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A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

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A ANÁLISE DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS

2

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS UCPEL

Chanceler

D. Jayme Henrique Chemello

Reitor

Alencar Mello Proença

Vice-Reitor

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EDUCAT - EDITORA DA UCPel Editor

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CONSELHO EDITORIAL Adenauer Corrêa Yamin

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Erli Soares Massaú

Elizabeth Pereira Zerwes

Francisco Paulo de A. Lobo

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Osmar M. Schaefer - Presidente

Paulo D. M. Caruso

Ricardo Andrade Cava

Wallney Joelmir Hammes

William Peres

EDUCAT Editora da Universidade Católica de Pelotas - UCPel

Rua Félix da Cunha, 412

Fone (0-XX-532) 84.8297 - FAX (0-XX-532) 25.3105 - Pelotas - RS - Brasil

3

Pierre Muller

Yves Surel

A ANÁLISE DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS

Tradução de

Agemir Bavaresco e Alceu R. Ferraro

Coleção Desenvolvimento Social

3

Pelotas, 2002

EDUCAT

4

Obra originalmente publicada sob o título

L'analyse des politiques publiques

© 1998, Editions Montchrestien, E.J.A.

I.S.B.N. 2-7076-0668-5

© 2002 Agemir Bavaresco e Alceu R. Ferraro

Direitos desta edição reservados à

Editora da Universidade Católica de Pelotas

Rua Félix da Cunha, 412

Fone (0-XX-532) 84.0000 - Fax (0-XX-532)25.3105

Pelotas - RS – Brasil

E-mail:[email protected]

PROJETO EDITORIAL

EDUCAT

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Ana Gertrudes G. Cardoso

CAPA Luis Fernando Giusti

ISBN 85-

M958a Muller, Pierre

A Análise das Políticas Públicas / Pierre Muller, Yves

Surel; [traduzido por] Agemir Bavaresco, Alceu R.

Ferraro. - Pelotas: Educat, 2002.

156p.

1. Políticas públicas I. Surel, Yves II. Bavaresco,

Agemir III. Ferraro, Alceu IV Título

CDD 361.61

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cristiane de Freitas Chim

CRB 10/1233

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................. 7

O QUE É UMA POLÍTICA PÚBLICA? .................................... 10

UMA POLÍTICA PÚBLICA É UM CONSTRUCTO SOCIAL E UM

CONSTRUCTO DE PESQUISA .......................................................... 11

Uma política pública constrói um quadro normativo de ação 13

Uma política pública como expressão do poder público ........ 17

Uma política pública constitui uma ordem local .................... 19

OS PROBLEMAS POSTOS PELA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS .20

O sentido de uma política pública pode ser "explícito" ou

"implícito" ............................................................................... 21

Decisão e não decisão ............................................................ 22

Política pública e gasto público ............................................. 23

PARA ALÉM DA ABORDAGEM SEQÜENCIAL .................................. 25

TEORIAS DA AÇÃO PÚBLICA: NOVAS ABORDAGENS ... 30

DUAS CONCEPÇÕES TRADICIONAIS DO ESTADO ........................... 31

A abordagem estatal ou a sociedade produzida pelo Estado . 31

A abordagem pluralista ou o Estado produzido pela

sociedade ................................................................................ 35

As duas dimensões da ação do Estado.................................... 37

O NEO-INSTITUCIONALISMO ........................................................ 38

Os elementos fundamentais do neo-institucionalismo ............ 39

Os três neo-institucionalismos ................................................ 41

A ABORDAGEM COGNITIVA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ................. 44

Paradigma, sistemas de crença, referenciais ......................... 45

A produção das identidades .................................................... 47

As lógicas de poder ................................................................. 48

A GÊNESE DA AÇÃO PÚBLICA .............................................. 51

A PROBLEMATIZAÇÃO DOS FENÔMENOS SOCIAIS ......................... 53

A busca das causas ................................................................. 53

A construção de narrações ..................................................... 56

A INSCRIÇÃO NA AGENDA ............................................................ 64

Os prismas institucionais ........................................................ 64

A transformação “pública” do problema ............................... 67

JANELAS POLÍTICAS ..................................................................... 70

6

ATORES E REDES DE POLÍTICAS PÚBLICAS .................... 77

O PAPEL DOS ATORES NA PRODUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ... 77

Os repertórios da ação e as fontes dos atores ........................ 79

Grupos de interesse e matrizes cognitivas .............................. 83

O papel específico da mídia .................................................... 85

REDES DE AÇÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA ................................... 87

As policy networks .................................................................. 88

O conceito de governança ...................................................... 92

A UNIÃO EUROPÉIA: UM NOVO CONTEXTO DA AÇÃO PÚBLICA .... 95

RACIONALIDADE E IRRACIONALIDADE DA AÇÃO

PÚBLICA ........................................................................................ 99

DECISÃO INENCONTRÁVEL99

A indeterminação da decisão .................................................. 101

A decisão como processo ........................................................ 101

OS CONSTRANGIMENTOS DA DECISÃO ......................................... 104

O peso das regras ................................................................... 104

A decisão como desafio de poder ............................................ 106

O prisma burocrático.............................................................. 108

UMA RACIONALIDADE IMPROVÁVEL ........................................... 110

O modelo da decisão racional ................................................ 110

As críticas do modelo da racionalidade absoluta ................... 113

A DECISÃO COMO PROCESSO COGNITIVO ..................................... 117

A MUDANÇA DA AÇÃO PÚBLICA .......................................... 120

Incrementalismo e aprendizagem ........................................... 121

O incrementalismo .................................................................. 121

A aprendizagem ...................................................................... 124

O PESO DO PASSADO .................................................................... 129

A herança ................................................................................ 129

Os processos de path dependence ........................................... 131

CONJUNTURAS CRÍTICAS E MUDANÇAS DE PARADIGMAS ............. 137

Mudanças de paradigmas e mudanças de políticas ................ 137

As variáveis políticas e a abertura de “janelas” de

oportunidade ........................................................................... 143

BIBLIOGRAFIA ........................................................................... 147

7

INTRODUÇÃO

O Estado é, sem dúvida, o fenômeno político dominante

do século XX, o resultado de um lento movimento de ampliação

das estruturas e das prerrogativas estatais iniciadas com a

passagem do feudalismo em direção à modernidade (Tilly, 1975;

Bendix, 1977). Reivindicando, pouco a pouco, com sucesso uma

gama mais e mais ampliada de funções sociais, o Estado

constituiu-se assim numa forma de “lei do monopólio” (Elias,

1975) em torno de um aparelho burocrático encarregado de

missões mais e mais complexas de regulação social. Última e

maior fase desta dinâmica, o período contemporâneo (depois do

fim do segundo conflito mundial) viu a eclosão, depois a

generalização, do Estado-providência, cujas missões de proteção

social e de redistribuição das rendas pareceram inaugurar uma

nova forma de cidadania (Marshall 1950, Ewald 1986). O lugar

do Estado tornou-se, assim, determinante, sendo sua evolução

simbolicamente ritmada pela variação da taxa dos impostos

obrigatórios no PIB das nações.

Portanto, além deste processo de difusão, “o objeto

Estado” transformou-se também profundamente, a partir das

análises canônicas de Hegel, Marx ou Max Weber. Antes

encarnação da “razão na História”, “braço armado da burguesia”,

ou detentor do “monopólio da violência legítima”, o Estado é

hoje percebido no essencial através de sua ação, seja esta

considerada como positiva ou negativa. Por isso mesmo, estudar

a ação pública não consiste mais verdadeiramente (ver-se-á

mesmo se esta questão não perdeu todo seu sentido) em refletir

sobre o lugar e sobre a legitimidade do Estado, enquanto forma

política abstrata, mas em compreender as lógicas implementadas

nestas diferentes formas de intervenção sobre a sociedade, em

identificar os modos de relação existentes entre atores públicos e

privados e em compreender como a ação pública recobre as

dinâmicas imprecisas e evolutivas da fronteira entre Estado e

sociedade.

8

O descentramento do questionamento sobre o Estado

traduziu-se também, depois de uma vintena de anos, por uma

evolução de modos de compreender a ação pública. Enquanto

que, até então, (pelo menos na Europa), as abordagens

dominantes privilegiavam a dimensão puramente institucional e

administrativa, [daí em diante] apareceram, progressivamente,

outras perspectivas, outros métodos e instrumentos. Saídas de

horizontes disciplinares diferentes, nas fronteiras da sociologia e

da ciência política, essas novas visões se reagruparam hoje, no

essencial, ao redor da análise das políticas públicas.

Originalmente formulada nos Estados Unidos, como um conjunto

de dispositivos de pesquisa, que tinha por ambição fornecer as

receitas do “bom” governo, a policy analysis distanciou-se

progressivamente de sua orientação operacional para tornar-se

uma disciplina por inteiro da Ciência Política, progressivamente

autonomizada nas estruturas de ensino e de pesquisa.

Alimentando pouco a pouco um outro olhar sobre o Estado, a

análise das políticas públicas contribuiu desde então para mostrar

que o Estado não é (não é mais?) esta forma social absoluta na

história.

Enquanto que o movimento da formação do Estado

esteve indissoluvelmente ligado à constituição de “centros”

políticos, definidos sobre uma base nacional, que tiraram

progressivamente as “periferias” de uma grande parte de sua

autonomia (de modo especial pela monopolização da fiscalização

e do poder de decisão), o enfraquecimento destes “centros”

constitui uma das dinâmicas mais importantes do período

contemporâneo. Os Estados-Nações, na Europa em especial,

estão assim submetidos, hoje, na maior parte, a uma dupla

pressão da organização européia e da autonomização crescente

das comunidades políticas “locais”. Por isso, a própria forma do

Estado parece ultrapassada pelas lógicas econômicas (a

“globalização”), sociais e políticas, que não se restringem mais

ao quadro da nação, o que põe em definitivo o problema da

adequação entre o Estado e o espaço público.

A fim de compreender essas evoluções e de identificar as

lógicas de funcionamento do Estado, a ambição desta obra é,

essencialmente, propor ao leitor um guia de reflexão sobre o

9

Estado moderno em torno de um certo número de questões. Por

que intervém o Estado? Como a ação pública é decidida e

implementada? As decisões são o fruto de processos racionais?

Pode-se verdadeiramente medir a eficácia e o sentido da ação

pública? Quais tipos de trocas foram, pouco a pouco, instauradas

com os atores envolvidos? Enfim, em qual medida a ação pública

é evolutiva, quais são as regras que regem as transformações e a

mudança?

Para tentar responder a essas questões buscar-se-á, de

início, apresentar as grandes tendências da pesquisa em políticas

públicas e examinar as principais questões da disciplina (a

agenda, a decisão, a mudança...), valorizando uma abordagem

particular, a abordagem cognitiva das políticas públicas.

Considerando o tamanho da obra, não será possível, aqui, tratar

em detalhes os campos de análise específicos, como as políticas

locais ou as políticas européias (cf. Mabileau, 1991; Quermonne,

1994). Em termos mais gerais, experimentar-se-á mostrar que a

ação do Estado pode ser considerada como o lugar privilegiado

em que as sociedades modernas, enquanto sociedades complexas,

vão colocar o problema crucial de sua relação com o mundo

através da construção de paradigmas ou de referenciais, sendo

que este conjunto de matrizes cognitivas e normativas

intelectuais determina, ao mesmo tempo, os instrumentos graças

aos quais as sociedades agem sobre elas mesmas e os espaços de

sentido no interior das quais os grupos sociais vão interagir 1.

1 . Esta obra foi realizada no projeto do Centro Robert Schuman do

Instituto universitário europeu de Florença. Os autores agradecem

vivamente o senhor Yves Mény, diretor do Centro, assim como o corpo

de funcionários pela acolhida e as excelentes condições de trabalho de

que os autores se beneficiaram.

10

O QUE É UMA POLÍTICA PÚBLICA?

A primeira dificuldade com a qual se defronta a análise

das políticas públicas é o caráter polissêmico do termo “política”.

As coisas são mais simples para os autores de língua inglesa, pois

eles dispõem de termos diferentes para designar o que o francês

reúne sob a noção de política. Com efeito, este termo cobre, ao

mesmo tempo, a esfera da política (polity), a atividade política

(politics) e a ação pública (policies). A primeira faz a distinção

entre o mundo da política e a sociedade civil, podendo a fronteira

entre os dois, sempre fluida, variar segundo os lugares e as

épocas; a segunda designa a atividade política em geral (a

competição pela obtenção dos cargos políticos, o debate

partidário, as diversas formas de mobilização...); a terceira

acepção, enfim, designa o processo pelo qual são elaborados e

implementados programas de ação pública, isto é, dispositivos

político-administrativos coordenados em princípio em torno de

objetivos explícitos.

Estudar a ação pública é situar-se – principalmente – no

quadro da terceira acepção, a das políticas. O que não quer dizer,

evidentemente, que as outras dimensões deverão ser ignoradas e,

em particular, a dimensão da competição política. Colocar apenas

a ênfase na ação pública, antes que na competição política,

constitui um ângulo de abordagem diferente do enfoque

politológico clássico, porque, nesse caso, a atividade política é

primeiro analisada do ponto de vista dos outcomes, ao invés de

privilegiar seus inputs (Lacasse, Thoenig, 1996).

Por isso mesmo, a análise das políticas públicas não

procede, propriamente falando, de um recorte da esfera política,

privilegiando certas atividades e deixando outras de lado. É

próprio da análise das políticas, lançar um olhar diferente sobre a

ação pública em seu conjunto, colocando-se do ponto de vista

daquilo que se tornou centro de gravidade da esfera política, a

saber, a implementação das políticas públicas. O exemplo da

11

decisão tomada, na primavera de 1995, pelo Presidente da

República Jacques Chirac, de retomar os testes nucleares no

Pacífico, pode ilustrar, sob esse ponto de vista, a ambigüidade

das fronteiras, da mesma forma que a especificidade da análise

das políticas públicas. Com efeito, como duvidar que tal decisão,

emblemática da monarquia nuclear, é, por essência, política?

Mas, ao contrário, como não enxergar a extrema complexidade

técnica de uma tal decisão? O desafio da análise das políticas

públicas vai, portanto, muito além da compreensão dos

resultados de decisões do Estado. Trata-se, definitivamente, de

interrogar-se sobre o funcionamento da democracia, a partir do

momento em que a dimensão técnica (no sentido mais amplo do

termo) da ação pública aumenta fortemente, a tal ponto que

termina por colocar-se o problema da reintegração do cidadão na

“rede da decisão”[boucle de la décision].

Antes de apresentar os conceitos fundamentais da análise

das políticas, tentaremos avançar um pouco rumo à identificação

deste objeto particular que são as políticas públicas. Perceber-se-

á, então, que uma política é, ao mesmo tempo, um constructo

social e um constructo de pesquisa, a qual, por isso coloca

problemas difíceis de identificação e de interpretação, e que,

enfim, o desafio atual da pesquisa é o da constituição de um

quadro de análise sistêmica da ação pública, que possa

ultrapassar os limites da abordagem seqüencial.

Uma política pública é um constructo social

e um constructo de pesquisa

Todos nós temos idéia, de modo intuitivo, do que pode

ser uma política pública. Por exemplo, se buscamos definir os

contornos da política ambiental, poderemos começar pelo

levantamento do conjunto dos textos legislativos e reguladores

que dizem respeito ao setor. Contudo, descobriremos logo que a

ação do Ministério do Meio Ambiente não se limita à produção

de textos e que uma simples declaração do ministro,

questionando, por exemplo, tal ou qual categoria de “poluente”,

12

constitui um ato de força, que pode ter um impacto político e

social nada desprezível. Ao mesmo tempo, podem existir

políticas mesmo na ausência de uma estrutura ministerial

especializada: as políticas de meio ambiente existiam antes da

criação do ministério – ficando posta a questão de sua

denominação. Principalmente, quando um ministério existe,

percebe-se logo que a ação do mesmo não cobre a totalidade do

domínio pelo qual ele é responsável: assim, a maioria das

administrações, num momento ou noutro, põem em execução

ações que dizem respeito, às vezes muito diretamente, ao campo

do meio ambiente.

Tudo isso mostra que, contrário às aparências, a operação

que consiste em delimitar as “fronteiras” de uma política pública

é sempre um tanto aleatória, não devendo os contornos de uma

política ser considerados como um “dado”. Ao contrário, eles são

sempre suscetíveis de serem postos em questão, através de um

processo constante de redefinição da estrutura e, portanto, dos

limites dos campos políticos. No entanto, se é imperativo ter

consciência do caráter construtivo e evolutivo das políticas

públicas, não se deve fazer dessa questão da localização das

mesmas o único desafio da pesquisa, como se tende a fazer com

freqüência, quando se começa o estudo de um domínio da ação

pública. Assim, é provavelmente inútil perguntar-se

indefinidamente se a política ambiental ou a política agrícola

“existem” e quais são as sua fronteiras: é melhor tomar um

objeto de pesquisa mais modesto, que permita, se for o caso,

interrogar-se sobre os mecanismos de construção da ação pública

nesses setores.

É este o problema que Jones enfatiza quando afirma que

uma política é simplesmente uma “categoria analítica”: ela é o

produto tanto do trabalho de construção do seu objeto pelo

pesquisador, quanto da ação dos atores políticos (Jones, 1970).

Isto significa que a análise deverá levar em conta o fato de que a

existência ou não da política constitui um desafio para os atores

que, de acordo com a sua posição, tenderão a sobrevalorizar a

racionalidade da própria ação ou, ao contrário, a colocar em

causa a coerência, até a existência, da ação governamental.

13

Segue-se daí que não é preciso espantar-se com a

dificuldade que se tem para definir o que seja uma política

pública. Na literatura especializada, as definições vão desde a

qualificação mínima, “tudo o que o governo decide fazer ou não

fazer” (Howllet, Ramesh, 1995, p.4), até definições mais

completas, em que a política pública se apresenta como um

programa de ação governamental num setor da sociedade ou num

espaço geográfico: a saúde, a seguridade, os trabalhadores

imigrados, a cidade de Paris, a Comunidade européia, o oceano

Pacífico etc.” (Mény, Thoenig, 1989, p.130-131). Esse tipo de

definição apresenta a vantagem de colocar em foco a dimensão

pragmática da análise das políticas públicas: toda ação pública,

em qualquer nível que seja, e qualquer que seja o domínio a que

se refere, entra no campo da análise das políticas públicas. O

inconveniente dessas definições é a contrapartida desta

vantagem: se esta recobre a totalidade da ação pública, qual é o

interesse heurístico do conceito de política pública?

Na tentativa de ir mais longe, a maioria dos autores

propõem elementos que permitam especificar um pouco a noção

de política pública. Pode-se agrupar esses elementos sob três

grandes rubricas: uma política pública constitui um quadro

normativo de ação; ela combina elementos de força pública e

elementos de competência [expertise]; ela tende a constituir uma

ordem local.

Uma política pública constrói um quadro normativo de ação

Uma política pública é formada, inicialmente, por um

conjunto de medidas concretas que constituem a substância

“visível” da política. Esta substância pode ser constituída de

recursos: financeiros (os créditos atribuídos aos ministérios),

intelectuais (a competência que os atores das políticas são

capazes de mobilizar), reguladores (o fato de elaborar uma nova

regulamentação constitui um recurso novo para os tomadores de

decisão), materiais. Ela é também constituída de “produtos”, isto

é, de outputs reguladores (normativos), financeiros, físicos.

Tomemos, como exemplo, o conjunto das decisões, medidas e

ações do Estado em matéria de segurança rodoviária, que

14

constitui um verdadeiro inventário para a Prévert. Esta comporta,

de fato, uma multidão de textos reguladores em matéria de

circulação rodoviária (obrigação do uso do cinto de segurança,

criação da licença com base em pontuação...), a ação cotidiana

das forças da polícia e da gendarmaria para fazer respeitar o

código rodoviário, programas específicos voltados para a luta

contra o alcoolismo no volante, ações de informação nas escolas,

trabalhos de engenharia civil (programa de auto-estradas,

eliminação dos “pontos pretos”, melhoramento de

entroncamentos...).

Como se vê, todas essas decisões e ações constituem um

conjunto extremamente heteróclito que põe em jogo numerosos

atores pertencentes a múltiplas organizações, públicas ou

privadas, e que intervêm em diversos níveis. A questão que se

coloca, então, é a da coerência destes diferentes elementos. Com

efeito, se é quase certo que uma medida isolada não constitui

uma política pública, o que acontece quando se está diante de um

conjunto de medidas sem ligação aparente entre elas?

Encontram-se na literatura diversas maneiras de corte

possíveis. Os primeiros trabalhos da análise das políticas

públicas apoiaram-se, inicialmente, sobre as divisões canônicas

herdadas do direito e da ciência administrativa. Nessa

perspectiva tradicional, as políticas públicas se encontravam

delimitadas, segundo sua inscrição num território dado e/ou um

setor sócio-econômico, tornando-se esta última noção, pouco a

pouco, o principal modo de distinção. Ela mostrava, com efeito,

o interesse de estabelecer uma correspondência entre as divisões

ministeriais da ação do Estado e o tratamento de problemas

característicos de espaços sociais diferenciados por suas

atividades próprias, herdadas da divisão progressiva do trabalho

social descrita por Durkheim. A análise das políticas públicas

levava, desde então, ao estudo da ação pública nas distintas

esferas: industriais, sociais, culturais... De natureza

essencialmente descritiva, esse recorte, contudo, deixava de lado

alguns problemas importantes. Assim, esse modo de

diferenciação não permitia questionar a natureza evolutiva dos

vínculos entre os atores públicos e privados (Baraize, 1996), ou

15

ainda, o problema da coerência da ação do Estado num quadro

que não fosse pré-constituído.

Para remediar esses problemas, que diziam respeito

igualmente às divisões com base no modelo territorial (Smith,

1996; Faure, 1997; Le Galès, 1998), foram aplicados outros

critérios de diferenciação, mais consentâneos com o modo de

proceder sociológico. De modo especial a noção de sistema de

ação, tirada do arsenal conceptual da sociologia das

organizações, que repousa sobre a identificação de um espaço de

trocas, finalizado entre atores, constitutivo de relações de poder

em função dos recursos mobilizados (Crozier, Friedberg, 1977;

Zan, Ferrante, 1996). Retomada por Sabatier, esta perspectiva

geral permite distinguir subsistemas de políticas públicas, isto é,

“o grupo de pessoas e/ou de organizações que interagem de

maneira regular, em períodos superiores ou iguais a uma década,

com o objetivo de influenciar a formação e implementação de

políticas públicas dentro de um domínio dado” (Sabatier, 1997,

p. 15). Mesmo que o critério de definição não seja mais

verdadeiramente pré-constituído, ainda assim uma tal noção

deixa demasiado lugar para o “dado” e não permite que se

questione os determinantes e os princípios de constituição e de

evolução desses espaços de trocas onde se forma a ação do

Estado.

Para que se esteja na presença de uma política, é

necessário que seja igualmente definido, pelo menos como

tendência, um quadro geral de ação. Richard Rose propõe que,

para tal fim, se utilize a noção de programa de ação

governamental (Rose, 1985), definida como “uma combinação

específica de leis, de atribuições de créditos, de administrações e

de pessoal voltados para a realização de um conjunto de

objetivos mais ou menos claramente definidos” (Rose, Davies,

1994, p.54). O problema é que esta noção incontornável levanta

dificuldades consideráveis. Se é evidente que uma política é mais

do que uma coleção de decisões e de ações, é fácil constatar-se

que as inumeráveis declarações governamentais sobre a

necessidade de reduzir o desemprego, por exemplo, da mesma

forma que as decisões que as acompanham, não resultam

necessariamente na implantação de políticas de emprego.

16

Isto significa que, para que uma política pública “exista”,

é preciso que as diferentes declarações e/ou decisões sejam

reunidas por um quadro geral de ação que funcione como uma

estrutura de sentido, ou seja, que mobilize elementos de valor e

de conhecimento, assim como instrumentos de ação particulares,

com o fim de realizar objetivos construídos pelas trocas entre os

atores públicos e privados. Uma tal proposição, que pode parecer

trivial, levanta na realidade enormes dificuldades. Ela implica,

primeiramente, em tomar consciência do caráter normativo de

todo programa de ação pública. Isto significa que toda política

governamental se definirá, antes de tudo, como um conjunto de

fins a se atingir, como por exemplo “melhorar os rendimentos

dos agricultores”, “reduzir o desemprego dos jovens”, “elevar a

capacidade de ataque das forças armadas”... Tais fins, ou

objetivos, poderão estar mais ou menos explícitos nos textos e

nas decisões do governo (o preâmbulo de uma lei, por exemplo),

detalhando os objetivos estabelecidos pelo governo no setor em

questão. Às vezes, pelo contrário, os fins governamentais

permanecerão fluidos, até ambíguos. Isto significa que, também

lá, os objetivos da ação pública não são dados, mas devem

constituir o objeto de um trabalho de identificação e reconstrução

pelo pesquisador, através, por exemplo, do estudo das reuniões

interministeriais preparatórias à decisão ou dos debates

parlamentares.

Além do mais - segunda dificuldade - coloca-se a

questão de saber quem define as normas da ação pública: é o

governo, os partidos, os eleitores ou... o pesquisador que,

fazendo o estudo de uma política, vai, de modo mais ou menos

consciente, reconstruir a estrutura normativa do programa

governamental que ele observa? Qualquer que seja a resposta,

está claro, em todos os casos, que analisar a ação do Estado não

consiste, simplesmente, em se estudá-lo como aparelho político-

administrativo.

Em fim, terceira dificuldade, isto não quer dizer que,

para que haja política pública, todas as medidas em questão

devem ser reunidas num quadro normativo e cognitivo

perfeitamente coerente. Se tal fosse o caso, isto significaria dizer

que, sem dúvida, não existiria jamais “verdadeira ” política

17

pública. Pelo contrário, uma vez quer se queira compreender os

resultados da ação pública, é indispensável tomar-se consciência

do caráter intrinsecamente contraditório de toda política. Quando

se examinam as políticas de saúde, por vezes se encontram, por

exemplo, ações que encorajam o acompanhamento médico das

mulheres grávidas e, de forma paralela, medidas destinadas a

limitar as despesas médicas.

Evidentemente, pode-se mostrar que a contradição,

flagrante em determinado nível, é superável em outro (por

exemplo, ao esclarecer-se que o aumento das consultas médicas

para as mulheres grávidas permite diminuir a mortalidade

perinatal). Mas não é menos verdade que toda política pública se

caracteriza por contradições, até incoerências, que devem ser

levadas em conta, mas sem impedir que se defina o sentido das

condutas governamentais. Simplesmente, este sentido não é de

forma alguma unívoco, porque a realidade do mundo é, ela

mesma, contraditória, o que significa que os tomadores de

decisão são condenados a perseguir objetivos em si mesmos

contraditórios: promover a rentabilidade de certa empresa

pública e manter a paz social; freiar a inflação e reativar o

consumo...

O analista deve, portanto, manter-se à distância entre

duas posições extremas que constituem dois impasses para a

compreensão da ação pública. O primeiro consiste em considerar

que somente se está na presença de uma política pública a partir

do momento em que as ações e as decisões estudadas formam um

todo coerente, o que não acontece jamais. O segundo impasse

teórico e metodológico consiste em negar qualquer racionalidade

da ação pública, em vista das múltiplas incoerências que ela

manifesta. Para sair dessa dificuldade, o trabalho de análise deve

esforçar-se para colocar à luz as lógicas de ação e em ação as

lógicas de sentido no processo de elaboração e de implementação

das políticas.

Uma política pública como expressão do poder público

O problema aqui colocado repousa sobre a identificação

dos elementos que fundamentam a especificidade da ação do

18

Estado. Tradicionalmente, a resposta mais simples consiste em

colocar em destaque o fato de que uma política governamental

compreende elementos de decisão ou de alocação de recursos de

natureza mais ou menos autoritária ou coercitiva. Encontra-se

aqui a concepção weberiana do Estado como detentor de um

monopólio da violência física legítima. Bem entendido, essa

dimensão autoritária não aparece sempre em primeiro plano. Ao

lado de políticas que mobilizam de forma explícita elementos de

coerção física (defesa, segurança interna), em outras políticas,

como as políticas reguladoras, o uso da coerção não é mais que

potencial. Mais sutil, mesmo quando o uso da coerção não está

previsto, como no caso das políticas redistributivas por exemplo,

a ação governamental tende a constituir detentores de direito,

definindo critérios de renda para a obtenção de uma ajuda social.

Nisso as políticas governamentais estabelecem relações

dissimétricas entre o Estado, que modifica o ambiente jurídico

dos indivíduos, e os cidadãos, sejam estes últimos beneficiários

ou “vítimas” das regulamentações.

Na realidade, como sempre, as coisas não são tão

simples. Para começar, por causa da extensão contínua das

funções estatais ao longo da segunda metade do século XX,

pode-se perguntar até que ponto a dimensão coercitiva ou

autoritária das políticas públicas é sempre um critério

discriminante. Por exemplo, qual é a parte de coerção nas

escolhas públicas em matéria de ajuda à pesquisa científica ou na

decisão de financiar um novo programa espacial?

Além do mais - a análise das políticas públicas

contribuiu muito para demonstrá-lo - afirmar a especificidade da

ação do Estado não deve desembocar numa reificação do poder

público em um bloco homogêneo e autônomo. Mesmo se,

enquanto ato isolado, uma decisão é uma expressão do poder

público, permanece, em cada caso concreto, o problema da

identificação da fronteira entre espaço público e privado

(Habermas, 1987), bem como a demonstração das interações que

concorrem para a expressão do poder público. O prisma analítico

das políticas públicas deve, desse ponto de vista, tornar-se a

ocasião de uma interrogação constante sobre a natureza evolutiva

do Estado e das relações entre espaço público e privado.

19

Uma política pública constitui uma ordem local

Se uma política pública não deve ser simplesmente

considerada como um conjunto de decisões, é porque sua análise

permanece ligada ao estudo dos indivíduos e/ou grupos, que são

os atores, homens políticos, funcionários de todos os níveis,

grupos de interesse... Toda política pública assume, de fato, a

forma de um espaço de relações interorganizacionais que

ultrapassa a visão estritamente jurídica que se poderia ter a

respeito: uma política pública constitui uma “ordem local”, isto

é, um “constructo político relativamente autônomo que opera, em

seu nível, a regulação dos conflitos entre os interessados, e

assegura entre eles a articulação e a harmonização de seus

interesses e seus fins individuais, assim como dos interesses e

fins coletivos” (Friedberg, 1993).

Para estudar uma política pública, é preciso, portanto,

levar em conta o conjunto dos indivíduos, grupos ou

organizações cuja posição é afetada pela ação do Estado num

espaço dado, aquilo que Cobb e Elder puderam chamar o

“público” de uma política (Cobb, Elder, 1983). Retomemos o

exemplo da segurança rodoviária: esta política concerne

evidentemente aos automobilistas (cujo estatuto de grupo é

questionável), mas também aos fabricantes de automóveis, aos

mecânicos, às empresas de transporte de carga ou de pessoas. A

esses atores é preciso do mesmo modo acrescentar as empresas

de engenharia civil, que se beneficiam dos programas de obras

públicas, assim como, numa certa medida, o sistema hospitalar,

que é afetado de forma direta pelo problema da insegurança

rodoviária, como o mostram com regularidade as tomadas de

posição do corpo médico em prol do reforço de tal ou qual

dispositivo do código de trânsito.

Por isso mesmo, é claro que a noção de “público”

remete, na realidade, a situações muito diferentes, que

representam modalidades de participação peculiares aos

"beneficiários" de uma política, seja o conjunto dos atores

“envolvidos” pela elaboração ou a implementação de uma

política. Sob esse aspecto, colocam-se dois problemas que dizem

20

respeito ao grau de implicação desses beneficiários na ação

pública.

1. O modo e a intensidade dessa participação podem ser

muito variáveis de um espaço de ação a outro e/ou de um período

a outro. Com efeito, não há termo de comparação entre a

capacidade de influência dos fabricantes de automóveis e aquela

dos automobilistas, da mesma forma que a profissão agrícola

disporá de meios de influência bem superiores àqueles de que

dispõem os habitantes do mundo rural.

2. De maneira conexa, coloca-se a questão de saber quais

são os fatores que determinam essa capacidade de influência.

Esses fatores podem ser estruturais, quando dizem respeito à

posição do ator na divisão do trabalho própria ao setor. Eles

podem também depender da capacidade do grupo para constituir-

se ator coletivo e mobilizar recursos pertinentes. A aptidão de um

ator coletivo, para influir no conteúdo ou na implementação de

uma política pública, pode, com efeito, variar fortemente em

função do grau de mobilização que é capaz de suscitar, como o

mostram os exemplos das coordenações e associações de "sem

moradia" ou de "sem documentos" (Fillieule, Péchu, 1993).

Um dos desafios da análise da ação do Estado será,

assim, o de constituir e de construir o continuum dos modos de

ação dos grupos sociais no quadro das políticas públicas,

partindo dos grupos mais difusos, dos menos organizados, que

intervêm, eventualmente, no campo de certas políticas (e podem

até desaparecer por completo uma vez satisfeita a sua

reivindicação), até os grupos os mais estáveis que, à semelhança

dos agricultores, são capazes de colocar em prática relações de

tipo corporativista com as administrações competentes.

Os problemas postos pela análise

das políticas públicas

Além desta complexidade própria ao objeto “política

pública”, quase que inevitavelmente aparecem outros problemas

quando se quer estudar uma política.

21

O sentido de uma política pública pode ser "explícito" ou

"implícito"

A questão aqui posta é a de saber se o sentido de uma

política pública é necessariamente explicitado pelos tomadores

de decisão governamentais ou se outros atores intervêm na sua

determinação. Tal questão se coloca antes de tudo em virtude da

distância inevitável entre os objetivos de uma política tais quais

são definidos pelos tomadores de decisão e os resultados

constatados no momento da implementação. Por exemplo,

quando da guerra do Golfo, o fim oficial (explícito) da guerra era

por fim à ocupação do Kuwait pelo Iraque, mas era este o fim

efetivo? Uma coisa é certa: o resultado da guerra foi um

enfraquecimento durável do Iraque: era este o objetivo

procurado? O problema aqui posto é o do grau de elaboração dos

objetivos implícitos próprios a toda política. É sempre muito

difícil responder a esse tipo de questão, porque, quando

interrogamos os atores de uma política, sempre nos confrontamos

com fenômenos de reconstrução a posteriori: de um lado, os

atores são evidentemente incapazes de prever todas as

conseqüências de sua ação; de outro lado, o sentido de uma ação

se modifica na medida de sua implementação, e os atores

modificam de modo retrospectivo os seus fins em função dos

resultados da própria ação que estão em condições de observar e

avaliar.

É por isso que, sem dúvida, é útil distinguir, para a

análise, o sentido explícito de uma política, o qual é definido

através dos objetivos proclamados pelos tomadores de decisão

(quando eles existem) do sentido latente, que se revela

progressivamente ao longo de sua implementação: qual é o

sentido da privatização parcial da Air France posta em prática

pelo Governo Jospin em 1997? Preservar a companhia nacional

de uma privatização total ou preparar de fato uma futura

privatização julgada inevitável por numerosos observadores?

O trabalho do analista deve, portanto, levar em conta, ao

mesmo tempo, as intenções dos tomadores de decisão, mesmo se

estas são confusas, e os processos de construção do sentido na

prática ao longo da fase de desenvolvimento da ação pública. No

22

entanto, em todos os casos o pesquisador deverá cuidar para não

tomar o lugar dos atores da política na determinação do sentido

da política.

Decisão e não decisão

Esta questão é clássica na análise das políticas públicas

depois dos trabalhos de Bachrach e Baratz nos anos 60

(Bachrach, Baratz, 1963). Formulada grosseiramente, é a

seguinte: pode uma política consistir em não fazer nada? Por

exemplo, sabe-se que existiu durante muito tempo, na França, um

problema recorrente de alcoolismo ao volante (Laé, in CRESAL,

1993), mas a falta, durante um longo período, de medidas

destinadas a lutar contra esse flagelo pode ser considerada uma

política? Se o não agir acarreta, com freqüência, efeitos políticos

e sociais tão visíveis quanto uma ação em boa e devida forma,

não se deve, por isso, evidentemente, considerar que se está

diante de uma política toda vez que um governo não faz nada!

Quando se tenta sistematizar esta análise, pode-se

distinguir três casos possíveis em que a noção de não decisão

pode revelar-se útil para a compreensão da ação pública.

1. A não decisão intencional corresponde a uma situação

em que é possível mostrar que com certeza houve vontade da

parte dos atores político-administrativos de não decidir. O

exemplo da "decisão" tomada pelo governo francês em 1983 de

não sair do sistema monetário europeu é característico deste

ponto de vista (Favier, Martin-Rolland, 1990). Analisá-lo pode

permitir a reconstrução da racionalidade de uma não decisão da

mesma forma que sua história concreta, essencialmente através

de narrativas que os atores fazem das tomadas de posição a favor

ou contra a sustentação da moeda, dos encontros ou das reuniões

em que o problema foi debatido. Este exemplo mostra também

até que ponto uma não decisão pode ter imensas conseqüências

políticas e econômicas, sendo que esta marcou, na ocasião, uma

inflexão fundamental das políticas econômicas na França, com a

aceitação, depois jamais questionada, da coação européia e do

referencial de mercado e a implementação de uma política do

"franco forte".

23

2. A não decisão controvertida corresponde a uma

situação em que o problema em causa é objeto de controvérsia

pública muito viva, para que possa gerar as condições de

produção e/ou de legitimidade de uma ação pública. Pode tratar-

se de uma reivindicação sindical não satisfeita, ou ainda de um

problema não resolvido (a questão dos sem documentos) ou de

características cognitivas e normativas ambíguas (o alcoolismo

ao volante, a AIDS). Assim, quando se compara, como o tem

feito Michel Setbon, a emergência das políticas de luta contra a

AIDS na Europa (Setbon, 1993), vê-se que os elementos de não

decisão são centrais na análise que se pode fazer dos processos

que conduziram os diferentes países a levar em conta essa nova

doença, encontrando-se a ação do Estado por longo tempo

inibida, de fato, por conhecimentos científicos fracamente

estabelecidos e por investimentos conflitantes junto aos atores

envolvidos.

3. A não execução corresponde a um caso no qual uma

política, decidida num certo nível, deve ser objeto de decisões

específicas tomadas por um ou mais níveis político-

administrativos diferentes. O caso em questão é banal em todos

os Estados federados, nos quais o governo federal depende de

decisões tomadas (ou não tomadas) em nível regional ou

provincial (Pressman, Wildavsky, 1973). Mas este caso conheceu

novas aplicações com o desenvolvimento das políticas da União

européia, onde a implementação dessas políticas supõe,

geralmente, que as medidas sejam adotadas pelos Estados-

membros (Lequesne, 1993; Quermonne, 1994; Héritier, 1997).

Política pública e gasto público

Quando se procura avaliar a ação do Estado num setor

determinado, somos tentados a nos ater a um indicador

orçamentário e, particularmente, a considerar que uma política

será tanto mais importante - ou tanto mais eficaz - quanto mais

elevados forem os créditos que lhe são destinados. Ora, as

características da ação do Estado vão além dos indicadores

orçamentários, o que deve deixar de sobreaviso todo analista das

políticas públicas contra alguns erros freqüentemente cometidos:

24

1. O impacto de uma política não é necessariamente

proporcional às despesas que ela ocasiona. Sabe-se, por

exemplo, que o estado sanitário de uma população não é

diretamente proporcional às despesas de saúde, e que certos atos

médicos ou cirúrgicos são de um custo desproporcional em

relação ao número de vidas que eles permitem salvar (salvo, bem

entendido, para aqueles que são os beneficiários). Tudo vai

depender, aqui, dos critérios utilizados para medir a eficácia de

uma política. Mas se constata que os especialistas ou os

profissionais de um setor (médicos, engenheiros, professores...)

tenderão com freqüência a substituir os indicadores de meios por

indicadores de resultados, porque sua capacidade de influência

está diretamente ligada à dimensão desses meios.

2. Dentro da mesma ordem de idéias, não é porque uma

política custa pouco que seu impacto é fraco. É o caso,

particularmente, de todas as políticas de tipo regulador, que têm

por objeto modificar o quadro jurídico das diferentes atividades

sociais. Assim, por exemplo, a definição de uma nova forma

jurídica do empreendimento é suscetível de ter efeitos

consideráveis a um custo insignificante. O mesmo se verifica

com uma medida como a legislação da contracepção, cujo

impacto é imenso, sem proporção com o custo que ela possa ter

representado. É enfim o caso das políticas institucionais, que

fixam os quadros da atividade política e administrativa, como a

política de descentralização.

3. Enfim, qualquer que seja a natureza da política pública

estudada, é necessário levar em conta a sua dimensão simbólica

(Edelman, 1976). Encontrar-se-á, mais adiante, a importância

desta dimensão simbólica das políticas públicas, cujo impacto

passa também pela construção de imagens do mundo que

modificam a representação que os atores fazem do seu ambiente.

Assim, ninguém sabe exatamente que impacto real sobre a

população pode ter a primeira experiência de circulação alternada

experimentada em Paris em outubro de 1997. Em contrapartida,

mesmo que seja muito difícil medir com precisão, é certo que

essa decisão teve um impacto sobre a percepção do problema da

poluição do ar da parte dos parisienses.

25

Para além da abordagem seqüencial

Uma vez que se tenha tomado consciência desta

complexidade da ação pública, resta definir um quadro de análise

capaz de responder às exigências da pesquisa. A maior parte dos

estudos de políticas públicas foram, durante muito tempo,

estruturados pela abordagem seqüencial (Jones, 1970), que

permanece, aliás, um conjunto pertinente de meios heurísticos.

No essencial, ela consiste em separar as políticas em uma série

de seqüências de ação, que correspondem ao mesmo tempo a

uma descrição da realidade e à criação de um tipo ideal de ação

pública. Estas seqüências, geralmente em número de cinco ou

seis, permitem acompanhar o desenvolvimento de uma política,

através de um certo número de etapas (stagist approach). Ao

longo de cada uma dessas fases, tudo se passa como se os atores

participantes do processo político devessem resolver enigmas

sucessivos, sabendo que as respostas vão definir pouco a pouco

os contornos da política pública.

1. A colocação na agenda (agenda setting) leva os atores

a identificar e/ou a definir e/ou a construir o problema a tratar.

Ela marca as condições de gênese da ação pública e segue uma

multidão de caminhos possíveis, de acordo com o input inicial

(catástrofe natural, motim, revelação dos números do

desemprego... ).

2. A produção das soluções ou alternativas compreende a

procura de objetivos desejáveis e/ou adaptados ao problema

percebido (policy formulation).

3. A decisão no sentido próprio vem em seguida. Trata-

se, sem dúvida, da seqüência em princípio a mais visível, mas na

realidade é muito difícil isolá-la com precisão, na medida em que

ela ultrapassa o estrito quadro institucional.

4. A implementação (implementation) diz respeito à

execução (ou à não execução) prática das decisões elaboradas e

formalmente adotadas nas etapas anteriores.

5. A avaliação (policy evaluation) consiste em interrogar-

se, de diferentes modos, sobre o impacto do programa. "Quais

têm sido os efeitos da política decidida e implementada?" "Estes

efeitos correspondem aos efeitos esperados?" "É preciso

26

modificar a política, na sua concepção ou na sua

implementação?" São questões que balizam esta fase particular.

6. A conclusão do programa (program termination)

constitui uma seqüência muito controvertida entre os próprios

defensores da abordagem seqüencial, cobrindo de maneira

ambígua a questão da "extinção de uma política" e/ou da

realização dos objetivos fixados.

Nesse quadro geral, a abordagem seqüencial apresenta,

ao mesmo tempo, vantagens incontestáveis e inconvenientes

consideráveis. Seu primeiro trunfo é, sem dúvida, o fato de

propor um quadro simples de análise da ação pública, que

introduz um mínimo de ordem na complexidade das ações e

decisões que constituem uma política pública, complexidade esta

que pode aparecer no início como uma confusão indecifrável

para o observador. Assim como é proposto, este quadro é, com

efeito, ao mesmo tempo, suficientemente geral para dar conta de

toda política pública e permite formular questões pertinentes, que

levam a uma melhor compreensão daquilo que faz com que uma

política pública exista (ou não exista) como programa, ou seja,

como um "objeto" político, que tem um lógica própria,

identificável e suscetível de ser analisado.

A segunda vantagem da abordagem seqüencial, de um

modo particular na França, consiste em romper com as

representações da ação pública, construídas pelas elites

dirigentes, na medida em que ela permite substituir por uma

abordagem sociológica as representações jurídicas que

permanecem dominantes no universo de pensamento dos altos

responsáveis franceses. Esta sociologização do olhar sobre a ação

do Estado se encontra em diversos níveis: primiero, porque a

decisão, longe de ser apresentada como um ato individual que se

explica somente pela existência de competências em direito, é

analisada como um processo cujas determinações, ao menos em

parte, devem ser pesquisadas além da esfera de competência

jurídica dos tomadores públicos de decisão; a seguir, porque o

jogo dos atores nas diferentes fases não divide as clivagens que

estruturam a representação das elites administrativas e, em

especial, a clivagem decisão/execução.

27

Tudo isto mostra que a abordagem seqüencial é menos

limitada do que deixam pensar as críticas que às vezes lhe são

feitas. Em particular, esta perspectiva, mesmo se ela leva a uma

representação simplificada do real (o que, aliás, não é próprio

desde tipo de esquema), faz justiça à diversidade e à

complexidade das diferentes práticas que constituem uma

política pública, e por isso mesmo, à diversidade dos atores que

participam da ação pública.

Apesar dessas reais contribuições, permanece o fato de

que a abordagem seqüencial das políticas públicas apresenta

limites importantes que devem ser sublinhados. Os

inconvenientes mais evidentes desta abordagem dizem respeito à

visão por demais linear da ação pública que ela propõe. Ela pode

conduzir o analista pouco atento a subestimar o caráter muitas

vezes caótico das políticas públicas. Assim, não é raro que se

tenha que estudar um processo de decisão no momento em que a

fase de identificação do problema sequer teve lugar. Com

freqüência, indivíduos ou grupos são detentores de uma

"solução" a priori e procuram a ocasião para torná-la aceita. A

decisão tomada pelo governo francês em 1973, na seqüência do

primeiro choque do petróleo, de acelerar de forma considerável o

ritmo de construção de centrais nucleares corresponde

exatamente a este caso exemplar.

Se determinadas etapas podem ser inexistentes ou sua

ordem invertida (quando, por exemplo, a "definição" do

problema ocorre após a decisão), o seu encadeamento pode

também ser problemático. Com efeito, o processo de produção

do problema e a "escolha" das soluções não pára com a tomada

de decisão e a implementação. Ao contrário, cada decisão, cada

tomada de posição, cada elemento de interpretação na fase de

implementação provoca uma modificação do olhar dos atores

sobre o problema em causa. Na mesma ordem de idéias, a noção

de "conclusão" de uma política, mesmo acompanhada das

precauções de costume, permanece sobre um postulado

racionalista, segundo o qual uma política permite, mais ou

menos, a "resolução" do problema.

Desemboca-se, então, numa crítica mais ampla que, para

além da grade seqüencial propriamente dita, coloca o problema

28

da postura teórica da análise das políticas públicas sob este

ângulo. O que caracteriza esta abordagem canônica é, com efeito,

sua orientação problem solving: o conjunto dos mecanismos

sociopolíticos que se tenta descrever e cujo funcionamento se

procura compreender, são analisados pelo pesquisador em torno

da idéia de que o objeto das políticas é a solução de problemas,

devendo a política agrícola por exemplo resolver os problemas

dos camponeses, a política social enfrentar o problema da

pobreza etc. Esta postura tem duas conseqüências principais.

A primeira é a supervalorização da função de decisão das

políticas. Na perspectiva canônica, fazer uma política é,

inicialmente, de fato tomar decisões (boas se possível) e

implementá-las. Ora, com o risco de chocar o senso comum, é

necessário partir, ao contrário, da idéia segundo a qual as

políticas públicas não servem para "resolver" os problemas. Isto

não significa que os problemas são insolúveis, mas apenas que o

processo de "resolução" é muito mais complexo do que o faz

supor a abordagem seqüencial. Na realidade, os problemas são

"resolvidos" pelos próprios atores sociais através da

implementação de suas estratégias, a gestão de seus conflitos e,

sobretudo, através dos processos de aprendizagem que marcam

todo processo de ação pública. Nesse quadro, as políticas

públicas têm como característica fundamental construir e

transformar os espaços de sentido, no interior do quais os atores

vão colocar e (re-)definir os "seus" problemas, e "testar" em

definitivo as soluções que eles apóiam. Fazer uma política

pública não é, pois, "resolver" um problema, mas, sim, construir

uma nova representação dos problemas que implementam as

condições sociopolíticas de seu tratamento pela sociedade e

estrutura, dessa mesma forma, a ação do Estado.

Chega-se, então, à segunda conseqüência implicada pela

supervalorização da função do problem solving: as políticas

públicas não são somente espaços de confrontação entre decision

makers, mas constituem uma dimensão inteiramente à parte da

função política na sociedade. De um lado, como se viu, uma

política pública constitui uma ordem local, isto é, um sistema

concreto de ação no interior do qual os atores vão mobilizar

recursos diversos (técnicos, organizacionais...) a serviço de

29

estratégias complexas de poder, que visam a realizar os objetivos

mais ou menos explícitos e mais ou menos construídos.

Mas uma política pública é, também, fazer "política" por

outros meios, constituindo as políticas os elementos de um

processo mais global que corresponde a uma combinação de

regulação política e de legitimação na sociedade. Com efeito,

ater-se, como se fará aqui, aos processos de construção do

sentido, não é possível reduzir uma política a um conjunto de

estratégias organizacionais, mesmo se a análise dessas estratégias

é indispensável para compreender as formas concretas, os

mecanismos pelos quais o sentido é "fabricado". Ao contrário, é

necessário ultrapassar esse quadro restrito para mostrar que as

políticas públicas são, sem dúvida, um elemento de participação

política (Cobb, Elder, 1983) que completa, concorre e/ou

interage com os modos tradicionalmente consagrados que são o

voto ou a militância. Uma tal perspectiva permite, assim,

vincular as políticas, no sentido de policies, às dinâmicas e aos

atores que caracterizam a política (politics) e aos processos e às

interações que concorrem para a formação e a evolução da polity.

30

TEORIAS DA AÇÃO PÚBLICA:

NOVAS ABORDAGENS

A análise das políticas públicas mantém relações

complexas com a teoria e a sociologia do Estado (Badie,

Birnbaum, 1979). Se numerosos trabalhos se caracterizam, com

efeito, por um certo pragmatismo muito distante das teorizações

tradicionais, acompanhado de uma tendência à formulação de

proposições normativas, a análise das políticas públicas é, talvez,

um dos domínios da ciência política que mais tem contribuído,

ao longo dos últimos anos, para introduzir novas questões. É isso

que explica, sem dúvida, em parte, a ambivalência de seu

estatuto, enquanto disciplina, na ciência política hoje,

especialmente na França: logo acolhida como um domínio de

pesquisa em crescimento ao qual é de bom tom referir-se, ela

permanece, ao mesmo tempo, com freqüência percebida como

uma disciplina à parte, mantendo ligações pouco claras com a

ação, colocando em ação métodos bizarros e desenvolvendo

conceitos exóticos. Se não for possível, no quadro restrito desta

obra, passar em revista, com pormenores, uma literatura cada vez

mais abundante, poder-se-á, entretanto, propor um certo número

de hipóteses sobre as principais contribuições da análise das

políticas públicas à teoria e à sociologia do Estado.

Pode-se, de início, constatar que, até os anos de 1970,

duas grandes tradições científicas partilharam o campo da análise

do Estado, as abordagens estatal e pluralista. Produzidas por uma

longa história intelectual, ambas se fundavam sobre olhares

diferentes, sobre o Estado, mobilizando questionamentos e

instrumentos de análise distintos. As críticas que lhes foram

dirigidas, mais ou menos ligadas às análises que reivindicavam o

enfraquecimento progressivo do Estado, pareceram, em seguida,

relegar este objeto central da ciência política ao esquecimento da

história, em especial no seio da literatura anglo-saxônica. Como

o constatava Stephen Krasner, “os politicólogos escreviam sobre

31

o governo, o desenvolvimento político, os grupos de interesse, o

voto [...], mais ou menos tudo menos „o Estado‟ ” (Krasner,

1984, p. 223).

Portanto, depois de uma vintena de anos, a questão do

Estado voltou, essencialmente pelo viés da análise das políticas

públicas. Essa renovação parece tanto mais surpreendente porque

ela se situa num contexto global marcado pelo questionamento

do papel do Estado e de suas formas de intervenção tradicionais,

de modo especial no campo econômico (desregulamentação) e no

campo social (crise do Estado-providência). Apesar disso, esta

“redescoberta” do Estado, ligada em particular a certos trabalhos

iniciais de Theda Skocpol ou Charles Tilly (Skocpol, in Evans,

Rueschmeyer, Skocpol, 1985; Tilly, 1975), conduziu, desde

então, à emergência de novos instrumentos conceituais, entre os

quais serão apresentados de forma breve, aqui, o neo-

institucionalismo e a abordagem cognitiva das políticas públicas.

De inspirações diversas, essas novas abordagens começam com

efeito a desenhar os programas de pesquisa que, se eles não

fazem a unanimidade dos pesquisadores, longe disto, são

estimulantes o suficiente para suscitar debates e controvérsias.

Duas concepções tradicionais do Estado

Mesmo se as distinções operadas aqui não são sem

dúvida tão claras como parece, ao ponto de suscitar às vezes

cortes transversais, pode-se, entretanto, considerar que duas

grandes perspectivas têm, tradicionalmente, partilhado o campo

da teoria do Estado, a abordagem estatal e a abordagem

pluralista. A partir de perspectivas teóricas múltiplas, cada uma

dentre elas desenha, com efeito, modos de estruturação e de

hierarquização opostas, concernindo as relações entre a

sociedade e o Estado (Birnbaum, 1985).

A abordagem estatal ou a sociedade produzida pelo Estado

Sem dúvida, porque as concepções teóricas são, em

parte, determinadas pelos objetos aos quais elas se aplicam, a

32

abordagem estatal aparece no essencial como uma tradição

européia, mesmo se autores americanos (Wright Mills por

exemplo, Mills, 1956) puderam aí se encontrar. A origem

principal destas teorizações data do século XIX com a difusão

progressiva do Estado-nação e a extensão progressiva de

aparelhos político-administrativos, dispondo de poderes e de

competências sempre mais amplos (Rosanvallon, 1990). Elas

buscam suas fontes principais na filosofia alemã e no marxismo-

leninismo, antes de adquirirem uma orientação mais sociológica

com os trabalhos de Durkheim e de Weber. Tentar-se-á resumir,

de forma esquemática, esta visão de Estado através de alguns

problemas centrais postos por esta abordagem.

Em primeiro lugar, a interrogação inicial sobre as

condições de produção do Estado leva a maior parte dos autores

que se inscrevem nesta abordagem a postular que este último é o

resultado de uma relação dialética com a sociedade. Produzido

por ela, ele participa também na sua produção: a sociedade

moderna não existe sem Estado. Esta perspectiva acha o

essencial de sua fonte no pensamento hegeliano que vê o Estado

como a realização da sociedade civil na sua unidade, tornando-se

o Estado o lugar da “previdência universal” sem o qual a

sociedade não existe. Principal conseqüência desta centralidade

adquirida pelo Estado, [é que] as lógicas em ação no mesmo não

podem ser deduzidas das diferentes lógicas sociais. Como diz

Hegel com vigor, a ação do Estado transcende os múltiplos

interesses particulares da sociedade civil, para colaborar na

definição de um interesse comum, do qual se encontra a imagem

na noção francesa de interesse geral.

Depois de Hegel, Marx vai aparentemente inverter a

perspectiva da relação Estado-sociedade, estabelecendo que é a

luta de classes que explica o Estado e seu aparelho de repressão.

Na teoria marxista, é, portanto, a aparição das classes e suas lutas

constantes que explicam a gênese e a evolução do Estado, o que

significa que - como o escreve Lenin - o desaparecimento das

classes deve levar automaticamente “a extinção” do Estado. A

questão da autonomia do Estado parece, portanto, não se colocar,

de modo especial entre os exegetas da obra de Marx, os quais

verão, no essencial, o Estado como o simples instrumento da

33

classe dominante. Portanto, o pensamento do próprio Marx,

assim como certos escritos de Engels, atestam uma possível

autonomia do Estado, fundada sobre a constituição de recursos

próprios que sustentam principalmente a formação de um amplo

aparelho burocrático. Sobretudo, é a prática dos revolucionários

que se indentificam com o pensamento marxista, que vai fazer do

Estado, não mais o produto da sociedade, mas o vetor de sua

transformação, pela criação de uma ordem totalitária.

Fica, então, posta a questão da “função” do Estado, como

órgão separado, na e para a sociedade. Se esta “função” consiste

no essencial em assegurar a dominação de classe no esquema

marxista ortodoxo, esta problemática não se torna, sem dúvida,

pela primeira vez, um objeto de questionamento sociológico,

senão com os trabalhos de Durkheim. Numa perspectiva geral

marcada pela divisão crescente do trabalho social, o Estado

adquire então um estatuto e uma natureza diretamente indexados

à evolução social. Assim, para Durkheim, “mais as sociedades se

desenvolvem, mais o Estado se desenvolve; suas funções tornam-

se mais numerosas, penetram mais todas as outras funções

sociais que ele concentra e por isso mesmo unifica” (Durkheim,

1975, p. 170). Progressivamente autonomizado pelo efeito da

produção de regras e de órgãos separados, o Estado preenche

então uma função essencial assemelhada, numa perspectiva

orgânica, ao papel desempenhado pelo cérebro num indivíduo.

Órgão centralizado e racional por excelência, ele é, com efeito, o

único que assegura a coerência e a coordenação das funções

sociais para o exercício de um pensamento “meditado”.

Este pensamento do Estado autônomo encontra sua plena

aplicação com a obra de Weber, que coloca no centro de uma

análise focalizada sobre os objetos políticos o problema da

dominação. Estabelecendo uma tipologia da dominação que

distingue três tipos ideais (carismático, tradicional, racional),

Weber é conduzido a definir o Estado, numa perspectiva

evolucionista, como a forma do modo de dominação racional. A

aparição e a evolução do Estado são, com efeito, concebidos por

referência a um processo de racionalização essencialmente

marcado pela formação progressiva de um aparelho burocrático.

Nesta acepção, o Estado é então definido como “uma empresa

34

política de caráter institucional, logo que e na medida em que sua

direção administrativa reivindica com sucesso, na aplicação dos

regulamentos, o monopólio da força física legítima” (Weber,

1971, p. 57).

O conjunto destas abordagens forma o pedestal da maior

parte das teorias que valorizam o papel central do Estado nas

relações sociais. Sem entrar nos detalhes de uma longa história

da sociologia do Estado (Badie, Birnbaum, 1979), contentar-nos-

emos em mostrar que uma tal perspectiva pôde alimentar uma

corrente de análise particular quanto à natureza da intermediação

contemporânea entre Estado e grupos de interesse na produção

da ação pública, aquela do neo-corporativismo. Considerando a

centralidade do Estado e de sua natureza monopolística quanto

ao exercício da dominação, os defensores da abordagem neo-

corporativista ultrapassam entretanto o quadro institucional do

aparelho político-administrativo, para descrever a ação do Estado

como o produto de uma relação institucionalizada entre um

número limitado de atores públicos e privados (Schmitter, 1974;

Lehmbruch, Schmitter, 1979).

Como colocou Philippe Schmitter, o corporativismo

pode, então, ser definido “como um sistema de representação em

que as unidades constitutivas são organizadas num número

limitado de categorias singulares, obrigatórias, não competitivas,

hierarquizadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou

autorizadas (se não criadas) pelo Estado e que se vêem

asseguradas de um monopólio deliberado de representação no

interior de suas respectivas categorias em troca do exercício de

certos controles sobre a seleção de seus líderes e sobre a

articulação das reivindicações e dos apoios” (Schmitter, 1974,

pp. 93-94). Aplicado, inicialmente, num nível macro-social, para

dar conta de certos tipos de organização político-institucional,

fundada sobre a relação tripartida entre o Estado, os sindicatos e

o patronato na regulação social e a produção de políticas

públicas, esta noção pôde ser, em seguida, utilizada de modo

mais sistemático num nível de análise mais restrita

(Hassenteufel, 1990). Centrada então na atualização das lógicas

corporativistas sectoriais (Jobert, Muller, 1987), a análise nem se

quer respeitava a abordagem estatal que mostra o papel eminente

35

das instâncias estatais no reconhecimento, e até na “produção” de

representantes dos interesses sociais, e em definitivo, na

produção mesma das políticas públicas. Ela mostrava, assim,

como a institucionalização das relações entre atores públicos e

privados, numa troca mais ou menos equilibrada, era constitutiva

da regulação do setor (Cf. para a agricultura na França, Muller,

1984).

A abordagem pluralista ou o Estado produzido pela sociedade

A abordagem pluralista permanece fortemente ligada aos

trabalhos americanos, centrados na análise dos processos de

decisão (Dahl, 1961). Ao contrário da abordagem estatal, ela

tende a se organizar ao redor da idéia, segundo a qual o Estado é

o resultado de processos sociais irredutíveis. Longe de modelar a

sociedade, o Estado é, pois, o produto da interação entre os

grupos livremente formados, e constitui uma forma de “véu”

totalmente permeável aos interesses e à competição dos grupos

que caracterizam as lógicas sociais. Mesmo se os defensores da

abordagem pluralista têm progressivamente afinado seu modelo

(Mc Farland, 1987), reconhecendo, por exemplo, a possibilidade

de uma desigualdade estrutural entre os grupos de interesse, ou

aceitando a idéia de que a ação administrativa podia contribuir

para reinterpretar, e até modificar o conteúdo das demandas

dirigidas ao Estado pelos grupos, o coração da abordagem

pluralista constitui sempre a referência dominante de uma

maioria de trabalhos americanos.

Esta perspectiva conduz, evidentemente, a conseqüências

importantes do ponto de vista da análise da ação pública. Para os

defensores do paradigma pluralista, o conteúdo de uma política

será o resultado das diferentes pressões exercidas pelos grupos de

interesse envolvidos. Por exemplo, uma política favorecendo um

tipo de combustível, com o fim de lutar contra a poluição, será a

resultante das pressões contraditórias de diferentes grupos de

interesses: construtores automobílisticos, ecologistas, usuários de

transportes públicos etc. O sentido desta política será, portanto,

buscar na capacidade dos grupos envolvidos mobilizar recursos,

36

exercer pressões ou impor sua visão do mundo, convertendo, por

fim, suas ações em decisões públicas.

Isso significa, da mesma forma, que os grupos de

interesse em questão “existem” independente de sua relação com

o Estado. Eles são o produto da concorrência que se exerce entre

os diferentes candidatos à representação das múltiplas

comunidades de pertença, que constituem a sociedade:

associações de defesa do meio ambiente, grupos feministas,

sindicatos, interesses econômicos, coalizões de “causa” ou

grupos de interesses se constituem livremente, confrontam-se

sobre um “mercado” da representação, entram em relação com o

Estado, seja por intermédio de seus representantes, seja por

intermédio de lobistas profissionais, para fazer valer seu ponto de

vista e traduzir seus interesses na legislação. Quanto à

burocracia, longe de representar uma força de previdência

universal, ela explode em grupos concorrentes que vão

confrontar-se mais ou menos abertamente, para fazer valer o

ponto de vista e os interesses dos diferentes serviços no processo

de decisão.

Numa tal perspectiva, a noção de interesse geral não tem

grande sentido, na medida em que a ação do Estado não é mais

que o resultado aleatório do livre afrontamento dos interesses

particulares. Uma tal abordagem alimenta, por isso mesmo, por

parte das análises inspiradas na sociologia de interesse e da

escola da escolha racional e do Public Choice (Downs, 1975;

Buchanan, Tullock, 1962; Riker, Ordershook, 1973). Num tal

esquema, os indivíduos são postulados a buscar a maximização

de seus interesses pela mobilização de fontes que podem

conduzir (mas não necessariamente) à ação coletiva (Olson,

1978). Nesta acepção geral, a ação pública é, no melhor dos

casos, difícil em razão da concorrência dos interesses, e até

negativa, quando ela interdita o livre funcionamento do mercado

político e a expressão das preferências dos atores.

Para além destas posições, às vezes até extremas, que

têm conduzido a reivindicar o desaparecimento do Estado, pode-

se sublinhar a proximidade intelectual inegável, que existe entre

a abordagem pluralista e os fundamentos da análise das políticas

públicas, tal qual ela foi definida pelos fundadores americanos

37

desta disciplina. Sobre diversos aspectos, com efeito, a análise

das políticas públicas pode tornar-se o oposto das abordagens

clássicas do Estado, mencionadas antes, alimentando-se da

abordagem pluralista. Ela o tem feito, inicialmente, “abrindo a

caixa preta” do aparelho político-administrativo. Na medida em

que o olhar que faz a análise das políticas públicas sobre o

Estado se aplica aos atores das políticas públicas e às estratégias

postas em ação, ele tem alimentado uma forma de

“desconstrução” do Estado, fazendo aparecer isso que as análises

“européias” haviam tendido a ocultar: a existência de uma

multiplicidade de racionalidades concorrentes no interior do

Estado, sustentadas por atores, cujos interesses não coincidem

necessariamente e, sobretudo, são distintos daquilo que poderia

ser o interesse geral.

A análise das políticas públicas tem, por isso mesmo,

introduzido uma ruptura com a concepção weberiana do Estado

(o Estado não é mais uma “máquina” a serviço do Príncipe, que

aplica sine ira et studio as vontades dos governantes), como com

a tradição marxista ortodoxa que fazia do Estado um instrumento

a serviço da classe dirigente (mesmo se pudéssemos sustentar

que a abordagem marxista possui, às vezes, elementos

paradoxalmente próximos das análises pluralistas). A bem da

verdade, para o analista das políticas, o Estado não existe, na

verdade, enquanto entidade global suscetível de um tratamento

específico. Somente sua ação é objeto da atenção do pesquisador

e se compreende nestas condições que uma das contribuições da

análise das políticas públicas seja o colocar em evidência os

múltiplos contatos que o Estado mantém com seu contexto.

As duas dimensões da ação do Estado

Se tentamos agora fazer a síntese dessas duas grandes

abordagens, percebemos que elas colocam o acento sobre duas

dimensões particulares do Estado que, se procurarmos pensá-las

de modo conjunto, permitem medir o caráter contraditório da

ação pública. A abordagem estatal conduz, assim, inicialmente, a

considerar o Estado na sua unidade e seu caráter irredutível à

ação dos atores que participam nas políticas públicas. Ela

38

permite, por isso mesmo, pensar o caráter global do Estado como

entidade que, de um modo ou de outro, exprime uma forma de

unidade da sociedade. Em todo caso, o Estado, nas sociedades

modernas, permanece o lugar onde é “construída” a

representação que a sociedade faz de si mesma, isto é a

representação de sua própria existência, enquanto sociedade

espacial e historicamente situada, e de sua relação com o mundo.

A abordagem pluralista, ao contrário, coloca o acento sobre o

caráter inelutavelmente societário do Estado, sobre a imersão das

políticas públicas na complexidade das relações sociais e,

sobretudo, sobre o caráter inelutavelmente contraditório da ação

pública que, submetida a uma multiplicidade de exigências

antagônicas, parece não ser senão o resultado improvável de uma

ausência de direção homogênea.

Isso significa que as duas abordagens exprimem, cada

uma a sua maneira, uma certa verdade do Estado e de sua ação,

porque o Estado exprime, ao mesmo tempo, a unidade e a

diversidade da sociedade, sua existência enquanto totalidade

pensada e sua tendência inevitável à explosão. Por esta razão, o

estudo da ação do Estado é, de certa maneira, condenado a abrir

um caminho difícil entre estas duas vias extremas, assim como o

tentaram duas novas abordagens forjadas ao longo dos anos

1980, testemunhando dois movimentos simétricos que permitem

sem dúvida melhor levar em conta a complexidade da ação

pública.

O neo-institucionalismo

Iniciado por um artigo de James March e Johan Olsen

(March, Olsen, 1984, depois 1989), o neo-institucionalismo foi

formulado com a intenção explícita de romper com as

abordagens behavioristas considerando as instituições como um

fator de “ordem” essencial, que definem os quadros onde se

desenvolvem os comportamentos individuais, a ação coletiva ou

as políticas públicas. Atenta também para não recair nos defeitos

descritivos do institucionalismo tradicional, centrado sobre o

estudo dos órgãos político-administrativos, a perspectiva neo-

39

institucionalista é posta como uma tentativa de “relativiza[r] a

dependência do sistema político em relação à sociedade a favor

de uma interdependência entre as instituições sociais e políticas

relativamente autônomas” (March, Olsen, 1984, p. 738). Por isso

mesmo, as instituições não são somente concebidas como um

“espelho” da sociedade ou o simples produto das lógicas

individuais, ainda mais que elas não são um fator exógeno ao

jogo dos atores, da seleção dos líderes e da distribuição dos

recursos. Elas formam ao contrário o quadro evolutivo dessas

interações, cujas formas e modalidades mudam de modo

progressivo pelo efeito mesmo destas interações.

Os elementos fundamentais do neo-institucionalismo

De modo mais preciso, o neo-institucionalismo leva a

colocar o acento sobre duas dimensões importantes da ação

pública nas sociedades complexas.

1. As instituições como fator de ordem. As regras, as

rotinas e os modos operatórios estandardizados são um fator de

ordem na atividade política, reduzindo o caráter caótico da

competição. Essas regras são em extremo variadas: regras

procedimentais, especificando o caminho a seguir, segundo as

circunstâncias; regras decisórias, determinando como os “inputs”

devem ser convertidos em “outputs”; regras de avaliação,

determinando segundo quais critérios devem ser medidos os

resultados; regras fixando a alocação da autoridade e das

responsabilidades, o recolhimento e a utilização de informações,

o acesso às diversas instituições e arenas políticas, a organização

da temporalidade da ação assim como a mudança das próprias

regras. Como afirmam March e Olsen, a existência de uma tal

multidão de regras não significa, entretanto, que a ação política é

completamente determinada, nem que os indivíduos estejam

presos nas rotinas (assim como a ausência de racionalidade nas

decisões não significa que os indivíduos tem um comportamento

irracional). Aliás, a existência de rotinas institucionalizadas não

produz necessariamente comportamentos rotineiros, porque as

regras são múltiplas (e freqüentemente contraditórias),

oferecendo assim aos atores numerosas ocasiões de escolha.

40

2. A política como interpretação do mundo. As regras

não são, portanto, somente “rotinas, procedimentos, convenções,

papéis, estratégias, formas organizacionais e tecnologias em

torno das quais a atividade política é construída”, mas também

“as crenças, paradigmas, códigos, culturas e saberes que rodeiam,

sustentam, elaboram e contradizem esses papéis e essas rotinas”

(March, Olsen, 1989, p. 22). Se as instituições são um fator de

ordem, elas contribuem igualmente para colocar em forma o

sentido que os atores dão à sua ação. De fato, uma tal abordagem

repousa assim sobre a idéia segundo a qual a política (e portanto,

as políticas) pode ser considerada como uma “interpretação da

vida”.

A propósito, a abordagem institucional participa da

colocação em questão da idéia segundo a qual as políticas devem

ser desde o início analisadas a partir de seus resultados

(outcomes). Para March e Olsen, “a política é considerada como

uma forma de educação, um lugar de descoberta, de elaboração e

de expressão do sentido, estabelecendo concepções partilhadas

(ou opostas) da experiência, dos valores e da natureza da

existência. Ela é simbólica, não no sentido recente dos símbolos,

como meios que permitem aos poderosos manipular os fracos,

mas antes, no sentido dos símbolos, como instrumento de uma

ordem interpretativa” (March, Olsen, 1989, p. 48). É por isso

que, para os defensores da abordagem neo-institucional, a

política não é somente fundada sobre a escolha (abordagem pela

escolha racional), mas também sobre os mecanismos de

construção e de interpretação do mundo, isoláveis nos processos,

mais que nos resultados das políticas públicas, e que determinam

“cartas mentais”, operando como os quadros da experiência e dos

redutores de incerteza (North, 1990).

Nesta abordagem neo-institucionalista aparece, assim,

uma dupla crítica das abordagens “canônicas” do paradigma

pluralista. A primeira concerne à relação entre os processos

saídos da sociedade civil (estratégias individuais ou micro-

sociais, grupos de interesse, setores...) e os processos estatais

(gênese das instituições e das políticas públicas): para os neo-

institucionalistas, as instituições não se deduzem dos

comportamentos e das estratégias individuais, mas repousam

41

sobre as lógicas próprias que é preciso analisar e compreender. A

segunda crítica concerne à questão do sentido: o sentido da ação

humana não é mais produzido, de modo autônomo e

decentralizado, pelos atores da sociedade civil, porque as

instituições (portanto o Estado e “suas” políticas) participam do

trabalho de interpretação e de explicação do mundo, sem o qual a

ação dos indivíduos é desprovida de sentido.

Simetricamente, a abordagem neo-institucionalista

recusa toda autonomia do Estado a respeito dos grupos sociais,

deslocando o olhar das estruturas político-administrativas para as

“instituições” (na acepção ampliada dada por March e Olsen)

como objeto pertinente de análise. São, portanto, as condições de

produção e de evolução das instituições (regras procedimentais,

dispositivos particulares, representação...) que formam os

questionamentos fundamentais, permitindo pensar em definitivo

“o Estado em interação” (Hassenteufel, 1995).

Os três neo-institucionalismos

Partindo desta orientação geral relativamente

homogênea, cuja gênese permanece ligada na essência às

características da sociologia americana, a corrente neo-

institucionalista deu lugar a diversos modos de declinação

possíveis, que conduziram certos autores a falar de três neo-

institucionalismos (Hall, Taylor, 1996; ver igualmente Stone,

1992).

1. O institucionalismo histórico. Esta abordagem está

essencialmente centrada na necessidade de apreender o Estado

em interação numa perspectiva de longo termo e pelo viés de

análises comparadas, permitindo estas duas orientações traçar as

“trajetórias” nacionais particulares (Steinmo, Thelen, Longstreth,

1992). Sobretudo, ultrapassando a ótica sincrônica característica

da sociologia estrutural-funcionalista, os analistas que se

apresentam como sendo dessa corrente, querem além do mais

colocar o Estado no centro da análise (Evans, Rueschemeyer,

Skocpol, 1985).

Resumindo os principais elementos constitutivos desta

abordagem, Hall e Taylor consideram que “os institucionalistas

42

históricos tendem, inicialmente, a conceptualizar a relação entre

as instituições e o comportamento individual em termos

relativamente abrangentes. Eles insistem, em segundo lugar,

sobre as assimetrias do poder, que decorrem da ação e do

desenvolvimento das instituições. Eles tendem, aliás, a ter uma

percepção do desenvolvimento institucional, que enfatiza a

dependência de caminho (path dependence) e das conseqüências

inesperadas. Eles estão, enfim, mais particularmente interessados

em associar a análise institucional à influência que outros tipos

de fatores, como as idéias, podem ter sobre os processos

políticos” (Hall, Taylor, 1996, p. 938).

Um dos principais conceitos, saídos desta abordagem

particular do neo-institucionalismo, é assim, como veremos mais

adiante, aquele da “dependência de caminho” (path dependence),

que descreve os caminhos evolutivos da ação pública em ligação

com os processos adaptativos que caracterizam a sociedade em

geral, assim como a natureza das trocas entre o Estado e os

grupos de interesse (Pierson, 1997). Seus principais terrenos de

pesquisa foram aplicados à análise das condições de produção e

dos quadros de evolução de políticas sociais, numa perspectiva

comparada (Immergut, 1992; Pierson, 1994), assim como às

políticas macro-econômicas (Hall, 1986, 1989, 1993).

2. O institucionalismo da escolha racional. Trata-se aqui

no essencial de uma declinação da perspectiva neo-

institucionalista, que busca integrar na escola da escolha racional

uma dimensão suplementar, centrada no papel das instituições

como redutoras de incerteza e fator determinante de produção e

de expressão das preferências dos atores sociais (Shepsle, 1989).

Inicialmente consagrada ao estudo das modalidades da decisão

no interior de órgãos político-administrativos precisos no

contexto americano, especialmente para o Congresso, esta

orientação da corrente neo-institucionalista se ampliou

progressivamente para outros objetos, como os Parlamentos na

Europa (Döring, 1995).

Lá ainda, Hall e Taylor distinguem quatro traços

característicos deste gênero de abordagem, que têm relação, ao

mesmo tempo, com os comportamentos dos atores pertinentes,

com a essência mesma do vínculo político, com o papel

43

fundamental das interações estratégicas e, enfim, com as

condições de gênese das instituições. Sobre o primeiro ponto, os

institucionalistas da escolha racional consideram com efeito que

“os atores interessados têm um conjunto determinado de

preferências e de gostos [...], comportam-se de maneira

totalmente instrumental a fim de maximizar as chances de

realização destas preferências, e o fazem de uma maneira muito

estratégica que pressupõe cálculos aprofundados” (Hall, Taylor,

1996, p. 944-945). Este postulado, típico da abordagem racional

clássica, corresponde igualmente a uma visão do vínculo político,

que faz dele um problema de ação coletiva a resolver pelos atores

através de seus interesses e preferências.

Mas, a estas orientações gerais, os defensores desta

corrente do neo-institucionalismo juntam a necessidade de

apreender as interações estratégicas dos atores (os cálculos dos

atores se superpõem às antecipações adaptativas e estratégicas

definidas na interação), assim como a convicção de que as

instituições nascem através do valor que lhes dão os atores. A

permanência de instituições se fundamenta, pois, sobre a afeição

que lhes dão os atores, especialmente porque elas são redutoras

de incerteza e conferem aos atores interessados satisfações

duráveis, que neutralizam a concorrência no campo em questão.

3. O institucionalismo sociológico. Última corrente,

enfim, aquela do institucionalismo sociológico, que se aplica na

essência a renovar, graças à abordagem neo-institucionalista,

certas orientações e conclusões da sociologia das organizações

(Powell, DiMaggio, 1991). Para Hall e Taylor, uma das

particularidades desta abordagem está no fato de ter-se

distanciado do postulado racionalista da sociologia das

organizações (as organizações aparecem para preencher as

funções de modo “eficaz”), para postular, ao contrário, que “a

maior parte destas formas e procedimentos poderiam ser vistos

como práticas particulares de um ponto de vista cultural,

semelhantes aos mitos e às cerimônias inventadas em numerosas

sociedades” (Hall, Taylor, 1996).

Por isso, a análise das organizações integra uma

dimensão que há muito tempo parecia constituir um dos pontos

fracos, a saber, a análise das variáveis culturais na apreensão das

44

condições de formação e de funcionamento das unidades

sociológicas que são as organizações. Disso decorre uma

perspectiva muito ampliada, que tende a ver os próprios fatores

culturais como instituições, o que valoriza a análise dos

elementos cognitivos que pesam sobre os comportamentos

individuais e determinam a legitimidade das organizações.

Através desta extrema diversidade, pode-se, pois,

interrogar sobre a unidade efetiva da corrente neo-

institucionalista. Mais que uma perspectiva teórica autônoma,

essa última parece, com efeito, constituir um ângulo de análise

específico, centrado sobre os objetos na aparência limitados, as

instituições, mas cujo sentido é na prática de tal forma ampliado,

que ele termina, às vezes, por englobar o conjunto das variáveis

sociológicas tradicionais. Seu uso numa perspectiva de pesquisa

chama, portanto, à prudência e a especificações precisas, a

vontade de pensar “o Estado em interação” numa perspectiva

histórica e geográfica comparada, constituindo deste ponto de

vista, sem dúvida, uma das orientações da pesquisa dentre as

mais promissoras (Hassenteufel, 1995).

A abordagem cognitiva das políticas públicas

Depois de uma dezena de anos, desenvolveu-se uma

corrente de análise, às vezes qualificada de abordagem cognitiva,

que se esforça por apreender as políticas públicas como matrizes

cognitivas e normativas, constituindo sistemas de interpretação

do real, no interior dos quais os diferentes atores públicos e

privados poderão inscrever sua ação. Apesar de certas diferenças,

tais pesquisas, que colocam o acento sobre o peso de idéias, de

preceitos gerais e de representações sobre a evolução social,

possuem, portanto, um ponto comum essencial, que é o de

estabelecer a importância das dinâmicas de construção social da

realidade na determinação dos quadros e das práticas socialmente

legítimas num instante preciso (Berger, Luckmann, 1986).

Ligada ao pressuposto do peso dos valores e da dimensão

simbólica em política, um tal ângulo de abordagem pode

alimentar um número crescente de trabalhos que estudam os

45

modos de ação do Estado. De maneira precoce, Murray Edelman

pode, assim, estabelecer a importância dos elementos simbólicos

e retóricos na determinação das políticas e dos usos da política

(Edelman, 1976). Outros autores, principalmente Giandomenico

Majone, interessam-se também pelas dinâmicas intrínsecas de

argumentação e de trocas simbólicas a respeito de práticas

estatais (Majone, 1989). De modo conexo, diversos trabalhos

resultaram na atualização de dinâmicas cognitivas de

aprendizagem na determinação da extensão e da evolução de

dispositivos da ação pública (Heclo, 1974; Wildavsky, 1979;

Rose, 1990,1991).

Três abordagens podem de modo especial ser isoladas

nesta corrente geral, marcada pela importância concedida aos

valores, às idéias e às representações no estudo das políticas

públicas. Formuladas em separado ao longo dos anos 1980, em

função de lógicas de posicionamento aliás diferentes, esses

modelos conceptuais repousam sobre as noções de paradigma

(Hall, 1993), de advocacy coalition (Sabatier, Jenkins-Smith,

1993), ou ainda sobre a noção de referencial (Jobert, Muller,

1987; Faure, Pollet, Warin, 1995).

Paradigma, sistemas de crença, referenciais

Apesar das diferenças, às vezes importantes, essas

conceptualizações apresentam a vantagem e o ponto comum de

incluir um questionamento em nível macro, que visa esclarecer a

influência exercida pelas normas sociais globais sobre os

comportamentos sociais e sobre as políticas públicas. Com efeito,

os três modelos repousam, fundamentalmente, sobre o papel

essencial desempenhado por aquilo que se qualificará aqui como

matrizes cognitivas e normativas, expressão genérica que integra

os paradigmas (Hall), os sistemas de crenças (Sabatier) e os

referenciais (Jobert, Muller). As três noções recobrem elementos

análogos, ainda que eles se prestem a diferentes recortes.

De modo muito simplificado, os diferentes modelos

propostos repousam, antes de tudo, sobre a convicção de que

existem valores e princípios gerais que definem isso que se

poderia chamar, na falta de melhor, “uma visão de mundo”

46

particular. Trata-se, no caso, de princípios abstratos, que definem

o campo dos possíveis e do dizível numa sociedade dada,

identificando e justificando a existência de diferenças entre

indivíduos e/ou grupos, hierarquizando um certo número de

dinâmicas sociais... No seu estudo de políticas macro-

econômicas, desenvolvidas na Inglaterra nos anos 1970 e 1980,

Peter Hall tinha assim identificado uma oscilação entre princípios

de inspiração keynesiana e princípios qualificados de

“monetaristas”. De maneira implícita, pode-se considerar que

funcionava em plano de fundo uma visão de mundo cada vez

diferente, colocando o indivíduo racional e responsável em

primeiro plano no segundo modelo, associado a uma forma de

darwinismo social simplista (“os melhores vencerão pelo efeito

benéfico do mercado e realizarão, assim, a prosperidade da

comunidade inteira”), reconhecendo, ao contrário, o paradigma

keynesiano, o dever da coletividade na correção dos males

inerentes às sociedades modernas, a partir de uma visão das

dinâmicas econômicas, recusando o caráter necessário e benéfico

dos livres ajustamentos do mercado.

Estas matrizes cognitivas comportam, em segundo lugar,

os princípios específicos, que declinam, de modo variável, os

princípios mais gerais. Por analogia com o esquema analítico

proposto por Kuhn (Kuhn, 1983), esta segunda camada cognitiva

e normativa permite, assim, operacionalizar os valores gerais,

num domínio e/ou numa política precisa e/ou num subsistema.

Ela levanta eixos de ação desejáveis, que determinam por parte,

em interação com o jogo dos interesses e o peso das instituições,

as estratégias dos atores. De modo complementar, a noção de

referencial setorial (Jobert, Muller, 1987) acrescenta a esta

dinâmica uma dimensão “espacial”, mostrando que a declinação

dos princípios gerais podem, igualmente, aplicar-se a definir

“uma imagem do setor, da disciplina ou da profissão” (Muller,

1994 a, p. 48).

O conjunto desses elementos cognitivos e normativos

determina também considerações práticas sobre os métodos e os

meios mais apropriados para realizar os valores e os objetivos

definidos. Peter Hall, sobre o mesmo exemplo das políticas

macroeconômicas, mostra que as técnicas empregadas variam

47

fortemente segundo o paradigma adotado, sendo que os

dispositivos de reativação do consumo pelo viés de uma política

orçamentária expansionista, característicos das orientações

keynesianas, opõem-se, por exemplo, aos controles das taxas e ao

uso geral da política monetária no quadro monetarista. A

mobilização de um certo número de instrumentos não se faz,

portanto, de maneira neutra, mas responde, ao contrário, a certos

imperativos normativos e práticos desenhados/definidos pelos

elementos precedentes.

Último nível enfim, o conjunto da matriz implica a

escolha de especificações instrumentais, que visa a animar os

instrumentos escolhidos numa direção precisa e coerente com as

indicações deduzidas dos outros elementos. Analisando o papel

dos aspectos secundários no interior dos sistemas de crença,

característicos de uma “coalizão de causa”, Paul Sabatier inclui

aí, por exemplo, as decisões menores que podem apoiar-se, no

interior de um programa particular, sobre as alocações

orçamentárias, as regras administrativas, as interpretações

estatutárias.

Portanto, numa palavra, é o conjunto dos elementos que

fazem sistema, que levanta assim mapas mentais particulares. O

interesse heurístico de distinguir estes diferentes componentes

repousa, essencialmente, sobre o fato de que eles permitem

isolar, analiticamente, os processos pelos quais são produzidas e

legitimadas as representações, as crenças, os comportamentos,

principalmente sob a forma de políticas públicas particulares no

caso do Estado.

A produção das identidades

Uma das principais implicações da existência de uma

matriz cognitiva e normativa, partilhada por um certo número de

atores, é, sem dúvida, a de alimentar junto a eles uma

“consciência coletiva”, dito de outro modo, um sentimento

subjetivo de pertença, produtor de uma identidade específica.

Atrás de um paradigma ou um referencial se encontra sempre,

com efeito, a gestão do vínculo entre os princípios gerais e os

princípios específicos, cuja articulação conseguida é produtora de

48

identidade. Realizando a adequação entre o imperativo global de

modernização e os princípios de funcionamento do setor

agrícola, os jovens agricultores, promotores da lei de 1960,

geraram e se apoiaram sobre uma imagem renovada de

agricultor, construção social que repousa, no caso, sobre a

produção de uma identidade de substituição para os indivíduos,

constitutiva de novos modos de definição do grupo na sociedade

(Muller, 1984).

A existência de uma matriz cognitiva e normativa é, por

isso mesmo, fonte de fronteiras, que constituem um grupo e/ou

uma organização e/ou um sub-sistema em si, mas ela está

igualmente na origem dos modos de articulação e de passagem

destas “clausuras”, que permitem aos defensores do paradigma

ou do referencial pensar em relação a um conjunto mais vasto. A

configuração da profissão médica, sob este aspecto, caracteriza-

se, exatamente, pela colocação de normas e de princípios de

constituição, que definem os limites legítimos do meio

profissional, assim como a natureza das relações com os outros

atores, pacientes, Estados, organismos de Seguridade social...

(Hassenteufel, 1997).

De modo emblemático, podem ser vistos mecanismos de

mobilização e/ou regeneração destes esquemas identitários

constitutivos de uma matriz cognitiva e normativa dada, em caso

de “crise” do paradigma determinante da política pública. O

exemplo da valorização progressiva das políticas do livro, em

detrimento das políticas da leitura dos anos 1980, é característico

deste ponto de vista. A crise econômica, que atingiu o campo

editorial nos anos 1970, tornou com efeito as políticas da leitura

parcialmente inadaptadas em relação às novas reivindicações

elaboradas pelos “editores”, reivindicações estas construídas em

referência à representação tradicionalmente legítima do setor e

percebida, então, como ameaçada, segundo a qual “o livro não é

um produto como os outros” (Surel, 1997 a).

As lógicas de poder

Num processo de construção de um paradigma ou de um

referencial, pode-se, além do mais, observar lógicas de poder.

49

Assim, logo que se examina a elaboração de uma política

pública, percebe-se com freqüência que o(s) representante(s) de

um grupo (os agricultores modernizados, as associações

ecologistas) instaura(m) da mesma forma uma relação de

leadership no setor, diretamente indexada à elaboração e/ou à

mobilização de uma matriz cognitiva e normativa particular.

O processo de construção de uma matriz cognitiva é, por

isso mesmo, um processo de poder pelo qual um ator faz valer e

afirma seus próprios interesses. Uma relação circular existe com

efeito entre lógicas de sentido e lógicas de poder, através da qual

o ator constrói o sentido que toma o leadership do setor que

afirma a sua hegemonia, tornando-se legitimo o referencial ou o

paradigma em conseqüência desta estabilização das relações de

força. A produção de uma matriz cognitiva não é, portanto, um

simples processo discursivo, mas uma dinâmica intimamente

ligada às interações e às relações de força que se cristalizam

pouco a pouco num setor e/ou num sub-sistema dado.

Ela alimenta, ao mesmo tempo, um processo de tomada

de palavra (produção do sentido) e um processo de tomada de

poder (estruturação de um campo de forças).

Assim a introdução da política de modernização da

agricultura, no início dos anos sessenta, permitiu a uma nova

geração de agricultores assumir a direção das organizações

agrícolas, da mesma forma que o pequeno núcleo dos

engenheiros da Indústria Airbus tomou o leadership do conjunto

do “sistema Airbus”, porque eles se tornaram os intérpretes do

mercado. Do mesmo modo, confrontados com uma grave crise

econômica que se acrescentava à transformação progressiva das

lógicas de funcionamento do mercado do livro, que ilustrava a

chegada de novos atores, certos editores franceses foram à fonte

de um paradigma de exceção do livro (“o livro não é um produto

como os outros”), gerando as tensões alimentadas pela

valorização das lógicas comerciais, preconizando o

reconhecimento das particularidades de seu setor, mas

assegurando também a manutenção de seu próprio estatuto no

setor do livro (Surel, 1997 a, 1997 b).

O leadership adquirido por um grupo de atores ou por

uma coalizão de causa precisa não significa, portanto, que as

50

trocas no interior do subsistema são neutralizadas, mas voltam a

colocar o acento sobre a existência de um quadro cognitivo no

interior do qual vão afrontar-se face a face os atores. Desse ponto

de vista, o debate acerca da globalização é inteiramente

emblemático: ao longo do debate, implementa-se um conjunto de

imagens (“a competição internacional”, os “riscos” da

imigração), de princípios de ação (a baixa do imposto é

“necessária” para manter a competitividade internacional), de

normas (é preciso aliviar o peso dos sistemas de proteção social)

ou de valores (o espírito de empresa, os valores do “privado”

face àqueles do “público”) que vai enquadrar o debate público e

constituir uma matriz cognitiva e normativa no interior da qual

vão se afrontar os atores.

Em definitivo, a abordagem cognitiva, como a

abordagem neo-institucionalista, busca ultrapassar o dilema do

determinismo e do voluntarismo, propondo uma grade de análise

que combina uma certa forma de determinismo estrutural (os

atores políticos não são totalmente livres de suas escolhas) e uma

certa forma de voluntarismo (as escolhas políticas não são

totalmente determinadas pelas suas estruturas). Enquanto as

diferentes correntes do neo-institucionalismo tentam tomar a

ação pública pelo prisma das instituições (no sentido amplo) que

determinam o funcionamento e a evolução, a abordagem

cognitiva, de seu lado, repousa sobre a idéia que uma política

pública opera como um vasto processo de interpretação do

mundo, ao longo do qual, pouco a pouco, uma visão do mundo

vai impor-se, vai ser aceita, depois reconhecida como

“verdadeira” pela maioria dos atores do setor, porque ela permite

aos atores compreender as transformações de seu contexto,

oferecendo-lhes um conjunto de relações e de interpretações

causais que lhes permitem decodificar, decifrar os

acontecimentos com os quais eles são confrontados.

51

A GÊNESE DA AÇÃO PÚBLICA

Um dos postulados dentre os mais bem estabelecidos das

ciências sociais repousa, sem dúvida, sobre a convicção que todo

fenômeno possui uma série de determinantes, cuja identificação e

explicação são necessárias para a boa compreensão do “fato”

social. Para esclarecer esta dinâmica, a análise das políticas

públicas apoia-se em três noções fundamentais ligadas por uma

seqüência básica: fenômenos sociais aparecem; eles se tornam

problemas dignos de atenção; sua resolução é atribuída ao

Estado. Enquanto os fenômenos sociais surgem mais

freqüentemente de modo caótico e imprevisível, a noção de

problema cobre uma realidade mais complexa e mais

estritamente definida, dependente das percepções cognitivas e

normativas ligadas a uma situação, constituindo a agenda o

conjunto dos problemas que chamam, em um instante (t), a

atenção e/ou a intervenção de um ou de diversos atores públicos

(Padioleau, 1982).

As primeiras obras especificamente consagradas aos

processos de colocação na agenda insistiam essencialemente

sobre o papel dos atores, no quadro de uma interrogação geral

relacionada com as dimensões da participação política nos

regimes democráticos (Cobb, Elder, 1972). Outras análises

focalizaram em paralelo os determinantes “objetivos” dos

problemas públicos, entre os quais se tem podido classificar as

catástrofes naturais ou os ciclos econômicos. Como a maior parte

das teses deterministas, esta apreensão das dinâmicas sociais foi,

entretanto, objeto de críticas fundadas sobre o caráter não linear

dos processos econômicos e políticos, encontrando-se esta visão

unificante confrontada além do mais com a variedade das formas

práticas de fenômenos supostos semelhantes, como a “reviravolta

liberal” (Jobert, 1994).

Retomando e juntando tais abordagens, a maior parte das

pesquisas atuais estão por conseguinte de bom grado orientadas

52

para a identificação e a explicação de uma pluralidade de modos

possíveis de gênese dos problemas públicos. Ao invés de apoiar-

se sobre o postulado de uma causa dominante, os trabalhos

recentes insistem com efeito sobre a complexidade e a

multiplicidade das relações causais que podem ser a fonte dos

problemas públicos. Howlett e Ramesh propõem assim chamar

de abordagem funnel of causality (Howlett, Ramesh, 1995), os

trabalhos que põem como premissa a necessária conjunção de

diferentes variáveis, incluindo, ao mesmo tempo, as variações do

contexto econômico e físico (as causas “objetivas” tradicionais),

a configuração das alianças como relações de forças num instante

dado, as matrizes cognitivas e normativas dominantes, as

características institucionais dos atores públicos envolvidos...

Nesta perspectiva, cada problema torna-se o resultado de um

processo sempre específico na trama destas variáveis

fundamentais.

No interior deste conjunto, uma dimensão parece,

entretanto, mais e mais valorizada e tende a integrar as outras

determinantes, a saber, o estudo das “narrações” ou das

explicações que os atores formulam a respeito dos fenômenos

sociais, a partir de seus próprios esquemas cognitivos e

normativos. A maior parte dos trabalhos contemporâneos

dedicam-se, assim, a revelar e a desconstruir a maneira como

atores elaboram as argumentações concorrentes, que visam a

definir um problema numa “linguagem” que corresponda a seus

valores, suas crenças, suas posições, seus interesses, as

características de sua organização... Neste quadro geral, a gênese

da ação pública é, então, dividida em três processos ideais, sob o

aspecto analítico distintos, que tratam respectivamente da

problematização dos fenômenos sociais, da inscrição formal na

agenda e da influência eventual das “janelas políticas”.

53

A problematização dos

fenômenos sociais

Todo fenômeno social aparece de maneira mais ou

menos aleatória e caótica, não podendo nenhuma regra precisa

determinar as condições e os processos de sua emergência. Disto

decorrem duas proposições complementares: (1) a

impossibilidade que existe de antecipar, até mesmo de classificar,

todos os fenômenos sociais, explica que não existe nada que seja,

por natureza, excluído de toda possibilidade de inscrição na

agenda política; (2) para tornar-se um problema capaz de

provocar a intervenção de um ator público, os fenômenos sociais

passam por uma série de prismas, agindo como tantos processos

de seleção, que modificam a natureza, a audiência, o sentido dos

fenômenos percebidos e contribuem para torná-los objetos

legítimos da ação pública. O conjunto destes primas corresponde

a uma fase de problematização, ao longo da qual um certo

número de atores vão ser levados a perceber uma situação como

“anormal” (“Os atores percebem uma separação entre o que é, o

que poderia ser ou o que deveria ser”: Padioleau, 1982, p. 25) e

vão qualificá-la de uma maneira particular, que pode ser

suscetível de chamar a atenção de um ator público.

A busca das causas

A percepção de um problema está ligada essencialmente

à busca, pelos atores, das causas possíveis da situação vivida

como problemática. Sejam eles públicos ou privados, os

indivíduos ou os grupos colocados diante de um fenômeno que

põe em jogo sua seguridade, seus interesses, seus valores... vão

com efeito buscar as razões que os levaram a uma tal situação. A

maior parte destas explicações mobilizam três tipos ideais de

causalidade (figura 1).

54

Figura 1: Três modelos de causalidade

Modelo nº 1: causalidade múltipla e simultânea

X1

X2 Y

Xn

Modelo nº 2: causalidade seqüencial

X1 X2 Xn Y

Modelo nº 3: causalidade intrincada

Y

Fonte: esquema inspirado em Rochefort D., Cobb R., 1994.

O modelo nº 1 aplica-se à conjunção de fatores múltiplos

(X1, X2... Xn) que agem de maneira simultânea para produzir

um fenômeno Y. A esta causalidade sincrônica se junta um

segundo modelo possível, diacrônico desta vez, onde o

encadeamento de uma série de fatores chega seqüencialmente a

Y (modelo nº 2). Enfim, outra causalidade eventual, o

intrincamento de dois ou de diversos fatores na gênese do

fenômeno Y (modelo nº 3).

Esses tipos-ideais constituem três dinâmicas

fundamentais, que escondem, na prática, diferentes modos de

articulação. Uma catástrofe natural parece assim intuitivamente

X 1

X 2 Y

55

ligada ao modelo nº 1. Trata-se de um acontecimento súbito, cujo

desenvolvimento se explica com mais freqüência a posteriori

pelo papel de diversos fatores conjugados. A inundação de

Vaison-la-Romaine, que aconteceu em 1992, pode ser assim

descrita como o resultado de uma conjunção de diversos

elementos: as excepcionais intempéries, uma previsão

insuficiente da gravidade das tempestades, a construção do

camping devastado sobre uma zona declarada há muito tempo

como sendo passível de inundação... Mas, em seguida, a

apresentação pelos atores envolvidos de elementos indiretos

mobilizou igualmente raciocínios derivados do modelo nº 3. A

busca das causas da catástrofe colocou assim à luz, pouco a

pouco, os elementos mais gerais, como a maneira pela qual

foram estabelecidos e controlados os planos de ocupação dos

solos ou, ainda, os problemas induzidos pela multiplicidade

crescente dos centros de decisão.

A maior parte dos fenômenos sociais que vão ser

percebidos como problemáticos resultam, assim, para os atores,

de lógicas simultâneas, cujo desenvolvimento no tempo tem

podido contribuir para a gravidade da situação, e que reenviam,

de maneira mais ou menos explícita, a diferentes níveis possíveis

de explicação. O problema da violência urbana vai, por exemplo,

eclodir por ocasião de um motim numa cidade, provocado pela

prisão de um adolescente, pela mobilização seguida de um grupo

particularmente vingativo e pela reação inadequada das forças da

polícia (modelo nº 1). Depois, muito rápido, outros tipos de

fatores vão ser colocados para explicar, como a lenta degradação

do habitat, que tem provocado a guetização do bairro junto de

uma comunidade sócio-econômica e/ou estrangeira particular

(modelo nº 2). Enfim, diferentes elementos subjacentes vão ser

“levantados” numa situação concreta, como a persistência do

desemprego, o racismo reinante, a crise do modelo de integração

republicana... (modelo nº 3).

Não existe, pois, univocidade na busca das causas, mas

uma busca de sentido levada pelos atores e/ou os analistas, que

mobiliza e seleciona alternadamente os diferentes registros de

inteligibilidade, a fim de conferir uma significação e/ou de dar

uma explicação a uma realidade caótica. Esta busca de causas

56

implica um trabalho cognitivo e normativo de seleção dos dados

pertinentes a partir de uma simplificação mais ou menos grande

dos componentes do fenômeno considerado, operação esta

determinada pelas grades de leitura particulares aos diferentes

atores.

Por isso mesmo, a extrema complexidade dos fenômenos

a interpretar explica que exista aí competição dos atores para

conferir a um fenômeno uma causalidade que pareça coerente

com seus interesses, seus valores, suas visões de mundo... E esta

competição toma, com maior freqüência, a forma de uma luta

sobre as narrações explicativas concorrentes propostas para um

mesmo fenômeno, luta no interior da qual os grupos e/ou os

indivíduos vão engajar seus recursos, iniciar aproximações em

função das relações de forças, e tentar, enfim, obter acesso à

agenda política efetiva.

A construção de narrações

Numa obra já clássica, John Kingdon, depois de ter

proposto reunir todas as operações sociais que contribuem para a

definição dos problemas num mesmo conjunto (problems

stream), estima que três tipos de processos, eventualmente

cumulativos, permitem conferir a certos fenômenos uma

visibilidade que vai iniciar sua transformação em problema

público: a evolução de um indicador dado (taxa de desemprego,

por exemplo), a eclosão de um acontecimento inesperado (uma

catástrofe natural) ou a “resposta” a uma iniciativa pública

anterior (Kingdon, 1984). Entretanto, com freqüência, esses

elementos desencadeadores não fazem mais que tornar público

um problema mais ou menos latente e permanecem dependentes

da recepção e do uso que vão fazer os atores envolvidos, sejam

eles públicos ou privados.

As percepções dos atores mais ou menos diretamente

envolvidos por um fenômeno específico vão, com efeito,

(re)definir esses elementos iniciais pela elaboração de diferentes

modos de explicação e pela formulação das narrações. Deborah

Stone, interrogando-se sobre os meios fundamentais da

colocação na agenda, propõe assim considerar as histórias

57

causais produzidas pelos atores acerca de um mesmo fenômeno

como uma das variáveis essenciais dos processos sociais que

conduzem a emergência de um problema (Stone, 1989). Se

retomado o exemplo das violências urbanas já citado, poder-se-á

aí descobrir uma variedade de narrações produzidas pelos

diferentes atores envolvidos, que vão qualificar o fenômeno num

sentido preciso, dito de outro modo, problematizá-lo sob uma

forma sempre específica. Se considerada, por exemplo, a posição

emitida pelo prefeito, tratar-se-á, sem nenhuma dúvida, para ele,

de um problema de ordem pública, provocado pelos

comportamentos manifestamente delinqüentes, amplificado pela

ausência de reforços policiais suficientes. O prefeito da cidade

denunciará com vigor a urbanização excessiva e a criação de

cidades dormitórios, pedindo ao Estado que intervenha através de

uma política urbana efetiva. Tomado por um representante de

associação de bairro, o acontecimento torna-se a manifestação de

problemas endêmicos, como aquele do desemprego, que alimenta

um sentimento de exclusão das comunidades estrangeiras. Ao

inverso, o presidente de um partido de extrema direita,

interessado em conferir ao problema uma significação nacional,

vai sublinhar a presença de imigrantes entre os amotinadores e

pedir um reforço das leis contra a imigração.

A produção de discursos concorrentes sobre um mesmo

fenômeno implica por isso mesmo uma competição sobre a

qualificação do problema sob um ângulo particular, que implica a

seleção das causas consideradas pertinentes, a formulação de

uma explicação conforme às “visões de mundo” dos atores

envolvidos e, enfim, a elaboração de propostas de resolução do

problema.

Ao mesmo tempo, cada narração determina uma

identidade e um papel particular aos diferentes atores envolvidos,

imputando uma responsabilidade direta ou indireta a um ou

diversos atores públicos. No caso dos motins urbanos já citado, o

representante da associação de bairro insistirá sobre o peso dos

problemas sociais, argumento que permite, ao mesmo tempo,

exonerar parcialmente os indivíduos na origem das agitações e

imputar a responsabilidade efetiva a outros atores. Ao inverso, o

presidente do partido de extrema direita, utilizando termos

58

conotados negativamente como “decadência”, inverterá a

perspectiva estimando que a vitima é a nação toda, ameaçada

pela intrusão dos indivíduos de origem estrangeira. A aposta

implícita desta concorrência entre as diferentes narrações é de

estruturar o campo das relações, de constituir alianças e de

elaborar objetivos estratégicos, que levem em conta a relação de

forças, da mesma forma que percepções dominantes

determinadas por um feixe de fatores de caráter cognitivo (a),

retórico (b) ou normativo(c).

a) Os fatores cognitivos

Na constituição das narrações, existe, com efeito, uma

multiplicidade de dinâmicas cognitivas que alimentam de

maneira sempre imperfeita as percepções dos atores. De uma

maneira geral, a importância da informação e dos instrumentos

mobilizados pelos atores públicos e privados no conhecimento

dos fenômenos sociais é freqüentemente assinalada como uma

variável essencial na definição do quadro, da natureza, e também

do “momento” da ação pública. Sublinha-se assim, bem seguido,

o papel, ao mesmo tempo ambivalente e determinante na

definição dos problemas, ocupado pelas estatísticas. Estas têm,

com efeito, uma função essencial de identificação e de medida

através da quantificação de um fenômeno construído segundo

critérios dados, mas também uma função de vigilância, situação

esta que pode tornar-se problemática logo que um limiar preciso

seja ultrapassado (Kingdon, 1984). Depois de alguns anos, a vida

pública assim como as obrigações determinadas ao Estado são, a

esse respeito, ritmadas pela evolução das cifras do desemprego

ou, mais recentemente, pela medida da poluição.

Para além da quantificação do fenômeno, a função de

vigilância pode determinar processos de emergência que Pierre

Favre qualificou de automáticos, no sentido em que “na ausência

de uma vontade de tomada do campo político por aqueles que

são confrontados com um problema, este aqui não penetra nisso

nem mesmo por um mecanismo autônomo de transmissão ”

(Favre, 1992, p. 8). A revelação de uma cota de alerta, atingida

pela poluição atmosférica nas principais cidades da França,

conduz assim hoje à emergência automática do problema, sem

59

mobilização necessária dos atores envolvidos. Tal dinâmica

apresenta ainda a característica suplementar de desembocar o

mais freqüentemente numa automaticidade na tomada de decisão,

provocando a emergência do problema, de maneira simultânea,

uma resposta dos atores públicos envolvidos. No caso da

poluição do ar, a revelação da ultrapassagem dos níveis de

poluição desemboca, assim, numa série de medidas

predeterminadas, tais como a limitação da velocidade de

circulação, a gratuidade provisória dos transportes coletivos, a

multiplicação dos controles dos veículos...

O conhecimento de um fenômeno é igualmente

dependente de outros fatores, como a transmissão da informação

pela mídia, a capacidade de recepção destes dados pelos

indivíduos ou pelos grupos potencialmente envolvidos, a aptidão

que têm certos atores públicos ou privados para controlar os

fluxos de informação... Neste sentido, o prisma cognitivo é

menos uma etapa inicial na problematização de um fenômeno

dado do que a parte mais imediatamente identificável das

diferentes operações que contribuem para marcar o problema

num sentido particular.

b) Os instrumentos retóricos

A definição do problema depende também de outros

fatores fundados sobre as condições de uso e de recepção das

figuras e instrumentos retóricos mobilizados pelos atores

envolvidos. Numerosos trabalhos revelaram, sob esse aspecto

preciso, até que ponto a “linguagem” utilizada constituía uma

dimensão importante da emergência, tanto na forma retórica,

quanto na substância da “mensagem” (Edelman, 1977; Stone,

1988; Majone, 1989). Interessando-se pelas formas de linguagem

mais comumente usadas pelos atores, Deborah Stone podia

distinguir, por exemplo, quatro modalidades essenciais de

argumentos: (1) a produção de histórias, que se apoia sobre as

narrações puramente explicativas; (2) as sinédoques que

consistem em tomar a parte pelo todo, um modo útil quando se

trata de generalizar os interesses particulares (por exemplo, logo

que os editores descrevem seus problemas como aqueles do

“livro” em geral); (3) as metáforas, que desenvolvem as

60

similitudes supostas entre diferentes elementos (a AIDS foi num

momento definida como um “câncer homossexual”); (4) as

ambigüidades, pelas quais diferentes significações são evocadas

de modo simultâneo. Essas diferentes figuras retóricas têm por

função conotar de forma mais ou menos consciente um

fenômeno de uma maneira particular, estabelecendo

principalmente conexões sugestivas, que vão definir um espaço

de sentido.

Mas, além da forma, a própria substância dos termos

empregados pode, da mesma maneira, preencher uma função de

etiquetagem, sendo certos tipos de registros discursivos nesse

sentido mais e mais valorizados. Certos trabalhos, por exemplo,

insistiram sobre o espaço ampliado da retórica técnica e do

discurso de competência na definição dos problemas, no interior

de um quadro geral aceitável e legítimo para o maiorb número de

atores possíveis (Restier-Melleray, 1990). [Há] outro tipo de

registro discursivo com freqüência mobilizado pelos atores, o

que se poderia denominar discurso de exceção, pelo qual os

indivíduos ou os grupos tendem a colocar antes a especificidade

de seus problemas (“nossa situação não é como as outras”) e a

necessária ação corretiva ou protetora que deve decorrer da parte

dos atores públicos. A colocação em destaque pelo governo

francês de uma “exceção cultural”, quando das negociações do

GATT, justificando a inserção de disposições derrogatórias no

novo tratado, que instituia a Organização mundial do comércio

(OMC), resultava de uma tal lógica de distinção um poderoso

instrumento federativo neste tipo de competição sobre a natureza

e o campo da ação pública.

Generalizando tais análises, certos trabalhos puderam

identificar a existência de símbolos avaliados em particular por

sua capacidade de gerar a adesão e de facilitar o acesso dos

problemas na agenda política, como, por exemplo, certas

temáticas intemporais (priorizar a liberdade) ou quaisquer

símbolos mais recentes e/ou efêmeros (promover o Estado de

direito).

61

c) A dimensão normativa

O conjunto destes elementos não esgota entretanto os

diferentes processos que determinam a construção das narrações.

Além da dimensão cognitiva e dos instrumentos retóricos

mobilizáveis, o papel dos valores, dito de outro modo, das

camadas mais abstratas das matrizes paradigmáticas existentes, é

fundamental na problematização dos fenômenos sociais. Aliás, a

maior parte dos elementos evocados são com mais freqüência

“enquadrados”, selecionados e determinados pelos efeitos de

etiquetagem e de (re-)definição que produzem os valores dos

atores envolvidos, valores que se poderia definir como “as

representações mais fundamentais [...] sobre o que é bom ou

mau, desejável ou a rejeitar” (Muller, in Faure, Pollet, Warin,

1995, p. 158).

A aparição da AIDS no início dos anos 1980, doença

desconhecida até lá, é característica, desse ponto de vista, dos

processos de construção social de um fenômeno preciso,

determinados, em parte, também pelo desenvolvimento dos

conhecimentos científicos (Favre, 1992; Setbon, 1993). Num

clima de relativo desconhecimento inicial, a AIDS pôde, assim,

ser qualificada de “câncer gay”, antes que a descoberta do vírus

abrisse uma fase de redefinição da doença graças à identificação

de seus modos de transmissão, sendo a AIDS desde então

comumente designada como uma pandemia transmissível por via

sangüínea ou sexual.

Esta identificação do fenômeno na linguagem científica

não devia, entretanto, impedir a produção de discursos

concorrentes, dependentes dos valores próprios aos atores mais

ou menos diretamente envolvidos. Mesmo após a descoberta do

vírus, alguns puderam assim qualificá-lo de “castigo divino” ou

de síndrome reveladora da permissividade das sociedades

contemporâneas. Longe de ser cristalizada pelos conhecimentos

científicos, a AIDS ficava assim sujeita a transformações e (re-)

qualificações determinadas por valores diferentes, mas

igualmente pelos recursos dos atores envolvidos e pela natureza

das relações de forças nos diferentes campos implicados. A

62

posição da Frente Nacional a respeito da AIDS, fundada sobre a

demonstração da existência de “patologias sociais”, era, assim,

em parte, o resultado de estratégias desenvolvidas pelo partido de

extrema direita no campo político, a produção de um discurso

aberrante, que pode até chegar à invenção de um vocabulário

concorrente (aidético...), visando a conservar a situação singular

da FN [Frente Nacional] no campo político (Mathiot, in Favre

(dir.), 1992).

Mas este exemplo da AIDS permite, do mesmo modo,

observar a emergência progressiva, com a definição do próprio

problema, de novos atores sociais e/ou de novos valores

dominantes. A aparição da doença, depois sua emergência como

problema público, forneceram com efeito a certos atores a

ocasião de eles mesmos se “constituírem” à volta desta situação

particular que representa a epidemia. Ao longo dos anos 1980, e

particularmente na França onde se observava uma ausência

relativa de associações e/ou de movimentos sociais encarregados

da defesa das minorias sexuais pôde-se ver, assim, formarem-se

grupos de interesse especializados. Inicialmente mobilizados pela

doença, certos atores e grupos sociais tenderam, especialmente, a

ultrapassar esse quadro restrito, para tentar valorizar de forma

mais geral a imagem das comunidades homossexuais nas

representações sociais.

Conseqüência induzida destes diferentes processos, as

mobilizações destes (novos) atores, as tomadas de posição

emitidas por representantes de grupos associativos, de instâncias

religiosas ou de partidos políticos, assim como as primeiras

respostas parciais emitidas pelo Estado (campanha de

informação, ajudas a pesquisa...), contribuíram igualmente para

modificar os valores socialmente dominantes em matéria de

comportamentos sexuais (fidelidade nas relações amorosas). Ao

invés de ser o simples produto de paradigmas existentes, que

conferem um significado particular a um fenômeno dado, a AIDS

foi, assim, a ocasião de uma transformação em cadeia dos

princípios, das crenças e dos valores ligados a um conjunto de

práticas sociais.

Tais processos provam a que ponto é importante analisar

a emergência de um problema e as condições de sua

63

problematização sobre um longo período. De problema marginal,

limitado a certas situações particulares ou a certos atores

mobilizados, o contexto tornou-se assim, por exemplo, num

espaço de trinta anos, um dos assuntos mais duravelmente

presentes na agenda. Esta ruptura é ligada a um feixe intrincado

de elementos explicativos: a transformação dos valores sociais

dominantes, que seriam no momento marcados por uma forma de

pós-materialismo (Inglehart, 1977), a mobilização de novos

grupos de interesses ou de indivíduos “empreendedores”

(associações ecológicas...), a existência de públicos mobilizáveis

(a elevação média da instrução que facilita a sensibilização frente

a um conjunto mais largo de problemas)...

Estas mudanças podem então determinar interpretações

diferenciadas no tempo de fenômenos que apresentam certas

similaridades. Num estudo recente, Cobb e Rochefort fazem um

paralelo entre as conseqüências diametralmente opostas de dois

acontecimentos similares, a prisão “forçada” de uma pessoa de

cor nos Estados Unidos: enquanto que o “espancamento” de um

soldado negro por um policial branco provoca “apenas” um

motim em 1943, ao contrário, o controle da polícia efetuado

contra Rodney King resultou por conseqüência num verdadeiro

incêndio na cidade de Los Angeles em 1992, por ocasião de um

processo favorável aos policiais o qual relançou o debate sobre o

lugar das minorias étnicas na sociedade americana (Rochefort,

Cobb, 1994).

Essas diferenças isoláveis no tempo podem aliás ser

todas também legitimamente buscadas no espaço, conforme a

perspectiva comparativa clássica. Os tratamentos particulares

aplicados às conseqüências do acidente da central nuclear de

Tchernobyl, se forem medidas, por exemplo, as diferenças de

percepção que têm caracterizado a recepção do problema na

Alemanha e na França, não se explicam unicamente pelo efeito

da maior proximidade geográfica da Alemanha em relação ao

foco da catástrofe. As valorizações opostas do meio em geral e

da energia nuclear em particular levantaram na oportunidade

quadros mentais específicos, conferindo à “nuvem de

Tchernobyl” um significado particular.

64

Mas, em definitivo, um dos elementos essenciais destas

operações de construção social dos fenômenos sociais reside na

colocação em jogo da responsabilidade presumida dos atores

políticos. Para tornar-se efetiva e praticamente um problema

público, um fenômeno dado deve ser submetido a um trabalho de

imputação, que associe à busca da causalidade, a identificação

dos atores públicos responsáveis, senão do próprio problema,

pelo menos de sua resolução. A obrigação atribuída ao Estado de

intervir não tem portanto nenhum caráter objetivo, mas é ela

própria o resultado do estado das interações entre os atores

públicos ou privados envolvidos, do espaço do pensável e dos

possíveis, definido por um contexto sócio-histórico preciso,

assim como da natureza anterior das ações públicas sobre

problemas análogos.

A inscrição na agenda

A diferença entre problematização e inscrição na agenda

recobre no essencial, no esquema de análise de Cobb e Elder, a

passagem da agenda sistêmica, a qual reúne todos os problemas

sociais relacionados de perto ou de longe aos atores públicos, à

agenda institucional, na qual os problemas constituem o objeto

de um primeiro verdadeiro tratamento pela busca de soluções e

de alternativas de escolha (um conjunto mais ou menos coerente

de soluções possíveis) para o problema percebido e construído

pelos atores envolvidos. Nesse quadro, o processo de

problematização vê-se prolongado e modificado pelos prismas

institucionais e cognitivos, que marcam a entrada dos fenômenos

percebidos no espaço de decisão.

Os prismas institucionais

Para ser inscrito na agenda, um problema deve estar

integrado de fato às formas e às lógicas de funcionamento do

aparelho político-administrativo, por vezes ao preço de

requalificações mais ou menos substanciais. Diferentes fatores

pesam sobre esta “tradução/traição” dos problemas sociais,

65

essencialmente as formas institucionais no sentido estrito, que

recobrem tanto as características “constitucionais” dos atores

político-administrativos como a importância de certos registros

particulares, especialmente jurídicos.

O fator mais imediato que é suscetível de pesar sobre a

colocação na agenda reside na influência das formas

institucionais próprias aos atores político-administrativos

envolvidos. Não é indiferente, com efeito, para as dinâmicas de

colocação na agenda, que a problematização se dirija ao

presidente, ao primeiro ministro, a um ministro, ao parlamento, a

uma coletividade local... Essas diferenças, que derivam das

divisões institucionais das competências, das relações

hierárquicas estabelecidas no interior do Estado, dos mecanismos

de controle definidos pelos textos constitucionais e

regulamentares, refletem-se nas especificidades de cada agenda

institucional.

Se certos assuntos importantes, tais como o desemprego

ou a reforma da Seguridade social, desde alguns anos, figuram

assim regular e simultaneamente nas agendas de diversas

instituições, outros problemas mais pontuais ou que tocam um

número mais limitado de pessoas, podem ser inscritos na agenda

de uma instituição particular, sem por isso suscitar a atenção ou a

interferência de outros atores públicos. Assim, a agenda do

Senado, ao lado de problemas igualmente presentes nas agendas

das instâncias executivas e da Assembléia nacional, comporta

uma série de assuntos com um caráter local mais acentuado,

constituindo os senadores uma via de transmissão privilegiada

para certos grupos de interesse locais.

A isso se juntam também mecanismos de seleção

mútuos, que podem determinar ritmos e modos de passagem de

um problema de uma instituição a outra (Döring, 1995). A

configuração institucional francesa, marcada por uma

predominância do executivo sobre as instâncias legislativas,

explica, assim, que a passagem prévia de um problema nas

instâncias governamentais, determina, freqüentemente, uma

inscrição na agenda parlamentar, quando a alternativa escolhida

necessita da adoção de um projeto de lei. O inverso não é sempre

verdadeiro, na medida em que a mobilização conseguida de um

66

ou de diversos parlamentares, pode não ser suficiente para

“alçar” ainda um pouco mais o problema até os níveis de decisão.

Esta adequação das problematizações às configurações

político-institucionais toma uma forma particular com a

importância do direito e da qualificação jurídica dos problemas.

Para que uma alternativa seja efetivamente posta, é preciso o

mais freqüentemente, com efeito, que ela tenha uma forma

jurídica “aceitável”, constituindo o direito um instrumento

privilegiado de ação e de regulação à disposição do Estado.

Tendo as regras e os ritmos de funcionamento dos processos

jurídicos suas lógicas próprias, acontece, em particular, que a

problematização seja submetida a um caminho específico. A

regulação jurídica, em especial pelo viés da evolução da

jurisprudência, provoca, com efeito, a produção autônoma de

alternativas freqüentemente alvejadas, que ganham em seguida

um destaque particular logo que o problema emerge por fim na

agenda política. Um estudo feito sobre a evolução do problema

do assédio sexual nos Estados Unidos mostra, assim, que esse

fenômeno torna-se um problema público no fim dos anos 1990,

precisamente quando a evolução da legislação tinha já

ultrapassado certas reivindicações dos atores (Paul, in Rochefort,

Cobb, 1994).

Em termos mais gerais, as características próprias aos

atores político-administrativos, em especial às lógicas

particulares que regem suas ações, podem ter um impacto

singular sobre a inscrição de problemas na agenda política,

quando se produz um fenômeno de captação de um problema

pelos atores públicos que, aí, vêem um recurso suplementar e um

vetor de legitimação. Foi esse o caso, por exemplo, do ministro

da Agricultura Edgar Pisani, quando da elaboração da lei sobre a

modernização da agricultura em 1962 (Muller, 1984); o caso do

professor Debré, quando da reforma dos hospitais nos anos 1960

(Jamous, 1969); ou ainda, o caso de Michèle Barzach com o

problema da AIDS em 1987 (Favre, 1992). Da mesma maneira

que certos atores sociais sustentam uma problematização

particular, esses indivíduos ou esses grupos sustentam por sua

vez uma alternativa dada no interior do aparelho político-

67

administrativo, determinando assim diretamente as dinâmicas de

inscrição na agenda institucional.

Como caso extremo desse tipo de processo descrito por

Pierre Favre, pode produzir-se um fenômeno de “imergência”

caracterizado por uma inversão das dinâmicas seqüenciais

tradicionais. O problema é aqui integralmente construído e

sustentado por atores político-administrativos, sem que apareça

qualquer reivindicação, nem qualquer mobilização dos atores

sociais envolvidos (Favre, 1992). O exemplo da problematização

de uma alternativa específica, o tratado de Maastricht e, de uma

maneira geral, a própria construção européia são casos

emblemáticos de soluções em busca de problema: no caso, a

inscrição desta alternativa na agenda institucional precede toda

forma de problematização na agenda sistêmica.

Estes prismas institucionais são tanto mais interessantes

de se considerar que parece assistir-se, hoje, a uma modificação

de sua configuração, com um duplo movimento de localização e

de europeização das políticas públicas (Muller, 1992). Essas

evoluções tomam duas formas essenciais: (1) a aparição de novas

agendas institucionais, agendas locais e européia, que tornam

ainda um pouco mais complexos e concorrentes os processos de

inscrição na agenda; (2) uma hierarquização e modos de seleção

diferentes, que estabelecem novas passarelas de um nível

institucional a outro. Assim, “a Europa aparece [...] mais e mais

como o lugar do debate, isto é o lugar estratégico, onde são

formulados os problemas e onde é definido o conjunto de

soluções que constitui o objeto mesmo do debate político”

(Muller, 1994 b, p. 67).

A transformação “pública” do problema

Além destes elementos jurídicos e constitucionais, o

ajustamento da agenda sistêmica e da agenda institucional faz-se

igualmente na dimensão cognitiva e normativa. Coloca-se, de

uma certa forma, o problema de uma formulação das

problematizações sob uma forma “inteligível” para o aparelho

político-administrativo. Com efeito, não é suficiente que a

problematização seja endereçada aos atores públicos

68

competentes, que ela respeite as hierarquias e, em certos casos,

os cânones da forma jurídica, na medida em que ela deve

igualmente satisfazer aos prismas cognitivos e normativos

característicos dos modos de funcionamento do espaço político.

A abordagem do sociólogo alemão Niklas Luhmann, que

coloca em evidência a existência de “códigos” peculiares a cada

subsistema social, é esclarecedora desse ponto de vista, enquanto

mostra como a diferenciação funcional acrescida das sociedades

contemporâneas pode suscitar a constituição, no interior de cada

subsistema social, de verdadeiras grades de interpretação, as

quais têm por função simplificar a complexidade do mundo todo,

regrando o funcionamento interno do subsistema (Luhmann,

1982). Nesta acepção, o subsistema político é creditado por

Luhmann de especificidades ligadas à sua função principal de

regulador dos outros sistemas sociais, funcionando aqui os

códigos em torno de quaisquer oposições binárias essenciais

(progressista/conservador, governo/oposição, legal/ilegal...).

Pode-se, pois, emitir a hipótese, para a inscrição na agenda, que

toda problematização deve poder ser “(re-)codificada” pelo

subsistema político, para poder dar lugar à produção de uma

alternativa verdadeira.

Apesar de seus limites (Papadopoulos, 1995), esta

conceptualização ilustra as especificidades e as variações de

percepção e de compreensão do mundo que caracterizam os

diferentes espaços sociais. Cada ator e cada espaço de interação

funcionam, de fato, segundo as lógicas cognitivas e normativas

que lhe são próprias, mas que são também mais ou menos fluidas

e mais ou menos permeáveis às influências exteriores. Se

quisermos apreender os fenômenos de modo dinâmico,

associando lógicas horizontais e verticais, poder-se-ia dizer que

se trata assim, para cada espaço de trocas (setorializado ou não),

de gerar uma “relação global/setorial” evolutiva, que toma, hoje,

especialmente a forma de uma gestão da adaptação à norma de

mercado (Jobert, Muller, 1987; Muller, 1994a). A inscrição de

um problema na agenda política torna-se, então, um jogo

complexo de lógicas cognitivas e normativas, associado às

modalidades de trocas entre os atores sociais, o qual visa, em

particular, a gerar essa “relação global/setorial”, integrando mais

69

ou menos perfeitamente os elementos de “código” característicos

do campo político.

Por isso mesmo, a inserção de um problema na agenda,

pelo fato de supor a integração de uma dose mínima destes

“códigos políticos”, é suscetível de modificar a substância

mesma da problematização formulada antes. Como nota Pierre

Favre, o campo político apresenta-se com efeito como um

“transmutador de problemas”, na medida em que “ele tende a

mudar a substância na operação mesma em que ele os toma sob

sua responsabilidade” (Favre, 1992, p. 33). Esta transmutação,

que permite assim esclarecer a natureza destes “códigos”, opera-

se o mais seguido por um efeito de generalização dos casos

particulares, pela integração dos valores ou das lógicas

diferentes, fundadas de modo especial sobre as exigências da

competição política, mas da mesma forma sobre os efeitos de

concorrência e de parasitismo que podem aparecer com a colusão

de outros problemas suscetíveis de inclusão na agenda. Esta

transformação, ou mais exatamente, esta “tradução” do

problema, quando de sua integração na agenda política, pode

exercer-se em diferentes níveis da matriz cognitiva e normativa

anteriormente formulada. Um ator público pode assim

perfeitamente admitir a legitimidade dos valores que estão no

princípio da identificação do problema, sem [por isso] admitir ou

poder aceitar outros aspectos. As reformas recentes das políticas

de imigração puderam entrar de acordo com um certo número de

princípios, com freqüência circunscritos a uma concepção

“republicana” dos imigrados, sem que fossem aceitas as

alternativas propostas por certos atores envolvidos, como, por

exemplo, a ambição de chegar a uma abertura total das fronteiras.

Esse problema “de inteligibilidade” explica,

igualmente, que seja, às vezes, “impossível” ao campo

político considerar, num momento dado, um problema

como dependente de sua ação. O caso da AIDS apresenta,

a esse respeito, traços característicos de um problema

surgido, ao menos numa primeira fase, de maneira

inesperada e “inadaptada” às coações institucionais e

normativas do aparelho político-administrativo (Favre,

70

1992; Setbon, 1993). As coações cognitivas e

organizacionais, assim como a incapacidade de identificar

numa etapa inicial as características da doença, podem, com

efeito, explicar as modalidades de emergência e de

inscrição relativamente tardia do problema na agenda. Logo

que os primeiros casos de AIDS apareceram, as estruturas

do ministério da Saúde, que tinham visto desaparecer os

serviços especializados em matéria de epidemiologia com a

extinção das últimas grandes epidemias, foram com efeito

incapazes de produzir as alternativas que, examinadas de

longe, parecem necessárias: controle da transfusão,

campanhas sistemáticas de informação...

Janelas políticas

Para além desta variedade de fatores institucionais e

cognitivos próprios do espaço das policies, certos autores

puderam colocar em evidência a importância dos ciclos

propriamente políticos e principalmente dos ciclos eleitorais, nos

processos de inscrição na agenda. Estando a par dos problemas e

das polícies, que reúnem as trocas e operações que concorrem na

definição das problematizações e das alternativas, junta-se assim,

segundo Kingdon, uma corrente política (political stream),

definida como um conjunto de elementos que compreende

“variações do estado de espírito nacional, alternâncias

parlamentares ou de administração e campanhas de pressão de

grupos de interesse”, elementos estes que transformam mais ou

menos substancialmente a natureza ou os atores do jogo político

(Kingdon, 1984, p. 21).

Para Kingdon, essas três correntes seguem, de ordinário,

desenvolvimentos e dinâmicas autônomas: “Os problemas são

identificados e definidos segundo motivações e critérios de

seleção próprios a essa corrente, existam ou não soluções para os

problemas e sejam ou não esses problemas sensíveis a

considerações políticas. Os acontecimentos políticos evoluem,

71

quanto a eles, segundo seu próprio calendário, em função de

regras que lhe são próprias, estejam elas ligadas ou não a

problemas e a proposições” (Kingdon, 1984, p. 210). Nesta

perspectiva, os problemas surgem de maneira relativamente

caótica, dependendo dos acontecimentos e das mobilizações

aleatórias dos atores, enquanto as alternativas são o fruto de um

jogo complexo que une, de maneira variável, atores públicos e

privados na busca de programas de ação pública, que podem ser

(não necessariamente) soluções. Do mesmo modo, a autonomia

crescente das dinâmicas políticas (Gaxie, 1993) explica que a

competição eleitoral tenha suas próprias regras de funcionamento

e uma temporalidade específica, sem conexão sistemática com o

funcionamento de rotina da administração ou as ações dos

resultados envolvidos.

A estes modos “ordinários” de funcionamento do Estado

no concreto e de seu ambiente podem, entretanto, opor-se

condições “extraordinárias” (Keeler, 1993). Estas se produzem

de modo esquemático, logo que essas três correntes se reúnem

por ocasião da abertura de uma “janela política”, remetendo

especialmente esta última expressão, segundo Kingdon, a uma

mudança brusca na opinião pública e/ou a uma alternância

eleitoral. Qualquer que seja a causa, estas “janelas” se

caracterizam em todos os casos pela abertura de um período de

maior receptividade da parte dos atores políticos. Kingdon

observa a este respeito que a aparição de uma tal “janela”

representa uma oportunidade para os atores mobilizados de

promover suas soluções preferidas ou de fazer voltar a atenção

sobre os problemas particulares” (Kingdon, 1984, p. 212). Por

isso mesmo, uma tal situação marcada pela reunião de três

correntes que, segundo Kingdon, estruturam os processos de

colocação na agenda, facilitam a emergência de

problematizações específicas, assim como a produção ou a

retomada de alternativas particulares. Ela encurta ou ultrapassa,

por conseguinte, as dinâmicas ligadas aos diferentes prismas

tradicionais pelos quais um problema é suposto passar antes de

ser inscrito na agenda.

Num trabalho comparativo ulterior, concentrado desta

vez nos ciclos eleitorais, John Keeler pode propor o aumento de

72

algumas variáveis suplementares, para precisar o conteúdo da

noção de “janela”, indexando especialmente a amplitude da

vitória eleitoral e a natureza de certos dados contextuais à

margem de manobra (“o tamanho da janela”), que deve

logicamente ser útil ao governo recém eleito ou reeleito (cf. uma

apresentação mais detalhada no capítulo 6). Se as duas variáveis

(mandato conferido ao governo e contexto de crise) se conjugam,

supõe-se que a janela mereça ser considerada, autorizando a

colocação na agenda de uma grande série de problemas e de

alternativas. Ao inverso, uma cumplicidade fraca destas duas

dinâmicas, ou a ausência dos dois elementos, limitam as

possibilidades de acesso à agenda como, depois, a capacidade de

ação dos governos. Qualificada por Keeler de “janela muito

grande”, a alternância política de 1981, na França, apresenta o

exemplo de uma situação marcada de modo preciso pelo

aprofundamento da crise econômica e por uma dupla vitória

eleitoral (eleições presidenciais e legislativas) dos socialistas.

Durante algumas semanas, a agenda governamental encontrou-se

desde então submergida pelas problematizações e alternativas,

mais ou menos recentes e mais ou menos associadas, que

iniciaram uma série de decisões importantes.

O ciclo eleitoral não é, entretanto, o único determinante

possível para a abertura da janela. Uma crise particularmente

grave, não conectada a um processo eleitoral, pode também

produzir de fato a abertura de uma “janela de oportunidade”. A

aparição de um conflito militar produz assim efeitos

ambivalentes para os governantes no poder, da mesma forma que

para os grupos de interesse, conferindo com freqüência uma

margem de manobra considerável aos governantes, mas sobre um

número limitado de problemas. Pudemos notar, quando da guerra

do Golfo, fenômenos de suspensão de um certo número de

mobilizações, não se prestando o contexto político à atenção

sustentada dos atores político-administrativos para as questões

que não dependiam direto do conflito.

Resumindo sua abordagem da colocação na agenda,

Cobb e Elder propuseram o seguinte esquema ideal,

característico da progressão de um problema até à agenda

institucional.

73

Fonte: esquema adapatado de Cobb, Elder, 1972.

De maneira muito simplificada, a emergência de um

problema e sua colocação eventual na agenda depende, assim, de

uma interação inicial entre um ou diversos atores tomados de um

fenômeno dado (cf. capítulo seguinte sobre o papel dos atores),

às vezes por ocasião de um acontecimento desencadeador,

chegando esta dinâmica a uma primeira problematização. As

características cognitivas e normativas do problema assim posto,

da mesma forma como o modo como certos símbolos vão ser

utilizados pelos atores envolvidos, determinam, em seguida, as

condições de sua recepção junto aos públicos mais ou menos

amplos. A configuração de atores que se estruturou ao redor de

uma narração particular, intimamente ligada às fontes cognitivas

e normativas mobilizáveis, chega assim à cristalização provisória

de um espaço de trocas e de um espaço dos possíveis, que se

estreitam ainda e/ou se encontram redefinidos por ocasião da

passagem de um certo número de prismas institucionais,

marcados pela produção de alternativas. Ultrapassado este último

obstáculo, a problematização e seus atores envolvidos, sem

dúvida esgotados por este círculo infernal, acedem enfim ao

santuário tanto desejado, a agenda.

A análise da emergência e da inscrição na agenda tem

sido com freqüência criticada, a exemplo do conjunto da análise

seqüencial (Jones, 1970), por supor um modelo de exposição e de

explicação muito linear e determinista. Lembramos que as

seqüências isoladas são o mais seguido simples instrumentos

analíticos, um esquema ideal-típico de valor heurístico, junto ao

Iniciador

Fator

desencadeador

Problematização

inicial

Características

do problema

Mobilização dos

símbolos

Amplificação

mediática Aumento

do público

Filtros

instituc.

Agen-

da

74

qual se pode e deve reaproximar, para adquirir um início de

inteligibilidade e de explicação, os casos concretos estudados.

Por isso mesmo, pode-se compreender que existam exemplos

onde a produção de alternativas tenha podido preceder toda

forma de problematização (assédio sexual nos Estados Unidos),

ou ainda, que o esquema ideal de Cobb e Elder possa dar lugar a

um encadeamento de seqüências mais complexo que a síntese

final de sua obra. No caso do problema da AIDS, por exemplo,

os prismas institucionais intervêm muito mais cedo, coagindo a

colocação na agenda em razão da inadequação da

problematização existente nas estruturas político-administrativas.

De um ponto de vista mais ambrangente, é claro que os

limites intrínsecos de toda apresentação seqüencial justificam

uma certa prudência: a emergência de um problema não assegura

necessariamente o tratamento efetivo do mesmo pelos atores

públicos. Segundo Pierre Favre, por exemplo, a emergência pode

revelar-se simplesmente “artificial”, situação na qual o “campo

político reage no seu conjunto com força, mas desaparecendo

logo toda referência à situação inicial” (Favre, 1992, p. 12). Num

tal caso, se houve problematização e produção de alternativas,

nenhuma decisão foi depois tomada. Mais ainda, não é sempre

unívoca a relação entre decisão e emergência, na medida em que

a produção de uma alternativa pode conduzir a uma decisão sem

urgência. De maneira inversa, se a intervenção do Estado é

efetiva, o caráter de urgência pode às vezes condicionar o campo

dos possíveis e determinar, ao menos parcialmente, a natureza da

decisão.

75

76

77

ATORES E REDES DE POLÍTICAS

PÚBLICAS

A construção das políticas públicas não é um processo

abstrato. Ela é, ao contrário, indissociável da ação dos indivíduos

ou dos grupos envolvidos, de sua capacidade de produzir

discursos concorrentes, de seus modos de mobilização. Ela

depende, também, da estrutura mais ou menos flutuante de suas

relações e das estratégias elaboradas nos contextos de ação

definidos em especial pelas estruturas institucionais, no interior

das quais tomam lugar as políticas públicas. Analisar a ação

pública conduz, portanto, necessariamente a uma reflexão sobre

as características evolutivas do espaço público e das dinâmicas

da ação coletiva.

O papel dos atores na produção

das políticas públicas

As primeiras análises gerais dos processos de emergência

das políticas públicas foram muito influenciadas pelo estudo do

lugar dos grupos e/ou dos indivíduos na formalização de

reivindicações submetidas à atenção dos poderes públicos.

(Schattschneider, 1960; Cobb, Elder, 1972). A obra de

Schattschneider em especial, The Semi-Sovereign People,

constituiu um ponto de partida que influenciou bastante as

pesquisas ulteriores insistindo sobre o papel que representaria um

número limitado de atores - essencialmente os principais grupos

de interesse - na formação, no desenvolvimento e na solução

eventual dos conflitos sociais.

No interior desta perspectiva geral, a maior parte dos

trabalhos se inclinaram desde logo sobre as modalidades de

participação dos atores envolvidos na emergência de um

problema e na estruturação dos modos de tratamento possíveis

deste mesmo problema pelos atores político-administrativos.

78

Cobb e Elder, por exemplo, colocaram em evidência dois

processos essenciais: (1) a escolha de um fenômeno preciso por

um ou diversos indivíduo(s) e/ou grupo(s), que confere ao

problema uma primeira qualificação (problematização inicial) e

uma primeira visibilidade; (2) um trabalho de mobilização,

fundado sobre a estruturação dos atores envolvidos, sobre a

busca de alianças pelo(s) iniciador(es) junto de públicos mais

amplos e sobre a vontade de suscitar uma reação do Estado,

todos fatores que transformam, pouco a pouco, a

problematização inicial em um problema preciso, aceitável e

justificável de um tratamento pelos atores político-

administrativos.

As ações empreendidas de longa data pelo Abade Pierre

em favor dos sem teto constituem, deste ponto de vista, um

exemplo característico de tais processos ideais. Na oportunidade,

por ocasião de um inverno em particular duro (acontecimento

desencadeador), um indivíduo valeu-se desde 1954, de um

fenômeno preciso, a existência de famílias alojadas em

verdadeiros casebres, para problematizar a questão sob o ângulo

do escândalo (Cf. o repertório de “escandalização” analisado por

Offerlé, 1998). Organizando, pouco a pouco, sua reivindicação,

especialmente sob a forma de uma associação especializada

sobre este desafio preciso, Emaús, o Abade Pierre buscou a partir

daí alianças com atores políticos, com outras organizações não

governamentais e públicos ampliados, tendo esta estratégia

modificado, pouco a pouco, a definição do problema (aumento

das reivindicações, generalização do problema sob o ângulo de

um direito a moradia....), que pode permitir o ressurgimento

recorrente do problema na agenda política.

Segundo Cobb e Elder, há quatro conjuntos de fatores

suscetíveis de determinar um acesso privilegiado dos grupos

envolvidos na agenda dos atores político-administrativos: (1) um

ator encarregado da decisão pode ser devedor a um grupo

particular ou identificar-se inteiramente como membro deste

grupo (um deputado exercendo antes uma atividade profissional

particular, por exemplo); (2) certos grupos têm fontes materiais,

simbólicas, organizacionais... superiores àquelas dos outros, o

que facilita a mobilização dos apoios junto dos atores públicos e

79

privados (Cf. o papel dos grandes construtores nos programas de

equipamento); (3) outros grupos são colocados numa posição

estratégica, que facilita a divulgação de seus problemas (caso dos

industriais ou dos agricultores por exemplo); (4) outros grupos

são socialmente valorizados nas representações e crenças

dominantes, o que legitima suas reivindicações junto a públicos

vastos e variados (agricultores, médicos...). Esse esquema geral,

fundado sobre o postulado de uma desigualdade de recursos entre

os indivíduos e/ou os grupos, significa, por isso mesmo, que

possa aí haver uma chance desigual de acesso de um problema à

agenda, não somente em função de suas propriedades intrínsecas

(conhecimento “efetivo” dos dados pertinentes, problema que

resulta de um espaço dos possíveis determinado pelos valores

dominantes....), mas da mesma forma em função da natureza dos

iniciadores da problematização e/ou dos públicos mobilizados.

Os repertórios da ação e as fontes dos atores

É possível distinguir diversos elementos nas

características dos atores que são suscetíveis de influenciar a

produção das políticas públicas. Pode-se discernir dois tipos de

fatores essenciais: os recursos e os repertórios de ação dos atores

envolvidos.

Os recursos podem ser definidos como as características

que conferem aos atores uma capacidade de agir, ou mais exato,

que lhes garantem um poder, contanto que esta última noção seja

entendida como um tipo particular de relação (classicamente, a

capacidade de A coagir B a fazer uma ação que B não teria feito

sem a intervenção de A). A natureza destes recursos varia de um

país a outro, de uma época a outra, até mesmo de uma esfera

social a outra, não podendo com efeito os recursos dos atores

aumentar senão nas relações que os engajam e nos contextos nos

quais eles operam. Não é por menos que certos elementos se

encontram, por vezes, na qualificação dos recursos de um grupo

dado, em especial o grau e o modo de organização do grupo, a

natureza de suas elites, o grau de institucionalização do grupo no

interior do aparelho político-administrativo, a capacidade de

definir de maneira mais ou menos autônoma seu próprio

80

interesse, característica esta dependente de uma variedade de

elementos históricos, situacionais, individuais, conjunturais...

próprios ao grupo de interesse.

Ao se pensar nos agricultores na França, pode

considerar-se como recursos característicos deste grupo uma

posição estratégica nas dinâmicas de produção (os agricultores

chamam à rivalidade sua função de “pais adotivos” da

sociedade), uma valorização social ligada à força das

comunidades rurais e à marca durável que elas deixaram tanto

nas instituições (Senado, Câmaras da agricultura...) como no

imaginário coletivo (fantasma recorrente do “viver na

campanha”), uma organização dos interesses sobre uma base

sindical relativamente homogênea junto à Federação nacional

dos sindicatos dos empreendedores agrícolas (FNSEA), o que

torna difícil toda penetração de atores dissidentes no sistema de

representação institucionalizado...

Quaisquer que sejam, os recursos são ao mesmo tempo

mobilizados no “interior” e no “exterior”, podendo as duas

lógicas combinarem-se, cumularem-se ou oporem-se, com o

especial objetivo de “fazer reconhecer e avalisar a existência

continuada do grupo, sua boa apresentação (crescer em

generalidade, evitar a desclassificação da causa em puro

interesse) e sua boa representação por seus porta-vozes” (Offerlé,

1998, p.76). Com efeito, o grupo deve com freqüência dar prova

de sua legitimidade e de sua capacidade de representar

“realmente” os interesses de seus membros, em especial pela sua

capacidade de fazer emergir “realmente” os problemas na agenda

e de garantir a efetividade das decisões tomadas quando da

implementação. Quanto mais um grupo assegurar assim a

divulgação regular, até continua, dos problemas percebidos como

importantes por seus membros, tanto mais sua legitimidade

resultará reforçada. Ao contrário, quando as organizações

consagradas se mostrarem incapazes de “assumir” os problemas

dos grupos que eles representam na agenda, elas terão toda

chance de ser ameaçadas por movimentos dissidentes mais ou

menos estruturados. O exemplo das “coordenações”, agregações

fluidas e efêmeras de interesses (Hassenteufel, 1991), pode a esse

respeito ser percebido como o sinal de uma tensão aumentada

81

entre as lógicas internas/externas, tensão identificável, em

particular, pela multiplicação dos grupos participantes nos

processos de colocação na agenda.

A mobilização destes diferentes recursos, quaisquer que

seja o grupo considerado, alimentará o mais seguido as ações

coletivas encarregadas de constituir o grupo na sua relação aos

outros atores sociais, e especialmente na sua relação com o

Estado. Tais modos de ação puderam ser reunidos sob o termo

genérico de repertórios da ação, dito de outro modo, o conjunto

dos meios implementados para exercer um poder, em geral sob a

forma de uma influência junto aos tomadores de decisões

públicas. Segundo Charles Tilly, trata-se, sem dúvida, de uma

metáfora, mais que de um conceito, mas o termo “repertório” não

permite nem mesmo construir com prudência (recusando toda

forma de postulado relativo à regularidade ou ao caráter

necessário e durável de um repertório dado...) “um modelo ou a

experiência acumulada de atores que se entrecruza com as

estratégias de autoridades, tornando um conjunto de meios

limitados de ação mais prático, mais atrativo e mais freqüente

que muitos outros meios que poderiam, em princípio, servir aos

mesmos interesses” (Tilly, 1984, p. 99). Um dos exemplos mais

estudados destes repertórios dominantes da ação coletiva está nas

diferentes formas de manifestação, nesses desfiles coletivos,

pacíficos e organizados, que conferem a um (dos) grupo(s) e/ou

um (dos) problema(s), uma “realidade” e uma visibilidade que

alimentam a interpelação dos poderes públicos (Favre, 1990;

Fillieule, 1997).

Esta mobilização dos recursos e repertórios da ação tem,

com freqüência, por objetivo, aumentar o “público” interessado

num problema e/ou numa reivindicação precisa. Com efeito,

Cobb e Elder puderam distinguir diversos tipos de “públicos”

possíveis, além dos “participantes” diretos nas dinâmicas de

“elevação” dos problemas e na implementação, “públicos” entre

os quais os “participantes” vão poder mobilizar seus apoios. Esta

distinção, fundada sobre o grau de interesse e/ou de participação

ativa dos “públicos” nesses diferentes processos de ação coletiva,

permite desenvolver quatro categorias principais: (1) os grupos

de identificação, capazes de associar seus próprios interesses, de

82

maneira estável e durável, aos atores os mais diretamente

envolvidos; (2) os grupos de atenção, cuja participação está mais

diretamente indexada ao problema preciso, antes de ser o fruto de

uma empatia durável como no caso precedente; (3) o público

atento, capaz de se mobilizar em intervalos regulares em função

de um interesse sustentado por diferentes problemas sociais; (4)

o público geral, o mais difícil de mobilizar, porque menos

informado e menos interessado nos problemas sociais.

Esta tipologia levanta certos esquemas possíveis daquilo

que os mesmos autores chamam de expansão do problema, ligada

ao aumento do público mobilizado. Reunir o máximo de apoios

possíveis, dito de outro modo, “fazer número”, não somente

junto dos atores mais diretamente envolvidos, mas também junto

a categorias mais amplas da população, permite assim conferir

uma visibilidade e uma “força” aumentadas ao problema em

questão, se comparada aos outros fenômenos sociais, suscetíveis

de chamar a atenção e/ou a intervenção dos atores públicos. No

caso dos problemas do livro, é interessante constatar por

exemplo, que a mobilização empreendida pela franja mediana da

profissão, próxima da imagem ideal do livro e de seus atores

legítimos (editores “literários” e pequenos livreiros tradicionais

no essencial) buscou inicialmente mobilizar os participantes

potenciais voltando-se para os editores, os livreiros e os

escritores. Uma vez que a estruturação do movimento se tornou

efetiva pela criação de uma associação a favor do preço único do

livro e do engajamento progressivo dos sindicatos profissionais,

esses mesmos atores buscaram, então, apoios junto aos públicos

potenciais (leitores, partidos políticos...), para apoiar suas

reivindicações junto dos atores político-administrativos.

Todavia, além da promoção de um problema dado, certos

trabalhos se ligaram, da mesma forma, à análise da influência de

certos veto grupos (Suleiman, 1987; Pierson, 1993; Hassenteufel,

1997). Antes de “colocar” um problema na agenda, certos atores

podem ao contrário fixar-se na rejeição de toda forma de

emergência de uma problematização dada, em especial quando

esta última é suscetível de modificar sua situação. O estudo de

Ezra Suleiman sobre os escrivães públicos na França mostra o

quanto esse grupo, por razões históricas precisas que

83

desembocaram numa estrutura particular e numa

institucionalização específica, é capaz de evitar toda emergência

de problematizações potencialmente ameaçadoras para seus

interesses. Formulando a propósito de tais atores a expressão

“inibidores da emergência”, Pierre Favre mostra o quanto certos

grupos (médicos especializados sobre a doença e associações

homossexuais) puderam tender, num período inicial, a se

apropriar do problema da AIDS, sendo assim impedida toda

forma de generalização e de emergência verdadeiras (Favre,

1992).

Grupos de interesse e matrizes cognitivas

Para além destes diferentes elementos, a abordagem

cognitiva das políticas públicas pode colocar em evidência os

vínculos estreitos existentes entre as configurações de atores e as

matrizes paradigmáticas concorrentes que gravitam ao redor de

um problema dado. Pode-se considerar, com efeito, que a fase de

colocação na agenda forma a etapa inicial, que não é, aliás,

necessariamente coroada de sucesso, de uma problematização

suscetível de resultar na formação de um paradigma de política

pública. É nesta fase de constituição do problema, que determina,

ao mesmo tempo, em parte, a configuração dos atores, dito de

outro modo, seus recursos, seus modos de estruturação e de ação,

assim como a natureza de suas relações, que se formam e/ou se

operacionalizam, com efeito, os valores, as representações e as

crenças que fundam uma matriz paradigmática particular. Além

disso, esta complexidade entre lógicas cognitivas e agregação

dos interesses é da mesma forma visível na fase de

implementação de uma política pública, cuja cristalização de um

paradigma parece dependente das confrontações e alianças que

caracterizam o sistema de ação pública quando é colocada em

prática uma dada decisão (Surel, 1997b).

Uma conceptualização destes mecanismos de

complexidade entre matriz cognitiva e sistema de ação foi

proposta por Michel Callon numa sociologia da tradução

inspirada de uma análise sócio-epistemológica (Callon, 1986;

Callon, Latour, 1991), que distingue quatro fases essenciais no

84

interior destes processos aleatórios de cristalização conjunta das

configurações de atores e de paradigmas dominantes. A primeira

etapa é qualificada de “problematização”, no sentido que se

forma “um sistema de alianças, nós dizemos de associações,

entre entidades, das quais ela define tanto a identidade como os

problemas que se interpõem entre elas e o que elas querem”

(Callon, 1986, p. 176). A construção do problema elaborada por

um ator particular dá com efeito, segundo ele, uma identidade

aos outros “participantes”, circunscrevendo ao mesmo tempo um

espaço cognitivo e normativo determinado. A vontade de

estabilizar esta dupla configuração chega, então, à

implementação de “dispositivos de estimulação” (segunda fase),

pelos quais o(s) ator(es) na origem de uma problematização dada

busca(m) alianças, que na hipótese em que elas são “aceitas” (os

atores se situam em relação à identidade e aos valores

circunscritos pela problematização original), abrem uma terceira

fase dita “de recrutamento”. Quando este conjunto de relações e

de representações, se encontra estabilizado, o processo global de

tradução conclui-se pela “mobilização” dos atores e da matriz

paradigmática assim fixada, começando o paradigma a estruturar

e a legitimar “efetivamente” as relações e as ações dos atores

envolvidos. O conjunto das dinâmicas que concorreram para a

emergência progressiva da AIDS como problema público pode,

desde então, ser lido pelo viés deste modelo explicativo, como a

dupla eclosão, iniciada por atores precisos (médicos, associações

homossexuais...), por configurações sociais e normativas

particulares.

Resta, entretanto, que uma das críticas oposta ao modelo

proposto por Callon se apóia na atenção centrada num paradigma

dominante em formação, que diminui a amplidão dos conflitos e

das lutas que precedem à cristalização aleatória e efêmera de uma

matriz particular, conflitos que são também orientados para a

busca do “poder” no sentido weberiano. Para evitar este

obstáculo é, desde logo, também desejável identificar,

especialmente pela análise das narrativas produzidas sobre um

fenômeno dado, quais são as matrizes cognitivas e normativas

concorrentes, sustentadas pelos atores, que visam impor uma

problematização particular. Tomando-se o caso da interrupção

85

voluntária da gravidez (Padioleau, 1982), poder-se-á assim

constatar a que ponto os discursos feitos pelos diferentes atores

sobre este desafio particular resultam de matrizes paradigmáticas

opostas. Neste caso, as explicações causais propostas são

fortemente determinadas, da parte de uns, pela defesa da

liberdade de escolha, essencialmente em referência a uma

imagem da mulher fundada sobre princípios igualitários,

adaptados a um processo social de libertação, enquanto que, da

parte de outros atores, que recusam a liberdade de escolha em

nome da preservação da vida, poder-se-á encontrar uma imagem

oposta da mulher, que se poderia qualificar de tradicional.

A interdependência entre configuração de atores e

matrizes paradigmáticas pode, igualmente, explicar como grupos,

dispondo de poucos recursos, tenham dificuldade de sustentar

suas reivindicações no interior do aparelho político-

administrativo. Na sua análise das políticas da leitura pública na

França, Marine de Lassalle pode assim descrever as ações das

bibliotecárias como resultantes de uma forma de “impotência”,

ligada aos recursos limitados das bibliotecárias como grupo de

interesse, assim como à incapacidade de articularem suas

reivindicações (construídas por referência à noção de “serviço

público”) com a extensão progressiva das normas de mercado,

incluído aí no interior do aparelho político-administrativo (de

Lassalle, 1996). Por isso mesmo, quanto mais um grupo é capaz

de alimentar a adesão a um paradigma do qual ele é o portador,

ou o “produtor”, tanto mais ele será capaz de introduzir seus

problemas na esfera pública. Simetricamente, sua tarefa será

tanto mais facilitada quanto mais sua própria “visão de mundo”

estiver próxima e/ou consiguir transformar os valores e as

crenças mais amplamente aceitas.

O papel específico da mídia

Neste quadro geral, uma categoria de atores, a mídia,

representa um papel particular, que apenas começa a ser

verdadeiramente apreendido na análise das políticas públicas

(Iyengar, 1991; Baumgartner, Jones, 1993). A natureza de sua

participação na emergência de um problema na agenda pode ser

86

apreciada em diferentes níveis. Poder-se-á inicialmente

considerar que a mídia faz um trabalho de seleção dos assuntos

pertinentes a seus olhos, isto é, aceitáveis em função de suas

próprias lógicas. Esta dinâmica talvez facilite o acesso de um

problema na agenda política, acelerando a difusão de uma

problematização particular. Aliás, a maior parte dos atores

individuais ou coletivos compreenderam muito bem que o acesso

à mídia pode tornar-se o preâmbulo necessário para a emergência

de um problema na agenda.

Em decorrência disso, a maior parte das “causas” que

aparecem tem tanto mais chances de obter uma certa audiência e

atenção dos atores político-administrativos, quanto mais elas se

apoiam sobre indivíduos “midiáticos”, tais como o Abade Pierre,

o comandante Cousteau ou ainda Irmã Emanuela. Neste quadro,

a mídia age, portanto, como amplificadora e difusora dos

conflitos, das reivindicações, das representações... produzidas ao

redor de um problema dado. Inversamente, a mídia pode

permanecer fechada a toda divulgação de um problema preciso, e

agir, então, como verdadeira “inibidora” da emergência,

conduzindo o trabalho de seleção das informações pertinentes à

rejeição dos fatos menos espetaculares, dos menos carregados de

representações conformes aos valores dominantes...

Esta inibição pode também se mover numa “traição” de

um problema preciso, em razão dos fenômenos de parasitismo

dos conflitos sociais produzidos pelas lógicas próprias à mídia.

Esse “parasitismo” pode tomar, por exemplo, a forma de uma

imposição de assuntos, de uma simplificação de discursos, de

uma confusão de dados pertinentes... Os problemas são

construídos pelo prisma da mídia, tanto que eles aproveitam de

uma midiatização como agente de amplificação de sua audiência.

A midiatização progressiva da AIDS é o exemplo de um caso

particularmente emblemático das ambigüidades que esconde esse

“prisma” da mídia. Para esse problema preciso, a produção de

informação tem sido no início precoce, especialmente a iniciativa

dos médicos especializados, preocupados em chamar a atenção

sobre as dificuldades de seu próprio trabalho e sobre as

características da doença. O tratamento da AIDS pela imprensa

tem sido, assim, relativamente estendido, facilitado em particular

87

pelo caráter sensacional, até escandaloso, que o assunto podia

revelar (descrição dos grupos de risco, revelação das

personalidades atingidas...). Mas, antes de ser o vetor neutro das

informações produzidas pelos médicos, às vezes contraditórias, é

verdade, no começo do fenômeno, as mídias têm, às vezes,

alimentado uma confusão no conhecimento da doença. Assim,

mesmo depois que um dos especialistas tivesse esclarecido,

quando de uma emissão televisionada, desde 1985, quais eram os

modos exclusivos de transmissão da doença (sangue, esperma,

gravidez...), diversos jornais continuaram a interrogar-se sobre a

existência eventual de outros caminhos de transmissão (Mercier,

in Favre, 1992).

A instrumentalização, ou a simples passagem pela mídia,

ficam entretanto sempre ambivalentes, pois não se trata mais de

um prisma neutro, nem de uma caixa de ressonância, nem de um

precursor, nem de um espaço cênico. A mídia contribui para

expandir e complexificar os processos de construção social da

realidade, e torna por isso mesmo ainda mais aleatória toda

constituição eventual de uma matriz paradigmática. Poder-se-á

igualmente observar que, no estado atual da pesquisa sobre o

papel da mídia, a atenção dirige-se mais para os modos de

produção da informação, a partir de análises de conteúdo dos

suportes escritos ou audiovisuais, negligenciando todo

questionamento verdadeiro sobre as condições e as modalidades

de recepção e de uso dessas informações (Gerstlé, 1992).

Redes de ação pública e governança

Além destes diferentes fatores, os processos que

determinam a ação do Estado são igualmente dependentes das

estruturas de intermediação institucionalizadas, que vão filtrar

por sua vez problematizações e alternativas. Um tal ângulo de

análise estabelece um vinculo entre a análise das políticas

públicas e a sociologia das elites, orientada em direção à

compreensão dos modos de funcionamento do Estado a partir de

uma análise “morfológica” de seus membros. Uma das obras

pioneiras sobre esse ponto, The Power Elite de C. W. Mills, pôde

88

assim emitir a hipótese de uma influência maior do complexo

militar-industrial americano no domínio dos assuntos legítimos

ao longo dos anos de 1950, controle esse sobre a agenda que

determina por isso mesmo tanto a natureza como as modalidades

da decisão (Mills, 1956). Todavia, os debates principais que

estruturaram a maior parte das pesquisas posteriores foram de

preferência orientados pela controvérsia já evocada entre

pluralismo e neo-corporativismo, que implica especialmente as

visões diferenciadas dos processos de inscrição na agenda e de

implementação das políticas públicas.

As críticas emitidas a seguir contra o paradigma

neocorporativista, em parte ligadas à crise dos regimes político-

insititucionais que pareciam caracterizar o modelo (Áustria

especialmente, Hassenteufel, 1991), terminaram na constituição

de uma corrente de pesquisa mais recente, ao redor da noção de

redes de política pública (Le Galès, Thatcher, 1995). Se a noção

de rede é clássica na sociologia, no domínio da análise da ação

pública ela tomou mais e mais importância ao longo dos anos

oitenta, até representar um dos domínios mais dinâmicos da

disciplina. Hoje, ela se integra numa reflexão mais ampla sobre a

noção de “governança”.

As policy networks

A irrupção deste modo de conceptualização resulta, em

parte, do fato que os instrumentos tradicionais pareciam dar

menos e menos conta de um certo número de transformações,

que afetaram recentemente as relações Estado/sociedade.

Segundo Kenis e Schneider, diversos elementos conjugados têm

agido neste sentido, especialmente o aumento do número e da

importância das “coletividades organizadas”, a intensificação da

setorialização e da diferenciação das políticas e das

administrações, a intervenção de um número sempre maior de

atores políticos no processo das políticas públicas (overcrowded

policy making, Richardson, Jordan, 1979), a extensão da empresa

e a amplidão do campo das políticas públicas, a decentralização

e/ou a fragmentação do Estado, o enfraquecimento das fronteiras

entre o público e o privado, a multiplicação de formas de

89

“governo privado” que participam nas políticas públicas ou

assumem funções de ordem “pública”, a “transnacionalização”

da política nacional e, enfim, a interdependência e a

complexidade crescentes das questões políticas e sociais, que

põem de maneira crucial a questão do acesso à informação e da

produção de competência (Kenis, Schneider, in Marin, Mayntz,

1991).

Segundo eles, a noção de rede constitui desde então uma

resposta (mesmo parcial) a essas questões, porque ela propõe um

esquema de interpretação das relações Estado-sociedade que

coloca o acento sobre o caráter horizontal e não hierárquico

destas relações, o caráter relativamente informal das trocas entre

os atores da rede, a ausência de fechamento que autoriza a

multiplicação das trocas periféricas e a combinação de recursos

técnicos (ligados à competência dos atores) e de recursos

políticos (ligados à posição dos atores no sistema político).

A noção de rede, que Rhodes e Marsh definem como

“um grupo ou um complexo de organizações, ligadas umas às

outras por dependências em termos de recursos, e que se

distingue dos outros grupos e complexos por diferenças na

estrutura desta dependência” (Rhodes, Marsch, in Le Galès,

Thatcher, 1995, p. 43), sugere, assim, uma imagem das relações

entre os grupos sociais e o Estado que toma suas distâncias em

relação às duas grandes abordagens evocadas precedentemente.

Contrária à visão estatista, a noção de policy network conduz a

relativizar a fronteira Estado-sociedade civil; ela coloca o acento

sobre a diversidade dos atores que participam na construção da

ação pública e sobre o caráter relativamente fluido dos grupos

assim constituídos. Simetricamente, em relação à abordagem

pluralista, a noção de rede introduz uma certa estabilidade nas

relações e oferece diferentes instrumentos analíticos para

compreender como são construídos esses espaços de encontro

entre atores públicos e privados.

Na realidade (isto é ao mesmo tempo seu interesse e sua

principal dificuldade), a noção de rede leva a configurações

muito diferentes que compreendem a totalidade das formas de

articulação entre os grupos sociais e o Estado. Assim, Rhodes e

90

Marsh (in Le Galès, Thatcher, 1995, p. 44) distinguem cinco

tipos de redes, do mais aberto ao mais fechado:

- a rede temática (issue network) (cf. igualmente Heclo,

1978) reagrupa atores em torno de um problema ou de uma

reivindicação, como a defesa de um projeto de lei relativo ao

meio ambiente. Os participantes da rede podem ser numerosos,

sua identidade é variável (membros podem se retirar, outros

entrar na rede) e a interdependência entre os participantes é

limitada ao tema em questão;

- a rede “de produtores” é organizada ao redor de um

interesse econômico particular que leva a relações de

interdependência relativamente limitadas;

- a rede intergovernamental designa o reagrupamento,

sobre o plano horizontal, de autoridades locais ou territoriais;

- a rede profissional (ou setorial) refere-se à existência de

profissionais organizados no plano vertical e fortemente unidos

ao redor de uma competência específica que valoriza o corte em

relação às outras redes;

- a comunidade de políticas públicas (policy community),

enfim, designa uma configuração estável, no interior da qual os

membros selecionados e interdependentes, ao mesmo tempo no

plano horizontal e no plano vertical, partilham um número

importante de recursos comuns e contribuem para a produção de

um output comum.

Os limites de uma tal tipologia aparecem logo: sua

extensão é tal, que ela acaba considerando como “rede” não

importa que forma de organização humana ligada, de perto ou de

longe, à decisão política e, por isso, seu caráter discriminante

corre o risco de se enfraquecer consideravelmente. Além do

mais, como o sublinham Rhodes e Marsh, a passagem de uma

categoria à outra não é evidente. É por isso que se pode seguir

esses dois autores, quando eles propõem focalizar a análise nas

duas extremidades da tipologia, isto é, considerar que as redes se

situarão “em algum lugar” entre a comunidade de política

pública e a rede temática, o que junta então de novo a oposição

canônica entre pluralismo e neo-corporativismo (Hassenteufel, in

Le Galès, Thatcher, 1995).

91

Apesar de seus limites, a noção de rede apresenta um

interesse heurístico tanto do ponto de vista da reflexão geral

sobre o Estado, como para a prática da própria pesquisa. Sobre o

plano geral, esta noção de rede permite, inicialmente, colocar a

ênfase sobre a diluição das fronteiras entre Estado e sociedade

civil. Ela mostra, no prolongamento da abordagem institucional,

que a ação pública não se desenvolve num meio social todo

fluido, sendo que as estruturas das configurações de atores não se

sobrepõem mais necessariamente às organizações públicas (os

ministérios) ou privadas (as empresas, os sindicatos) que balizam

o campo. No plano da prática da pesquisa, isso significa também

que uma das primeiras tarefas da análise de uma política pública

será de identificar os contornos da ou das redes que constituem o

campo estudado, de situar os atores (e prioritariamente os que

participam nas diversas redes), de analisar os princípios de

constituição dos agrupamentos e das lógicas de recorte do setor.

A este respeito, a utilização eficaz do conceito de rede

repousa sobre a consideração de diferentes fatores suplementares,

relacionados em especial à multiposição [multipositionnalité] dos

atores. Um ator dado, por exemplo um alto funcionário, um

responsável de empresa ou um responsável sindical, poderá

participar com efeito em diversas redes diferentes, operando, às

vezes, como um árbitro ou um “intermediário” (cf. a noção de

policy broker em Sabatier). Na confluência das lógicas de

interesse e das lógicas cognitivas que caracterizam um

subsistema dado, esses atores são, por isso mesmo, capazes de

transgredir as “fronteiras” admitidas entre os diferentes campos

e/ou os diferentes grupos envolvidos, de traduzir assim as

reivindicações dos atores em alternativa confiável de política

pública e de controlar, enfim, a aplicação efetiva. Esses atores,

verdadeiros empreendedores de políticas públicas, podem ter

surgido tanto da “sociedade civil” (cf. o caso do professor

Montanier para a AIDS) quanto do aparelho político-

administrativo (cf. o exemplo de Jack Lang para as políticas

culturais).

Mas esta interconexão entre redes diferentes pode ser

substituída por uma situação em que, no interior de uma mesma

rede, coexistem diversas lógicas, mais ou menos concorrentes,

92

que podem ser ativadas alternadamente. O “sistema Airbus”,

agrupa atores diferentes: os Estados, ou antes os diferentes

serviços e ministérios que participam na gestão de programas, os

industriais construtores dos subconjuntos, e o grupo de interesse

econômico Airbus Industrie que é encarregado da coordenação

do sistema e da comercialização dos aviões. O conjunto forma

uma configuração estável de atores que tornam possível

universos de sentidos diferentes (que são animados por lógicas

de ação heterogêneas), mas que têm em comum a gestão de um

desafio partilhado. Contudo, é surpreendente constatar que essa

rede (ou esta comunidade) muda de aspecto, conforme a entrada

que se escolhe para analisar o funcionamento: comunidade de

política pública responsável da política aeronáutica civil, rede de

produtores partilhando uma joint venture ou empresa comercial

intervindo no mercado concorrente. Conforme o ângulo sob o

qual se observa essa rede/comunidade, o lugar respectivo dos

atores e as lógicas de funcionamento que os animam se

modificam por conseguinte sensivelmente, e a imagem desta

forma social polimorfa varia com elas.

Enfim, como já se viu no caso da abordagem neo-

institucionalista, as redes de ação pública produzem sentido. Esta

idéia se encontra explicitamente no conceito - vizinho daquele de

rede - de “comunidade epistêmica” que Peter Haas define como

“uma rede de profissionais dispondo de uma competência

reconhecida no domínio particular (...)”. Os membros da

comunidade “partilham: 1) de uma mesma crença num conjunto

de normas e de princípios que permitem definir uma base

racional de valores (...), 2) das mesmas crenças causais que

decorrem de sua observação das práticas (...), 3) das mesmas

noções de validade, (...) para medir o peso e a validade de um

conhecimento no seu domínio de competência (...)” (Haas, 1992,

p. 3). Como o mostra Jeremy Richardson (Richardson, in Le

Galès, Thatcher, 1995), esta abordagem une especialmente as de

Kingdon e de Sabatier, para colocar em destaque as dimensões

cognitivas e normativas de ação nas redes de políticas públicas.

O conceito de governança

93

Na literatura recente a evolução das formas da ação

pública, das quais o desenvolvimento das redes constitui a

manifestação mais visível, tende com freqüência a ser resumida

em torno do conceito de governança. O termo é relativamente

antigo e, em inglês, ele permaneceu por longo tempo sinônimo

de governo, termo que, na literatura inglesa, é utilizado de

preferência ao conceito de Estado, para designar o conjunto dos

órgãos da ação pública. Depois que os economistas das

instituições o recolocaram em moda, designando, especialmente,

por esse termo, as diferentes formas de intervenção das firmas no

seu espaço sócio-econômico, diversos autores utilizaram o

conceito de governança para interpretar as mudanças que se

percebe hoje, de maneira mais ou menos confusa, nas formas da

ação pública (Mayntz, 1993; Jessop, 1995).

Patrick Le Galès resume assim essas interrogações,

insistindo sobre o efeito de obscurecimento provocado pelas

transformações das formas de interação entre atores das políticas

públicas. Para ele, com efeito, “reencontra-se na governança as

idéias de conduta, de pilotagem, de direção, mas sem o primado

atribuído ao Estado soberano. Colocar a questão da governança

sugere compreender a articulação dos diferentes tipos de

regulação sobre um território, ao mesmo tempo em termos de

integração política e social e em termos de capacidade de ação

(...). Colocar esta questão implica reexaminar as inter-relações

entre sociedade civil, Estado, mercado e as recomposições entre

essas diferentes esferas cujas fronteiras se obscurecem.

Nesta perspectiva mais global, e seguindo os trabalhos de

Renate Mayntz, Jean Leca parte da constatação segundo a qual o

exercício das funções governamentais é mais e mais difícil,

porque a tarefa que consiste em agregar as demandas sociais

contraditórias no contexto de uma sociedade pluralista tornou-se

quase insuperável. A tradução desta dificuldade toma, então, a

forma de um dilema entre a representatividade dos dirigentes e a

eficácia das políticas públicas: tudo se passa como se a

capacidade de ação do governo entrasse em contradição com a

necessidade de “prestar conta” aos eleitores cujas demandas são

sempre mais numerosas, contraditórias e dificilmente “legíveis”

(Leca, 1996).

94

A temática da governança, que Patrick Le Galès define

como “um processo de coordenação de atores, de grupos sociais,

de instituições para atingir os fins próprios discutidos e definidos

coletivamente nos meios fragmentados, incertos” (Le Galès,

1998), designa, portanto, um triplo problema que afeta hoje a

ação pública:

1. A densidade técnica e a complexidade da ação pública

crescem: as escolhas públicas necessitam levar em conta dados

que salientam universos científicos, técnicos, econômicos,

sociais ou políticos mais e mais heterogêneos. A integração pelos

atores políticos destes diferentes universos de sentido é cada vez

mais problemática.

2. O meio sócio-organizacional da ação pública é cada

vez mais móvel, fluido, incerto: cada decisão coloca, frente a

frente, atores de diversos estatutos cuja integração mistura a

fronteira público/privado. Além do mais, num contexto em que

se vê combinarem-se elementos de descentralização e fatores de

concentração das decisões, toda política pública toma a forma de

uma multi-level governance [governança multinível] (Hooghe,

1996), que enfraquece a capacidade de agir de um ator tomado

isoladamente.

3. A articulação entre os processos que salientam a

“política eleitoral”, isto é, os modos de seleção das elites

políticas, as formas do debate público, as condições da

competição para os postos de poder e a representação dos

cidadãos, de uma parte, e os processos que salientam a “política

dos problemas” - formulação dos problemas públicos e de suas

soluções, representação dos grupos de interesse, processos de

implementação da ação pública - de outra parte (sobre esta

distinção, cf. Leca, 1996, p. 345), é cada vez mais problemática.

Constata-se, em particular, que a relação é sempre mais frouxa

entre as exigências da competição eleitoral e as necessidades da

implementação das políticas públicas.

Nestas condições, a governança aparece como um modo

de governo (esse último termo sendo entendido no sentido

amplo), no qual a implementação da coerência da ação pública

(construção dos problemas públicos, das soluções consideradas e

das formas de sua implementação) não passa mais pela ação de

95

uma elite político-administrativa, relativamente homogênea e

centralizada (que tende a perder, de fato, seu relativo monopólio

na construção das matrizes cognitivas e normativas das políticas

públicas), mas pela implementação de formas de coordenação

multiníveis e multiatores cujo resultado, sempre incerto, depende

da capacidade dos atores públicos e privados em definir um

espaço de sentido comum, em mobilizar competências de origens

diversas e em implementar formas de responsabilização e de

legitimação das decisões, ao mesmo tempo no universo da

política eleitoral e no universo da política de problemas.

Considerando esta definição, ninguém se surpreenderá que a

União européia apareça como um dos lugares privilegiados onde

se desenvolvem essas novas formas de ação pública (Marks,

Scharpf, Streeck, Schmitter, 1996).

A União européia: um novo

contexto da ação pública

Se a influência da construção européia sobre as políticas

públicas nacionais tinha permanecido grande parte subterrânea

até estes últimos anos, suas conseqüências aparecem, de hoje em

diante, mais e mais claramente, à medida que elas modificam de

modo profundo o comportamento dos atores das políticas

públicas. Eles tomam consciência, com efeito, que nenhum

domínio da política pública pode na verdade ficar isolado em

relação ao processo europeu que constitui, de hoje em diante,

uma passagem obrigatória na estratégia dos funcionários, atores

políticos ou representantes de grupos de interesse, e que contribui

deste ponto de vista para sobredeterminar as dinâmicas

tradicionais de mobilização em torno das políticas públicas

(Muller, 1992).

Isso significa que se assiste à emergência progressiva de

um feixe de normas de ação comuns e de formas de ação pública

cuja produção escapa aos atores nacionais e que, portanto, vão

orientar de maneira decisiva as percepções e as condutas dos

atores das políticas públicas, em especial nas fases de mudança.

96

A referência crescente a um espaço europeu de políticas públicas

constitui, portanto, um desafio permanente para os sistemas

políticos nacionais que se vêem confrontados com a necessidade

de se adaptar a um ambiente normativo e estratégico que eles não

dominam senão em parte. Esta modificação intervém

particularmente em dois níveis: vê-se emergir novos lugares de

produção de matrizes cognitivas de referência; constata-se uma

evolução das relações entre a esfera política e a esfera das

políticas públicas.

Até o presente, os atores nacionais das políticas públicas

(políticos, funcionários, grupos de interesse...) possuíam

globalmente o domínio da formulação dos problemas, e

sobretudo de sua codificação: era no nível nacional que cada país

definia quais eram os problemas a tratar, e sob qual forma esse

tratamento iria ter lugar. Hoje é evidente que, em número de

domínios sempre maior, esse processo de definição dos

problemas, objeto de uma intervenção pública, é transferido e/ou

completado em nível europeu. É no contexto da governança

européia que vão ser formulados os termos e as condições da

ação pública, assim como as mobilizações dos beneficiários

envolvidos (Wallace, 1996; Richardson, 1996).

Assim, no que se refere ao sistema do preço único do

livro, instaurado pela lei de 10 de agosto de 1981, pode-se notar

que as dificuldades da implementação tem suscitado uma re-

emergência do problema na agenda comunitária ao longo do anos

1980, implicando o risco de desequilibrar o sistema de atores e o

paradigma da exceção do livro. Sendo os regimes de preço

diferentes de um país a outro, certos atores se haviam

aproveitado de lacunas do texto para contornar as disposições,

tendo a FNAC especialmente lançado em 1984 uma operação

batizada “Preços europeus”. Aproveitando-se do fato de que a lei

Lang não tinha previsto integrar as importações no seu

mecanismo, para comprar livros na França antes de exportá-los

para a Bélgica e de reimportá-los, a FNAC tinha podido fixar,

por este meio, preços inferiores ao desconto autorizado de -5%

sobre o preço definido pelos editores. Um tal exemplo mostra,

assim, que a dimensão européia aparecia como um novo recurso

97

para os atores envolvidos, alargando o quadro como o conteúdo

dos repertórios da ação coletiva.

Mas estas novas possibilidades abertas pelo espaço

comunitário implicam também o alargamento e a superposição

de configurações institucionais distintas. Sempre a respeito desse

mesmo exemplo da legislação sobre os preços do livro, certos

atores como os Centros Leclerc, descontentes com uma

regulamentação que interditava fazer do livro um produto de

demanda, recorreram à Corte de justiça das Comunidades

européias, alegando não respeito à livre concorrência no nível

comunitário, uma vez que o sistema do preço único instituía

coações suplementares para os distribuidores franceses. A

“sobrevida” da lei se deu então no interior das instituições

européias, incitando especialmente Lang a multiplicar as ações

de lobbyng junto aos governos estrangeiros.

Esta extensão da agenda comunitária e dos sistemas de

ação pública não significa, contudo que exista um consenso sobre

o tratamento dos problemas. Isso que não é verdadeiro em nível

nacional, é menos ainda em nível comunitário. Simplesmente, a

Europa parece ser de hoje em diante, mais e mais, o lugar do

debate, isto é, o lugar onde são formuladas e onde se afrontam as

diferentes qualificações dos problemas e onde é definido o

conjunto das soluções sobre as quais os diferentes atores vão

entrar em conflito ou em negociação. A Europa, de forma cada

vez mais clara, fixa assim os quadros intelectuais e normativos,

que determinam as grandes orientações das políticas públicas

(Jobert, 1994; Muller, 1994b) e modificam, pouco a pouco, um

certo número de políticas setoriais: políticas da concorrência

(Dumez, Jeunemaître, 1995), políticas industriais (Cohen, 1992),

pesquisa (Jourdain, 1995), políticas de desenvolvimento local

(Smith, 1996).

A questão que se coloca é, então, saber se esta situação é

provisória, ou se vamos assistir a uma transformação progressiva

das regras do jogo nacional por imitação do “método

comunitário”. Sem que, no momento, se possa falar de uma

verdadeira colocação em causa das formas de representação

corporativas nacionais, parece que o desenvolvimento de formas

de representações comunitárias mais competitivas e mais abertas

98

tende pouco a pouco a mudar as regras do jogo do diálogo entre

o Estado e os grupos, [jogo este] implicado nas negociações

nacionais. Pode-se especialmente perguntar se, em nível

nacional, não se multiplicam as situações onde os modos de

decisão tradicionais, fundados sobre a interface estabilizada entre

uma administração e representantes setoriais bem definidos,

cedem o lugar a formas de troca mais complexas, mais vagas,

mais competitivas, portanto mais instáveis, qualificadas como

“patchwork” por Adrienne Héritier (Héritier, 1997).

Para além das aleatoriedades conjunturais, ver-se-ia

assim em definitivo implementar-se um novo contexto de ação

pública, onde se definiriam as normas fundamentais em torno das

quais nossas sociedades vão pensar sua relação com o mundo. Se

esta hipótese fosse verificada, ela significaria que o sistema de

decisão/representação tal qual funciona no quadro das

instituições européias não faz senão exprimir, de maneira mais

clara em razão da especificidade da Europa como processo

político, as transformações das formas de representação nas

sociedades complexas e em particular a tendência à separação

entre a esfera das políticas públicas (isto é da produção de

competência legítima) e a esfera da representação política (isto é,

da constituição de um vínculo social de pertença entre o

indivíduo e a sociedade).

Nestas circunstâncias, é provável que as condições de

intervenção dos grupos de interesse nos sistemas de decisão

pública vão modificar-se. Pode-se pensar, em particular, que os

modos de representação de tipo corporativista (fundados sobre

uma interface estabilizada num espaço setorial entre uma

administração e um grupo que dispõe de um monopólio de

representação) correm o risco de ser mais e mais colocados em

causa, o que introduzirá, como se vê em Bruxelas, ao mesmo

tempo mais leveza, mais abertura, mas também mais incerteza e

mais opacidade nos sistemas de representação dos interesses e,

portanto, nas modalidades da mudança de política (Muller, 1996;

Muller, Rouault, 1997).

99

RACIONALIDADE E IRRACIONALIDADE

DA AÇÃO PÚBLICA

O momento da decisão sempre fascinou os analistas da

ação pública. Quando se analisa um processo de decisão, não se

pode deixar de ter o sentimento de que se penetra no coração da

atividade política, de que se vai colocar em evidência os

mecanismos mais fundamentais da ação do Estado. De fato,

certos estudos mais conhecidos no campo da análise das políticas

públicas, especialmente a obra de Allison sobre a crise dos

mísseis de Cuba, intitulado significativamente Essence of

Decision (Allison, 1972), buscam penetrar nos mistérios da

decisão. Esta fascinação dos pesquisadores explica-se,

essencialmente, pelo fato de que o momento de decisão introduz

sempre, de um modo ou de outro, uma descontinuidade

simultaneamente no tempo e no espaço: ruptura temporal, porque

a decisão aparece muitas vezes como o momento em que o

sistema de ação pública “balança” de uma lógica a outra, como

uma tipo de linha de divisão das águas que define um “antes” e

um “depois”; descontinuidade no espaço, porque esta ruptura

temporal é acompanhada sempre de uma reorganização do

sistema da ação pública: certos atores “ganham”, outros

“perdem”, outros ainda deixam a cena ou, ao contrário, nela

irrompem. Nesta perspectiva, a ambição do pesquisador é de

reconstituir as lógicas em ação no processo de decisão de modo a

identificar as variáveis que permitem explicar por que e como

têm sido efetuados tais ou quais escolhas públicas.

Decisão Inencontrável

Contrariamente à visão racional, que supõe a existência

de um tomador de decisão individual que tenha as informações

necessárias e seja capaz de identificar as alternativas disponíveis

100

num instante t, na realidade “não existem” nem o momento nem

os quadros ideais da decisão. Não é possível situar com precisão

de fato as fases e as dinâmicas, pelas quais o sistema “oscila”.

Assim, é impossível determinar, por exemplo, em qual

momento o programa Airbus foi lançado. As primeiras

“decisões” foram tomadas a partir de 1967, mas somente em

1971 o grupo de interesse econômico Airbus Industrie foi

oficialmente criado. É preciso ainda colocar-se de acordo sobre o

que se entende por “lançamento” do programa. O que tinha sido

decidido, entre 1967 e 1971, foi a colocação no mercado de um

avião franco-alemão de 250 lugares, que se chamou “Airbus”,

porque se tratava do primeiro correio de médio porte, grande

carregador. Entretanto, os atores envolvidos de forma mais ou

menos direta não tinham jamais “decidido” criar, na época,

aquilo que iria tornar-se o segundo construtor mundial de aviões

civis, dispondo de uma gama que cobria o conjunto de

necessidades das companhias aéreas: esta “decisão” não existe

senão a posteriori, quando as condições de desenvolvimento do

programa conduziram ao sucesso que hoje se conhece. Se é

verdade que no fim dos anos 1970, dez anos depois de seu

começo, a idéia, segundo a qual a Airbus Industrie teria tido

vocação para tornar-se um construtor de aviões generalista, era

fortemente contestada por certos atores da indústria aeronáutica

européia (Muller, 1989).

Poder-se-ia, assim, multiplicar os exemplos: John

Kennedy “decidiu” começar a guerra do Vietnã? Quando a

guerra da Algéria começou? Os negociadores que, por ocasião da

negociação da revisão dos acordos do GATT, resolveram incluir

as questões agrícolas na negociação tinham uma idéia da

importância da decisão? Tais exemplos ilustram, sucessivamente,

o fato de que, se os atores têm, em certos casos, o sentimento de

“fazer história”, em geral eles não têm, na realidade, consciência

(ou só parcialmente) das lógicas causais que vão desencadear-se

a partir de suas decisões, porque o sentido destas últimas não

aparece senão mais tarde.

Estes diferentes elementos necessitam, por isso mesmo,

levar em conta duas dimensões conexas essenciais para a análise

101

desta fase particular da ação pública, quais sejam, a

indeterminação fundamental da decisão e seu caráter dinâmico.

A indeterminação da decisão

Mesmo se as lógicas que operam na decisão não

apareçam senão a posteriori, não é preciso analisar o processo

decisório como um processo teleológico, cujo fim estaria contido

nas premissas. Ao contrário, a decisão é um processo cujo

resultado não é inevitável e nem sempre intencional. Quando o

processo de decisão está em andamento, abre-se uma fase de

indeterminação quanto ao resultado final. Aliás, trata-se ali, do

ponto de vista da postura de pesquisa, de uma diferença essencial

entre o analista das políticas públicas e o historiador; este se

recusa, em geral, a examinar seqüências históricas que não foram

produzidas.

Se o futuro não é escrito no momento da decisão, isso

significa também que o processo que se analisa não é senão

muito parcialmente intencional. Em outros termos, os atores da

decisão não “desejam” necessariamente o resultado que eles

produzem através de sua ação. Ao contrário, como se mostrará

mais adiante, sua visão do problema e das soluções buscadas é

muito parcial e fragmentária, e só excepcionalmente o resultado

corresponderá a suas expectativas, sabendo-se que estas também

estão sujeitas a reconstruções a posteriori em função do

resultado efetivamente perceptível do processo decisório.

A decisão como processo

Esta indeterminação fundamental explica igualmente que

não se deve considerar a decisão como um ato isolado. Ao

contrário, todos os exemplos evocados mostram que a decisão

toma a forma de um fluxo contínuo de decisões e de arranjos

pontuais, tomados em diferentes níveis do sistema de ação, que é

preciso analisar como um conjunto de processos decisórios. O

tipo de questionamento se transforma assim: não se trata mais,

com efeito, de partir à busca de uma decisão fundadora, nem de

se interrogar, de maneira ilusória, sobre a questão de saber quem

102

tomou a decisão e por que, mas de se perguntar como a análise

das lógicas em operação nos múltiplos fluxos decisórios permite

reconstruir, depois do fato, o encadeamento que conduz ao

resultado observado.

Nessas condições, compreende-se que, se certas grades

seqüenciais isolam a decisão como uma fase identificável, outras,

como aquela de Jones, desagregam a fase decisória numa série de

etapas distintas que destacam a dificuldade de perceber o

“momento” da decisão. Assim, para Jones, a etapa de

desenvolvimento do programa, que é a mais próxima da acepção

tradicionalmente ligada à noção de decisão, decompõe-se em

duas grandes fases: a formulação e a legitimação (Jones, 1970).

A formulação designa, inicialmente, a atividade de

escolha das respostas dadas a uma questão política. Por exemplo,

num contexto de crise dos sistemas de aposentadoria, poder-se-á

descrever o processo pelo qual as autoridades governamentais

vão tentar dar uma resposta ao problema. De forma concreta, este

esforço poderá ser traduzido por numerosas atividades

diferenciadas: estudos econômicos, relatórios de comissões ad

hoc, encontros informais, mesas redondas com os “parceiros

sociais”, contatos confidenciais... Todas as atividades devem

permitir aos tomadores de decisão sopesar as diferentes soluções

desejadas e avaliar-lhes os efeitos políticos, técnicos ou

financeiros.

Um dos aspectos mais importantes deste trabalho de

análise e de formulação das opções concerne à articulação entre

dimensão das politics e a dimensão das policies. Com efeito, uma

política pública pode parecer plausível, até desejável, sob um

plano técnico e completamente irrealizável do ponto de vista da

política eleitoral. Uma das dimensões do trabalho de formulação

é, portanto, precisamente, fazer face a esta situação de super-

escolha que caracteriza a decisão política, isto é, a necessidade

de integrar variáveis heterogêneas como as pressões técnicas, os

dados políticos, os aspectos diplomáticos ou militares etc.

Esta fase de seleção das opções gera, por isso mesmo,

muito seguido, uma extrema tensão junto aos tomadores de

decisão, sobretudo, evidentemente, se os desafios são percebidos

como vitais, como é o caso em período de crise, até de conflito

103

armado. Pode-se lembrar, aqui, a extraordinária tensão que

acompanhou as decisões tomadas pelo general de Gaulle, no

momento e na seqüência do movimento de maio de 1968. Ocorre

o mesmo para o que concerne ao período 1982-83 e à “decisão”

tomada de não sair do SME. É evidente, as fases de decisão não

são todas tão dramáticas. Mas elas não correspondem jamais à

imagem polida e linear, freqüentemente oferecida pelos atores

(quando eles querem mostrar a racionalidade de sua ação) ou

certos analistas (na perspectiva seqüencial pura). Como o

escrevem cruamente Yves Mény e Jean-Claude Thoenig, “as

autoridades públicas se agitam muito, mas elas nem sempre

sabem, no começo, por que elas correm, qual é o problema que

está em questão. Freqüentemente, no fim de sua correria elas,

finalmente, se dão conta de que estão de fato correndo” (Mény,

Thoenig, 1989, p. 201).

A fase de legitimação recobre, de sua parte, os

mecanismos que vão tornar aceitáveis as escolhas operadas pelo

governo. Com maior freqüência ela está intimamente ligada ao

processo decisório, a tal ponto que é muitas vezes difícil, na

realidade, distingui-la da fase de formulação. A legitimidade de

uma decisão governamental chega, assim, por exemplo, à sua

conformidade ao Estado de direito (ao menos para os Estados

que integram esta necessidade), o que significa que ela deve ter

sido tomada respeitando os procedimentos constitucionais e que

ela não deve transgredir a ordem jurídica existente. Mas o caráter

legítimo de uma decisão remete, também, à sua percepção pelos

interessados, decisão esta que deve ser percebida como aceitável,

senão justa. Há múltiplos exemplos de decisões que não sofreram

nenhuma contestação no plano jurídico, mas que acabaram

postas em questão, porque sua legitimidade era insuficiente na

opinião. Assim, a lei votada em 1984, que visava à reforma das

escolas privadas, era perfeitamente legítima de um ponto de vista

institucional (respeito ao procedimento legislativo por um

governo democraticamente eleito), mas se viu confrontada com

uma viva reação de uma parte da opinião.

104

Os constrangimentos da decisão

As características intrínsecas da decisão contradizem, por

isso mesmo, a imagem que os tomadores de decisão gostam de

dar deles mesmos, mostrando o peso dos múltiplos

constrangimentos que pesam sobre a escolha e afetam a

racionalidade suposta da ação pública. Três tipos de

constrangimentos essenciais se exercem sobre o tomador de

decisão de maneira mais ou menos cumulativa: as regras de

organização, as estratégias de poder e as rotinas burocráticas

(Mény, Thoenig, 1989, p. 214, e s.; Sfez, 1992).

O peso das regras

Se o respeito dos procedimentos, especialmente

constitucionais, representa uma fonte importante de legitimação,

esses mesmos procedimentos constituem igualmente um freio

importante à autonomia dos tomadores de decisão. Com efeito,

contrariamente ao que crêem com muita freqüência os dirigentes

políticos apenas eleitos, as decisões que eles têm que tomar não

se desenvolvem num espaço “virgem”, mas são, ao contrário,

estreitamente balizadas por um conjunto coercitivo de regras

formais e informais. As primeiras concernem aos procedimentos

que organizam as relações entre o legislativo e o executivo:

organização e datas de sessões parlamentares, regulamentação da

iniciativa em matéria legislativa... No caso francês, a adoção da

constituição de 1958, reforçando o lugar do executivo, provocou,

por exemplo, uma verdadeira reconfiguração dos circuitos de

decisão em proveito do Presidente da República e do Primeiro

ministro (Quermonne, Chagnollaud, 1996). O papel dos grupos

de pressão, centrados no Parlamento, ficou bem diminuído, em

proveito de novas formas de contato com os serviços dos

ministérios, situação radicalmente diferente daquela que

prevalece nos Estados Unidos, onde o Congresso é um ator

indispensável da decisão.

Aliás, nos sistemas federais, a questão da repartição das

competências entre o nível federal e o nível dos Estados

105

federados exerce uma coerção muito forte sobre a ação dos

tomadores de decisão, sendo que esse tipo de problema começa a

ser encontrado no interior da União européia. O que se chama, às

vezes, de “querelas de procedimento” não deve portanto ser

considerado como uma dimensão menor da ação pública, pois

elas podem ter uma influência decisiva sobre o timing de uma

reforma ou de uma política, levando com freqüência os atores

políticos a ultrapassarem o tempo que eles se deram para

implementar uma política e, por isso, a perder uma parte dos

benefícios políticos que esperavam.

Mas o mundo dos procedimentos não concerne somente

às regras formais de exercício do poder. Ele diz respeito,

também, ao conjunto dos modos operatórios da decisão:

funcionamento dos gabinetes, organização do trabalho entre os

diferentes ministérios competentes sobre um mesmo dossiê. Os

tomadores de decisão vêem-se assim confrontados com

numerosos obstáculos: uma falta de coordenação entre os

serviços fragilizará o controle político das autoridades

legitimamente eleitas; inversamente, um excesso de controle (de

modo especial da parte dos gabinetes) arriscará paralisar o

processo de decisão, produzindo decisões “fracas” no plano

técnico. Sobretudo, esta questão dos procedimentos diz respeito

tanto à realidade do trabalho governamental (circulação das

informações, repartição das competências...) quanto à imagem

que a opinião reterá. Ora, nesta função de “dar sentido” às

políticas, esse problema de percepção é crucial: todo governo

busca dar de si mesmo a imagem de uma máquina bem

lubrificada, funcionando sem dificuldade e respondendo às

expectativas dos cidadãos. Infelizmente, raros são os governos

que, num momento ou no outro, não são confrontados com estas

“mancadas” que vêm lembrar a extraordinária complexidade da

função política. Ora as próprias vitimas são elas mesmas os

responsáveis políticos que vêem sua cota de popularidade se

afundar. Ora as conseqüências são dramáticas para os cidadãos,

como no caso do sangue contaminado.

Mas, em todos os casos, compreende-se, com freqüência

cada vez maior, que os governos buscarão mostrar seu “método”,

suposto conciliar eficácia e vontade política ao serviço dos

106

cidadãos. Na realidade, é preciso, sobretudo, esclarecer que os

procedimentos de decisão constituem, queira-se ou não, um

mecanismo de pré-enquadramento da decisão, que tende a limitar

fortemente a autonomia do tomador de decisão e a reforçar os

riscos de corte entre os círculos de decisão e o eleitorado.

A decisão como desafio de poder

Todo o processo de decisão constitui um desafio em

torno do qual vão afrontar-se atores que desenvolvem estratégias

de poder mais ou menos antagônicas. “A decisão”, deste ponto

de vista, não se assemelha em nada ao resultado da reflexão

solitária de um indivíduo, mas a um verdadeiro campo de forças

compreendendo atores que obedecem a lógicas diferentes: atores

emergidos do campo político no sentido estrito (partidos, até

correntes e frações internas aos partidos, eleitos locais...), atores

administrativos (gabinetes, direções, escritórios, níveis

territoriais), grupos saídos da sociedade civil (empresas, grupos

de pressão, sindicatos ou movimentos “desorganizados”), campo

de forças que delimita o espaço da “política burocrática”

(Allison, 1972).

As dinâmicas internas deste espaço particular de ação

pública têm diferentes efeitos sobre a decisão. O primeiro, dentre

eles, é o de constituir a decisão um desafio coletivo, tomando o

processo de “escolha” a forma de um afrontamento, mais ou

menos vivo, entre os atores que vão desenvolver lógicas de ação

concorrentes. Por isso, as diferentes opções consideradas vão, de

certo modo, ser “marcadas” pelas estratégias dos diferentes

protagonistas da decisão. A escolha finalmente retida não será

mais, no limite, definida por suas características técnicas, mas

pelo fato de que ela era defendida por tal ministério, tal serviço

ou tal grupo de interesse, correspondendo a decisão final de uma

certa maneira à “vitória” deste ator. No caso da crise dos mísseis

de Cuba, Allison pode assim mostrar o afrontamento dos

diferentes protagonistas da decisão (especialmente o US Navy e

o US Air Force) no processo que devia desembocar, por fim, na

escolha do bloco naval.

107

Poder-se-ia assim multiplicar os exemplos: uma decisão

de implantação de um equipamento nuclear irá colocar face a

face os representantes do produtor de eletricidade, as autoridades

políticas locais e nacionais, as administrações encarregadas da

segurança nuclear, os serviços encarregados do desenvolvimento

econômico e, seguramente, os grupos de pressão antinucleares.

Cada um destes grupos vai construir uma lógica argumentativa,

visando orientar a decisão num sentido ou no outro. Mas é

evidente que um tal debate não é um debate técnico no sentido

estrito, mesmo se argumentos técnicos são trocados

permanentemente pelos diferentes protagonistas (Lascoumes,

1994), o que obriga o analista a identificar os diferentes

participantes no jogo do poder, a fim de colocar em evidência as

lógicas de ação das quais são elaboradores.

Por isso mesmo, a decisão tenderá com freqüência a

parecer um compromisso trabalhoso, obtido depois de uma longa

negociação, mesmo sobre assuntos aparentemente técnicos.

Assim, a decisão de vender armamentos a um país como Taiwan,

por exemplo, será o resultado de um compromisso difícil entre

diferentes administrações: o ministério das Relações estrangeiras

(preocupado em manter boas relações com a China) e o

ministério da Defesa (desejoso de sustentar a indústria de

armamento). Da mesma forma, no caso da crise dos mísseis de

Cuba, o processo de decisão pôde ser apresentado como uma

forma de compromisso entre os protagonistas da decisão.

A partir desta constatação, são considerados dois grandes

exemplos teóricos, que correspondem a duas modalidades de

organização da negociação: a decisão autoritária e a decisão

negociada. O primeiro modelo é característico do sistema

francês: para tentar libertar-se das pressões que fazem pesar

sobre ela os diferentes grupos interessados na decisão, a

autoridade governamental tenta impor as modalidades como

sendo o conteúdo da decisão. Depois de ter feito preparar, de

modo secreto, se possível, as decisões desejáveis, estas últimas

serão, por exemplo, apresentadas ao conjunto dos atores

envolvidos como sendo “para pegar ou largar”. Neste caso, o fim

dos tomadores de decisão é, mais uma vez, livrar-se dos efeitos

julgados perversos da política burocrática e retomar a “pureza”

108

da decisão não negociada. O modelo inverso, ao contrário,

remete à idéia da “mesa redonda” ou do fórum, no interior do

qual o conjunto dos atores interessados (seja em razão de sua

competência, seja porque a decisão toca seus interesses) são

convidados a dar sua opinião, sendo a decisão final apresentada

como uma “síntese” do conjunto das posições (Gaudin, 1996).

Esses dois modelos não existem, entretanto, senão em

teoria, remetendo a dois tipos ideais de decisão. Na realidade,

toda decisão tem, com efeito, sua parte de negociação, de

manipulação e de tomada de posição autoritária. Raros são os

casos de decisão autoritária, que não terminam in fine numa

negociação, sendo que o inesperado da primeira fase leva com

muita freqüência os atores a mudar suas percepções dos desafios.

Inversamente, numerosos são os processos negociados que, na

falta de acordo, acabam, por fim, numa decisão autoritária (a

menos que eles não terminem numa ausência de decisão). É

certo, em todo caso, que os jogos do poder conduzem sempre a

um resultado diferente daquele previsto, no começo, por aqueles

que iniciaram o processo de decisão. O caráter de

“indecidibilidade” [indécidabilité] do processo político, cujo

resultado nunca está contido nas premissas, precisa uma vez

mais reconstituir o encadeamento das lógicas entrecruzadas para

compreender as transformações de um processo de decisão que

não tem mais nada de linear.

O prisma burocrático

Entre os atores da decisão, as diferentes burocracias,

encarregadas de preparar e depois de implementar a decisão,

desempenham, além disso, um papel particular, que pôde

especialmente alimentar as análises críticas da escola do Public

Choice (Buchanan, Tullock, 1962). Em ligação com a

emergência progressiva do problema na agenda, cada

administração vai construir com efeito uma representação do

problema que lhe é específica, em função de sua história, de seu

lugar na divisão do trabalho político-administrativo, de sua

competência específica, das rivalidades tradicionais mantidas

com outros serviços... De um modo ou de outro, os diferentes

109

serviços que participam na decisão tenderão a integrar a defesa

de seus próprios interesses (enquanto segmento burocrático) à

visão que eles vão ser levados a construir do problema em

debate. Por isso mesmo, as administrações têm tendência a

esquecer as finalidades externas da ação pública (os fins

proclamados em benefício da coletividade: vencer o desemprego,

encorajar a indústria nacional, proteger o meio ambiente, ganhar

a guerra...) em proveito de finalidades internas, ligadas aos

interesses próprios da burocracia (multiplicar os inspetores do

trabalho, aumentar o peso do ministério da Indústria em relação

ao ministério das Finanças, reforçar o lugar das direções

regionais do Meio Ambiente, dar um lugar proeminente a tal

arma na resolução do conflito...) De uma certa maneira, os

“jogos” burocráticos vão operar assim como um prisma que vai

contribuir para pré-codificar a decisão.

Até uma data recente, o Exército francês tinha assim

conseguido participar na dissuasão nuclear pela implementação

de um míssil tático, o Pluton, que devia ser substituído por um

míssil mais competitivo, o Hades. O desmoronamento do bloco

comunista, que conduziu a uma revisão completa da conduta da

batalha aeroterrestre no teatro centro-Europeu, entretanto

conduziu a um questionamento do desenvolvimento deste míssil,

excluindo de fato o Exército do jogo da decisão nuclear. Um

pouco mais tarde, a Força Áerea viu-se igualmente “privada” de

uma parte da componente “ar” da força de dissuasão depois do

desmantelamento dos mísseis estratégicos do planalto de Albion.

Somente a Marinha nacional pôde preservar sua frota de

submarinos nucleares lançadores de mísseis. Um tal

redesdobramento das forças nucleares não se faz sem debates no

interior das forças armadas, sendo que as decisões finais tomadas

procedem tanto de uma análise “neutra” do novo dado

estratégico, como do afrontamento entre as três forças armadas,

para preservar ao máximo sua participação no que é percebido

como o coração do aparelho de defesa.

A análise do processo de decisão passa por uma dupla

tentativa de pesquisa. É preciso proceder inicialmente a uma

cartografia dos diferentes fóruns e arenas no interior dos quais se

desenvolvem os jogos de poder ligados a esse processo. Mas é

110

necessário também proceder a um tipo de desconstrução das

estratégias dos diferentes participantes no jogo da decisão, de

modo a identificar, para cada ator, as diferentes lógicas em ação

que permitem compreender as posições adotadas, as estratégias

argumentativas, as diferentes alianças etc. É esta tentativa que é

ilustrada, na França, pelos trabalhos clássicos de Jamous (1969),

Catherine Grémion (1979), Padioleau (1981) ou Thoenig (1987).

Uma tal desconstrução leva então, inevitavelmente, a colocar o

problema da racionalidade da ação pública.

Uma racionalidade improvável

A análise crítica da racionalidade da decisão é,

provavelmente, uma das contribuições mais importantes da

análise das políticas públicas para a compreensão da ação do

Estado, situando-se esta, “em qualquer parte”, entre o modelo da

racionalidade absoluta e a incoerência que ela parece, às vezes,

demonstrar. São os trabalhos criados por Herbert Simon que

abriram o caminho à crítica dos modelos clássicos da decisão,

colocando em questão, de maneira decisiva, as hipóteses sobre as

quais repousava o modelo da decisão racional (Simon, 1957;

March, Simon, 1964; Cyert, March, 1976; March, 1991), abrindo

assim outros campos e perspectivas de pesquisa.

O modelo da decisão racional

A racionalidade do tomador de decisão repousa

classicamente sobre diversas hipóteses conjuntas (Cf. Mény,

Thoenig, 1989, p. 205 e s.; Parsons, 1995, p. 271 e s.):

a) É possível isolar um só ator responsável pela decisão,

“o tomador de decisão”;

b) Este ator é capaz de definir, clara e duravelmente, as

preferências explicitas e hierarquizadas, que definem os objetivos

de ação desejáveis;

c) Ele é capaz de rejeitar o conjunto do espectro das

soluções possíveis, de avaliar as conseqüências em termos de

ganho e de perdas;

111

d) Enfim, ele está em condições de escolher só uma

solução, a partir de um conjunto de critérios objetivos e

hierarquizados, que repousam, em definitivo, sobre um critério

de escolha único e legítimo (reconhecido como justo). Aliás, o

tomador de decisão não modifica sua grade de avaliação ao longo

do processo de decisão.

O enunciado destas hipóteses leva, evidentemente, a pôr

em dúvida sua validade e, por isso, não é tão difícil colocar em

evidência as aporias às quais conduz o modelo da racionalidade

absoluta.

Como temos visto diversas vezes, a idéia de um tomador

de decisão único é, antes de tudo, um mito facilmente

falsificável. Mesmo se os responsáveis políticos possam tentar

fazer funcionar (“eu decidi que...”), a análise concreta dos

processos de decisão mostra, com efeito, que esses processos

funcionam de maneira sistêmica, sendo que uma pluralidade de

tomadores de decisão interagem permanentemente para um

resultado geralmente diferente daquele esperado.

Todos os estudos mostram que as preferências dos atores

não são jamais completamente explícitas, não sabendo os atores

das políticas públicas precisamente o que eles querem ou, mais

exatamente, desejando, com muita freqüência, alcançar diversas

coisas ao mesmo tempo. Um ator político desejará, assim, por

exemplo, fazer ao mesmo tempo a política que ele crê justa e

aquela que lhe dará mais chances de ser reeleito. Além do mais,

as preferências dos atores não são estáveis, evoluindo ao longo

de todo o processo de elaboração e de implementação da política.

Tudo se passa, então, como se os atores “descobrissem”, ao

menos em parte, o sentido de sua ação, durante esta mesma ação.

Sabe-se, por exemplo, que o problema da exclusão mudou de

sentido, na medida da implementação de instrumentos de ação

pública em favor dos grupos percebidos como desfavorecidos.

Centrados no começo sobre públicos em dificuldade devido a

limitações pessoais, esses instrumentos foram em seguida

maciçamente reorientados no sentido de uma luta contra o

desemprego e suas conseqüências, em particular o desemprego

de longa duração e o desemprego dos jovens.

112

Enfim, nenhum ator político está em condições de

rejeitar o conjunto do campo de informação, por razões que se

apóiam, ao mesmo tempo, nas suas capacidades cognitivas e na

estrutura do sistema de informação. Os atores das políticas

públicas se confrontam, de fato, com um fluxo contínuo de

informações de toda ordem que reenvia a universos de sentido

muito diferentes. Assim, pôde-se ver, em dezembro de 1997 e

janeiro de 1998, o Primeiro ministro e seus colaboradores, todos

ocupados em preparar o dossiê das 35 horas, bruscamente

confrontados com um fluxo de informações contraditórias:

ocupações de serviços públicos pelo desemprego, reações

caóticas da “maioria plural”, um choque de médio prazo (a luta

contra o desemprego) e de curto prazo (uma crise a gerir)... Os

problemas encontrados pelo governo nessa ocasião são

sintomáticos de uma dificuldade de selecionar as boas

informações no bom momento. Mais impressionante ainda é a

extraordinária paralisia que parece tomar conta da presidência da

República francesa no momento da queda do muro de Berlim.

Neste caso, vê-se claro que as matrizes cognitivas que permitiam

selecionar e decodificar o fluxo de informações não mais

funcionavam, num contexto marcado pelo desaparecimento do

clima de guerra fria. Esta abundância pode, então, facilmente (e o

paradoxo é somente aparente) transformar-se em raridade:

sepultados sob um grande número de informações, os atores não

sabem quais são as boas informações, aquelas que permitem dar

sentido à situação com a qual se defrontam.

Vê-se bem, nestas condições, que a informação, ou antes

a capacidade de obter as “boas” informações, está ligada ao

tempo: quanto mais rápida é a decisão, tanto mais difícil será

testar o sistema de informação de que se dispõe. É então que

arriscam aparecer os fenômenos clássicos de dissonância

cognitiva (Festinger, 1957), em que os tomadores de decisão

(como todo ser humano) tendem a não “ver” senão as

informações que correspondem a sua própria visão do mundo e

que vêm, portanto, confortar suas certezas. O que é verdadeiro

para os indivíduos, é também para as organizações: os diferentes

serviços que participam na decisão contribuem para filtrar e até

para construir a informação em benefício do tomador de decisão

113

política, o qual deverá, necessariamente, trabalhar a partir de

visões parciais, truncadas, até contraditórias, do problema que se

lhe apresenta.

As críticas do modelo da racionalidade absoluta

Compreende-se, nestas condições, que a realidade dos

processos de decisão esteja muito distanciada do modelo de

decisão racional. Como o mostra Simon, os tomadores de decisão

não afastam de fato senão um número restrito de hipóteses,

analisando-as [as restantes] de maneira seqüencial: eles são

incapazes de implementar a racionalidade sinóptica que

consistiria em avaliar, ao mesmo tempo, os diferentes exemplos.

Ao contrário, eles param no primeiro caso que satisfaz, o que

quer dizer que eles não vão buscar a solução “ótima” (como

definir um optimum, se as preferências são imprecisas, os

critérios contestados e as informações contraditórias?) mas uma

solução “satisfatória”. Por isso mesmo, os tomadores de decisão

vão seguidamente se fixar sobre uma solução “pivô” (Mény,

Thoenig, 1989, p. 311) e construir sua estratégia ao redor desta

posição.

Compreende-se, assim, por que os trabalhos de Simon

puderam dar um golpe definitivo à concepção tradicional da

racionalidade absoluta, introduzindo o conceito de racionalidade

limitada: eles não pretendem que os tomadores de decisão sejam

“irracionais” (eles não fazem não importa o quê), mas a

racionalidade de sua ação não é senão parcial, fragmentária,

limitada (todavia esta teoria da racionalidade limitada não coloca

em questão as abordagens fundadas sobre a hipótese da escolha

racional, que podem adaptar-se à uma concepção flexível de

racionalidade).

De uma certa maneira, o sucesso do modelo da

racionalidade limitada colocou em seguida os analistas da

decisão num embaraço (Urfalino, 1996). Do momento em que

não é mais possível explicar a decisão a partir de estratégias

relativamente simples de descrever, em função de quais variáveis

poder-se-á dar conta dos processos de tomada de decisão? É

necessário considerar que a sociologia da decisão “destruiu seu

114

objeto”, diluindo-o numa tomada de consciência da

complexidade dos processos em ação?

Este é, por vezes, o sentimento que se pode ter, quando

se examinam os modelos que se propõem ultrapassar a

abordagem fundada sobre a escolha racional. É o caso no que

concerne aos trabalhos de Lindblom (Lindblom, 1959, 1979) a

respeito da noção “de incrementalismo disjuntivo”. Esta

abordagem (descrita mais em detalhe no capítulo seguinte) toma

a contrapartida do processo ideal, tal qual ele transparece, por

exemplo, na abordagem seqüencial. A idéia base considera,

inicialmente, o processo de decisão uma forma de negociação e

de arranjo mútuo entre os atores. Isso significa que o

compromisso está no coração mesmo do processo, contrário à

idéia segundo a qual as decisões seriam “para pegar ou largar”. A

noção de incrementalismo busca, assim, descrever um processo

“passo a passo”, no qual o tomador de decisão, longe de buscar

apressar as coisas, numa sorte de lógica de ruptura, vai tentar

modificar, progressivamente e de maneira contínua, o sistema

sobre o qual quer intervir. Uma tal abordagem termina num

modelo de ação sensivelmente diferente, no qual o tomador de

decisão, longe de afirmar objetivos fixados uma vez por todas,

aceitará modificar seus objetivos em função das resistências que

ele encontra. Ele não hesitará, portanto, em fazer concessões, em

multiplicar as alianças, ao preço de revisar suas ambições, de

jogar com o tempo, o que supõe ser paciente. Seguidamente,

privilegiar-se-ão os procedimentos em detrimento dos objetivos,

da mesma forma que as soluções não serão buscadas senão em

função dos meios disponíveis.

Em relação às concepções fundadas sobre a decisão

racional, esta abordagem se aplica bem a um ambiente de tipo

pluralista, no qual o acesso aos circuitos da decisão é

(relativamente) aberto e pouco hierarquizado. A este respeito, ele

corresponde melhor à situação americana, ou à da União

européia, do que ao caso francês em que a capacidade de

participar na decisão fica ainda muito dependente de cadeias de

tipo corporativista mais ou menos institucionalisadas. Mais

geralmente, a contribuição das concepções de Lindblom é

colocar o acento sobre as características da decisão num

115

ambiente hipercomplexo: antes que tentar dominar todas as

variáveis (é impossível), é melhor adotar uma postura mais

modesta e reconhecer que a decisão não é possível senão no

limite. Reencontra-se aí essa questão do “método de governo”

que ressurge, na França, a cada mudança de Primeiro Ministro:

entre a necessidade de afirmar uma vontade política (fundada

sobre uma certa visão do “interesse geral”), que é uma

especificidade muito francesa, e os inevitáveis compromissos

para os quais são sempre pressionados, in fine, os tomadores de

decisão, é difícil encontrar a justa medida, como o mostram os

avatares do Plano Juppé ou, num contexto diferente, a impossível

fusão entre os construtores de aviões Dassault e Aéroespatiale.

Esta constatação não exclui a existência de situações de

“escolhas trágicas” (Urfalino, 1996) que vêem o tomador de

decisão (no singular neste caso) assumir os riscos de uma decisão

freqüentemente impopular: é Jacques Chirac decidindo a

retomada das experiências nucleares ou Helmut Kohl decidindo

manter a paridade entre as moedas das duas Alemanhas no

momento da reunificação. Mas estes exemplos, nos quais a visão

de um indivíduo contribui para simplificar a complexidade do

real, não correspondem senão a situações excepcionais.

A complexidade e a fluidez da maior parte das

conjunturas de decisão, e, portanto, a incerteza que acompanha

todo processo de tomada de decisão, são ainda melhor

sublinhadas por uma outra abordagem da decisão: o “modelo da

lixeira” (garbage can model), proposto por Cohen, March e

Olsen, constitui com efeito o ponto de chegada do processo de

desconstrução do modelo da decisão racional. O modelo é

aplicado por estes atores às situações “de anarquia organizada”

que correspondem a “organizações caraterizadas por preferências

incertas, uma tecnologia leve e uma participação flutuante”

(March, 1988, p. 163). As modalidades da tomada de decisão, em

tais organizações, seguem um desenvolvimento caótico definido,

por analogia com uma “lixeira”, pelo fato que os diferentes

elementos que constituem a decisão (problemas, soluções, atores,

ocasiões de escolha) parecem “jogados pelos participantes na

medida da sua aparição” (Ibid., p. 166). É assim que se vai

encontrar, na desordem, problemas de toda ordem (coletivos ou

116

pessoais, gerais ou específicos) colocados à atenção dos atores

envolvidos, soluções que não têm necessidade de problema para

serem propostas, participantes que “vão e vêm” e ocasiões de

escolha.

O exemplo mais freqüentemente citado é o dos sistemas

educativos (Musselin, 1997), mas pode-se, igualmente, aplicá-lo

sem dificuldade a sistemas relativamente fluídos como o GATT,

a União européia ou o consórcio Airbus Industrie. O grande

interesse do modelo é o de colocar a questão do “encadeamento”

dos elementos que compõem o sistema (a “lixeira”). Cohen,

March e Olsen mostram em particular, de modo convincente, que

não é necessário que um problema seja colocado para que os

atores avancem uma solução que eles irão tentar “colocar” na

ocasião da emergência de um problema.

A questão que se propõe então é saber como é possível

“decidir” em contextos tão flutuantes. Se é levada em conta a

provocação à qual os atores do modelo da lixeira não resistiram

de modo completo, dois elementos podem ser antecipados aqui.

Pode-se inicialmente mostrar que a decisão intervém a partir do

momento em que um ator (ou uma coalizão de atores) se revela

capaz de dominar, mesmo parcial e provisoriamente, os

determinantes da escolha, o que Kingdon mostrou, explicando

que uma política podia nascer da reunificação de três “correntes”

até aqui separadas (Kingdon, 1984). No nível de um programa

preciso, um tal tipo de processo está em ação, por exemplo, no

caso do consórcio Airbus: cada novo programa nasce, com

efeito, depois de uma fase de intensa incerteza em que se

entrecruzam lógicas políticas, industriais e comerciais, problemas

em diferentes níveis, atores animados por lógicas contraditórias

(Estados, indústrias, companhias clientes.....). Tem-se assim o

sentimento, em cada etapa, que o sistema de atores pode explodir

sob o peso destas contradições, de tal maneira as lógicas em ação

parecem incompatíveis. Mas, sempre, um ator chega a colher

uma oportunidade para reatar os fios da decisão.

117

A decisão como processo cognitivo

Para além de sua contribuição, que não é mais contestada

em suas grandes linhas, o problema destas abordagens críticas da

racionalidade apóia-se no fato de que, se elas previnem

eficazmente contra as aporias às quais conduz o modelo da

decisão racional, elas não permitem (ou muito dificilmente)

explicar por que tal decisão é tomada finalmente. É aliás por esta

razão que as abordagens fundadas sobre o ator racional - mesmo

corrigidas à luz das críticas de Simon -, encontram sempre tanto

sucesso junto aos pesquisadores. Tudo ocorre como se se tivesse

que escolher entre um modelo que repousa sobre hipóteses

contestáveis, a escolha racional, mas que dá resultados, porque

funciona a partir de variáveis mais ou menos observáveis, e um

modelo que corresponde melhor à realidade, mas de difícil

implementação, porque repousa sobre relações causais muito

complexas de analisar.

Um dos atrativos principais das novas abordagens da

análise das políticas públicas consiste, então, sob este ponto

preciso da decisão, em deslocar o questionamento sobre os

determinantes cognitivos, normativos e institucionais da escolha.

A abordagem cognitiva vai por exemplo além da tomada em

conta dos mecanismos de percepção da realidade próprios aos

indivíduos que participam no processo de decisão (Parsons,

1995, p. 357), na medida em que ela busca levar em conta os

mecanismos globais de formação dos sistemas de sentido que

determinam a percepção dos atores, articulando, assim, a

abordagem pelos atores a uma abordagem pelas estruturas

cognitivas. Do mesmo modo, antes de se focar sobre os

determinantes intrínsecos da decisão, o neo-institucionalismo se

aplicará a considerar as diferentes variáveis (reunidas sob o

termo genérico de instituições) que enquadram e determinam as

escolhas.

Para a abordagem cognitiva, o processo decisório vai

assim aparecer, antes de tudo, como um processo de construção

progressiva de uma representação do problema, das soluções e de

suas conseqüências. No caso da decisão (ou não decisão) de não

118

sair do SME tomada em 1983, o afrontamento entre os diferentes

atores que participaram desta crise terminou assim numa certa

representação do que era “possível” fazer ou não fazer. Duas

visões principais se opunham então: a maioria dos interlocutores

do Presidente e do Primeiro Ministro tendiam a valorizar a

autonomia da França na escolha de sua política econômica e

monetária. A minoria, ao contrário (ao redor de Michel Rocard e

Jacques Delors), dava-se conta de que, se a França quisesse

manter seu lugar no novo contexto internacional, precisava

aceitar os novos princípios das políticas orçamentárias, centrados

na luta contra a inflação, a defesa da moeda e a limitação dos

déficits.

Atrás destas duas teses, vê-se bem que se alinhavam dois

paradigmas econômicos diferentes. Os primeiros se situavam

claramente num paradigma de inspiração keynesiana, que

valorizava a capacidade dos Estados de regular as flutuações

econômicas graças a políticas anticíclicas. Ao contrário, seus

oponentes viam, no fracasso da retomada de 1981, a prova do

caráter ultrapassado do paradigma keynesiano, encontrando-se a

França forçada no seu ponto de vista a adotar as novas normas de

política econômica ligadas ao paradigma neoliberal. O

afrontamento não se apoiava, portanto, somente sobre medidas

concretas, mas também sobre visões globais do mundo, sendo

cada uma delas portadora de uma concepção diferente do papel

do Estado, de sua relação com o mercado. De acordo com o

paradigma que se tivesse por referência, uma mesma medida de

política econômica podia aparecer como justa, adequada, ou, ao

contrário, como completamente defasada e ineficaz.

Compreende-se melhor, então, a violência dos debates ao

longo deste período crítico. O que estava em questão era bem

mais que uma escolha de política econômica, uma vez que se

tratava igualmente de fazer triunfar uma visão da sociedade e,

portanto, uma visão do papel que os diferentes atores públicos

deviam aí jogar. O que era posto em causa era, em definitivo, a

carta cognitiva que estruturava a ação dos atores da decisão,

lembrando esse debate que se produzira 25 anos antes, quando os

modernizadores, impregnados do paradigma keynesiano e

partidários de uma intervenção vigorosa do Estado no sentido da

119

modernização da sociedade, se opunham às elites conservadoras

que defendiam uma visão mais tradicional da sociedade francesa

(Dulong, 1997).

Para além de uma estrita abordagem racional, que levaria

a considerar, no caso, que François Mitterand “sacrificou” a

autonomia da França, no domínio econômico e monetário, à sua

vontade de apoiar a construção da Europa, a abordagem

cognitiva permite assim abraçar um feixe de fatores muito mais

amplo. Considerando as variáveis evolutivas que pesaram sobre

essa escolha precisa, pode-se com efeito perguntar se o elemento

determinante não resultou na cristalização progressiva, no

interior da sociedade francesa e do Estado, do paradigma neo-

liberal, conseqüência especialmente das “anomalias” da política

de reativação adotada em 1981, que tinha provocado a “queda”

do paradigma keynesiano.

Uma tal análise não significa, portanto, que uma decisão

como aquela de 1983 se impôs sozinha sem um verdadeiro

trabalho sobre o sentido realizado por um certo número de atores

do poder. Ao contrário, é importante considerar, ainda uma vez,

o emaranhado entre lógicas de poder e lógicas de sentido, para

compreender como esse trabalho de (re-)construção social da

realidade pôde ter, por efeito, a modificação progressiva do

ambiente cognitivo dos atores e sua condução, pouco a pouco, a

religarem-se (até converterem-se) às novas matrizes cognitivas e

normativas. Nesta perspectiva, analisar uma decisão pública quer

dizer, portanto, em definitivo, compreender como - num contexto

de pressões (técnicas, econômicas, sociais, políticas...) das quais

não se conhece os limites (no momento da decisão) - um certo

número de atores vão construir e fazer aceitar uma matriz de

interpretação do real que, dando oportunidade aos diferentes

participantes de estabilizar sua relação com o mundo, vai

permitir fazer emergir e legitimar uma escolha pública.

120

A MUDANÇA DA AÇÃO PÚBLICA

As características da ação do Estado descritas antes

provam a que ponto as políticas são determinadas por um feixe

muito largo de elementos. A multiplicidade de sistemas de ação,

que variam em função dos setores, do momento e das seqüências

distintas da ação pública, o peso dos interesses, dos recursos e

dos valores engajados pelos atores públicos e privados, na

definição dos quadros, da extensão e das modalidades das

intervenções estatais, são, com efeito, tantos fatores que

conferem à ação pública um caráter eminentemente complexo.

Face a essas pressões potenciais, o leviatã estatal foi desde então

com freqüência apresentado como um conjunto monolítico mais

ou menos fechado sobre si mesmo, integrado a um jogo

complicado de inter-relações, que dominam imperfeitamente seu

ambiente, o que autoriza, no total, poucas modificações da ação

pública.

Apesar de tais conclusões, considerar as evoluções

possíveis da ação pública aparece como uma das pistas atuais

mais frutíferas das pesquisas neste domínio. Com efeito,

interrogar-se sobre as capacidades adaptativas dos dispositivos

de ação pública obriga a deslocar o interesse para assuntos um

tanto negligenciados até então, em especial o peso do passado na

determinação tanto dos quadros como das modalidades das

políticas atuais. Além da estabilidade aparente dos dispositivos

institucionais, um tal ângulo de abordagem necessita igualmente

integrar outras variáveis na análise, especialmente os valores, as

representações e as imagens próprias a um setor preciso, e

considerar a evolução das relações de força entre atores, no

interior de um subsistema dado. Para isso é necessário, por

conseqüência considerar um leque muito largo de elementos e de

variáveis, que justificam que um tal objeto, a mudança, seja, sem

dúvida, “uma das categorias que engloba tudo dentre as mais

121

acolhedoras de que dispõe a ciência política” (Dobry, 1992, p.

15).

Compreender e construir as lógicas de “mudança”,

entendido no sentido de ruptura, no interior de um subsistema de

ação pública dado, na distribuição dos recursos, nas relações de

forças provadas, nas instituições tradicionais ou nos esquemas

cognitivos legítimos, constitui uma das orientações maiores das

pesquisas sobre a ação pública. Do incrementalismo às

abordagens centradas sobre as mudanças de paradigma,

diferentes modos de apreensão do problema da mudança foram

construídos pela análise das políticas públicas, atestando a

pluralidade das formas de variação da ação do Estado.

Incrementalismo e aprendizagem

Nas primeiras análises da ação pública, a questão da

mudança ficava indexada às características da própria decisão,

seqüência esta que parecia poder sintetizar o conteúdo e as

evoluções da ação pública. Apoiando-se sobre as teses

desenvolvidas por Herbert Simon a respeito da racionalidade

limitada dos indivíduos e das organizações (Simon, 1957), os

trabalhos de Lindblom sobre os fundamentos da decisão foram

assim à fonte da noção de incrementalismo (Lindblom, 1959). O

balanço crítico endereçado a tais análises conduziu, entretanto, a

desenvolver, em seguida, abordagens um pouco mais otimistas

que descrevem as faculdades variáveis de aprendizagem dos

atores implicados na ação pública.

O incrementalismo

Levando em conta as pressões que pesam sobre a escolha

(falta e custo da informação, domínio imperfeito do ambiente e

das soluções disponíveis), já mostradas pelas teorias da

racionalidade limitada, Lindblom sustentou, com efeito, que as

decisões, quaisquer que sejam, provocam transformações

122

puramente marginais (icrementais) das políticas, em razão,

especialmente, das exigências de negociações e de mercancia,

que marcam as trocas sociais, em particular nos regimes

democráticos tradicionais.

Num artigo que estabelece o balanço de seu modelo

(Lindblom, 1979), Lindblom lembrou e precisou quais eram as

modalidades de escolha para os atores encarregados da decisão

na ótica desenhada pelo incrementalismo disjuntivo:

a) As alternativas de escolha são limitadas, na prática, às

soluções que parecem as mais familiares e, por isso mesmo, as

mais próximas do statu quo;

b) Produz-se um emaranhado entre os objetivos e/ou os

valores e/ou os dispositivos instrumentais que estão disponíveis.

A decisão não se faz, portanto, pela elaboração de uma estratégia

apoiada sobre os objetivos desejáveis, que resultaria depois na

adoção dos instrumentos adaptados. Ao contrário deste esquema

racionalista, os diferentes determinantes da decisão estão

consubstancialmente ligados uns aos outros, de tal sorte que as

possibilidades práticas parasitam os elementos normativos ou

cognitivos que podem pesar sobre a decisão;

c) Uma maior atenção é dispensada aos desequilíbrios a

resolver antes que aos fins “positivos”;

d) A decisão se caracteriza, essencialmente, por um

encadeamento de seqüências ensaio/erro, antes de chegar à

decisão final;

e) A análise se limita apenas a considerar um número

limitado de alternativas possíveis;

f) A decisão é fracionada entre uma multiplicidade de

atores, que partilham entre si as tarefas, não dispondo nenhum

ator do domínio do conjunto da cadeia, contrário aos postulados

da abordagem racional.

Em razão destes diferentes fatores, Lindblom estima, por

conseqüência, que os atores “se arranjam” (muddle through),

procedem seqüencialmente, e chegam, em definitivo, a uma

decisão minimalista, que não modifica, senão marginalmente, as

políticas envolvidas.

Esta orientação geral constituiu, há muito tempo, um dos

traços característicos da análise das políticas públicas. Ela deu

123

lugar a diversos trabalhos tornados célebres, atestando a

resistência dos dispositivos da ação pública a toda a forma de

mudança. Assim, as pesquisas de Aaron Wildavsky sobre o

processo orçamentário puderam mostrar que as variações da ação

pública, em termos só financeiros, são extremamente limitadas

(Wildavsky, 1975). A maior parte dos itens orçamentários são

com efeito reconduzidos sem a menor discussão cada ano,

enquanto que as novas destinações ou os créditos suplementares

não representam senão uma parte ínfima nas sucessivas leis de

finanças. Aplicando tais hipóteses ao estudo comparativo das

evoluções orçamentárias durante os anos 1960, Aaron Wildavsky

mostrava assim, no caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, que

mais de 2/3 dos itens orçamentários conheciam variações

inferiores a +/- 10 % em relação ao ano precedente (69,8 % para

a Inglaterra e 67,1 % para os Estados Unidos).

A fraqueza de uma tal demonstração está entretanto no

seu grau muito elevado de generalização. Faz, com efeito, pouco

sentido fundar a análise sobre agregados tão amplos como

índices orçamentários, não reduzindo-se além do mais a ação

pública apenas aos recursos financeiros mobilizados pelos atores

político-administrativos. Assim, as políticas reguladoras, para

retomar a tipologia proposta por Lowi, centradas no

enquadramento jurídico de um certo número de atividades e de

comportamentos (Lowi, 1964), podem variar de forma

considerável, sem que as destinações orçamentárias sejam,

portanto, modificadas. No caso da lei Lang sobre o preço único

do livro, por exemplo, a introdução de uma regulamentação dos

preços não teve senão poucas incidências sobre a evolução do

orçamento da direção do Livro e da Leitura, mas ela não

modificou menos profundamente a percepção do lugar legítimo

do Estado nesse setor particular (Surel, 1997 b).

O incrementalismo aplica-se, sem dúvida, com maior

pertinência no nível da implementação das políticas públicas

num espaço restrito. Quando se considera a evolução de

programas pontuais, geralmente confiados a atores pouco

numerosos, poder-se-á constatar a existência conjugada da maior

parte dos fatores de coerção que explicam os arranjos

incrementais. Fraqueza das informações, domínio imperfeito do

124

ambiente, necessidade permanente de negociações.... são

facilmente identificáveis em nível de programas ou de

instituições particulares. As noções de racionalidade limitada e

de incrementalismo tendem igualmente a ser utilizadas, com

mais pertinência, para a análise dos subsistemas complexos,

marcados pela interpenetração de diferentes níveis de governo,

como é o caso para as políticas européias. A União européia, por

exemplo, não comporta instituições políticas centralizadas,

dispondo de um monopólio efetivo de coerção legítima como na

acepção tradicional do Estado definido por Weber. A

indeterminação das estruturas e dos fluxos sócio-políticos, tanto

do ponto de vista institucional como no quadro dos valores ou

dos interesses, desenha por conseqüência sistemas de ação

pública complexos, em que o incrementalismo parece a única

maneira possível de “fazer as políticas”.

A aprendizagem

Retomando o postulado da imobilidade relativa à ação

pública, mas numa versão mais otimista, diversos autores

puderam, na seqüência, desenvolver a noção de aprendizagem

(Heclo, 1974). Nesta acepção, se o Estado está sempre

confrontado com uma série complexa de fatores que entravam

sua ação ou, ao menos, o enquadram num feixe limitado de

possibilidades, não é menos verdade que a ação pública evolui

progressivamente graças a mecanismos de aprendizagem. Estes

se aplicam tanto ao conhecimento dos problemas a tratar, quanto

ao domínio dos instrumentos mobilizados, até mesmo à

aprendizagem da natureza dos vínculos e das relações de força

que caracterizam um subsistema dado.

Segundo Hall (Hall, 1993), a análise da ação pública sob

o ângulo da aprendizagem gira ao redor de três premissas:

1. O que determina com maior certeza uma política no

instante t, é a política em t-1. Os atores das políticas públicas se

fundamentam, com efeito, de modo privilegiado, sobre as lições

tiradas de suas experiências passadas. Funcionando sobre o modo

125

ensaio/erro, a ação pública se modifica em função dos resultados

e das apreciações relativas aos esquemas em vigor.

2. A aprendizagem supõe, além do mais, valorizar os

mecanismos de conhecimento no sentido estrito, o que tende a

salientar o papel dos peritos no interior e fora do governo. A

atenção da pesquisa está, portanto, centrada aqui sobre os

processos de constituição e de construção de uma perícia pelos

atores públicos, de preferência a toda outra variável (interesse,

valores...).

3. Por isso mesmo, último postulado, as abordagens em

termos de aprendizagem repousam sobre a idéia de uma

autonomia relativa do Estado em relação às pressões exteriores.

Elas descrevem com efeito um modo de funcionamento da ação

pública em recipiente fechado, ao menos relativamente, que

autoriza por conseqüência a aprendizagem num contexto mais ou

menos estável.

Em torno desta grade geral, Bennett e Howlett puderam

isolar três tipos de aprendizagem na literatura, aplicando-se cada

uma destas formas a objetos e a processos particulares (Bennett,

Howlett, 1992):

a) government learning: Trata-se aqui da aprendizagem

no sentido mais clássico do termo, que se aplica à análise dos

mecanismos adaptativos internos a uma instituição ou a um

segmento político-administrativo dado. O ajustamento dos

dispositivos instrumentais que caracterizam um programa preciso

constitui a ilustração clássica deste tipo de aprendizagem, por

exemplo quando novas sanções são adotadas para sobrecarregar

um dispositivo repressivo, ou quando certas taxas são elevadas,

para preencher certos déficits (cf. a evolução recente dos

levantamentos visando saldar a “dívida social”).

b) lesson-drawing: esse tipo de processo, analisado

especialmente por Richard Rose (Rose, 1991), aplica-se às

modificações mais vastas dos programas de governo. Não se trata

mais de mero ajustamento “técnico”, mas de uma reforma parcial

da apreensão do problema, assim como da natureza dos

dispositivos adotados.

c) social learning: última acepção enfim, “a

aprendizagem social”, que abraça uma categoria mais ampla de

126

atores (estrangeiros privados interessados e não mais somente

atores político-administrativos) e variáveis negligenciadas nos

outros tipos de análise (idéias, valores...). A aprendizagem une

aqui a descrição em termos de mudança de paradigma, que

convida a interrogar-se sobre as reavaliações normativas e

cognitivas que podem intervir num subsistema dado.

Mesmo se esta tipologia é útil, a última acepção nos

parece constituir um caso limite da noção de aprendizagem. Ela

remete com efeito, como se verá mais adiante, a dinâmicas de

transformação da ação pública que escapam amplamente às

lógicas incrementais ou aos processos de aprendizagem no

sentido estrito. Pelo contrário, as duas primeiras resumem melhor

os postulados e os campos de análise das abordagens centradas

na aprendizagem. Elas recortam o que Peter Hall chamou de

mudanças de primeira e de segunda ordem (Hall, 1993), que se

aplicam, no essencial, às modificações dos instrumentos e dos

métodos da ação pública. Por isso mesmo, tais processos de

mudança são concebidos de maneira positiva como

melhoramentos da ação pública com o objetivo de atingir fins

precisos. A constituição de uma competência progressiva é, de

maneira especial, percebida como um meio de melhor apreender

os problemas a tratar, de identificar de modo mais estrito os alvos

privilegiados da ação, assim como de definir de forma correta os

instrumentos adaptados (legislação, subvenção, campanhas de

prevenção). As evoluções sucessivas da renda mínima de

inserção (RMI) atestam, por exemplo, tais dinâmicas, sendo que

uma série de pesquisas permitiu avaliar os efeitos práticos deste

programa preciso, prelúdio de uma melhor focalização das

populações envolvidas, da adjunção de dispositivos de

acompanhamento com o objetivo de facilitar a reinserção.

Por isso, as abordagens no sentido de aprendizagem

estão com freqüência ligadas aos objetivos e aos dispositivos

tradicionais da avaliação (Monnier, 1992; Spenlehauer, 1995).

Esta é, com efeito, tradicionalmente definida como “a atividade

de recolha, de análise e de interpretação da informação que

envolve a implementação e o impacto da medida que visa agir

sobre uma situação social, assim como a preparação de medidas

novas” (Leca, 1993, p. 165). O efeito esperado repousa, portanto,

127

sobre a apreciação dos erros da ação pública, tendo como

vontade subjacente remediar estes disfuncionamentos ou estas

apreensões inadequadas do problema, para chegar a um melhor

resultado.

De acordo com estas concepções originais, tanto a

avaliação, como a aprendizagem que se presume decorrer da

mesma ultrapassaram, entretanto, o único quadro institucional da

ação pública para mostrar que tais dinâmicas adaptativas não se

exercem somente em termos de competência e de conhecimentos

técnicos, mas podem recobrir também modificações práticas e

comportamentos dos estrangeiros envolvidos.

Uma tal vontade de alargamento sublinha, por isso

mesmo, alguns dos limites principais da aprendizagem. Por longo

tempo construídas por referência a uma impermeabilidade,

mesmo relativa, das instâncias político-administrativas, as

abordagens em termos de aprendizagem tendem cada vez mais a

integrar conceptualizações mais adaptadas à complexidade e às

características do jogo político. Noções tais como as de “redes”,

de “arenas”, de “fóruns” ou ainda de “coligações” introduzem,

por exemplo, um grau de análise suplementar mostrando o

intrincado de um grande número de atores e de variáveis no

estudo dos processos de mudança da ação pública. Mais que uma

simples adaptação incremental, o mais das vezes limitada aos

instrumentos característicos de um subsistema dado, a

aprendizagem torna-se, então, sinônimo de novos espaços de

ação a encontrar, de redes a tecer, de recursos a valorizar,

levando em conta, em especial, o peso do passado sobre a ação

pública presente.

128

129

O PESO DO PASSADO

Durante muito tempo orientada pela pesquisa de

explicações causais, puramente sincrônicas, a sociologia tende

hoje a integrar uma dimensão histórica cada vez mais importante.

Na linha dos trabalhos de Norbert Elias, de Charles Tilly ou de

Theda Skocpol especialmente, uma nova corrente parece com

efeito se desenvolver sob o termo genérico de “sociologia

histórica” (Déloye, 1996), que visa, ao mesmo tempo, ultrapassar

as clivagens disciplinares consagradas e alimentar um olhar

diferente sobre os objetos e as abordagens tradicionais da

sociologia. Sem ser tão original quanto pode aí parecer

inicialmente (o caminho inverso, da história à sociologia, foi

empreendido de longa data pela corrente historiográfica iniciada

pela École des Annales), este processo apresenta, contudo, o

interesse, para nosso propósito, de ter alimentado perspectivas de

pesquisa centradas sobre o processo de formação e de evolução

dos objetos públicos, e em especial das políticas públicas. Ela

convida, especialmente, a um corte do objeto a analisar

(instituições, programas, atores...), que necessita apreender o

desenvolvimento de uma política sobre um lapso de tempo

relativamente longo (Sabatier propõe assim que se fixe, como

limite, um decênio ao menos. Sabatier, Jenkins-Smith, 1993).

A herança

Um certo número de análises, que integram esta

dimensão histórica, insistem, acima de tudo, sobre o peso das

políticas anteriores e as possibilidades de escolha oferecidas aos

atores públicos. Mais que o domínio imperfeito do ambiente e

das informações úteis ou que a complexidade das relações

particulares num subsistema dado (fatores de coerção que não

são por isso negligenciados), é então a herança deixada pelos

governos precedentes que aparece como o fator determinante

para as mudanças possíveis da ação pública (Cf. a noção de

130

herança - inheritance, Rose, 1990, Rose, Davies, 1994, ou a

noção de legado - legacy, Collier, Collier, 1991).

Analisando a evolução dos programas do Estado

britânico depois da guerra de 1945, Rose mostra quanto as

possibilidades de escolha são limitadas para as políticas

anteriores. Tomando o exemplo das diferentes legislações em

vigor no momento da tomada de poder de Margaret Thatcher em

1979, Rose mostra que mais da metade das leis (56,6 %) foram

votadas antes de 1945, sendo que só o período que compreende o

reino da rainha Vitória (1837-1901) viu que 26 % das leis então

elaboradas permaneciam efetivas 80 anos mais tarde (Rose,

1990, p. 266).

A principal razão desta impermeabilidade relativa à

mudança da ação pública repousa, segundo Rose, sobre o peso

acumulado das coerções, especialmente de origem institucional,

que caracterizam os programas públicos e pesam sobre os atores

político-administrativos. Para ele, com efeito, “os engajamentos

tomados pelo passado não podem ser evitados pelo governo do

momento, uma vez que eles são encaixados no direito público e

nas instituições e executados pelos funcionários” (Rose, Davies,

1994, p. 12). Aliás, a maior parte dos programas, uma vez

implementados, seguem um desenvolvimento autônomo que

constitui, em si mesmo, um obstáculo a toda reavaliação

posterior. Assim, os dispositivos de proteção social continuaram

a funcionar por muito tempo, segundo os mesmos princípios e as

mesmas modalidades da época de sua criação, precisamente

quando o número de beneficiários tinha aumentado

consideravelmente, e o ambiente sócio-econômico tinha evoluído

muito. A mudança da ação pública tem, portanto, o mais

freqüentemente, nesta acepção, um caráter mecânico,

impulsionado pela lógica inerente aos próprios programas.

Uma das críticas que se pode fazer ao modelo e à

tentativa de Rose é de se concentrar nos programas de governo e

de sustentar, implicitamente, uma visão restritiva do problema

que reúne as conclusões tradicionais do incrementalismo. Daí

resultam análises centradas, essencialmente, nas condições de

escolha em detrimento de objetos mais vastos, incluindo

131

especialmente o papel dos estrangeiros envolvidos, dos valores e

representações legítimas num momento dado.

Os processos de path dependence

No estudo da ação pública, a dimensão histórica gerou

igualmente, como se viu, uma corrente particular do neo-

institucionalismo, chamada institucionalismo histórico, orientada

principalmente pelo estudo da sóciogênese dos dispositivos de

ação pública, assim como dos princípios, dos valores, dos modos

de ação e das relação de força que os caracterizam. No interior

desta orientação geral, a noção mais conhecida é, sem dúvida,

aquela de “dependência do caminho” (path dependence), que

descreve a existência de movimentos cumulativos que

cristalizam os sistemas de ação e as configurações institucionais

próprias a um sistema dado e que determinam um caminho

preciso de ação pública. Integrando na análise do político uma

conceptualização tirada da economia e aplicada antes a outros

terrenos “políticos” (Collier, Collier, 1991), Paul Pierson

especialmente (Pierson, 1993, 1996, 1997) desenvolveu análises

para caracterizar os elementos pelos quais a dimensão temporal

influencia a ação pública, encontrando, na mesma ocasião, uma

tradição sociológica fundada sobre o estudo de cadeias causais

que apontam para uma dimensão temporal (Stinchcombe, 1968).

Na origem, a path dependence inspira-se na noção

econômica de rendimentos crescentes (increasing returns),

conjunto de mecanismos que alimentam uma dinâmica

cumulativa caracterizada por quatro elementos principais:

1. A impredicabilidade: se os acontecimentos fundadores

têm um grande impacto, permanece de fato impossível predizer

os estados finais do processo engajado.

2. A inflexibilidade: quanto mais se avança num processo

dado, tanto mais difícil é escolher as novas opções. Não se pode

mudar de caminho (path).

3. A não-ergodicidade [non-ergodicité]: esta noção

implica que os acidentes de percurso, que aparecem ao longo de

um processo, não podem ser ignorados. Tornam-se ao contrário

132

marcas, que modificam de maneira variável a dinâmica engajada.

Por isso mesmo esta não pode reencontrar uma situação já

conhecida. Ela segue uma evolução e não um ciclo.

4. A ineficiência potencial do caminho tomado: uma vez

iniciado um processo, nada garante que um optimum, ou ao

menos uma solução eficaz, serão encontrados. A alternativa

escolhida não é, sistematicamente, aquela que teria introduzido

os melhores resultados.

No domínio econômico, uma tal teorização pôde explicar

a desigualdade persistente do desenvolvimento econômico

segundo as zonas geográficas pelo efeito da vantagem

comparativa da qual ainda se beneficiam os países que se

lançaram de maneira precoce na revolução industrial. Outro

exemplo: os trabalhos feitos nos Estados Unidos por economistas

como Sabel, buscaram mostrar que o enraizamento do fordismo,

modo de organização da economia que se tornou

progressivamente dominante no campo da produção de massa, da

especialização das tarefas..., devia-se mais à estrutura de

distribuição do capital nos Estados Unidos e na Inglaterra, do que

a seu suposto caráter de avanço técnico (Piore, Sabel, 1984).

Todo “caminho” tomado tende, por conseqüência, a se cristalizar

e a tornar-se cada vez mais coercitivo na medida de seu

desenvolvimento.

Segundo Pierson, algumas condições parecem favoráveis

à eclosão de um processo cumulativo deste tipo. Existem, antes

de tudo, processos de rotinização, pelos quais os atores se

habituam a trabalhar num quadro preciso, fixando-se em modos

de fazer ou de pensar. A evolução progressiva das práticas num

eixo determinado constitui por isso mesmo uma repressão brutal

a todo questionamento, mas também um meio de melhorar o que

é imperfeitamente dominado na origem. Aliás, os efeitos de

coordenação, igualmente qualificados pelo vocábulo

“externalidades de rede”, tocam os atores que gravitam em torno

do Estado, grupos de interesse, partidos políticos, sindicatos,

mídia..., e que estão intimamente ligados às dinâmicas

estabelecidas. Enfim, acrescentam-se a esses dois fatores

antecipações adaptativas junto aos atores periféricos. Em torno

de um processo dado, ninguém quer ficar marginalizado, mas

133

orienta-se, ao contrário, em direção ao caminho que parece o

mais produtivo ou o mais seguido.

Consciente de que a integração de uma conceptualização

procedente da economia põe problemas de operacionalização em

ciência política, Pierson mostra também que as características

próprias ao político reforçam a pertinência de tais modos de

análise (Pierson, 1997, p. 23 e s.). Diversos fatores justificam,

com efeito, segundo ele, que os processos de path dependence

sejam ainda mais aplicáveis aos objetos políticos que às

dinâmicas econômicas.

1. O campo político caracteriza-se, antes de tudo, por

uma extrema densidade institucional, que decorre de uma

multiplicidade de regras de procedimento, de legislações

complexas nos diferentes campos sociais, constituindo além do

mais os dispositivos de ação pública constrangimentos à ação e

aos comportamentos dos atores.

2. Retomando uma das primícias do incrementalismo

postas por Lindblom, Pierson insiste sobre a natureza

eminentemente coletiva do campo político. A título de exemplo,

a maior parte dos bens públicos produzidos pelo Estado são de

essência coletiva, não se prestando portanto a uma “consumação”

individual. Por isso mesmo, no espaço político, mais ainda que

alhures, “os atores devem sempre adaptar seu comportamento,

antecipando a maneira como se prevê que os atores irão

comportar-se (Pierson, 1997, p. 27). Esta característica torna

então todo processo político dependente de regateios,

ajustamentos recíprocos e outros compromissos.

3. Enfim, Pierson insiste sobre a complexidade e a

opacidade inerentes ao político. Reencontrando ainda uma vez

algumas das expectativas do incrementalismo e da racionalidade

limitada, mas numa perspectiva ao mesmo tempo ampliada e

centrada numa definição bastante estrita das instituições, ele

mostra, com efeito, até que ponto a fraqueza da informação útil, a

dificuldade de definir objetivos unívocos, ou ainda, o horizonte

de curto prazo, com freqüência indexado sobre os ritmos

eleitorais, são fatores de coação. Para o que concerne, por

exemplo, aos objetivos da ação pública, o intricado dos

interesses, a pluralidade dos princípios e dos valores assumidos

134

pelos atores constituem obstáculos a toda verdadeira

racionalidade.

Levando em conta essas diferentes características,

Pierson mostra em definitivo que a sedimentação progressiva das

políticas públicas exercidas por um aparelho burocrático cada

vez mais ampliado e heterogêneo, constitui o modo de evolução

mais provável da ação pública, introduzindo por isso mesmo

obstáculos a toda forma de mudança de envergadura. Inseridos

num espaço de ação complexo, os atores estão intimamente

ligados aos processos estabelecidos, que servem seus interesses

e/ou satisfazem algumas de suas expectativas e/ou enquadram e

justificam seus comportamentos num espaço restrito, operando

assim esses processos também como redutores de incerteza. Mais

que ser definitivamente descartada, a hipótese de mudança da

ação pública deve, então, ser pensada em relação a este feixe

intrincado de elementos, tomando a evolução da ação pública

com mais freqüência uma forma diretamente indexada ao peso

das diferentes variáveis sedimentadas e institucionalizadas pelo

viés destes processos de path dependence.

Uma tal teorização pôde ser aplicada por Pierson ao

estudo das reformas dos Estados-providência na Inglaterra e nos

Estados Unidos (Pierson, 1994). Estudando o efeito potencial

devastador dos programas conservadores ultra-liberais sobre os

quais Thatcher e Reagan se elegeram em 1979 e 1980, Pierson

mostra que as reformas efetivamente assumidas tiveram, em

definitivo, repercussões muito menos importantes que o previsto.

Longe de chegar a um desmantelamento dos Estados-providência

nos dois países, os programas adotados pelos governos

conservadores tiveram que se confrontar com um conjunto

bastante complexo de coações e de prismas, que os despojaram

em grande parte de seu impacto deletéreo. No exemplo dos

Estados Unidos, Pierson sublinha assim a conjunção de

elementos institucionais no sentido amplo, que serviram de

contrapeso às orientações proclamadas: as relações conflituais

entre o Congresso e o Presidente, o papel das administrações

envolvidas ou ainda as pressões exercidas pelos estrangeiros

envolvidos (sindicatos, associações de aposentados).

135

De modo conexo, Pierson sublinha igualmente, no

interior dos processos de path dependence, o papel essencial

desempenhado pelas “cartas mentais” dos atores, inspirando-se

nos trabalhos de Douglas North (North, 1990), eles mesmos

ligados a certas pesquisas clássicas da psicologia cognitiva ou da

antropologia (Andler, 1992; Geertz, 1964). Para além dos

dispositivos apenas institucionais, os processos cumulativos

descritos antes determinam, com efeito, estruturas cognitivas

específicas, que ajudam na compreensão do real e facilitam assim

toda forma de ação. Na medida em que participam de

mecanismos de construção social da realidade, as matrizes

cognitivas e normativas dominantes num momento dado num

sub-sistema de ação pública mantêm então uma certa

estabilidade, ao menos no seu período “normal” (cf. infra).

Definindo as fronteiras legítimas da ação pública, valorizando

certos atores político-administrativos e certas categorias de

estrangeiros envolvidos, os referenciais e outros paradigmas

funcionam como redutores de incerteza e determinam certos

eixos de evolução para as políticas públicas.

Um tal esquema de análise permite, do mesmo modo,

descrever e analisar os vínculos existentes entre essas ancoragens

institucionais cumuladas e o enraizamento de trocas particulares

entre o Estado e os estrangeiros envolvidos. Patrick Hassenteufel

pôde especialmente mostrar a esse respeito em que medida a

maneira como se constitui “o Estado em interação”

(Hassenteufel, 1995) é suscetível de influir na evolução da ação

pública. Analisando conjuntamente os programas empreendidos

por diferentes governos para remediar os déficits constantes dos

dispositivos de proteção social, ele pôde chegar assim a

demonstrar quanto as diferenças existente entre a França, a

Alemanha e a Inglaterra são indexadas à natureza de trocas

pouco a pouco formalizadas entre os médicos e os atores

político-administrativos em cada um destes países (Hassenteufel,

1997).

Nesta perspectiva geral, traçada pela noção de path

dependence, poder-se-á igualmente compreender como um

elemento novo, que perturbe o funcionamento tradicional das

administrações e mesmo do sistema de ação existente entre

136

atores públicos e privados, pode conduzir a uma verdadeira

cegueira da ação pública. Fortemente dependentes dos hábitos

enraizados, das estruturas e princípios pouco a pouco

cristalizados e das relações de força institucionalizadas, os atores

de um subsistema dado da ação pública poderão, com efeito,

verem-se confrontados, às vezes, com fenômenos que eles não

“compreendem” e/ou não sabem tratar. Visceralmente fixados

aos princípios e aos instrumentos deduzidos do keynesianismo na

conduta das políticas macro-econômicas, certos governos

produziram por exemplo “respostas” errôneas à crise econômica

dos anos 1970 (Hall, in Steinmo, Thelen, Longstreth, 1992).

137

CONJUNTURAS CRÍTICAS E

MUDANÇAS DE PARADIGMAS

Entretanto, a evolução de uma política não se faz

unicamente de maneira linear. Contrariamente ao que a noção de

path dependence pode deixar supor na sua concepção restritiva, a

ação pública não segue com efeito um continuum cumulativo

mecânico, mas parece, ao contrário, marcada por uma alternância

de fases relativamente estáveis e de períodos de mudanças mais

conseqüentes. Inspirando-se em teorias formuladas na biologia,

Stephen Drasner propunha, assim, empregar a noção de

punctuated equilibrium (Krasner, 1984), que se poderia traduzir

pela expressão “equilíbrio pontual” ou “equilíbrio pontuado”,

para descrever esta sucessão aleatória de seqüências estáveis e de

“conjunturas críticas” (Collier, Collier, 1991; Dobry, 1992).

Um certo número de conceptualizações se fixam, então,

na análise dos processos de mudança não incrementados. É,

especialmente, o caso do esquema desenvolvido por Peter Hall,

que se inspira nos trabalhos de epistemologia histórica de Kuhn,

que coloca a ênfase sobre duas noções conexas, as crises da ação

pública (ou crises de políticas) e as mudanças de paradigmas, e

permite descrever e compreender essa sucessão de fases de

rupturas e de equilíbrios efêmeros.

Mudanças de paradigmas e

mudanças de políticas

Poder-se-á considerar que há crise de políticas (Muller,

Surel, 1996), quando as matrizes cognitivas e normativas

legítimas e/ou a configuração institucional e/ou o equilíbrio das

relações de forças até aí experimentadas são postas em questão

pela acumulação de anomalias no subsistema de política pública

considerado. Por “anomalia”, retomando nisso a noção

desenvolvida por Kuhn, entender-se-ão os problemas surgidos no

138

subsistema, que não chegam a ser interpretados e “tratados” pelas

configurações cognitivas e normativas e pelo sistema de ação

estabelecidos.

As anomalias podem ser de diversos tipos. Assim, a

evolução do desemprego suscitou, por exemplo, a irrupção de

uma categoria de pessoas que é difícil de integrar no interior dos

dispositivos existentes. O aumento do desemprego de longa

duração “criou” especialmente os desempregados em fim de

direitos, de reinserção cada vez mais difícil no mercado do

trabalho. A evolução sócio-econômica tornou então inoperantes

os dispositivos clássicos de identificação e de tratamento das

pessoas atingidas por uma não atividade durável.

Qualquer que seja a forma ou a origem, uma “anomalia”

se apresenta, entretanto, sempre como um fenômeno ou uma

série de fenômenos percebidos como sendo problemáticos pelos

atores envolvidos, públicos e/ou privados, no interior de um

subsistema particular. Ela necessita por conseqüência de

ajustamentos mais ou menos substanciais da matriz cognitiva e

normativa legítima que determina os quadros e as modalidades

da ação pública, assim como dos equilíbrios institucionais e da

natureza das trocas sociais.

Inspirando-se nos trabalhos de Peter Hall, Howlett e

Ramesh estimam que as mudanças de paradigmas seguem,

freqüentemente, a seqüência seguinte:

Etapas Características do processo

139

1. Período

“normal”

Fase de estabilidade da matriz institucionalizada,

em que os ajustamentos tem um caráter

incremental (mudanças de primeira e de segunda

ordem), geralmente por iniciativa de grupos

restritos de peritos e de funcionários.

2. Acumulação

das “anomalias”

As evoluções isoláveis no “mundo real” não

chegam a ser antecipadas nem mesmo explicadas

pela matriz cognitiva e normativa dominante e

legítima. Esta seqüência marca os inícios da crise

de paradigma ou a crise de políticas.

3. Experimentações Tentativas foram feitas para melhorar o

paradigma em vigor, a fim de levar em conta as

“anomalias” encontradas.

4. Fragmentação

da autoridade

A configuração dos atores, ligada ao paradigma

até aí legítimo, encontra-se desacreditada e

enfraquecida no interior do subsistema afetado.

5. Contestação Produzidas e/ou encorajadas pela crise do

paradigma anterior, matrizes cognitivas e

normativas concorrentes, assumidas por

configurações de atores distintas, alimentam o

debate público.

6.

Institucionalização

do novo paradigma

Depois de um período mais ou menos longo,

com maior freqüência caracterizado por uma

cristalização progressiva do novo paradigma

seguindo um processo de path dependence, a

coalizão de atores tornada dominante assegura

progressivamente seu poder, o que se traduz por

uma modificação substancial da ação pública

(mudança de terceira ordem).

Fontes: inspirado de Howlett, Ramesh, 1995, p. 191. Cf.

igualmente Kuhn, 1983; Hall, 1993; Mercier in CRESH, 1993;

Surel, in Faure, Pollet, Warin, 1995.

Esta sucessão de fases permite construir analiticamente

as dinâmicas isoladas por Krasner e dar um conteúdo à noção de

“mudança”. Esta pôde ser utilizada nos diversos casos precisos,

em particular para o exame das transformações da ação pública,

produzidas nos anos 1980, com a adoção de princípios

monetaristas. Analisando, por diversas vezes, a evolução das

140

políticas macro-econômicas durante este período, Peter Hall

mostrou assim que os princípios e os valores que determinam

tanto o campo como as modalidades de ação do Estado em

matéria econômica se viram profundamente modificados com a

irrupção do novo paradigma (Hall, 1989, 1993). Quando os

preceitos de inspiração keynesiana (intervencionismo econômico,

políticas anticíclicas por pilotagem orçamentária, sustentação da

demanda, proteção social) haviam determinado em grande parte

as lógicas de ação do Estado desde 1945, a crise econômica

resultante dos dois choques do petróleo produziu um certo

número “de anomalias” que precipitaram a “crise” do paradigma

keynesiano.

Examinando, por exemplo, as primeiras respostas

adotadas na Inglaterra para remediar as conseqüências do

primeiro choque do petróleo, Hall mostra em particular que a

vinculação visceral dos principais atores político-administrativos

às representações e aos preceitos assumidos pelo keynesianismo,

esteve na origem de “respostas” mecânicas que terminaram por

fracassar. A acumulação das “anomalias” acelerou por isso

mesmo a dupla cristalização de um paradigma concorrente e de

uma configuração de atores, que devia, pouco a pouco, consagrar

a opção monetarista. Com a chegada dos governos conservadores

britânico e americano, no começo dos anos 1980, formaram-se,

com efeito, outras visões da economia, marcadas pela

consagração das lógicas de mercado, que provocaram, pouco a

pouco, a redefinição das fronteiras legítimas da ação estatal, a

valorização de um certo número de atores sociais (yuppies,

empreendedores) e o uso obrigatório de outros instrumentos de

intervenção (manipulação das taxas de juros para controlar a

massa monetária e a inflação, desregulamentação dos mercados,

encorajamento à liberação das trocas internacionais...).

Tornado dominante, o paradigma monetarista ou

referencial de mercado levaria então a modificar, aos poucos a

maior parte dos subsistemas da ação pública, “somatórios” de um

certo modo de se posicionar em relação a estas novas normas de

ação consagradas pela ação governamental. Assim, para o que

concerne às políticas do livro na França, pode-se constatar a

formalização progressiva de uma matriz cognitiva e normativa

141

adaptada a esse campo de políticas precisas, que decorria em

parte do crescimento das lógicas de mercado no setor da edição.

Preocupados em assegurar ao livro um estatuto social particular,

um certo número de autores se mobilizaram em torno de uma

crença específica, “o livro não é um produto como os outros”,

que seguia as normas de mercado de uma maneira adaptada às

estruturas, às representações tradicionais dos autores do livro.

Mesmo reconhecendo o caráter comercial e “industrial” de sua

atividade (“o livro é um produto...”), esses autores e essa matriz

operacionalizaram o paradigma global sob a forma de uma

exceção do livro (“... não como os outros”), consagrada em 1981

pela adoção da lei Lang sobre o preço único do livro (Surel,

1997a, 1997b). A apresentação pelos países europeus, quando

das negociações do GATT, da “exceção cultural”, constitui um

outro exemplo desta adaptação de um subsistema particular às

transformações dos princípios e valores globais.

Às vezes criticada pelo seu caráter a priori determinista,

a noção de paradigma coloca, portanto, em evidência o caráter

conflitivo e aleatório da gestação e da evolução das matrizes

cognitivas e normativas. Longe de ser hegemônica, uma matriz

cognitiva e normativa evolui, com efeito, o mais freqüentemente,

num subsistema de ação marcado por uma forma de pluralismo

das coalizões dos atores e dos esquemas cognitivos e normativos.

Já presente junto a Kuhn, esta perspectiva foi retomada numa

grande medida por Paul Sabatier no seu modelo de advocacy

coalition (Sabatier, Jenkins-Smith, 1993; Sabatier, 1997;

Bergeron, Surel, Valluy, 1998). Postulando que as coalizões dos

atores pertencentes a um subsistema dado estão fundadas

precisamente sobre a partilha pelos atores de sistemas de crenças,

Sabatier mostra que cada espaço de ação pública é atravessado

pela competição de diferentes coalizões de causa ligadas a

diferentes sistemas de crenças. A título de exemplo, a ação

pública em matéria de ambiente parece ter-se recentemente

caracterizado pela confrontação entre uma coalização

“econômica” e uma coalização “ambiental”, portadoras de

valores diferentes e de princípios de ação estatal concorrentes.

Certas questões, mesmo assim, permanecem sem

resposta, pelo menos no imediato, essencialmente para o que

142

concerne à gênese, à forma e aos vetores do paradigma

dominante. A matriz cognitiva e normativa que determina a ação

pública num instante preciso é, assim, um compromisso

encontrado entre matrizes concorrentes ou torna-se dominante

uma dentre elas, e com ela, a coalização de atores que a assume e

a defende? Como são produzidos e veiculados esses esquemas

cognitivos e normativos que fazem sistema e determinam sejam

as representações, sejam as ações dos atores de um subsistema

dado? Que ligações pode-se estabelecer entre idéias, interesses e

instituições na produção e na mudança da ação pública?

Um certo número de trabalhos recentes tentaram

melhorar ou modificar as abordagens cognitivas e normativas,

mostrando, por exemplo, o peso das interações próprias num

subsistema dado. Na sua análise das políticas fiscais em nível

europeu, Claudio Radaelli sustenta, assim, que a modificação da

estrutura dos esquemas cognitivos e normativos se opera o mais

freqüentemente na própria operação em que eles são mobilizados

e/ou definidos e/ou instrumentalizados pelos atores (Radaelli,

1998). Longe de serem elementos exteriores às trocas

conflitantes entre atores envolvidos, as matrizes cognitivas e

normativas são, ao contrário, marcadas por usos e declinações

extremamente variáveis de um subsistema a outro e de um

momento a outro. Intuição confirmada pelos trabalhos de Jobert,

ou de Baumgartner e Jones (Jobert, 1994; Baumgartner, Jones,

1993), que insistem sobre as arenas, fóruns e “pontos de

encontro”, dito de outro modo os “lugares” de mobilização das

matrizes cognitivas e normativas.

De maneira conexa a esta reinserção dos usos sociais,

intimamente ligados aos mecanismos de construção social da

realidade, certas hipóteses complementares são concebíveis no

conteúdo e na formalização das matrizes cognitivas e normativas.

Longe de fazer tábua rasa do passado, um paradigma ou um

referencial recompõe, assim, às vezes, elementos antigos de um

outro modo, buscando no repertório particular a um subsistema

preciso. Aliás, um paradigma ou um referencial não se instaura

de maneira súbita e unívoca. Mais do que reformar

imediatamente o subsistema e os esquemas normativos e

cognitivos legítimos, ele baliza com efeito os conflitos e as ações

143

públicas vindouras. De um certo modo, e reencontra-se aqui a

conceptualização proposta por Pierson, o enraizamento

progressivo do paradigma constitui, então, um processo de path

dependence, não fazendo o paradigma mais do que fornecer as

indicações iniciais na orientação e as fronteiras do caminho

tomado pela ação pública. Esse movimento de path dependence

modifica, por sua vez, a substância mesma da matriz cognitiva e

normativa, na medida em que esta se encontra confrontada com

os prismas institucionais próprios a cada subsistema considerado

e às mobilizações conflitantes dos atores pertinentes.

Uma tal inversão da acepção original da noção de path

dependence permite especialmente chegar a uma

problematização diferente dos mecanismos de implementação da

ação pública. É claro depois de muito tempo que a

implementação é uma fase problemática, na medida em que ela

constitui a busca da decisão e das ações coletivas com outros

meios, até de outros atores (Padioleau, 1982). Mas, se é

apreendida em relação às dinâmicas de uma mudança de

paradigma, poder-se-á formular a hipótese suplementar que se

trata de uma fase privilegiada, relativamente isolável de um

ponto de vista analítico, de cristalização progressiva da matriz

cognitiva e normativa, tornada formalmente legítima, quando da

decisão. Para que esse paradigma se torne realmente dominante,

é preciso com efeito que ele não seja somente a justificação

explícita ou prática da decisão, mas que ele determine

efetivamente no fim das contas a ação pública e os

comportamentos dos atores envolvidos nas suas dimensões mais

concretas.

As variáveis políticas e a abertura de

“janelas” de oportunidade

Esses processos de mudança não-incrementais parecem,

todavia, dependentes de condições particulares que determinam

um funcionamento “extraordinário” do campo político (Keeler,

1993). A noção mais útil desse ponto de vista, para se pensar

144

essas fases de “suspensão” das condições ordinárias da ação do

Estado, continua a ser, sem dúvida, a conceptualização proposta

por John Kingdon (apresentada no capítulo 3), que descreve a

abertura aleatória de “janelas políticas” (Kingdon, 1984). O

interesse principal do modelo de Kingdon reside com efeito na

apresentação das fases de junção das dinâmicas próprias a cada

uma das correntes que, criando uma “janela política”, suspendem

o funcionamento ordinário das instituições e dos atores políticos

e tornam possíveis mudanças de políticas públicas específicas.

Esta noção levanta, assim, as condições favoráveis à abertura de

um período mais ou menos longo em que as capacidades de ação

dos atores político-administrativos e dos estrangeiros envolvidos

se encontram temporariamente ampliados, permitindo

refundições mais ou menos substanciais das políticas públicas.

Prolongando o esquema de análise de Kingdon, Keeler

pôde em seguida tentar identificar mais precisamente os critérios

favoráveis à abertura de uma janela política (Keeler, 1993).

Segundo ele, duas séries de variáveis parecem essenciais, a saber,

o tamanho do mandato conferido ao governo e/ou uma crise,

definida como um descontentamento da opinião pública, um

sentimento de medo, de importantes perturbações sociais ou das

ameaças à seguridade da nação. Essas duas categorias de fatores

alimentam dois tipos de mecanismo distintos, suscetíveis de

deixar uma certa margem de manobra ao governo:

1. Os mecanismos de mandato (madate mechanisms),

que repousam sobre a conjunção de dinâmicas político-

institucionais favoráveis aos (novos) titulares dos postos de

poder, e que se dividem em diversos processos desigualmente

presentes em cada caso concreto: um mecanismo de autorização

(o governo dispõe de uma legitimidade mais ou menos durável

que “o autoriza” a agir), um mecanismo de tomada de poder dos

postos institucionais, geralmente pelo viés de um sucesso

eleitoral, e enfim, um mecanismo de pressão partidária, pelo qual

o partido majoritário tende a exercer uma pressão sobre os atores

do executivo saído de suas próprias fileiras para realizar o

programa previsto.

2. Mecanismos de crise (crises mechanisms), que

favorecem iniciativas reformistas importantes. Uma

145

desvalorização importante dos governantes no poder,

considerados como sendo incapazes de resolver a crise, até tidos

como diretamente responsáveis, conduz, por exemplo, a

transferir as expectativas do eleitorado em direção à oposição

e/ou a novas idéias. Keeler nota, em seguida, que a crise alimenta

um mecanismo de urgência, que incita os atores a responder o

mais rapidamente possível aos problemas percebidos. Enfim, um

mecanismo de medo pode do mesmo modo operar,

independentemente ou em ligação com os atores dinâmicos,

sendo, em geral, este “medo” ressentido o fruto de mobilizações,

às vezes violentas, engendradas pela crise.

Esta análise permite então, efetivamente, reintroduzir

variáveis políticas, no sentido de politics, na análise das políticas

públicas. Longe de ser um espaço separado, em que as dinâmicas

de produção e de reprodução da ação pública seguiam eixos de

desenvolvimento puramente endógenos e mecânicos, o Estado se

encontra com efeito, por esse viés, reinvestido de uma dimensão

política que tinha às vezes desaparecido. Longe de defender o

ressurgimento de qualquer voluntarismo, tais análises têm por

isso mesmo como interesse principal mostrar que os processos

propriamente políticos podem determinar variações substanciais

da ação pública.

Esta grade de análise permite ilustrar as dinâmicas em

ação, quando da alternância política de 1981, que tinha

conduzido à adoção de um número “extraordinariamente”

elevado de reformas. Keeler mostra que se tratava, no caso, do

mandato mais elevado confiado a um governo sob a Vª

República. Dispondo de alavancas institucionais, os novos

governantes ascederam ainda ao poder num contexto de crise

econômica vivamente percebido pela opinião pública e que tinha

contribuído, em grande parte, para o descrédito do governo

precedente. Enfim, o governo socialista dispunha de um

programa reformista muito amplo, fruto de mais ou menos 30

anos de oposição e da recomposição progressiva da esquerda.

Todos os elementos estavam desde então conjugados para que se

produzissem mudanças políticas, que testemunham em certos

setores verdadeiras mudanças de paradigma (pena de morte,

nacionalização, descentralização...), até que a “janela” não se

146

feche, pouco a pouco, sob o efeito conjugado do aprofundamento

da crise, do fracasso das primeiras medidas de desenvolvimento

adotadas em 1981 e das transformações próprias do governo

socialista.

A pluralidade das abordagens que existe no interior da

análise das políticas públicas para o estudo dos modos de

mudança da ação do Estado, convida assim, em definitivo, a

defender um uso o mais freqüentemente conjugado dessas

dinâmicas descritas pelas noções de incrementalismo, de

aprendizagem ou de mudanças de paradigma. A ação do Estado

não segue, com efeito, uma evolução linear, tanto mais que ela

não se caracteriza por “reparações” periódicas. Ela segue, ao

contrário, ritmos variáveis, resultantes de uma sucessão aleatória

de fases “normais”, marcadas por uma estabilidade relativa, e de

momentos de ruptura mais ou menos substanciais e mais ou

menos duráveis. Pensar a mudança da ação pública requer ainda

que se considere uma variedade extrema de elementos

desigualmente pertinentes em cada caso concreto. A criação de

uma nova instituição político-administativa e/ou a modificação

de uma legislação e/ou a transformação das destinações

orçamentárias próprias a um subsistema dado da ação pública,

necessitam considerar ao mesmo tempo a evolução e a

configuração das interações entre atores públicos e privados, a

influência dos fatores institucionais (no sentido mais tradicional),

os modos de mobilização dos estrangeiros envolvidos, o impacto

de matrizes cognitivas e normativas concorrentes, ou ainda o

peso de dinâmicas propriamente políticas. Pensar a mudança

significa pois, no fundo, estudar a ação do Estado de uma

maneira diferente em relação às abordagens tradicionais da

análise das políticas públicas.

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