da ordem e outros elementos decorativos… (Aguiar, trab. 338-I, s.d., s.p.).

Fig. 7 - Projecto do Carmelo de Lourenço Marques, João Aguiar/GUC, s.d., trab.338-I [Perspectiva]

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“Arquitetura de representação”

Durante a primeira parte dos anos de 1950, assiste-se ao aprofundamento de programas específicos,

associando-se a um sistema padronizado de “representação” facilmente reconhecível nas diferentes regiões

do Império ultramarino. As novas tipologias programáticas são desenvolvidas dentro de um espírito racional,

ainda que as concretizações se definam pela monumentalidade imprimida às fachadas e resultante das

configurações volumétricas dos edifícios. Um edifício anterior à atuação dos Gabinetes – antigo Liceu

Salazar, atual Escola Secundária Josina Machel (José Costa e Silva, 1939-1943) – servirá parcialmente de

modelo, designadamente no uso das galerias exteriores de distribuição que servem de elementos de

proteção do sol e da pluviosidade. Implementa-se uma “arquitetura de representação” adaptada aos

trópicos que estabiliza como imagem da produção do Gabinete, a exemplo dos antigos liceus (em Maputo

ou na Beira, por exemplo, ambos de Lucínio Cruz e Eurico Pinto Lopes, que recorrem ao projeto tipo já

testado em Luanda, com o Liceu feminino D. Guiomar de Lencastre, 1956).

Em Lourenço Marques, a encomenda de um novo equipamento liceal justifica-se por ser “o Liceu Salazar, (…)

até há pouco tempo, o único estabelecimento deste género existente na Província de Moçambique” (Cruz,

Lopes, trab. 509, 1956: 1). Lê-se então na Memória Descritiva e Justificativa do projeto do “futuro liceu de

António Enes, destinado a frequência mista” que, “este facto e o grande aumento populacional verificado

nos últimos anos, não só nesta cidade como em toda a Província, tiveram como resultado a insuficiência

desse liceu para corresponder às necessidades de maiores populações escolares” (Idem). A descrição dos

alçados do “António Enes”, atual liceu Francisco Manyanga, esclarece a abordagem pragmática, ainda que

sem perder os objetivos de representação: “A regular distribuição dos vãos e as galerias abertas

apresentam-se como os elementos mais característicos dos alçados. Procurou-se que o desenvolvimento

destes não só correspondesse às exigências funcionais da planta como também às outras que derivam

fundamentalmente das condições locais” (Idem: 16). Em paralelo, assiste-se à difusão de “diversos

estabelecimentos de Ensino Técnico Profissional (em outras regiões de Moçambique) e de um liceu na

cidade da Beira“ (Idem).

Na Beira, o Liceu Pêro Anaia (trab. 511) e a Escola Industrial e Comercial Freire de Andrade (esta última

também da responsabilidade de Fernando Schiappa de Campos, trab. 510) completam o quadro então

programado pela administração colonial. O concelho atingiu em 1950 uma “população civilizada (…) de

11.515” indivíduos (CRUZ, LOPES, CAMPOS, 1956: 1). É a esta comunidade que se destina maioritariamente

o ensino secundário. Acrescenta-se que “ a cidade (se desenvolve) numa zona sensivelmente plana à cota

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média de 7 metros. (Sendo) o clima (…) do tipo tropical quente e húmido, (e) apresentando todas as

características que lhe são comuns” (Idem).

Os dois equipamentos destinam-se a uma frequência mista, cumprindo-se as Normas para as Instalações dos

Liceus e Escolas do ensino profissional nas Provincias Ultramarinas, redigidas em 1956, que regularizam a

construção deste género de estruturas. O Liceu tem como objetivo albergar 720 estudantes (lotação idêntica

à do liceu de Lourenço Marques), enquanto a Escola Industrial é projectada para mil alunos. Uma consulta à

Memória Descritiva e Justificativa da Escola revela que o Gabinete não possui, mais uma vez, e à data do

projeto, “elementos precisos sobre o local para onde se destina”, limitando-se a enviar uma “planta

esquemática da ocupação do terreno com a indicação da orientação a dar ao edifício e uma distribuição

possível pelos espaços envolventes dos diferentes campos de jogos” (CRUZ, LOPES, CAMPOS, 1956: 2). O

procedimento segue as práticas correntes para este tipo de programas, favorecendo o desenvolvimento de

projetos-tipo que configuram edifícios soltos sobre os lotes, cujas exigências de implantação são puramente

técnicas (insolação, ventos dominantes, etc…) e a Escola haverá de se concretizar. Internamente, a

organização funcional aproxima-se da seguida nas obras similares construídas na Metrópole, ainda que com

os ajustamentos indispensáveis aos trópicos que, por exemplo, ditam a substituição de corredores interiores

de distribuição por galerias exteriores, como se referiu antes, a exemplo do Liceu Salazar.

Fig. 8 - Liceu Pêro Anaia, Beira, Lucínio Cruz, Eurico Pinto Lopes/GUU, 1956, trab.511 [Planta Piso 0]

Neste contexto, o mais significativo edifício no domínio específico da “arquitetura de representação”

materializado é o projeto do Centro Cívico (trab. 494), atribuído a João Aguiar, elaborado na sequência do

plano de urbanização de Lourenço Marques e anterior à produção acima mencionada de equipamentos

escolares. A proposta insere-se, como se escreveu no quadro dos “planos urbanos”, na preocupação em

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dotar a cidade de Lourenço Marques de uma praça do Império. O edifício, cuja planta configura um L, possui

três pisos e cobertura inclinada de quatro águas. As suas fachadas revelam uma afinação da fórmula fixada

no Edifício da Fazenda e Contabilidade em Luanda, também de João Aguiar (trab. 385, 1953), onde as

indicações estilísticas se reduzem a dados técnicos, normalmente relacionados com questões de insolação:

A defesa contra a insolação excessiva faz-se por intermédio do pórtico e arcada que contornam o edifício. Os

efeitos da radiação directa e difundida da atmosfera serão assim atenuados (AGUIAr, 1953: 3).10

O novo Centro Cívico é assim o único elemento construído da praça imaginada por Aguiar, funcionando

como elemento de demonstração das capacidades urbanísticas e do seu potencial de representação. Espera-

se então que a iniciativa privada participe na construção destes lugares de representação colonial, o que não

virá a acontecer.

Fig. 9 - Projecto de um edifício para o Centro Cívico de Lourenço Marques, João Aguiar?/GUU, s.d., trab.494 [Perspectiva]

10 Recorre-se a esta descrição da Sede da Fazenda e Contabilidade de Luanda por se desconhecerem elementos escritos sobre o edifício de Lourenço Marques.

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Fig. 10 - Antigo edifício do Centro Cívico, Maputo, João Aguiar?/GUU, s.d. [Foto: Paulo Tormenta Pinto, 2010]

Nesta fase de consolidação da arquitetura do Gabinete de Urbanização, entretanto renomeado, do

Ultramar, Aguiar continua a desenhar os mais importantes edifícios públicos da capital moçambicana,

marcando a orientação estética dominante. É igualmente da sua autoria, o edifício do Governo-Geral da

Província, não construído, que se inscreve na mesma matriz estilística, ainda mais monumentalizada (trab.

562). Outros arquitetos vão entretanto assinando propostas para a província. Eurico Pinto Lopes, por

exemplo, desenha a pousada para Ribaué (trab. 464, 1954) e a sede para a Associação de Fomento do

Quelimane (trab. 481). No primeiro caso, Pinto Lopes afirma que os “alçados terão o cunho rústico acusado

no embasamento de pedra da região” (LOPEs, 1954: 2), acrescentando algumas perspectivas do vestíbulo e

do bar, num esforço de caracterização do ambiente interior.

A cidade de Nampula recebe dois importantes projetos que serão concretizados: o Museu Regional da

cidade, de Mário de Oliveira (trab. 491, 1955, parcialmente construído), hoje Museu Nacional de Etnografia

de Nampula, e o estádio de João Aguiar e Sabino Corrêa (trab. 462, 1954). A obra de Oliveira caracteriza-se

pela simplificação da linguagem de representação, normalmente associada aos projetos de Aguiar, impondo

uma performance ainda mais “técnica”. “Os alçados foram concebidos em relação à disposição funcional das

plantas e procurou-se imprimir à fachada principal uma expressão tal, que possa definir o fim a que se

destina o edifício” (OLIVEIRA, 1955: 3), prevendo-se uma cobertura “de laje devidamente isolada e

impermeabilizada” (Idem: 5). Trata-se de um projeto bastante detalhado que inclui peças de mobiliário. Uma

vez mais, os documentos escritos fazem uso dos argumentos técnicos anulando considerações de índole

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estética. Face à especificidade programática, Mário de Oliveira dedica-se a estudar a iluminação dos espaços

museológicos, privilegiando, como é marca dos arquitetos do GUU, soluções não dispendiosas.

Dadas as características do Museu que é principalmente destinado à arte indígena e ainda a ciências naturais,

não se tornou necessário estudar uma iluminação especial, porquanto os documentos a expor não carecem

dela, tal como acontece com a pintura e a escultura. Assim, bastou prever a iluminação lateral através de

janelas suficientes e indicada para as obras a expor… (Oliveira, 1955: 3)

Fig. 11 - Museu Regional de Nampula, Mário de Oliveira/GUU, 1955, trab. 491 [Perspectiva]

Fig. 12 - Museu Nacional de Etnografia, Nampula, Mário de Oliveira/GUU, 1955 [Foto: P. Ravara, 2009]

Na segunda metade da década de 1950, dá-se início à atualização dos profissionais do GUU através

da frequência de cursos de especialização em instituições estrangeiras, equiparando o seu

conhecimento técnico às práticas arquitetónica e urbanística de outras regiões tropicais. O próprio

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Mário de Oliveira beneficia de uma bolsa concedida pelo Instituto de Alta Cultura, completando os

seus estudos em Madrid. Já Luís Possolo (cf. SALDANHA, 2012), António Seabra e Fernando

Schiappa de Campos partem para cumprir formações de seis meses em Londres, na prestigiada

escola da Architectural Association. Schiappa será responsável, pouco antes de se ausentar de

Lisboa, em 1958, pela revisão do projeto da Escola Industrial e Comercial de Quelimane (trab. 488),

anunciando novas orientações, de partido mais moderno, quando o Gabinete ganha a sua última

designação como Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção Geral de Obras

Públicas e Comunicações (DSUH-DGOPC). Com a proposta para o Quelimane, Schiappa também

prova que se podem melhorar as opções tomadas nas escolas técnicas elementares de Nampula e

do Inhambane (trabalhos 504 e 505, respectivamente, com Lucínio Cruz, 1956).

A distribuição dos volumes dos diferentes corpos destes edifícios bem como a regular disposição dos vãos,

resultado da construção modulada que se adoptou, apresentam-se como a característica dominante do partido

adoptado./ Como a organização de cada bloco, corresponde a uma determinada finalidade funcional, a escola

apresenta no seu conjunto uma distribuição de volumes que se torna assim clara e desafogada. (Campos, 1958: 29)

Fig. 13 - Escola Industrial e Comercial de Quelimane, Fernando Schiappa de Campos/DSUH, 1958, trab. 488

[Perspectiva]

A FASE FINAL

A década de 1960 é portanto assinalada pela reconfiguração das funções do Gabinete. Para Lourenço

Marques seguem no final da década as últimas encomendas realizadas diretamente à DSUH-DGOPC. Luís

Possolo é responsável por dois projetos que conhecem diferentes evoluções: a igreja e residência paroquial

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de Santo António da Polana (trabalhos 559 A e B, respetivamente, 1959) e o conjunto da Estação Rádio

Naval, composto por Central Emissora, Central de Recepção, Aquartelamento de Europeus e Indígenas,

Residências para Oficiais, Residência para Sargentos e Cabos, etc. (trab. 581, 1959-1961)11. O primeiro

acabaria por ser entregue a um arquiteto fixado em Lourenço Marques (Nuno Craveiro Lopes, 1959-1962),

assinalando já o desinteresse pela produção de projetos oriundos de Lisboa, por parte das elites

encomendadoras residentes na capital moçambicana, em benefício de uma cultura moderna em

consolidação em África. Mas o último, localizado por Luís Saldanha no seu estudo Luís Possolo – um

arquitecto do Gabinete de Urbanização do Ultramar (SALDANHA, 2012: 99-107), mostra uma abordagem

progressista, onde as soluções de aclimação da arquitetura ao contexto misturam técnicas construtivas

modernas e ancestrais, recorrendo simultaneamente à plantação de espécies vegetais que asseguram “a

defesa para o sol nascente e poente” (POSSOLO, 1959, trab. 581: 3).

Fig. 14 - Estação Rádio Naval para Lourenço Marques, Luís Possolo/DSUH, 1959, trab.581 [Aquartelamento para Europeus e Indígenas]

Apesar de uma menor implantação em Lourenço Marques, os arquitetos da DSUH continuam a deslocar-se

ao território e a executar projetos para as regiões mais recônditas, onde escasseiam os profissionais

especializados. Os anos de 1960, que também assistem ao início da guerra colonial em Moçambique (1964),

acabam por se revelar um período “eclético” com alguma dose de experimentação entre a consolidação de

velhas práticas herdadas ainda da fase do GUU. A meio da década realizam-se as Primeiras Jornadas de

Engenharia de Moçambique, onde soluções mais enraizadas nas tradições africanas são apresentadas por

11 O projecto é repetido em Luanda, ainda que com alterações de implantação e composição no terreno.

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profissionais da DSUH, de que é exemplo a tese “Considerações sobre a construção tradicional e a pré-

fabricada” de Alfredo da Silva e Castro.

Neste mesmo período, em Vila Pery propõem-se dois equipamentos desenhados por Júlio Naya: o

matadouro (trab. 673, 1962) e o cemitério (trab. 674, 1963-1964). O tom pragmático das propostas é

comprovado pela sugestão da utilização de “materiais locais, de acordo com os processos construtivos da

província, com o emprego de elementos de betão armado, onde, pela sua natureza, tiverem aplicação”

(Naya, 1963: 3). A propósito do cemitério destinado a Vila Pery, informa Lucínio Cruz, na qualidade de chefe

do Serviço de Arquitectura e Monumentos da DSUH, os procedimentos seguidos em parecer datado de Maio

de 1963, e assinado em Lisboa, confirmando assim a preparação exigida no processo de definição deste tipo

de equipamentos.

O autor do anteprojecto consultou a legislação vigente e DSSH da Câmara Municipal de Lisboa entidade que

trata dos cemitérios e seus arranjos./ Paralelamente aos elementos descritivos, visitou os principais cemitérios

a fim de se inteirar da orgânica administrativa das entidades de espaço destinada aos covais, afastamento das

paredes laterais dos jazigos, posição dos fontanários, zona de tratamento de flores e ainda a localização de

pequenos abrigos destinados aos guardas da noite. (CRUZ, 1963:2)

Para o Quelimane, Silva e Castro prepara a Escola de Habilitação de Professoras Indígenas (trab. 652, 1961)

onde, entre descrições funcionais, se pode ler na Memória Descritiva: “Houve particular cuidado com a

ventilação pelo que se previu o maior número de aberturas bem orientadas e no primeiro andar se abriu

uma ventilação forçada na galeria de acesso às camaratas” (CASTRO, 1961: 5). O mesmo argumento é

repetido por Sousa Mendes no anteprojeto do Seminário Menor (trab. 670, 1962)12, elaborado “segundo o

programa escrito e gráfico, remetido pela Diocese de Quelimane” (CRUZ, parecer, 1962, s.p.). Este último

projeto tem aliás “por base o esboceto da Escola” anterior, comprovando a partilha de experiências e

conhecimentos entre os técnicos da DSUH. Silva e Castro13 é por nós apontado como um dos mais talentosos

arquitetos que marcam esta fase final do Gabinete em África. Todavia, a sua obra não está ainda

convenientemente inventariada nem localizada, conhecendo-se construído, apenas o Seminário da Praia, na

ilha de Santiago, da mesma época (Cf. MILHEIRO, 2012a). Os documentos escritos que acompanham os

projetos da sua autoria, remetidos ao então Ultramar português, são demasiado lacónicos e técnicos.

Restam os desenhos sem vestígios de qualquer compromisso com a “arquitectura de representação” da

década anterior, e onde habitualmente se recorre a soluções inspiradas na tradição local (que aliás Castro

estuda).

12 “Houve, ainda, a preocupação de orientação, quanto a defesa de insolação e aproveitamento dos ventos dominantes. Com este fim foram criadas no 1º andar entradas de ar (módulos abertos) de modo a facilitar a ventilação transversal das camaratas” (Mendes, 1962:2). 13 Que assina o Monumento dos Descobrimentos para a Praça da Índia (trab. 701) para a cidade da Beira.

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A linguagem funcional da Escola de Habilitação de Professoras Indígenas comunica-se portanto a outros

autores, como se verifica no projeto de Sousa Mendes, com resultados plásticos idênticos, prefigurando uma

nova estratégia de atuação que os aproxima de projetos encomendados pelo Ministério do Ultramar a

arquitetos metropolitanos e externos à DSUH, como acontece com a Escola Primária de Vila Nova de

Zembique, assinada por Victor Palla em 1961. A nova orientação deste organismo haverá por não se

concretizar totalmente dada a parca realização que se verifica nos últimos anos da colonização portuguesa

entre os projetos remetidos pela DSUH aos territórios coloniais.

Fig. 15 - Escola de Habilitação de Professoras Indígenas, Alfredo Silva e Castro/DSUH, 1961, trab.652 [Perspectivas]

Algumas das poucas obras construídas, da responsabilidade desta última geração, têm entretanto vindo a

desaparecer mais rapidamente que a arquitetura das duas fases iniciais do GUC e do GUU. Foi o que

aconteceu com as casas de pescadores de Santa Catarina, em São Tomé e Príncipe (Silva e Castro, trab. 706,

1964), ou mais recentemente com o Lar de Raparigas de Bissau (Sousa Mendes, trab. 737, 1966). No caso de

Moçambique, a investigação não está ainda suficientemente adiantada para podermos afirmar que não

existem ainda espécimes representativos desta última fase. No entanto, dada a presença de arquitetos,

extremamente habilitados, radicados na província, é perfeitamente credível que a diminuição das

solicitações à DSUH-DGOPC também se reflita numa menor capacidade de concretização das ideias

entretanto exploradas pelos profissionais que trabalhavam a partir de Lisboa.

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