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A APRENDIZAGEM PROFISSIONAL DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO

INFANTIL E AS ESCOLAS DA INFÂNCIA

Marineide de Oliveira GomesUniversidade Federal de São Paulo

“Sapo não pula por boniteza, mas por precisão.”(João G. Rosa)

Resumo

Formar professores para a docência em educação infantil supõe considerar variados aspectos conhecidos na área e interligados: as conquistas legais de direitos das crianças pequenas no âmbito da educação básica no Brasil, as identidades plurais desses profissionais construídas em ambientes e percursos diferenciados, os atores envolvidos nesse processo (crianças, educadores e famílias) e a formação para a docência em cursos de nível superior, como professores polivalentes. Buscaremos tratar desses temas na intenção de provocar reflexões acerca da necessidade de uma especificidade da docência para as escolas da infância (creche, pré-escola e séries iniciais do ensino fundamental) de forma articulada, sem rupturas, garantido suas especificidades, passando pela aprendizagem da docência e pelos processos socializadores - no âmbito da educação de adultos - em uma profissão que carrega ainda muitas ambigüidades e singularidades. Lançaremos assim um olhar especial para a aprendizagem da docência para as escolas da infância (0-3 anos – em creches; 4 e 5 anos – na pré-scola e 6 a 10 anos – nas séries iniciais do ensino fundamental) em uma perspectiva de educação integral, problematizando questões inerentes à formação profissional docente aliada ao debate acerca da efetiva qualidade educacional para crianças pequenas em ambientes educacionais. Advogamos uma concepção de formação não prescritiva que estimule a emergência de comunidades de aprendizagem, por meio da reflexão sobre um saber fazer que permanentemente se recria - o que pode servir para tensionar, dessa maneira, o debate sobre as funções da educação infantil e do ensino fundamental e as formas de gestão institucional (que envolve o diálogo com diferentes setores e áreas sociais). Reconhecemos, por fim, a existência de uma teoria da pessoalidade em uma profissionalidade específica para a docência com a infância, tecida na significação social da profissão.

Palavras-chave:Docência na Educação infantil. Profissionalidade docente. Escolas da infância

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Introdução

A formação de professores para a educação infantil e as exigências para o

exercício da profissão nos últimos anos no Brasil, estão ligadas diretamente às já

conhecidas conquistas das crianças pequenas nas últimas décadas, à forma como a

sociedade vê, escuta, acolhe e responde às crianças, garantindo seus direitos e ao

contexto dessa etapa educacional no âmbito da educação básica. No caso do ensino

fundamental (séries iniciais) o ingresso na profissão docente já trazia como exigência a

formação em Magistério, em um cenário de mudanças, de uma concepção de criança de

sujeito de necessidades à cidadão (de direitos) – pelo menos no plano legal - tendo em

vista a promoção, a proteção e a participação destas crianças em um mundo que é

continuamente reconstruído e ressignificado por elas. Por escolas da infância

entendemos a educação infantil (em creches e pré-escolas) e as cinco primeiras séries

iniciais do ensino fundamental, garantidas suas especificidades e a transição de uma a

outra e a não dicotomia, hierarquização ou segmentação de saberes e práticas, tendo

como pressupostos a dimensão lúdica, os processos de criação cultural, de

desenvolvimento e de aprendizagens.

Ao lado (e por conseqüência) das mudanças de concepções sobre criança e

infância, assistimos muito tardiamente, no Brasil, a ampliação das oportunidades

educacionais na educação infantil e, segundo dados do Plano Nacional da Primeira

Infância atingimos apenas 18% a cobertura educacional em creches (0 a 3 anos), com

pouco atendimento de bebês de até 1 ano e meio e temos por volta de 80,1% de

crianças na pré-escola (4 a 5 anos), revelando que nos ambientes de miséria e pobreza, a

proporção de crianças pequenas é maior do que nos ambientes socioeconômicos mais

abastados, sendo o atendimento na educação infantil também mais precário. Como

perspectiva, o Plano Nacional de Educação 2011-2020 (PL 8.035/2010) indica como

diretrizes gerais a melhoria da qualidade da educação infantil, a valorização de seus

profissionais e apresenta como primeira meta a universalização, o atendimento da

população de quatro a cinco anos (na pré-escola) e a ampliação, até 2020, em 50% a

oferta para as crianças de creches ( para crianças de zero a três anos) em que pese as

dificuldades de concretização dessa proposição e os riscos desse ‘atendimento’ ocorrer

a qualquer custo, considerando as dificuldades de concretização do pacto federativo

(sobretudo nas políticas sociais) e as ações políticas locais que ainda se apresentam,no

Brasil, via de regra, clientelistas e patrimonialistas.

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Já no ensino fundamental, direito constitucional obrigatório, temos quase que

universalizada a oferta de vagas para grande parcela de crianças de seis a dez anos, mas

coexiste (assim como na educação infantil) com esse ‘avanço’ o desafio da busca por

uma qualidade social da educação a todas as crianças em idade escolar, utilizando um

conceito de qualidade do ensino que, segundo Paro (2011, p.696):

Vê a educação como formação da personalidade humano-histórica do educando, pela apropriação da cultura em seu sentido pleno, que inclui conhecimentos, informações, valores, arte,,tecnologia, crenças, filosofia, direito, costumes, tudo enfim que é produzido historicamente pelo homem e que, numa democracia, o cidadão deve ter o direito de acesso e apropriação.

Entendemos que a existência de uma escola pública dessa natureza para todas as

crianças brasileiras implica ir além da condição de universalização das vagas. Um

elemento importante nesse cenário (não único) e que tem sido objeto de crítica, são as

avaliações externas que pautam, de maneira geral, os currículos e as práticas docentes,

em contraposição a uma concepção de educação como apropriação da cultura e não

apenas como aquisição (temporária) de conhecimentos (PARO, 2011). No dizer

popular: a escola pública esticou, mas não alargou... Sob esta ótica, é Paro (2011, p.

715) ainda quem nos adverte:Assim, os responsáveis pelas políticas públicas, ao darem atenção exagerada a suas avaliações externas, além de atestarem sua ignorância sobre a natureza do produto a ser avaliado e sobre a forma de produzi-lo, gastam somas vultuosas de recursos que deveriam ser endereçados para a melhoria do ensino. Em suma, diante da incompetência em diagnosticar e curar o doente, aumentam o tamanho e sofisticam o modelo do termômetro, na esperança (vã) de diminuir a febre, não de curar o paciente.

A perspectiva de direitos supõe então condições sociais e culturais para sua

efetivação, representando outro desafio a entrada antecipada das crianças aos seis anos

no ensino fundamental e, consequentemente, a integração no campo educacional da

educação infantil com o ensino fundamental, que embora presente no cenário legal

desde a Constituição Federal de 1988, em muitos casos não se transformou em realidade

pelas rupturas e hierarquizações existentes nessa passagem, sendo necessárias ações

efetivas para a existência dessa integração, pois sabemos envolver universos com

culturas próprias (o universo educacional - da educação infantil – e o escolar - do ensino

fundamental) com concepções, ritmos, rituais e exigências diferenciados. No plano

intersetorial as relações das instituições educacionais com os serviços das áreas sociais,

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culturais, de saúde e com especial atenção, a relação da criança com a cidade ou o meio

rural e ainda, as condições reais de vida e sobrevivência de crianças e famílias em

situações vulneráveis e de risco, são exigências de primeira hora na formação das

equipes gestoras e de docentes.

Educação infantil e escolas da infância

Valorizamos a educação infantil em sua dimensão de educação integral (e

integrada), uma visão holística (e sistêmica) pelo trato integral com a totalidade humana

envolve o reconhecimento das singularidades e especificidades da infância pela

compreensão de que o ser humano se forma desde o momento de sua concepção, se

realiza ao longo da vida e que a infância tem um valor em si mesma, considerando as

diversidades étnicas, culturais, de gênero, geográficas e as várias formas de viver a

infância em um país diverso e desigual como o Brasil, são valores que contrariam uma

visão fragmentada de criança, mais objeto que sujeito das Políticas Públicas

Educacionais.

Para além da Pedagogia, as contribuições da Sociologia, da Antropologia e da

Geografia da Infância, entre outras, na atualidade, nos levam a conceber a infância

como categoria socialmente construída e as instituições dirigidas à infância como lugar

de afirmação da cidadania, com atores concretos enraizados em um território de

possibilidades que supere o ofício de aluno, de forma contextualizada sobretudo pelas

condições de criação e recriação de culturas nas relações que as crianças (e as infâncias)

conseguem estabelecer nesses ambientes institucionais.

O conceito de educação básica presente na LDB(EN) 9.394/96 como direito e

nova forma de organização da educação escolar nacional envolveu tanto o pacto

federativo quanto a organização pedagógica das instituições escolares, significando um

recorte universalista característico de uma cidadania ampliada (CURY, 2008). Sabemos

que a concretização do pacto federativo, de fato, passa por uma definição mais ampla

de projeto de educação que o país quer, por meio de uma política de Estado com

diagnósticos da realidade educacional brasileira e uma avaliação crítica do que foi

possível desenvolver, sobretudo no que se refere às metas propostas nos Planos

Nacionais de Educação: o anterior e o atual (PL 8.035/2010) - para além das ações

isoladas dos entes federados. Assim, a complementariedade entre as etapas educacionais

é condição necessária para isso. Nas palavras de Cury (2008, p.295):

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Resulta daí que a educação infantil é a raiz da educação básica, o ensino fundamental é o seu tronco e o ensino médio é o seu acabamento. É dessa visão holística, ‘de base’, ‘básica’, que se pode ter uma visão conseqüente das partes.

É tido como certo também hoje nos meios acadêmicos e políticos (nacionais e

internacionais) que os investimentos alocados na educação infantil, garantem igualdade

de oportunidades educacionais e mais do que um dever ético e político, são estratégicos

para a educação ao longo da vida e para uma convivência democrática e plural

(ESPING-ANDERSEN, 2008), sendo possível reconhecer que as políticas públicas para

a educação infantil em nível nacional avançaram nos últimos 30 anos, mas não de forma

suficiente, considerando as diferentes possibilidades dos municípios na concretização

das orientações e diretrizes do Ministério da Educação.

Para não perpetuar o caráter preparatório da educação infantil, o “novo” ensino

fundamental de nove anos exige dos professores e gestores novos posicionamentos

acerca de quem é a criança pequena que aprende, se desenvolve e se relaciona entre

pares e com adultos, bem como sobre novas maneiras de compreensão do trabalho

educativo e pedagógico. Haddad (2010) nos lembra dos riscos de “puxar para baixo” os

padrões pedagógicos do ensino formal, uma vez que a educação infantil é ainda um

campo frágil e em fase de construção de uma cultura própria. A autora identifica como

desafio nesse campo a superação de uma cultura adulto-centrada e a importância da

aproximação com crianças reais, vistas na perspectiva delas, e não do adulto-educador.

Considerada esta especificidade da educação infantil, a formação de professores

para atuar com esse nível etário como uma atividade de natureza complexa que conta

com menor regulação externa, que tem como especificidade as características,

necessidades e desejos da criança pequena, a relação com as famílias, a amplitude e

diversidade do papel profissional e o reconhecimento das capacidades da criança e sua

participação na cultura (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2001), esta apresenta uma

organização própria do trabalho pedagógico mais voltada aos campos de experiência do

que às áreas do conhecimento, informada mais em processos, meios e instrumentos de

trabalho do professor do que em resultados classificatórios e formas de aferir o produto

das aprendizagens das crianças.

Aprendizagem da docência, formação docente polivalente e uma profissionalidade para a atuação nas escolas da infância

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Em se tratando das identidades profissionais dos docentes na educação infantil,

afirmamos que a integração desses profissionais supõe um olhar formativo no âmbito do

desenvolvimento humano. A aprendizagem profissional da docência para atuar com

crianças pequenas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental

envolve uma reflexão acerca de como o professor de crianças pequenas se torna

professor, como ocorre a formação em nível superior (a academização docente), quais

as possibilidades de desenvolvimento pessoal, profissional e institucional que este

docente se coloca, como as instituições educacionais acolhem e socializam na profissão

os recém formados que tomam contato com um ethos profissional, que pode resultar em

formas institucionais possíveis de pertencimento, de reconhecimento e de valorização

profissional (GOMES, 2009).

Seguidamente nos perguntamos como os Cursos de Pedagogia hoje dão conta de

formar, com boa qualidade, os professores polivalentes para atuar na educação infantil e

nas séries iniciais do ensino fundamental, (entre outras amplas possibilidades de atuação

profissional) conforme indicam as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de

Pedagogia (Resolução n. 1 CNE/CP de 2006)?

A conquista legal da exigência de ensino superior para a docência nas escolas

da infância e a valorização da carreira do magistério da educação básica – para além das

comemorações em torno dos índices de academização da formação dos professores -

(uma suposta boniteza?), nos inclina a olhar a formação para a docência nos cursos de

Graduação. Além da formação em nível superior, salários e planos e carreira pouco

atraentes influenciam as escolhas profissionais dos jovens no que se refere à

representação e valorização social da profissão de professor, conforme já demonstraram

os estudos de Gatti & Barreto (2009), sendo a atratividade da profissão um aspecto

importante: os Cursos de Pedagogia, de maneira geral, atraem hoje muitos estudantes

que não ‘escolheram` a docência como profissão, e diferentemente de outrora, em que o

curso de Pedagogia servia como uma ‘especialização’ para o curso de Magistério, os

estudantes que procuram o curso de Pedagogia, atualmente, em sua maioria, não

apresentam experiência docente.

As identidades plurais de professores/educadores de educação infantil –

construídas em tempos e lugares diferenciados (a história da creche relacionada ao

campo da Assistência Social, notadamente com profissionais leigos, a história do

mundo do trabalho e da mulher trabalhadora e a história da pré-escola mais ligada à

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história do campo educacional, como ante-sala da escola obrigatória e formal) merecem

ser consideradas nessa análise, sobretudo por ser o conceito de identidade profissional

um conceito dinâmico e relacional (DUBAR, 1997).

Se levarmos em conta o histórico da formação do professor polivalente no Brasil

com os antigos Cursos Normais, durante mais de um século as Escolas Normais

formaram o professor primário e da pré-escola (secundariamente). Com as alterações

presentes na LDB 4.024/61 e posteriormente a Lei Federal 5.692/71 com a Habilitação

Específica para o Magistério (HEM) tais cursos já traziam lacunas na formação,

aparentemente reproduzidas na tradição universitária: organização em campos

disciplinares e criação de feudos, dificultando mudanças estruturais nesses cursos

(KISHIMOTO, 2005).

Outros fatores podem se agregar a isso, segundo Gatti & Barreto (2009) tais

como a ausência de um perfil profissional explícito de formação para a docência nos

cursos de Pedagogia; estágios profissionais, via de regra, fragilizados sem relação com

escolas de educação básica que poderiam dar suporte e apoio para a formação

profissional; a existência de uma lacuna na formação de professores no campo da

educação infantil nesses cursos, suspeitando-se que essa formação não contempla as

especificidades da educação de crianças pequenas em creches e pré-escolas. Sobre o

perfil desses professores, as autoras salientam que a origem dos professores polivalentes

hoje e o lugar que eles atuam nas escolas merece destaque: a maioria dos professores

que atua nas escolas públicas brasileiras, sobretudo em escolas localizadas em regiões

periféricas são formados em faculdades isoladas e oriundos dos estratos mais

empobrecidos da população, que transitam entre duas ou mais escolas públicas para

garantir uma condição mínima salarial, evidenciando a condição de proletarização

docente, o que, juntamente com outros fatores, pode nos induzir a pensar que há uma

escola pobre para os pobres que, segundo Algebaile (2009, p.325):

As estranhas fusões entre os objetivos da política social e as ações escolares possibilitam acompanhar a produção reiterada de uma escola pobre material e pedagogicamente – porque marcada pelo tempo curto, pela falta de recursos, pelo esgotamento dos professores – e pobre em termos do estreitamento dos direitos e dos canais para seu debate e disputa. É nesse sentido que essa forma de expansão remete ao conceito de revolução passiva: às ampliações da escola corresponderam perdas em termos do direito à educação e reduções da esfera pública que excedem em muito a esfera educativa escolar.

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Nesse sentido, Kramer (2005) reforça a idéia de que uma formação política,

social e cultural para os professores é condição de cidadania – não à parte da formação

a que toda população deveria ter direito.

Repensar a organização curricular dos cursos de Pedagogia que hoje são os

únicos a formar em nível de graduação os professores para as escolas da infância,

favorecendo aos estudantes o acesso a quadros teóricos importantes, articulados aos

significados de práticas pedagógicas, recriando-as em contextos pedagógicos

enriquecidos, pode representar o exercício de aprendizagens profissionais

emancipatórias, como processo coletivo dirigido à transformação das condições

institucionais e sociais do ensino (CONTRERAS, 2002) quando se têm a crença nos

professores (e nas crianças) como sujeitos de direitos, promovendo comunidades de

aprendizagem, como um esforço endógeno, cooperativo e solidário.

Contrapomos às formas atuais de organização dos Cursos de Pedagogia com

uma possibilidade que leve em conta a homologia dos processos de formação e a

autonomia docente, tendo como fonte central as finalidades do trabalho com as crianças

pequenas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, que no dizer

de Oliveira-Formosinho (2005, p. 23):

O ensino-aprendizagem profissional que aceita situações que envolvem dúvidas, problemas, conflito, confusão, surpresa, requer tempo, requer também estilos de interacção social entre formandos e supervisores que permitam debate, discussão, diálogo. Requer que se criem contextos favoráveis de interacção social para a participação guiada e a mediação.

Dessa forma, buscar o sentido dos princípios expressos nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução n.5/2009.CNE/CEB) e das

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (Resolução n.

1/2006.CNE/CEB) pode nos ajudar a olhar para os Cursos de Pedagogia em uma

perspectiva crítica e com um sentido guiado aos profissionais a serem formados.

As ponderações acerca da forma de organização pedagógica dos cursos de

Pedagogia que não se constroem em um terreno de neutralidades acerca das concepções

sobre criança e infância – mais a constatação da base das identidades profissionais de

professores de crianças pequenas, que são as relações de gênero – nos incitam a pensar

sobre uma profissão que traz como pilar de sustentação o paradoxo entre o público e o

privado, entre a feminização e a profissionalização (MICARELLO, 2011).

Entendemos que valorizar os percursos formativos desses professores, seus

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saberes e valores, suas narrativas de histórias de vida e de trabalho, as possibilidades de

exercício reflexivo sobre as práticas profissionais, são fatores importantes quando se

considera que há uma teoria da pessoalidade tecida no âmbito da significação social da

profissão docente. O professor é o que é como pessoa e favorecer o olhar sobre seus

percursos formativos e as diferentes concepções de infância e profissão docente que os

professores trazem, reveste-se de fundamental importância na formação desses

profissionais.

Nesse sentido, a construção de uma profissionalidade docente para a atuação

nas escolas da infância se faz necessária no sentido de entendê-la como Contreras

(2002, p.74): “profissionalidade entendida como não só descrever o desempenho do

trabalho de ensinar, mas também de expressar valores e pretensões que se deseja

alcançar e desenvolver na profissão.”.

A especificidade da formação para a docência em creches (0-3 anos) envolve o

trabalho com formas de representação do mundo e a ampliação das múltiplas linguagens

da criança bem pequena, com formas de organização pedagógica para a inserção destas

em um ambiente coletivo (considerando a relação com as famílias), privilegiando a

dimensão lúdica, a riqueza de experiências, das práticas cotidianas, nas dimensões

expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural

compreendendo- as em sua diversidade e indivisibilidade no contexto de um ambiente

acolhedor e desafiante de educação-cuidados como primeiros saberes de experiências

vivenciadas com o corpo, brincadeiras e de relações entre adultos e crianças

(BARBOSA, 2010). Observa-se, também que os estudos e reflexões sobre esta faixa

etária estão pouco presentes nos Cursos de Pedagogia, considerando a insuficiente

produção teórica sobre esse tema e o quase desconhecimento dos professores

formadores sobre o trabalho com crianças muito pequenas.

Na pré-escola a concretização de sua função pedagógica explicitada nas rotinas

e procedimentos cotidianos oportunizam conhecimento e reconhecimento do mundo e

das próprias crianças, introduzindo-as em práticas de criação, de linguagem e de

comunicação – cada vez mais elaboradas - por meio de diferentes formas de expressão,

de modo a superar práticas pedagógicas preparatórias ao ensino fundamental e de

invisibilidade das crianças reais (que, desavisadamente, aspiram ser somente crianças e

viver os tempos da infância).

Já o ensino fundamental em seu primeiro ciclo – requer a revisão de uma forma

escolar, cristalizada em modos de ensinar (e de aprender) ‘tamanho único’ com a

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possibilidade de abertura às múltiplas relações com o saber pelas crianças, o que

envolve considerar, entre outros aspectos, o sentido do trabalho escolar (para

professores e crianças) e os processos de singularização na apropriação dos conteúdos

escolares (CHARLOT, 2002).

A transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental solicita

um diálogo institucional e pedagógico entre os profissionais de creches, pré-escolas e

escolas de ensino fundamental, e ainda destes com os profissionais das demais áreas

sociais, na produção de políticas locais para a infância, oportunizando a visibilidade e o

protagonismo da criança e suas necessidades, considerando o direito a aprender (e

ensinar), a brincar e a produzir cultura.

No âmbito da educação básica no Brasil a condição do número de crianças por

turma e a formação do professor para o trabalho com as múltiplas diversidades são

ainda situações que merecem ser tratadas como política pública – na atribuição de novos

sentidos à qualidade que se deseja construir nesse nível educacional.

Considerações Finais

E para finalizar, como impasse nesse campo identificamos as ações políticas que

envolvem as diferentes esferas de governo – no âmbito do pacto federativo – ainda

como dificultadoras da concretização dos direitos educacionais assegurados às crianças

e aos professores que atuam na docência de crianças de zero a dez anos, em especial,

pela nossa frágil condição de direitos. Entendemos ser urgente a ampliação de uma

visão política que vá além das ‘necessidades locais’ (dos imediatismos que impedem

uma visão de totalidade política), traduzidas por meio de formas tradicionais de

exercício político partidário que se refletem cotidianamente nos ambientes institucionais

na educação infantil e no ensino fundamental e que colaboram para o transbordamento

da função social da escola (NÓVOA, 2011).

Como perspectivas, buscamos assinalar ao longo deste texto concepções de

formação de professores que têm suas bases em uma homologia de processos – no

ensino superior e nas escolas da infância -, sedimentadas em uma compreensão de

educação básica, integral, holística, sistêmica e de efetiva garantia de direitos. Assim,

valorizamos uma formação que explicite e privilegie o protagonismo dos sujeitos

(educadores e crianças), as experiências e os contextos, estimulando a emergência de

coletivos de educadores (e de crianças). Favorecer a análise das teorias que dão suporte

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às práticas e às concepções dos envolvidos nos processos formativos (professores em

formação e em exercício, gestores, crianças e famílias) implica em subverter uma lógica

de formação prescritiva e aplicacionista. Tal condição pode, eventualmente, criar

espaços de Necessidades Formativas (ou seja, de `precisão`).

Os processos socializadores na profissão docente para as escolas da infância

envolvem uma reinvenção das formas recorrentes de organização do trabalho

pedagógico, tanto na formação em nível superior como na formação contínua e

requisita, para isso mediações pedagógicas, articuladas em torno de uma cultura de

colaboração, de transformação criativa e coletiva , em resposta às medidas de controle,

vigilância e de certa `boniteza` (aparência) dos índices educacionais.

Nesse sentido, consideramos urgente uma revisão das finalidades do Curso de

Pedagogia em sua organização interna mas também externa no diálogo com as escolas

de educação básica para que a aprendizagem profissional – por exemplo - nos estágios

curriculares, resulte em efetiva compreensão pelos estudantes em formação do campo

das escolas da infância, em sua diversidade e complexidade.

Entendemos que a implicação profissional e o compromisso com instituições

educacionais de boa qualidade que possam acolher, de formas diversas, as crianças

brasileiras, passa antes, por uma formação de professores voltada aos aspectos da

participação e da autonomia como emancipação. A especificidade da formação nos

Cursos de Pedagogia para a atuação nas escolas da infância requer, assim, uma clara

intencionalidade pedagógica para o trabalho docente polivalente com crianças de zero a

dez anos de idade, guardadas as especificidades próprias para a atuação em creche, pré-

escola e séries iniciais do ensino fundamental.

A exemplo dos sapos, pular não por boniteza, mas por precisão (conforme

Guimarães Rosa já nos lembrava) parece-nos uma (provoca)ação necessária nos dias de

hoje para nós, formadores de professores para as escolas da infância, impulsionando

dessa forma a emergência de novas respostas para problemas já tão conhecidos.

Referências Bibliográficas

ALGEBAILE, E. Escola pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

BARBOSA, M. C. S. As especificidades das ações pedagógicas com os bebês. Relatório de Pesquisa: A Produção Acadêmica sobre Orientações Curriculares e Práticas Pedagógicas na Educação Infantil Brasileira. Projeto de Cooperação Técnica MEC / Universidade Federal do Rio Grande do Sul para Construção de Orientações

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