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A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NA EXECUÇÃO TRABALHISTA Rodrigo Barreto Sassen SUMÁRIO Introdução; 1 As Recentes Reformas no Código de Processo Civil; 2 A Aplicação das Regras do Direito Processual Civil no Processo do Trabalho; 2.1 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho, Conforme Disposto na Consolidação das Leis do Trabalho (A Interpretação do Artigo 769 da CLT); 2.2 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho pela Heterointegração do Direito; 3 A Ponderação entre Segurança Jurídica e Efetividade Jurídica; 3.1 A Defesa da Prevalência da Segurança Jurídica; 3.2 A Defesa da Efetividade do Processo; Conclusão; Referência das fontes citadas. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como finalidade averiguar se a incidência do Código de Processo Civil nas ações trabalhistas deve ser limitada, de acordo com o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, ou utilizada de forma ampla, em prol de alegado acréscimo de efetividade nas decisões trabalhistas. Para se chegar ao objetivo principal, primeiro será necessário abordar a edição das recentes legislações que causaram verdadeira revolução na fase de execução do Código de Processo Civil. Também urge expor os preceitos contidos nos artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, os quais permitem a utilização do Código de Processo Civil nas ações trabalhistas. Com base nestes preceitos legais, a doutrina construiu entendimentos que convergem acerca do uso do código processual civilista nas demandas trabalhistas, além de interpretarem tais dispositivos de maneira diversa, sob os dispositivos contidos na própria Constituição Federal.

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A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

NA EXECUÇÃO TRABALHISTA

Rodrigo Barreto Sassen

SUMÁRIO

Introdução; 1 As Recentes Reformas no Código de Processo Civil; 2 A Aplicação das Regras do Direito Processual Civil no Processo do Trabalho; 2.1 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho, Conforme Disposto na Consolidação das Leis do Trabalho (A Interpretação do Artigo 769 da CLT); 2.2 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho pela Heterointegração do Direito; 3 A Ponderação entre Segurança Jurídica e Efetividade Jurídica; 3.1 A Defesa da Prevalência da Segurança Jurídica; 3.2 A Defesa da Efetividade do Processo; Conclusão; Referência das fontes citadas.

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como finalidade averiguar se a

incidência do Código de Processo Civil nas ações trabalhistas deve ser limitada,

de acordo com o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, ou utilizada de

forma ampla, em prol de alegado acréscimo de efetividade nas decisões

trabalhistas.

Para se chegar ao objetivo principal, primeiro será

necessário abordar a edição das recentes legislações que causaram verdadeira

revolução na fase de execução do Código de Processo Civil.

Também urge expor os preceitos contidos nos artigos 769 e

889 da Consolidação das Leis do Trabalho, os quais permitem a utilização do

Código de Processo Civil nas ações trabalhistas.

Com base nestes preceitos legais, a doutrina construiu

entendimentos que convergem acerca do uso do código processual civilista nas

demandas trabalhistas, além de interpretarem tais dispositivos de maneira diversa,

sob os dispositivos contidos na própria Constituição Federal.

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Ao final, serão indicadas as correntes doutrinárias e suas

teorias, as quais são completamente antagônicas quanto a aplicabilidade do Código

de Processo Civil na execução do processo do trabalho.

1 AS RECENTES REFORMAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Juntamente com as últimas alterações ocorridas no Código

de Processo Civil, desaguou uma avalanche de controvérsias quanto a

aplicabilidade destas reformas no âmbito do processo do trabalho, mais

especificamente, na execução trabalhista.

Ocorre que, era inegável que o processo de execução

civilista estava defasado e necessitava de reformas, eis que beneficiava por

demais o devedor, em detrimento do credor, o qual não raras as oportunidades,

era possuir de legítimo título executivo judicial “sem fundos”.

O motivo de grande parte da inadimplência no processo civil

se dava pela demora, burocracia e pela complexidade da sua execução, a qual

propiciava ao devedor a imposição de inúmeros recursos até que fosse

efetivamente compelido ao pagamento da dívida, sendo que neste meio tempo,

os créditos do devedor sumiam “num toque de mágica”.

Assim, desde a edição da Lei nº 8.952/1994, a qual

introduziu ao ordenamento jurídico pátrio o instituto da antecipação dos efeitos da

tutela, o Código de Processo Civil vem sendo alterado e se aprimorado para que

haja um efetivamente e completa prestação jurisdicional.

No entanto, nos últimos anos, as modificações no código

processual civilista passaram a ser mais robustas e radicais, causando verdadeira

revolução na fase de execução civilista (agora denominada apenas como fase de

cumprimento de sentença).

Destaque-se que foram editadas as Leis nº 11.187, 11.232,

11.276, 11.277 e 11.280 que causaram verdadeiro alvoroço quanto a sua

aplicabilidade no processo do trabalho.

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Quanto as novas legislações no direito processual civilista,

Luciano Athayde Chaves1 menciona que:

(...) A primeira Lei n. 11.187/2005 (DOU 20.10.2005), conferiu

nova disciplina ao regime legal dos agravos retido e de

instrumento no âmbito do Processo Civil. A segunda, a Lei n.

11.232/2005 (DOU 23.12.2005), impôs alterações mais amplas,

especialmente na fase de liquidação e de execução dos julgados.

A terceira, Lei n. 11.276/2006 (DOU 8.2.2006), dentre outros

aspectos, implementou um mecanismo de impedimento recursal e

a quarta, Lei nº 11.277/2006 (DOU 8.2.2006), conferiu ao

processo um meio de antecipar a fase sentencial nos casos de

pretensões já reiteradamente rechaçadas pelo Juízo. Já a quinta,

Lei n. 11.280/2006 (DOU 17.2.2006), introduziu diversas

inovações, como a autorização para a prática de atos por meio

eletrônico e o comando para o pronunciamento da prescrição ex

officio.(...)

Ainda, a este conjunto de reformas legais, mais duas normas

foram introduzidas, porém de menor relevância ao tema ora proposto.

Novamente, destaque-se o resumo do seu teor por Luciano Athayde Chaves2:

(...) A Lei nº 11.341/2006 (DOU 8.8.2006) altera o parágrafo único

do art. 541 do Código de Processo Civil e trata da admissibilidade

das decisões disponíveis em mídia eletrônica e na Internet entre

as suscetíveis de prova de divergência jurisprudencial.

A Lei nº 11.382/2006 (DOU 7.12.2006), por seu turno, promoveu

importantes mudanças no Livro II do Código, tendo por objetivo a

modernização do processo de execução fundada em título

extrajudicial, especialmente no que se refere ao regime de

penhora e de expropriação judiciais. (...)

Todavia, a aplicação destas legislações nos processos

trabalhistas, principalmente na sua fase executória, é tema bastante controvertido,

conforme se demonstra ao longo deste artigo.

1 CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 3 ed. São Paulo: Ltr, 2007. p. 22.

2 Ob. cit., p. 23.

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2 A APLICAÇÃO DAS REGRAS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

NO PROCESSO DO TRABALHO

A utilização do Código de Processo Civil, no âmbito do

processo laboral, está devidamente regulamentada na própria Consolidação das

Leis do Trabalho.

Todavia, ao contrário do que pode parecer, a leitura dos

dispositivos celetistas causa interpretações completamente contraditórias entre si,

consoante se passa a expor:

2.1 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho,

Conforme Disposto na Consolidação das Leis do Trabalho (A Interpretação

do Artigo 769 da CLT)

Há estudiosos que defendem a aplicação do Código

Processual Civilista no Processo do Trabalho, a partir do que prevê o artigo 769

da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será

fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo

em que for incompatível com as normas deste Título.

Tal corrente entende que o referido preceito legal é cristalino

ao determinar que, somente nos casos em que é omissa a Consolidação das Leis

do Trabalho quanto a determinada matéria processual, seriam aplicadas as

normas previstas no direito processual comum, isto é, o Código de Processo Civil.

Neste sentido, Manoel Antônio Teixeira Filho3, ao comentar

acerca da incidência da Lei nº 11.232/2005, no processo do trabalho afirma que:

Ainda que venha a entender que as normas da sobredita Lei são

compatíveis (teleológica e ideologicamente) com o processo do

trabalho, hipótese que se admite apenas por apego à

argumentação – isto não será bastante para processar-se a

3 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. As Novas Leis Alterantes do Processo Civil e Sua Repercussão no Processo do Trabalho. Revista da Ltr, São Paulo, v. 70, n. 03, mar. 2006, p. 275.

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pretendida transubstanciação deste processo sob pena de grave

violação de pressuposto fundamental da omissão, constante do

art. 769 da CLT. Não é inútil observar, a propósito, que sob o

aspecto axiológico o requisito da omissão tem preeminência sobre

o da compatibilidade, não sendo produto do acaso, por isso, a

particularidade de aquela anteceder a este, no mencionado texto

legal.

Deve ser destacado que, no que tange à fase de execução

no Processo do Trabalho, o artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho

assim determina:

Art. 889 CLT. Aos trâmites e incidentes do processo da execução

são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente

Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais

para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública

Federal.

O indigitado preceito legal é claro ao determinar que, em

caso de omissão na Consolidação das Leis do Trabalho no decorrer da execução,

será utilizada, de forma subsidiária, a Lei de Execução Fiscal (Lei n° 6.830/1980).

Corroborando tal afirmação, está a decisão do Tribunal

Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul4:

EMENTA: Não há falar em aplicação do art. 652, §3º, do CPC,

com a redação dada pela Lei n.º 11.382/06, para fins de incidência

da multa do art. 601 do CPC, porquanto inexistente omissão no

aspecto. A CLT, nos arts. 876 a 892, e a Lei n.º 6.830/80 possuem

regras que disciplinam a matéria. Recurso não provido.

Cumpre destacar, por oportuno, parte da fundamentação do

referido acórdão:

Equivoca-se o exeqüente ao pretender a aplicação subsidiária das

regras do CPC, nos termos do art. 769 da CLT, na presente fase

4 PORTO ALEGRE. Tribunal Regional do Trabalho. acórdão nº 00220-1997-281-04-00-4 - publicado em 03/07/2008 - 1ª Turma – Relatora-Desembargadora: Eurídice Josefina Bazo Tôrres)

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processual. Tratando-se a hipótese de processo em execução, o

art. 889 da CLT estabelece que a norma que regula a execução

fiscal será aplicada aos trâmites e incidentes da execução, desde

que compatíveis com o disposto na própria CLT sobre a matéria.

Apenas no caso de remanescer lacuna é que são aplicáveis os

dispositivos do CPC. Dessa sorte, considerando que a CLT, nos

arts. 876 a 892, e a Lei n.º 6.830/80 possuem regras que

disciplinam a matéria, não há falar em aplicação do art. 652, §3º,

do CPC (...)

Desta forma, conforme consta na decisão supratranscrita,

por expressa previsão contida no artigo 889 da Consolidação das Leis do

Trabalho, havendo omissão nesta legislação no decorrer da fase de execução do

processo trabalhista, a norma supletiva a ser utilizada é a lei dos executivos

fiscais e não o código processual civilista.

Outrossim, destaque-se, ainda, que as previsões legais de

utilização do Código de Processo Civil na execução laboral, se encontram

expressamente previstas na lei trabalhista.

Nesta linha de entendimento, está a decisão proferida pelo

Tribunal Regional do Trabalho do Paraná5. Confira parte da sua fundamentação:

(...) A CLT dispõe da execução a partir do art. 876 e, em havendo

omissão, deve ser aplicada a regra do transcrito art. 889 celetário.

Diante de hipóteses em que há necessidade de recorrer-se ao

processo civil em matéria de execução, a própria CLT

expressamente dispõe sobre o assunto, como, por exemplo, no

art. 882. (...)

Sinale-se que o artigo 882 da CLT (alterado pela Lei nº

8.432/1992) determina que:

Art. 882. O executado que não pagar a importância reclamada

poderá garantir a execução mediante depósito da mesma,

atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando

5 CURITIBA. Tribunal Regional do Trabalho. acórdão nº 02275-2006-095-09-00-0 - 4ª Turma - Relator-Juiz: Luiz Celso Napp

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bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no

art. 655 do Código Processual Civil.

Assim, a própria Consolidação das Leis do Trabalho limita a

utilização preferencial do Código de Processo Civil, conforme consta no artigo 882

do diploma celetista que determina a utilização do artigo 655 do Código de

Processo Civil quando da ordem preferencial dos bens nomeados à penhora.

Este argumento, embora singelo, já indica que não é possível

a imediata aplicação do Código de Processo Civil na fase de execução trabalhista.

Ora, caso fosse intenção do legislador a constante utilização

do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho, por evidente, não haveria a

necessidade de destacar no artigo 882 celetista à obediência da ordem preferencial

das penhoras, conforme previsto no artigo 655 do Código de Processo Civil.

Sinale-se, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho,

em seu Capítulo V, elenca do artigo 876 ao 892, de forma precisa, o procedimento

de execução de sentença, não gerando omissão capaz de atrair, de forma supletiva,

as normas contidas na Lei de Execução Fiscal e, tampouco, no Código de

Processo Civil.

Neste diapasão, Manoel Antônio Teixeira Filho6 afirma ser

inaplicável a utilização imediata e sem ressalvas da Lei nº 11.232/2005, no processo

trabalhista:

A CLT – como afirmamos diversas vezes – não é omissa quanto

ao procedimento para a execução por quantia certa (arts. 876 a

892). Sendo assim, não incide no processo do trabalho o art. 475-

J, do CPC.

Conforme opinamos, em linhas pretéritas, é absolutamente

inaceitável a possibilidade de as normas da CLT, regentes da

execução, serem substituídas (em sua integralidade), pelas da Lei

nº 11.232/2005. O que se aceita, isto sim, é que determinadas

disposições desta Lei possam ser aplicadas ao processo do

6 Ob. cit., p. 287.

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trabalho, em caráter supletivo (CLT, art. 769), com a finalidade de

suprir omissões neste existentes, e, com isso, conduzir o referido

processo ao atingimento de seus objetivos, particulares e

institucionais.

É conveniente advertir que leis de processo civil não revogam leis

do processo do trabalho; e vice-versa. Sob este aspecto, pode-se

cogitar não só de autonomia, mas de ‘soberania’ dos sistemas

próprios de cada um. (...)

Diante do exposto, segundo esta parte da doutrina, na fase

de execução trabalhista utilizar-se-ia em primeiro lugar, a Consolidação das Leis

do Trabalho; em segundo lugar, em caso de omissão na compilação trabalhista,

aplicar-se-ia a Lei de Execução Fiscal; e, por último, caso ainda houvesse

omissões, o Código de Processo Civil.

2.2 A Aplicação do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho pela

Heterointegração do Direito

Nova corrente doutrinária vem defendendo a utilização do

Código de Processo Civil de forma direta e ilimitada no processo de execução

trabalhista. Isto é, aplicar-se-ia o código processual civilista sempre que as

normas ali constantes tiverem maior efetividade do que as contidas, inclusive, na

Consolidação das Leis do Trabalho.

Tal procedimento é defendido por Luciano Athayde Chaves7,

pelos seguintes motivos:

(...) No mínimo, seria necessária uma reforma processual que

proporcionasse a sua adequação ao exercício do Juízo

monocrático em Primeiro Grau e incorporasse, com as

peculiariedades necessárias, os eficazes institutos para a

prestação das chamadas ‘tutelas de urgência’, dentre outras

ferramentas processuais indispensáveis ao desenho de um

sistema processual minimamente sintonizado com o atual cenário

do universo processual.

7 Ob. cit., p. 28.

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Enquanto isto não ocorre, continuamos a conviver com a perene

necessidade de colmatar a incompletude do Direito Processual do

Trabalho com regras procedimentais pertencentes a outras

dimensões da Ciência Processual, num autêntico exercício de

heterointegração do direito(3).(...)

Sobre o Princípio da Heterointegração do Direito, deve ser

destacada a definição de Norberto Bobbio8:

(...) Se, estaticamente considerado, um ordenamento jurídico não

é completo a não ser pela norma geral exclusiva, dinamicamente

considerado, um ordenamento jurídico não é completo a não ser

pela norma geral exclusiva, dinamicamente considerado, porém, é

completável. Para se completar um ordenamento jurídico pode-se

recorrer a dois métodos diferentes que podemos chamar, segundo

a terminologia de Carnelutti, de heterointegração e de auto-

integração. O primeiro método consiste na integração operada

através do: a) recurso a ordenamentos diversos; b) recurso a

fontes diversas daquela que é dominante (identificada, nos

ordenamentos que temos sob os olhos, como a Lei). O segundo

método consiste na integração cumprida através do mesmo

ordenamento, no âmbito da mesma fonte dominante, sem

recorrência a outros ordenamentos e com o mínimo de recurso a

fontes diversas da dominante.

Assim, é defendida a idéia de que ao Processo do Trabalho

dever-se-ia aplicar a heterointegração do direito, utilizando-se de fonte diversa –

no caso, o Código de Processo Civil - como recurso à fonte dominante -

Consolidação das Leis do Trabalho.

Seguindo este entendimento, estão diversos Enunciados

aprovados na I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho,

organizada pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho

(ANAMATRA), juntamente com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Escola

Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENAMAT) e com o

apoio do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho

(CONEMATRA).

8 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997, p. 146-147.

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Um destes Enunciados aprovados que aborda o tema em

questão tem o seguinte teor:

66. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO

COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES

ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE.

Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e

da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia

constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e

889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição

Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais

adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da

instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.

Note-se que, apesar de num primeiro momento o intérprete

menos atento entender que a aplicação das normas do processo comum seria de

caráter subsidiário ao código celetista, na verdade, este posicionamento permite

que as normas do processo civil se sobreponham, até mesmo, às regras contidas

na Consolidação das Leis do Trabalho.

Tal sobreposição é possível em razão do entendimento de

que o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao possibilitar a

utilização das normas processuais do direito comum “nos casos omissos”, inclui,

nestes casos, as lacunas ontológicas e axiológicas.

Veja-se o entendimento de Carlos Henrique Bezerra Leite9

sobre estas lacunas:

(...) podemos dizer que a regra inscrita no art. 769 da CLT

apresenta duas espécies de lacuna quando comparada com o

novo processo sincrético inaugurado com as recentes reformas

introduzidas pela Lei n. 11.232/2005, a saber:

a) lacuna ontológica, pois não há negar que o desenvolvimento

das relações políticas, sociais e econômicas desde a vigência da

CLT (1943) até os dias atuais revelam que inúmeros institutos e

garantias do processo civil passaram a influenciar diretamente o

9 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Texto disponível na Internet: http://www.jusvox.com.br /mostraArtigo.asp?idNoticia=252

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processo do trabalho (astreintes, antecipação de tutela, multas por

litigância de má-fé e por embargos procrastinatórios etc.), além do

progresso técnico decorrente da constatação de que, na prática,

raramente é exercido o ius postulandi pelas próprias partes, e sim

por advogados cada vez mais especializados na área

justrabalhista;

b) lacuna axiológica ocorre quando a regra do art. 769 da CLT,

interpretada literalmente, se mostra muitas vezes injusta e

insatisfatória em relação ao usuário da jurisdição trabalhista

quando comparada com as novas regras do sistema do processo

civil sincrético que propiciam situação de vantagem (material e

processual) ao titular do direito deduzido na demanda. Ademais, a

transferência da competência material das ações oriundas da

relação de trabalho para a Justiça do Trabalho não pode redundar

em retrocesso econômico e social para os seus novos

jurisdicionados nas hipóteses em que a migração de normas do

CPC, não obstante a existência de regras na CLT, impliquem

melhoria da efetividade da prestação jurisdicional, como é o caso

da multa de 10% e a intimação do advogado (em lugar de citação)

do devedor para o cumprimento da sentença.

Para acolmatar as lacunas ontológica e axiológica do art. 769 da

CLT torna-se necessária uma nova hermenêutica que propicie um

novo sentido ao seu conteúdo devido ao peso dos princípios

constitucionais do acesso efetivo à justiça que determinam a

utilização dos meios necessários para abreviar a duração do

processo.

Com efeito, quando criada (em 1943) a referida norma

consolidada, como já enfatizamos alhures, funcionava como uma

"cláusula de contenção" destinada a impedir a migração

indiscriminada das regras do processo civil, o que poderia

comprometer a simplicidade, a celeridade, enfim, a efetividade do

processo laboral.

Atualmente, porém, a realidade é outra, pois o processo civil, em

virtude das recentes alterações legislativas, passou a consagrar,

em muitas situações, a otimização do princípio da efetividade da

prestação jurisdicional, de modo que devemos, sempre que isso

ocorra, acolmatar as lacunas ontológica e axiológica das regras

constantes da CLT e estabelecer a heterointegração do sistema

mediante o diálogo das fontes normativas com vistas à efetivação

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dos príncípios constitucionais concernentes à jurisdição justa e

tempestiva.

Desta forma, tal corrente defende o recurso ao código

processual civil e, principalmente, das últimas legislações que reformaram o

processo civilista, com base na interpretação jurídica e da utilização de diversas

teorias, as quais preenchem as lacunas construídas ao longo dos anos no código

laboral que o deixaram, de certa forma, obsoleto.

Face ao exposto, esta corrente defende a utilização de

normas “mais modernas”, as quais trarão maior celeridade e efetividade às

decisões proferidas nos processos trabalhistas.

3 A PONDERAÇÃO ENTRE SEGURANÇA JURÍDICA E

EFETIVIDADE JURÍDICA

Apresentadas as correntes doutrinárias sobre o tema ora

proposto, se passa a tecer ponderações dentre o “choque” de princípios existente na

aplicação de uma ou outra posição.

Com efeito, os que defendem a aplicação limitada do Código

de Processo Civil têm como principal argumento, a segurança jurídica dos litigantes.

De outro lado, tem-se os que se posicionam pela ampla aplicação das normas

contidas no Código de Processo Civil, sobrepondo-se, em determinados casos,

inclusive, as normas previstas no Direito Processual do Trabalho, tendo como

principal embasamento, o princípio da efetividade das decisões proferidas pelos

juízes trabalhistas.

3.1 A Defesa da Prevalência da Segurança Jurídica

A corrente que defende a interpretação expressa e textual

contida na Consolidação das Leis do Trabalho, tem como principal argumento a

instabilidade processual que se teria com a utilização indiscriminada do Código de

Processo Civil, isto é, gerar-se-ia uma insegurança jurídica prejudicial a todos os

litigantes.

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Alegam que, por exemplo, a consideração da multa prevista

no artigo 475-J do Código de Processo Civil (inserido através da Lei 11.232/2005)

no processo trabalhista causaria evidente divergência quanto aos prazos e demais

procedimentos na execução.

O referido preceito legal prevê que:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia

certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze

dias, o montante da condenação será acrescido de multa no

percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e

observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á

mandado de penhora e avaliação. <grifado>

Todavia, o artigo 880 da Consolidação das Leis do Trabalho

(alterado pela Lei nº 11.457/2007) prevê que:

Art. 880. Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal

mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que

cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as

cominações estabelecidas ou, quando se tratar de pagamento em

dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para

que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução,

sob pena de penhora. <grifado>

De pronto, constata-se que a redação do artigo 880 da

Consolidação das Leis do Trabalho foi alterada pela Lei nº 11.457, publicada em

16/03/2007, isto é, após a edição da Lei nº 11.232, publicada em 23/12/2005, - a

qual inclui o artigo 475-J ao Código de Processo Civil -, sem que houvesse a

previsão de qualquer incidência de multa pelo não pagamento da condenação ou

alteração no prazo para pagamento ou garantia do juízo, o que por si só já

desautorizaria a utilização da indigitada norma.

Ademais, há evidentes contradições entre os textos legais

que impossibilitam a sua utilização conjunta ou em separado:

a) O prazo para pagamento ou garantia previsto na legislação

trabalhista é de 48 horas (enquanto na legislação comum é de 15 dias);

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b) O Código de Processo Civil prevê obrigatoriamente que o

devedor deve pagar a condenação, sob pena de incidência de multa de 10%,

enquanto que a Consolidação das Leis do Trabalho faculta ao devedor o pagamento

ou a indicação de bens à penhora.

c) Inexiste qualquer lacuna (omissão) na Consolidação das

Leis do Trabalho que possibilite a utilização supletiva do artigo 475-J do Código

de Processo Civil dando amparo à aplicação da multa de 10%.

Corroborando tal entendimento de que inexiste lacuna na

Consolidação das Leis do Trabalho capaz de fazer incidir no processo trabalhista a

multa de 10% prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil, Manoel Antônio

Teixeira Filho10 menciona que:

Quanto à multa de dez por cento, julgamos ser também inaplicável

no processo do trabalho. Ocorre que esta penalidade pecuniária

está intimamente ao sistema instituído pelo artigo 475-J,

consistente em deslocar o procedimento da execução para o

processo de conhecimento. Como este dispositivo do CPC não

incide no processo do trabalho, em virtude de a execução

trabalhista ser regida por normas (sistema) próprias (arts. 876 a

892), inaplicável será a multa nele prevista.

Neste mesmo sentido, a 6ª Turma do Tribunal Superior do

Trabalho, de forma unânime, reformou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da

13ª Região, excluindo a incidência da multa em questão:

RECURSO DE REVISTA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC.

INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO.

REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO. MEDIDA

COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO

PROCESSO CIVIL O art. 475-J do CPC determina que o devedor

que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da

dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução

e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A

decisão que determina a incidência de multa do art. 475-J do

CPC, em processo trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na medida

em que a aplicação do processo civil, subsidiariamente, apenas é 10 Ob. cit., p. 287.

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possível quando houver omissão da CLT, seguindo,

primeiramente, a linha traçada pela Lei de Execução fiscal, para

apenas após fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser

compatível a regra contida no processo civil com a norma

trabalhista, nos termos do art. 769 da CLT, o que não ocorre no

caso de cominação de multa no prazo de quinze dias, quando o

art. 880 da CLT determina a execução em 48 horas, sob pena de

penhora, não de multa. Recurso de revista conhecido e provido

para afastar a multa do art. 475-J do CPC.

(Proc: RR - 668/2006-005-13-40 – Acórdão da 6ª Turma por

unanimidade - Publicação: DJ - 28/03/2008)

Por ser bastante esclarecedora, vale trazer ao debate parte

da fundamentação do referido acórdão:

(...) A regra contida no art. 880 da CLT contém prazo de 48 horas

para que se proceda ao pagamento da execução, após a citação,

embora não haja cominação de multa pelo inadimplemento.

Para se deixar de considerar a regra contida no art. 880 da CLT

criar-se-ia verdadeiro imbróglio processual, não só em relação ao

prazo para cumprimento da obrigação, mais dilatado no processo

civil, como também em relação à penhora.

Ou seja, deveria o julgador cindir a norma legal para utilizar o

prazo de 48 horas, menor, da CLT, com a multa disciplinada no

CPC, ou se aplica o prazo do CPC, maior que o da CLT, com a

multa e a penhora.

Considerando-se que a regra processual civil conflita, em relação

ao prazo e à cominação contida no dispositivo da CLT, é

incompatível a regra ali contida, o que impossibilita a sua

aplicação, nos exatos termos do art. 769 da CLT.

O rito, inclusive, no processo do trabalho é diferenciado, pois

determina a citação por Oficial de Justiça, conforme prevê o §2º

do art. 880 da CLT.

Ressalte-se, ainda, que há expressa previsão no art. 882 da CLT,

quando do não pagamento da dívida no prazo legal, a gradação a

ser respeitada, mediante dinheiro ou penhora: (...)

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Conseqüentemente ao “imbróglio processual” mencionado na

decisão anterior, a sobreposição do Código de Processo Civil à legislação

trabalhista, traria violação direta aos mais basilares princípios fundamentais de

direito, devidamente consagrados em nossa Constituição Federal.

Mais especificadamente, destacam-se os Princípios do

Contraditório e da Ampla Defesa, do Devido Processo Legal e da Igualdade das

Partes que estão assim dispostos em nossa Magna Carta:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos

acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Face ao exposto, entende esta corrente doutrinária que a

aplicação ilimitada do Código de Processo Civil na execução do processo

trabalhista, além de absolutamente incompatível com o disposto no artigo 889 da

Consolidação das Leis do Trabalho, afrontaria direitos fundamentais do

jurisdicionado.

3.2 A Defesa da Efetividade do Processo

Em sentido diametralmente oposto está a corrente que

aplica diretamente o direito processual comum na fase de execução do processo

do trabalho, amparada em interpretações e teses doutrinárias, bem como no

entendimento de que o processo laboral deve ser mais rigoroso com o devedor.

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Confira-se o comentário de Jorge Luiz Souto Maior11 acerca

do artigo 880 da Consolidação das Leis do Trabalho, à luz das inovações do

Código de Processo Civil:

Por conseqüência, o art. 880 da CLT, que determina que o juiz

mande expedir ‘mandado de citação ao executado’ merece uma

leitura atualizada, para que seja dispensada a citação pessoal do

executado, bastando sua intimação, por carta registrada, no

endereço constante dos autos, para que pague a dívida constante

do título, no prazo de 48 horas (o CPC estabelece 15 dias, mas

este prazo para a lógica do processo do trabalho é excessivo e,

ademais, o art. 880 é claro neste ponto), sob pena de se efetivar a

imediata penhora sobre seus bens. <grifado>

Retornando a discussão acerca da aplicação do artigo 475-J

do Código de Processo Civil na execução trabalhista, Luciano Athayde Chaves12

entende que:

(...) Sem embargo, o fato é que temos aqui importantes inovações

que podem e devem ser transportadas para o Processo do

Trabalho.

O art. 880 da CLT ainda conserva a superada idéia de autonomia

do processo de execução, na medida em que alude à

necessidade da expedição de ‘mandado de citação ao executado,

a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo’. Cuida-se de

comando normativo atingido em cheio pelo fenômeno do

ancilosamento normativo, diante do que preconiza a atual

dinâmica do processo comum, abrindo caminho para o

reconhecimento do que a Ciência Jurídica denomina de ‘lacuna

ontológica’.

Ora, não faz sentido algum se manter o intérprete fiel ao disposto

no art. 880 da CLT enquanto o processo comum dispõe, agora, de

uma estrutura que superou a exigência de nova citação para que

se faça cumprias as decisões judiciais, expressando, assim, maior

sintonia com as idéias de celeridade, economia e efetividade

11 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Reflexos das Alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, vol. 70, nº 08:922, agosto, 2006. 12 Ob. cit., p. 56.

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processuais. É a hipótese mais do que evidente de lacuna

ontológica do microssistema processual trabalhista.

Quanto ao prazo para pagamento da condenação e,

conseqüentemente, para a aplicação da multa de 10% prevista no artigo 475-J do

Código de Processo Civil, pelo seu descumprimento, Luciano Athayde Chaves13

entende que: “(...) Por tais razões, penso que o instituto em foco deve ser

absorvido pelos intérpretes e aplicadores do Processo do Trabalho, acolhendo o

mesmo prazo (15 dias) fixado pelo CPC (...)” <grifado>

Quanto ao mesmo tema, Carlos Henrique Bezerra Leite14

possui o seguinte entendimento:

Destarte, ao ser intimado da sentença (ou do acórdão) que veicula

obrigação de pagar líquida (ou da decisão que homologar a

liquidação) o devedor já estará ciente de que terá prazo de oito

dias para, querendo, efetuar o pagamento da quantia devida.

Caso não o faça no octódio, incidirá automaticamente a multa de

10% (dez por cento) sobre o total da dívida.

Por fim, mas não menos importante, está o entendimento de

que a utilização das normas processuais civilistas agilizar-se-ia a execução

trabalhista (como já dito, neste caso o termo mais correto seria cumprimento de

sentença).

Conseqüentemente, estaria tal entendimento de acordo com

os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da celeridade

processual:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como

fundamentos:

13 Ob. cit., p. 62. 14 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Cumprimento Espontâneo da Sentença (Lei 11.232/2005) e suas Repercussões no Processo do Trabalho. Revista LTR, São Paulo: LTR, v. 70, n. 09, set 2006, p. 1046.

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(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 5º. (...)

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação.

Pelo exposto, tendo em vista os modernos e inovadores

procedimentos que a reforma do Código de Processo Civil trouxe para o

ordenamento jurídico e considerando a existência de lacunas ontológicas e

axiológicas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, entende esta parte da

doutrina que o direito processual comum deve ser aplicado na fase de execução

trabalhista, ainda que se sobreponha à Consolidação das Leis do Trabalho.

CONCLUSÃO

Analisando as correntes doutrinárias, entende-se que,

embora mais louvável e, de certa forma, mais romântica a tese que admite a

incidência ilimitada do Código de Processo Civil no processo de execução

trabalhista, na prática a mesma torna-se inviável e por demais prejudicial aos

jurisdicionados.

Ocorre que a utilização indiscriminada do Código de

Processo Civil tem levado aos órgãos judiciários do trabalho a uma série de

contradições entre si, a ponto de os advogados e litigantes afirmarem que cada

Vara possui o seu processo do trabalho particular.

A ausência de critérios objetivos e específicos que apontem

com precisão quando e como a legislação civilista poderia ser utilizada no

processo do trabalho, gera enorme insegurança jurídica, além de prejuízos de

grande monta a todos os operadores do direito laboral.

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Conforme consta no item 3.2 do presente artigo, três dos

maiores expoentes que defendem a aplicação ilimitada do Código de Processo

Civil divergem quanto ao prazo para pagamento da condenação.

Assim, enquanto Jorge Luiz Souto Maior entende que o

prazo do artigo 475-J do Código de Processo Civil deve ser reduzido para 48

horas; Carlos Henrique Bezerra Leite se manifesta no sentido de que este prazo é

de 8 dias; e, por fim, Luciano Athayde Chaves tem o posicionamento de que o prazo

é o contido no próprio artigo 475-J do Código de Processo Civil, isto é, de 15 dias.

Este é somente um dos exemplos de contradições

existentes dentre os ilustres doutrinadores desta corrente que, na verdade,

defende a utilização de normas híbridas, ora utilizando-se o artigo de um código,

com o parágrafo do artigo do outro código, gerando uma legislação “retalhada”,

também apelidada como “Lei Frankenstein”.

Ademais, não pode convencer a tese de que, por exemplo, a

imposição de multa de 10% sobre o valor da condenação, daria maior efetividade

as decisões trabalhistas.

Ora, pouco importa para o devedor propenso ao não

pagamento da dívida, se esta terá o acréscimo de 10% ou não. Se os bens já

foram dizimados pelo caloteiro e inadimplente trabalhista, não seria tal multa que

intimidaria-o a efetuar o pagamento do seu débito.

Sendo assim, para que não haja prejuízo aos

jurisdicionados, o recurso do processualista do trabalho às novas regras do

Código de Processo Civil devem ser pontuais, no fito de suprir as reais lacunas do

processo do trabalho e não no objetivo de substituir todo o sistema da execução

trabalhista.

Não que se esteja de acordo com a falta de efetividade das

decisões (ou simplesmente o inadimplemento das obrigações trabalhistas), muito

pelo contrário. Todavia, o compromisso científico, técnico e imparcial não aponta

outra direção jurídica.

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997.

CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 3 ed. São Paulo: Ltr, 2007.

CURITIBA. Tribunal Regional o Trabalho. acórdão nº 02275-2006-095-09-00-0 - 4ª Turma - Relator-Juiz: Luiz Celso Napp

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Cumprimento Espontâneo da Sentença (Lei 11.232/2005) e suas Repercussões no Processo do Trabalho. Revista LTR, São Paulo: LTR, a. 70, v. 9, set 2006.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Texto disponível na Internet: http://www.jusvox.com.br /mostraArtigo.asp?idNoticia=252

PORTO ALEGRE. Tribunal Regional do Trabalho. acórdão nº 00220-1997-281-04-00-4 - publicado em 03/07/2008 - 1ª Turma – Relatora-Desembargadora: Eurídice Josefina Bazo Tôrres)

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Reflexos das Alterações do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho., Revista LTr. São Paulo, v. 70, n. 08, 2006.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. As Novas Leis Alterantes do Processo Civil e Sua Repercussão no Processo do Trabalho. Revista da Ltr, São Paulo, v. 70, n. 03, mar. 2006.