a Água e a luz como elementos poÉticos da arte · e, na sequência, a imagem ... como exemplo,...

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A ÁGUA E A LUZ COMO ELEMENTOS POÉTICOS DA ARTE

Janete Lourdes Stein Deparis1 Clovis Marcio Cunha2

1 DEPARIS, Janete Lourdes Stein - Professora de Arte da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná e professora PDE (turma 2012/2013). Graduada em Artes Plásticas pela UNIJUÍ, com especialização em Arte-Educação, E-mail: [email protected] 2 CUNHA, Clovis Marcio - Mestre em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC Professor Orientador da turma PDE 2012-2013 - E-mail: [email protected]

RESUMO Este artigo apresenta um relato de resultados das reflexões obtidas através da aplicação do Projeto de Intervenção Didático-Pedagógica, vinculado ao Programa de desenvolvimento Educacional - PDE, turma 2012/2013, na disciplina de Arte, realizado durante o primeiro semestre de 2013, no Colégio Estadual Doze de Novembro, de Realeza/PR, na disciplina de arte com alunos da segunda série do ensino médio. A metodologia praticada durante o processo de implementação, tem como base as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná da disciplina de Arte. As ações pedagógicas desenvolvidas tem como ponto de partida uma metodologia praticada com uso da água e a luz como um meio de experimentação poética na arte mídia. Foram utilizados diferentes repertórios artísticos de apreciação, análises e contextualização de imagens, com ênfase na fotografias do artista americano Cliff Briggie com suas macrofografias, no vídeo arte de Bill Viola, e nas gravuras de Eeva-Liisa Isomaa, traduzidos num diálogo entre as produções já consagradas pela humanidade, como o período do romantismo com as obras contemporâneas no reconhecimento de suas poéticas. Umas das práticas educativas deste projeto abrange uma relação interdisciplinar com as demais áreas do conhecimento como: Língua Portuguesa, Geografia, Química, através da realização de jogos intelectivos como forma de estabelecer relações entre os conhecimentos. Sendo assim, esse artigo propõe um diálogo da Arte com a comunicação, o design gráfico e as demais áreas do conhecimento, proporcionando a linguagem da arte mídia, no desenvolvimento de experiências estéticas e o estudo da luz por meio de produção de vídeo arte, estabelecendo relações entre processos de conhecimento.

Palavras-chave: Fotografia. Vídeo arte. Arte contemporânea. Ensino da arte.

1 Introdução

Ensinar os saberes da arte, através dos novos meios, entre eles a vídeo arte,

parece uma tarefa difícil, mesmo fazendo parte de uma sociedade onde os aparatos

tecnológicos estão cada vez mais acessíveis e inseridos no nosso cotidiano. A arte

sempre foi produzida com os recursos do seu tempo. Nesse contexto, a produção

artística dos novos meios, ou seja, a arte contemporânea nos permite pensar nos

novos modos de apreensão poética. No âmbito escolar, a arte mídia possibilita

ações pedagógicas na compreensão da linguagem da arte contemporânea.

Os meios de comunicação apresentam novos rumos e algumas

convergências entre as mídias de comunicação e a arte, proporcionando novas

possibilidades estéticas, culturais e políticas.

A produção artística contemporânea requer novas reflexões sobre os modos

de apreensão poética. O ensino da arte mídia impõe ao professor a necessidade de

abordar novas possibilidades pedagógicas. Com o propósito de ampliar o

conhecimento sobre essa arte, tanto no que diz respeito aos elementos que

constituem essa linguagem, quanto em seu contexto histórico-social no qual ela está

inserida, por meio de ações pedagógicas interdisciplinares, buscamos conhecer a

produção artística contemporânea.

As ações realizadas tiveram como ponto de partida apreciação de obras que

utilizam o elemento "água" como tema. Algumas destas obras possuem abordagem

simbólica, apresentando a água como fonte de vida, outras de maneira oposta, como

destruição.

Nesse contexto, apresentamos aos alunos diferentes repertórios artísticos,

nas diversas linguagens da Arte como a música Águas de Março, de 1972, de Tom

Jobim, fotografias do artista norte-americano Cliff Briggie3, com a série Ice Painting

A-30, através de suas macrofotografias4, numa experiência efêmera na utilização da

água em estado sólido. Também foi proposta aos alunos a criação de um Diário da

Água, em que deveriam registrar todo o contato relacionado com a água.

No decorrer de duas semanas, foram produzidos pelos alunos registros 3 Cliff Briggie - artista norte americano, que trabalha com fotografias em cenas abstratas, para compor as imagens, ele mistura tinta com água e congela, depois fotografa o gelo colorido. 4 Macrofotografias - é o ramo da fotografia destinado a capturar detalhes nas imagens, de pequenos objetos a pequenos seres vivos, muitas vezes invisíveis a olho nu.

fotográficos de um Diário da Água. Cada um selecionou e imprimiu uma fotografia e

duas intervenções com essa foto. Uma de forma tradicional utilizando lápis

dermatográfico e a outra através da intervenção do programa de edição de imagem,

o GIMP5, extraindo o máximo de potencialidade dessa ferramenta.

Também apreciaram as gravuras da artista finlandesa Eeva-Liisa Isomaa.

Algumas obras do romantismo também foram utilizadas como contraponto à

produção contemporânea, como: O Monge à Beira Mar de Caspar David Friedrich. A

intenção foi a de possibilitar ao aluno o reconhecimento de alguns elementos formais

da composição da imagem, com destaque para os diferentes recursos de emprego

da luz.

Compreendemos a representação da luz de duas maneiras: pela fidelidade

natural do que se vê ou pela liberdade de significados poéticos. A luz foi abordada

como elemento expressivo em todas as ações realizadas. Primeiramente a

investigação sobre o conceito da palavra "LUZ", seguindo questões norteadoras. De

posse de um objeto significativo (trazidos pelos alunos), observaram as variações da

luz, com diferentes lâmpadas, entre elas: infravermelho, incandescente,

luminescentes nas cores brancas e amarelas.

Na sequência, a temática Metáforas da Luz, prática criativa de um ensaio

fotográfico, foi feito, com representações da: tristeza/angústia; alegria/êxtase e

paixão/dor, recurso da fotografia, a produção da Light Painting. Para isso, utilizamos

diferentes fontes de luz. A produção de dois vídeos deu-se através de um editor de

vídeo,com as imagens realizadas.

A implementação6 foi realizada com alunos do Ensino Médio e pautada no

ensino da Arte Contemporânea, como forma de experimentação poética, numa

proposta possível de ser aplicado nas Escolas da rede pública do Estado do Paraná.

Seus resultados apresentaram melhoras na qualidade do ensino da Arte. Esse 5 O GIMP (GNU Image Manipulation Program) é um editor de imagens e fotografias. Seus usos incluem criar gráficos e logotipos, redimensionar fotos, alterar cores, combinar imagens utilizando o paradigma de camadas, remover partes indesejadas das imagens e converter arquivos entre diferentes formatos de imagens. 6 A implementação Pedagógica é resultado de ações planejadas e desenvolvidas através do Projeto

de Intervenção Pedagógica na Escola. Visa enfrentar e contribuir para a superação das fragilidades e problemas apontados pelo professor PDE no ensino de sua disciplina, com a finalidade de promover a melhoria qualitativa do ensino e da aprendizagem na escola.

estudo resultou na produção de uma Unidade Didática que produzida, não como

uma metodologia a ser seguida, mas sim, proporcionar ao aluno o contato com

poéticas contemporâneas, em um percurso com variados repertórios artísticos, com

a temática água, na possibilidade de diversas ações criativas envolvendo a arte

mídia.

2 Desenvolvimento da metodologia

Foram desenvolvidas ações pedagógicas divididas em seis etapas:

Etapa 1 - Água...Vida...Morte...Simbologia - Primeiro houve a apreciação da

obra Mini fonte7 e discutimos sobre o objeto. Essa atividade foi realizada em uma

relação interdisciplinar entre Arte e Geografia, com um jogo da memória sobre

Agenda 21 (documento lançado na ECO/92, Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e desenvolvimento - CNUMAD - realizada em 1992, na cidade do Rio

de Janeiro, que sistematiza um plano de ações com o objetivo de alcançar o

desenvolvimento sustentável). Depois, a audição da música Águas de Março, de

Tom Jobim. Interpretação realizada através de um poema visual, a partir do primeiro

verso da composição musical, realizada com desenhos dos Memes8 em forma de

tirinhas.

Etapa 2 - Água...Fonte de Juventude...Consumo - esta etapa se constituiu em

uma reflexão crítica aos meios de comunicação e da cultura de massa, por

intermédio da apreciação e análise do vídeo clipe da água mineral francesa EVIAN

e, na sequência, a imagem publicitária do rótulo da água mineral alemã Bad

Liebenzeller, com o slogan "Água não tem calorias, diminui o apetite e acelera o

metabolismo".

Etapa 3 - Penso...Congelo...Retrato - Os alunos realizaram ações com a

utilização de tinta e gelo. Cada um, de posse de gelo e tinta, fotografou a reação

efetivada pela mistura das tintas no gelo. Essa observação resultou em várias

fotografias feitas durante o processo de mistura das tintas sobre o gelo. A produção

7 O termo Mini fonte é referido a um objeto decorativo, confeccionado em cerâmica e madeira, movida por um motor que impulsiona a água. Fonte de água em miniatura. 8 Aqui o conceito Memes é abordado na informática, como uma expressão que caracteriza uma ideia ou um conceito que se espalha pela web rapidamente. Ele pode ser uma frase, vídeo, link ou imagens, que são espalhados rapidamente pelas redes sociais. Como exemplo, foi utilizado as tirinhas do desenho Forever Alone.

está relacionada com a produção de macrofotografias do artista Cliff Briggie, que

utilizou em suas composições água e tinta, transformada em estado sólido e foram

registrando fotograficamente.

Depois dos registros fotográficos do Diário da Água, cada aluno apresentou-

os para os colegas. Eles selecionaram e imprimiram uma fotografia do diário da

água realizado por eles, sendo ela impressa em preto e branco, que foi alterada com

pinturas de forma tradicional com uso de lápis dermatográfico. Na sequência, essa

fotografia foi novamente alterada, agora de forma digital com uso de photoshop, o

que possibilitou uma discussão em sala de aula direcionando os alunos para a

análise de diferenças e semelhanças entre as imagens fotográficas produzidas por

eles.

Etapa 4 - Água...Vida...Morte...simbologia - Seguindo roteiro de apreciação9,

os alunos realizaram uma análise do vídeo The Crossing, de Bill Viola. Depois, o

poema Ancestralidade10, de Birago Diop foi analisado por eles. Algumas relações

entre o poema de Birago Diop e o vídeo de Bill Viola foram desenvolvidas. Na

sequência houve a apreciação e análise do vídeo Ocean Without a Shore, também

de Bill Viola, e as relações com o elemento luz na composição. Como

contextualização interdisciplinar foi apresentado o poema Soneto de Fidelidade, de

Vinícius de Moraes, além de outras abordagens sobre o mesmo tema, como a

apreciação e análise do vídeo instalação Buruburu, de 2010, do artista baiano

Ayrson Heráclito.

Etapa 5 - O Romantismo está no ar... - Com o intuito de estimular e

reconhecer o emprego compositivo da luz em mídias tradicionais como a pintura, os

alunos apreciaram algumas pinturas do período do Romantismo: O Monge à Beira

Mar e Viajante Observa um Mar em Bruma, de Caspar David Friedrich; Ofélia, de

Jhon Everett Millais; As Idades da Vida: Juventude, de Thomas Cole e Cena do

9 Algumas perguntas do roteiro de análise: Qual a técnica utilizada pelo artista? Que materiais foram utilizados? Como é trabalhado a luz? 10 Ancestralidade de Birago Diop "Ouça no vento O soluço do arbusto: É o sopro dos antepassados. Nossos mortos não partiram. Estão na densa sombra. Os mortos não estão sobre a terra. Estão na árvore que se agita, Na madeira que geme, Estão na água que flui, Na água que dorme, Estão na cabana, na multidão; Os mortos não morreram...Nossos mortos não partiram: Estão no ventre da mulher No vagido do bebê E no tronco que queima. Os mortos não estão sobre a terra: Estão no fogo que se apaga, Nas plantas que choram, Na rocha que geme, Estão na [...]"

Apocalipse, de Francis Danby. Eles analisaram as características visuais, as

diferentes formas de emprego da luz e também as narrativas visuais, evidenciando

um diálogo direto com a forma compositiva do vídeo arte de Bill Viola e as gravuras

em polímero, de Eeva-Liisa Isomaa. As relações interdisciplinares entre Arte e

História foram efetivadas com um jogo intelectivo, baseado no jogo Ludo (com um

tabuleiro contendo caminho de avanço e recuo), com perguntas a partir dos ideários

da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e os demais

conteúdos já estudados nesta etapa.

Etapa 6 - Não só de sombra as trevas são feitas ... Há que surge uma luz... -

Esta etapa dedicou-se a fixar os conhecimentos desenvolvidos nas anteriores,

levando o aluno a compreender como a luz é um elemento visual e sua

representação pode ser realizada em diferentes mídias. Mas em todas elas, tanto no

vídeo, quanto na pintura, ou no desenho, ou na gravura, a luz modifica as

aparências dos objetos sua representação varia seguindo as possibilidades

tecnológicas que a época em que o artista vive oferece.

3 Revisão bibliográfica

Desde a Revolução industrial, os meios de comunicações passaram da era

eletromecânica para eletroeletrônica e hoje para tecnologias digitais. Têm como

característica nessa cultura (das mídias), a mistura entre o que elas provocam. Com

isso, o conhecimento sobre a arte foi levado para um público cada vez maior. "As

misturas já bastante intricadas entre comunicações e artes, ensejadas pela cultura

das mídias, foram incrementadas com o surgimento da cultura digital ou cibercultura

devido à convergência das mídias que a constitui"(SANTAELLA, 2008).

Em 1965, Nam June Paik, faz filmagens do Papa, agregando à produção do

vídeo, valor cultural e artístico.

O que leva uma filmagem do Papa, por Paik a ser classificada como videoarte? Basicamente, considera-se que ela seja arte porque um artista reconhecido (Paik), associado a performance e à música experimental, fez o vídeo como uma extensão de sua prática artística.(RUSH, 2006)

Na fase inicial do vídeo arte, muitos artistas fizeram gravações de suas

performances. Havia, nesse período, uma sensação de liberdade, o rompimento da

ideia de individualidade da pintura e da escultura; a música e a dança se

aproximaram, abrindo lugar para um espaço de confluências entre diferentes

linguagens.

No início, os temas das produções em vídeos eram referentes ao tempo.

Assim, os artistas Vito Acconci (1940) e Bruce Nauman utilizam a câmera numa

atitude de extensão de seus gestos artísticos: "com o vídeo, era possível gravar o

gesto do artista e observar seu corpo no ato da criação". Rush (2006, p.79)

A partir dos anos 80, os vídeo artistas voltam-se para as "narrativas pessoais

que refletiam a busca de identidade e liberdade política" Rush (2006, p.99). A junção

entre o observador e o observado é relevante nesse período, em que há maior

interação e participação no processo da obra.

Um dos vídeoartistas importantes da atualidade é Bill Viola (1951). Para ele,

"o vídeo é um meio de expressão intensamente pessoal" Rush (2006, p.101). O

vídeo é possuidor de uma gama de possibilidades de expressão que é explorado

pelo artista através de imagem e som, uma análise metafísica a sua busca pelo

autoconhecimento é visualizada constantemente em suas obras.

A vídeoinstalação de muitos artistas que exploravam as questões relativas à

identidade, tem influência na psicoterapia, inspirados em Freud e Lacan que

dominavam o círculo das artes nos anos 70.

(...)os artistas que criavam videoinstalações no final do século usaram o meio para um exame cada vez mais profundo de si mesmos. A câmera tem a propriedade especial de ser um condutor para imagens do eu em tempo real; quando colocada em determinado ambiente, como uma instalação, ela tem o poder de representar uma perspectiva abrangente do eu. [...] À medida que as capacidades técnicas dos meios de comunicação de massa expandiram-se, a integração de diversos elementos (som, imagem, ambiente escultural) a serviço da narração da própria história do artista passou a ser praticada de modo mais amplo.(RUSH, 2006)

No final do século XX, artista como Amy Jenkins, (1966) na obra Ebb (1996)

começa a se fazer presentes, com questões relacionadas ao universo feminino. Ela

projeta imagens sobre objetos comuns, como uma banheira que está cheia de

líquido de cor vermelha, que nos remete ao período menstrual algo estritamente do

universo feminino. Na sequência, uma mulher adentra sobre a banheira e o sangue

entra no seu corpo, como inversão do fluxo da menstruação.

Retomando o conceito de vídeo instalação, o mesmo tem como característica

a criação de obras que se formalizam na relação entre o vídeo, o espectador e o

espaço. É uma das formas de expressão mais complexas da arte contemporânea,

sendo também conhecida como arte contextual, que é caracterizada por sua

efemeridade e os elementos utilizados para composição oferecem relação direta

com o espectador.

Com trabalhos que exploram o subjetivismo, está o artista Bill Viola. Na

exposição de 1997, no museu Whitney em Nova York, Viola "demonstrou a veia

romântica" Rush (2006, p. 138), como ele mesmo descreve como "poemas visuais",

com isso, nos remete ao movimento romântico da metade do século XVIII. A

associação da poética de Viola, nesse período, baseia-se no subjetivismo e na

dramaticidade, principalmente nas emoções. Ele explora a luz e a forma no contraste

entre o claro e o escuro, cria cenas com base nas emoções e na religiosidade e

utiliza materiais de origens espirituais e simbólicos, como a água por exemplo. Isso é

exemplificado na obra The Messenger (1996), em que "Um homem ergue-se

repetidas vezes, inspira profundamente, depois mergulha de novo, sugerindo o ciclo

recorrente de nascimento e morte." (Apud, 2006, p. 135)

O dualismo recorrente nas obras de Viola, em suas instalações líricas, aborda

os elementos da natureza como a água e o fogo, a morte e a vida, numa narrativa

do homem imerso na natureza, como na obra The Crossing (1996); em que gotas de

água caem sobre a pessoa e vai aumentando como uma enxurrada e aos poucos vai

se consumindo, numa relação de sentimentalismo, da passagem do físico para o

espiritual. O mesmo acontece com relação ao fogo, as chamas vão se apoderando

do seu corpo e se dissipando.

4 Reflexões sobre o processo didático

A Implementação da Produção Didático Pedagógica, intitulada A Luz como

forma de experimentação poética na arte mídia, teve como etapa inicial a

apresentação de uma Mini fonte para os alunos da 2ª Série do Colégio Estadual

Doze de Novembro, de Realeza/PR.

A partir do objeto apresentado a Mini fonte, que tem como objetivo a

sensibilização dos alunos para a simbologia da água na arte contemporânea, cada

aluno teve um tempo de aproximado de 10 minutos para apreciá-lo, seguindo um

roteiro. Eles demonstraram curiosidade e ao mesmo tempo estranhamento perante o

objeto.

A provocação inicial foi realizada com algumas indagações; o que a água

representa? Ela pode ser considerada como elemento de criação artística? O que

mudaria se o líquido, em vez de translúcido, fosse vermelho? Qual a relação da

imagem que está sendo observada com a sua vida? Esta relação pessoal que você

descreve poderia ser considerada arte? Eis alguns relatos:

___ A água é fonte de vida. ___ Muito estranho ter a água como criação artística, penso que a arte é só pintura, teatro, dança. ___ Nossa... Isso é um objeto decorativo acho que serve como arte. ___ É uma peça delicada e som produzido pela queda d'água é suave, se fosse vermelho eu iria estranhar, pois o vermelho lembra morte, não combinaria. ___ Eu dormiria com esse som, vou querer um desses em casa.

Já na audição do clipe musical "Águas de Março", de Tom Jobim, em um

dueto com Elis Regina, novamente a sensibilização à temática água está presente.

Indagação sobre quais os elementos presentes na composição fazem parte da vidas

deles. Para a maioria dos alunos, relacionaram com sua vida no campo, o quanto o

excesso de chuva pode causar prejuízos à lavoura.

Comentários sobre a composição musical surgiram. A curiosidade foi mais

efetiva sobre o dia de São José. Para o nordestino, há uma tradição: se não chover

no dia 19 de março, haverá um período de seca. Para tanto, propomos abranger os

conteúdos compositivos de equilíbrio e simetria, através da prática artística do

poema visual, relacionando a análise musical com os personagens da internet, os

Memes. Conforme os desafios foram sendo solucionados, percebemos certa

satisfação nos alunos, a metodologia os agradou, e com certeza obtiveram maior

compreensão.

No início, num período de duas semanas de encontro, foi identificada uma

certa dificuldade dos alunos, e curiosidade em saber o fim do processo, pois até

então, não havíamos realizado nenhuma análise de objeto, um repensar sobre os

elementos compositivos tridimensionais.

A etapa 2, traz a discussão crítica reflexiva dos meios de comunicação de

massa, com apreciação e análise dos elementos visuais presentes no vídeo clipe da

água mineral francesa EVIAN, e na imagem publicitária, abordando conceitos de

montagem e enquadramento de uma cena. Questões de discussão foram levantadas

com as perguntas: Quem são os protagonistas da propaganda? De que maneira eles

são representados? Qual a etnia predominante nas cenas do vídeo? A música

influencia na performance dos atores envolvidos? Em que espaço físico/geográfico a

imagem passa? Como utilizamos a água nas nossas vidas? Na sua concepção, a

água é um produto comercial? Como ela deve ser encarada?

O processo de análise da linguagem publicitária, efetuado através do jogo

confeccionado pelo professor, com cartas tipo baralho, continham perguntas que

nortearam a análise da imagem publicitária apresentada, do vídeo clipe da água

mineral EVIAN e também das imagens publicitárias trazidas pelos alunos. A turma

teve participação e interação, mesmo com certo receio em responder as questões:

Qual a sua opinião diante da imagem televisiva? De inércia? De revolta? Quais

hábitos estão sendo criados a partir da propaganda? No vídeo, a música se

relaciona diretamente com a imagem apresentada? Existem efeitos visuais e

sonoros? Possui diferenças compositivas nas propagandas?

A postura de inércia diante da televisão foi praticamente unânime.

Independentemente do contexto cultural, social e econômico de qualquer país, a

posição efetivada pela mídia é a mesma.

(...) a televisão se constrói da mesma maneira, se endereça de forma semelhante ao expectador, fala sempre no mesmo tom de voz e utiliza o mesmo repertório de imagens sob qualquer regime político, sob qualquer modelo de tutela institucional, sob qualquer patamar de progresso cultural ou econômico.[...] Em nosso tempo, a mídia está permanentemente presente ao redor do artista, despejando seu fluxo contínuo de sedução audiovisual, convidando ao gozo do consumo universal.(MACHADO. 2010)

A cada resposta dada, os alunos foram recebendo imagens publicitárias. Para

tanto, o empenho em responder de forma efetiva, fez com que eles disputassem as

imagens, tornando-se uma atividade bastante competitiva.

Finalizado o jogo de perguntas e respostas, que resultou num grande número

de imagens distribuídas aos alunos, propomos a confecção de um painel com as

imagens publicitárias, juntamente com a criação de uma frase, relacionando arte e

publicidade.

Ainda nesta etapa, realizamos relações interdisciplinares com Língua

Portuguesa, iniciamos estas relações por meio de explicações sobre signos

linguisticos, icônicos e sonoros. O conteúdo causou estranhamento e muitas

dúvidas, por ser algo totalmente novo, gerando assim, muitas expectativas.

Dando sequência, formamos trios, eles receberam um cartão, que serviu para

escreverem as leituras referentes aos signos linguísticos, juntamente com uma

imagem publicitária. Foi uma dinâmica muito produtiva, com a inter-relação dos

alunos na análise e discussão dessas leituras. Observou-se que a maioria dos

alunos entendeu a proposta apresentada, e eles sugeriram para, posteriormente,

retomarmos atividades desse cunho pedagógico.

Partindo do conhecimento das diferentes linguagens e técnicas artísticas que

utilizam a água como temática, com a etapa 3 intitulada Penso...Congelo...Retrato,

iniciou-se o trabalho fotográfico. O gelo, a tinta e a câmera fotográfica foram

ferramentas essenciais à concretização dos objetivos propostos, em que o conteúdo

das cores e suas misturas na água sólida seriam observados.

Ao iniciar as práticas criativas, a expectativa foi um ponto forte. Houve

comentários entre os alunos a respeito do que iria acontecer, do que seria proposto

com o gelo. A ansiedade pelo desconhecido deixou-os mais atentos.

___ Me deu dó, achei muito bonita, queria guardar! ___ Aprendemos um jeito diferente de fazer arte. Ao eliminar a pintura (gelo), eu fiquei com um pé "atrás", pois ficou um resultado tão legal, e no final de tudo, nosso esforço foi no lixo. ___ Ver todo trabalho sendo jogado fora, eu queria poder segurar e que o gelo não derretesse. ____ Que a arte não é só feita em papel, mas também com outros objetos, outras coisas e são interessantes. ___ A arte e o gelo tem uma relação de um trabalho sobre o outro, o gelo é uma coisa tão sem graça, e tão "feia" que trabalhando com arte nele, deixa muito atrativo e quente. Ao eliminar sente que tudo foi em vão. ___ Na verdade eu não queria ter jogado fora o meu gelo. Ele estava bonito e ao eliminá-lo fiquei com certo "remorso". ___ Ah! Foi super legal, porque eu aprendi que a arte não é só pintar em papel com lápis normal. E sim, até fazer arte em gelo é algo mágico. Mas ao eliminar a obra do gelo, foi triste!

Ao serem autores, a sensibilidade dos alunos esteve à flor da pele. A captura

da imagem durante o processo de derretimento do gelo trouxe um novo olhar para a

arte. Constatamos que para a maioria deles, o efêmero não foi considerado trabalho,

sendo difícil descartar o que não era essencial. No entanto, para outros, a

compreensão do registro fotográfico ficou bem claro, e reconhecimento da

possibilidade de que os recursos exercitaram o olhar.

___ No gelo foi possível observar que podemos criar algo sobre vários suportes vendo os incríveis resultados. Após término desse trabalho nós jogamos fora. Fiquei revoltada pois criamos algo e depois simplesmente desceu pelo ralo. Mas, temos o trabalho porque ele foi fotografado. ___ Eu fotografei, então não eliminei meu trabalho.

Como forma de contextualizar o processo criativo da fotografia do gelo,

apresentamos as imagens do artista norte-americano Cliff Briggie, suas

macrofotografias são tão expressivas como se fossem telas pintadas. Segundo Cliff,

é um "encontro de ressonância, aborrecimento, reconhecimento, excitação e tédio."

Após comentários e questionamentos sobre o processo criativo do artista, suas

formas retratadas, as cores e a técnica utilizada. O entendimento da arte na

contemporaneidade ficou mais abrangente, e mais significativo.

Com a realização do Diário da Água solicitado anteriormente, durante duas

semanas eles deveriam registraram fotograficamente todo o contato que tiveram

com a água. A partir desse processo de construção do diário, apresentamos as

obras da gravurista finlandesa Eeva-Liisa Isomaa, exposta no Museu Oscar

Niemeyer em Curitiba em 2010, intitulada de "Diários de Água". A artista utilizou a

fotografia como base das suas gravuras em polímero. Para enriquecer o conteúdo,

explicamos sobre as diferentes técnicas da gravura, tanto as tradicionais e seus

processos químicos, como as gravuras contemporâneas.

Relações interdisciplinares foram efetivadas entre arte e química, com a

utilização do jogo intelectivo dos conteúdos estudados. A cada ação realizada, o

entendimento da arte contemporânea foi aprimorado.

Intervenções nas fotografias impressas foram realizadas a partir do Diário da

Água. Uma fotografia foi pintada com lápis de cor e dermatográfico. E outra, a

alteração foi realizada digitalmente, através do programa de edição de imagem

GIMP. As ações tiveram como objetivo o estímulo ao recurso da fotografia e a

utilização das cores. A pintura na fotografia trouxe outras possibilidades no uso das

cores. A utilização de uma ferramenta tecnológica ocasiona uma acessibilidade aos

novos meios de produzir arte. A conclusão dos trabalhos foi bem aceita pelos

alunos, pois cada um teve a oportunidade de expor para os colegas suas alterações.

Eis alguns comentários:

___ Nas duas fotografias, mudamos cores, formas, objetos e outros efeitos. ___ Eu pintei com uns lápis diferentes que eu não conhecia. ___ As imagens editadas no computador tem mais variedades de cores, formas, detalhes. ___ Para recriar as fotografias, aprendi que podemos recriar de várias formas, mudando as cores, posições. Com isso, pude recriar mudando meu cabelo, minha imaginação fluiu.

A conclusão desta etapa teve como início o emprego dos aparatos

tecnológicos, que foi bem aceito pelos alunos.

A introdução à etapa 4, oportunizou um conhecimento da linguagem da vídeo

arte e um estímulo à apreciação estética, através da obra The Crossing, de Bill

Viola. O conteúdo luz foi introduzido, eles assistiram atentamente e silenciosamente

à apresentação do vídeo. Algumas questões nortearam a apreciação e análise. Qual

a técnica utilizada pelo artista? Quais materiais foram utilizados? Como é trabalhada

a luz? Há utilização de recursos tecnológicos? O artista trabalhou o elemento água?

Ao término, começaram as discussões, como:

___ Isso não é água, isso é efeito tecnológico ___ Porque nunca ninguém ensinou e mostrou isso pra gente, eu nunca tinha visto isso, nem sabia que existia. ___ Nossa como ele conseguiu fazer isso? ___ Há! É ilusão! ___ Parecem seres de filmes de terror.

Dando continuidade ao conteúdo, apresentamos o poema Ancestralidade, de

Birago Diop, sendo discutidas suas relações com a obra. Novos processos de

análise foram possibilitados através do vídeo arte da exposição de Bill Viola: Ocean

Without a Shore. Eles reconheceram sensações e aproximações com as demais

obras. Portanto, o conhecimento do elemento luz presente nas obras foi aprimorado

e teve a total compreensão.

Outros caminhos foram alcançados trabalhando o simbólico na apreciação e

análise da vídeoinstalação do artista baiano Ayrson Heráclito, intitulada Buruburu, de

2010. Explicamos que a obra aborda relações entre natureza e cultura, num ritual

simbólico e etnográfico. A palavra Buruburu, que dá origem ao título da

vídeoinstalação tem por significado os fantasmas nascidos do medo. A pipoca é

utilizada em rituais afro-brasileiros para fazer uma limpeza espiritual, limpar o corpo

das impurezas e/ou de coisas negativas. O interessante nesse contexto foi o

comentário de uma aluna, eis suas palavras: ___ Quando eu morava no Rio de

Janeiro, vi duas mulheres fazendo rituais na rua, esfregando pipoca pelo corpo.

Achei que elas eram loucas! Agora entendi o porquê.

O Romantismo está no ar, dialogando com passado estão as ações da etapa

5. Foram apresentadas algumas obras desse período histórico, suas possíveis

relações com a obra de Bill Viola e a artista Eeva-Liisa Isomaa, analisando as

características como forma e conteúdo. Na relação interdisciplinariedade, um vôo

sobre os ideários da Revolução Francesa e da arte Romântica foi executado através

do jogo intelectivo com perguntas sobre esses princípios estilísticos e históricos.

Finalizando o processo de compreensão da luz, e como ela pode ser

representada na arte contemporânea, está a Etapa 6 - Não só de sombra as trevas

são feitas ... Há que surge uma luz... A luz, nessa última ação, é estudada, como

elemento expressivo, analisando e compreendendo como ela pode ser representada

na arte contemporânea. Primeiramente, uma investigação sobre o conceito da

palavra "LUZ" foi efetuada com três questões norteadoras: O que a palavra luz

significa para você? Quando há presença de luz, existe sombra? Como é esta

sombra? Alguns comentários realizados pelos alunos:

___ Luz é vida, assim como a água. ___ Para mim, se há luz sempre haverá sombra. ___ A sombra pode ser de várias maneiras: bem escuras, claras, penumbra e até coloridas.

Dando sequência às ações, fomos a um ambiente escurecido. Houve uma

demonstração com variações da luz através de diferentes lâmpadas, entre elas:

infra-vermelho, incandescente e luminescentes nas cores branca e amarela. Os

alunos demonstraram muita curiosidade pelo desconhecido, pois não tinham

conhecimento do que seria proposto.

De posse de objetos significativos trazidos pelos alunos, um ensaio

fotográfico foi efetivado como prática criativa, com o tema Metáforas da Luz,

representando dor/angústia; alegria/êxtase e paixão/dor. O entusiasmo de muitos

alunos, logo impulsionou os demais. Como observado em suas falas:

___ Nossa! Olha como muda a cor do objeto! ___ Como a luz interfere sobre objeto! ___ Mas existem programas de editores de imagem que modificam a cor, mas verificar através da experiência, do contato visual, é bem legal.

A aprendizagem torna-se mais efetiva, quando a experiência da prática

artística transforma-se em algo com significativo.

Ainda com o recurso da fotografia, a produção da prática criativa chamada de

Light Painting teve uma boa aceitação. Foram utilizados para isso, câmera digital

profissional e diferentes fontes de luz e na sequência os alunos foram executando os

movimentos.

Como finalização de toda Implementação pedagógica, foram produzidos dois

vídeos com essas imagens através de um editor de vídeo.

5 Considerações finais

Observar no adolescente de ensino médio o despertar de sua imaginação, da

sensibilidade perante as mudanças ocorridas no seu processo de conhecimento, foi

um aprimoramento para a nossa prática educativa.

A experiência vivida com esta pesquisa foi relevante para proporcionar

aprendizagem aos alunos sobre arte contemporânea, porque trabalhar a

contemporaneidade, em sala de aula exige ações educativas mais profundas e

reflexivas do que a forma usual.

O contato possibilitado ao aluno através de diferentes meios de produção

artística, lhes oportunizou a compreensão dos mesmos. Eles perceberam a

singularidade das obras, quanto aos elementos constitutivos, bem como as

possibilidades expressivas de construção poética.

Reflexões acerca dos diferentes meios como a gravura contemporânea,

fotografia e vídeo arte ultrapassou as barreiras do estranhamento e do

desconhecido; instigou e impulsionou os alunos a ampliar bem o conhecimento das

diversas linguagens contemporâneas, tornando-os agentes pesquisadores e

criativos diante do novo.

Referências

MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea; tradução Cássia Maria Nasser; revisão da tradução Marylene Pinto Michael. - São Paulo: Martins Fontes, 2006. SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? 3 ed. - São Paulo: Paulus, 2008. SITOGRAFIA E VIDIOGRAFIA http://www.revistafotografia.com.br/as-abstracoes-de-cliff-briggie/ Acesso em: 25/06/2012 http://moleskinemale.blogspot.com.br/2012/03/pintura-e-fotografia-por-cliff-briggie.html Acesso em: 09/07/2012 http://www.infoescola.com/comunicacao/memes/ Acesso em: 25/09/2012 http://vimeo.com/30507314. Acesso em: 20/10/2012 http://estoriasemcontos.blogspot.com.br/2012/08/ancestralidade-birago-diop.html http://www.infopedia.pt/$bill-viola - Acesso em: 20/04/2012 http://faqinformatica.com/o-que-e-o-gimp/ - Acesso em: 15/11/2013