a apropriação do território - pardal, sidónio

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  • 7/24/2019 A Apropriao Do Territrio - PARDAL, Sidnio

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    A APROPRIAO

    DO TERRITRIOCrtica aos diplomas da RAN e da REN

    Sidnio Pardal

  • 7/24/2019 A Apropriao Do Territrio - PARDAL, Sidnio

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    Prefcio

    Introduo

    I Base conceptualQuestes-chave Conceitos gerais Cartas de valores e de riscos Estrutura Agrria Nacional

    Construo fora dos permetros urbanosDesterritorializao e novas territorialidadesUma referncia histricaClassificao dos Usos do Solo Conceito de espao livre crticoExclusividade do PDM na afectao dos usos do solo Oplano de estabilizaoe os usos instaladosA importncia dos cdigos de avaliao do imobilirio Parmetros a considerar na anlise da formao do valor do solo

    Regulao entre a oferta e a procuraDireitos reais - a RAN, a REN e o direito de propriedade Qualificao jurdica O direito de propriedade A questo dojus aedificandi Direito expropriao Concluses relativas aos efeitos da RAN e da REN sobre os direitos reaisBase para uma taxonomia dos usos do solo mbito O conceito de uso dominante Desdobramentos da classificao dos usos do solo Princpios de prevalncia e de sequncia na afectao dos usos do solo Quadro de referncia de categoriasO sistema de planeamento na sua articulao com os actuais diplomas da RAN e da RENSobreposies da RAN e da REN

    II Reserva Ecolgica Nacional

    Anlise da evoluo dos diplomas da REN Decreto-Lei n. 357/75, de 8 de Julho Decreto-Lei n. 321/83, de 5 de Julho Decreto-Lei n. 139/89, de 28 de Abril

    4

    6

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    222333353839414243

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    Os textos aqui apresentados tm por base o Estudo sobre o Novo Diploma para a RAN,REN e Disciplina da Construo Fora dos Permetros Urbanos que elaborei no InstitutoSuperior de Agronomia / Universidade Tcnica de Lisboa.

    Professor Doutor SIDNIO PARDAL

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    Decreto-Lei n. 93/90, de 19 de Maro Decreto-Lei n. 316/90, de 13 de Outubro Decreto-Lei n. 213/92, de 12 de OutubroExemplos das limitaes da actual RENApreciao da proposta de usos e aces compatveis com a Reserva Ecolgica NacionalImplicaes da REN com as reas de aproveitamento hidroagrcolaRelao entre o regime da REN e o domnio hdricoRegime da REN e regime jurdico das reas classificadasCritrios a adoptar nas reas de interveno dos POOC e dos POAAP

    Os Servios FlorestaisO Regime Florestal Articulao entre o Regime Florestal e a REN Articulao entre o Regime Florestal e a RANElementos constituintes de um plano de ordenamento agro-florestalElementos para um novo diploma da RENQuadro comparativo entre o actual regime da REN e a proposta apresentada neste estudo

    III Reserva Agrcola NacionalAnlise da evoluo dos diplomas da RAN Decreto-Lei n. 356/75, de 8 de Julho Decreto-Lei n. 308/79, de 20 de Agosto Decreto-Lei n. 451/82, de 16 de Novembro Decreto-Lei n. 196/89, de 14 de Junho

    Valores subjacentes ao suporte da actividade agrcolaAlteraes na estrutura do povoamento Tipologias das exploraes agrcolas e do povoamento que as suportaElementos para um novo diploma da RAN Critrios a adoptar na gesto das unidades territoriais da classe de uso agrcolaPrincpios para a regulao jurdica da diviso da propriedade rsticaArticulao da actividade agrcola com outras actividades complementaresConceito de franja periurbana onde domina o uso agrcola

    IV Disciplina da construo fora dos permetros urbanos

    V Elementos para uma proposta alternativa aos diplomas da RAN,

    REN e disciplina da construo fora dos permetros urbanosVI A jeito de sntese conclusiva

    828383848789919396

    99101103103105106110

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    163

    CONSULTORES Professor Manuel da Costa Lobo; Professora Catarina Ramos;Mestre Dr. Sofia Galvo; Mestre Dr. Fernanda Paula Oliveira; Mestre Eng. Pedro Bingre;Mestre Dr. Zlia Pinheiro; Mestre Dr. Graa Silva; Eng. Sarmento Beires;Dr. Lus Pereira Coutinho; Dr. Isabel Soares de Almeida; Eng. Marta Magalhes

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    Analisar as diferentes formas de apropriao do territrio um exerccio indispensvel parase compreender o estado actual do ordenamento e como as matrias do urbanismo e doplaneamento potenciam a conflitualidade e a injustia relativa, resultantes da distribuio

    de mais-valias por via administrativa.

    A viso parcelar do territrio submetido a diferentes tipos de planos e de leis especiais, comoso os casos da Reserva Agrcola Nacional (RAN) e da Reserva Ecolgica Nacional (REN), tem

    acentuado as contradies entre conceitos, tratando-se cada espao como uma ilha.

    No passado, o terreno valia em funo da sua produo agrcola ou da explorao de outrosrecursos, mas, com o advento dos loteamentos, os terrenos passaram a valer em funo daproduo de m2de construo concedidos por via do licenciamento.

    A equao das relaes sociais tem um enquadramento territorial que faz parte da condiohumana, multiplicando-se numa teia de interdependncias onde se jogam direitos, interesses epoderes. Por isso, difcil a compreenso objectiva de um sistema onde nos movemos quase por

    instinto, ao mesmo tempo que necessitamos de o conhecer cientificamente e de o projectar econstruir com engenho e arte.

    A planificao do territrio apresenta-se como um complexo desafio a enfrentar por umaengenharia integrada, com formao multidisciplinar alargada. Os planos territoriais, sendo cada

    vez mais determinantes do valor e utilidade do solo, tm de ser confrontados com os seus efeitossobre o mercado fundirio. A expresso da Economia e do Direito em matria de ordenamentoe gesto do territrio carece de conjugao e fundamentao com as Engenharias num planoavanado em razes de justia, de confiana e de rigor tcnico e cientfico.

    O estudo aqui apresentado desenvolve um pensamento sobre uma realidade que transcende osaspectos conjunturais do sistema de planeamento vigente, nomeadamente no que se refere questo dos regimes da RAN e da REN, apresentando-se como uma pertinente interpelao aopoder do Estado, em particular na sua vertente legislativa, e procura ir ao encontro de respostaspara os desafios do ordenamento do territrio.

    A organizao do territrio no prescinde do planeamento, mas pode ser vtima dele quando

    este se processa segundo ideias erradas e dogmticas que se transformam em factores de desor-denamento.

    4crtica aos diplomas da RAN e da REN

    A APROPRIAO DO TERRITRIO

    PREFCIO

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    A destruio de recursos naturais e de valores paisagsticos, a perda de oportunidades de construirum patrimnio edificado com rasgo urbanstico e arquitectnico, at que ponto, bem vistas ascoisas, no se deve ao fracasso do sistema de planeamento vigente? Esta interrogao coloca-nosperante a obrigao de observar, pensar e avaliar at que ponto se verifica esta surpreendenterelao de causa/efeito. A constatao de que os planos territoriais, no seu contedo, ignorama realidade do mercado imobilirio e passam margem das repercusses que tm sobre os valo-res dos prdios e a economia do territrio motivo de espanto e de reflexo. Como possvel

    que estes erros e omisses tenham permanecido quase ocultos, no obstante o facto de estarem vista?

    Merece ateno o contributo, nunca demasiado, para reavivar memrias de excelncia intelectual,onde se inscreve a notvel proposta de lei de Oliveira Martins sobre o fomento rural, percursorae inspiradora da Lei do Regime Florestal que continua ignorada. A comparao entre a legislaourbanstica, posterior a 1965, e a legislao dos anos 30 e 40 no pode escapar a uma avaliaocrtica, sob pena de no se compreender o problema do ordenamento do territrio.

    A Ordem dos Engenheiros cumpre um imperativo de conscincia ao publicar este trabalho, quepara alm de um despertar da memria faz uma crtica pertinente e, porventura, um combatea vcios e erros. Apresenta-nos tambm uma base terica com princpios que aliceram propostaspara um exerccio lgico e coerente do planeamento do territrio.

    O rumo que conduz implementao das reformas necessrias ao desenvolvimento da nossaeconomia e defesa dos nossos patrimnios passa por cultivar a prtica do pensamento analticoe crtico, pela refutao de ideias dogmticas e de procedimentos estereotipados impropriamenteassociados ruralidade, s questes ambientais e ecologia. Tambm nesta vertente, este livrod-nos esclarecimentos e argumentos que ajudam a compreender o jogo de interesses, poderese necessidades que se cruzam no mbito do planeamento do territrio.

    Parabns ao seu autor pela possibilidade que nos deu de abrir novos horizontes de reflexo.

    Fernando SantoBastonrio da Ordem dos Engenheiros

    PREFCIO 5

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    6 INTRODUO

    Osolo, que um bem de primeira neces-sidade onde se alicera a vida, tem sido,desde 1965, planeado com ideias erra-

    das e por isso falha a disciplina da disponibiliza-o e utilizao correcta do territrio. Com estetrabalho pretendo apresentar ao leitor um con-

    junto de referncias histricas significativas paraa compreenso das causas do desordenamentoterritorial em Portugal e configurar princpios ater em conta na procura de uma soluo para oproblema. De entre esses princpios destaca-seo da transparncia e confiana que os planos

    devem ter e merecer no que respeita aos usos.

    Se consultarmos o que se escreveu em Portu-gal nos ltimos quarenta anos sobre urbanismoe planeamento do territrio, no se encontrapraticamente nada sobre a questo das mais--valias, a sua gnese, quem exerce de facto opoder de as emitir, a sua parametrizao, a suadistribuio ou o seu efeito sobre o preo final

    dos produtos imobilirios. Nenhuma destasvertentes referida, analisada e muito menosconsciencializada na doutrina produzida, nosinstrumentos de planeamento elaborados enoutros procedimentos administrativos cor-rentes no domnio do urbanismo. As mais-va-lias passaram a ser um assunto oculto, espan-tosamente desprezado, como se a questo ti-

    vesse um carcter secundrio ou simplesmenteno existisse, quando, na verdade, est no cernede toda a problemtica urbanstica. No ha-

    vendo qualquer clarificao econmica sobreos diversos segmentos em que o mercado imo-bilirio deve ser estruturado, as expectativasde apropriao de mais-valias actuam no es-curo, sem controlo e margem dos princpiosdo ordenamento do territrio, instalando a in-

    certeza e desconfi

    ana no prprio mercado.A classificao e a afectao de usos do solodevem encontrar a sua fundamentao no m-bito de um processo de anlise e de deciso onde

    INTRODUO

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    INTRODUO 7

    devem estar presentes todos os factores biofsi-cos, sociais, econmicos e polticos. A estabili-zao dos usos, a sua alterao e eventual impo-

    sio , incontestavelmente, uma competnciada esfera do poder poltico enquadrada por re-gras de procedimentalizao estabelecidas deforma clara pela lei. Acontece porm que a res-ponsabilidade e o poder poltico so coarctadose subjugados por uma profuso de conceitosfraudulentos com disfarce em fraseados furti-

    vamente extrados da linguagem cientfica.

    Os significados e interesses econmicos ligadosao controlo jurdico e administrativo dos usosdo solo tm uma expresso crescente, o querequer clarificaes ao nvel do Direito e dosconceitos da economia do territrio. faltade um corpo conceptual estruturado e de po-lticas coerentes, fica-se fatalmente mercde figuras furtivas como as das actuais Reserva

    Agrcola Nacional (RAN) e Reserva Ecolgica

    Nacional (REN), que impedem o normal pro-cesso de planeamento dos usos do solo, apre-sentando-se como condicionantes deslocadase absurdas margem da contextualizao scio--econmica e, bem vistas as coisas, sem os ali-cerces informativos de base pedolgica ou eco-lgica que os diplomas invocam. Acresce quetais bases informativas, mesmo que correctas,s por si, no seriam suficientes para determi-nar as condicionantes impostas aos terrenosintegrados nos regimes das reservas e, muitomenos, para legitimar as permissividades im-plcitas para os terrenos que ficam fora dessesregimes. No se compreende a determinaocategrica e radical destas reservas sem qual-quer sentido de uso, ignorando os princpiosbsicos do ordenamento do territrio que tm

    tradio na legislao portuguesa, como se essesprincpios e essa tradio no existissem.

    A tese que orienta este trabalho vai ao encon-tro da concepo de um modelo unificado de

    classificao dos usos do solo que permita in-terpretar e regulamentar as relaes de domi-nncia, de dependncia e de subordinao das

    categorias de uso do solo e da sua estruturaoem classes, configuradas em unidades territo-riais demarcadas e regulamentadas em PlanoDirector Municipal (PDM).

    O processo de classificao e afectao do usodo solo deve observar uma conjugao com oestatuto jurdico da parcela de terreno emcausa. necessrio interpretar os espaos de

    uso agrcola dentro das estruturas agrrias, osrecursos naturais no contexto dos instrumen-tos de planeamento das reas classificadas edas polticas de conservao, os espaos silves-tres de produo de acordo com os critriosdo Regime Florestal e as dinmicas urbanas luz de uma escrupulosa e transparente disci-plina do mercado imobilirio e, em particular,das operaes em que so geradas mais-valias

    simples. Da a estrutura do diploma legal pro-posto, o qual desenvolve uma articulao ta-xonmica unificada de base para a classificaoe afectao dos usos do solo em sede de pla-neamento territorial.

    Devem ser neutralizadas as presses para ins-talar usos deslocados em espao rstico, de-signadamente os que se prendem com empre-endimentos de carcter urbanstico. Para isso, de fundamental importncia a diferenciaoclara entre espao urbano, contido nos seuspermetros, e espao rstico, assegurando paracada um destes espaos o estatuto jurdicoadequado e cuidados de uso e de utilizaoespecficos. Estes cuidados dependem das re-laes de apropriao dos espaos pelos seus

    proprietrios, sejam estes entidades pblicasou privadas, e da sua capacidade para os tra-tarem. No est aqui apenas em jogo a boa

    vontade, o conhecimento, a cultura ecolgicaou a sensibilidade paisagstica, o problema

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    determinantemente econmico e tem muitoa ver com as regras do mercado imobilirio ecom a estrutura e dinmica do povoamento.

    Se se quer ordenar o territrio, tem que se re-gular o mercado imobilirio, sobre o qual aRAN e a REN no so inocentes. Quais os efei-tos da RAN e da REN sobre o mercado imo-bilirio? Uma resposta menos atenta dir queestas so um obstculo especulao urbana.Observando melhor, constata-se que a espe-culao urbanstica beneficia de um amplo es-

    pao de manobra que lhe proporcionado porestas reservas.

    A especulao neutraliza-se a partir de polti-cas urbanas, ficando claro que nos espaos rs-ticos, fora dos permetros urbanos, no h ur-banizaes, independentemente dos solos seremou no abrangidos pelos regimes da RAN ouda REN. Ou se impe esta disciplina de forma

    inequvoca, de modo a que seja estabelecida aconfiana nos planos territoriais por parte dosproprietrios e dos agentes do mercado emgeral, ou nunca ser possvel ordenar o terri-trio, ficando este aberto s mais inesperadaseventualidades e desafectaes.

    Um novo sistema deve assentar numa genera-lizada capacidade operativa para a conservaodas reas classificadas, assim como para a con-duo dos restantes espaos silvestres, que de-

    vem tendencialmente todos os que se encon-tram dentro dessa categoria ser integrados noRegime Florestal. Quanto aos espaos agrcolas, importante compreender que a sua existnciadepende do interesse e motivao dos agricul-tores, e no de imposies administrativas, o

    que no signifi

    ca de modo algum que um es-pao que perca a classificao de uso agrcolaganhe, com isso, alguma legitimidade para ur-banizao, como actualmente acontece com o

    regime da RAN. corrente nos regulamentosdos PDM que os espaos classificados comoagrcolas e no integrados na RAN sejam pas-

    sveis de receber empreendimentos tursticos,grandes superfcies comerciais e outras cons-trues a coberto de no estarem na RAN.

    Relativamente ao sistema urbano, o uso temum carcter imperativo que depende da afir-mao de uma competncia pblica em mat-ria de planeamento e gesto urbanstica, cujaeficcia depende da disponibilizao do territ-

    rio por parte dos municpios. A disciplina ter-ritorial alicera-se na capacidade e na educaocom que se tratam os espaos urbanos. Vencidoesse desafio, neutralizam-se as presses sobre oespao rstico e tudo se torna mais fcil.

    A RAN e a REN tm sido defendidas e justifi-cadas como instrumentos-travo ao avanoselvagem das urbanizaes. Ao fazer-se uma

    demarcao de cerca de 60% do territrio paracontrolar acontecimentos que dizem respeitoa menos de 1% (percentagem da superfcie ter-ritorial de facto em causa na expanso urbana),perde-se o controlo sobre os usos do solo, prin-cipalmente sobre o urbano. A consequncia daRAN e da REN a legitimao de uma reaurbanizvel imensa, desproporcionada e incon-trolvel. Com a falsa ideia de que os recursosnaturais esto protegidos e desprezando os va-lores em causa no espao urbano, ningum maisse empenha na programao e planificao depormenor, concepo arquitectnica e paisags-tica, colocao regulada dos solos no mercadoe conservao do patrimnio edificado.

    Com esta confuso, as autarquias perderam os

    instrumentos efi

    cazes para proceder disci-plina urbanstica. Na prtica, a RAN e a RENajudam a promover um planeamento semplanos de urbanizao na linha do famigerado

    8 INTRODUO

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    Decreto-Lei de 1965 que instituiu os lotea-mentos avulsos margem de qualquer ordemurbanstica.

    Antes dos PDM, todas as urbanizaes do pasforam decididas pelas comisses de coordena-o regional (CCR, actuais comisses de coor-denao e desenvolvimento regional [CCDR]).Os contedos dos PDM so, na generalidade,imposies das comisses de acompanhamentomais ou menos decorrentes de planos e regi-mes especiais, e no final ningum se identifica

    nem responsabiliza pelos resultados; nem mesmoos defensores da RAN e da REN, que, consta-tando o desordenamento do territrio, o caosurbanstico, se desculpam com o argumentode que sem a RAN e a REN seria ainda pior.

    Desde os anos 60 que o pas se desgasta emestudos, planos, anlises. A mesma parcela doterritrio disputada e mascarrada pelos con-

    tedos de mais de seis planos de incidnciaterritorial, todos eles plenamente eficazes.

    reas classificadas bem conservadas, florestasbem conduzidas, paisagens agrcolas produti-

    vas e buclicas, complexos tursticos aprazveis,bairros onde seja agradvel viver, indstriasbem enquadradas e prsperas. Todos estesusos so necessrios e devem ser tratados deforma integrada no mesmo nvel de planea-mento, que permita a anlise comparada dasrazes, interesses, custos e benefcios que as-sistem a cada um deles.

    At aos anos 60, a legislao urbanstica por-tuguesa defendeu o princpio do controlo docrescimento urbano com base em planos de

    urbanizao (PU), respeitando permetros ur-banos. Este princpio foi desprezado a partirde 1965, com a liberalizao dos loteamentosparticulares. Mais tarde, em 1982, os PDM

    vieram incrementar a gesto urbanstica de ur-banizaes avulsas em manchas de terrenosurbanizveis, subvertendo a lgica dos planos

    de urbanizao.

    A RAN e a REN esto na gnese deste processode desfocagem do urbanismo. O seu mtodod cobertura expanso desmesurada das reasurbanizveis e ao abandono dos espaos rsti-cos, impondo-se como elementos estruturan-tes de um sistema de planeamento que fomentaa degradao do territrio.

    No com estas figuras que se controla o cres-cimento urbano e to-pouco o povoamento dis-perso, mas sim com uma clara programao dasreas urbanizveis, promovidas em negociaoaberta, com parametrizao de mais-valias, seg-mentao do mercado, sempre com base emplanos de pormenor (PP) desenvolvidos pelosmunicpios. Estes, por sua vez, devem dispor

    da capacidade de imposio administrativaprevista no art. 119. do Decreto-Lei n. 380/99,de 22 de Setembro. No obstante esta prerro-gativa ser referida na lei, ningum sabe ao certocomo aplic-la tecnicamente. Contudo, estediploma, na nica referncia que faz s mais-

    valias, sonega-as aos municpios, ao considerarcomo objectivo da perequao a redistribuiodas mais-valias atribudas pelo plano aos pro-prietrios (cfr. alnea a)do art. 137.). Destaforma, explicita-se claramente uma poltica delegitimao da entrega total das mais-valias aosproprietrios, sem qualquer parametrizao dasmesmas, as quais ficam indeterminadas e ocul-tas em todo o processo. Ser que o plano podeatribuir mais-valias a outras entidades que noos proprietrios, por exemplo, ao municpio ou

    aos promotores que surgem nas diversas fasesdo processo de urbanizao e construo? A lei,de uma forma que no ser inocente, refereapenas os proprietrios, violando princpios de

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    lgica e de justia h muito adquiridos pelaEconomia e pelo Direito do Urbanismo.

    A comparao entre o tratamento dado ques-to das mais-valias no Decreto-Lei n. 380/99e a forma prtica e clara que lhes dada noDecreto-Lei n. 33 921, de 5 de Setembro de1944, motivo de perplexidade e coloca-nosperante uma das principais causas do desor-denamento do territrio e da especulao imo-biliria.

    O Decreto-Lei n. 33 921, de 1944, inseredisposies relativas elaborao de planos deurbanizao, s expropriaes e mais providn-cias necessrias para a sua execuo. Este di-ploma considera a prtica da urbanizao comouma faculdade eminentemente municipal e

    visa interditar a abertura de novas ruas ou aexecuo de outros trabalhos de urbanizaoe expanso, na ausncia de um plano de urba-

    nizao ou de expanso elaborado e aprovadonos termos por ele definidos (cfr. art. 21.).

    Nos termos do plano aprovado, podiam as c-maras municipais proceder s expropriaesnecessrias execuo dos planos de urbani-zao e expanso e promover a venda, em hastapblica, dos terrenos sobrantes (lotes urbani-zados) destinados construo de prdios (cfr.art. 22.).

    Nos terrenos a expropriar, para efeito da deter-minao do preo a pagar aos seus proprietrios,no eram consideradas quaisquer benfeitoriasno necessrias e urgentes feitas posteriormente aprovao dos planos de urbanizao e expan-so (cfr. art. 24.).

    No art. 26., tratando de uma forma directae certeira a questo das mais-valias, o clarivi-dente legislador estabeleceu que aos proprie-

    trios dos prdios expropriados poder seratribuda, como nica indemnizao a ttulode valorizao, alm do preo de expropriao,

    uma participao at 20 por cento na valoriza-o dos terrenos sobrantes. Note-se que otermo terrenos sobrantes se refere aqui aoslotes para construo. As mais-valias so clara-mente identificadas no segundo perodo desteartigo, onde se pode ler a valorizao sersempre determinada pela diferena, se a houver,entre o preo para construo dos terrenos so-brantes e os encargos de urbanizao correspon-

    dentes, isto , o preo das expropriaes e maisdespesas e encargosfinanceiros da entidade ex-propriante com as obras que determinaram asexpropriaes. Aquela participao poder serlogo estabelecida na arbitragem, se a houver.

    A fim de evitar a especulao por parte decompradores de lotes vendidos em hastas p-blicas, o diploma estabelece no art. 28. que

    os arrematantes dos terrenosficam obrigadosa proceder s obras de construo nos prazosque foremfixados nas arremataes e dispeque se o prazo designado para o comeo dasobras for excedido sem motivo aceitvel, ou execuo dos trabalhos no for dado o devidodesenvolvimento, podero as entidades que te-nham a seu cargo a execuo dos planos reaveros terrenos arrematados sem lugar a outra in-demnizao alm dos 80 por cento do preo daarrematao( nico).

    Este diploma de 1944 vem na sequncia deum corpo de doutrina que remonta aos trata-dos de Evelyn e Wren sobre o plano de recons-truo do centro de Londres, no sculo XVII,aos escritos de Manuel da Maia na regulamen-

    tao dos planos para a Baixa Pombalina, nosculo XVIII, e ainda Lei de Joo Criss-tomo, de 31 de Dezembro de 1864, onde sedispe que:

    10 INTRODUO

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    Os proprietrios de terrenos que confinem comas vias pblicas existentes so obrigados a cons-truir edificaes nesses terrenos, segundo os

    projectos que forem aprovados, devendo come-ar as obras dentro do prazo de um ano, a con-tar da intimao que para esse fim lhes deve

    ser feita pela cmara municipal.

    1. Se os proprietrios, no caso desse artigo, nocomearem as obras no prazofixado, ou respon-derem intimao declarando que no podemou no querem edificar, sero os terrenos ava-

    liados por ajuste amigvel ou processo judicial,nos termos das leis gerais de expropriao, e ven-didos em hasta pblica a quem por eles mais dere se obrigar a comear a construo no prazode um ano, a contar da data da arrematao.O preo da arrematao, qualquer que seja, serentregue ao proprietrio (cfr. art. 47.).

    Todos os proprietrios de edificaes que amea-cem runa so obrigados a demoli-las no prazofixado pela cmara municipal. Se os proprie-trios no obedecerem intimao que paraestefim lhes deve ser feita pelos empregados dacmara, ordenar esta que, sem mais avisonem processo, aquelas edificaes sejam demo-lidas custa dos proprietrios sob a direcodo engenheiro do municpio (cfr. art. 48.).

    Este quadro de princpios e de elementar lgicaurbanstica vai ser esquecido e subvertido porum discurso faccioso, onde a RAN e a REN de-sempenham uma funo de manobra de diver-so e de manto de encobrimento das questesessenciais que so a parametrizao e distribui-o das mais-valias urbanas e a clara separaoentre os mercados de solos rsticos e urbanos.

    Portanto, para se compreender o sentido realde diplomas como os da RAN e da REN, necessrio recuarmos at dcada de 60, para

    observar o que se passou na legislao urbans-tica, nomeadamente no que diz respeito con-cesso de alvars de loteamento e licenciamento

    de obras de urbanizao que, a partir de 1965,passaram a poder ser executadas por promo-tores privados.

    Se a legislao urbanstica no incio dos anos 40,lavrada ainda sob o pensamento poltico deDuarte Pacheco, tinha como instrumento ope-rativo fulcral a gesto das mais-valias simplesutilizadas como fonte de financiamento da qua-

    lificao e expanso urbana, a partir dos anos60 todos os discursos disciplinares do Urba-nismo, incluindo o do Direito e at mesmo oda Economia, omitiram qualquer referncia questo da formao do preo do imobilirioem geral e das mais-valias em particular. A formacomo se passou a efectuar a concesso de alva-rs e a emisso de licenas de urbanizao en-tregou Direco-Geral do Planeamento Ur-

    banstico (DGPU) e aos organismos que depoislhe sucederam o poder de gerar, dar ou sonegarmais-valias, sem qualquer explicitao das va-lorizaes monetrias envolvidas. Este poderde emitir moeda margem de qualquer con-trolo e procedimentalizao passou a ser exer-cido e disputado pelos mais diversos serviosnos bastidores da Administrao Pblica, per-

    vertendo at hoje todo o processo de planea-mento do territrio.

    O prembulo do Decreto-Lei1que, em 1965,abre os loteamentos iniciativa privada, mereceuma leitura crtica quando observa que em v-rias regies do Pas () tem sido verificada,com frequncia crescente, actividade especula-tiva de indivduos ou de empresas para o efeito

    constitudas, visando o aproveitamento indis-criminado de terrenos para a construo urbana.

    INTRODUO 11

    1 Decreto-Lei n. 46 673, de 29 de Novembro de 1965.

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    Assim, tm vindo a formar-se, por vezes atravsde operaes muito vultosas, aglomerados po-pulacionais criados sem sujeio a qualquer

    disciplina, os quais prejudicam ou contrariamos planos oficiais ().

    O legislador, perante a constatao deste qua-dro ilcito de desrespeito pelos planos oficiais,em vez de fazer actuar o executivo para impore repor o cumprimento da lei, opta por alterara lei em vigor, subvertendo todos os seus prin-cpios, de modo a dar enquadramento legal a

    todas as irregularidades que so enunciadas noprembulo. Este cinismo passa a fazer escola emtoda a legislao urbanstica posterior. Na pr-tica, cessa qualquer controlo efectivo sobre asmais-valias simples.

    Este diploma dispe que a licena do lotea-mento ser titulada por alvar, do qual consta-ro as prescries a que o requerente fica su-

    jeito, designadamente as obrigaes a que, emface do estudo econmico, deve assumir, taiscomo o encargo de mais-valias (Cfr. art. 6.),nada adiantando sobre os critrios para esteclculo e sobre o modo e tempo do respectivopagamento, pelo que as mais-valias acabarampor ser misturadas e diludas na contabilidadegeral do empreendimento e da empresa que opromove, numa operao aritmtica linear dereceitas e despesas, confundindo as mais-valiascom lucros.

    A separao entre mais-valias e lucros umaquesto crucial para sustentar uma poltica desolos e conferir transparncia ao processo deplaneamento, trazendo para a esfera da nego-ciao poltico-administrativa procedimenta-

    lizada o poder de deciso sobre a alterao dosusos do solo e o licenciamento de empreendi-mentos, retirando definitivamente esse poderaos pareceres tcnicos, os quais devem ter

    um carcter estritamente informativo sobrequestes objectivas do foro tcnico-cientfico.Mesmo assim, necessrio o cuidado de no

    dar espao para o desenvolvimento de discur-sos pseudo-cientficos intimidatrios que visemcondicionar a deciso poltica de forma deslo-cada e abusiva.

    Neste contexto em que o Estado e os munic-pios deixaram em larga medida de parametri-zar, controlar e reter pelo menos uma parte dasmais-valias simples, toda a promoo imobili-

    ria para o mercado da procura solvente passoua ser dominada pelo sector privado, ficando parao sector pblico a promoo da habitao socialatravs de organismos como o Fundo de Fo-mento da Habitao (FFH) que, obviamente,no podiam ter viabilidade econmica. A mis-so do FFH oficializou a poltica de solos se-gundo a qual a promoo de solo urbanizadopara o mercado solvente ficava a cargo da ini-

    ciativa privada, reduzindo a iniciativa do Estadoe dos municpios produo de solo urbanopara a habitao social. Esta dicotomia passoudespercebida e ningum deu pela semente desegregao social e de runa econmica para oerrio pblico que foi gerada com esta polticaque, na prtica, se mantm ainda hoje peranteuma surpreendente incapacidade crtica.

    Nos anos 70, os proprietrios que no tinhamas suas pretenses de urbanizao aprovadaspela DGPU e depois tambm pelas CCR, ouque simplesmente no se queriam dar ao tra-balho de formalizar o pedido, recorreram

    venda de terrenos em avos indivisos e deramorigem aos loteamentos clandestinos que es-tragaram grandes parcelas do territrio, prin-

    cipalmente na rea Metropolitana de Lisboa.As urbanizaes ilegais ou clandestinas torna-ram-se um negcio tolerado, impune e extre-

    12 INTRODUO

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    13/167

    mamente lucrativo. neste contexto que osolo em geral passou a ser intensamente pro-curado como um investimento de carcter es-

    peculativo e contrrio ao normal sentido tilda propriedade imobiliria. O poder de apro-

    var ou indeferir urbanizaes e de decidir emgeral sobre os usos do solo deixou gradualmentede ser exercido de forma transparente, pas-sando a ser administrado de uma forma nviaao nvel dos servios tcnicos e administrativoscom pareceres e argumentos impostos a partirde uma suposta legitimidade cientfica.

    O processo da RAN e da REN no escondeque visa to e somente chamar a si o poder deinterditar as urbanizaes nos terrenos quelhes so afectos e, consequentemente, dar umaacrescida legitimao s urbanizaes fora dassuas manchas. Nos ltimos vinte e muitosanos, qualquer terreno que no esteja na RANe na REN est, por essa razo, a caminho de

    poder ser urbanizvel ou edificvel. A REN,que nunca serviu para proteger qualquer valorecossistmico ou paisagstico, pela simplesrazo de tais valores no serem tidos em contana sua demarcao, de facto, serviu apenaspara legitimar urbanizaes a esmo, subver-tendo o conceito e rebentando com todos ospermetros urbanos.

    O pas necessita de um processo de planea-mento que d transparncia e objectividade demarcao das reas urbanas e urbanizveis,tendo sempre presentes os valores e os preosdos terrenos envolvidos nessas operaes. tambm importante que nestas contas se pa-rametrizem os preos, para informao e re-gulao do mercado imobilirio em geral e do

    mercado fundirio em particular.Para se resolver a questo do ordenamento doespao rstico, necessrio dar sustentao

    aos usos do solo, conjugando os direitos dapropriedade e o interesse pblico associado salvaguarda e valorizao dos recursos naturais

    e da paisagem, considerando as dinmicas dopovoamento e localizao das actividades eco-nmicas. Os planos territoriais no podem ser

    vistos como um fim em si mesmos, mas comoum meio de trabalho com uma dimenso emi-nentemente conceptual, isto , que visa ex-plorar ideias e programas para aces de de-senvolvimento. So instrumentos criativos,mesmo nos casos em que o objectivo a con-

    servao dos recursos naturais, e as entidadesque elaboram os planos e que administraminstrumentos de planeamento devem estarsujeitas a uma avaliao de mrito quandoconfrontadas com os resultados das suas apli-caes e aces sobre o territrio. O desafio complexo e remete para a dimenso culturale esttica dos contedos dos planos e das ar-quitecturas. Este relatrio prope-se avanar

    com contributos sobre conceitos e mtodosnecessrios para informar a estrutura substan-tiva de novos diplomas que se integrem deuma forma lgica e til no sistema de planea-mento.

    Quando se questionam os resultados da RANe da REN, a nica resposta obtida resume-sea que serviram para proibir a construo dequalquer coisa, no tendo outro propsito con-creto. Quando a interveno em causa se afi-gura deslocada os apologistas dos diplomasexaltam a utilidade das figuras, j quando setrata de uma interveno manifestamente ne-cessria para o uso instalado, emerge evidn-cia o seu proibicionismo radical, o qual tam-bm reconhecido, e neste crculo parecem

    esgotar-se as suas substncias. Mas no nosprecipitemos na concluso, porque a substn-cia real o poder imprprio sobre a economiado territrio.

    INTRODUO 13

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    14/167

    A classificao dos usos do solo e todos os pro-cedimentos que imponham condicionantes ourestries aos usos instalados ou que estabele-

    am desenvolvimentos obrigatrios em planode pormenor, devem ser decises tomadas e as-sumidas na esfera do exerccio democrtico dopoder poltico do Estado e dos municpios.

    Os critrios e mtodos de fixao da RAN eda REN tm um cariz ideolgico escondidopor uma mscara tecnocrtica que no sus-tentvel, at luz de razes tcnicas. Acresce

    que estes diplomas interferem nos contedosdo estatuto jurdico da propriedade, interfe-rindo directamente nos direitos de fruio,utilizao e explorao do prdio. Trata-se deinstrumentos de classificao aberrante do solo margem de um normal processo de classifi-cao e de afectao dos usos em sede de pla-neamento do territrio. Perante este facto, aquesto da taxonomia dos usos do solo, o di-

    reito da propriedade, a regulao do mercadoimobilirio, o poder de classificar os usos dosolo e de configurar direitos de desenvolvi-mento ou de lhes impor restries, constituemtemas centrais que equacionamos e que leva-ram constatao da necessidade de se esta-belecer um modelo unificado para a classifica-o e afectao dos usos do solo, como soluocorrecta para responder s exigncias do or-denamento agro-florestal e da proteco dosrecursos naturais de forma integrada no sis-tema de planeamento.

    A deciso sobre a classificao e afectao deusos do solo um acto delicado do exercciodo poder poltico, com relevante significadosocial e econmico. No sistema de planeamento

    em vigor no se diferenciam o acto classifi

    ca-tivo do uso do solo, ao nvel meramente tc-nico-administrativo, da afectao a usos espe-cficos, com consequncias sobre os direitos

    reais da propriedade e inerentes alteraes noestatuto jurdico do prdio. Com esta confu-so, cometem-se graves abusos, o planeamento

    perde legitimidade e tambm a confiana daspopulaes e dos agentes econmicos.

    A classificao dos usos do solo em sede deplanos territoriais, sem afectao, pode cor-responder a uma expropriao indirecta, o que um acto de prepotncia e de abuso inacei-tveis. Quando um plano classifica um solopara um fim de interesse pblico que automa-

    ticamente o coloca fora do mercado e a enti-dade pblica responsvel no procede ine-rente negociao com o proprietrio, no res-peito pelos seus direitos, afectando o terrenoem causa ao uso estabelecido, cria-se uma si-tuao de injustia naturalmente condenvele que no deve ser tolerada num sistema deplaneamento.

    Ao nvel mais agregado dos usos do solo (zonasnicas, urbano, agrcola e silvestre de produ-o e proteco), todos os usos, por princpiodecorrente da lgica do Direito, tm um ca-rcter imperativo, excepo do uso agrcola,o nico que no deve ser determinado pela

    vontade e competncia do Estado ou dos mu-nicpios mas pela livre iniciativa dos agriculto-res. Exceptuam-se aqui, em certa medida, oscasos em que o Estado investe na criao demelhoramentos agrcolas especiais, como ocaso das obras de fomento hidroagrcola, ondese estabelecem condies que induzem fun-cionalmente a prtica agrcola nos campos ser-

    vidos pelos sistemas de regadio. Porm, mesmonestes casos, a prtica da explorao agrcolaem terrenos beneficiados para esse fim no

    imposta como uma obrigao ditada por lei.As polticas de solos e programas de fomentodo uso agrcola so indissociveis da estrutura

    14 INTRODUO

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    fundiria e do perfil das exploraes. As estru-turas agrrias so diversas, mesmo dentro decada concelho, e tambm por isso impres-

    cindvel a participao dos agricultores e dosproprietrios dos terrenos para equacionar asbases de planeamento do sector agrcola. De-marcar uma reserva agrcola apenas com baseem qualidades pedolgicas difusas, ignorandoas especificidades das exploraes agrcolas, incorrer num erro de descontextualizao.Com este erro, o critrio de localizao dasurbanizaes tende a deixar de ser pautado

    pelo controlo dos permetros urbanos e dasmais-valias para passar a ser referido ao nega-tivo dos terrenos da RAN e da REN.

    No planeamento do espao agrcola deve aten-der-se ao primado da anlise crtica da estruturafundiria, das caractersticas das exploraes,da vontade dos agricultores e dos potenciaiscircuitos de distribuio e centros de consumo

    como factores determinantes da economiaagrria , e alicerar as aces do planeamentono carcter eminentemente local e privado daactividade agrcola.

    A classificao de terrenos para o uso agrcolaem planos territoriais tem um carcter orien-tador, conjugado com polticas de disponibili-zao de solos para o fomento da actividadeagrcola. As intervenes sobre a estrutura fun-diria so to importantes quo difceis e mo-rosas. As operaes de emparcelamento e dereformatao da propriedade rstica tm fa-lhado em Portugal, estando esse arranjo muitodependente da iniciativa dos agricultores. Ossolos de uso agrcola no so objecto de umaafectao de uso que implique um vnculo sus-

    ceptvel de alterar o estatuto jurdico da pro-priedade e os seus direitos reais, ao contrriodo que acontece com os outros usos (zonas ni-cas, Regime Florestal e reas urbanizveis). Nes-

    tes ltimos casos, os princpios do Direito doUrbanismo plasmados na lei estabelecem quese o proprietrio no estiver interessado no uso

    determinado em plano territorial, este uso de-ver ser assegurado pelos servios do Estado,recorrendo, in extremis, expropriao. Nocaso do uso agrcola, o Estado no vai imporesse uso, nem to-pouco substituir o agricultorcom exploraes agrcolas estatais.

    A actual RAN no contempla qualquer apoio agricultura e, surpreendentemente, os seus

    defensores pretendem justific-la como ins-trumento para obstar a urbanizao e a cons-truo. Com tal argumento confessam a per-

    versidade do desiderato da lei: afinal a RANno visa apoiar a agricultura, mas filar o poderde decidir sobre o processo de urbanizar.

    Todas as leis prosseguem um fim social que a sua ratio legis, o bem jurdico que visam tu-

    telar. O que a lei no pode , sob o pretextode proteger um determinado bem jurdico,impor restries que, de forma indirecta e si-nuosa, visam controlar afinal um outro que j objecto de uma regulamentao prpria. Nocaso vertente, o poder de deciso sobre os di-reitos de construir e de urbanizar chamadoa uma sede imprpria que mantm oculta assuas repercusses sobre as mais-valias dadas esonegadas.

    O uso urbano tem, ou deveria ter, um carc-ter imperativo. Tal reconhecido pelo De-creto-Lei n. 380/99, que confere aos planosde pormenor a prerrogativa de serem imple-mentados por imposio administrativa.Tambm as leis das reas de desenvolvimento

    urbanstico prioritrio e das reas de cons-truo prioritria emergem da conscincia danecessidade de considerar o processo urbanona competncia da esfera pblica.

    INTRODUO 15

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    Sucedeu o mesmo com o uso florestal. Veja-sea disciplina do Regime Florestal, que obriga ouso e impe a conduo tcnica da explorao

    segundo as directivas dos servios competentesda Administrao Pblica. Os proprietrios dosterrenos em causa ficam impedidos de deso-bedecer a tais determinaes e, portanto, obri-gam-se a exercer e manter a exploraoflores-tal. Assiste-lhes, no entanto, o direito de opta-rem pela expropriao dos seus terrenos, me-diante justa indemnizao, ou de disponibili-zarem os terrenos para serem directamente

    administrados pelos servios florestais do Es-tado, partilhando os rendimentos auferidos.

    As reservas naturais deveriam ter um estatutosemelhante ao do Regime Florestal, emboracom uma gesto diferente, considerando a pre-

    valncia dos fins conservacionistas que, porregra, afectam os direitos reais da propriedadeprivada. Em todo o caso, dever assistir aos

    proprietrios dos terrenos em causa o direitode serem ressarcidos de menos-valias devidas eventual desvalorizao dos seus prdios emresultado das condicionantes e restries quelhes so impostas e de poderem mesmo re-querer a expropriao.

    As actuais RAN e REN, para alm dos crit-rios disparatados da sua demarcao, ignoramas especificidades dos usos do solo no que res-peita aos regimes da sua classificao e afecta-o, lanando a confuso no sistema de planea-mento.

    A opinio pblica em geral, alguns especialis-tas em domnios prximos da Ecologia, jorna-listas, todos na sua boa f, so levados a crer

    que a RAN e a REN so duas leis virtuosas nadefesa de recursos sagrados, smbolos do poque nos alimenta, da gua cristalina que nostira a sede e da pureza do ar que respiramos.

    Ora tal falso. Demonstrar os equvocos e es-tabelecer uma disciplina de classificao e afec-tao dos usos do solo no tarefa fcil e exige

    conhecimentos complexos nas reas do Urba-nismo, da Economia do Territrio, do Direitoe da Ecologia (na sua vertente cientfica, nona ideolgica ou emocional). tambm umamisso ingrata e arriscada quando a equaolgica dos problemas no bvia nem facil-mente acessvel para quem actua nestes do-mnios de uma forma rotinada, obedecendo sdisposies legais, sem interpelao crtica dos

    seus contedos e resultados.

    Como defender os valores naturais em conso-nncia com os direitos reais da propriedade eem sintonia com a cultura e a sustentao eco-nmica das populaes? A soluo passa porconcentrar no PDM a afectao dos usos dosolo. Esta uma medida crucial para tornarpossvel uma coordenao lgica do actual sis-

    tema de planeamento, administrativamenteclara e burocraticamente simplificada.

    Clarifique-se o processo de demarcao da ex-panso dos permetros urbanos, o que implicaesclarecer o conceito e a gesto das reas ur-banas programadas, instrumento essencial paraa reviso dos PDM, nomeadamente para regraro crescimento urbano e neutralizar as pressesurbansticas sobre os espaos rsticos. funda-mental tratar este conceito luz de uma expli-citao, negociao e gesto transparente dasmais-valias.

    Actualize-se e revitalize-se o Regime Florestalcom aplicao prtica no terreno. Actue-se nasalvaguarda dos recursos naturais a partir de

    uma carta de valores que rena os contributosde todas as instituies da Administrao Cen-tral e dos municpios, e receba o apoio empe-nhado das populaes locais. A salvaguarda dos

    16 INTRODUO

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    INTRODUO 17

    recursos naturais, a incluir numa carta de va-lores, remete necessariamente para um quadrode gesto repartida e concertada entre as diver-

    sas instituies competentes. O Plano DirectorMunicipal deve ser o instrumento integrador eobservador desse quadro de distribuio de res-ponsabilidades.

    Identifiquem-se, avaliem-se e coloquem-se sobatenta vigilncia as fontes de risco ambiental.

    A questo ambiental fundamentalmente umproblema de poluio e de degradao de re-

    cursos, com causas que devem ser identifica-das e confrontadas com os recursos ameaados,da a importncia de uma carta de riscos, emcontraponto com uma carta de valores.

    unnime o reconhecimento da urgncia emrever o sistema de planeamento do territrio,mas essa tarefa implica a anlise crtica dos seuserros conceptuais e dos seus efeitos perniciosos.

    Este estudo um contributo para essa crtica epara a configurao de um modelo unificado declassificao dos usos do solo, a adoptar em sede

    de PDM. A nica objeco publicitada contraas teses aqui expostas resume-se a uma supostatransferncia de competncias para os munic-pios em matria de RAN e REN, retirando lheo seu carcter nacional. Esta deturpao inten-cional ignora o facto dos PDM serem planosque integram contributos e competncias dosdiversos nveis da Administrao Central e Local,assim como a participao das populaes, sendo

    abusivo concluir que os PDM so o resultadode uma vontade estritamente municipal. Acresceainda que, na prtica, as cartas da RAN e daREN foram elaboradas pelos servios das au-tarquias e pelas equipas tcnicas dos PDM, semque isso exaltasse a indignao dos crticos em-penhados em ocultar as responsabilidades daRAN e da REN como causas graves de desor-denamento territorial.

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    CAPTULOI

    BASECONCEPTUAL

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    20crtica aos diplomas da RAN e da REN

    A APROPRIAO DO TERRITRIO

    }CONCEITOS GERAIS

    1. As alteraes na estrutura do povoamento.O declnio acentuado da populao activana agricultura nos ltimos 40 anos em re-sultado do desenvolvimento scio-econ-mico do pas (centenas de milhares deagricultores abandonaram a actividade agr-cola) e a consequente mudana da relao

    com os espaos agrcolas e silvestres; 2. distino entre os direitos de construir, de

    edificar e de urbanizar. A instrumentaliza-o dos planos na urbanizao programadae a importncia desta como condio paraa preservao dos espaos rsticos;

    3. o conceito deplano de estabilizao. A im-portncia deste como momento singular dediscricionaridade pragmtica face reali-

    dade fsica e scio-econmica existente; 4. a taxonomia dos usos do solo e os critrios

    de classificao. O poder de deciso sobrea alterao dos usos do solo. A formaode mais-valias e de menos-valias;

    5. espaos silvestres versusespaos agrcolas:lgicas distintas e complementaridadeseventuais;

    6. as duas vertentes da classificao dos usosdo solo: a classificao analtica e a classifi-cao propositiva. Os usos imperativos, osusos indicativos e os usos de orientao;

    7. a distribuio das competncias em ma-tria de planeamento do territrio e atri-buio de responsabilidades relativamenteao bom uso e conservao do patrimnioimobilirio;

    8. a disciplina dos usos do solo, o sentido tilda propriedade imobiliria, a desmotivaodos estados de abandono dos prdios e aresponsabilidade do proprietrio no bom

    uso e conservao do territrio. As formasde responsabilizao associadas funo so-cial da propriedade e a sua articulao como estatuto jurdico e com os direitos reais;

    9. desenvolvimento formal das tcnicas deavaliao do imobilirio, considerando oCdigo de Avaliaes do Mercado e o C-digo de Avaliaes Oficial. Da comparaodos valores de ambos deduzem-se as orien-

    taes a dar poltica de solos que serposta em prtica pelos planos;

    10. a procura til e a procura para entesoura-mento passivo: consequncias perniciosasdo investimento no-produtivo em imo-bilirio devoluto;

    11. as cartas de preos e a parametrizao dasmais-valias e das menos-valias: neutraliza-o de prticas especulativas e implemen-

    tao de uma poltica de disponibilizaodos espaos rsticos para a proteco dosrecursos naturais, para a actividade agr-cola e para a produo florestal;

    12. a instituio de novas servides e restriesde utilidade pblica nos planos territoriais,o seu reflexo sobre os direitos reais da pro-priedade e a sua articulao com o Cdigodas Expropriaes e indemnizaes porutilidade pblica;

    13. a importncia da informao como factorregulador do mercado imobilirio;

    14. a capacidade e responsabilidade dos ser-vios pblicos competentes e dos proprie-trios para assegurar in loco a conduodos espaos silvestres em geral e das reasclassificadas em particular;

    15. polticafl

    orestal: reabilitao e actualiza-o do Regime Florestal, e reestruturaodos servios pblicos de assistncia aosespaos silvestres;

    QUESTESCHAVE

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    16. a indispensabilidade do servio pblico nagesto e conduo dos trabalhos de campoem reas classificadas;

    17. a diviso da propriedade rstica: parcela-mento, emparcelamento e reparcelamento.

    A questo do direito de preferncia. Ocadastro. A gesto das exploraes em par-celas separadas;

    18. os conceitos de parcela autnoma e deparcela dependente;

    19. diferenciao dos contedos normativosdos planos territoriais: nvel garantstico,

    nveis conjunturais municipal e estatal e n-vel estratgico. Aspectos no-normativosdos planos. Demarcao das esferas decompetncia privada, pblica municipal epblica estatal;

    20. os problemas dos actuais diplomas da RANe da REN. Os problemas decorrentes dassuas delimitaes e os efeitos perversosque tm causado sobre o planeamento do

    territrio;21. o tratamento integrado dos usos do solo

    numa nica figura de plano territorial.

    }CARTAS DE VALORES E DE RISCOS

    1. Os contedos da nova Reserva EcolgicaNacional: carta de valores e carta de riscosreferenciadas aos usos do solo;

    2. carta de valores: zonas classificadas de par-ques e reservas, zonas de Proteco Espe-cial para Avifauna e Stios da Lista Nacio-nal, cursos de gua, albufeiras, nascentestermais, ectonos ribeirinhos e guas sub-terrneas estratgicas, espaos afectos aoRegime Florestal total e parcial, praias, cor-des dunares e arribas, espaos arbreos

    e arbustivos estruturantes da paisagem,ecossistemas e geossistemas singulares. Evi-tar a sobreposio de competncias admi-nistrativas luz dos princpios da economia

    e da minimizao do peso burocrtico esimplificao dos procedimentos adminis-trativos;

    3. carta de riscos: riscos relacionados com ac-tividades antrpicas, riscos ssmicos, riscosgeomorfolgicos e riscos hidrolgicos;

    4. a REN deve constituir-se como princpiosde orientao que se materializam noscontedos dos planos territoriais e na suaimplementao;

    5. o equilbrio delicado entre as reas classi-ficadas e as necessidades de desenvolvi-

    mento ou mesmo de sobrevivncia scio--econmica das populaes. A necessidadede uma classificao criteriosa e tecnica-mente fundamentada destas reas e dasua gesto participada e operativa;

    6. fora das reas classificadas continuam ater sentido os cuidados de proteco dosrecursos naturais, controlo de impactosambientais e de valorizao paisagstica,

    os quais devem ser ajustados aos usos eutilizaes do solo.

    }ESTRUTURA AGRRIA NACIONAL

    1. Operacionalizao de uma nova carta de so-los do uso agrcola conjugada com o cadas-tro predial, considerando o facto dos pr-dios estarem ou no integrados em explo-raes agrcolas. Os planos territoriais devemser elaborados como instrumentos de dis-ponibilizao do solo agrcola para os agri-cultores, de fixao da populao activa naagricultura, de valorizao da paisagem, demelhoramento da estrutura fundiria e comocontributo para a agricultura familiar mesmoquando destinada ao auto-consumo;

    2. o enquadramento da agricultura enquantosector econmico com significado estrat-gico. A segurana nacional face s polticasagrcolas comunitrias, ao mercado global

    QuestesChave

    Captulo I BASE CONCEPTUAL 21

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    e a actualidade problemtica do princpiode auto-suficincia alimentar;

    3. a impossibilidade de uma imposio coer-

    civa da actividade agrcola e o carcter im-perativo dos usos urbano e florestal. As es-tratgicas para incentivar a explorao agr-cola e dignificar a profisso de agricultor;

    4. especificidades dos diversos tipos de ex-ploraes agrcolas: adequao dos diplo-mas legais s suas diferentes caractersticase necessidades estruturais. Os problemasambientais da agricultura e pecuria inten-

    sivas, e das agro-indstrias; 5. a demarcao do territrio afecto agri-

    cultura, atendendo s caractersticas dasexploraes agrcolas e estrutura do po-

    voamento que lhes est associado, paraalm de critrios pedolgicos;

    6. a importncia da conjugao do regimedos solos de uso agrcola com o PDM, en-quanto instrumento de afectao e de re-

    gulamentao de usos do solo; 7. a carta de solos de uso agrcola enquanto

    instrumento de segmentao do mercadoimobilirio;

    8. o desdobramento tipolgico das explora-es agrcolas e a sua aplicao, conside-rando as preferncias e as procuras espe-cficas regionais e locais;

    9. a pertinncia de uma oferta pblica de ex-ploraes agrcolas, semelhana do quese praticou na Junta de Colonizao Inter-na com os colonatos, actualizando o con-ceito;

    10. o uso agrcola e os seus desdobramentosno quadro taxonmico dos usos do solo;

    11. a relao da categoria de uso agrcola comas outras categorias de uso dentro da unidade

    territorial afecta classe de uso agrcola;12. a atribuio carta de solos de uso agrcolade um carcter orientador de aces defomento da qualificao das exploraes

    agrcolas e do conforto da residncia doagricultor;

    13. o problema do entesouramento passivo

    no sector imobilirio e os seus efeitos sobrea propriedade rstica, nomeadamente noabandono das exploraes agrcolas. Asmotivaes induzidas pelas expectativasde mais-valias resultantes da alterao deuso do solo ou da simples fragmentaoda propriedade;

    14. o diferencial entre o preo do solo agrcolae o seu valor fundirio obtido pela capita-

    lizao do rendimento da sua explorao;15. os problemas ambientais da agricultura

    intensiva e da pecuria;16. o licenciamento de edifcios para a agro-

    -indstria e pecuria intensiva (vacarias,avirios e pocilgas).

    }CONSTRUO FORA DOS PERMETROS URBANOS

    1. A disciplina das construes fora dos pe-rmetros urbanos: circunscrio das urba-nizaes ao permetro dos aglomerados ea questo dos elementos do sistema urbanoque necessariamente tm de ser localiza-dos em espao rstico;

    2. a segmentao do mercado imobilirio emfuno dos usos estabelecidos nos instru-mentos de gesto territorial e a prevenocontra a apropriao de terrenos rsticospor procuras estranhas s actividades agr-cola e florestal;

    3. o conceito de espao livre crticoe a suautilidade na recuperao urbanstica demanchas de povoamento desordenado;

    4. a reconverso de uso de construes im-

    plantadas em meio rstico parafi

    ns resi-denciais; 5. a complexa problemtica da segunda re-

    sidncia nas suas mltiplas ofertas e pro-

    22crtica aos diplomas da RAN e da REN

    A APROPRIAO DO TERRITRIO

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    curas, e os seus efeitos sobre o espao rs-tico;

    6. o destino dos edifcios e de outras cons-

    trues que se encontram abandonados eem estado degradado, desfeando a paisa-gem;

    7. o conceito de quintas e de aldeias de vi-legiatura;

    8. o recreio de lazer e o turismo em meiorstico;

    9. os empreendimentos tursticos como ele-

    mentos do sistema urbano: as suas relaesdinmicas com os permetros urbanos e asua ocorrncia como elementos singulares

    em espao rstico;10. o problema da edificao e da habitao

    dispersas;11. a conscincia dos valores arquitectnicos

    e paisagsticos, a participao das popula-es, a ordem democrtica e o processode deciso poltica relativamente admi-nistrao do territrio.

    QuestesChave | Desterritorializao e Novas Territorialidades

    Captulo I BASE CONCEPTUAL 23

    O direito de estar no mundo, de ocupar umespao para habitar, para trabalhar, assim comoo direito liberdade de circulao e de viver emcomunidade, so valores civilizacionais cuja ga-rantia e materializao dependem, cada vez mais,das polticas de ordenamento do territrio. Autilizao directa do espao para viver e habitarremete para a esfera do direito natural e dasrelaes pr-econmicas e tem significados axio-mticos. A terra, entendida como local depertena de uma famlia, de um cl, diferentedo territrio, entendido como espao subme-tido a um poder soberano, com estatuto paraassegurar uma ordem jurdica e administrativacapaz de sustentar o respeito pelas regras eco-nmicas de apropriao do solo.

    O direito ao territrio, casa, ao bairro, ci-dade, ao pas, a uma ordem vivencial planetria, presentemente, preocupao do cidadocomum, cujo sentido ampliado e corroborado

    pela formao de uma conscincia comunica-cional e partilhada. H vrias noes de terri-

    trio. importante distinguir o conceito natu-ralista de espao suporte de vida de uma esp-cie ou comunidade animal ou vegetal dos di-

    versos conceitos da geografia scio-poltica: o

    territrio do Estado, demarcado por fronteiraseconmicas, polticas, demogrficas e jurdicasque estruturam o mosaico dos pases; e o ter-ritrio das regies, dos municpios, das fregue-sias, que d suporte s divises administrativasinternas. Neste sentido, o territrio demarcadoe configurado atravs de um quadro de poderese de competncias polticas e administrativas,resultando, assim, de uma construo social.Enquanto os territrios naturais so o resultadode processos geomorfolgicos e biofsicos, osterritrios referenciados pela sociedade soconstrues concebidas e executadas a partirde uma deciso humana, inteligente ou est-pida, lgica ou irracional. A substncia da ter-ritorializao o poder factual que uma ou maisentidades exercem sobre a apropriao til pelas

    populaes dos espaos terrestres, integrandoos sistemas necessrios a essa utilizao.

    2 Texto da comunicao apresentada no Seminrio Segurana Humana, organizado pela Cmara Municipal do Montijo e pela FundaoMrio Soares, realizado no Montijo, nos dias 17 e 18 de Maro de 2005.

    DESTERRITORIALIZAO E NOVAS TERRITORIALIDADES 2

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    As formas bsicas de ocupao e utilizao dosespaos distinguem-se do processo de territo-rializao como resultado da aplicao de um

    poder poltico e econmico e administrativosobre um dado espao, impondo uma autori-dade sobre as populaes que o ocupam. Adesterritorializao consiste na abolio defronteiras, na criao de laos de cooperao,de sistemas de relacionamento, de bases deconfiana e de princpios universais para ga-rantir direitos. O territrio, com toda a suacarga funcional, representativa e simblica,

    instrumentalizado pelo poder poltico paraoperacionalizar o controlo das populaes eestabelecer uma ordem de Estado aliceradanos conceitos de soberania nacional e segu-rana. Assim, a territorializao no pode serconfundida com a ocupao de um espao poruma comunidade, to-pouco com a apropria-o til do espao de habitao ou de produ-o por famlias e empresas. A territorializa-

    o sempre o resultado de um poder polticoaplicado apropriao de um espao para,atravs dele, exercer um controlo sobre as po-pulaes que ficam dentro da sua fronteira econdicionando o acesso das populaes exte-riores, os estrangeiros, a esse territrio. A ter-ritorialidade implica a defesa em relao a umexterior, alicera-se num conflito latente como estrangeiro. A desterritorializao tem comolimite a apropriao til dos espaos, a escolhados usos e a especificao dos direitos reaissobre a propriedade imobiliria. A ocupaotil, habitacional ou produtiva, no implicanecessariamente uma forma de territorializa-o. Os povos nmadas ou os agricultores etoda a forma de ocupao necessria do espaono do origem a territrios.

    Esta territorialidade clssica do Estado-Nao,que marcou os ltimos sculos, est em pro-funda mutao devido crescente afirmao

    de instituies e de relacionamentos de ordemsupra-nacional que asseguram uma cada vezmaior liberdade de circulao do dinheiro, das

    pessoas, de mercadorias e de comunicaes.Assim, vo caindo as fronteiras tradicionais e,consequentemente, esbatem-se os territriosque elas delimitam. Esta desterritorializaoconstitui um desafio para os Estados, confron-tados com a necessidade de a promover porrazes imperativas de desenvolvimento scio--econmico, ao mesmo tempo que procuramnovas territorialidades para sobreviver como

    nvel de poder estatal. A mundializao dasredes de informao e comunicao, e a inter-nacionalizao da produo, da distribuio edo consumo, pem em causa o tradicional con-ceito de territrio, suscitando novas formas depoder sobre os espaos e suas economias.

    A disponibilizao dos espaos e a gesto dosrecursos naturais envolvem uma cadeia de in-

    teresses cada vez mais sofisticada, embrenhadaem mantos ideolgicos, que no conseguemesconder aRealpolitikdas necessidades eco-nmicas e do medo de no conseguir satisfaz--las num espao concorrencial aberto. Da oproblema das novas fronteiras, em contraponto actual cultura que tende a diluir as fronteirasclssicas. As redes de comunicao conscien-cializam interdependncias universais que com-prometem o sistema social com desafios emque o nvel de vida individual um elementoessencial.

    A criao de um quadro mundializado de va-lores universais, integrando os Direitos doHomem, os princpios do Estado de Direito, o despertar de uma cultura unificada alicer-

    ada no relacionamento comunicacional inter-nacional e aberto. Esta conscincia de uma so-ciedade global no pe em causa as identidadesdos povos nas suas vertentes cultural, religiosa,

    24crtica aos diplomas da RAN e da REN

    A APROPRIAO DO TERRITRIO

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    tnica e poltica, mas contribui seguramentepara comparar e relativizar as referncias iden-titrias, criando uma saudvel conscincia de

    valores universais, passando as pessoas a for-mular juzos integrados sobre as economias, aspolticas e as ideologias aos nveis local, nacio-nal, europeu e mundial.

    Perante os efeitos da mundializao da econo-mia, os Estados e os interesses privados pro-curam criar novas formas de territorializao,isto , de poder poltico e econmico com base

    na explorao de relaes de dependncia desistemas territoriais. Os novos poderes aban-donam os espaos fechados em fronteiras paraincidirem no controlo dos usos do solo e dasredes de infra-estruturas e servios urbanoscom destaque para a produo e distribuiode energia e gua, circuitos financeiros e detrocas comerciais, rotas tursticas, canais deinformao, licenciamento de empreendimen-

    tos. Os novos imprios desenvolvem-se emterritrios abertos onde se disputam direitosde urbanizao e construo e de concessopara a explorao de recursos naturais e deprestao de servios pblicos.

    A legitimao destas concesses e das decisesrelativas aos usos e utilizaes do solo tem des-pertado o apetite de um crescente leque deinteresses empresariais e de corporaes pro-fissionais, movimentos, organizaes no gover-namentais e de fazedores de opinio. falta deuma legislao clarividente que assegure a pro-cedimentalizao blindada da criao, parame-trizao e distribuio de mais-valias urbanas,a coberto de uma preocupao ambientalistacom o ordenamento do territrio, desenvolvem-

    -se jogos de interesses que confi

    guram situaesde quase chantagem sobre a economia do ter-ritrio. Nos bastidores do aparelho do Estado,principalmente nos servios administrativos in-

    cumbidos do planeamento e da gesto territo-riais, tm crescido os poderes arbitrrios, a ar-gumentao irracional, dogmtica, com efeitos

    dramticos sobre os sistemas territoriais, sobreas paisagens e tambm sobre os agentes econ-micos.

    A disputa do poder sobre o territrio multi-plica-se numa teia de interesses, de competn-cias administrativas e de dependncias funcio-nais. Neste contexto, o Direito chamado aassumir uma importncia singular no processo

    urbanstico, porque no possvel alcanar so-lues sem haver um suporte terico para ali-cerar a correcta feitura das leis. A componentenormativa expandiu-se em detrimento da ver-tente conceptual do Urbanismo, do Direito,da Economia e das Arquitecturas e isso reflecte--se no desenho e composio das paisagens. Osaspectos formais do planeamento prevalecemsobre o sentido til da materializao das acti-

    vidades no solo.

    O jogo do poder deixa de se travar em tornode fronteiras territoriais do Estado-Nao, des-locando-se para o domnio da concesso dealvars e licenciamentos de direitos de urba-nizar e construir. O novo poder incide tambmno controlo de redes de nvel local e regionalque asseguram a prestao de servios pbli-cos bsicos.

    falso que as caractersticas naturais de umespao determinem o seu ordenamento ou querecomendem algum modelo de uso do solocomo sendo objectivamente correcto indepen-dentemente das necessidades das populaese dos interesses, motivaes e poderes de quem

    decide. As interpretaes naturalistas do ter-ritrio conduzem, perigosamente, para a esferade ideologias defensoras de modelos determi-nsticos e dogmticos atreitos a receiturios e

    Desterritorializao e Novas Territorialidades

    Captulo I BASE CONCEPTUAL 25

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    fraudes de fachada tecnocrtica, negando aampla margem de responsabilidade e escolhaque o Homem tem no processo de apropria-

    o e utilizao do solo. Por isso, importanteassumir-se que a deciso sobre as alteraesdo uso do solo deve ser sempre tomada na es-fera poltico-econmica.

    O futuro no se apresenta tanto como um pro-blema cientfico mas antes como um desafio capacidade conceptual de criar instituiesavanadas, que alicercem um prspero e justo

    relacionamento entre as pessoas e as comuni-dades. A humanidade depende da sua capaci-dade de organizao relacional e comporta-mental e, por isso, um dos domnios do co-nhecimento mais importantes e crticos , semdvida, o Direito e a organizao do Estado eda Administrao Pblica em geral.

    A forma mais conseguida de construo da pai-sagem ocorreu na base de uma grande liberdadede aco por parte das populaes residentes,usando de uma cultura arquitectnica de carizpopular e orientada para uma utilizao prticae directa dos espaos. Em Portugal, at aosanos 60, o Estado tinha uma interveno mo-derada nestes processos. O pas era relativa-mente ordenado pela aco pragmtica daspopulaes locais. Havia um quadro de valoresque inspiravam comportamentos e modos defazer. Os resultados eram previsveis e situa-

    vam-se num quadro harmnico de padres.Posteriormente, o Estado, atravs da Adminis-trao Pblica, passou a intervir cada vez maissobre a economia do territrio, utilizando um

    discurso tecnocrtico para se legitimar. Des-truram-se as relaes de confiana e fomen-tou-se a desresponsabilizao atravs da obe-dincia ao disposto nos contedos dos planos

    territoriais, produzidos como simples regula-mentos administrativos.

    Tambm por isso o sistema de planeamentotem sido uma das principais causas de desor-denamento, ao adoptar determinaes tecno-crticas absurdas, fomentadoras de conflitos ede inseguranas.

    A segurana alicerada no respeito pelos va-lores de justia e de solidariedade e na garantiade interesses e direitos compatveis com aque-

    les valores. A segurana ser tanto maior quantomais estendidos forem esses interesses e direi-tos a toda a populao na base de um processocultural aberto. Esta integrao social prende--se com a estrutura do povoamento, com a es-tabilidade das comunidades agregadas em tornode valores de convivncia, de partilha de cul-turas e de produo de bens e servios de sus-tentao econmica.

    Portugal passou tarde e abruptamente de umaestrutura de povoamento em que mais de 30%da populao activa estava no sector primrio(valores referidos ao princpio dos anos 60) paraos actuais menos de 10%, sem polticas territo-riais clarividentes para acautelar os efeitos destefenmeno migratrio inevitvel, desejvel e ne-cessrio para o desenvolvimento scio-econ-mico do pas.

    A revoluo de Abril, preocupada com a ques-to agrria, tema que mereceu destaque nosargumentos da oposio nas crticas s polti-cas ruralistas do Estado Novo, no conseguiutraar um rumo modernizador par o sector.Os governos do novo regime democrtico no

    conseguiram estabelecer uma politica agrriae florestal nem souberam antecipar e discipli-nar as consequncias da natural deslocao decentenas de milhares de famlias do sector pri-

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    A APROPRIAO DO TERRITRIO

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    mrio para a indstria e servios e consequentemigrao para os centros urbanos. Em resul-tado desta distraco, houve um atropelo de

    equvocos sucessivos em matria de ordena-mento do territrio, que se traduziu num au-mento no negligencivel de insegurana a di-

    versos nveis: A migrao para os centros urbanos, em vez

    de ser recebida por um urbanismo plane-ado, foi explorada pelos loteamentos avul-sos, em grande parte clandestinos, especu-lativos e urbanisticamente inqualificveis.

    As polticas de habitao que at aos anos60 foram enquadradas em planos de bairro,com uma integrao social exemplarmenteconseguida e com uma disciplina de mais--valias e de mercado imobilirio, em geralforam substitudas nos fins dos anos 60 pelaseparao tcita de competncias entre oEstado e o sector privado da promoo imo-biliria, ficando o primeiro com a incum-

    bncia da habitao social (Fundo de Fo-mento da Habitao) e o segundo com aproduo para o mercado. Desde ento, aspolticas de habitao social tm sido fontede segregao social.

    As idiossincrasias ruralistas, incapazes deentender os novos contextos da economiaagrria, inventaram a Reserva Agrcola Na-cional, ludibriando o pas, que ficou conven-cido de que com a RAN iria fomentar a ac-tividade agrcola e promover uma ordemterritorial quando, em boa verdade, impediauma coisa e outra. O descalabro agrava-secom o embuste da dita Reserva EcolgicaNacional, que mais no do que um habi-lidoso estratagema de assalto ao poder dedeciso sobre a doao ou sonegao de

    mais-valias imobilirias. A REN no protegecoisa alguma, apenas chama a si a autoridadede decidir sobre a urbanizao e a constru-o em geral com uma argumentao esp-

    ria e enganosa. Mas nas mos dos prceresdestas figuras ficou um poder patolgicosobre a economia do territrio, usurpado

    esfera poltica do Estado onde deveria serexercido com base numa procedimentaliza-o semelhante da emisso de moeda.

    A legislao urbanstica vem acumulandoerros grosseiros desde os anos 60, a ponto deestar a a principal causa do desastre urba-nstico nacional. A liberalizao dos alvarsde loteamento para a esfera privada ocorreuem 1965.

    O corpo de leis sobre ordenamento do ter-ritrio que vigorou nas ltimas quatro dca-das fomentou negcios fceis no sector imo-bilirio, incrementou prticas clandestinas,recompensou a urbanizao e a construode m qualidade e aliciou o mercado paracomprar tudo sem atender a critrios de es-colha. Quanto mais evidente era, e , o de-sastre, maior o empenho dos autores do sis-tema em alardear o caos urbanstico, acusandotoda a gente o povo ignorante, o mau gostodos construtores, a cupidez especulativa dospromotores, a ganncia dos proprietrios ea incompetncia dos municpios e escon-dendo, assim, a suas responsabilidades como

    verdadeiros culpados do desordenamentoterritorial do pas.

    O sistema de planeamento vigente impedeo desenvolvimento do pas, comportandoirracionalidades e custos de contexto insu-portveis que afastam o investimento pro-dutivo, diminuindo a sua j precria compe-titividade.

    Os planos territoriais tm ignorado perversa-mente o mercado, no obstante a conscincia

    do poder que exercem sobre ele de uma formaarbitrria, alheada de qualquer responsabilidadee da discusso dos efeitos que tm sobre os va-lores do solo. A operatividade das alteraes do

    Desterritorializao e Novas Territorialidades

    Captulo I BASE CONCEPTUAL 27

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    uso do solo na coordenao das polticas de de-senvolvimento econmico perde-se quando opoder de deciso nessa matria sai da esfera

    poltica e fica dependente da vontade oculta depareceres tcnicos e administrativos. Esta des-locao do poder sobre o territrio tem gravesconsequncias sobre a estabilidade da governa-o poltica, confrontada com a importnciacrescente da territorialidade local e com o en-fraquecimento das territorialidades globais.

    A desterritorializao do Estado-Nao acom-

    panhada pela procura de novas territorializaesa nvel interno, o que se torna particularmenteperverso na ausncia de regras quanto cria-o, parametrizao e distribuio de mais-va-lias. A situao de grande desconforto paraos responsveis por cargos polticos nas pastasda administrao do territrio, na medida emque esto dependentes de um sistema de pla-neamento promscuo onde as competncias

    polticas da Administrao Local e Central seatropelam e ambas so impropriamente con-dicionadas pelo poder dos pareceres tcnicos

    vinculativos ou de consulta obrigatria.

    O controlo da apropriao til dos espaospelos consumidores finais adquire uma rele-

    vncia poltica e econmica que no tinha nopassado. A expanso dos mercados imobili-rios, incrementada pela procura turstica e pelasmigraes, acentua a importncia dos novosnegcios centrados na gesto regional e localdo solo. A economia do urbanismo possibilitanovas oportunidades para o exerccio do podersobre o territrio em matria de concesso dealvars de empreendimentos imobilirios e ex-plorao de redes de infra-estruturas e servios

    urbanos. As entidades com competncias noprocesso de deciso sobre a classificao e afec-tao dos usos do solo tm um poder extraor-dinrio, semelhante ao poder factual de emitir

    moeda, podendo, do nada, criar e dar ou negarfortunas. Estamos perante a delicadssima ques-to das mais-valias simples, que a nossa le-

    gislao simplesmente ignora, no lhes fazendoqualquer referncia sria. urgente trazer estetema para a primeira linha do debate polticoe, ao mesmo tempo, tambm necessrio es-truturar e difundir o conhecimento sobre estamatria que, em Portugal, tem sido desprezadapor urbanistas, juristas e economistas.

    Algumas das matrias envolvidas neste pro-

    cesso, tais como as mais-valias e menos-valiasdecorrentes da deciso de alterao dos usosdo solo, carecem de uma procedimentalizaodeterminada com grande clareza pela lei, demodo a permitir o normal exerccio da admi-nistrao do territrio sem desconfianas.

    Quanto aos planos, estes so, em geral, docu-mentos viscosos, de elaborao pesada e de

    contedos fracos, sem mrito urbanstico esem equao dos factores econmicos. Note--se que os PDM, e, podemos dizer, todos osplanos territoriais, no fazem qualquer refe-rncia e muito menos anlise ao mercado imo-bilirio do seu espao de interveno. Socompletamente e espantosamente omissossobre os preos do solo, ignoram os aspectosrelativos segmentao do mercado por usosdo solo, nunca se confrontaram com uma cartade preos, nem to-pouco se interrogaramsobre os efeitos que os seus contedos terosobre o mercado imobilirio da sua zona deinterveno ou, em particular, sobre a forma-o dos preos do solo.

    A formao do valor do solo alicera-se na es-

    trutura da sua territorializao, na poltica desolos adoptada e praticada pelo Estado e quedisciplina a sua apropriao jurdica, econ-mica, administrativa e funcional. este enqua-

    28crtica aos diplomas da RAN e da REN

    A APROPRIAO DO TERRITRIO

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    dramento que estabelece a base garantsticade respeito pelos direitos da propriedade pri-

    vada e pela disciplina das relaes de vizi-

    nhana.

    Na formao do preo do solo intervm umconjunto de factores que vamos sucintamenteequacionar. As componentes que derivam doinvestimento e do mrito social reflectem-seno valor de base territorial. Outras compo-nentes que intervenham na formao do valorpatrimonial ou do valor de mercado que sejam

    resultado do investimento e mrito do pro-prietrio do prdio devem ser objecto de umaavaliao distinta.

    Factores a considerar na formao do valor doproduto imobilirio:

    1. VALOR FUNDIRIO RESIDUAL DOSOLO BRUTO luz dos conceitos da

    economia, o valor determinado com basena quantidade e qualidade do trabalho in-corporado e, por isso, o espao naturalbruto no tem propriamente um valor emsi, sendo o seu preo determinado pelointeresse e pela motivao da sua procuracomo matria-prima de base para o de-senvolvimento de actividades econmicasou simplesmente para uma apropriaoterritorial.

    2. AS CARACTERSTICAS GEOMOR-FOLGICAS avaliam-se na medida emque apresentam mais ou menos limitaespara a explorao de um determinado usodo solo.

    3. O VALOR DO SOLO SILVESTRE determinado pela renda da sua exploraoflorestal ou silvo-pastoril, mas pode serinfluenciado por outras expectativas inde-

    terminadas, algumas do foro psicolgicodos agentes de mercado.

    4. O VALOR DO SOLO AGRCOLA determinado pela renda da exploraotendo em conta o trabalho incorporadona arroteia, modelao, despedrega e de-mais trabalhos de benfeitoria para a pre-parao dos campos de cultivo. O solocomo bem de raiz induz comportamentosque escapam lgica da renda fundiria,praticando preos mais elevados.

    5. A LOCALIZAO RELATIVA refere--se a mltiplas escalas, do regional ao lo-cal, e a relativismos, porquanto dentro donvel local h desdobramentos sensveis s

    vizinhanas, ao nvel de infra-estruturao,ao carcter da rua, da praa, qualidadedas vistas. Pesam aqui de forma marcadafactores como as acessibilidades e a con-

    textualizao dos usos do solo.

    6. A DIMENSO DO PRDIO a anlisedeste factor indissocivel do uso, uma

    vez que as escalas so diferentes conformese trate de um prdio de uso silvestre,agrcola ou urbano. Em princpio, o valorunitrio (preo/m2) inversamente pro-porcional superfcie do prdio, por isso,a autorizao da diviso de um prdio pode,s por si, ser geradora de mais-valias.

    7. O FRACCIONAMENTO DA PROPRIE-DADE, rstica ou urbana geralmente tra-duz-se num aumento do preo, na medidaem que a soma do valor das partes tendea ser francamente superior ao valor do

    todo indiviso. 8. O USO AUTORIZADO na medida em

    que depende de uma deciso politica e

    Desterritorializao e Novas Territorialidades

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    administrativa que no est na esfera dasprerrogativas da propriedade privada. Osdireitos de desenvolvimento e de constru-

    o constitudos tm um peso determi-nante na formao do preo do solo.

    9. A ALTERAO DO USO DO SOLOde rstico para urbano, em princpio, gerauma mais-valia simples, a qual decorreexclusivamente do acto administrativo quea licencia. Ocorrem tambm mais-valiassimples aquando de um aumento da rea

    de construo ou do nmero de fogos paraa mesma parcela de terreno. Sempre queocorra uma alterao do valor do solo emresultado da alterao do uso do solo oudos parmetros urbansticos por decisoadministrativa, a alterao correspondentedo preo deve ser considerada uma mais--valia ou uma menos-valia.

    10. MAISVALIAS INDIRECTAS o inves-timento em infra-estruturas, equipamen-tos e servios pblicos ou outros empre-endimentos que qualificam localmente osistema territorial repercutem-se numa

    valorizao do produto imobilirio ao nveldo mercado. A dinmicas dos stios no seuconjunto e a ocorrncia de empreendi-mentos estratgicos tm efeitos sobre omercado imobilirio local considerado noseu todo. Note-se que a ocorrncia ou ins-talao de vizinhanas negativas (indstriaspoluentes, aterros sanitrios, bairros de-gradados) podem causar desvalorizaes.

    11. A PROCURA tende a ser cada vez maissegmentada e alargada com a mundializa-

    o da economia, mas, por isso, h queidentificar o perfil de cada uma das pro-curas. A primeira ateno deveria ser dadaao que distingue a procura til de espaos,

    para lhes atribuir uma funo social, daprocura especulativa, que investe passiva-mente em bens de raiz, sonegando ao solo

    a sua funo social. O sistema de planea-mento no assume de forma clara a seg-mentao do mercado de solos, limita-sea estabelecer classificaes margem daslgicas do mercado, sem critrios respei-tveis e, geralmente, condicionadas pelofacto consumado dos usos existentes, oque gera a desconfiana entre os agentesdo mercado que, assim, no se conformam

    com os contedos dos planos.

    12. OS IMPOSTOS SOBRE O IMOBILI-RIO tradicionalmente tomavam comobase de incidncia a capitalizao do ren-dimento real ou presumido do prdio,assim era com a contribuio predial. Acon-teceu que, na reforma fiscal de 1989, coma criao do imposto sobre os rendimen-

    tos (IR) e da forma como se configurou oimposto sobre a propriedade imobiliria,designado por Contribuio Autrquica,se criou um novo imposto sobre os im-

    veis que incide sobre a propriedade emsi, independentemente do rendimento.Esta alterao estrutural, com repercus-ses profundas no estatuto da propriedadeprivada, passa despercebida mesmo nosmeios polticos e acadmicos, no obstanteabrir caminho a uma tendencial feudali-zao do regime da propriedade imobili-ria, j que, bem vistas as coisas, a filoso-fia do actual Imposto Municipal sobreImveis (IMI) configura valores de colectaque se assemelham aos de uma renda, oque confere ao Estado, entidade respon-

    svel pela criao do imposto, um estatutoalgo semelhante ao do landlord dos re-gimes feudais, que reserva para si o direitodominial, ficando o servo da gleba, ao

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    A APROPRIAO DO TERRITRIO

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    caso o proprietrio, com a obrigao detrabalhar a terra para pagar um impostoque uma autntica renda. Tudo isto pe-

    rante a indiferena relativamente ao factodos proprietrios que auferem rendimen-tos concretos dos seus prdios estaremsujeitos a uma dupla tributao, a do IRe a do IMI.

    13. O INVESTIMENTO PRIVADO EMEDIFICAES E OUTRAS BENFEI-TORIAS corresponde a aplicaes em

    meios de produo necessrios ao funcio-namento das actividades econmicas e,em parte, materializa-se em patrimnioarquitectnico e paisagstico. Na generali-dade das actividades econmicas, os capi-tais fixos das empresas no so objecto dequalquer carga fiscal, da a desigualdadepraticada pelo IMI ao penalizar o investi-mento dos particulares na valorizao pa-

    trimonial dos seus prdios. A contradio gritante quando o Estado e os munic-pios promovem polticas de subsdios paraa salvaguarda e valorizao do patrimnioarquitectnico e paisagstico, lanam pro-gramas de financiamento para a recupera-o de edifcios de particulares em zonashistricas e enfrentam o problema do aban-dono dos espaos silvestres e agrcolas comlinhas de crdito bonificado para, em sedede poltica fiscal, penalizar de forma graveo investimento privado na construo imo-biliria. Note-se que o investimento emobras de restauro e recuperao de im-

    veis conduz a um agravamento do IMI.Perante este nonsense, pertinente que secontinue a estudar e difundir o princpio

    da tributao do patrimnio imobiliriocom base no nvel de servios e de infra--estruturas pblicos que servem a zona,tomando como base de incidncia para o

    imposto o valor de base territorial, o qual neutro relativamente ao investimento doproprietrio. Assim, seria menos grave a

    prtica discriminatria que atinge os pro-prietrios de prdios de rendimentos su-

    jeitos a uma dupla tributao.

    O solo tem um preo composto por diversosfactores, uma parte dos quais possvel regu-lar atravs dos planos territoriais e demais ins-trumentos de poltica de solos. Outros facto-res, como o caso dos custos da construo,

    so determinados pelas regras da concorrnciado mercado.

    As disputas sobre as economias do territriocontinuam com novas equaes de interessese de poderes mais subtis e complexos. O di-reito ao territrio continua a ser uma questo

    social chave, a impor-se nas agendas polticas.O custo de vida associado casa e aos serviosurbanos bsicos e o preo do solo e o controloda sua disponibilizao para as actividades so-ciais no param de se agravar. Perante estasmutaes estruturais no territrio, a aplicaodo poder do Estado desloca-se do controlo dasfronteiras clssicas para o controlo do urba-nismo e do ordenamento do territrio em geral,entrando em rota de coliso com as compe-tncias municipais.

    As instncias polticas so cada vez mais res-ponsabilizadas pelas condies de vida das po-pulaes, o que implica uma preocupao cres-cente do poder local e central com o emprego,a integrao social e as polticas distributivas

    de rendimentos, como condio de sustenta-o do prprio sistema econmico, que de-pende, cada vez mais, de mercados alargadose da capacidade de consumo.

    Desterritorializao e Novas Territorialidades

    Captulo I BASE CONCEPTUAL 31

  • 7/24/2019 A Apropriao Do Territrio - PARDAL, Sidnio

    32/167

    As polticas territoriais enfrentam dilemas econtradies. Por um lado, pretende-se satis-fazer as necessidades bsicas das populaes,

    consideradas num mbito cada vez mais alar-gado de servio pblico. Acontece, porm, queos servios pblicos tm sido objecto de pro-cessos de gesto muito pouco ortodoxos, ondese instala uma grande promiscuidade entre aesfera pblica e privada.

    A privatizao de servios pblicos iniciou-secom base numa ideologia de cariz liberal e,

    hoje, expande-se a coberto de uma inrcia decrescente desresponsabilizao e esvaziamentoda Administrao Pblica, custa de uma perdade poder do Estado e das autarquias em ma-trias sensveis da gesto do interesse pblico,deixando os cidados desprotegidos face a es-truturas empresariais com poderes quase mo-nopolistas. Estes poderes tendem a penetrare ocupar a prpria Administrao Pblica, sub-

    vertendo as regras do Estado de Direito e daprpria gesto democrtica da Repblica.

    O conforto da civilizao alicera-se no amplorelacionamento comunicativo e no sistema detrocas e de consumo de mercados abertos. Aseconomias locais so, pela sua natureza, limita-das e, na nova sociedade mundializada, no

    podem sobreviver como sistemas fechados decariz ruralista, porque as prprias populaesos abandonam, deslocando-se para as zonas

    desenvolvidas.

    A desterritorializao dos grandes domniosdemarcados por fronteiras d lugar a uma novaterritorialidade feita com base em redes, sendoatravs destas que se estabelecem novas for-mas de apropriao e de controlo das popula-es e da economia. Da que, nas sociedadesps-modernas, a conquista e o exerccio dos

    poderes econmico, poltico e ideolgico seconfrontem com os desafios das novas territo-rialidades, associadas aos suportes de infra-es-truturas e servios e prpria componentedominial do espao territorial.

    A segurana e as fragilidades do sistema equa-cionam-se tambm, cada vez mais, nas depen-dncias das redes locais que asseguram o normal

    funcionamento da vida quotidiana das pessoase empresas. Da que os inimigos da sociedadeno ataquem os aparelhos milita