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111 A ANÁLISE DE CLASSES NOS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Mariana de Oliveira Lopes Doutoranda em Ciência Política- UNICAMP [email protected] Resumo: Este artigo buscará analisar em que medida a obra de Klaus Eder contribui para a análise sobre os “novos” movimentos sociais, na contramão das pesquisas contemporâneas sobre o tema, uma vez que demonstra como as classes sociais têm importância no estudo dos movimentos sociais. Além disso, demonstra o papel da classe média nas ações coletivas. Por outro lado, buscaremos questionar os limites de sua obra a partir das contribuições que emergiram, no interior do marxismo, sobre a questão dos movimentos sociais. Palavras-chave: movimentos sociais, classes sociais e Klaus Eder

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A ANÁLISE DE CLASSES NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

CONTEMPORÂNEOS

Mariana de Oliveira Lopes

Doutoranda em Ciência Política- UNICAMP

[email protected]

Resumo: Este artigo buscará analisar em que medida a obra de Klaus Eder contribui

para a análise sobre os “novos” movimentos sociais, na contramão das pesquisas

contemporâneas sobre o tema, uma vez que demonstra como as classes sociais têm

importância no estudo dos movimentos sociais. Além disso, demonstra o papel da classe

média nas ações coletivas. Por outro lado, buscaremos questionar os limites de sua obra

a partir das contribuições que emergiram, no interior do marxismo, sobre a questão dos

movimentos sociais.

Palavras-chave: movimentos sociais, classes sociais e Klaus Eder

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Introdução

Podemos falar ainda em classe social quando analisamos e discutimos

movimentos sociais? Se partirmos de uma premissa afirmativa, de que classe estamos

falando? Neste sentido, qual o papel do proletariado e das classes médias nos

movimentos sociais contemporâneos?

A polêmica acerca do uso do termo classe social para analisar os movimentos

sociais que surgiram da década de 1960 em diante, é ainda viva. Tornou-se comum

analisar tais movimentos sem priorizar as classes sociais. Para grande parte destas

teorias, classe tem a ver com a sociedade industrial e suas ideologias e que essas já

estariam ultrapassadas, desta forma, seu uso também.

Conforme Galvão (2011), as perspectivas que emergiram principalmente na

década de 80 se deram em oposição ao marxismo, negando a centralidade da luta de

classes. Podemos citar a teoria dos novos movimentos sociais (MELUCCI, 1980;

OFFE, 1985; TOURAINE, 1985), da mobilização de recursos e mobilização política

(MCCARTHY, 1977; TARROW, 1994) e do reconhecimento (HONNETH , 2003;

FRAZER, 2001).

Estas bibliografias, em geral, afirmam que a mobilização se produz a partir de

novas características que não as do conflito entre capital e trabalho. Os movimentos

sociais são denominados “novos” por exprimirem objetivos culturais, societais, pós-

materialistas (identidade, reconhecimento). Desta forma, na visão de seus principais

teóricos, os novos movimentos sociais não estariam relacionados ao pertencimento de

classe dos atores envolvidos (GALVÃO, 2011)

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Conforme Trópia, segundo estas análises, “os novos movimentos sociais não

teriam qualquer especificidade de classe, pois suas demandas seriam dispersas e

universalistas ou, então, específicas de coletivos distintos das classes” (TROPIA, 2008,

p.12).

Este artigo buscará analisar em que medida a obra de Klaus Eder contribui, na

contramão das análises sobre movimentos sociais, uma vez que demonstra como a

classe tem importância no estudo dos movimentos sociais. Além disso, coloca o debate

de classe demonstrando o papel da classe média nas ações coletivas. Por outro lado,

buscaremos demonstrar os limites de sua obra a partir das contribuições que emergiram,

no interior do marxismo, sobre movimentos sociais. Para isso nos debruçaremos sobre

os textos de Michel Vakaloulis (2005), René Mauriaux e Sophie Beroud e Andréia

Galvão (2010).

Com este artigo visamos contribuir de modo crítico com a análise dos “novos”

movimentos sociais e estabelecer uma crítica sobre o papel da classe média neste

processo.

I- Klaus Eder1

Para Eder em, A classe social tem importância no estudo dos movimentos

sociais? Uma teoria do radicalismo da classe média, 2001, a queda dos regimes

comunistas e a ascensão do nacionalismo contribuíram com os argumentos de que o

termo classe estava ultrapassado. Entretanto, segundo o autor, apesar do conflito de

classe industrial não mais dominar os conflitos de classe, este não desapareceu.

Segundo Trópia, para Eder,

a noção de classe não pode mais estar relacionada ao lugar econômico, vale

dizer aos interesses econômicos dos agentes que a compõem, mas consistem

em uma determinação estrutural de oportunidades de vida para categorias de

indivíduos que se unem e, ao mesmo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1 Klaus Eder é professor alemão e faz parte da terceira geração da Escola de Frankfurt. O autor sofre

grande influencia da obra de Habermas e da teoria dos novos movimentos sociais (A. Touraine).

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tempo, têm seus espaços de mobilização e ação delimitados (TROPIA, 2008,

p.12)

Os movimentos sociais surgidos entre as décadas de 60 e 70 são segundo Eder,

indicadores de novas e profundas divisões ou antagonismos sociais, introduzem novas

questões e são portadores de um novo paradigma de existência social. Desta forma, o

conflito não se dá mais pela oposição capital e trabalho, mas sim por questões de ordem

simbólica, cultural, vinculados às questões ecológicas. Desta forma, os movimentos

lutam cada vez mais contra a exploração da natureza em detrimento da exploração do

trabalho.

Para o autor, em A nova política de classe, 2002, a variável que assegura o elo

entre a ação coletiva e a classe é a cultura como espaço simbolicamente definido. O

autor, influenciado pela teoria de Touraine, afirma que a sociedade que emerge neste

período é a chamada sociedade pós-industrial2, assim sendo, há uma rearticulação entre

as classes fruto de uma crise política. Isso não significaria segundo Eder, o

desaparecimento das classes. Desta forma o autor critica os autores do “fim das

classes”.

Quando afirma que pensar classe3 significa pensá-la a partir da cultura como

“elo perdido”, o autor acaba propondo uma definição culturalista de classes. Para ele a

classe se define em espaços culturalmente definidos, neste sentido, demonstra a

importância para ele, do discurso como forma de manifestação (EDER, 2002).

Desta forma mantém a classe como elemento estrutural da análise dos

movimentos sociais. A ação coletiva é vista por Eder como um tipo de ação cuja

natureza coletiva é construída por aspectos estruturais da sociedade. Os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2 Para o autor o movimento de maio de 1968 na França marcou a crise do movimento operário e o ingresso na sociedade pós-industrial (programática), transformando-se em uma sociedade de serviços ou da informação. O conflito é polarizado, mas se dá por outro par que não mais capital/trabalho (TOURAINE, 1993).

3 Eder ao definir classe como sendo um construto probabilístico, uma construção social, se influencia pela análise de Bourdieu de classes sociais. Para Eder, não há uma definição concreta de classes, depende de elementos valorizados em uma sociedade (riqueza, juventude, etc.). Sobre a realidade aqui descrita, o autor substitui classes como hierarquia (dominante e dominado) para redes (classe média tanto exploradores, quanto explorados).

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movimentos sociais, desta forma, criam significados que não mais se relacionam ao

conflito de classe tradicional (EDER, 2001, p.7). É aqui que, também nesta obra, o autor

afirma a cultura4 como variável mediadora entre ação coletiva e classe.

Segundo as próprias palavras do autor5:

Defenderemos (...) uma teoria estruturalista da agência. A idéia é que

devemos analisar a ação coletiva como um tipo de ação cuja natureza

coletiva é constituída por aspectos estruturais da sociedade. A classe é um

desses aspectos. A ação coletiva se corporifica não só politicamente, mas

socialmente (EDER, 2001, p.7).

Assim Eder quer demonstrar em que medida a ação coletiva reproduz formas

tradicionais de conflito de classe e em que medida cria novos conflitos. Para isso propõe

olharmos para “novos significados culturais imputados às ações coletivas” de

mobilização ou contra- mobilização.

Os novos movimentos sociais, portanto, segundo o autor, são formas de

radicalismo de classe média e protestos desta classe que caracteriza aspectos culturais

específicos, como: são portadores de um projeto de identidade e se preocupam com

questões que são inegociáveis. Desta forma o autor propõe uma teoria revisionista de

classe. No tópico seguinte analisaremos em que medida o autor relaciona a classe média

aos movimentos sociais.

I-I O lugar da classe média nos novos movimentos sociais

Fruto desta crise política entre as classes, demonstrado no tópico anterior, a luta

de classes hoje em dia é de ordem simbólica, ou seja, pela defesa da natureza por meio

dos movimentos ecológicos.

Sendo, para o autor, os movimentos ecológicos (pós década de 1960/70) a

“vanguarda” dos movimentos e não mais o movimento operário,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 4 O autor entende cultura como sendo: qualquer tipo de expressão simbólica que dê sentido ao mundo e à sociedade (EDER, 2001, p.17). Neste sentido, a cultura perpassa as diferentes classes (definindo classes no sentido clássico).

5 Com esta afirmação, Eder objetiva criticar as interpretações acionalistas e culturalistas da ação coletiva.

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com a reestruturação entre as classes, a classe média6 passa a representarum papel

importante, e ser o ator decisivo nesse processo (EDER, 2002).

As classes médias até este período foram rejeitadas teoricamente, conforme

Eder, e foi só pelo papel que desempenham nos novos movimento sociais que voltaram

a ser foco de atenção. O fato de ser vista a partir deste momento, como ator histórico,

deu suporte para a afirmação recorrente de que a classe operária não é mais central no

debate dos movimentos sociais (EDER, 2001).

A classe média foi vista, historicamente numa posição intermediária (entre

classe trabalhadora e classe burguesa),

É a exclusão das classes médias de uma relação de classe, sua existência

como não-classe, que mostra ter poder explicativo em relação à ação

coletiva; o radicalismo de classe média pode ser explicado por sua tendência

a evitar ser identificada com as classes baixas e seu fracasso em tornar-se

uma classe dominante (idem, p.9).

Isso muda, afirma Eder, com a ascensão da nova classe média, que é a

base dos novos movimentos sociais. No século XIX as classes médias foram

definidas por sua localização no setor de serviços. Este setor cresceu no século

XX passando a incluir os artesãos, os comerciantes não-proletarizados os grupos

emergentes de colarinhos-brancos e grupos ligados ao serviço social. Por

comporem grupos diversos, as definições nunca foram capazes de classificar

este grupo entre os dominantes e dominados. Entretanto, para o autor, a nova

classe média desenha um novo debate. De um lado os que afirmam que são parte

do novo proletariado, de outro os que afirma que são uma nova classe

dominante.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6 Em uma nota de rodapé o autor afirma que “As classes médias são compostas de pelo menos três grupos

diferentes: os velhos e novos auto- empregados, os empregados de escritório e a nova classe média

(aqueles que trabalham na indústria da cultura e no business da saúde)” (EDER, 2001, p.19). Em outra

nota, vale ressaltar aqui, o autor afirma que “Eu falo em classes médias apesar do fato de que se trata de

grupos sociais definidos por sua exclusão de uma relação de classe. Isso é terminologicamente

inconseqüente, mas nós persistimos no termo porque nos acostumamos (...)” (idem, p.20).

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Este debate sobre a composição de classe da nova classe média leva o autor à

sua proposta revisionista, ou seja, a mudança na sociedade modern deslocou o lugar das

relações de classe das relações industriais para outros campos.

Neste sentido, analisar a nova classe média significa buscar o “efeito criativo da

cultura sobre a classe” (EDER, 2001, p.10). Analisar quais são as propriedade

simbólicas compartilhadas7 que dão unidade cultural de radicalismo de clas média. Ao

analisar a cultura da classe média o autor propõe uma “versão construcionista da teoria

de classe”, ou seja, analisar a agência (capacidade de definir e redefinir interesses

coletivos), o contexto e o resultado estrutural (EDER, 2001, p.12).

Para o autor, a geração de 1960/70 promoveu mudanças na cultura de grupos da

classe média, introduziram novas divisões políticas redefinindo, desta forma, as relações

de classe. Isso contribuiu para uma nova cultura dos movimentos sociais. Contudo, a

classe média assume neste momento o que antes assumiu o proletariado, por meio de

uma nova cultura de protesto, que não o protesto industrial. A mobilização se dá por

outros fatores que não os de diferenciação de classe. O autor define esta nova forma de

mobilização como:

(...) pessoas em diferentes classes sociais que são mobilizadas em

movimentos sociais (como ativistas), ou que se identificam pelo menos com

as metas de movimentos sociais (como espectadores), o fazem porque se

identificam com valores culturais e não porque experimentam uma falta de

poder (seja em termos econômicos, políticos ou culturais). O mecanismo de

mobilização aparece em resposta não à diferenciação de classe e à

competição de classe, mas ao desejo de tomar medidas acerca de assuntos

que são de interesse das pessoas (EDER, 2001, p.13).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 7 Segundo Eder, as propriedades simbólicas compartilhadas são “interesses, normas, valores”. Critério

definidor elementar da cultura de todo movimento. Para exemplificar o autor cita o movimento operário e a defesa contra toda injustiça(EDER, 2001, p.11).

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Esta mobilização define a identidade coletiva do grupo que pode estar

relacionado às posições sociais (“status”, ocupacional, educacional ou político), o que

para Eder, mudará a estrutura de classe. Assim sendo, as classes devem ser analisadas

nos movimentos sociais, uma vez que são causas da mobilização, mas também efeitos

do mesmo.

Os movimentos sociais deste modo criam relações de classe, mas suas ações são

limitadas, segundo o autor, à “estrutura de oportunidade social” (processos

socioestruturais - diferenciação ocupacional, cultural, de renda, de estilo de vida, etc.).

Ao fazer esta análise construcionista da classe, Eder critica ser a versão “natural

de classe”. Para isso se baseia na hipótese de Alain Touraine que afirma que a classe

operária sempre foi ligada à forças naturais, às forças de produção. Assim o conceito de

classe está ligado a uma sociedade que também está ligada a formas naturalizadas. Esta

tradição estaria vinculada ao materialismo histórico. Para Touraine, os novos

movimentos sociais seriam a prova do distanciamento da “tese naturalista”.

O conceito de classe média é essencialmente social, afirma Eder, é um estudo de

caso ideal da modernização da ação coletiva no contexto da evolução do movimento

operário e da ascensão dos novos movimentos sociais. A cultura da classe média se

distingue da cultura da classe operária pela formação educacional. A identidade de

classe média é a de “boa vida” e “relações sociais consensuais”. Hoje estes grupos da

nova classe média buscam engrandecimento pessoal, autonomia e a competição, sendo

estas características, a base cultural dos novos movimentos sociais (EDER, 2001, p.16).

A boa vida está ligada ao estilo de vida, uma cultura de protesto, inquietação.

Está relacionada hoje em dia, segundo o autor, às questões ambientais (risco e dano)

que são as coisas que mais ameaçam a boa vida, uma vez que ameaçam o mundo físico

e psíquico. As relações sociais consensuais estão ligadas à cultura da comunicação, que

seria o código integrador da cultura de classe média.

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Com estes argumentos o autor conclui afirmando que, desta forma, a nova classe

média é um elemento de um novo tipo de relação de classe. Assim sendo, é a base de

classe dos novos movimentos sociais surgidos da década de 60 pra cá e compõe novas

características culturais que são fundamentais para se compreender a identidade coletiva

destes novos movimentos.

II- Por uma interpretação critica dos movimentos sociais e o papel das classes

médias

Para discutir os novos movimentos sociais e o papel das classes médias,

primeiramente se faz necessário explicar de um ponto de vista crítico, o que entendemos

por classe social, luta de classes e movimento social.

Marx e Engels desenvolveram análises das classes sociais que nos possibilitam

entender as relações sociais capitalistas de modo crítico, histórico e dialético. Segundo

BOITO Jr., Marx e Engels têm dois usos do conceito de classe social. O primeiro se

refere ao texto O manifesto do Partido Comunista, em que as classes sociais se definem

pelo lugar ocupado no processo de produção, conceito amplo. O segundo se encontra

nos textos 18 de Brumário, Luta de Classes na França, etc. em que as classes se

definem na ação e na luta. Assim também afirma Poulantzas (1975), “as classes não

podem ser definidas fora da luta de classes”.

Entendemos classe a partir das contribuições de Nicos Poulantzas em Classes

sociais no capitalismo de hoje (1975) “as classes sociais são conjuntos de agentes

sociais determinados principalmente, mas não exclusivamente, por seu lugar no

processo de produção, isto é, na esfera econômica”. Desta forma, acreditamos que o

economicismo anula a política. Conforme Galvão (2010), o conceito de classe, nestes

termos assume uma multideterminação a partir da análise de Poulantzas,

simultaneamente no nível econômico, político e ideológico.

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O trabalho sobre o fenômeno dos assalariados não-manuais, chamados de nova

pequena burguesia, foi iniciado dentro da teoria marxista, por Nicos Poulantzas em

Poder Político e Classes Sociais (1977). Entretanto conforme Galvão (2010), a unidade

entre a nova pequena burguesia e a pequena burguesia tradicional como uma mesma

classe não deve ser levada em conta, na medida em que ambas não possuem a mesma

ideologia e sua inserção na estrutura produtiva é distinta. Olin Wright (1981) critica

Poulantzas por meio da noção de “situações contraditórias de classe”, ou seja, os

agentes podem ocupar posições de classe diferentes e alteráveis.

Não podemos nos esquecer que Poulantzas vê classes sociais dentro da luta de

classes. As classes se constituem nos embates, que é pré-determinante nas relações de

produção, mas há outras determinações como questões culturais, valores, partidos etc.

As classes se definem por interesses comuns, pela busca de uma identidade.

Desta forma, Poulantzas contribui para uma análise das classes que supera o

economicismo, segundo Galvão: “é possível destacar a importância da oposição de

classes na emergência e estruturação dos movimentos sociais, uma vez que os conflitos

que estes expressam estão, em parte, relacionados aos efeitos da exploração e da

dominação capitalista” (GALVÃO, 2010, p.4).

Com esta afirmação buscamos negar as teses que afirmam que os movimentos

sociais não podem ser analisados a partir do critério capital e trabalho. Critérios estes

obsoletos para grande parte dos teóricos dos novos movimentos sociais. Para isso nos

debruçaremos sobre a análise realizada por Galvão 2010 onde o termo classes

trabalhadoras é definido como:

(...) um conjunto heterogêneo de diferentes classes sociais – que compreende

o operariado, a pequena burguesia, o campesinato e as classes médias – que

se distingue quanto ao tipo de trabalho realizado, às condições em que a força

de trabalho é vendida e, no caso do produtor familiar, ao tipo de vinculo

estabelecido com a pequena propriedade (GALVÃO, 2010, p.4).

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Sobre o conceito classe média, os marxistas preferiram deixar de lado como

objeto de pesquisa e analisar somente a divergência entre os grupo sociais. Segundo

Galvão, a recusa do conceito de classe média dificulta a compreensão das diferentes

formas de mobilização e interesses específicos defendidos pelos movimentos.

A noção de classe média segundo Décio Saes8 não se dá prioritariamente pela

sua base material, mas de sua ideologia meritocrática, onde as desigualdades

econômicas e sociais são justificadas por mérito, dons. Além disso, conforme

Vakaloulis9, deve ser definida no plural: classes médias, uma vez que comporta

diferentes estatutos das classes intermediárias.

Definindo classes, nos resta relacionar classes e movimentos sociais. Falar que

ação e contexto são necessários para pensar os movimentos não nos leva situações

objetivas, uma vez que a situação objetiva de classe não lev automaticamente à ação

coletiva. Além disso, não concordamos com a tese de que o proletariado é

intrinsecamente revolucionário. As mobilizações podem ser progressistas e

revolucionárias ou conservadoras e reacionárias, ou seja, o proletariado é a classe

potencialmente revolucionária.

Para definirmos movimentos sociais, nos apoiaremos na análise de Michel

Vakaloulis Antagonismo social e ação coletiva (2005). Segundo o autor,

O conceito de movimento social refere-se, na verdade, a um conjunto

mutável de relações sociais de protesto que emergem no seio do

capitalismo contemporâneo. Essas relações se desenvolvem de forma

desigual em seus ritmos, sua existência reivindicativa, sua constância

e sua projeção no futuro e, finalmente, em sua importância política e

ideológica. Sua origem, se é que existe uma, está no fato de que certos

grupos sociais dominados entram em conflito, de forma direta ou

indireta, com a materialidade das relações de poder e de dominação,

mas também com o imaginário social marcado pela dinâmica da

valorização/desvalorização (VAKALOULIS, 2005, p.132).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8 Apud Galvão 2010.

9 Apud Galvão 2010.

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Para Mouriaux e Béroud (2005), se faz necessário questionar as definições

comuns de movimentos sociais10

. Devemos ter o cuidado de não cair na “falsa

abstração”, que nos desvia do conhecimento concreto. Para os autores, os mecanismos

de exploração são ocultados no capitalismo e essa invisibilidade conduz a ilusões

(MOURIAUX; BÉROUD, 2005, p.170). Para isso os autores citam Marx em A Miséria

da Filosofia: “Não digam que o movimento social exclui o movimento político. Não

existe movimento político que não seja ao mesmo tempo social”. Para os autores, “a

limitação de todo conflito à sua única dimensão simbólica esconde uma grande parte da

realidade e permite, somente através de um raciocínio lógico, superar a aparente

fragmentação das lutas sociais” (idem, p.168).

Assim sendo, também Vakaloulis afirma que o conflito social pode hoje

ultrapassar a esfera do trabalho stricto sensu, mas o conflito do trabalho não está

ultrapassado. Galvão afirma que de acordo com uma definição marxista dos

movimentos sociais, podemos afirmar que: a eclosão desses movimentos podem ser

relacionados à posição de classe de seus participantes (mesmo que não se vejam como

movimento de classes e nem considerarem suas demandas de classe, mas sim culturais,

identitárias, etc.); os movimentos não são uniclassistas, mas policlassistas (pensando as

classes em sentido amplo: classes médias, camponeses, operariado) (GALVÃO, 2010,

p.7) ; e que embora nem todo conflito se reduza à conflito de classe, todo movimento

deve ser compreendido a partir da centralidade da oposição capital/trabalho(ainda que

esta centralidade ultrapasse as fronteiras da empresa) (idem, p.13).

Os movimentos sociais lutam por diferentes demandas e por meio de lutas

específicas, mesmo assim combinam várias características. Destas lutas podemos citar

os movimentos dos “sem” (demandas pontuais ao Estado); luta por reformas, ampliação

da cidadania e preservação/ampliação dos direitos sociais; mudanças das práticas e

valores sociais, novas relações de gênero, racial, sexual e luta anti-sistêmica que

questiona a ordem capitalista e propõe formas de emancipação, ainda que sem um

projeto definido (GALVÃO, 2010, p.10) A estes podemos incluir a luta pelo meio

ambiente.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 10

O autor faz sua crítica apontando as idéias de Bourdieu e Touraine.

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Os conflitos trabalhistas e os de cunho societal apesar de aparentemente

distintos, estão embricados. Conforme Galvão, nas questões ambientais pode relacionar

a lógica capitalista e a intensificação do trabalho que destrói a natureza, a luta da

mulher, do negro, do índio a partir das pesquisas marxistas, são articuladas à situação

objetiva de classe: a mulher trabalhadora, o negro trabalhador, etc.

Segundo a autora, citando Lojkine, os movimentos sociais não estabelecem cisão

entre mobilização e poder político e apontam diferentes dimensões políticas. Citando

Laclau e Mouffe, a autora afirma que estes movimentos se destacam pelo potencial anti-

capitalista que possuem e desta forma, são expressão da luta de classes.

Para incluir estes movimentos na luta reformista/revolucionária, se faz

necessário ampliar o conceito de luta de classes. Marx em A Miséria da Filosofia afirma

que as “coalizões dos trabalhadores em defesa de seu salário adquirem um caráter

político na medida em que, ao sofrer a repressão patronal, os trabalhadores se dão conta

da necessidade de ir além da luta reivindicativa” 11

. “O fato da classe em si não estar

organizada em classe para si não significa que as resistências das classes dominadas não

afetem as instituições e o processo político”(GALVÃO, 2010, p.8). Para Galvão, a luta

dos trabalhadores pode tanto se limitar às questões imediatas quanto atingir interesses

de classe, articulando-se na luta pelo socialismo.

É preciso pensar a luta de classes como um processo não linear, que articula

as esferas econômica e política e passa por diversos níveis. Assim, mesmo

que a movimentação dos trabalhadores não seja consciente e organizada, que

a resistência à dominação seja difusa, ela ainda pode provocar efeitos

importantes para o desdobramento da luta de classes (GALVÃO, 2010, p.9).

Para Vakaloulis, diante da modernização neoliberal, se faz necessário articular

os diferentes movimentos sociais num projeto de conjunto das lutas sociais (2005,

p.139). Também Mouriaux e Béroud afirmam a necessidade da

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 11

Apud Galvão 2010, p.9.

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estratégia unificadora. Galvão afirma que é possível estabelecer uma relação entre

heterogeneidade/fragmentação de um lado e unidade de outro. Ou seja, a autora afirma

que é preciso reconhecer a pluralidade de demandas e de grupos mobilizados e a

unidade destes diferentes sujeitos em uma aliança de classes e frações de classe (p.16).

Além disso, a autora enfatiza a importância de um projeto político e da ideologia na

organização das classes dominadas em movimentos sociais.

Considerações finais

Buscamos com este artigo contribuir com as análises sobre movimentos sociais e

classe. As análises sobre movimentos sociais em sua grande maioria negam a categoria

classe para pensar os “novos” movimentos sociais. Assim sendo, nos debruçamos sobre

o debate defendido por Klaus Eder na tentativa de demonstrar suas contribuições sobre

ação coletiva a partir das classes.

O autor tem o mérito de inserir o conceito de classe e de classe média, para

pensar os movimentos sociais contemporâneos, entretanto, ao supervalorizar a dimensão

simbólica nos conflitos sociais, rejeita a categoria trabalho. Desta maneira nos voltamos

para as recentes obras críticas que analisam os movimentos sociais sem negar a

centralidade do trabalho nos conflitos de classe.

Eder ao afirmar que o materialismo histórico vê o proletariado como

naturalmente revolucionário não leva em conta que, para o marxismo, o proletariado

(aqui pensado no sentido amplo), é a classe potencialmente revolucionária, assim sendo,

suas ações podem ser desde progressistas e revolucionárias, até conservadoras e

reacionárias.

Pensar os movimentos em última instância, de um ponto de vista cultural, como

faz Eder, acaba nos levando a falsas abstrações. Assim como nos relatou Mouriaux e

Béroud, esta limitação não permite superar a aparente fragmentação das lutas sociais.

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Concordamos desta forma com as análises críticas que afirmam que o conflito

capital/trabalho ainda está presente nos movimentos sociais contemporâneos, que são

policlassistas, possuem uma posição anti-capitalista (ou anti-neoliberais) e desta forma

são expressão da luta de classes.

Por serem policlassistas, ter a classe média na composição de classe

destes movimentos é certo. Por outro lado, não significa dizer que estes não mais

reproduzem os conflitos de classe, nem muito menos os do capital/trabalho. Eder acaba

fragmentando os movimentos sociais, quando vê nestes um “novo”, “outro”, sujeito,

quando pensa o proletariado como ultrapassado.

Assim sendo, pensar os movimentos sociais hoje em dia como

estratégia de luta reformista/revolucionária, é um imperativo. Por outro lado, se faz

necessário articulá-los num projeto comum, com ideologias definidas, como tentamos

demonstrar neste trabalho.

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