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Page 1: 90es ~.',>~::;.!'.erierlciavitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12/... · Serg1 0 Ferreira e sociologo c invcstigador no Instituto de Cie ncias . Sod;) is da Un ivcrsidade
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A m~tjg;tnidade mais rec_~ te tem '1jsto os sistem"s de sentido e de ordem s.Qg)al tradicio.R"k I!0st9_s em causa, ;. ex eriencia comurYl as actuais ~).'~90es arece ~.',>~::;.!'.erierlcia da flexibilidade da desco tinuidade do risc.Q da fluidez com gue t~.!D de lidar na estrutuIg :;;0 dos

!rIS~ uro 0 unico :D!P.orkJLue resta como re resentante !~ si mesmo relati'lamente est~vel e dUl'~'1el no temI!o t..!'.Q..esI!a"o ....... ~ 0 corpo ,toprio.

,

Quando a identidade e questionada pelas incessantes e velozes mu­danc;as nos recursos de identificac;ao que marcam a epoca contem­por.'mea, quando a temporalidade se define pel a fugacidade, quando os outros parecem diluir-se sucessivamente e/ou se tornam menos presentes, 0 corpo permanece como certeza perene, ainda que igual­mente precaria, topos disponivel a ser simbolicamente investido e socialrnente agenciado no senti do das mais diversas utopias fisicas

- que oscilam entre 0 culto das suas potencialidades ou a superac;ao da sua 0 bsolescencia.

Amplamente apropriado pelas forc;as do capitalismo e mercantiliza­do enquanto acessorio privilegiado na apresentac;ao e representa­c;ao do sujeito no mundo, 0 corpo contemporaneo tende a ser social­mente entendido e mobilizado como urn recurso volatil quer na sua expressao, quer no seu desempenho, urn suporte vivo e vivido sem­pre aberto a novas experiencias. Quando 0 e relativamente a pro­jedos, existem exigencias normativas, forc;as sociais e mecanismos tecnicos que impelem agestao e manutenc;ao da sua exigida male­abilidade, considerando a plasticidade exigida aidentidade pesso­al contemporanea.

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Apesar da ampla visibilidade mediatica e social a que estao sujei­tos, os projedos de marcac;ao corporal tendem, por isso, a ser raros. A sua versao mais difwldida configura sobretudo pequenos aponta­mentos ou adornos, experiencias de pequena dimensao e extensao, discretas, colocadas, muitas vezes, longe do olhar quotidiano do portador. Quando se acumulam, as v<irias experiencias comec;am a configurar urn projedo de corpo, urna opc;ao «radical» e com pou­ca disseminac;ao social exadamente porque, embora configure urn regime que exige urna elevada maleabilidade do corpo, a dado mo­mento nao se conforma com a provisoriedade adualrnente exigida aincarnac;ao da identidade pessoal.

Os apelos aplasticidade da identidade contemporanea, amaleabi­lidade do corpo e adescartabilidade dos regimes que 0 mobilizam, sao contrariados pela propria condic;ao fixa e irrevogavel de prati­cas como a tatuagem ou os piercings mais radicais. Apesar de os pro­jedos de marcac;ao corporal tambem serem sustentados pela etica construtivista que tende a orientar as mais recentes atitudes sociais perante 0 corpo, os seus aspedos formais acabam por entrar em ten­sao com a premissa da maleabilidade que !he e adualrnente exigida,

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Imagens cedidas gentilmente pela edltora Tasche n, in · 1000 TaUoos"

sendo justamente valorizados por parte dos seus usuarios pela natu­reza irreversivel que os caraderiza ao longo da vida. 0 corpo marc ado, na sua forma projedual, e-o de uma vez por todas, a.inda que alguns sedores da industria de design corporal (como os saloes de estetica ou a cirurgia estetica, por exemplo), ao conceder esta possibilidade, concedam igualmente 0 seu antidoto, sob a forma de milltiplas tec­rucas de simula~ao (tatuagem temporaria), de gestao (escolha de 10­cais do corpo de dificil acesso visual) ou de remoc;ao (conjunto de tec­nicas cinirgicas que promovem o seu desaparecimento).

o corpo extensivamente ta­

sivamente marc ada apresenta-se assim como reacc;ao as estruturas e processos prescritivos que tent am conformar, normativizar e ho­mogeneizar 0 corpo contemporaneo, resposta estrategica de recusa it condic;ao de anonimato e indiferenc;a para que tendem a ser reme­tidos os sujeitos que incarnam corpos indiferenciados.

Nao obstante as suas pretensoes de solidez e durabilidade identita­ria, os sujeitos extensivamente marc ados na~ deixam, contudo, de

entender 0 seu proprio corpo como urn projedo aberto, en­quanto expressao de uma in­dividualidade que, ela propria,

tuado surge assim como res­ inevitavelmente se transforma posta individual it fugacida­ de forma gradual, porem sem­de do mundo contemporaneo, pre dentro de urna margem de potencialmente produtora de consistencia identitaria que se subjedividades em\ticas, fra­ pretende auto-determinada. geis, descontinuas, efemeras, Enquanto incarnaC;ao de urn difusas, estilhac;adas, porosas, sistema mnemonico ao servi­corrompidas. 0 sujeito que ta­ C;O de uma identidade pessoal, tua extensivamente 0 respedi­ os projedos de marcac;ao cor­vo corpo ve neste regime urna poral extensiva, sobretudo na oportunidade ancestralmente forma de tatuagem, tendem a validada de se construir para ser desenvolvidos como forma

de expressao auto-bio-grafica.si e de se dar aver aos outros como individuo coeso, uno, in­ Quer isto dizer que refledem divisivel ao longo do tempo e iconograficamente sobre a

pele aspedos subjedivamen­do espac;o. Apropria-se desse modelo de corporeidade com te importantes na biografia do

seu portador. Fazem recordar o fim de chegar a uma harmo­e manter vivos momentos e fi­nia existencial definitiva entre guras chave na vida deste, re­o seu espac;o de subjedividade lac;oes sociais e afedivas que eo corpo que ve e e observado tiveram, mantiveram ou per­pelos outros.

A mascara, a fachada que se constroi, algo que e da ordem do artificio, surge assim, para­doxalmente, como suporte do valor de autenticidade, elegendo 0 corpo como recurso para alcan­c;ar e dar aver uma identidade supostamente emancipada das con­venc;oes e expedativas sociais que sobre si recaem e que potencial­mente 0 coagiriam. Quando toma a forma de projedo, a marcac;ao do corpo configura urn regime disruptivo em term os identitarios, que implica urn profundo processo de reconfigurac;ao e ajustamen­to entre uma identidade adual que se recusa e uma identidade ide ­al apetecida, desejada para 0 futuro, individualmente valorizada e publicamente afirmada e reconhecida «pelo que se e», na sua supos­ta singularidade (<< ser diferente »), autenticidade «<ser eu proprio» ) e liberdade (<< ser 0 que quero» ).

A raridade social desse projedo, pela excessividade corporal que apresenta, acaba por reforc;ar 0 papel distintivo e singularizante con­ferido aos seus protagonist as, que atraves dele se constroem e dao a (re )conhecer como individualidades. No mesmo sentido opera 0 fac­to de serem projedos cuja produc;ao, orient ada por val ores esteticos de originalidade e, como tal, investida de uma aura de artisticidade, oferece aos seus usuarios urn campo de oportunidades criativas no sentido da radicalizac;ao da sua diferen~a individual que outras pra­ticas corporais, mais convencionais, industrializadas e massifica­das, na~ lhes proporcionam tao facilmente. A corporeidade exten­

deram, praticas desenvolvidas com maior gosto pessoal, va­lores em que acreditam mais profundamente, temas que res­tauram metaforicamente um

sentido de unidade e continuidade temporal de uma identidade que tende a fragmentar-se no tempo e no espac;o.

Na evoca~ao auto-bio-grafica que e instaurada sobre a pele, 0 corpo e mobilizado como suporte plastico, como tela sobre a qual 0 senti­do auto-reflexivo do sujeito e esteticamente projedado e iconogra­ficamente narrado, na tentativa de, atraves da permanencia que ca­raderiza os recursos incarnados, emprestar solidez as narrativas biograficas que expressa. A corporeidade extensivamente marcada manifesta, assim, uma maneira de ser duradoura, graficamente trans­posta para urn corpo duradouramente modificado, um corpo que si­multaneamente se engendra e se perpetua, urn corpo que, transfor­mando-se, se man tern continuadamente 0 mesmo. Nurn constante jogo dialedico entre permanencia e mudanc;a, cada ado de modifi­cac;ao atraves da incarna~ao de uma nova tatuagem, e urn gesto de confirmac;ao e celebrac; ao da coerencia e continuidade de «si pro­prio» na sua «diferenc;a». - Vitor Sergio Ferreira

*Exce rto da tese de Dout orame nto do auto r, ~ MJ r( Js que demar­( am: (orpa, tatuagem e body piercing em contex t os ju\'e nis ." Vito r Serg1 0 Ferre ira e sociologo c invcstigador no Inst ituto de Cie ncias Sod;) is da Un ivcrsidade de Li!iboa.

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