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RDA | Ano VIII | Nº 16 | 234p | Mai 13

Revista de Direitoda ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados

da Caixa Econômica Federal

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Capa: Marcelo TorrecillasEditoração Eletrônica: José Roberto Vazquez ElmoRevisão: Simone Diefenbach BorgesTiragem: 2.100 exemplaresPeriodicidade: semestralImpressão: Athalaia Gráfica e EditoraSolicita-se Permuta

Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v.1, n.15, 2012

SemestralISSN: 1808-5822

1. Advogado. 2. Direito. 3. Legislação. 4. Banco. I. Associação Nacional dosAdvogados da Caixa Econômica Federal. II. Título.

343.03343.8103

ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410, Edifício João CarlosSaad, CEP 70070-120, Fones (61) 3224-3020 e [email protected]

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DIRETORIA EXECUTIVA DA ADVOCEF

PresidenteCarlos Alberto Regueira de Castro e Silva (Recife)

Vice-PresidenteÁlvaro Sérgio Weiler Júnior (Porto Alegre)

1º TesoureiroEstanislau Luciano de Oliveira (Brasília)

2ª TesoureiraDaniele Cristina Alaniz Macedo (São Paulo)

1ª SecretáriaLenymara Carvalho (Brasília)

2ª SecretáriaLya Rachel Basseto Vieira (Campinas)

Diretor de Articulação e Relacionamento InstitucionalJúlio Vitor Greve (Brasília)

Diretor de Comunicação, Relacionamento Interno e EventosRoberto Maia (Porto Alegre)

Diretor de Honorários AdvocatíciosDione Lima da Silva (Porto Alegre)

Diretor de Negociação ColetivaMarcelo Dutra Victor (Belo Horizonte)

Diretora de PrerrogativasMaria Rosa de Carvalho Leite Neta (Fortaleza)

Diretor JurídicoMagdiel Jeus Gomes Araújo (João Pessoa)

Diretora SocialIsabella Gomes Machado (Brasília)

CONSELHO EXECUTIVO DA REVISTA

Altair Rodrigues de PaulaPatrícia Raquel Caíres Jost GuadanhimRoberto Maia

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Membros EfetivosAnna Claudia de Vasconcellos (Florianópolis)Davi Duarte (Porto Alegre)Fernando da Silva Abs Cruz (Porto Alegre)Henrique Chagas (Presidente Prudente)Luciano Caixeta Amâncio (Brasília)Patrícia Raquel Caíres Jost Guadanhim (Londrina)Renato Luiz Harmi Hino (Curitiba)Membros SuplentesAntônio Xavier de Moraes Primo (Recife)Elton Nobre de Oliveira (Rio de Janeiro)Justiniano Dias da Silva Júnior (Recife)

CONSELHO DELIBERATIVO

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA

Alaim Giovani Fortes StefanelloDoutor em Direito Econômico e Sociobambiental PUC/PR.Mestre em Direito Ambiental - UEA/AM. Vice-presidente daComissão de Direito Ambiental da OAB/PR

Bruno Queiroz OliveiraMestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará.Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UniversidadeEstácio de Sá/RJ. Conselheiro Seccional da OAB/CE. Professor doCurso de Direito da Faculdade Christus e da Escola Superior doMinistério Público no Ceará.

Davi DuarteEspecialista em Direito Público pelo Centro de EstudosFortium/Faculdade Projeção/DF.

Iliane Rosa PagliariniMestre em Direito Processual e Cidadania pela UniversidadeParanaense - UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pelaUniversidade da Amazônia. Membro da Comissão da AdvocaciaPública da OAB/PR.

João Pedro SilvestrinDesembargador do Trabalho no TRT da Quarta Região.Pós-graduado em Direito e Economia e da Empresa pelaFundação Getúlio Vargas e Especialista em Direito do Trabalho,Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário - UNISC.

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Membros EfetivosAdonias Melo de Cordeiro (Fortaleza)Edson Pereira da Silva (Brasília)Jayme de Azevedo Lima (Curitiba)Membros SuplentesMelissa Santos Pinheiro Vassoler Silva (Porto Velho)Sandro Endrigo de Azevedo Chiarotti (Ribeirão Preto)

CONSELHO FISCAL

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 11

PARTE 1 – ARTIGOS

O princípio da boa-fé objetiva no Direito CivilDébora Couto Cançado Santos .............................................. 15

Questões sobre a pesquisa de ativos financeirosutilizando o sistema Bacen Jud

Gustavo Tanger Jardim ............................................................ 27

O empresário e a teoria subjetiva modernaShandor Portella Lourenço ..................................................... 43

Interpretação do artigo 384 da CLT e o tratamentoigualitário entre homens e mulheres

Fernanda Valadares de Oliveira ............................................. 59

Habitação de Interesse Social e RegularizaçãoFundiária: possibilidades e convergências dentro doatual marco institucional brasileiro

Bruna de Oliveira Maciel ........................................................ 69

Pedido administrativo e suspensão da prescrição narepetição de indébito

José Carlos Zanforlin ................................................................ 91

PARTE 2 – JURISPRUDÊNCIA

Superior Tribunal de JustiçaDireito Processual Civil. Ação Civil Pública. Prescriçãoquinquenal da execução individual. Prescriçãovintenária do processo de conhecimento transitada emjulgado. Inaplicabilidade ao processo de execução.Recurso Especial Repetitivo. Art. 543-C do Código deProcesso Civil. Provimento do Recurso Especialrepresentativo de controvérsia. Tese consolidada ............ 109

Superior Tribunal de JustiçaCivil e Processual Civil. Recurso Especial. Cédula de CréditoBancário com garantia de alienação fiduciária. Embargosde declaração. Nulidade. Ausência. Taxa de Abertura deCrédito (TAC). Taxa de Emissão de Carnê (TEC). Expressaprevisão contratual. Cobrança. Legitimidade.................... 135

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SUMÁRIO

8 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial. Ação de reparação por danos materiais ecompensação por danos morais. Assalto na via públicaapós saída de agência bancária. Saque de valor elevado.Responsabilidade objetiva. Ausente................................... 169

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial. Ação de compensação por dano moral ereparação por dano material. Violação de dispositivoconstitucional. Descabimento. Prequestionamento.Ausência. Súmula 282/STF. Disparo de arma de fogo nointerior de unidade lotérica. Caixa Econômica Federal.Parte passiva ilegítima. Dissídio jurisprudencial. Cotejoanalítico e similitude fática. Ausência ................................. 177

Superior Tribunal de JustiçaProcesso Civil. Conflito positivo de competência. JustiçaCível e Justiça Federal. Ações declaratórias de validade ede invalidade de assembleia societária. Sentenças opostasconvivendo no ordenamento jurídico. Participação daCEF no processo que tramita perante a Justiça Federal.Indeferimento de sua intimação no Processo Cível.Conflito reconhecido. Declaração de competênciada Justiça Federal ................................................................... 183

Superior Tribunal de JustiçaHabeas Corpus impetrado em substituição ao recursoprevisto no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento.Modificação de entendimento jurisprudencial. Restriçãodo remédio constitucional. Medida imprescindível à suaotimização. Efetiva proteção ao direito de ir, vir e ficar. 2.Alteração jurisprudencial posterior à impetração dopresente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesae o devido processo legal. 3. Crime de uso de documentoideologicamente falso. Art. 304 c/c o art. 299, caput,do CP. Não descrição do especial fim de agir necessário atipificar a falsidade ideológica. Mero cumprimentocontratual. Ausência de justa causa. Art. 395, III, do CPP.Ocorrência. 4. Habeas Corpus não conhecido. Ordemconcedida de ofício para trancar a ação penal,confirmando-se a liminar deferida ...................................... 197

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial. Recuperação Judicial. Contrato decessão fiduciária de duplicatas. Incidência da exceçãodo Art. 49, § 3º da Lei 11.101/2005. Art. 66-B, § 3ºda Lei 4.728/1965 ................................................................... 211

PARTE 3 – NORMAS EDITORIAIS DE PUBLICAÇÃO ........................... 229

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APRESENTAÇÃO

Com esta edição, lançada em Florianópolis por ocasião da aber-tura do XIX Congresso Anual dos Advogados da CAIXA, completa-se o oitavo ano ininterrupto da publicação técnica, gestada e edi-tada pela ADVOCEF.

A partir de um embrião de desejos e uma vontade firme detornar visíveis e concretos o saber científico e a atuação contenciosados profissionais desta empresa pública, quis a Associação que osagrega difundir não apenas teses, mas um conceito.

O conceito perseguido pela Revista de Direito, graças ao vo-luntarioso e inesgotável trabalho dos que a prestigiam, tem atingi-do um crescente patamar de qualificação e também de vivo inte-resse acadêmico.

Em seu 16º exemplar, repetem-se algumas realidades cada vezmais presentes na trajetória da publicação: embora aberta a quais-quer interessados, vicejam trabalhos trazidos por atuais ou antigosintegrantes dos quadros jurídicos da CAIXA.

Desta feita, esta composição vem ainda mais qualificada pelaparticipação de advogado da EMGEA.

Tudo somado a jurisprudência cuidadosamente escolhida paratornar ainda mais presentes as decisões de interesse da advocaciada CAIXA, várias delas tendo contado com a participação diretados seus advogados.

Uma ideia que nasce boa merece e precisa ser mantida e am-pliada.

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Continuemos todos, cada vez mais e intensamente, estudan-do, produzindo e defendendo teses vencedoras, na Academia enos Tribunais.

Não faltarão páginas para trazer a lume tais boas práticas, emfavor do permanente crescimento e da informação qualificada eatual.

Diretoria Executiva

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PARTE 1

ARTIGOS

PARTE 1

ARTIGOS

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

O princípio da boa-fé objetivano Direito Civil

Débora Couto Cançado SantosAdvogada da CAIXA em Minas GeraisEspecialista em Direito Tributário pela

Faculdade Milton CamposMestre em Direito Empresarial pela

Faculdade Milton Campos

RESUMO

O princípio da boa-fé objetiva é uma cláusula geral quepermite, segundo o modelo de efeitos indiretos, a aplicação dosdireitos fundamentais nas relações entre particulares. É umprincípio que remonta à Roma antiga e que já existia no direitobrasileiro muito antes da promulgação do Código de Defesa doConsumidor em 1990 e do Código Civil de 2002. Distingue-se daboa-fé subjetiva (ou boa-fé psicológica), suporte fático paraaplicação de normas jurídicas. Atua como fonte de deveres deconduta, como cânone integrativo-interpretativo e como normalimitadora de exercício de direitos subjetivos, vedandocomportamentos que ferem a confiança de uma das partes darelação obrigacional. Nesse sentido, citamos a proibição docomportamento contraditório (venire contra factum proprium), acoibição de contraditoriedade de condutas com o fito de sebeneficiar (tu quoque) e a paralisação do exercício de direitossubjetivos que pode levar à supressão e à ressurreição de direitos(supressio e surrectio).

Palavras-chave: Boa-fé objetiva. Direito civil constitucional.Cláusulas gerais. Deveres anexos. Abuso de direito.

ABSTRACT

The principle of objective good faith is a general clause thatpermits, according to the indirect effect model, the application offundamental rights in private relationships. It is a principle thatemerged from antique Rome and that already exists in brazilianlegal system before the Consumer’s Protection Code (1990) andthe Civil Code (2002). The objective good faith tells apart subjectivegood faith (or psychological good faith), which supports lawapplication. It acts like a source of behavior rights, an integrative-interpretative method and a way to regulate the limits ofsubjective rights, prohibiting behaviors that threat the trust ofone side of the obligational relationship. In this way, the prohibition

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DÉBORA COUTO CANÇADO SANTOS ARTIGO

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of the contradictory behavior (venire contra factum proprium),the inhibition of contradictory behavior with the purpose to takeadvantage (tu quoque) and the unuse of a subjective right thatsuppress that right and emerge a new one (supressio andsurrectio).

Keywords: Objective Good Faith. Constitutional Civil Law.General Clauses. Attachment Duties. Abuse of Rights.

Introdução

Há no Brasil uma grande discussão sobre a constitucionalizaçãodo direito. Segundo Silva (2005), essa constitucionalização seria airradiação dos efeitos das normas constitucionais aos outros ramosdo direito e, sobretudo, a possibilidade de aplicação dos direitosfundamentais nas relações entre particulares.

As cláusulas contratuais firmadas entre particulares no exercí-cio de sua autonomia privada, a princípio, não violariam os direi-tos fundamentais, uma vez que estes só poderiam ser aplicados nasrelações entre os cidadãos e o Estado. Todavia, discute-se hoje apossibilidade de interferência dos direitos fundamentais na auto-nomia privada. Essa interferência seria possível indiretamente, atra-vés das cláusulas gerais, principal elo entre os direitos fundamen-tais e o direito privado. As cláusulas gerais requerem um preenchi-mento valorativo, cujo conteúdo será definido por uma valoraçãodo aplicador do direito.

A boa-fé objetiva, prevista nos artigos 187, 113 e 442 do Códi-go Civil de 2002, é um exemplo de cláusula geral, funcionandocomo “porta de entrada” para a produção de efeitos dos direitosfundamentais no direito privado.

1 Origem do princípio da boa-fé

A origem do princípio da boa-fé remonta à Roma antiga. Oprincípio era utilizado pelos juízes para fundamentar decisõesnos casos de omissão legislativa. Nessa época, a boa-fé tinha umafunção visivelmente integrativa, conferindo aos julgadores a prer-rogativa de suprir lacunas, decidindo de forma a atender aosanseios das partes. O conteúdo da boa-fé foi desenvolvido so-mente no final do século XX pela doutrina alemã, que traçou oscontornos atuais da boa-fé objetiva no pensamento jurídico oci-dental.

A estreia do princípio no direito nacional não é recente, re-montando ao Código Comercial de 1850 e ao Código Civil de 1916.O artigo 131, 1 do Código Comercial dispunha que

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, ainterpretação, além das regras sobreditas, será regula-da sobre as seguintes bases: (1) a inteligência simples eadequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verda-deiro espírito e natureza do contrato, deverá sempreprevalecer à rigorosa e restrita significação das pala-vras.

Nota-se, nesse dispositivo, a nítida função integrativa da boa-fé. O contrato deveria ser interpretado não em seu sentido literal,mas de acordo com as circunstâncias concretas que o caracterizam.

Demonstrando a existência implícita da boa-fé objetiva noCódigo Civil de 1916, afirma Tepedino (2006, p. 15):

A despeito da inexistência de preceito genérico que con-sagrasse o dever de agir com boa-fé no âmbito das rela-ções contratuais em geral, a doutrina apontava a inci-dência da boa-fé em todo e qualquer contrato. Em obrasdedicadas aos contratos, muitos autores definiam, mes-mo no sistema anterior, a boa-fé como um princípio car-deal desta disciplina (Caio Mário da Silva Pereira, Insti-tuições, pp. 20-21; Orlando Gomes, Contratos, p. 42;Arnold Wald, Obrigações e Contratos, p. 194, dentreoutros).

Embora presente há muitos anos no direito pátrio, foi com oCódigo de Defesa do Consumidor em 1990 e, mais tarde, com oCódigo Civil de 2002 que a boa-fé objetiva consolidou-se, passan-do a ser amplamente aplicada em todas as relações jurídicascontratuais.

2 Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva

O princípio da boa-fé possui duas vertentes: uma subjetiva eoutra objetiva. A boa-fé subjetiva está ligada ao estado psicológi-co das pessoas. É um estado de crença ou ignorância protegidopela norma jurídica. Consiste no desconhecimento de um vício emrelação ao ato jurídico que se pratica ou à posse que se exerce. É osuporte fático para a aplicação de uma norma, o “estar” ou “agir”de boa-fé. Exemplos: terceiro de boa-fé, casamento putativo, aqui-sição da propriedade alheia mediante usucapião. Está prevista,entre outros, no art. 1.202 do CC/02: “é de boa-fé a posse, se opossuidor ignora o vício, ou obstáculo que impede a aquisição dacoisa”.

A boa-fé objetiva, por sua vez, representa um dever de con-duta das partes, obrigando-as a se comportarem de acordo com osfins sociais e econômicos pretendidos no negócio. É fonte diretade direitos e deveres, devendo ser observada em todas as fases do

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DÉBORA COUTO CANÇADO SANTOS ARTIGO

18 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

processo obrigacional. Está expressamente prevista nos artigos 113,187 e 442 do Código Civil de 2002.

3 Funções da boa-fé

São tradicionalmente imputadas à boa-fé três distintas fun-ções, quais sejam:

a) Cânone hermenêutico-integrativo (art. 113 do CC/02);b) Norma de criação de deveres jurídicos que podem até mes-

mo preexistir à conclusão do contrato, bem como sobreviver à suaextinção (art. 422 do CC/02).

c) Norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos, fontenormativa de restrições ao exercício de posições jurídicas (art. 187do CC/02);

3.1 Função hermenêutico-integrativa

Segundo o artigo 113 do CC/02, “os negócios jurídicos devemser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua cele-bração”. Esse dispositivo, nos moldes do revogado art. 131, 1 doCódigo Comercial de 1850, prevê a utilização da boa-fé objetivacomo regra de interpretação.

A função hermenêutico-integrativa da boa-fé visa ao preen-chimento de lacunas e à flexibilização da vontade declarada nocontrato. Pretende elidir qualquer intento de má-fé ou dedescumprimento de deveres de lealdade entre os contratantes.

A boa-fé, como técnica de hermenêutica, deve ser utilizadacom ponderação, de forma a não extrapolar a real vontade doscontratantes e do contrato. O juiz não pode permitir que, atravésda boa-fé, “o contrato, como regulação objetiva, dotada de umespecífico sentido, atinja finalidade oposta ou contrária àquela que,razoavelmente, à vista de seu escopo econômico-social, seria lícitoesperar” (MARTINS-COSTA, 1999, p. 429).

Ao magistrado, ante a boa-fé, caberá “tornar concreto o man-damento de respeito à recíproca confiança incumbente às partescontratantes, por forma a não permitir que o contrato atinja finali-dade oposta ou divergente daquela para o qual foi criado”(MARTINS-COSTA, 1999, p. 437).

3.2 Boa-fé como norma de criação de deveres jurídicos

Um dos artigos de maior ressonância do Código Civil de 2002impõe aos contratantes o dever de agir com boa-fé quer na con-clusão, quer na execução do contrato. Trata-se da consagração ex-pressa do princípio segundo o qual as relações contratuais devem

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

pautar-se não apenas pela autonomia e liberdade das partes, masigualmente pela lealdade e pela confiança.

Nesse sentido, dispõe o artigo 422 do Código Civil de 2002:“os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão docontrato, como em sua execução, os princípios de probidade eboa-fé”.

Como norma de criação de deveres jurídicos, a boa-fé dá ori-gem aos chamados “deveres laterais, anexos ou secundários” - quenão se confundem com a obrigação principal. Podemos caracterizá-los, segundo afirma Cordeiro (2001, p. 604), como deveres de leal-dade, proteção, esclarecimento ou informação.

Martins-Costa (1999, p. 439) traz uma lista de tais deveres, enu-merando-os e exemplificando-os. São eles:

a) Deveres de cuidado, previdência e segurança, como odever do depositário de não apenas guardar a coisa,mas também de bem acondicionar o objeto deixado emdepósito;b) Os deveres de aviso e esclarecimento, como o do ad-vogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melho-res possibilidades de cada via judicial passível de escolhapara a satisfação de seu desideratum; o do consultorfinanceiro de avisar a contraparte sobre os riscos quecorre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre arelação custo-benefício do tratamento escolhido, ou dosefeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda,na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em nego-ciações, de avisar o futuro contratante sobre os fatosque podem ter relevo na formação da declaraçãonegocial;c) Os deveres de informação, de exponencial relevânciano âmbito das relações jurídicas de consumo, seja porexpressa disposição legal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18,20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao manda-mento da boa-fé objetiva;d) O dever de prestar contas, que incumbe aos gestorese mandatários, em sentido amplo;e) Os deveres de colaboração e cooperação, como o decolaborar para o correto adimplemento da prestaçãoprincipal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificul-tar o pagamento, por parte do devedor;f) Os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e opatrimônio da contraparte, como o dever do proprietá-rio de uma sala de espetáculos ou de um estabeleci-mento comercial de planejar arquitetonicamente o pré-dio, a fim de diminuir os riscos de acidentes;g) Os deveres de omissão e de segredo, como o dever deguardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve co-nhecimento em razão do contrato de negociações pre-liminares.

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Trata-se, em suma, conforme já afirmado por Cordeiro (2001,p. 605), de deveres de lealdade, proteção e esclarecimento:

Os deveres acessórios de esclarecimento obrigam aspartes a, na vigência do contrato que os une, informa-rem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes aovínculo, de ocorrência que, com ele, tenham certa rela-ção e, ainda, de todos os efeitos que, da execuçãocontratual, possam advir. [...] Os deveres acessórios delealdade obrigam as partes a, na pendência contratual,absterem-se de comportamentos que possam falsear oobjetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das presta-ções por elas consignado.

Esses deveres não estão ligados diretamente ao cumprimentoda obrigação principal. Eles servem como auxiliares para o desen-rolar do vínculo obrigacional.

Como consequência, amplia-se o suporte fático doinadimplemento obrigacional, considerando-se violação ao con-trato o descumprimento de deveres laterais, a dar lugar não ape-nas à pretensão ressarcitória, mas, igualmente, àqueles outrosremédios próprios ao inadimplemento: a possibilidade de recu-sar a prestação com base na exceção de contrato não cumpridoe, no limite, a possibilidade de resolver o contrato (arts. 475 e476 do CC).

3.3 Boa-fé como norma de limitação ao exercício de direitossubjetivos

A boa-fé como norma de limitação ao exercício de direitos sub-jetivos está prevista no art. 187 do CC/02: “Também comete atoilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifesta-mente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pelaboa-fé ou pelos bons costumes”.

No que toca a sua terceira função, o principio da boa-fé com-bina-se com a teoria do abuso de direito para impor restrições aoexercício de direitos subjetivos. Nesse sentido, a boa-fé funcionacomo parâmetro de valoração do comportamento dos contratan-tes com a finalidade de proscrever aqueles exercícios consideradosarbitrários e irregulares.

O princípio da boa-fé objetiva, em sua função limitadora aoexercício de direitos subjetivos, veda comportamentos que ferem aconfiança de uma das partes da relação obrigacional.

Nesse sentido, a teoria dos atos próprios reconhece a existên-cia de um dever por parte dos contratantes de adotar uma linha deconduta uniforme, proscrevendo a duplicidade de comportamen-

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

to, seja na hipótese em que o comportamento posterior se mostraincompatível com atitudes indevidamente tomadas anteriormente(tu quoque), seja na hipótese em que, embora ambos os compor-tamentos considerados isoladamente não apresentem qualquer ir-regularidade, consubstanciam quebra de confiança se tomados emconjunto (venire contra factum proprium) (NEGREIROS, 2006, p.235).

Guardam identidade teleológica com os institutossupranomeados a supressio e a surrectio, que dizem respeito à“vedação a direitos por carência de seu exercício em certo tempopara além das hipóteses conhecidas da prescrição e da decadên-cia” (MARTINS-COSTA, 1999, p. 454).

Analisaremos cada um dos quatro institutos a seguir.

3.3.1 Venire contra factum proprium

A vedação de comportamento contraditório obsta que alguémpossa contradizer o seu próprio comportamento após ter produzi-do, em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois, a proi-bição da inesperada mudança de comportamento (vedação da in-coerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pelamesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros, ou seja, é aconsagração de que ninguém pode se opor a fato a que ele pró-prio deu causa.

Segundo Cordeiro (2001, p. 742), “a locução venire contrafactum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica emcontradição com o comportamento assumido anteriormente peloexercente. Esse exercício é tido, sem contestação por parte da dou-trina que o conhece, como inadmissível”.

A presença do venire contra factum proprium na Ciência doDireito deve-se à monografia de Riezler, publicada no início doséculo XX (CORDEIRO, 2001, p. 742).

A regra do venire proscreve o comportamento contraditórioque importe quebra de confiança, revertendo legítimas expectati-vas criadas na outra parte contratante. O instituto postula dois com-portamentos da mesma pessoa, lícitos e diferidos no tempo. O pri-meiro é, porém, contrariado pelo segundo. Só se considera comovenire contra factum proprium a contradição direta entre a situa-ção jurídica originada pelo factum proprium e o segundo compor-tamento do autor.

Encontram-se em nossa jurisprudência interessantes preceden-tes fazendo referência ao venire. O Superior Tribunal de Justiça,por exemplo, julgou recurso de um Poder Público Municipal que,após celebrar diversas promessas de compra e venda de lotes com-

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ponentes de uma gleba de sua propriedade, pretendia anular to-dos os negócios ajustados, alegando que o parcelamento (que elemesmo promoveu) não estava regularizado, pois faltava o impres-cindível registro. Deliberou, então, o STJ:

Tendo o município celebrado contrato de promessa decompra e venda de lote localizado em imóvel de suapropriedade, descabe o pedido de anulação dos atos, sepossível a regularização do loteamento que ele mesmoestá promovendo... A teoria dos atos próprios impedeque a administração pública retorne sobre os própriospassos, prejudicando os terceiros que confiaram na re-gularidade de seu procedimento (BRASIL, 1998).

Não resta dúvida de que, assim como a delimitação da própriaboa-fé, os contornos de suas especializações, como é o caso dovenire, serão aperfeiçoados através de um contínuo esforço doutri-nário e, sobretudo, jurisprudencial, haja vista a influência decisivaque as circunstâncias concretas desempenham nessa matéria.

3.3.2 Tu quoque

“Tu quoque, Brutus, tu quoque, fili mili? É, no original, a in-dagação que se atribui a Júlio César, em 44 a.C., ao reconhecerentre aqueles que haviam conspirado para o seu assassinato, Mar-co Júnio Bruto, a quem considerava como filho. Tu quoque signifi-ca, literalmente, “até tu”, “também tu”, e é expressão universal-mente consagrada como forma de designar espanto, surpresa, de-cepção com a atuação inconsciente de certa pessoa” (SCHREIBER,2005).

A fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar deuma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica nãopoderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que esta mesmanorma jurídica lhe tivesse atribuído. Está em jogo um vetoraxiológico intuitivo, expresso em brocardos como turpitudinem suamallegans non auditur ou equity must come with clean hands. (COR-DEIRO, 2001, p. 837).

Ocorre o tu quoque quando alguém viola uma determinadanorma jurídica e, posteriormente, tenta tirar proveito da situaçãocom o fito de se beneficiar. Nessa figura, portanto, encontra-se umacentuado aspecto de deslealdade, malícia, gerando a ruptura daconfiança depositada por uma das partes no comportamento daoutra, por conta dos critérios valorativos antes utilizados (FARIAS;ROSENVALD, 2007, p. 523).

Para Wieacker (1982, p. 67), a exceção de aquisição de direitosde má-fé tem o seu fundamento na conhecida regra de outro da

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

tradição ética: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhefaçam”.

Há certa semelhança do tu quoque com o venire contra factumproprium. Segundo Negreiros (2003, p. 142), no venire ambos oscomportamentos, isoladamente considerados, não apresentamqualquer irregularidade, senão quando tomados em conjunto pelaquebra de confiança decorrente da contradição entre as condutasopostas. Já no tu quoque a contradição não reside nas duas con-dutas em si, mas na adoção indevida de uma primeira conduta quese mostra incompatível com o comportamento posterior. Isto é, háuma injustiça da valoração que o indivíduo confere ao seu ato e,posteriormente, ao ato alheio.

O tu quoque age simultaneamente sobre os princípios da boa-fé e da justiça contratual, pois pretende não só evitar que o contra-tante faltoso se beneficie de sua própria falta como também res-guardar o equilíbrio entre as prestações. No campo doadimplemento das obrigações, guarda grande semelhança com aexceptio non adimpleti contractus, eis que ambos objetivam pre-servar a proporcionalidade, o sinalagma contratual, e não apenasa confiança (como no venire contra factum proprium) (FARIAS;ROSENVALD, 2007, p. 524).

O exemplo mais eloquente de aplicação da regra do tu quoqueestá previsto no art. 476 do Código Civil de 2002: “nos contratosbilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obri-gação, pode exigir o implemento da do outro”. Assim, se a pessoanão cumprir sua obrigação no contrato, não poderá exigir oadimplemento da outra parte.

Exemplificando, vale invocar o aresto da Corte Portuguesa,tratando didaticamente do instituto (FARIAS; ROSENVALD, 2007,p. 524):

A pessoa que viole uma norma jurídica não poderá, semabuso, exercer a situação jurídica que se essa mesmanorma lhe tivesse atribuído (tu quoque) [...] Tendo oréu, ardilosamente, mantido em seu poder o documen-to enviado para assinatura pela firma que lhe venderao veículo (há muito na sua posse), vindo depois a invocara nulidade do contrato devido a falta de assinatura, aoser-lhe exigido o pagamento, incorreu ele em abuso dedireito naquela modalidade, não merecendo proteçãoa sua posição. (Supremo Tribunal de Justiça, processo02B4734, rel. Nascimento Costa, j. 13/02/2003).

3.3.3 Supressio/surrectio

Derivadas do sistema jurídico alemão, a supressio (ouVerwirkung) e a surrectio (ou Erwirkung) são expressões cunhadas

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no direito lusitano para designar o fenômeno jurídico da supres-são de situações jurídicas específicas pelo decurso do tempo, obs-tando o exercício de direitos, sob pena de caracterização de abuso(FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 524).

Explica Cordeiro (2001, p. 797-798) a origem do termosupressio:

Pretende introduzir-se o termo supressio para exprimira Verwirkung. Na doutrina portuguesa já foram utiliza-dos, com esse efeito, os termos caducidade e exercícioinadmissível do direito. Mas sem razão: caducidade é aextinção de uma posição jurídica por decurso de um pra-zo a que esteja sujeita e que, nada tendo a ver com aboa-fé, goza de regime explícito. Exercício inadmissíveldo direito é a expressão consagrada para, no domínioda doutrina da segunda codificação, designar o que emFrança se diz de ‘abuso de direito’, embora em termosmais amplos. [...] Para o progresso de uma Ciência, háque, a realidades autônomas, atribuir expressões pró-prias e a conceitos novos, nominações novas, sem confu-são com factores já existentes. Fique, pois, aguardadomelhor, uma tradução latina de Verwirkung, não com-prometida: a supressio.

A supressio é o fenômeno da supressão de um direito subjetivoque perdeu a sua eficácia pelo decurso do tempo, não podendo sermais exercido, sem abuso, por seu titular. A surrectio, por sua vez,refere-se ao fenômeno inverso. Configura o surgimento de uma si-tuação de vantagem para alguém em razão do não exercício poroutrem de um determinado direito. A surrectio representa a prote-ção da confiança do beneficiário com base no princípio da boa-fé.

Sobre a surrectio, ensina Cordeiro (2001, p. 821):

Perante um fenômeno supressio, o beneficiário podeencontrar-se numa de duas situações: ou, tendo-se li-vrado de uma adstrição antes existente, recuperou,nessa área, uma permissão genérica de actuação ou,tendo conquistado uma vantagem particular, adquiriuuma permissão específica de aproveitamento, ou seja,um direito subjetivo. A surrectio tem sido utilizada paraa constituição ex novo de direitos subjetivos.

Podemos conceituar, assim, a surrectio como o surgimento deum direito subjetivo decorrente de reiterada omissão da outraparte.

A supressio aproxima-se do venire contra factum proprium, poisambos atuam como fatores de preservação da confiança alheia.Contudo, constituem institutos distintos: enquanto no venire a con-fiança em determinado comportamento é delimitada no cotejo com

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O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL

a conduta antecedente, na supressio as expectativas são projetadasapenas pela injustificada inércia do titular por considerável decur-so do tempo – que é variável conforme as circunstâncias –, soman-do-se a isso a existência de indícios objetivos de que o direito nãomais seria exercido (FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 521).

Nas palavras de Rosenvald e Chaves (2007, p. 522):

Supressio e surrectio são dois lados de uma mesmamoeda: naquela, ocorre a liberação do beneficiário; nes-ta, a aquisição de um direito subjetivo em razão do com-portamento continuado. Em ambas preside a confian-ça, seja pela fé no não-exercício superveniente do direi-to da contraparte, seja pelo credo na excelência do seupróprio direito.

O que se protege na supressio e na surrectio é a confiança,decorrente da boa-fé objetiva, nas relações jurídicas entre dois su-jeitos. Busca-se o equilíbrio, a ponderação, que devem ser alcança-dos em cada caso concreto.

Conclusão

O princípio da boa-fé objetiva é uma cláusula geral, funcio-nando como “porta de entrada” para os direitos fundamentais nasrelações entre particulares. Essa aplicação, contudo, exige cuida-dos, uma vez que a autonomia privada deverá ceder apenas emcertas relações em que os direitos fundamentais estiverem em jogo.

Como cláusulas gerais, os artigos 113, 187 e 442 deverão sercomplementados com valores juridicamente aceitos. O ponto cen-tral do problema refere-se a que valor deverá prevalecer no casoconcreto: a decisão baseada na autonomia da vontade ou a prote-ção aos direitos fundamentais eventualmente restringidos.

Partindo do pressuposto de que a desigualdade material nãointerfere, necessariamente, na autenticidade das vontades, deve-se averiguar o grau real de autonomia que se verifica em cada casoconcreto. Quanto maior essa autonomia, menor deverá ser a apli-cação dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Essa interpretação minimiza a utilização extremada do princí-pio da boa-fé objetiva, evitando a mitigação de outros princípiosresguardados pelo ordenamento jurídico e a sua transformação em“uma espécie de aspirina jurídica pronta para remediar todos osmales” (NEGREIROS, 2006, p. 252).

As cláusulas gerais não pretendem dar, previamente, respos-tas. Estas serão paulatinamente construídas pela jurisprudência. Ejustamente por essa razão a boa-fé objetiva deve ser cautelosa-mente aplicada.

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DÉBORA COUTO CANÇADO SANTOS ARTIGO

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Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 141.879/SP. Re-corrente: Município de Limeira. Recor-rida: Adriana Aparecida Trento.Relator: ministro Ruy Rosado de Aguiar.Brasília, DF, 16 de março de 1998.Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199700523888&dt_publi-cacao =22-06-1998&cod_tipo_documento=>. Acesso em: 4 abr.2013.

CORDEIRO, Antônio Manuel da Rochae Menezes. Da boa fé no direitocivil. 2ª reimpressão. Coimbra: Livra-ria Almedina, 2001.

FARIAS, Cristiano Chaves de;ROSENVALD, Nelson. Direito Civil –teoria geral. 6. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007.

MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé nodireito privado: sistema e tópica noprocesso obrigacional. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 1999.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do Con-trato: Novos Paradigmas. 2ª ed. Riode Janeiro: Renovar, 2006.

SCHREIBER, Anderson. A proibiçãode comportamento contraditório:tutela da confiança e venire contrafactum proprium. Rio de Janeiro: Re-novar, 2005.

SILVA, Virgílio Afonso da. A consti-tucionalização do direito: os direi-tos fundamentais nas relações entreparticulares. São Paulo: MalheirosEditores, 2005.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, He-loisa Helena; MORAES, Maria CelinaBodin de. Código civil interpretadoconforme a constituição da repú-blica. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.vol. 2.

WIEACKER, Franz. El principio ge-neral de la buena Fe. 2. ed. Madrid:Editorial Civitas, 1982.

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QUESTÕES SOBRE A PESQUISA DE ATIVOS FINANCEIROS UTILIZANDO O SISTEMA BACEN JUD

Questões sobre a pesquisa de ativosfinanceiros utilizando o

sistema Bacen Jud

Gustavo Tanger JardimAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Pós-graduado em Direito Civil pela UniRitter/RSEspecialista em Direito pela Università degli

Studi di Sassari/ItáliaPós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela

Universidade Anhanguera/UNIDERP

RESUMO

A rotina forense indica que imensas são as dificuldades doexequente na busca da satisfação do seu crédito. Procurandoabreviar a duração do processo e prestar uma jurisdição efetiva aoscidadãos, surgiu a possibilidade de pesquisa de ativos financeirosem nome do devedor através do convênio firmado entre o BancoCentral e o Poder Judiciário. Contudo, com a disseminação dautilização dessa ferramenta, surgiram diversas questões polêmicasque não encontraram solução na simples aplicação da lei, merecendoatenção dos Tribunais. Assim, o estudo não só permite uma visãogeral sobre o tema como também visa privilegiar a análise críticadas impenhorabilidades previstas na lei adjetiva.

Palavras-chave: Execução Civil. Satisfação do Credor. Penhoraon-line. Impenhorabilidade.

RIASSUNTO

La procedura segnala che le difficoltà sono vasta nella ricercadella soddisfazione del credito. Cercando di ridurre la durata delprocesso e di fornire ai cittadini una giurisdizione efficace èdiventato possibile per la ricerca di attività finanziarie per contodel debitore attraverso un accordo tra la Banca Centrale e delsistema Giudiziario. Tuttavia, con la diffusione dell’uso di questostrumento diverse questioni controverse sono state sollevate chenon ha trovato soluzione semplice in applicazione della legge, haavuto l’attenzione dei giudici. Pertanto, questo articolo non solooffre una visione d’insieme sul tema, ma mira anche a concentrarsisull’analisi critica di Crediti impignorabili.

Parole chiave: Esecuzione Forzata. La soddisfazione del dirittodi credito. Pignoramento. Crediti impignorabili.

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GUSTAVO TANGER JARDIM ARTIGO

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1 Pesquisa de ativos financeiros – Bacen Jud

A inserção da penhora on-line no seio do ordenamento pro-cessual civil frutificou dos excelentes resultados obtidos na searatrabalhista, o que culminou com a celebração de convênio de coo-peração técnica entre o Superior Tribunal de Justiça e o Conselhoda Justiça Federal com o Banco Central, permitindo que os juízescadastrados acessassem as informações de ativos financeiros daspartes. A possibilidade de utilização dessa consulta, além de daruma resposta concreta aos cidadãos que esperam uma rápida reso-lução da lide, também foi extremamente saudada pelos credoresque sempre estiveram alijados de mecanismos efetivos de busca deativos financeiros em nome dos devedores.

Em que pese o teor da Súmula 4171 do Superior Tribunal deJustiça asseverando que a penhora de dinheiro na ordem de no-meação de bens não tem caráter absoluto, a rotina forense indicaque pesquisa de ativos financeiros dos executados deve ser consi-derada como uma das alternativas iniciais na execução civil.

Observando que o escopo principal da execução por quantia certaé penhorar, avaliar e expropriar bens em quantidade suficiente à sa-tisfação do crédito, é inegável que a penhora em dinheiro, em espé-cie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira ganha des-taque, conforme prevê o art. 655, I do CPC.2 Cabe lembrar que a re-cente reforma do processo de execução teve como norte abreviar oprocesso executivo, restringindo os históricos privilégios de que sem-pre gozaram os devedores. Nesse ponto, é importante frisar que oSuperior Tribunal de Justiça entende que a determinação de penhoraon-line3 não ofende o princípio da menor onerosidade da execução4

disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil.5

1 Súmula 417 do STJ: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem denomeação de bens não tem caráter absoluto”.

2 “Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinhei-ro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira [...].”

3 “Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicaçãofinanceira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisorado sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre aexistência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinarsua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”

4 “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA ON LINE. POSSIBILIDADE. MENORONEROSIDADE PARA O DEVEDOR. ARTS. 620 E 655 DO CPC. 1 - Conforme apacífica jurisprudência desta Corte, a determinação de penhora on line não ofen-de a gradação prevista no art. 655 do CPC e nem o princípio da menor onerosidadeda execução disposto no art. 620 do CPC. Precedentes. 2 - Agravo regimentaldesprovido” (BRASIL, 2008a).

5 “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juizmandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”

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QUESTÕES SOBRE A PESQUISA DE ATIVOS FINANCEIROS UTILIZANDO O SISTEMA BACEN JUD

Quando o executado não efetua espontaneamente o paga-mento da dívida ao ser citado na execução de título extrajudicialou após a intimação no caso do cumprimento de sentença, a possi-bilidade de utilização do sistema Bacen Jud6 apresenta vantagensexpressivas em relação às outras medidas executórias iniciais.

Aliás, importante frisar que o próprio Superior Tribunal de Jus-tiça7 reconhece que após a entrada em vigor da Lei nº 11.382/2006o requerimento de penhora eletrônica não exige mais a compro-vação de esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens aserem penhorados (BRASIL, 2012c). Já no caso do cumprimento desentença, se o devedor não se beneficiar do prazo previsto no arti-go 475-J do Código de Processo Civil para efetuar o pagamento dacondenação sem a multa de dez por cento, a melhor alternativanão seria a sugestão legal de expedição de mandado de penhorae avaliação, mas o requerimento de consulta ao sistema Bacen Judpara bloquear os ativos financeiros existentes em nome do execu-tado.

Na execução de título extrajudicial, caso o executado acabecitado para efetuar o pagamento da dívida e não o faça, o artigo652 do Código de Processo Civil prevê que o oficial de justiça pro-cederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportuni-dade, o executado. Na prática, essa medida é pouco adotada pelosoficiais de justiça, e os mandados de citação parcialmente cumpri-dos são simplesmente devolvidos ao processo para que o exequentese manifeste ou indique bens penhoráveis do devedor. Da mesmaforma como ocorre no cumprimento de sentença, entende-se quea melhor alternativa para essa situação seria o requerimento deconsulta ao sistema Bacen Jud para bloquear os ativos financeirosexistentes em nome do executado. Obviamente que nos casos emque o exequente tenha conhecimento prévio de bens em nomedo devedor poderá indicá-los, inclusive na própria inicial da exe-cução, conforme o artigo 652, § 2º, do CPC.8

6 O Bacen Jud 2.0 é um instrumento de comunicação eletrônica entre o PoderJudiciário e as instituições financeiras bancárias, com intermediação, gestão técni-ca e serviço de suporte a cargo do Banco Central. Por meio dele, os magistradosprotocolizam ordens judiciais de requisição de informações, bloqueio, desbloqueioe transferência de valores bloqueados, que serão transmitidas às instituições ban-cárias para cumprimento e resposta.

7 “3. Em relação à “penhora on line” de dinheiro, este Tribunal já temposicionamento firmado em sede de recursos representativos da controvérsiapela sua legalidade, sendo desnecessário o exaurimento de diligências já que odinheiro é o primeiro bem na ordem de preferências” (BRASIL, 2012b).

8 “Art. 652. [...] § 2 O credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serempenhorados (art. 655).

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GUSTAVO TANGER JARDIM ARTIGO

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Após o deferimento da medida – conforme prevê o artigo 13do Regulamento do Bacen Jud –, o magistrado emite ordem com oobjetivo de bloquear até o limite das importâncias especificadasque serão cumpridas com observância dos saldos existentes em con-tas de depósitos à vista (contas-correntes), de investimento e depoupança, depósitos a prazo, aplicações financeiras e demais ati-vos sob a administração e/ou custódia da instituição participante.9

De acordo com o próprio regulamento, as instituições partici-pantes ficam dispensadas de efetivar o bloqueio quando o saldoconsolidado for igual ou inferior a R$ 10,00 (dez reais).10 Contudo, oque acontece na prática é a realização pelo magistrado de um cálcu-lo aritmético considerando a regra prevista no art. 659, § 2º, do CPC,dispondo que não se levará a efeito a penhora quando é evidenteque o produto da execução dos bens encontrados será totalmenteabsorvido pelo pagamento das custas da execução. A ideia passapor verificar se o valor bloqueado seria insuficiente para cobrir oscustos de operacionalização do ato processual11, caso em que nãoseria razoável proceder ao bloqueio porque a medida não alcança-ria a satisfação do crédito e aviltaria a dignidade do devedor.

Porém, uma vez realizado o bloqueio, não pode o julgadorex officio simplesmente liberar a quantia bloqueada com base noargumento de que ela seria irrisória em comparação ao quantumdebeatur.12 Em casos como este, o dever do magistrado é permitir amanifestação do credor sobre o valor bloqueado, considerandoque a execução realiza-se no interesse do credor.

9 DAS ORDENS JUDICIAIS DE BLOQUEIO DE VALORES, Art. 13, § 1º: “Essas ordensjudiciais atingem o saldo credor inicial, livre e disponível, apurado no dia útil seguin-te ao que o arquivo de remessa for disponibilizado às instituições responsáveis, semconsiderar créditos posteriores ao cumprimento da ordem e, nos depósitos à vista,quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida etc).”

10 Art. 13, § 7º do Regulamento do Bacen Jud 2.0.11 “PENHORA ON LINE – DESBLOQUEIO DE VALORES DO EXECUTADO VIA BACENJUD.

QUANTIA IRRISÓRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. [...] 3. A decisão agravada foibem clara quanto à fundamentação do julgado, destacando que o valor constan-te nas contas do executado era de R$ 1.547,03 (mil quinhentos e quarenta e setereais e três centavos), sendo certo que diante do valor irrisório deveria ser feito odesbloqueio dessa quantia. [...] 5. A matéria discutida nos presentes autos já foiapreciada pelo Superior Tribunal de Justiça apontando que a regra do art. 659, §2º, do CPC dispõe, “verbis”, que “não se levará a efeito a penhora, quandoevidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente ab-sorvido pelo pagamento das custas da execução” tem como destinatário o credorexequente, para que não despenda fundos líquidos mais expressivos do que ocrédito que se tem que receber” (BRASIL, 2011e).

12 “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE DINHEIRO POR MEIO DOBACEN JUD. QUANTIA IRRISÓRIA. LIBERAÇÃO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. 1.Frustra o escopo da Execução Fiscal reconsiderar, ex officio, a decisão que implicou

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QUESTÕES SOBRE A PESQUISA DE ATIVOS FINANCEIROS UTILIZANDO O SISTEMA BACEN JUD

2 Situações peculiares à utilização do sistema Bacen Jud

2.1 Bacen Jud em conta conjunta

Considerando a riqueza casuísta de eventos que decorrem dodeferimento da pesquisa de ativos financeiros em nome do execu-tado, é importante ressaltar a possibilidade de ocorrer o bloqueiode valores depositados em conta conjunta com terceiro estranho àlide. Diante desse quadro, o terceiro prejudicado pode intentarmedida judicial com o escopo de proteger seu patrimônio, geral-mente valendo-se dos embargos de terceiro previsto no artigo 1.046do Código de Processo Civil.13

Contudo, existe entendimento do Superior Tribunal de Justiçano sentido de que se tratando de conta-corrente conjunta a totali-dade dos valores nela depositados, em princípio, pertence a am-bos os correntistas, necessitando de provas robustas a comprova-ção de que tais valores pertencem a apenas um correntista.14

No caso, não é possível olvidar que o executado é cotitular daconta e existe a presunção de que os valores lá existentes tambémsão de sua propriedade. Nesse contexto, considerando que opatrimônio do devedor deve estar sujeito à execução, não há comoafastar a possibilidade de penhora dos valores depositados.

O Superior Tribunal de Justiça em recente julgado15 firmou queem casos de bloqueio de ativos financeiros em conta conjunta cadaum dos correntistas é credor de todo o saldo depositado de forma

efetiva penhora de dinheiro, via Bacen Jud, com base no argumento de que aquantia constrita é irrisória em comparação ao quantum debeatur. 2. Com efeito,tal decisum, ao deixar o juízo sem qualquer garantia, abandona a Fazenda Públicaà própria sorte, na árdua e morosa aventura de localizar outros bens, além derecusar aplicação do princípio segundo o qual a execução realiza-se no interessedo credor (art. 612 do CPC). 3. Recurso Especial provido” (BRASIL, 2011c).

13 “Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho naposse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora,depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inven-tário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio deembargos.”

14 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EMBARGOS DE TERCEIRO - DESBLOQUEIODE ATIVOS FINANCEIROS (BACENJUD) - CONTA CORRENTE CONJUNTA - PENHO-RA: POSSIBILIDADE - VEROSSIMILHANÇA AUSENTE - AGRAVO DE INSTRUMENTONÃO PROVIDO. 1. A antecipação de tutela exige os requisitos concomitantes doart. 273 do CPC. 2. Tratando-se de conta corrente conjunta, a totalidade dosvalores nela depositados, em princípio, pertencem a ambos os correntistas, neces-sitando de provas robustas a comprovação de que os valores lá depositadospertencem a apenas um correntista” (BRASIL, 2012f).

15 “EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ON LINE. CONTA CORRENTE CONJUNTA. TERCEI-RO NA EXECUÇÃO. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE SE PENHORAR A TOTALI-DADE DA CONTA CORRENTE” (BRASIL, 2011b).

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solidária e, portanto, o valor depositado pode ser penhorado emgarantia da execução, ainda que somente um dos correntistas sejaresponsável pelo débito. Disse o Tribunal que se o valor pertences-se somente a um dos correntistas não deveria estar depositado nes-se tipo de conta, pois nela a importância perde o caráter de exclu-sividade. Concluiu que o terceiro que mantém dinheiro em conta-corrente conjunta admite tacitamente que tal importância respon-da pelo débito, pois a solidariedade estaria estabelecida pela pró-pria vontade das partes no instante em que optam por essa moda-lidade de depósito bancário.

Ainda, quando o bloqueio dos ativos financeiros envolve ca-sais, também é comum a alegação de que a metade dos valoresdisponíveis é parte do patrimônio do cônjuge que não está sendoexecutado. Cabe lembrar que se presume – até prova em contrário– que a dívida contraída por um beneficia o outro ou toda a famí-lia. Nesse sentido, Gonçalves (2011, p. 98) assevera que “o ônus daprova é do que pretende livrar sua meação, já que a presunção édo benefício comum”. Assim, deve ser considerado que existe apresunção de que a dívida deu-se em benefício da família, sendoônus do cônjuge-meeiro provar o contrário.16

Outro caso que já mereceu análise no Tribunal da Cidadaniaé a situação do idoso que possui conta conjunta com o filho, como escopo de obter auxílio para pagamentos de contas e evitardeslocamentos até a agência bancária. Esse seria outro caso emque a análise da titularidade dos valores estaria sujeita ao ônusda prova.17

Por derradeiro, o que salta aos olhos diante da riqueza decasos que são levados aos Tribunais é que o resultado positivo dapenhora de ativos financeiros em nome do executado inaugurauma breve fase no processo de execução em que deve ser privile-

16 “EMBARGOS DE TERCEIRO. MEAÇÃO DA ESPOSA. IMÓVEL PENHORADO. FALTADE PROVA QUANTO A SER O ÚNICO BEM RESIDENCIAL. DÍVIDA CONTRAÍDAPELO MARIDO. BENEFÍCIO DA FAMÍLIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. ÔNUS DA PROVA.1. O imóvel residencial é impenhorável se for a única moradia da família e é ônusde quem alega prova de tal situação. 2. Se a dívida decorre de empréstimo tomadopessoalmente pelo cônjuge-varão, a presunção é de que o empréstimo deu-se embenefício da família, sendo ônus da embargante provar o contrário. Precedentedo STJ” (BRASIL, 2009).

17 “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA. CONTABANCÁRIA CONJUNTA. METADE DOS VALORES DEPOSITADOS. REEXAME. SÚMULAN. 7-STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. Concluindo o Tribunal a quo que não há prova deque o devedor mantinha a conta conjunta somente para auxiliar o co-correntista,seu genitor, mantendo a penhora da metade dos valores lá depositados,reexaminar a questão encontra o óbice de que trata o enunciado n. 7, da Súmula.2. Agravo regimental a que se nega provimento” (BRASIL, 2012a).

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giado o contraditório sem esquecer a celeridade peculiar desseprocedimento. Ou seja, realizado o bloqueio de valores em nomedo executado, o magistrado que conduz o processo deve abrirvistas às partes para manifestação sobre o bloqueio, em que oexequente deverá requerer a penhora do numerário18 e o execu-tado poderá alegar a impenhorabilidade integral ou parcial dosvalores, conforme o caso. Reconhece a doutrina que “se o deve-dor quiser se insurgir contra a penhora online poderá fazê-loposteriormente, ou seja, há efetivamente o implemento das ga-rantias constitucionais do contraditório e ampla defesa” (SILVA,2008, p. 134).

Não é possível olvidar que, caso exista a alegação deimpenhorabilidade dos valores por parte do devedor, o julgadordeve abrir nova possibilidade de manifestação do exequente paraque, diante do contraditório, seja possível concluir se o bloqueioocorreu sobre valores pertencentes a terceiros ou se o dinheiroestá protegido por alguma das hipóteses previstas no artigo 649do CPC.19

2.2 Bacen Jud – renovação do pedido

Outra situação recorrente refere-se ao pedido de renovaçãoda consulta através do convênio Bacen Jud. Não raro o exequenteefetua requerimento de nova consulta de ativos financeiros emnome do executado ao verificar que já transcorreu grande lapsotemporal desde a última verificação. O argumento é que nesse in-tervalo a situação econômica do executado pode ter sido conside-ravelmente alterada, e, consequentemente, a consulta poderá serproveitosa para o deslinde do feito executivo.

Contudo, alguns julgadores indeferem o requerimento sob oargumento de que, se a tentativa anterior já fora infrutífera, seriaimprovável o êxito da segunda pesquisa. Diante desse quadro, o

18 “2. A penhora é o ato processual por meio do qual se individualizam os bens queirão satisfazer o crédito executado, sujeitando-os diretamente à expropriação”(BRASIL, 2011d).

19 “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: [...] IV - os vencimentos, subsídios,soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios emontepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas aosustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e oshonorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; [...]VI - o seguro de vida; [...] IX - os recursos públicos recebidos por instituiçõesprivadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X- até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderne-ta de poupança; XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nostermos da lei, por partido político.”

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STJ firmou entendimento pela possibilidade de reiteração do pe-dido de penhora via sistema Bacen Jud, desde que observado oprincípio da razoabilidade, a ser analisado caso a caso.20 Ou seja,deve o exequente, ao formular novo pedido de consulta dos ati-vos financeiros do executado, fundamentá-lo através darazoabilidade a fim de evitar medidas desnecessárias, que apenasirão retardar o regular andamento do feito executivo.

Observe-se que, apesar de ser referido nas decisões judiciaissobre o tema, o grande lapso temporal decorrido entre uma con-sulta e outra não pode seguir como única fonte de fundamenta-ção da renovação do pedido. Isso porque novos fatos que surgemno decorrer do processo executivo podem servir de substrato aonovo requerimento, como a realização de pesquisa de bens dodevedor junto à Receita Federal. Imagine o caso em que no inícioda execução fora realizada pesquisa de ativos financeiros atravésdo convênio Bacen Jud e esta restou infrutífera. No decorrer daexecução verificou-se que o devedor possuía imóveis de elevadovalor de mercado, fato que contrasta com alguém que não possuiqualquer quantia em suas contas bancárias. Nesse contexto, inde-pendente das outras medidas cabíveis, é absolutamente razoável arenovação do pedido quando emergem sinais de riqueza incom-patíveis com a pesquisa anterior.

Em exemplar julgamento, o ministro Luiz Fux lembrou que “aexecução se opera em prol do exeqüente e visa a recolocar o cre-dor no estágio de satisfatividade que se encontrava antes doinadimplemento” (BRASIL, 2008b). Assim, realiza-se a execução emprol da maior utilidade da execução para o credor, e, se a renova-ção do pedido de consulta de ativos financeiros do devedor é amelhor opção para o exequente, não existe motivo para o magis-trado indeferi-la.

2.3 A questão controvertida das cooperativas de crédito

Em que pese a abrangência da pesquisa dos ativos financeirosatravés do sistema Bacen Jud nas contas vinculadas às instituiçõesfinanceiras, o convênio entabulado entre o Poder Judiciário e oBanco Central não abrange os depósitos efetuados em cooperati-vas de crédito. Ou seja, os valores existentes em contas vinculadas

20 “PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. [...] 3. Esta Corte já se pronunciou no sentido dapossibilidade de reiteração do pedido de penhora via sistema BacenJud, desdeque observado o princípio da razoabilidade a ser analisado caso a caso. Preceden-tes: REsp. n. 1.199.967/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de4.2.2011; REsp. n. 1.267.374 - PR, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro CampbellMarques, julgado em 7.2.2012” (BRASIL, 2012e).

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às cooperativas de crédito acabaram recebendo verdadeira imuni-dade à pesquisa e a eventual bloqueio a ser realizado pelo PoderJudiciário.

Apesar da notícia da existência de estudos técnicos para aampliação do alcance da pesquisa efetuada pelo sistema Bacen Jud,o Banco Central reconhece que as contas mantidas pelas coopera-tivas de crédito que não estejam sob custódia ou administração deinstituições financeiras não são atingidas por tal sistema.

A existência desta verdadeira “zona cinzenta” no sistema debusca de ativos financeiros acabou se transformando em grandeincentivo para que os devedores transferissem suas contas para co-operativas de crédito com o escopo de resguardar seu patrimônioe frustrar o objetivo da execução .

Assim, a medida a ser adotada pelo exequente após verificarque pesquisa de ativos pelo meio eletrônico em nome do devedorfoi infrutífera ou insuficiente seria formular requerimento de ex-pedição de ofício ao Banco Central do Brasil para que este informea existência de dinheiro depositado em nome dos executados emcooperativas de crédito no território nacional.

2.4 A (im)penhorabilidade da conta poupança até o limite de40 salários mínimos

Para a maioria da Doutrina, o artigo 649 do Código de Proces-so Civil trata de casos em que está presente a impenhorabilidadeabsoluta. Ou seja, são bens que “por razão de ordem política,valorados pelo próprio legislador, não servem como garantia aoscredores de um dado devedor, razão pela qual eles não podem serretirados de seu patrimônio para pagamento de suas dívidas”(BUENO, 2008, p. 222).

No referido artigo está prevista a impenhorabilidade até o li-mite de 40 salários mínimos de quantia depositada em cadernetade poupança. Em sintonia com o texto legal, o Superior Tribunalde Justiça se pronunciou afirmando que o objetivo daimpenhorabilidade de depósito em caderneta de poupança é ga-rantir um mínimo existencial ao devedor, perseguindo aconcretização do princípio da dignidade da pessoa humana (BRA-SIL, 2012d).

Porém, em que pese a expressa determinação legal e o en-tendimento pretoriano, é cediço que o Direito não está subdivi-do em compartimentos estanques e incomunicáveis. Nenhumanorma é tão completa que se esgota em si mesma, exigindo dointérprete uma visão sistemática para que não sejam cometidasinjustiças.

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Nesse contexto, embora o artigo 649, X, do CPC traga aimpenhorabilidade da quantia de até 40 salários mínimos para im-pedir que sejam penhorados os valores poupados por anos paragarantir previdência à família ou socorro alimentar, não é possívelafirmar que essa impenhorabilidade seja absoluta (a natureza é ab-soluta, o efeito é que não é absoluto, tal como ocorre naimpenhorabilidade da residência [absoluta] relativizada pela Lei nº8.009/90), merecendo a questão análise individualizada. Obviamenteque muitos devedores, em vez de pagar o que devem, depositam orespectivo valor em caderneta de poupança para burlar tal paga-mento. Frente a essa hipótese, já se afirmou que demonstrada apostura de má-fé do devedor podem os Tribunais coibir a prática.21

Aliás, resta evidente que é dever do Judiciário não permitirque se extrapolem os limites de um direito em prejuízo do próxi-mo. Lembra Pontes de Miranda (1995, p. 351) que “há limites aosdireitos e há abusos sem traspassar limites”.

Assim, se o executado transfere seu dinheiro da conta-corren-te para a caderneta de poupança buscando a proteção dos valorescontra a impenhorabilidade, não há como prevalecer o limite asse-gurado na lei adjetiva porque estaríamos diante de uma burla aopagamento. Lembra Stoco (2002, p. 59) que “impõe-se fazer usoadequado do arsenal legislativo existente e não dele prevalecer eutilizá-lo para fim ilícito ou pretensão subalterna”.

Observe-se que é extremamente simples configurar adescaracterização, bastando verificar a existência de movimenta-ções diárias na conta poupança, como saques e depósitos, paga-mento de contas ou faturas.

Diante desse quadro, embora alguns julgados entendam quea norma em nenhum momento condiciona a impenhorabilidade,ela não concede ao executado um “cheque em branco” para queele possa abusar do direito previsto na lei adjetiva, tampouco quea impenhorabilidade seja invocada pelo devedor sem a necessáriaboa-fé.

Por exemplo, uma das hipóteses para auferir a impenho-rabilidade dos valores depositados em conta poupança seria verifi-

21 “2. Não se desconhecem as críticas, “de lege ferenda”, à postura tomada pelolegislador, de proteger um devedor que, em lugar de pagar suas dívidas, acumulacapital em uma reserva financeira. Também não se desconsidera o fato de que talnorma possivelmente incentivaria os devedores a, em lugar de pagar o que de-vem, depositar o respectivo valor em caderneta de poupança para burlar o paga-mento. Todavia, situações específicas, em que reste demonstrada postura de má-fé, podem comportar soluções também específicas, para coibição desse compor-tamento. Ausente a demonstração de má-fé, a impenhorabilidade deve ser deter-minada. 3. Recurso especial conhecido e provido” (BRASIL, 2012d).

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car se foram depositados anteriormente à constituição da dívida,como ensina Redondo (2007, p. 16):

Para que a proteção legal de impenhorabilidade de ca-derneta de poupança não se transforme em incentivo aoinadimplemento, devem-se considerar impenhoráveisapenas as quantias que tenham sido depositas na cader-neta antes do momento da constituição da obrigaçãoinadimplida. Ou seja, é necessário que o magistrado ve-rifique a data dos depósitos na caderneta, para quesejam impenhoráveis apenas os valores depositadosantes da obrigação inadimplida ter sido contraída.

Não se nega que, caso a pesquisa de ativos financeiros naconta poupança do executado fosse frutífera, a regra indicariaque a penhora de valores depositados até o limite de 40 saláriosmínimos seria inviável. Contudo, é necessária a análise do casoem concreto, verificando se os valores foram depositados posteri-ormente à constituição da dívida ou se há desvirtuamento da contapoupança. Não bastasse isso, pode ser verificado se a quantia blo-queada possui ou não natureza alimentar, descaracterizando oobjetivo da preservação da conta poupança e a sua impenho-rabilidade. Considerando a boa-fé que deve privilegiar as rela-ções jurídicas, é evidente que a simples nomenclatura da contanão pode prevalecer sobre o conjunto fático-probatório verifica-do no caso concreto.

Por derradeiro, é imperioso ressaltar que, caso o executadopossua mais de uma caderneta de poupança, “a impenhorabilidadeno valor de até 40 salários mínimos somente será aplicável a umadelas, sendo possível a penhora integral das demais” (REDONDO,2007, p. 117).

2.5 A (im)penhorabilidade dos valores depositados em conta-corrente destinada ao recebimento de salário

Preceitua o artigo 591 do Código de Processo Civil que o de-vedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com to-dos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidasem lei. Considerando a ressalva na parte final, desse artigo é queemergem as situações em que a lei adjetiva pontuou casos deimpenhorabilidade de bens, seja por ordem jurídica ou humanitá-ria. Como já referido linhas atrás, o artigo 649 do CPC enumera osbens absolutamente impenhoráveis, que, salvo melhor juízo, me-recem ser olhados através das lentes da boa-fé e com atenção aofato de que a reforma do processo de execução buscou restringiros privilégios dos devedores.

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Em harmonia com a lei processual (art. 649, IV, do CPC), o Su-perior Tribunal de Justiça reconhece que a penhora de ativos fi-nanceiros efetuada sobre a conta salário deve ser levantada por setratar de bem absolutamente impenhorável. Enfim, O Tribunal daCidadania reconheceu que a impenhorabilidade absoluta de bensé norma cogente que contém princípio de ordem pública (BRASIL,2010).

Em que pese a ênfase dada pelo Judiciário ao tema, é inegá-vel que o artigo 649, IV, do CPC merece ser observado dentro docontexto fático que permeia o processo executivo, motivo pelo qualnão é razoável absorvermos como verdadeiro dogma a questão daimpenhorabilidade absoluta da conta salário. Isso porque, confor-me já afirmou Redondo (2007, p. 94), “no caso de existirem outrosvalores depositados que não correspondam estritamente ao salá-rio, apenas a quantia referente ao salário será impenhorável”. As-sim, antes de extrairmos conclusões apressadas sobre aimpenhorabilidade dos valores depositados em conta salário, éimperioso verificar se o valor bloqueado não figura como um res-quício de salário que perdeu seu caráter alimentar e entrou naesfera de disponibilidade do executado.

Da mesma forma, Theodoro Júnior (2009, p. 289) lembra quea impenhorabilidade do saldo bancário não é absoluta. Afirma omestre:

A impenhorabilidade, mesmo quando o depósito ban-cário é constituído por verbas de natureza alimentícia,não é absoluta. Se o titular da conta a transforma numveículo de entesouramento, o que ocorre quando vulto-sas somas são mantidas durante longo tempo na conta-corrente, e, principalmente, quando se tornam objetode investimento em cadernetas de poupança ou outrasaplicações financeiras, deixa o saldo de corresponder arecursos necessários à subsistência pessoal e familiar dotitular.

Com rara percepção sobre o tema, a ministra Nancy Andrighitrouxe em um julgado de sua relatoria que se o valor entrou naesfera de disponibilidade do devedor “sem que tenha sido consu-mido integralmente para o suprimento de necessidades básicas,vindo a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráteralimentar, tornando-se penhorável” (BRASIL, 2008c). Em vez deimpenhorabilidade absoluta, a situação do saldo de salário entra-ria numa categoria de impenhorabilidade processual relativa, que,sem esquecer os valores relacionados à dignidade da vida huma-na, “não os absolutiza, evitando criar uma camisa de força em fa-vor do devedor” (SILVA, 2008, p. 102).

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Em situações como a descrita no aresto é que ganha importân-cia o contraditório após a pesquisa e eventual bloqueio de nume-rário via Bacen Jud. Em que pese o entendimento de Gonçalves(2011, p. 94) no sentido de que a “impenhorabilidade é matériade ordem pública e verificando o juiz que a constrição atingiu bemsobre o qual não poderia ter recaído, deve determinar de ofício oseu cancelamento”, entende-se que não pode o magistrado agirdessa forma.

Isso porque o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu queo ônus de comprovar a indispensabilidade dos valores depositadosem instituições financeiras é do executado, nos termos do art. 333,II, do CPC e dos §§ 1º e 2º do art. 655-A do CPC (BRASIL, 2011a). Ouseja, parte-se da presunção de que os valores depositados em con-ta salário possuem natureza alimentar e merecem o abrigo daimpenhorabilidade. Contudo, após instaurado o contraditório eprovado que a verba figura saldo de salário, transformando-se emverdadeiro veículo de entesouramento do devedor, não existemotivo bastante para vedar a sua penhora com base na regra geralprevista na lei adjetiva.

Conclusão

De maneira geral, é possível afirmar que a execução porquantia certa busca penhorar, avaliar e expropriar bens em quan-tidade suficiente à satisfação do crédito. Nesse contexto, a pe-nhora em dinheiro ganha grande destaque ao abreviar a dura-ção do processo, não só por reduzir a espera do credor comotambém por evitar o dispêndio com diligências que no final doprocesso serão suportadas pelo devedor. Assim, não é por acasoque a reforma do processo de execução deu grande destaque àrealização de pesquisas de ativos financeiros em nome do deve-dor através do convênio firmado entre o Banco Central e o Po-der Judiciário.

Com a utilização em larga escala dessa ferramenta, emergemdiversas questões peculiares ao cotidiano forense, como o momen-to adequado para o requerimento da pesquisa, a possibilidade derenovação do pedido e a falta de abrangência da pesquisa às coo-perativas de crédito.

Sobre a possibilidade de bloqueio da conta salário, emboraexista norma legal reconhecendo a sua impenhorabilidade, é ne-cessário delimitar os valores encontrados. Isso porque não é possí-vel aceitar que o saldo do salário mantenha a natureza alimentar,uma vez que não mais corresponde à subsistência pessoal e famili-ar do executado.

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No que tange à impenhorabilidade das cadernetas de pou-pança até o limite legal, é imperioso verificar se existe o desvirtua-mento da conta ou a formação do capital após ser constituída adívida. Em casos como esse, embora a jurisprudência dos Tribunaisainda guarde uma posição conservadora, a demonstração da situ-ação fraudulenta permitirá abrandar o aparente rigor da leiadjetiva.

Por derradeiro, considerando que o Poder Judiciário deve pri-vilegiar a ética da situação, analisando de forma singular cada fatoque emerge no processo, a questão da impenhorabilidade legaldeve ser apenas o ponto de partida da discussão, mas jamais deveser utilizada para proteger os que agem de má-fé. Assim, não édemais ressaltar que cada situação merece atenção especial, privi-legiando o contraditório, a boa-fé e os princípios que regem oprocesso executivo.

Referências

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sis-tematizado de direito processualcivil: tutela jurisdicional executiva.São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Agravo Regimental no Agravo de Ins-trumento nº 935082/RJ. Agravante:Supervia Concessionária de Transpor-te Ferroviário S/A. Agravado: MarilzaFernandes. Relator: min. FernandoGonçalves. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 03 mar. 2008a.

______. Superior Tribunal de Justiça.Agravo Regimental no Agravo emRecurso Especial nº 115.536/SP. Agra-vante: W B D. Agravado: R M T ooutro. Relatora: ministra Maria IsabelGallotti. DJe 2 ago 2012a.

______. Superior Tribunal de Justiça.Agravo Regimental no Recurso Espe-cial nº 1341084/PR. Recorrente: Fa-zenda Nacional. Recorrido: ElitePlotagem Ltda. Relator: min. MauroCampbell Marques. Diário Oficial daUnião, Brasília, DF, 12 dez. 2012b.

______. Superior Tribunal de Justiça.Embargos de Declaração no Agravoem Recurso Especial nº 90.282/PR.Agravante: Armarinhos Paraná SantaCatarina Ltda. Agravado: Estado doParaná. Relator: ministro HumbertoMartins. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 10 out. 2012c.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1000261/RS. Re-corrente: Estado do Rio Grande do Sul.Recorrido: Asun Comércio de Gêne-ros Alimentícios. Relator: ministro LuizFux. Diário Oficial da União, Brasília,DF, 03 abr. 2008b.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1182820/RJ. Re-corrente: Município do Rio de Janei-ro. Recorrido: Jaime Alves da Silva.Relator: ministro Mauro CampbellMarques. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 04 mar. 2011a.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1189848/DF. Re-corrente: Fazenda Nacional. Recorri-

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QUESTÕES SOBRE A PESQUISA DE ATIVOS FINANCEIROS UTILIZANDO O SISTEMA BACEN JUD

dos: Sulamita Sampaio e EvertonCandido de Oliveira. Relator: ministroMauro Campbell Marques. DJe 05 nov2010.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1229329/SP. Re-corrente : Simon Ruben Schvartzman.Recorrido: Fazenda do Estado de SãoPaulo. Relator: ministro HumbertoMartins. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 17 mar. 2011b.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1231123/SP. Re-corrente: Algério Szul. Recorrido: BoaEsperança Comercial. Relator: minis-tra Nancy Andrighi. Diário Oficial daUnião, Brasília, DF, 30 ago. 2012d.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1242852. Recor-rente: CVM. Recorrido: Victor HugoMarensi. Relator: ministro HermanBenjamin. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 10 maio 2011c.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1254320/SP. Re-corrente: Jerônimo Alexandre Filho.Recorrido: Cintos e Acessórios Arma-dilha. Relator: ministra NancyAndrighi. Diário Oficial da União,Brasília, DF, 15 dez. 2011d.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 1323032/RJ. Re-corrente: Fazenda Nacional. Recorri-do: Indústria e Comércio Luxo Ltda eoutros. Relator: ministro MauroCampbell Marques. DJe 14 ago.2012e.

______. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Ordinário em Mandado deSegurança nº 25397/DF. Recorrente:Sebastião Hélio Honorato Lopes. Re-corrido: Banco do Brasil. Relator: min.Nancy Andrighi. DJe 03 nov. 2008c.

______. Tribunal Regional Federal da1ª Região. Agravo de Instrumento nº0033578-66.2012.4.01.0000/BA.Agravante: Almir Mendes de Carva-lho Neto. Agravado: Fazenda Naci-onal. Relator: juiz federal RenatoMartins Prates. Julgado em 06 ago.2012f. Disponível em: <http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/Resposta>.

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GUSTAVO TANGER JARDIM ARTIGO

42 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

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43Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

O empresário e a teoriasubjetiva moderna

Shandor Portella LourençoProcurador Federal

Ex-advogado da CAIXAMestre em Direito Empresarial

RESUMO

O presente trabalho tem como objeto a compreensão dasdiversas teorias que consubstanciam o Direito Comercial, bem comoanalisar o empresário, principal figura desse renovado ramojurídico. Para uma melhor contextualização do tema, promoveu-se o esboço histórico evolutivo das diversas teorias do DireitoComercial e, consequentemente, os elementos que caracterizama figura do empresário. Examinou-se, ainda, os principais aspectosdas construções teóricas e normativas acerca da unificação doDireito Privado após a adoção da teoria subjetiva moderna noBrasil. Concomitantemente, dedicou-se especial atenção ao estudodos princípios axiológicos e valorativos que norteiam a atividademercantil e, consequentemente, sua influência na compreensãodo Direito Comercial contemporâneo.

Palavras-chave: Teorias do Direito Comercial. Empresário.Direito Privado. Empresa.

ABSTRACT

This paper focuses the understanding of the various theoriesthat underpin trade laws and analyzes the entrepreneur, the mainfigure of this new area of law. For a better contextualization ofthe theme, we promoted the historical sketch of the variousevolutionary theories of commercial law and, consequently, theelements that characterize the figure of the entrepreneur. Weexamined also the main aspects of theoretical and normative aboutthe unification of Private Law after the adoption of modernsubjective theory in Brazil. Concurrently, he devoted specialattention to the study of evaluative and axiological principles thatguide the business activity and hence its influence on contemporaryunderstanding of commercial law.

Keywords: Theories of Commercial Law. Entrepreneur.Private Law. Company.

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SHANDOR PORTELLA LOURENÇO ARTIGO

44 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

Introdução

A promulgação do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) re-presentou importante marco histórico para o Direito Comercial noBrasil. A partir desse diploma normativo, sedimentou-se noordenamento jurídico pátrio a teoria subjetiva moderna (teoria daempresa).

De outra parte, o tratamento legislativo comum do DireitoComercial e do Direito Civil também intensificou o antigo debateacerca da unificação do Direito Privado.

Além disso, a tradicional denominação desse ramo jurídico(Direito Comercial) passou a sofrer duras críticas, sendo abandona-do por boa parte da doutrina que passou a adotar a nomenclaturaDireito Empresarial, em atenção à indiscutível adoção da teoria daempresa pelo legislador brasileiro.

Nesse contexto, a análise e compreensão da figura do “em-presário”, apesar de controvertidas, passaram a ser pressuposto fun-damental para a correta interpretação e aplicação dos institutosdessa disciplina jurídica.

No intuito de debater esses novos institutos, o presente traba-lho examina a evolução das diversas teorias do Direito Comercial,bem como analisa o empresário, principal figura desse renovadoramo jurídico.

Ressalte-se, por fim, que à margem da discussão sobre a me-lhor nomenclatura para o ramo objeto do nosso estudo, adotare-mos indistintamente ao longo da nossa exposição ambas as deno-minações (Direito Comercial/ Direito Empresarial), já que estamosconvictos de que essa opção não comprometerá os fins a que sedestina o presente estudo.

1 Esboço histórico das teorias do Direito Comercial

Ao longo de sua história, o Direito Comercial foi orientadobasicamente por três teorias: a teoria subjetiva, a teoria objetiva ea teoria subjetiva moderna. Interessante notar que, assim comoocorreu com essas teorias, a denominação do principal sujeito des-se ramo jurídico também sofreu, ao longo dos tempos, diversasmutações.

Na época da vigência da teoria subjetiva, o empresário erachamado de “burguês”, habitante do burgo que era dado à ativi-dade empresarial. Com a ascensão da teoria objetiva, abandonou-se a expressão “burguês” para adotar-se a expressão “comercian-te”. Por fim, modernamente, com a vigência da teoria subjetivamoderna, também conhecida como “teoria da empresa”, esse su-jeito passou a ser designado de “empresário”.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

O Direito Comercial, por sua vez, surgiu na Idade Média. Nachamada baixa Idade Média, a Europa era toda divida em feudos,o que era altamente contrário aos interesses da burguesia.

De fato, como é sabido, o empresário sempre foi avesso às fron-teiras, já que esses limites são altamente inibitórios do comércio.Ao transpor fronteiras, muda-se a moeda, a prática comercial, alegislação e tudo isso impacta o comércio negativamente. Em ra-zão disso, os burgueses passaram a financiar os exércitos reais paraque os reis pudessem, através de uma força concentrada, unificaros estados europeus e, assim, impulsionar a dinâmica do comércio.

Perceba-se que, ainda hoje, temos alguns movimentos nessemesmo sentido. A própria Comunidade Europeia e o MERCOSULsão exemplos do poder de unificação decorrente dos interesses eco-nômicos.

Em contrapartida à ajuda dos burgueses à unificação dos esta-dos europeus, a realeza editava com status de lei o regulamentodas corporações de ofício. Note-se aqui, mais uma vez, que essalógica ainda encontra ressonância na realidade moderna. Apenasa título de exemplo, citamos a situação dos bancos credores comgarantia real que terão, no curso do processo falimentar, preferên-cia no recebimento da dívida até mesmo se em concurso com crédi-to de natureza tributária. Essa regra foi deliberadamente ajustadana Lei de Falências – Lei nº 11.101/05 – para favorecer esse grupoeconômico específico.

Duas características tinha o Direito Comercial na vigência dateoria subjetiva:

a) Era um ramo que visava assegurar privilégios à classe bur-guesa;

b) Mantinha o oligopólio no exercício da atividade profissio-nal.

Naquela época, de nada adiantaria um determinado profissi-onal saber fabricar sapatos. Para ser um sapateiro, esse indivíduotinha, antes de iniciar profissionalmente sua atividade, que se ma-tricular na corporação de ofício dos sapateiros na condição deaprendiz. Ingressando nessa corporação, o profissional galgavaposições até conseguir uma autorização da Federação dos Sapatei-ros para exercer sua atividade. Por essa forma, a Federaçãooligopolizava o exercício das profissões.

A teoria subjetiva vigorou até o advento do Código deNapoleão, que superou essa teoria e introduziu a teoria objetiva,também conhecida como a “teoria dos atos de comércio”.

A teoria dos atos de comércio é uma invenção francesa e suaconsolidação se deu, como visto, logo após a Revolução. Assim,para que fosse possível afastar a ideia dos privilégios de classe, foi

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SHANDOR PORTELLA LOURENÇO ARTIGO

46 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

necessário superar a lógica que formou o Direito Comercial (teoriasubjetiva – defesa dos privilégios de classe), pois esse paradigma,até então vigente, era contrário aos ideais revolucionários.

Por outro lado, sabia Napoleão que o Estado Democrático deDireito também dependia do apoio da burguesia. Percebeu o es-tadista francês, já naquela época, que são os burgueses que sem-pre sustentam o Estado, pois é o empresariado que propicia a cria-ção de empregos, diminui a criminalidade e melhoratecnologicamente o país, desenvolvendo novos produtos e servi-ços. Por essa razão, adotou a teoria dos atos de comércio (teoriaobjetiva).

Segundo essa nova orientação, foi enumerada em lei uma sé-rie de atos considerados importantes para o Estado. E, para a teo-ria objetiva, aquele que praticasse atos de comércio gozaria dosbenefícios da lei mercantil.

Desse modo, a lei mercantil também se destinou a assegurarprivilégios não mais exclusivamente ao burguês, mas a qualquerum que praticasse os atos classificados como “atos de comércio”.

Por meio da teoria objetiva, o Estado conservou privilégios aquem lhe interessava, só que de maneira indireta, pois passou aproteger a atividade, e não mais o sujeito da atividade.

A teoria dos atos de comércio, que até hoje se encontra emvigor na França, restou superada no Brasil com o advento do Códi-go Civil de 2002. A nova lei civil efetivamente sedimentou a teoriasubjetiva moderna no País.

Hoje em dia, não nos espanta mais a existência de determina-dos ramos do Direito cuja finalidade precípua é assegurar privilégi-os a uma determinada classe. Exemplo disso é o próprio Direito doTrabalho. Por esse motivo, o Código Civil abandonou o artificialismoda teoria objetiva e voltou o seu foco para a figura do empresário,como originalmente ocorria no Direito Comercial. Superou-se, en-tretanto, a característica do oligopólio, universalizando a ativida-de empresarial.

2 A figura do empresário

O Direito Empresarial não é um ramo despretensioso. Ele pos-sui uma jurisprudência axiológica valorativa, ou seja, interpreta asleis mercantis de modo a otimizar a existência do seu objeto.

Cria-se nesse ramo jurídico um verdadeiro cabedal normativoprotetor da figura do empresário (lei de falências, marcas e paten-tes etc), sempre gravitando em torno dessa figura.

Assim como o Direito do Trabalho é um ramo que tem porfinalidade e objeto a proteção do empregado, o Direito Comercial

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

concentra seu enfoque no empresário. De nada adiantaria assegu-rar diversos direitos, se o ordenamento jurídico não definisse comexatidão o titular desses direitos.

Surge, assim, a partir do art. 966 do CC, os elementoscaracterizadores do empresário. A mesma técnica legislativa em-pregada pela CLT em seus art. 2º e 3º, na compreensão dos ele-mentos fático-jurídicos representantes do empregado, é utilizadapelo art. 966 do CC na definição da figura do empresário.

Os atributos que definem a figura do empresário são os se-guintes:

a) Profissionalismo – pessoa natural ou jurídica que exerce comhabitualidade, em nome próprio, uma atividade, extraindo delaas condições necessárias para se estabelecer e desenvolver.

Os atos esporádicos de mercancia não caracterizam oprofissionalismo. É a habitualidade que adjetivará o ato mercantilde modo a torná-lo hábil a caracterizar o empresário.

Da mesma forma, os atos praticados em nome de terceiros nãocaracterizam seu executor como empresário. Os empregados(prepostos) não serão empresários porque desenvolvem a ativida-de comercial em nome de terceiro (o empresário).

Por fim, é necessário deixar claro que as condições necessáriaspara se estabelecer e se desenvolver, inerentes ao conceito deprofissionalismo, são condições de natureza econômica e financeira.

b) Atividade econômica – é aquilo que Borges (1991) chama deanimus lucrandi (intenção de lucrar). O empresário visa ao lucro.

O elemento que é essencial à caracterização do empresário é aintenção de lucro, e não o lucro propriamente dito, pois, caso con-trário, não seriam empresariais as sociedades que tivessem resulta-do negativo.

c) Organização – esse é o elemento mais polêmico na doutri-na. Ainda não se chegou a um denominador comum sobre o quevenha a ser organização.

De um lado, há autores como Coelho (2008), Borba (2003) eNegrão (2003) que defendem a ideia de que a organização seria aorganização da mão de obra alheia. Seria a mais-valia do trabalhode terceiros. Nesse caso, se o indivíduo não tiver empregados, nãoserá empresário. Coelho (2008, p. 20) chega a citar em sua obraque o camelô não seria empresário porque não contrata mão deobra. Curiosamente, páginas à frente, o mesmo autor cita a sacoleiracomo exemplo de atividade empresarial.

Verçosa (2004), por sua vez, defende que a organização nadatem a ver com a contratação de mão de obra. Seria, na verdade, aorganização dos fatores da produção: capital, trabalho (não ne-cessariamente de terceiros) e atividade.

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SHANDOR PORTELLA LOURENÇO ARTIGO

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d) A produção ou circulação de bens ou serviços.Os serviços que anteriormente eram disciplinados pelo Direito

Civil e caracterizavam as sociedades civis passaram a ser objeto doDireito Empresarial.

Essa produção ou circulação de bens ou serviços, como bemobserva Ascarelli (1964), deve ser voltada para o mercado. Não podeser para o mero deleite pessoal, ela tem de ser voltada para o mer-cado, ainda que nesse mercado haja um único tomador.

3 Dos excluídos do conceito de empresário: o parágrafo únicodo art. 966 do CC

É de se ressaltar, todavia, que há casos em que, malgrado oindivíduo preencha os quatro requisitos necessários à caracteriza-ção de empresário, não será classificado como tal. Referimo-nos aoparágrafo único do art. 966 do CC, in verbis:

Art. 966. [...]Parágrafo único. Não se considera empresário quemexerce profissão intelectual, de natureza científica, lite-rária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares oucolaboradores, salvo se o exercício da profissão consti-tuir elemento de empresa.

O parágrafo único do art. 966 do CC deliberadamente excluium determinado grupo de pessoas do conceito de empresário.

Esse dispositivo é muito rico em informações. Para interpretá-lo adequadamente, temos que compreender previamente a unifi-cação do Direito Privado.

Como é sabido, há, hodiernamente, uma corrente que defen-de a unificação do Direito Privado, tendo o Direito Comercial e oDireito Civil uma disciplina comum, num ramo então denominado“Direito Privado”.

O primeiro a propor tal solução foi Teixeira de Freitas. Toda-via, a pouca expressão do Brasil no cenário jurídico internacionaltornou obscura a sua proposta.

Décadas depois, um italiano, Cesare Vivante, no alto da cáte-dra de uma aula magna proferida na Universidade de Bologna,defendeu a mesma ideia de Teixeira de Freitas, ou seja, a unifica-ção do Direito Privado. Todos os argumentos favoráveis à unifica-ção do Direito Privado foram opostos por um outro italiano: AlfredoRocco. Não satisfeito, Vivante foi à tréplica na defesa de sua tese.

Contudo, em relação a um ponto específico da sua defesa,Vivante reconheceu um equívoco de sua teoria. Conforme Roccohavia arguido, há uma fundamental “diferença de estado de espí-rito” entre esses sujeitos a impedir o mesmo tratamento jurídico.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

Vale dizer, há uma substancial diversidade de comportamento éti-co e moral entre o indivíduo comum e o empresário. Assim, sendoa ética empresarial diferente da ética do Direito Civil, seria inviávelum mesmo tratamento normativo.

Conforme lecionam os autores mais clássicos, Mendonça (1937),Ferreira (1960), Borges (1991) e Requião (1993), o Direito Comerci-al orienta-se por cinco diretrizes: a) pelo princípio do egoísmo; b)pelo princípio do individualismo; c) pelo princípio da onerosidade;d) por ser um ramo, diferentemente do que ocorre no Direito Civil,em que a solidariedade no contrato presume-se para ampliar amargem de solvência da obrigação; e, finalmente, e) por ser umramo cosmopolita.

Essas cinco características denotam o motivo pelo qual algu-mas pessoas são impedidas de serem empresárias, sem que essa res-trição implique a inconstitucionalidade da restrição existente (art.5, XIII, CF/88). A lógica de se impedir alguns indivíduos de seremempresários é a impossibilidade de eles absorverem a ética empre-sarial. Nesse sentido, jamais poderíamos admitir que juízes, promo-tores, militares, cléricos, entre outros, pudessem incorporar tais va-lores.

Compreender, portanto, os excluídos do conceito de empresá-rio (parágrafo único do art. 966, CC) é saber da ética empresarial,pois é ela que orientou a redação desse dispositivo. O parágrafoúnico do art. 966 do CC criou uma presunção absoluta de que aspessoas ali mencionadas não teriam apreendido os valores ineren-tes à atividade comercial.

Por essa razão, aqueles que exercem profissão intelectual es-tão, pois, fora do conceito de empresário, pois a lei presume queessas pessoas não absorveram a ética empresarial.

Coelho (2008, p. 16), em divergência a esse entendimento,cita um exemplo referente a uma clínica médica que merece desta-que:

Imagine o médico pediatra recém-formado, atendendoseus primeiros clientes no consultório. Já contrata pelomenos uma secretária, mas se encontra na condiçãogeral dos profissionais intelectuais: não é empresário,mesmo que conte com o auxílio de colaboradores. Nes-ta fase, os pais buscam seus serviços em razão, basica-mente, de sua competência como médico. Imagine, po-rém, que, passando o tempo, este profissional amplie oconsultório, contratando, além de mais pessoal de apoio(secretária, atendente, copeira etc.), também enfermei-ros e outros médicos. Não chama mais o local de atendi-mento de consultório, mas de clínica. Nesta fase de tran-sição, os clientes ainda procuram aqueles serviços demedicina pediátrica, em razão da confiança que deposi-

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SHANDOR PORTELLA LOURENÇO ARTIGO

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tam no trabalho daquele médico, titular da clínica. Masa clientela se amplia e já há, entre os pacientes, quemnunca foi atendido diretamente pelo titular, nem o co-nhece. Numa fase seguinte, cresce ainda aquela unida-de de serviços. Não se chama mais clínica, e sim hospitalpediátrico. Entre os muitos funcionários, além dos mé-dicos, enfermeiros e atendentes, há contador, advoga-do, nutricionista, administrador hospitalar, seguranças,motoristas e outros. Ninguém mais procura os serviçosali oferecidos em razão do trabalho pessoal do médicoque os organiza. Sua individualidade se perdeu na orga-nização empresarial. Nesse momento, aquele profissio-nal intelectual tornou-se elemento de empresa. Mes-mo que continue clinicando, sua maior contribuição paraa prestação dos serviços naquele hospital pediátrico é ade organizador dos fatores de produção. Foge, então,da condição geral dos profissionais intelectuais e deveser considerado, juridicamente, empresário.

A crítica em relação ao exemplo do eminente professor paulistagira em torno do seguinte questionamento: como saberemos tec-nicamente se a pessoa procurou a clínica em razão do médico ouda sua estrutura? A partir de quantos médicos seria a clínica consi-derada empresária?

Realmente, não há qualquer lógica técnica na distinção apon-tada. O próprio parágrafo único do art. 966 do CC deixa claro queos profissionais intelectuais, “ainda que com o concurso de auxilia-res ou colaboradores”, não serão empresários.

Malgrado essa inconsistência teórica, parece-nos que tem pre-valecido na doutrina o posicionamento de Coelho (2008), já quenesse sentido é o Enunciado 194 aprovado na III Jornada de Direi-to Civil do Conselho da Justiça Federal, in verbis:

194 – Art. 966: Os profissionais liberais não são conside-rados empresários, salvo se a organização dos fatoresda produção for mais importante que a atividade pes-soal desenvolvida.

Ressaltamos, por fim, que, se houver um ato intelectual e umato empresarial, haverá a absorção do ato intelectual pelo atoempresarial. Isso explica porque, como regra, o hospital é empresá-rio e a clínica médica não.

3.1 A ressalva contida no parágrafo único do art. 966 do CC

A redação dada ao parágrafo único do art. 966 do CC criauma exceção dentro da exceção. Essa ressalva corresponde ao se-guinte excerto do dispositivo: “salvo se o exercício da profissãoconstituir elemento de empresa”.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

O primeiro ponto que devemos relembrar é que a empresanão se confunde com o empresário. Empresário é a pessoa naturalou jurídica que contenha as características previstas no art. 966 doCC e não esteja abarcada na exceção prevista no parágrafo únicodo dispositivo. Empresário é sujeito do direito, ao passo que a em-presa é objeto do direito.

Segundo Borges (1991), a empresa corresponde ao somatóriode três elementos (fatores da produção): capital, trabalho e ativi-dade organizada para gerar lucro. Há outros autores, como RochaFilho (1994), que afirmam que empresa seria sinônimo de ativida-de.

Para a compreensão da exceção contida no parágrafo únicodo art. 966 do CC, interessa-nos o segundo elemento dos fatoresda produção: o trabalho. Se o trabalho intelectual estiver inseridona linha de produção (atividade meio, de suporte), e não na ativi-dade fim, o explorador da atividade será empresário.

Alguns exemplos deixarão a questão mais clara: um cientistaque esteja pesquisando a cura da AIDS. Suponhamos que esse ci-entista esteja desenvolvendo sua atividade numa universidade.Como esse trabalho intelectual pertence à área fim da universida-de (produção de conhecimento científico), a atividade não seráempresária. De outra parte, se esse profissional estiver trabalhandopara uma indústria farmacêutica, resta indubitável que o trabalhodo cientista é uma atividade meio da indústria, caracterizando, pois,atividade empresarial, conforme a ressalva contida no parágrafoúnico do art. 966 do CC.

Da mesma forma, o trabalho do autor em relação a uma edito-ra de livros não descaracterizará a editora como empresária.

Nesse sentido, a ressalva contida no parágrafo único do art.966 ficaria mais clara se redigida nos seguintes termos: “salvo se oexercício da profissão constituir atividade meio, e não atividadefim da empresa”.

Ressalvamos, por oportuno, que, por força do parágrafo úni-co do art. 982 do CC, toda cooperativa será sociedade simples, se-não vejamos:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se em-presária a sociedade que tem por objeto o exercício deatividade própria de empresário sujeito a registro (art.967); e, simples, as demais.Parágrafo único. Independentemente de seu objeto,considera-se empresária a sociedade por ações; e, sim-ples, a cooperativa.

Em conclusão, chamamos a atenção para uma curiosa regracontida no art. 971 do CC:

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Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constituasua principal profissão, pode, observadas as formalida-des de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, reque-rer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantisda respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, fica-rá equiparado, para todos os efeitos, ao empresáriosujeito a registro.

Nesse dispositivo temos a situação ruralista. O ruralista terá umdireito de opção: poderá livremente escolher registrar-se comoempresário e submeter-se a todo o regramento próprio ou, nãoquerendo, registrar-se como simples no Cartório de Pessoas Jurídi-cas.

4 A capacidade no direito empresarial

Este tema tem suscitado algumas dificuldades quanto à suacorreta compreensão, já que é recorrente a confusão feita entre apessoa responsável pela administração de uma sociedade e a pró-pria sociedade.

Caso indagássemos ao grande público se Antônio Ermírio deMoraes, famoso administrador de um dos maiores grupos empresa-riais brasileiros, é empresário, certamente a maior parte das pessoasdiria que sim. É de se ver, todavia, que essa resposta está tecnica-mente equivocada, pois quem é empresário não é o administradorAntônio Ermírio de Moraes, mas sim a sociedade empresária (nocaso, o Grupo Votorantim).

Nos termos do parágrafo 2 do art. 1.011 do CC1, o administra-dor da sociedade empresária é mandatário, e não empresário. Oadministrador da sociedade empresária não se confunde com apessoa jurídica. Sob esse aspecto, não podemos nos descuidar daterminologia jurídica adequada a tal classificação, pois é necessá-rio distinguir entre a personalidade jurídica da sociedade e a doseu mandatário.

Da mesma forma, a sociedade empresária não se confunde coma pessoa do seu sócio. Este, conforme leciona Coelho (2008), éempreendedor, ao passo que a sociedade é empresária.

Ultrapassada essa questão, fica a dúvida sobre a possibilidadeda caracterização do empresário individualmente considerado, nahipótese da chamada “firma individual”. Tal situação ocorrerá quan-do a pessoa natural que não participa de sociedade alguma, mas,usando de sua própria personalidade, atua com os adjetivos neces-sários à sua compreensão como empresário (art. 966, CC), não es-

1 Art. 1.011: [...] § 2º Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, asdisposições concernentes ao mandato.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

tando daí excluído (parágrafo único do art. 966, CC). O exemploclássico de empresário individual é justamente o camelô.

Portanto, quando trabalhamos a capacidade no direito em-presarial, temos que distinguir entre a capacidade para ser empre-sário (p. ex.: camelô) e a capacidade para ser sócio da sociedadeempresária.

4.1 A capacidade para ser empresário

A capacidade para ser empresário é obtida aos 18 (dezoito)anos de idade, nos termos do art. 5, caput do CC.2

Nesse passo, o parágrafo único do art. 5 do CC, em seu incisoV, traz importante hipótese de suprimento de incapacidade relati-va, vejamos:

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos comple-tos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todosos atos da vida civil.Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapaci-dade:[...]V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis-tência de relação de emprego, desde que, em funçãodeles, o menor com dezesseis anos completos tenhaeconomia própria.

Essa hipótese de suprimento de incapacidade do menor entre16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos surgiu em atenção ao DireitoEmpresarial, pois a lei presume, nessa hipótese, que o relativamen-te incapaz absorveu a ética empresarial.

Note-se que, ao constatar que o relativamente incapaz esta-beleceu-se comercialmente com economia própria, a lei presumeinexoravelmente que esse indivíduo está apto ao exercício regularda empresa.

Temos que atentar, de outra parte, para uma novidade veicu-lada pela lei de falência (Lei nº 11.101/05). É que a antiga leifalimentar proibia a falência do menor. Anteriormente, o menorpoderia se estabelecer empresarialmente, teria suprida sua incapa-cidade, mas não poderia falir (era pedido juridicamente impossí-vel, vale dizer, vedado pelo ordenamento jurídico).

Desde 9 de junho de 2005, data em que a Lei nº 11.101 entrouem vigor, é permitida a falência do menor, embora continue omesmo inimputável para os crimes falimentares.

2 Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa ficahabilitada à prática de todos os atos da vida civil.

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Voltando à questão do suprimento da capacidade do menor,reafirmamos que, conforme o disposto no inciso V do parágrafoúnico do art. 5º do CC, caso o relativamente incapaz se estabeleçacom economia própria, adquirirá capacidade plena. Mas o queocorrerá se o menor herdar a sociedade empresária?

Trata-se do art. 974 do CC.3 Esse dispositivo responde duasperguntas que eram polêmicas na jurisprudência: a) pode o inca-paz, através de seu representante legal, continuar a empresa antesexercida enquanto capaz (na hipótese de incapacidadesuperveniente)? b) pode o incapaz prosseguir a empresa antesexercida pelo autor da herança?

Em ambos os casos, a lei impõe uma condição: autorizaçãojudicial. Tanto no caso de incapacidade superveniente, quanto nocaso de o incapaz herdar uma sociedade empresária, caberá aojuiz, ouvido o Ministério Público, avaliar a viabilidade da continui-dade do negócio e decidir sobre a autorização respectiva.

No caso de decisão favorável à continuidade do negócio, ojuiz mandará que sejam arrolados todos os bens que o incapazpossuir ao tempo da autorização e que não estejam sujeitos aosriscos da atividade empresarial.

O art. 974 do CC cria pela primeira vez no Direito Empresarialo que conhecemos como “patrimônio de afetamento”. Nesse caso,o indivíduo passará a ter dois patrimônios: o afetado, vinculadoaos riscos da atividade empresarial e, portanto, passível de ser pe-nhorado ou objeto de garantia do negócio, e, de outra parte, odesafetado, ou seja, o patrimônio que não poderá ser atingidopara pagamento das obrigações decorrentes do negócio.

Na primeira hipótese, ou seja, na sucessão em firma individu-al, o dispositivo não possui muita serventia, pois todo o patrimôniodo empresário individual responderá pelos riscos da atividade,exceto os absolutamente impenhoráveis, nos termos da lei civil. Nessecaso, o arrolamento de bens terá função meramente formal.

Já na hipótese de sucessão, o dispositivo ganha maior relevo,pois o patrimônio pertencente ao incapaz até o momento da su-

3 Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido,continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou peloautor de herança. § 1o Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, apósexame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência emcontinuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tuto-res ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitosadquiridos por terceiros. § 2o Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bensque o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde queestranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder aautorização.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

cessão não responderá pelas obrigações decorrentes do exercícioda empresa.

Nesse contexto, surge a dúvida se o patrimônio pertencenteao incapaz, no momento da sucessão, continuará a não responderpelos riscos da atividade empresarial no instante em que o incapazadquirir a capacidade.

Pensamos que não. Vale dizer, no momento em que o menor,v.g., adquirir a maioridade civil aos 18 (dezoito) anos, poderá la-crar o estabelecimento e preservar seu patrimônio arrolado nomomento da sucessão, ou poderá continuar o negócio, submeten-do, a partir daí, todos os seus bens aos riscos do negócio. Essaexegese decorre da certeza de que o intuito da lei é proteger omenor, de modo que, não ostentando mais essa condição, nenhumprivilégio recairá sobre o indivíduo agora plenamente capaz.

4.2 A capacidade para ser sócio de sociedade empresária

Conforme já dito anteriormente, não devemos confundir apersonalidade jurídica do sócio da sociedade com o próprio em-presário, que, nesse caso, será a sociedade, e não o sócio (empre-endedor).

Superada essa questão, a primeira discussão subjacente ao temadiz respeito justamente à possibilidade de o incapaz ser ou nãosócio de sociedade empresária.

Não há mais discussão sobre o tema. Em relação às sociedadesanônimas, o incapaz, desde que representado ou assistido, semprepode ser sócio de uma companhia.

Polêmica maior gravitava em torno das sociedades limitadas.Todavia, essa discussão também já está totalmente superada con-forme jurisprudência do STF, inclusive anterior a 1988, e resoluçãodo DNRC (Departamento Nacional do Registro do Comércio). Oincapaz pode, pois, ser sócio de sociedade limitada, desde que aten-didos dois requisitos: a) não poderá o incapaz ser administrador;b) o capital deverá estar totalmente integralizado.

Em relação à primeira condição, não pairam quaisquer dúvi-das, posto que, se não é dado ao incapaz administrar o seu própriopatrimônio, o que se dirá em relação ao de terceiros.

O segundo requisito decorre do fato de os sócios de uma soci-edade limitada serem solidariamente responsáveis pelo que faltarà integralização do capital. Desse modo, caso o capital não estives-se totalmente integralizado, estaria em risco o patrimônio do me-nor.

Outro dispositivo de notável relevância e grande polêmica é oart. 977, CC, in verbis:

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Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade,entre si ou com terceiros, desde que não tenham casa-do no regime da comunhão universal de bens, ou no daseparação obrigatória.

Argumenta-se sobre a constitucionalidade desse dispositivo emface do art. 5, XVII da CF/88 (liberdade de associação), posto queteria criado exceção não contemplada pelo dispositivo constitucio-nal. Ultrapassada, contudo, essa polêmica e adotando-se oposicionamento de que o dispositivo constitucional referente àsassociações não teria aplicabilidade em relação às sociedades, ca-beria-nos indagar qual seria a interpretação mais adequada dodispositivo.

Ora, dúvida não há de que o art. 977 do CC veicula uma exce-ção, cuja interpretação atrai, pois, o método restritivo e gramatical.

Nesse sentido, é de se observar que o artigo prescreve: “facul-ta-se aos cônjuges contratar sociedade”, sendo certo que há duasmaneiras de se ajustar a vontade societária: pelo contrato social oupelo estatuto social.

Como o art. 977 do CC refere-se a contrato, esse impedimentolimitar-se-ia às sociedades contratuais, não se aplicando a referidavedação às sociedades estatutárias (sociedade anônima e socieda-de em comandita por ações).

Note-se, outrossim, que o dispositivo faz menção a contratarsociedade “entre si ou com terceiros”. Uma leitura apressada doartigo poderia levar à interpretação absurda de que o impedimen-to se caracterizaria mesmo na hipótese de marido e mulher contra-tarem separadamente sociedade (sociedades distintas). Por essa ra-zão, é oportuno dizer que a referida vedação só terá lugar quan-do marido e mulher contratarem a mesma sociedade, vale dizer, aexpressão “contratarem entre si” corresponde à sociedade forma-da apenas entre os cônjuges e a sociedade “com terceiros” se dariana hipótese de haver, além do marido e da mulher, um terceirosócio.

Ressalte-se, por fim, que a vedação constante do art. 977 doCC limita-se apenas a dois regimes de casamento: a comunhão uni-versal ou separação universal.

A intenção do legislador ao vedar a contratação de sociedadeaos sócios casados no regime de comunhão universal de bens éjustamente prevenir a promiscuidade patrimonial entre a pessoados sócios e a própria sociedade.

A segunda proibição, referente ao regime da separação obri-gatória de bens, não mais se justifica em razão do credor, já que aintenção é proteger terceiros no caso de o sócio falecer.

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O EMPRESÁRIO E A TEORIA SUBJETIVA MODERNA

Conclusão

O Direito Comercial sofreu grandes transformações em sua baseteórica. A superação da teoria objetiva (teoria dos atos de comér-cio) pela teoria subjetiva moderna (teoria da empresa) represen-tou importante marco na doutrina comercialista.

Centrando o seu foco na figura do empresário, a renovadadisciplina jurídica passa a ser alvo de profundos questionamentosnotadamente quanto à correta concepção do seu sujeito.

Nesse sentido, parece-nos adequado conceituar o empresáriocomo aquela pessoa natural ou jurídica que exerce profissional-mente em nome próprio atividade organizada que tenha por ob-jetivo o lucro como fruto da produção ou circulação de bens ouserviços destinados ao mercado.

Necessário ressalvar, nesse passo, que, mesmo que o sujeitopreencha os requisitos analiticamente previstos no art. 966 do CC,não será caracterizado como empresário se exercer atividade inte-lectual de natureza artística, literária ou científica, a menos queessa atividade esteja inserida na linha de produção como ativida-de meio (elemento de empresa).

Uma vez classificado como empresário, passará o sujeito a serplenamente regido por todos os institutos inerentes ao DireitoEmpresarial, o qual, conforme foi visto, é disciplinado por uma ju-risprudência axiológica protetiva do seu sujeito e tendente aotimizar a existência do seu objeto.

Referências

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BORBA, José Edwaldo Tavares. Direi-to Societário. 8. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2003.

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COELHO, Fábio Ulhoa. Manual dedireito comercial. 20. ed. São Pau-lo: Saraiva, 2008.

FERREIRA, Waldemar Mar-tins. Trata-do de Direito Comercial. São Pau-lo: Saraiva, 1960.

MENDONÇA, José Xavier de Carva-lho de. Tratado de direito comerci-al brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1937. v. 1.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direi-to comercial e de empresa. 3. ed.São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direitocomercial. 21. ed. São Paulo: Sarai-va, 1993. v.1.

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SHANDOR PORTELLA LOURENÇO ARTIGO

58 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

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VERÇOSA, Aroldo Malheiros Duclerc.Curso de Direito Comercial. SãoPaulo: Malheiros, 2004. v. 1.

VIVANTE. Cesare. Instituições dedireito comercial. 3. ed. Campinas:LZN, 2003.

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INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES

Interpretação do artigo 384 da CLTe o tratamento igualitário entre

homens e mulheres

Fernanda Valadares de OliveiraAdvogada da CAIXA no Rio de Janeiro

Pós-graduada em Direito Público

RESUMO

O texto tem o intuito de demonstrar a discussão sobre alegalidade do artigo 384 da CLT, que estabelece que em caso deprorrogação do horário normal será obrigatório um descanso de15 minutos, para mulheres, antes do início do períodoextraordinário de trabalho. A divergência está justamente no fatode que o artigo somente se aplica à mulher, contrariando o queprega a Constituição Federal no artigo 5º, I, que diz que homens emulheres são iguais perante a lei. O debate é recente e aguardadecisão do STF sobre a sua legalidade. No entanto, não podemosesquecer que não há razão objetiva para se considerar a jornadade trabalho da mulher mais sofrida do que a do homem, devendo,portanto, o artigo ser aplicado a ambos os sexos.

Palavras-chave: Igualdade. Homem. Mulher. Art. 384 da CLT.

ABSTRACT

The text aims to demonstrate the discussion on the legalityof Article 384 of the Labor Code, which provides that in case ofextension of normal time, will be a mandatory 15-minute rest, forwomen, before the start of the extraordinary work. The divergenceis precisely in the fact that the article only applies to women,contrary to what preaches Federal Constitution in Article 5, I, thatsays men and women are equal before the law. The debate isrecent and pending Supreme Court decision on its legality. However,we must not forget that there is no objective reason to considerthe workload of women suffered more than the man, for thisreason the article should therefore be applied to both sexes.

Keywords: Woman. Article 384 from CLT. Human. Equality.

O artigo 384 da CLT, presente nela desde a sua criação no anode 1943, com o propósito de uma eventual proteção às mulheres,baseando-se numa ordem constitucional, por hora, já ultrapassa-

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da, ao criar norma considerada, à época, inclusiva, acabou geran-do uma norma, hoje, discriminatória?

Ao longo dos anos, luta-se pelo combate à desigualdade his-tórica existente entre homens e mulheres. Sabe-se que a edição daCTL foi uma grande conquista para o direito trabalhista, e, sendoassim, cabe ao direito assegurar a observância dos preceitos garan-tidores da não discriminação disseminada durante os anos e dodireito à igualdade dos gêneros. No entanto, o direito é dinâmico,e sua hermenêutica deve seguir as mudanças ocorridas com o pas-sar do tempo. No que tange à mulher, não se pode negar que aevolução da legislação tem se verificado no sentido da promoçãoda igualdade e do combate a esse tipo de discriminação.

Com isso, o intuito deste texto é demonstrar que o artigo 384da CLT, visto nos dias atuais, discrimina uma diferença onde elanão mais existe. Pelo contrário, com o intuito de inclusão, o artigopode voltar a segregar a contratação de mulheres no mercado detrabalho, já que na visão do empregador a existência de intervaloexclusivo às trabalhadoras, não extensivo aos empregados homens,pode representar um inconveniente e um gasto extra na contrataçãodaquelas.

Desta forma, longe de beneficiar a quem deveria proteger, asmulheres, encerra um obstáculo, ainda que involuntário e de or-dem legal, ao acesso igualitário ao mercado de trabalho. Uma nor-ma que se pensou originariamente como inclusiva poder-se-ia tor-nar discriminatória.

O debate é atual e ainda pende de solução pelo STF, que jul-gará nos próximos dias o RE 658312/SC, o qual definirá se o artigo384 é constitucional ou não.

Até que a questão se resolva, vários são os posicionamentos edecisões sobre o assunto. Faremos, assim, um breve relato do quevem sendo decidido no âmbito dos tribunais trabalhistas e de quaisas opiniões em relação ao referido artigo.

Desta forma, o artigo 384 da CLT preceitua em seu texto, exclu-sivamente para a mulher, o direito ao intervalo de quinze minutosantes do início da jornada extraordinária, conforme se infere atravésda leitura do dispositivo legal inserido no capítulo que trata da pro-teção do trabalho da mulher: "Art. 384. Em caso de prorrogação dohorário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minu-tos, antes do início do período extraordinário de trabalho".

Assim, deixando o empregador de conceder à mulher o inter-valo de 15 (quinze) minutos entre a jornada normal e a extraordi-nária, a teor do art. 384 da CLT, impõe-se o pagamento do tempocorrespondente, considerado incluído no total das horas extrasefetuadas, e, portanto, com acréscimo de 50%.

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INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES

De outro lado, fazendo uma interpretação restritiva do art.384, sua violação compreenderia, apenas, infração de ordem ad-ministrativa. Não se podendo olvidar que as normas que impõemsanção são assim interpretadas, de forma restritiva, e nesse contex-to o legislador não previu sanção alguma em caso de suainobservância, descabe, portanto, uma interpretação extensiva aosditames do citado artigo, para, por exemplo, deferimento do even-tual intervalo como horas extras, e como consequência o paga-mento da hora com acréscimo de 50%.

Deixando o fato de a sanção ser ou não aplicada, o certo éque os arts. 5º, I, e 7º, XXX, da CRFB-88, são claros ao especificarque, primeiro, homens e mulheres são iguais perante a lei e, se-gundo, não será permitido se fazer discriminações profissionais noque tange ao gênero.

Mas até que ponto o tratamento desigual é justo e necessário,e não apenas um benefício em detrimento de uma situação? Atéque ponto o art. 384 da CLT é necessário, e não somente um bene-fício?

Em verdade, quando o ordenamento moderno (CRFB-88) quisdar tratamento diferenciado à mulher, ele o fez com base em crité-rios objetivos, longe de concepções subjetivas, étnicas, culturais emorais (sic), de uma ordem constitucional ultrapassada. Ademais, épreciso lembrar que o protecionismo exacerbado ao trabalho damulher é injustificável na sociedade atual, em que homens e mu-lheres têm redefinidos os seus papéis, sendo ambos responsáveis,tanto pelo sustento financeiro do lar, como pela gestão do ambi-ente familiar privado. Nesse sentido, Alice Monteiro de Barros:

[...] filio-me à corrente segundo a qual a legislação pro-tecionista não se justifica no Brasil de hoje, tendo suasraízes, também, em noções tradicionais acerca do papelda mulher na sociedade. Os motivos que a inspiraramsão muito conservadores e evidentemente que pode-rão ser causa de discriminação no mercado de trabalho.À medida em que se acatam estas leis, ditas benignas,nem sempre na prática, revertem-se em benefício damulher. Ao contrário, poderão agravar a concentraçãode mulheres em guetos profissionais, de baixa remune-ração, expondo o contingente de trabalhadoras a con-dições de subemprego e inferioridade (BARROS, 1992-1993, p. 152).

O que se discute em relação ao artigo 384 é a legalidade dodispositivo de proteção do trabalho da mulher à luz do PrincípioIsonômico escrito no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal,que expressamente estabelece que "homens e mulheres são iguaisem direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

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Muito se debate na doutrina e jurisprudência acerca daconstitucionalidade do art. 384 da CLT, uma vez que a interpreta-ção desse dispositivo encerraria o tratamento diferenciado em re-lação a ambos os sexos, o que, por óbvio, é expressamente vedadoconstitucionalmente.

Na doutrina de Sergio Pinto Martins, o ilustre jurista ponderaque:

O preceito em comentário conflita com o inciso I do arti-go 5º da Constituição, em que homens e mulheres sãoiguais em direitos e obrigações. Não há tal descansopara o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir acontratação de homens, em vez de mulheres, para ocaso de prorrogação do horário normal, pois não preci-sará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogara jornada de trabalho da mulher (MARTINS, 2001,p. 69).

Nesse mesmo sentido posicionou-se Alice Monteiro de Barros:

Considerando que é um dever do estudioso do direitocontribuir para o desenvolvimento de uma normativaque esteja em harmonia com a realidade social, propo-mos a revogação expressa do artigo 376 da CLT, portraduzir um obstáculo legal que impede o acesso iguali-tário da mulher no mercado de trabalho. Em conseqü-ência, deverá também ser revogado o artigo 384 daCLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hi-pótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositi-vos conflitam com os artigos 5º, I, e artigo 7º, XXX, daConstituição Federal (BARROS, 1995, p. 479).

Na jurisprudência, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Re-gião, em acórdão de lavra do eminente juiz Dirceu Pinto Júnior,posicionou-se no seguinte sentido:

quanto à não concessão do intervalo previsto no artigo384 da CLT, entendo que, por não importar em acrésci-mo de jornada, configura mera infração administrati-va. Além do mais, o dispositivo trata de proteção dotrabalho da mulher, o qual se encontra revogado emface das disposições constitucionais que asseguram igual-dade de direitos e deveres entre homem e mulher. Ameu juízo, impossível a manutenção de qualquer nor-ma de proteção, salvo aquelas que se referem a condi-ções especiais da condição da mulher, como a materni-dade e o deslocamento de peso. Ante o exposto, refor-mo o julgado para excluir a condenação ao pagamentode 15 minutos extraordinários e reflexos baseados noartigo 384 da CLT (BRASIL, 1999, p. 241).

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INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES

Ainda sobre essa questão, mas com pensamento diverso, CelsoRibeiro Bastos ensina que:

homens e mulheres não são, em diversos sentidos, iguais,sem que com isso se queira afirmar a primazia de umsobre o outro. O que cumpre notar é que, por seremdiferentes, em alguns momentos haverão forçosamen-te de possuir direitos adequados a estas desigualdades(BASTOS; MARTINS, 1998-1999, p. 18).

E prossegue:

Embora seja sabido que depende muito da cultura decada país o reconhecer o que é próprio a cada um dossexos, o fato é que o direito há de respeitar estas distin-ções que, embora de base eminentemente cultural, nãodeixam de ter como suporte uma diferenciação na pró-pria caracterização de cada um dos sexos (BASTOS;MARTINS, 1998-1999, p. 21).

Sobre o tema, a opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello:

por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídicapretende firmar é a impossibilidade de desequiparaçõesfortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, estevalor absorvido pelo Direito, o sistema normativo con-cebeu fórmula fácil que interdita, o quanto possível, taisresultados, posto que, exigindo igualdade, assegura queos preceitos genéricos, os abstratos e atos concretoscolham a todos sem especificações arbitrárias, assimproveitosas que detrimentosas para os atingidos(MELLO, 1993, p. 18).

A jurisprudência das diversas Cortes Trabalhistas Obreiras tam-bém já se manifestou pela constitucionalidade do art. 384 da CLT,senão veja-se:

INTERVALO PRECEITUADO NO ARTIGO 384 DA CLT -CONSTITUCIONALIDADE E VIGÊNCIA - NÃO CONCES-SÃO - O princípio da isonomia visa a impedir que dife-renças arbitrárias encontrem amparo em nosso siste-ma jurídico, e não cumpre seu objetivo quando é inter-pretado em termos absolutos, servindo de fundamentopara tratamento igual àqueles que são desiguais. Des-ta forma, considerando a inquestionável diferença físi-ca existente entre homem e mulher, o artigo 384 da CLTfoi recepcionado pela atual ordem constitucional, nãose havendo falar que sua aplicação viola o artigo 5º,inciso I, da Constituição Federal. Assim, vigente o referi-do dispositivo, sua inobservância, deixando o emprega-dor de conceder à mulher o intervalo de 15 (quinze)minutos entre a jornada normal e a extraordinária, im-

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FERNANDA VALADARES DE OLIVEIRA ARTIGO

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põe-se penalizá-lo com o pagamento do tempo corres-pondente, com acréscimo de 50%. Recurso conhecido aque se dá parcial provimento. (TRT 23ª R. - RO00643.2002.021.23.00-9 - Cuiabá - Relª Juíza MariaBerenice - DJMT 25.02.2003 - p. 24)

BRASIL TELECOM S/A - INTERVALO DO ARTIGO 384 DACLT - O artigo 384 da CLT, que prevê, para a mulher, odireito a intervalo de quinze minutos antes do início dajornada extraordinária, transmuda-se, constatada a suainobservância, em direito ao pagamento do tempo cor-respondente como extra. Não se cogita de ofensa aoprincípio da igualdade (art. 5º, I, da CF), decorrendo otratamento diferenciado, no caso, da condição desigualda mulher, relativamente à sua higidez física. (TRT 9ª R.- RO 01356-2001 - (26479-2001) - 2ª T. - Rel. Juiz LuizEduardo Gunther - J. 10.07.2001) (Ementas no mesmosentido) JCLT.457 JCLT.457.1 JCLT.384 JCLT.10 JCLT.448JCF.37 JCF.5 JCF.5.I.

No mesmo sentido, já se posicionou a Superior Corte Obreira (TST),quando do julgamento do recurso de revista interposto nos autos doprocesso de nº 12600/2003-008-09-00.3, oriundo do TRT da 9º Re-gião (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, www.tst.gov.br).

Nesse julgamento, segundo o ministro Levenhagen, embora aConstituição afirme que homens e mulheres são iguais em direitose obrigações, "é forçoso reconhecer que elas se distinguem doshomens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela suapeculiar identidade biossocial". O relator acrescentou que foi emrazão das condições que distinguem ambos os sexos que o legisla-dor concedeu às mulheres, no artigo 384 da CLT, um intervalo de15 minutos antes do início do período de extrajornada.

De acordo com o eminente ministro, o sentido protetivo danorma da CLT é claro e não afronta o dispositivo constitucional daisonomia entre homens e mulheres.

Levenhagen registrou ainda que para realmente se seguir oPrincípio Constitucional da Isonomia seria preciso estender aoshomens o mesmo direito reconhecido às mulheres, e não usá-locom fundamento para extinguir ou negar o direito previsto no ar-tigo 384 da CLT. Para o ministro, o Princípio da Isonomia se expres-sa também "no tratamento desigual dos desiguais na medida dasrespectivas desigualdades".

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julga-mento do Recurso de Revista nº TST-RR-345600-96.2005.5.12.0046,declarou a constitucionalidade do artigo 384 da Consolidação dasLeis do Trabalho, que prevê um intervalo de 15 minutos para asfuncionárias mulheres entre a jornada normal de trabalho e a ex-traordinária, conhecido como intervalo intrajornada, porquanto

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INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES

tal artigo teria sido recepcionado pela atual Carta Federal, sendoeste o entendimento atual do Tribunal Superior do Trabalho quan-do do exame do Recurso de Revista nº 1.540/2005-046-12-00.5,ocorrido em 17 de novembro de 2008, conforme a ementa do inci-dente de inconstitucionalidade:

MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LA-BOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DOART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art.384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de secomeçar a prestação de horas extras pela trabalhadoramulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constitui-ção Federal, dada a plena igualdade de direitos e obri-gações entre homens e mulheres decantada pela CartaPolítica de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina nocampo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual en-tre homens e mulheres não afasta a natural diferencia-ção fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando aosenso comum a patente diferença de compleição físicaentre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLTem seu contexto, verifica-se que se trata de norma le-gal inserida no capítulo que cuida da proteção do traba-lho da mulher e que, versando sobre intervalointrajornada, possui natureza de norma afeta à medici-na e segurança do trabalho, infensa à negociação cole-tiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. OrientaçãoJurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior des-gaste natural da mulher trabalhadora não foidesconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiudiferentes condições para a obtenção da aposentado-ria, com menos idade e tempo de contribuiçãoprevidenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II).A própria diferenciação temporal da licença-materni-dade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art.10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é damaternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de sepostergar o gozo da licença-maternidade para depoisdo parto, o que leva a mulher, nos meses finais da ges-tação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifi-ca o tratamento diferenciado em termos de jornada detrabalho e período de descanso. 4. Não é demais lem-brar que as mulheres que trabalham fora do lar estãosujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda reali-zam as atividades domésticas quando retornam à casa.Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre ocasal, o peso maior da administração da casa e da edu-cação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nessediapasão, levando-se em consideração a máximaalbergada pelo princípio da isonomia, de tratar desi-gualmente os desiguais na medida das suas desigualda-des, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional,que desempenha a mulher trabalhadora corresponde obônus da jubilação antecipada e da concessão de vanta-

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gens específicas, em função de suas circunstâncias pró-prias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes deiniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitara pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Inci-dente de inconstitucionalidade em recurso de revistarejeitado. (Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, TST-IIN-RR-1.540/2005-046,2-00.5, DJ de 13/2/2009).

Trazendo o debate para o mundo dos fatos, e da realidadevivenciada no dia a dia dos trabalhadores, e aproveitando que aquestão ainda pende de decisão pelo STF, não seria o caso de pen-sarmos que o intervalo do art. 384 da CLT poderia ser devido emqualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador,seja ele homem ou mulher?

De fato, e isso ninguém discute, homens e mulheres são dife-rentes. Seja física, seja psicologicamente. O fato é que devemosaplicar, de forma efetivamente objetiva, o princípio que diz quedevemos tratar os iguais de formas iguais na medida em que sedesigualam.

O final desse princípio, na medida em que se desigualam, émuito expressivo, e passo aqui a analisá-lo.

Quando a CLT, com o objetivo de preservar a saúde, a segu-rança e a higidez física dos trabalhadores, editou a jornada de tra-balho, limitando-a em oito horas diárias ou 44 horas semanais, quisfazer entender que ultrapassado esse tempo, seja para o homemseja para a mulher, o trabalho se torna desgastante, afetando, por-tanto, a saúde do trabalhador.

Não é por acaso que existe horário de intervalo intrajornada,e que este necessariamente deve ser cumprido, para que o ser hu-mano tenha condições físicas e psíquicas de continuar seu serviço.

A pergunta é: se existe limite de jornada para ambos os sexos,com intervalo intrajornada igual para ambos os gêneros, por quesomente a mulher terá direito a 15 minutos de descanso caso ne-cessite fazer hora extra? Não estaria esse artigo indo de encontrocom a jornada de trabalho em relação ao homem?

Qual a razão para a jornada de trabalho da mulher ser consi-derada mais sofrida e necessitar de mais descanso do que a do ho-mem? O sexo?

A força de trabalho de homens e mulheres é a mesma. Se assimnão fosse, não teríamos mulheres nos mais altos escalões de co-mando de nossa pátria. A circunstância em questão não justificatratamento diferenciado dos homens. Não é o caso, por exemplo,de situações previstas na própria Constituição Federal, como a gra-videz, que, segundo o voto da juíza Maria Inês Corrêa de CerqueiraCésar Targa, da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ªRegião, nos autos do processo 02529-2002-044-15-00-0:

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INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E O TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES

[...] se justifica, porque há uma situação determinantepara essa distinção, e não afronta o princípio da igual-dade, que permite, justamente, tratar os desiguais comdesigualdade, para que, assim, eles se equiparem.

A meu ver, gênero é um critério muito amplo, que não trata osdiferentes de forma desigual. E se o método homem e mulher épor demais fraco, que não explica o porquê de haver uma exceçãode horário de jornada em relação a horas extras, por que aindaestá presente na CLT?

Volto a insistir, não estou defendendo que o artigo deve serexcluído da CLT, pelo contrário. Acredito que o descanso de 15minutos deveria ser estendido em qualquer caso de prorrogação,já que a própria CLT já determinou qual o horário diário saudávelque o ser humano pode fazer. Caso contrário, voltaríamos aos an-tepassados e lembraríamos do tempo da escravidão, em que ne-nhum direito trabalhista existia.

A jornada trabalhista foi um grande avanço e uma imensa con-quista para os trabalhadores e seres humanos em geral. Através dodireito conquistado, estamos respeitando os princípios da Consti-tuição Federal que pregam, além de tudo, uma vida digna e sau-dável.

Desta forma, estender a jornada, mesmo que seja pelo tempopermitido legalmente, requer dedicação extra de ambos os sexosde trabalhadores. E, se vamos elastecer a jornada, nada mais justodo que conceder novo intervalo intrajornada.

Sendo assim, o art. 384 CLT seria a chance perfeita para a dou-trina trabalhista continuar evoluindo e, em vez de considerá-loinconstitucional, ou específico para a trabalhadora mulher, ampli-ar sua abrangência para também conceder o tempo de descansopara o trabalhador homem que deseje realizar horas extras.

Nessa esteira de ideias, a jurisprudência, sensível a tal posição,assim se manifestou:

TRABALHO DA MULHER. O artigo 384, da CLT, dispondoser obrigatório um descanso de 15 minutos antes doperíodo extraordinário do trabalho da mulher, foirecepcionado pela Nova Carta Constitucional, expandin-do seus efeitos também sobre o trabalho do homem. Éque o artigo em comento deve ser resolvido em favordo trabalhador, pois o objetivo da norma constitucional,longe de mitigar direitos, visa à ampliação dos mínimosexistentes, sendo válida a ilação de que, ante o ditadodo art. 5º, I, da Carta Política de 1988, homens e mulhe-res são iguais em direitos e obrigações (TRT-PR-RO 2.659/01. Rel. Juiz Roberto Dala Barba. AC. 29.654/01. DJ/PR19.10.01).

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Conclusão

Portanto, à vista do que se expôs, em interpretação sistemáticae analógica, tem-se que o preceito contido no art. 384 da CLT deveser interpretado com o texto dos outros artigos da CLT no sentidode que o intervalo de 15 minutos para descanso entre a jornadanormal e extraordinária seja devido em todos os casos de prorro-gação de serviço de qualquer trabalhador, tanto para a proteçãodo trabalho da mulher como para a do homem, com vistas ao bem-estar físico e psíquico do empregado.

Concluindo, essa seria a melhor solução, já que direitos con-quistados não devem ser mitigados; pelo contrário, devem estar aoalcance de todos. No entanto, reforço que o tema ainda está pen-dente de debate no STF, cujo julgamento sobre a constitu-cionalidade ou não do art. 384 da CLT aguardamos.

Referências

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BARROS, Alice Monteiro de. Proteci-onismo Legal e os Efeitos no Merca-do de Trabalho da Mulher. Revista doTRT da 3ª Região, Belo Horizonte, 23(52), julho 92/junho 93.

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS,Ives Gandra. Comentários à Consti-tuição do Brasil: promulgada em 5de outubro de 1988. São Paulo: Sa-raiva, 1988-1989.

BRASIL. Tribunal Regional do Traba-lho da 9ª Região. Proc. TRT-PR-RO15.798/98, Acórdão 4ª T. 16.250/99,julgado em 26 de maio de 1999. Re-vista do Tribunal Regional do Tra-balho da 9ª Região, Curitiba, v. 24,n. 1, janeiro a junho de 1999.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito doTrabalho. 13ª ed. São Paulo: Atlas,2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.O Conteúdo Jurídico do Princípioda Igualdade. 3ª ed. São Paulo:Malheiros, 1993.

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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Habitação de Interesse Social eRegularização Fundiária:

possibilidades e convergências dentrodo atual marco institucional

brasileiro

Bruna de Oliveira Maciel1

Advogada da Caixa em PernambucoMestre em Direitos Humanos pelo Centro

de Ciências Jurídicas da UFPE

RESUMO

O presente artigo busca apontar eventuais pontos deconvergência entre o arcabouço institucional das políticashabitacionais atualmente promovidas pelo Governo Federal nofomento da habitação de interesse social e as diretrizesconstitucionais sobre regularização fundiária, já regularizadas porleis de abrangência nacional.

Palavras-chave: Regularização fundiária. Habitação deinteresse social. Políticas habitacionais. Legislação.

ABSTRACT

This article seeks to identify possible points of convergencebetween the institutional framework of housing policies currentlypromoted by the Federal Government in the field of affordablehousing, and the already existing constitutional guidelines on landregularization and its regulation by laws nationwide.

Keywords: Land regularization. Social Housing. Housingpolicies. Legislation.

Ao tratar da intervenção do Governo Federal no fomentoda chamada habitação de interesse social, sob a perspectivainstitucional e jurídica, estamos cientes de que o espaço das ci-dades, assim como as intervenções urbanísticas sobre o mesmo,

1 Trabalho submetido para fins de avaliação na Disciplina de Teoria do Planejamen-to Urbano, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE,ministrada pelos professores Suely Maria Ribeiro Leal e Flavio Antônio Miranda daSouza, no 1° semestre de 2012.

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não é objeto de estudos neutros. Como bem enfatizado porHenri Lefebvre, sendo o espaço um produto social e, portanto,político, suas análises passam necessariamente por uma críticapolítica, cujo viés pode ser esquerdista ou direitista. Na análisedo sociólogo:

A crítica de direita é, grosso modo, uma crítica da buro-cracia, das intervenções estatistas, na medida em quetais intervenções perturbam a iniciativa “privada”, ouseja, os capitais. Do mesmo modo, a crítica de esquerdaé uma crítica da burocracia e da intervenção estatista,na medida em que esta intervenção não considera, ouconsidera mal, os usadores, a prática social, quer dizer aprática urbana (LEFEBVRE, 2008, p.64).

Posta essa premissa epistemológica, vale alertar que, no âmbi-to reduzido deste artigo, não se tem por objetivo a consolidaçãode um posicionamento crítico sobre as políticas habitacionais urba-nas atualmente fomentadas pela União, sob a perspectiva de seusresultados como políticas públicas. Para tanto, far-se-ia necessáriaextensa pesquisa de dados e literatura, incabíveis neste meio. Oque se pretende por ora é tão somente elaborar um retrato doarcabouço institucional atualmente vigente no âmbito federal, nosentido de aproximar da legalidade jurídica a realidade habitacionalem nossas cidades, muitas vezes já legitimada por sua história deocupação.

Na história legislativa de nosso país, desde muito cedo, o atri-buto da legalidade na ocupação da terra esteve vinculado a suaaquisição através da compra. Em 1850, através da Lei nº 601, que setornou conhecida como Lei de Terras, o imperador D. Pedro II, emvias de proceder com a abolição da escravatura, proibiu a aquisi-ção de terras por outro título que não o de compra. Ao mesmotempo, legalizou as concessões já feitas pelo Governo Colonial, aexemplo das sesmarias. É bem verdade que, em teoria, essa mesmalei, em seu art. 5º, reconheceu a possibilidade de se legitimar “asposses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ouhavidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou comprincipio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, oude quem o represente” (BRASIL, 1850). Para obter os títulos dosterrenos, os posseiros se achavam obrigados a registrá-los, median-te o pagamento de taxas, junto às repartições públicas, sem o quenão poderiam hipotecá-los ou aliená-los de qualquer modo. O Es-tado, desde então, chancelou o valor mercantil da terra, ainda quenuma sociedade essencialmente agrária.

Desde esse primeiro marco legal, a modernização e industrializa-ção da sociedade brasileira alteraram sensivelmente a configuração

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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

habitacional de nosso país. Segundo o Censo 2010, realizado peloIBGE, 84% dos brasileiros viviam em áreas urbanas, sendo que a pre-dominância da vida nas cidades já ocorre desde a década de 70.2

Essa alteração no perfil econômico e demográfico do país ocor-reu sem que tenha havido mudanças significativas no padrão delegitimidade/legalidade nos regimes de posse e propriedade deterras. No âmbito urbano, as distorções se agravam em virtude daescassez de espaços integrantes da centralidade urbana.

Isso quer dizer que são limitados os espaços ao redor dos cen-tros de (re)produção de riqueza das cidades, em geral, associados àoferta de serviços. Inclusive, a oferta de serviços públicos básicospara garantir a habitabilidade de qualquer residência, tais comosaneamento básico, abastecimento de água e luz e acesso a trans-porte público, também costuma ser restrita aos espaços onde pre-valecem as atividades que trazem ganhos econômicos à cidade.Diante desse quadro, a população economicamente apta a inte-grar o comércio imobiliário formal/legal prioriza propostas deverticalização de moradias para permanecer habitando em bairros“centrais”, enquanto a população que se encontra à margem daeconomia formal – e, portanto, sem possibilidade de consumir pro-dutos imobiliários urbanos – passa a se concentrar, de forma precá-ria e ilegal, nos espaços periféricos da cidade, ainda não reclama-dos pelos titulares legais do direito de propriedade, sejam eles par-ticulares ou os próprios poderes públicos.

Esse quadro de contradições sociais trazidas com a urbanizaçãonão é exclusivo de nosso país, ou mesmo dos chamados países emdesenvolvimento. Há quarenta anos, analisando o caso da França,onde se considerava existir uma das mais completas redes de assis-tência ao cidadão pelo Estado do Bem-Estar Social (welfare state), osociólogo Henri Lefebvre, comentando sobre o distanciamento dostrabalhadores dos centros urbanos, concluía que o crescimento daeconomia nas cidades não veio acompanhado de um desenvolvi-mento social, mas de uma deterioração da vida urbana:

Estamos diante de uma verdadeira contradição. Eu achamo de uma contradição do espaço. De um lado aclasse dominante e o Estado reforçam a cidade comocentro de poder e de decisão política, do outro, a domi-nação dessa classe e de seu Estado faz a cidade explodir.Foi pensando nos habitantes dos subúrbios, na segrega-ção, no isolamento, que falei, num livro, do “direito àcidade”. Não se trata de um direito no sentido jurídicodo termo, mas de um direito semelhante aos que se

2 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766>. Acesso em: 27 jun. 2012.

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encontram estipulados na célebre Declaração dos Di-reitos do Homem, constitutiva da democracia(LEFEBVRE, 2008, p.149, grifo do autor)

Nos moldes preconizados por Lefebvre, o direito à moradiaadequada é reconhecido pelas organizações internacionais de di-reitos humanos, a exemplo da ONU, como precondição ao usufru-to de vários outros direitos humanos, tais como trabalho, saúde,segurança social, voto, privacidade ou educação. Sua menção ocorreem inúmeros tratados e convenções desde a Declaração Universaldos Direitos do Homem de 1948. Atualmente, o Programa das Na-ções Unidas para Habitação (UN-Habitat) distingue o direito depropriedade da terra do direito a uma moradia adequada. Em suascartilhas, o UN-Habitat elenca alguns atributos fundamentais quedevem estar presentes para que um abrigo possa ser consideradocomo moradia adequada: proteção legal contra ameaças de remo-ção; disponibilidade de serviços e infraestrutura; acessibilidade decusto; abrigo adequado; acessibilidade; localização adequada; e,por fim, adequação cultural.3 Ocorre que a adesão dos países aostratados internacionais que protegem o direito à moradia, e suaincorporação à ordem institucional interna, está no âmbito dediscricionariedade de cada Estado nacional.

Pois bem. No caso brasileiro, a Constituição de 1988, já pro-mulgada sob a égide de uma sociedade urbana, conferiu ao Muni-cípio autonomia como entidade político-administrativa, inovandona dinâmica de poderes da Federação Republicana. Por outro lado,seguindo sua vocação social, a Carta reconheceu a necessidade deelaboração de uma política urbana nacional e reforçou a submis-são do direito de propriedade a sua função social. Já o direito àmoradia ganhou expressa menção como direito social, através deemenda constitucional nº 26, no ano de 2000.

Apesar do respaldo dessa estrutura institucional, e dos cres-centes reclamos sociais por uma atuação governamental específicasobre os problemas das cidades, que concentram grande parte dasmazelas sociais do país, foi somente após mais de vinte anos davigência da Constituição que uma lei federal veio estabelecer dire-trizes gerais para execução da política urbana prevista nos artigos182 e 183 da “Carta Cidadã”. Dispondo-se a nortear a ação dosMunicípios, a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominadaEstatuto da Cidade, sobre a qual passaremos a discorrer adiante,reconheceu expressamente as funções sociais da cidade e da pro-priedade urbana.3 The Right to Adequate Housing – Fact Sheet nº 21. UN-Habitat. Disponível em:

<http://www.ohchr.org/ Documents/Publications/FS21_rev_1_Housing_en.pdf>.Acesso em: 27 jun. 2012.

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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Posteriormente, no ano de 2003, foi criado o Ministério dasCidades no âmbito do Governo Federal, com a proposta deestruturar políticas públicas nas quais o uso e ocupação do solourbano fossem tratados de forma conjunta com os problemas dehabitação, saneamento e mobilidade de que padecem os morado-res das cidades. A ideia seria coordenar a ação dos demais entesfederativos (Estados e Municípios) no que diz respeito aos financi-amentos da habitação e da infraestrutura urbana, atendo-se àsprioridades definidas nos planos urbanísticos municipais, nos quaisdeveria ser viabilizada a participação democrática da população.

O discurso institucional do ministério, reproduzido em seu sí-tio eletrônico, é que, através da atuação desse órgão, o GovernoFederal pretende respaldar o protagonismo dos Municípios no pla-nejamento e gestão urbanos, limitando-se a União a definir as di-retrizes gerais de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urba-no. Essa nova política passaria a subordinar a destinação dos finan-ciamentos públicos de habitação e infraestrutura, deixados a cargodos bancos públicos desde o regime militar – Banco Nacional deHabitação, sucedido pela Caixa Econômica Federal. Sob controledo Conselho Monetário Nacional, os bancos públicos geriram des-de 1964 o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que, apesar depermitir a captação de expressivos recursos subsidiados junto aoFundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao Sistema Brasi-leiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), não teve êxito significati-vo em beneficiar a população abaixo da faixa de renda média oudialogar com os responsáveis pela gestão urbana nos âmbitos locale nacional.4

No ano de 2004 foi aprovada, no âmbito do ministério e deseu órgão de consulta popular (Conselho das Cidades), a PolíticaNacional de Habitação (PNH) (BRASIL, 2010), que previa como umde seus instrumentos de implementação a criação de um SistemaNacional de Habitação (SNH). Desde sua concepção, o SNH baseou-se na premissa de que o enfrentamento da questão da moradianas cidades exigiria não apenas o envolvimento dos três níveis degoverno, mas necessitaria definir as regras de gestão da articulaçãofinanceira entre agentes públicos e privados, tanto que foi formu-lado contendo dois subsistemas: o de Habitação de Interesse Sociale o de Habitação de Mercado.

Essa lógica binária, distinguindo recursos onerosos e não one-rosos, pretende aprimorar a divisão existente no SFH, que, origi-nalmente, propunha-se a destinar os recursos do FGTS aos financi-amentos de baixa renda e os do SBPE à população com parâmetros4 Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/o-ministerio>. Acesso em:

28 jun. 2012.

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de renda mais altos. Todavia, não há como negar que a ideiasubjacente continua sendo reduzir a participação do poder públi-co no atendimento à classe média, através da captação de recursosno mercado de capitais, para que seja possível concentrar os recur-sos não onerosos do governo no subsistema de Habitação de Inte-resse Social. A fonte de financiamento desse sistema, além dos re-cursos advindos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), do Fundo de Am-paro ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Desenvolvimento Social(FDS), seria o novo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Soci-al (FNHIS), que veio a ser efetivamente criado em 16 de junho de2005, pela Lei nº 11.124.

De acordo com sua lei de criação, o FNHIS, destinado aimplementar políticas habitacionais direcionadas à população demenor renda, além de poder incorporar outros fundos sociais quevenham a ser extintos, também está apto a receber aportes diretosdo Orçamento Geral da União (OGU), receitas decorrentes da alie-nação dos imóveis da União (se não destinadas ao Tesouro Nacio-nal), contribuições e doações de pessoas físicas ou jurídicas, entida-des e organismos de cooperação nacionais ou internacionais, emesmo recursos provenientes de empréstimos externos e internospara programas de habitação. Interessante notar que, no mesmoano de promulgação da lei de criação do FNHIS, o Brasil firmouempréstimo na ordem de 500 milhões de dólares junto ao BancoMundial para investimentos em habitação popular.

Vale esclarecer que seus recursos estão prioritariamente desti-nados à aplicação por intermédio dos Estados, Distrito Federal eMunicípios, os quais, apresentando seus próprios PlanosHabitacionais de Interesse Social, deverão oferecer contrapartida –seja em recursos financeiros, bens imóveis urbanos ou serviços – aopromover programas habitacionais que contemplem, de maneirageral, aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, loca-ção social e arrendamento de unidades habitacionais em áreas ur-banas e rurais. Todavia, também é reconhecido o papel de agentepromotor a entidades privadas sem fins lucrativos, cujos objetivossociais se identifiquem com os do Fundo. Por fim, vale ressaltar quea própria lei prevê que os recursos do FNHIS poderão ser usadospara complementar a capacidade de pagamento do beneficiáriopara o acesso à moradia, não apenas na aquisição do imóvel, maspara qualquer outra forma de pagamento pelo direito de acesso àhabitação, a exemplo de aluguéis e arrendamentos.

Voltando à Política Nacional de Habitação, aprovada em 2005,observamos que a mesma contempla especificamente a necessida-de de complementaridade entre ações corretivas de regulariza-

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ção fundiária, urbanização e inserção social dos assentamentos pre-cários e ações preventivas, voltadas para a ampliação euniversalização do acesso à terra urbanizada e a novas unidadeshabitacionais adequadas. Se por um lado há uma exortação à con-solidação de uma política fundiária por meio dos instrumentos ur-banísticos previstos no Estatuto da Cidade, bem como das Leis deParcelamento do Solo e de demarcação de Zonas Especiais de Inte-resse Social, mediante financiamento público, por outro, fala-seem ampliação da produção habitacional para aumentar o estoquede novas moradias de custo compatível com a capacidade de paga-mento da população de baixa renda, de forma compartilhada como setor privado.

Apesar da distinção proposta pelo Ministério das Cidades en-tre o sistema de Habitação de Interesse Social e o de Habitação deMercado, a depender da faixa de renda da população a ser con-templada, baseada também na origem dos recursos empregados –públicos ou privados –, a habitação de interesse social não deixoude se inserir no mercado. As estimativas sobre os números de déficithabitacional do país atraíram a atenção do mercado imobiliário, jáque as necessidades de moradia, apontadas por diversos estudos,dificilmente seriam supridas apenas com medidas de regularizaçãofundiária. O fato é que a opção de reconhecer/legalizar a ocupa-ção histórica já consolidada dos espaços urbanos certamente exigi-ria um nível bastante superior de investimentos públicos, posto queo apoio à requalificação dos imóveis precários não poderia serdesvinculado do fornecimento de infraestrutura ao entorno,tampouco se realizaria sem a regularização jurídica da posse ou dapropriedade, a exigir interlocução com as administrações munici-pais e judiciárias.

Diante desse contexto, o modelo de subsídio público à capaci-dade de pagamento da população de baixa renda para compra denovos imóveis foi o caminho efetivamente privilegiado pelo Go-verno Federal no enfrentamento da questão do déficit habitacional,através da criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. O Programa tem porfinalidade, descrita em lei, criar mecanismos de incentivo à produ-ção e à aquisição de novas unidades habitacionais, à requalificaçãode imóveis urbanos e à produção ou reforma de habitações rurais,para famílias com renda mensal de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais)– respeitando-se um limite máximo para o valor venal do imóvel,que atualmente é de R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais). Tra-ta-se de um modelo que privilegia o fomento ao mercado imobili-ário formal, de modo que o atendimento às necessidades de mora-dia adequada da população de baixa renda sirva também ao in-

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cremento de um setor específico da economia nacional: a constru-ção civil. O detalhe interessante é que a mesma lei que criou oPMCMV, em sua segunda parte, tratou também da regularizaçãofundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, parteesta que vem merecendo uma atenção bastante reduzida dosgestores públicos.

O Programa Minha Casa Minha Vida não excluiu qualquer daslinhas de recurso já disponibilizadas pelo Governo para a constru-ção de moradias para a baixa renda, quais sejam: FAT, FDS, FAR,FGTS, OGU e FNHIS. Na verdade, significou um incremento de re-cursos no FAR e no FDS, de modo que esses fundos possam arcarcom subvenção econômica ao beneficiário final, no ato dacontratação de financiamento habitacional feito com recursos doFGTS. A subvenção econômica ao beneficiário pode ser um des-conto no financiamento, concedido para famílias com renda fami-liar mensal de até R$ 3.100,00 (três mil e cem reais), e poderá sercumulativa com subsídios concedidos pelos Estados, pelo DistritoFederal ou pelos Municípios. Aqui não é necessário que o imóveladquirido tenha sido construído mediante financiamento com re-cursos públicos, mas é preciso que tenha sido concluído após a vi-gência da lei, sem nunca ter sido habitado ou vendido. Aí está ogrande incentivo à indústria da construção civil.

Já as famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00 (um mil eseiscentos reais) deverão ser beneficiadas por empreendimentosconstruídos ou requalificados com recursos do FAR e do FDS cujovalor da unidade não seja superior a R$ 65.000,00, exigindo-se doadquirente participação financeira sob forma de prestações men-sais bastante reduzidas. Além disso, o pagamento pode ser dispen-sado quando as operações forem vinculadas a intervenções de ur-banização de assentamentos precários, saneamento integrado,manejo de águas pluviais e prevenção de deslizamento de encos-tas financiadas por meio de operações de crédito do Programa deAceleração do Crescimento (PAC) ao setor público, em que sejanecessário reassentamento, remanejamento ou substituição deunidades habitacionais.

Nessa modalidade, supõe-se a atuação dos programashabitacionais estaduais ou municipais, mediante o uso de recursosdo FAR (BRASIL, 2011b). Inclusive existe prioridade de destinaçãode recursos para projetos nos quais Municípios e Estados doem ter-renos ou apliquem medidas de desoneração tributária para as cons-truções destinadas à habitação de interesse social, ou que sirvampara implementação pelos Municípios dos instrumentos do Estatu-to da Cidade que se prestam à ocupação de áreas urbanas ociosas.Sempre que participarem do PMCMV, Estados, Distrito Federal e

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Municípios ficarão responsáveis pela seleção de beneficiários (den-tro dos parâmetros do programa, podendo conselhos locais dehabitação acrescentar outros critérios) e pela execução de trabalhotécnico social após a ocupação, abordando temas como organiza-ção comunitária, educação sanitária e ambiental e geração de tra-balho e renda e assumindo o compromisso de promover a instala-ção de equipamentos e serviços relacionados à educação, à saúde,ao lazer e ao transporte público.

É certo que dentro do Sistema de Habitação de Interesse Soci-al existe também um espaço institucional para a atuação da socie-dade civil, dedicado à promoção da moradia popular, e não ape-nas dos governos. Já no ano de 1993, o Fundo de Desenvolvimen-to Social (FDS) foi criado pela Lei nº 8.677, para o financiamentode projetos nas áreas de habitação popular, bem como de sanea-mento, infraestrutura e equipamentos comunitários, desde que vin-culados aos programas de habitação. Ocorre que a utilização deseus recursos não está destinada a entidades públicas de qualquernatureza. Seu fim específico é fomentar projetos de iniciativa depessoas físicas e de empresas ou entidades do setor privado no se-tor da habitação popular.

Assim, dentro do Programa Minha Casa Minha Vida, os recur-sos do FDS, e também os do FNHIS, se prestam a financiar interven-ções habitacionais coletivas por meio de cooperativas ou entida-des civis associativas sem fins lucrativos. Essas entidades, quandodevidamente habilitadas, passam a ter a atribuição de organizar eapoiar as famílias no desenvolvimento de cada uma das etapas dosprojetos voltados para a solução dos seus problemas habitacionais.Diante de tal responsabilidade, o Ministério das Cidades estipulouuma série de requisitos para o cadastramento das entidades da so-ciedade civil aptas a desempenhar esse papel na execução do pro-grama.

Para tanto, a Portaria nº 105 do Ministério das Cidades, de 2de março 2012, exige que as entidades privadas sem fins lucrativosestejam legalmente constituídas por no mínimo três anos e queseus estatutos sociais contemplem a função de agente promotor dehabitação de interesse social ou a atuação como prestador de ser-viços de assistência técnica/trabalho social. Existe também a fase dahabilitação técnica, quando se faz necessário comprovar algumaexperiência prévia na promoção da habitação de interesse social.A depender do acúmulo de experiências, é atribuída uma pontua-ção, que permite à entidade ampliar o número de unidadesresidenciais sob sua responsabilidade, de cinquenta até seiscentas,simultaneamente. Contam como pontuação as seguintes formas deatuação comprovadas:

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• Experiência em processo de autogestão ou gestãohabitacional/regularização fundiária de interesse social;

• Experiência de processo de articulação de empreendimentoshabitacionais em parcerias públicas ou privadas;

• Experiência em desenvolvimento de projetos de habitaçãode interesse social;

• Capacitação de seus associados nas áreas da gestãoparticipativa de empreendimentos habitacionais, programas e po-líticas públicas de habitação e regularização fundiária;

• Desenvolvimento de atividades de mobilização dos seus as-sociados;

• Difusão de informações referentes à área de atuação e dedireitos à moradia;

• Representação da entidade nos conselhos municipais/esta-duais e/ou conferências e congressos municipais/estaduais de polí-ticas públicas de desenvolvimento urbano (cidades, habitação, trans-porte, saneamento ou política urbana), na gestão atual ou emgestões passadas;

• Representação da entidade no Conselho Nacional das Cida-des, na gestão atual ou em gestões passadas;

• Participação de membro(s) da entidade como delegado(s)em Conferências Estaduais ou Nacionais das Cidades.

Atualmente existem 544 entidades cadastradas no Ministériodas Cidades habilitadas a receber e gerir recursos dos programasde Habitação de Interesse Social. Para evitar tráfico de influênciasna gestão dos recursos, os componentes da diretoria executiva daentidade, seus cônjuges/companheiros e parentes de primeiro graunão podem ser membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judi-ciário, das Instituições Financeiras Oficiais Federais, do MinistérioPúblico, das esferas federal, estadual ou municipal ou do Tribunalde Contas da União, nem servidores públicos vinculados ao Conse-lho Gestor do FNHIS ou ao Conselho Curador do FDS ou Ministériodas Cidades.5

Da leitura atenta dos requisitos elencados na portaria do Mi-nistério das Cidades para a atuação de entidades da sociedade civilna promoção da habitação popular, pode-se verificar que a habili-tação técnica exigida pressupõe uma atuação prévia e consolidadana articulação de demandas habitacionais. O reconhecimento deparcerias prévias com as esferas governamentais não significa queem nenhum momento os poderes públicos tenham atuado paraconvocar ou capacitar os particulares na gestão dos recursos públi-

5 Dados disponíveis em: <http://cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/Entidades_Habilitadas_PHPE_MCMV_2009-2010.pdf>. Acesso em:28 jun. 2012.

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cos reivindicados. Supõe que as entidades tenham caminhado comas próprias pernas para chegar ao nível de articulação que mereçaa confiança do Estado.

De fato, as entidades que têm logrado êxito em acessar a bu-rocracia estatal para obtenção de recursos públicos costumam terum longo histórico de reivindicações políticas. Em geral, a constru-ção de suas demandas passa não apenas pelo acesso a moradia,mas pela busca de reconhecimento da legitimidade da ocupaçãohistórica de suas comunidades dos centros urbanos. Essa ocupaçãomuitas vezes está consolidada em áreas centrais da cidade, queagora chamam atenção do mercado imobiliário, à medida que setornam escassos terrenos nas áreas tradicionalmente valorizadas,mas cresce ainda a demanda disposta a pagar altos valores para selivrar dos entraves da mobilidade urbana. É nesse sentido queLefebvre fala numa conexão entre espaço e tempo nas sociedadesurbanas capitalistas:

A esse espaço, cujas “propriedades” situam-se na arti-culação da forma e do conteúdo, corresponde um tem-po que tem as mesmas “propriedades”. O tempo, bemsupremo, mercadoria suprema, se vende e se compra:tempo de trabalho, tempo de consumo, de lazer, depercurso etc. Ele se organiza em função do trabalhoprodutivo e da reprodução das relações de produção nacotidianidade. O tempo “perdido” não é para todomundo, pois é preciso pagar caro por ele. O pretenso“tempo livre” é apenas o tempo separado e mantidocomo tal nos quadros gerais. Quanto ao tempo impos-to, aquele dos transportes e das formalidades, já se sabecomo ele se vincula de maneira deslocada ao tempo dotrabalho (LEFEBVRE, 2008, p. 50).

Em nossa ótica, a efetivação dos instrumentos de regulariza-ção fundiária da terra urbana seria o primeiro passo para permitirque os cidadãos figurem como protagonistas nos embates pela ocu-pação dos espaços centrais da cidade, na medida em que lhes dariapossibilidade de resistir às investidas do capital especulativo imobi-liário e se utilizar do capital estratégico que possuem por ocuparhistoricamente esses espaços.

Partindo dessa premissa, é interessante analisar se programasgovernamentais com foco genérico em redução do déficithabitacional, como o Minha Casa Minha Vida, ao menos em teo-ria, podem propiciar também o atendimento às diretrizes constitu-cionais de função social do desenvolvimento urbano. Para tanto,devem incentivar que Estados e Municípios, através das medidasde regularização fundiária, progressivamente facultadas pelas leisfederais, ampliem sua atuação nas ações de regularização da posse

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para fins de moradia, de modo a atingirem a meta constitucionalde redução do uso especulativo do solo.

A grande dificuldade jurídica enfrentada pelos Municípiosanteriormente a essa lei federal é que, apesar de a ConstituiçãoFederal já haver estipulado que o Plano Diretor Municipal é o ins-trumento básico do ordenamento territorial urbano – devendodefinir qual deve ser o uso e as características de ocupação de cadaporção do território municipal para que todos os imóveis cumpramsua função social –, não existia uma autorização legislativa paraque os Planos Diretores contrariassem as regras gerais sobre urba-nização já estipuladas nas leis federais. É que em nosso sistema fe-derativo a competência de legislar sobre Direito Urbanístico é con-corrente. Isso significa uma forma de cooperação entre os entesfederativos – União, Estados e Municípios – na qual a política urba-na deve ser desenvolvida pelos Municípios, respeitando as normasgerais para o desenvolvimento urbano editadas pela União, ca-bendo aos Estados apenas legislarem sobre a criação e regulamen-tação de regiões metropolitanas.

Antes da edição do Estatuto da Cidade, a única norma federalque regia o uso e a ocupação do solo urbano era a lei federal nº6.766, de 19 de dezembro de 1979, que tratava, basicamente, denormas para a criação, registro e comercialização de lotes de terra,seja com modificação ou abertura de novas vias de circulação e delogradouros públicos (loteamento), seja pela simples divisão deterras que possibilitasse o aproveitamento do acesso já existente(desmembramento). Na época da edição dessa lei, os problemasdecorrentes do exponencial crescimento das populações urbanasainda não chamavam atenção das esferas governamentais ou mes-mo da sociedade civil. Vale lembrar que nesse período é difícil atéimaginar a possibilidade de interlocução da sociedade civil com osgovernos para formular demandas sociais, já que se vivia sob regi-me de ditadura militar, no qual todos os movimentos populareseram considerados subversivos e passíveis de repressão.

Dado esse contexto, a produção legislativa dificilmente con-templaria a realidade da população ou serviria de instrumento detransformação da ordem social. Assim, no texto da Lei deParcelamento do Solo Urbano, está determinado que os lotes re-gulares terão que possuir área mínima de 125m2 (cento e vinte ecinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvoquando o loteamento se destinar a urbanização específica ouedificação de conjuntos habitacionais de interesse social previa-mente aprovados pelos órgãos públicos competentes. É obvio quea dinâmica espontânea de ocupação das cidades, decorrente dosprocessos migratórios e do próprio crescimento demográfico, não

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foi acomodada pela atuação governamental em projetos de urba-nização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de in-teresse social, de modo que essa lei, ainda hoje vigente, passou arepresentar nada mais que palavras sem qualquer sentido concre-to. Alguns estudiosos como Alfonsin (2007) estimam que uma mé-dia de 50% das famílias moradoras dos territórios urbanos brasilei-ros moram irregularmente, se incluídas aquelas habitações que nãose enquadram em algum padrão urbanístico ou formalidade jurí-dica inerente à transferência de propriedade de imóveis.

Apenas em 1999, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano veioa ser modificada para reconhecer uma prática legislativa municipalque se espalhou por várias cidades. Trata-se da edição de leis mu-nicipais declarando determinadas Zonas Habitacionais como sen-do de Interesse Social, a fim de possibilitar sua regularizaçãofundiária, ainda que fora dos padrões da legislação federal.

A edição dessas leis foi fruto de pressão de grupos de reivin-dicações locais pelo reconhecimento da legalidade de suas ocu-pações. Recife foi uma das cidades pioneiras desse tipo de legisla-ção. Já no ano de 1980, 27 favelas foram reconhecidas como áre-as especiais através de decreto municipal. Em 1983, a Lei de Uso eOcupação do Solo dividiu a cidade em cinco tipos de Zonas:Residenciais, Industriais, Verdes, Múltiplas, Institucionais e Especi-ais – estas últimas subdivididas em Zonas Especiais de Preservaçãoe Zonas Especiais de Interesse Social, as ZEIS. A partir de então, osmovimentos populares, organizados sob a bandeira do MovimentoPopular do Recife, e a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocesede Olinda e Recife apresentaram um projeto de lei intitulado “Pla-no de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social”(Prezeis), lutando anos para que o Executivo e o Legislativoencampassem as reivindicações populares ali contidas. No espíritode gestão democrática que precedia os anseios concretizados naConstituição de 1988, a Lei do Prezeis em Recife, de nº 14.947, foiaprovada em março de 1987, tendo sido revisada em 1995, con-solidando a existência de 66 ZEIS na cidade do Recife (CENDHEC,2005).

Quando a lei federal de Parcelamento do Solo Urbano veio aser modificada, foi para incluir parâmetros mínimos de infraestruturaurbana que deveriam estar presentes para que pudesse haver essetipo de declaração: vias de circulação; escoamento das águas pluvi-ais; rede para o abastecimento de água potável; e soluções para oesgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. Tam-bém nessa oportunidade, destacou-se o papel do plano diretor,consignando-se que a legislação municipal definirá, para cada zonaem que se divida o território do Município, os usos permitidos e os

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índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que in-cluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes eos coeficientes máximos de aproveitamento.

Ocorre que tais modificações ainda não seriam suficientespara alterar a própria dinâmica jurídica referente à legalidadeda propriedade e da posse nos espaços urbanos de forma a con-cretizar as disposições constitucionais sobre a ocupação das ci-dades. Esse foi o papel do Estatuto da Cidade, veiculado pelaLei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que trouxe uma série deinovações jurídicas para alterar as relações de legalidade na ocu-pação do solo urbano. Dentre as diretrizes da política urbanaque vem detalhar, o Estatuto ressalta o objetivo de regulariza-ção fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populaçãode baixa renda mediante o estabelecimento de normas especi-ais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consi-deradas a situação socioeconômica da população e as normasambientais. Aqui, a instituição de zonas especiais de interessesocial é apontada como um instrumento jurídico e político parao alcance desse objetivo.

Além das ZEIS, que autorizam a legalização da ocupação dosolo urbano, mesmo que em desconformidade com as normas deparcelamento do solo urbano, vejamos o exemplo de alguns ins-trumentos jurídicos trazidos a nossa ordem institucional pelo Esta-tuto da Cidade, para permitir a legalização dos títulos de uso eocupação do solo pelos seus moradores. A princípio, é interessanteobservar que as soluções encontradas pelo Estatuto da Cidade paratornar legais as ocupações informais foram distintas, a dependerda natureza das áreas ocupadas: públicas ou particulares. Foi ne-cessário introduzir inovações legislativas sem romper com os insti-tutos já consagrados.

No direito brasileiro, tradicionalmente, uma das formas de seadquirir a propriedade dos bens imóveis, sem que se trate de umnegócio envolvendo o proprietário anterior, é mediante a declara-ção de usucapião pelo Judiciário. Trata-se do reconhecimento deefeitos jurídicos decorrentes do exercício contínuo da posse sobreo imóvel, com o “espírito de dono” (o que é chamado no jargãojurídico de animus domini).

Essa figura jurídica já existia no Código Civil de 1916, mas seusrequisitos eram de difícil atendimento e comprovação perante oPoder Judiciário (dez anos de posse inconteste, com justo título eboa-fé/vinte anos se não comprovados os dois últimos requisitos),de modo que a declaração de usucapião pelo Judiciário manteve-se bastante restrita. A Constituição Federal de 1988 já havia modi-ficado o instituto, assimilando os reclamos de inúmeros movimen-

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tos pela reforma urbana, quando consagrou em seu art.183 que“Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cin-qüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e semoposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adqui-rir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imó-vel urbano ou rural”, mas ressalvou expressamente que os imóveispúblicos não serão adquiridos por usucapião, havendo no mesmoartigo uma menção à concessão de uso.

Por sua vez, o Estatuto da Cidade deu um passo a mais nocaminho da regularização fundiária das cidades, ao criar a figurada usucapião especial coletiva de imóvel urbano, para contemplaros casos em que não for possível identificar os terrenos ocupadospor cada possuidor. A medida veio ao encontro da inegável reali-dade da habitação coletiva precarizada nos grandes centros urba-nos. Em 2010, o IBGE constatou que 6% da população do país ocu-pava ilegalmente propriedade alheia e residia coletivamente (maisde cinquenta unidades habitacionais) fora dos padrões de urbani-zação vigente. São os chamados “aglomerados subnormais”, quese compõem de barracos, casas ou outras moradias consideradascarentes, reunidos em favelas, invasões, grotas, baixadas, comuni-dades ou vilas. Vinte regiões metropolitanas concentravam 88,6%desses domicílios.6 Não há dúvida de que as populações que habi-tam favelas e invasões são aquelas que mais necessitam de inter-venções do poder público, e até então não havia uma solução jurí-dica para legalizar esse tipo de ocupação.

De acordo com o que passou a estipular o Estatuto da Cidade,essas áreas poderão ser usucapidas coletivamente, mesmo que ul-trapassem duzentos e cinquenta metros quadrados, sendo que cadafamília será titular de uma fração ideal do terreno, que não pode-rá, naturalmente, ultrapassar o limite de tamanho da usucapiãoindividual. As famílias ocupantes terão os mesmos direitos de pro-priedade daquelas que vivem em condomínio, só sendo admitidaseparação das propriedades no caso de uma urbanização posteri-or, mediante deliberação de, no mínimo, dois terços doscondôminos. Outra inovação é que se deu legitimidade à associa-ção de moradores para representar os ocupantes perante a justiçana ação de usucapião, desde que expressamente autorizada poreles. Por fim, vale lembrar que o art. 4º do Estatuto da Cidade pre-vê que, para implementar a política urbana, os poderes públicosdevem promover assistência técnica e jurídica gratuita para comu-nidades e grupos sociais menos favorecidos e que o processo judi-

6 Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/cen-so2010/aglomerados_subnormais/default_aglomerados_subnormais.shtm>.Acesso em: 28 jun. 2012.

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cial siga um trâmite sumário, o que dificilmente se observa na prá-tica, mesmo após onze anos de vigência da lei.

No caso dos imóveis públicos ocupados, não podendo haverdeclaração de usucapião por força da Constituição, o Estatuto daCidade, na forma como foi originalmente votado, tratou da Con-cessão de Uso Especial para fins de Moradia, incidente sobre imó-veis públicos, nas mesmas hipóteses em que incide a usucapião ur-bana. Embora os artigos que regulam ao instituto tenham sido ve-tados pela Presidência da República, a situação foi sanada com aedição da Medida Provisória 2.220, ainda no ano de 2001. O direi-to à concessão de uso especial para fins de moradia sobre imóveispúblicos será reconhecido pela própria administração – e, quandonegado, pelo Judiciário – mediante as mesmas situações de fatoque autorizam a declaração da usucapião urbana, inclusive em suaforma coletiva. Embora não haja propriamente uma mudança napropriedade do bem, a concessão fica registrada na matrícula doimóvel e só pode ser revogada pelo poder público na hipótese deo imóvel deixar de ser usado como única moradia da família, dife-rentemente da figura da Concessão de Direito Real de Uso, já pre-sente no direito administrativo brasileiro, cuja revogação estavasujeita à conveniência da administração.

Como dito anteriormente, a Lei nº 11.977, de 7 de julho de2009, que, em seu primeiro capítulo, instituiu o Programa MinhaCasa Minha Vida, trata em seu capítulo terceiro da RegularizaçãoFundiária de Assentamentos Urbanos. A própria lei começa pordefinir que

A regularização fundiária consiste no conjunto de medi-das jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que vi-sam à regularização de assentamentos irregulares e àtitulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direi-to social à moradia, o pleno desenvolvimento das fun-ções sociais da propriedade urbana e o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado.

Apesar de manter a competência legislativa do Município paradispor sobre os procedimentos de regularização fundiária em seuterritório e também para aprovar os projetos urbanísticos apresen-tados, a lei inclui no rol dos legitimados aos atos necessários a suapromoção não apenas União e Estados. Ficam autorizados tambémseus beneficiários diretos a atuar de forma individual ou coletiva,através de cooperativas habitacionais, associações de moradores,fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civilde interesse público ou outras associações civis que tenham porfinalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou re-gularização fundiária.

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O foco da lei é viabilizar a regularização fundiária de assenta-mentos irregulares ocupados predominantemente por populaçãode baixa renda, caso em que a regularização é adjetivada comosendo “de interesse social”. Essa hipótese será possível não apenaspara imóveis situados em ZEIS, mas também em áreas da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interes-se para implantação de projetos de regularização fundiária de in-teresse social; e naqueles casos em que a área esteja ocupada, deforma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos.

A ideia é que o poder público qualifique e reconheça a naturezae o tempo das posses exercidas pela população de baixa renda, sobreimóveis públicos ou privados, definindo seus limites, área, localizaçãoe confrontantes, através de procedimento que a lei chamou de de-marcação urbanística. Vale ressaltar que a demarcação urbanística sópoderá se ultimar com registro em cartório, se não houver oposiçãodos proprietários dos terrenos alcançados, que serão notificados pes-soalmente ou por edital. Essa averbação do auto de demarcação é oprimeiro passo para posterior registro do parcelamento, decorrentedo plano de urbanização aprovado para a área, o qual não está sub-metido aos requisitos da Lei de Parcelamento do Solo Urbano. So-mente após esse registro o poder público concederá título delegitimação de posse aos ocupantes cadastrados.

Esse título de reconhecimento, com a identificação do ocu-pante e do tempo e natureza da posse, não tem o poder de alterarprontamente a propriedade do bem, já que o registro deparcelamento decorrente de regularização fundiária não implicapor si só a mudança da propriedade dos terrenos demarcados. Po-rém introduz-se aqui a possibilidade de reconhecimento deusucapião sem recurso ao Judiciário. Fica expressamente estipula-do que o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cin-co) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro deimóveis a conversão desse título em registro de propriedade, ten-do em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 daConstituição Federal.

As inovações jurídicas trazidas pela Lei nº 11.977, de 7 de ju-lho de 2009, centradas em projetos de regularização fundiária deinteresse social, se efetivamente aproveitadas pelos Municípios, lhesconferem novo protagonismo no enfrentamento dos problemasurbanos, se comparadas ao modelo das ZEIS, já que lhes conferema possibilidade de tratar de maneira englobada as questões de ur-banização, parcelamento do solo e posse de imóveis, de formaadaptada às ocupações urbanas já consolidadas.

Em que medida essas inovações legislativas, no tocante à re-gularização fundiária de habitações comunitárias irregulares/ile-

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gais, estão sendo incorporadas às políticas públicas habitacionaispromovidas pela União, a exemplo do Programa Minha Casa Mi-nha Vida? Como dito anteriormente, o PMCMV possui uma moda-lidade denominada Entidades, através da qual seria possível queentidades da sociedade civil habilitadas junto ao Ministério dasCidades obtivessem recursos do FNHIS e do FDS não apenas paraconstrução de novas unidades, mas também para requalificaçãodas habitações histericamente ocupadas pelas comunidades querepresentam.

Apesar de não se exigir, nessa modalidade do programa, aparticipação dos Municípios, sua anuência aos processos de regu-larização da titularidade da terra e de ocupação do solo é condi-ção indispensável para que os financiamentos concedidos sob for-ma coletiva possam ser obtidos. Isso porque dificilmente as entida-des disporão de terrenos obtidos pelos processos formais de aquisi-ção no mercado imobiliário, devidamente enquadrados na legisla-ção de uso e ocupação do solo. A necessidade de chancela doMunicípio fica clara na redação da Instrução Normativa nº 34, de28 de setembro de 2011, do Ministério das Cidades, quando regu-la os casos de financiamento que não envolvem a aquisição deterrenos:

Construção em terreno próprio ou de terceiros –Com duas hipóteses:a) Construção em terreno próprio do beneficiário, comfinanciamento de material de construção, obras e servi-ços de edificação, que resultem em unidadeshabitacionais.b) Financiamento de material de construção, obras eserviços de edificação da unidade habitacional em ter-reno de terceiros, em processo de desapropriação ounas diversas modalidades de titulações previstas no Es-tatuto das Cidades, certificado por instrumento públicoou sentença judicial, bem como construção em terrenode propriedade do poder público ou da EntidadeOrganizadora, dentre outras situações, com o compro-misso futuro de fracionamento (BRASIL, 2011a, grifosnossos).

Bem se vê que a situação da coletividade da posse é inconve-niente do ponto de vista do agente financeiro. A figura da entida-de está presente apenas para viabilizar a gestão dos recursos desti-nados a uma coletividade, durante a intervenção para construçãoou reforma. O objetivo final é que cada beneficiário assuma indivi-dualmente a responsabilidade por sua parte na dívida, através deum contrato de financiamento. Considerando que as principaisformas de garantia de crédito atualmente existentes nos financia-

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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

mentos habitacionais (hipoteca e alienação fiduciária) são aquelasque garantem ao credor a propriedade do bem no caso deinadimplência, a propriedade indivisa praticamente inviabilizaeventual retomada do bem e recolocação no mercado.

Considerando os riscos de conceder créditos para serem utili-zados em propriedade de terceiros, passíveis de retomada atravésde medidas judiciais, a norma do Programa exige declaração dopoder público ou do Judiciário quando os processos de regulari-zação ainda estiverem em curso. Nos casos de imóveis de proprie-dade do poder público, a legalidade da posse pode ser declara-da por inúmeros meios: Concessão de Direito Real de Uso; Con-cessão de Uso Especial para Fins de Moradia; doação ou promessade doação quando esteja imitido na posse por processo de desa-propriação. Sendo os imóveis de propriedade particular, o poderpúblico já tem a possibilidade legal de conceder títulos delegitimação de posse após processo de demarcação urbanísticaao qual não tenha se oposto o proprietário. Com relação àusucapião urbana, exige-se auto de imissão de posse do Judiciá-rio. Mas para todos os casos, não havendo conformidade com aLei de Uso e Ocupação do Solo, o Município deve aprovar legisla-ção municipal para declarar a área como ZEIS, ou aprovar proje-tos de regularização fundiária de interesse social, nos termos daLei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.

Na verdade, a maior dificuldade operacional observada na li-beração de recursos do PMCMV, quando não se pretende a aquisi-ção de novos imóveis regulares, é uma inadequação entre a finali-dade dos financiamentos destinados à habitação de interesse soci-al e os instrumentos de garantia de crédito imobiliário tradicional-mente utilizados pelo Sistema Financeiro de Habitação. Para supriressa impossibilidade de utilização de garantias do crédito relacio-nadas à propriedade do imóvel, passou-se a admitir, em casos ex-cepcionais, a figura da responsabilidade solidária. Nessa modali-dade de garantia, os beneficiários devem se organizar em pares dedois devedores, passando um a se responsabilizar pela dívida dooutro, caso aquele se torne inadimplente. Essa solução pretendereduzir o risco de crédito da instituição financeira, repassando-o àprópria comunidade.

Outro aspecto que veio minimizar o risco das instituições fi-nanceiras com relação à eventual perda de renda dos beneficiáriosé que a mesma lei que criou o PMCMV criou vinculado ao mesmoum Fundo Garantidor, denominado FGHAB, lastreado com recur-sos da União, o qual garante aos agentes financeiros o pagamentode prestação mensal de qualquer financiamento habitacional con-cedido no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação em caso de

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BRUNA DE OLIVEIRA MACIEL ARTIGO

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desemprego e redução temporária da capacidade de pagamentodo mutuário, bem como assume o saldo devedor nos casos de mor-te ou invalidez permanente do titular, para famílias com rendamensal de até R$ 4.650,00.

Conclusão

Apesar de inúmeras dificuldades de ordem burocrática no aces-so aos recursos federais destinados à habitação de interesse social,quando se trata de regularização fundiária de habitações de baixarenda já consolidadas, demonstramos que existem atualmente, emnossa ordem jurídica, inúmeros instrumentos legais para viabilizara legalização da posse histórica, de modo a possibilitar a captaçãode recursos públicos. Ocorre que, sendo os Municípios os responsá-veis por regulamentar a ocupação do solo e criar instrumentos le-gais/administrativos que flexibilizem as imposições da legislaçãofederal, a criação de uma linha de crédito destinada à sociedadecivil organizada torna-se inócua sem a atuação da gestão da admi-nistração municipal no reconhecimento à história de ocupação dascidades. Infelizmente essa é a realidade política vivenciada na mai-oria das cidades, que crescem e se modificam de acordo com osinteresses da indústria da construção, que disputa com a popula-ção de baixa renda os benefícios destinados pela União à habita-ção de interesse social.

Referências

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PEDIDO ADMINISTRATIVO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

Pedido administrativo e suspensão daprescrição na repetição de indébito

José Carlos ZanforlinAdvogado da EMGEA no Distrito Federal

RESUMO

O presente trabalho pretende investigar o efeito de pedidoadministrativo de devolução do valor de tributo pago a maior. APrimeira Seção do STJ tem reiteradamente entendido que o simplespedido administrativo de compensação tributária não é motivo aptopara interromper o prazo prescricional. Este trabalho não consideraletra morta o artigo 169 do Código Tributário Nacional e, por esteestar em plena vigência, a “decisão administrativa que denegar arestituição” obviamente pressupõe pedido administrativo derestituição. Em sendo assim, o pedido administrativo suspende, semdúvida, o curso da prescrição, que começará a correr da data dadecisão administrativa denegatória da restituição do indébito.

Palavras-chave: Tributário. Pedido administrativo. Restituição.Suspensão do prazo prescricional.

ABSTRACT

This study investigates the effect of application ofadministrative refund of tax overpaid. The First Section of theSupreme Court of Justice has held that mere administrative requestcompensation tax is not apt reason to interrupt the limitation period.This work considers the full force of Article 169 of the InternalRevenue Code to conclude that "administrative decision denyingrestitution" requires administrative request for refund. That beingso, the administrative order suspending undoubtedly the course ofthe prescription, which begin on the date of the decision of theadministrative denial of refund overpayment.

Keywords: Tax. Administrative request. Refund. Equitabletolling.

I Objetivo

1. O pagamento indevido de tributo gera para o obrigadotributário, nos termos do art. 165 do CTN1, direito à restituição to-

1 “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto,à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu paga-mento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

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tal ou parcial do valor pago a mais, consoante hipóteses descritasnos incisos I a III daquele dispositivo. Esse direito de restituiçãoé, na verdade, direito de pleitear a restituição, e não, como sepoderia apressadamente interpretar do art. 165, direito do obriga-do à prestação de devolução do fisco sem correspondente requeri-mento dessa prestação.

2. Essa aparente obviedade se justifica e se explica pelo dis-posto no art. 168, instituidor do prazo prescricional de cinco anospara exercício do ato de requerer devolução do indébito; nos ter-mos da lei, direito de pleitear restituição.2 O termo inicial desseprazo se conta (i) da data da extinção do crédito tributário e (ii) dadata de decisão administrativa definitiva ou da data de trânsito emjulgado de decisão judicial desconstitutiva (em sentido amplo) dedecisão condenatória do obrigado tributário. Em outras palavras,o direito de restituição somente corresponde à obrigação de resti-tuir se o detentor do direito de restituição exercer esse direito.

3. O objetivo do trabalho é investigar o efeito de pedido ad-ministrativo de devolução do valor de tributo pago a maior, poisessa hipótese não se inclui nas situações descritas no art. 168. E,não se incluindo, logicamente não há que falar em suspensão docurso da prescrição baseada nesse dispositivo. Os reiterados pro-nunciamentos da Primeira Seção do STJ (o simples pedido adminis-trativo de compensação tributária não é motivo apto para inter-romper o prazo prescricional) não parecem levar em consideraçãoo disposto no art. 169 do CTN nem o art. 4º do Decreto 20.910/32,como se verá adiante. Este trabalho não considera letra morta3

aquele art. 169 (seu “falecimento” só aproveita ao fisco) e, por

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que odevido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstânciasmateriais do fato gerador efetivamente ocorrido;II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, nocálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquerdocumento relativo ao pagamento;III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

2 “Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazode 5 (cinco) anos, contados:I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do créditotributário;II - na hipótese do inciso III, do artigo 165, da data em que se tornar definitiva adecisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reforma-do, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

3 “A jurisprudência, porém, tem considerado ser prescindível a formulação de pedi-do na via administrativa. E, como consequência disso, aplica-se o prazo de cincoanos previsto no art. 168 à propositura da ação de restituição do indébito, queentão assume natureza de prazo prescricional. Ainda como decorrência dadesnecessidade de requerimento administrativo, entende-se que ‘o prazo

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este não haver sido revogado, a “decisão administrativa quedenegar a restituição” obviamente pressupõe pedido administra-tivo de restituição. Em sendo assim, o pedido administrativo sus-pende, sem dúvida, o curso da prescrição, que começará a correrda data da decisão administrativa denegatória da restituição doindébito.

II Fundamento constitucional do pedido administrativo

4. O requerimento administrativo para devolução do que foipago a maior ou indevidamente é claro exercício de petição paradefesa de direito. Ao pedido corresponde ou pelo menos devecorresponder temporânea decisão administrativa, concessiva ounegativa da restituição. Essa correspondência transcende o direitotributário e insere-se nos direitos e garantias fundamentais, de acor-do com o art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição4 5. Entretanto, apesardesse relevo constitucional, é consabido o pouco caso da adminis-tração no fornecimento de resposta, qualquer resposta, que defiraou indefira pleito do administrado (principalmente quando o di-reito milita em prol do obrigado tributário). A falta de respostaafronta o dispositivo constitucional referido; sua demora descumpreo art. 5º, LXXVIII da Constituição (duração razoável do processo).6

5. Buscou-se corrigir essa prática pela fixação de prazo paraque a administração fazendária proferisse decisão administrativae, assim, não fizesse tábula rasa do direito assegurado ao cidadãonaqueles dispositivos constitucionais. O art. 24 da Lei nº 11.457/07fixou o prazo máximo de 360 dias para que fosse proferida decisãoadministrativa a contar do protocolo de petições, defesas ou recur-sos administrativos do obrigado ao pagamento de tributo. Desse

prescricional, para fins de restituição de indébito de tributo indevidamente reco-lhido, não se interrompe e/ou suspende em face de pedido formulado na esferaadministrativa [...]’ (STJ, 1ª T, AgRg no Ag 629.184/MG, Rel. Min. José Delgado, j.em 3/5/2005, DJ de 13/6/2005, p. 173) [...]. A prescrição para se pleitear a restitui-ção do indébito, em juízo, é contada nos termos do art. 168 do CTN, tendo o art.169 sido transformado em letra morta” (SEGUNDO, 2006).

4 “XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contrailegalidade ou abuso de poder”.

5 “O direito ao processo administrativo fiscal está assegurado pelo dispositivo que,expressamente, diz ser a todos assegurado, independentemente do pagamentode taxas, o direito de petição aos poderes públicos, em defesa de direito ou contrailegalidade ou abuso de poder” (MACHADO, disponível em: <http://www.hugomachado.adv.br/artigos/aqpat.html)>.

6 “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duraçãodo processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

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dispositivo constavam dois parágrafos, que foram vetados por pro-posta dos ministérios da Fazenda e da Justiça. Abaixo, em nota depé de página, se transcreve o teor desses parágrafos.7

6. Especialmente o § 2º vetado era o dispositivo que diferenci-ava, no caso, a norma jurídica (dotada de sanção) de norma moral– dar bom dia ou boa noite – sancionável esta unicamente pordesprezo do grupo social. Esse § 2º instituía, como penalidade, apresunção de ser favorável ao obrigado tributário o resultado dediligências administrativas requisitadas (por ele ou pelo fisco) senão concluídas no prazo da lei.

7. A redação do § 2º não é muito clara e parece confundirsuspensão com interrupção quanto aos efeitos desses fenômenos;é que se tratando de interrupção o prazo “recomeça a correr dadata do ato que a interrompeu, ou do último ato do processopara a interromper”, conforme consta do parágrafo único do art.202 do Código Civil. Ora, recomeçar é correr de novo o prazo de360 dias, e não se paralisar por 120 dias, como no texto do § 2º.Paralisação é não curso do prazo, o que significa suspensão deprazo.

8. Isso não obstante, constata-se que as razões do veto são depouca sustentação e visam unicamente a retirar natureza de normajurídica do conteúdo daquele § 2º (ou seja, o veto desnatura anorma jurídica e desrespeita a Constituição):

Por seu lado, deve-se lembrar que, no julgamento deprocesso administrativo, a diligência pode ser solicita-da tanto pelo contribuinte como pelo julgador parafirmar sua convicção. Assim, a determinação de que osresultados de diligência serão presumidos favoráveisao contribuinte em não sendo essa realizada no prazode cento e vinte dias é passível de induzir comporta-mento não desejável por parte do contribuinte, o quepoderá fazer com que o órgão julgador deixe de defe-rir ou até de solicitar diligência, em razão dasconsequências de sua não realização. Ao final, o preju-dicado poderá ser o próprio contribuinte, pois o julga-

7 Lei nº 11.457/07, art. 24: “É obrigatório que seja proferida decisão administrativano prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo depetições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”.“§ 1º O prazo do caput deste artigo poderá ser prorrogado uma única vez, desdeque motivadamente, pelo prazo máximo de 180 (cento oitenta) dias, por despa-cho fundamentado no qual seja, pormenorizadamente, analisada a situação es-pecífica do contribuinte e, motivadamente,§ 2º Haverá interrupção do prazo, pelo período máximo de 120 (cento e vinte)dias, quando necessária à produção de diligências administrativas, que deverá serrealizada no máximo em igual prazo, sob pena de seus resultados serem presumi-dos favoráveis ao contribuinte.”

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mento poderá ser levado a efeito sem os esclareci-mentos necessários à adequada apreciação da maté-ria (trecho das razões do veto).

Em grave presunção negativa, o veto admite alguma vileza decaráter no “contribuinte” (“comportamento não desejável” é ex-pressão eufemística para vileza) que venha a requerer diligênciasque não se completem no prazo para se aproveitar da presunçãode lhe serem favoráveis os resultados! Ou seja, esse “contribuinte”,na concepção do veto, além de “comportamento não desejável”,também possui capacidade premonitória: requer a diligência por-que já sabe que ela não se completará no prazo e, por presunçãolegal, o resultado lhe será favorável! Mesmo que a diligência fosserequerida pelo fisco, para infirmar afirmação do obrigado, aindaassim, a presunção seria em favor deste, pois provaria o contráriodo que buscava o fisco (a isso também teria de prever o obrigado“em comportamento não desejável”). E apresenta falhaargumentativa relativamente ao período de tempo, pois a diligên-cia pode ter sido solicitada no curso do prazo inicial de 360 dias, e,por isso, pode completar-se em prazo maior do que 120 dias; aprorrogação por mais 120 dias (interrupção por 120 dias, no textoda lei) não se dá somente APÓS requerimento da diligência, maspor causa do requerimento e pela proximidade do esgotamentodo prazo de 360 dias. Assim, a diligência pode cumprir-se em prazobem maior do que 120 dias, o que pode possibilitar sua conclusãono prazo da lei. Assim, só por essa razão, o veto não subsiste e seuobjetivo velado é deixar livre o fisco para atuar sem limite de pra-zo, pois lei sem sanção da conduta oposta à prescrita não é normajurídica.

9. Constata-se, desse modo, a renitência do fisco em enqua-drar-se, de modo isonômico, ao sistema de direito positivo (comose não bastassem outros dispositivos ab-rogatórios da isonomia:verba honorária insignificante quando vencida a fazenda; verbahonorária fixada no percentual máximo, se vencido o executado;prazos especiais para a fazenda em juízo; formação de título exe-cutivo mediante emissão de uma única vontade, por exemplo). Tãograves quanto a ausência de resposta são as consequências que sequerem havidas e ocorridas, pela tão só demora na resposta, naesfera de direitos do obrigado tributário.

III Relevância dogmática do pedido administrativo

10. Constata-se a relevância dogmática do pedido administra-tivo pela circunstância de que sua ocorrência produz efeitos e/ouconstitui-se em marco temporal de alguma consequência jurídica,

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por decorrência de previsão legal. Assim, no plano do CTN, o pedi-do administrativo para exercício de algum direito (reclamações,recursos, petições, defesas) tem a propriedade de suspender aexigibilidade do crédito tributário (art. 151, III); está igualmentepressuposto no prazo de 2 anos de prescrição da ação para anulardecisão administrativa indeferitória de pedido de restituição (art.169).

11. A bem de melhor demonstrar tal relevância, é necessáriodestacar-se a diferença de conteúdo entre o art. 168 e seus doisincisos e o art. 169, ambos do CTN, para efeito do cômputo doprazo prescricional do direito de pleitear a restituição/compensa-ção. Os dois incisos do art. 168, referíveis aos três incisos do art. 165,não pressupõem que tenha havido prévio pedido de restituição.Logo, a ocorrência da prescrição ou sua suspensão deleindependem. Já no art. 169, menção à decisão administrativadenegatória de restituição, sem dúvida pressupõe pedido anterior.Logo, não é absurdo raciocinar que (i) feito o pedido de restitui-ção, (ii) prolatada a decisão denegatória, (iii) o período de tempoentre esses dois eventos está resguardado do curso da prescrição.

12. Reafirme-se que nesse interregno está pressuposta a sus-pensão do prazo para pleitear judicialmente a restituição por cau-sa do pedido administrativo dessa mesma restituição. Essa pressu-posição não decorre de analogia nem de interpretação extensivade algum outro dispositivo do CTN estabelecedor de suspensão dodireito de haver restituição de tributo por decorrência de pedidoadministrativo, mas de raciocínio dedutivo. Como tal, a suspensãodo curso da prescrição já está contida no texto do art. 169, de ondeela foi deduzida.

13. Em paralelo, veja-se, por exemplo, o caso de suspensão daexigibilidade do crédito tributário, prevista no art. 151, III, do CTN,por causa de, sinteticamente, pedido/requerimento administrati-vo. Observe-se que emprego da analogia entre a suspensão da pres-crição pró-fisco pelo pedido administrativo – prevista nesse art. 151,III – e a pró-cidadão, no caso de pedido de restituição (art. 169),não abominaria o senso de justiça do “debemus suum cuiquetribuere”, embora entendimento tradicional não admita, nesse caso,tratamento isonômico para preservação do direito do cidadão. Diz-se suspensão pró-fisco no caso do art. 151, III, porque, mais quegarantir que o obrigado não seja executado pelo fisco, o dispositi-vo impede o curso da prescrição para constituição do crédito tribu-tário. Todavia, como se viu, a suspensão do curso da prescrição, noplano do art. 169, pelo pedido de restituição, não decorre de ana-logia, mas de dedução da circunstância que dá início ao cômputoda prescrição da ação anulatória de decisão que nega a restituição

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e, por consequência, a obtenção desta, que é a própria decisãodenegatória. Assim, no tempo entre o pedido e a decisão não cor-re a prescrição – ela está suspensa.

14. O entendimento, ao que parece sem discordância, da Pri-meira Seção do STJ quanto ao início do prazo de prescrição darepetição de indébito de tributo sujeito a lançamento por homo-logação aplica o prescrito no art. 168, I do CTN. Segundo esse en-tendimento, a extinção do crédito tributário nesses casos se dá poraplicação do art. 156, VII do CTN (homologação ficta por decursodo prazo de revisão pelo fisco), combinado com o art. 150, §§ 1º e4º, do CTN, e não na data do recolhimento a maior ou do paga-mento indevido.8

15. Outra coisa, porém, é se houver pedido administrativo derepetição, feito no prazo de 5 anos em que se dá a homologaçãoexpressa ou ficta. Ou seja, hipótese não incluída no art. 168, I, poisaí não se cogita de haver sido feito pedido administrativo. Na visãodeste trabalho, o caso passa a reger-se pelo art. 169. É que essedispositivo prevê como termo inicial do cômputo do prazoprescricional justamente evento consequente do pedido adminis-trativo de repetição: a denegação desse pedido. E, como dito an-teriormente, o período de tempo entre o pedido e a denegaçãosuspende o curso da prescrição.

16. Ainda no plano da dogmática atributiva de efeito de sus-pensão do prazo prescricional ao pedido administrativo, veja-se oart. 4º do Decreto nº 20.910/32:

Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que,no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dí-vida, considerada líquida, tiverem as repartições ou fun-cionários encarregados de estudar e apurá-la.Parágrafo único. A suspensão da prescrição, nestecaso, verificar-se-á pela entrada do requerimento dotitular do direito ou do credor nos livros ou protocolosdas repartições públicas, com designação do dia, mêse ano.

8 REsp nº 675.767/AL, 1ª Turma, Min. Teori Zavaski: “2. Sobre o tema relacionadocom a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência doSTJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamentopor homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início,não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação– expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que ocrédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homolo-gação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN.Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto noart. 168, I.”

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17. Observe-se que o Decreto 20.910/32 regula, precisamente,“as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bemassim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal,estadual ou municipal”, conforme art. 1º desse Decreto. Cuidandoda prescrição contra a Fazenda, e ainda que lhe estabeleça, pelafixação de prazo tão curto, inegável privilégio9, não descurou olegislador de 1932 – em plena ditadura Vargas – de preservar direi-tos do cidadão demandante contra esse mesmo Estado. Assim, pres-creveu que o prazo prescricional não corria na hipótese referidanaquele art. 4º transcrito.

18. Tem-se, desses preceitos legais, inegável suporte jurídicopara afirmar-se que o pedido administrativo de repetição deindébito suspende o prazo de prescrição do direito de ação. Noart. 169 do CTN, tal conclusão se obtém por raciocínio dedutivo deseu texto, sem maior dificuldade; no art. 4º do Decreto 20.919/32, aconclusão de tratar-se de preceito dogmático fornece-a o vernácu-lo. A suspensão do curso da prescrição expressamente preceituadano art. 4º desse Dec. 20.910/32 prossegue intocada e plena de efei-to pelo art. 169 do CTN. A única regra acrescida por este últimodispositivo é a fixação de prazo para efetivação da prescrição e deseu termo inicial, APÓS ocorrência de ato jurídico que faz reiniciaro curso da prescrição: a decisão denegatória do pedido de repeti-ção.

19. A conclusão aqui exposta não é peregrina. O Parecer AGUN° GQ – 97, proferido no processo nº 35.000.004161/95-82, apro-vado em 16/01/1996, já acatava tese do Banco do Brasil contra oINSS de suspensão do curso da prescrição com base no art. 4º doDec. 20.910/32 (itens 32, 33 e 34 do Parecer).10

9 “30. Da análise desses diplomas legais, percebe-se, sem qualquer dificuldade,que, na realidade, instituíram eles um privilégio em favor dos entes a que sereferem. Digo privilégio porque, na opinião dos doutrinadores mais abalizados,acompanhada pelo INSS no item 18 de sua Contestação, a prescrição encontrafundamento na necessidade da certeza e estabilidade das relações jurídicas. Ora,a certeza e a estabilidade das relações jurídicas dizem respeito a todos os que sesubmetem à ordem jurídica, não havendo qualquer motivo para que, sob esseaspecto, se dê tratamento diverso a determinadas pessoas. Assim, parece-meclaro que se trata de um privilégio, constituído em favor das pessoas mencionadasnos referidos diplomas legais.” Trecho do Parecer AGU N° GQ – 97, proferido noprocesso nº 35.000.004161/95-82, aprovado em 16/01/1996.

10 “32. Mas, justamente por haver constituído um privilégio em favor de determina-das pessoas, o Decreto n° 20.910, de 1932, estabeleceu, no art. 4° [...]. 33. Essedispositivo, no meu entender, constitui caso especial de impedimento de fluênciada prescrição, durante o período em que se discute a questão no campo adminis-trativo. Ainda recentemente, o Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade deexaminar essa questão. Trata-se do Recurso Especial n° 13.794-0-GOIÁS, julgado,

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PEDIDO ADMINISTRATIVO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

20. Além de não ser peregrina, a conclusão aqui exposta tembase em jurisprudência do STJ: o Parecer em questão menciona emseu prol o REsp. nº 13.794-0/GO, relator Ministro Hélio Mosimann,julgado em 05/08/92, que examina demanda de particular contrao Estado de Goiás. Nesse recurso especial é vencida por unanimida-de tese do recorrente (o Estado de Goiás) de ocorrência de prescri-ção do direito do recorrido, com base, justamente, no art. 4º doDec. 20.910/32. O argumento exposto no voto faz suporte em pa-recer da Subprocuradoria-Geral da República, posto nos autos, cujotrecho final se transcreve aqui:

É tranquilo o entendimento, aliás apoiado em disposi-ção legal expressa (art. 4º do Decreto nº 20.910/32), deque não corre a prescrição durante a demora no estudoe decisão de requerimento apresentado na esfera ad-ministrativa, de modo que, caracterizada tal hipótese(suspensão do prazo prescricional), o acórdão deu cor-reta interpretação e aplicação às normas legais já men-cionadas.

IV O entendimento contrário do STJ

21. Troianelli e Casanova (2010) examinam situação de obri-gados tributários que requereram compensação de tributos devi-dos com valores indevidamente pagos, mas não lograram decisãoadministrativa favorável. Pior que isso, casos há em que o despa-cho nem sempre é peremptoriamente negativo, porém, sem rejei-tar a existência do crédito, perquire a certeza ou liquidez do crédi-to apontado à compensação, o que faz perdurar tramitação admi-nistrativa do pleito.

22. Avulta efeito negativo dessa demora ante entendimentodo STJ de que o pedido administrativo de compensação de créditostributários não interrompe prazo prescricional para ajuizamento de

por unanimidade, em 5 de agosto de 1992. Embora tratando de matéria diversada que ora se examina, em contenda entre particular e o Estado de Goiás, adecisão citada examinou, justamente, a aplicabilidade do transcrito art. 4° doDecreto n° 20.910, de 1932. 34. De fato, verifica-se do voto do eminente Relator,especialmente do transcrito trecho do parecer da Subprocuradoria-Geral da Re-pública, que se provara que a parte discutia, administrativamente, a questão, semque essa pendência houvesse sido decidida, quando do ajuizamento da ação. Nocaso ora sob exame, alega o Banco do Brasil que, desde o início do problema, vemtentando solucionar a questão, na área administrativa, alegação essa que emnenhum momento foi contestada pelo INSS. Desse modo, é de entender-se que aalegação do Banco do Brasil é verdadeira, e, segundo me parece, é de admitir-seque as tratativas, no âmbito administrativo, impediram que corresse a prescrição,pela aplicação do mencionado art. 4° do Decreto n° 20.910, de 1932.”

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repetição de indébito, visto não se prever a hipótese no art. 174,parágrafo único, I e IV, do CTN. Esse fundamento descobre-se noREsp nº 572.341-MG, julgado em 05/08/04, e no REsp nº 531.352-MG, julgado em 06/12/05, conforme é informado no trabalho referi-do. Os autores registram “fieira” de acórdãos afirmativos de que opedido administrativo de compensação não suspende/interrompe ofluxo da prescrição da ação de repetição de indébito. Todos semfundamento outro que menção a precedentes do STJ; os dois únicosencontrados que atendem o preceito do art. 93, IX, da Constituição(obrigação de fundamentação das decisões do Poder Judiciário) fo-ram os acórdãos proferidos naqueles recursos especiais menciona-dos, e que parecem ser os prógonos desse entendimento.

23. Repita-se a fundamentação: o pedido administrativo nãosuspende o curso da prescrição da ação apropriada porque a previ-são não consta do art. 174, parágrafo único, I e IV, do CTN. Emambos os acórdãos, cujos trechos abaixo se transcrevem, o pedidoadministrativo é (des)qualificado como “mera formalização” noprimeiro e “simples pedido” no segundo.

23.1 Nos exatos termos do voto proferido no REsp 572.341-MG:

Efetivamente, não foi consignado no decisório impug-nado nenhuma evidência de que houve a citação pesso-al do devedor, no caso, a Fazenda Pública, em data an-terior à propositura da ação. Desse modo, para se cons-tatar tal circunstância e, por conseguinte, entender quehouve a interrupção do prazo prescricional e aconsequente violação do art. 174, parágrafo único, I, doCTN, imperioso o reexame de elementos fáticos-probatórios [...]. Por sua vez, não constato a alegadaofensa ao art. 174, parágrafo único, IV, do CTN [...]. Ora,ao menos diante das informações constantes no votocondutor do decisório, não importou o pedido adminis-trativo de compensação de créditos tributários mani-festado pelo contribuinte no reconhecimento do débitopela devedora, no caso, a Fazenda Pública [...]. Concluo,assim, que a mera formalização de pedido de compen-sação de créditos tributários [...] não constitui circuns-tância suficiente para, nos termos do art. 174, parágra-fo único, I e IV, do CTN, interromper o prazo prescricionalpara propositura de ação de repetição de indébito.

23.2 Por sua vez, em trecho do voto proferido no REsp nº531.351-MG, vê-se: “É que o simples pedido administrativo de com-pensação tributária não é motivo suficiente para interromper o prazoprescricional, por não estar previsto nas hipóteses dos incisos doparágrafo único do art. 174 do CTN, os quais não admitem inter-pretação extensiva”.

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PEDIDO ADMINISTRATIVO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

24. O art. 174 invocado nesses acórdãos inscreve-se no Capítu-lo IV, Seção IV do CTN (Demais modalidades de extinção). Nesta, osartigos 170, 171 e 172 tratam, respectivamente, da compensação,da transação e da remissão. O art. 173 fixa o prazo de extinção dodireito de a Fazenda constituir o crédito tributário e o art. 174, §único, descreve nos incisos I a IV os fatos interruptivos da prescriçãodo direito de constituição do crédito tributário pela Fazenda.

25. Assim, a afirmação do STJ, naqueles acórdãos, de que ahipótese de suspensão do prazo prescricional por efeito de pedidoadministrativo de restituição/compensação não se inclui nas dispo-sições do art. 174, § único, I e IV, do CTN é verdadeira; porém, (i)não justifica a decisão de negar efeitos ao pedido administrativo,porque (ii) não tem pertinência com o dispositivo que pretende ouassume fundante da afirmação.

V A elaboração de leis. A Lei Complementar Nº 95/98

26. A descrição da inserção topológica do art. 174 do CTN,feita no item 24, objetiva não apenas localização temática de seuconteúdo, mas, e principalmente, destacá-lo de outros conjuntostemáticos regulados no CTN por causa de seus distintos conteúdos.Desse modo, o conjunto de fatos/atos jurídicos com propriedade(estabelecido no parágrafo único e incisos desse art. 174) de sus-pender curso da prescrição contém elementos relacionados unica-mente com a ação para a cobrança do crédito tributário; e é titulardesse direito de ação apenas a Fazenda. Logo, afrontaria classifica-ção lógica a inserção de hipótese suspensiva de curso de prescriçãoreferente a direito do obrigado tributário de haver restituição doindébito.

27. Certamente se da lei constasse dispositivo com esse teor,ele valeria e, sendo aplicado, seria eficaz; mas não estaria isenta decrítica sua inserção como mais um inciso do parágrafo único do art.174 do CTN, em razão de sua impertinência lógica com o tópico doconjunto e por sua disparidade com os demais elementos desseconjunto.

28. Os argumentos acima decorrem de simples processo declassificação, cujo objetivo, sabido de todos, consiste em reunircoisas ou seres com características semelhantes e separar as que sedistinguem. Da reunião dos semelhantes deduzem-se suas pro-priedades comuns. Ousa-se afirmar que sem classificação seria im-possível o conhecimento humano no estádio em que se encontraatualmente.

29. Tendo isso em conta, foi promulgada a Lei Complemen-tar nº 95, de 26/02/98, que dispõe sobre elaboração, redação, al-

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teração e consolidação das leis, conforme previsto no art. 59, pa-rágrafo único da Constituição (lei complementar disporá sobre aelaboração, redação, alteração e consolidação das leis). Se antesdo advento dessa lei complementar os operários do direito, emsua atividade, exerciam a interpretação das normas jurídicas se-gundo noção pessoal que tivessem adquirido sobre classificaçãodas matérias legais e das condutas por elas reguladas (conjuntos,elementos de um conjunto, intersecção de conjuntos, continên-cia e exclusão). atualmente a tarefa é facilitada por didática dis-posição normativa.

30. O art. 11 dessa Lei dispõe, de fato, que as disposiçõesnormativas deverão ser redigidas com clareza, precisão e ordemlógica. Esse artigo divide-se em três incisos, dedicados a cada umadas recomendações postas no caput. Do inciso III, que trata da or-dem lógica que devem observar as disposições legais, destacam-seas seguintes alíneas como regras de classificação:

b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um únicoassunto ou princípio;c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos com-plementares à norma enunciada no caput do artigo e asexceções à regra por este estabelecida;d) promover as discriminações e enumerações por meiodos incisos, alíneas e itens.

31. Relacionando agora as alíneas transcritas do art. 11 da LC95/98 com o art. 174, parágrafo único e incisos do CTN, conclui-se:(i) o conteúdo do caput do artigo é restrito a um único assunto ouprincípio (trata da prescrição da ação de cobrança do crédito tribu-tário) – alínea “b”; (ii) o parágrafo expressa aspecto complementarda prescrição estabelecida no caput, pois informa que a prescriçãofixada pode ser interrompida – alínea “c”; (iii) os incisos promovema enumeração dos casos interruptivos da prescrição – alínea “d”.Logo, não se pode apresentar crítica à elaboração desse art. 174,seu parágrafo único e seus incisos, do CTN: há perfeito atendimen-to das recomendações postas no art. 11 da LC 95/98.

32. Boa técnica legislativa, entretanto, não haveria, conformese disse no item 25, se constasse desse art. 714 e seu parágrafo úni-co, digamos, um inciso V, dispositivo de que “o pedido administra-tivo de repetição de indébito ou de compensação suspende/inter-rompe a prescrição”. É que tal suposto inciso V não representariaenumeração dos casos referidos no parágrafo único do art. 174, e,pior, distingue-se inteiramente do tema tratado no caput. Portan-to, a não existência desse suposto inciso V do parágrafo único doart. 174 é louvável técnica legislativa; e não é razão constitutiva denão reconhecimento judicial de suspensão da prescrição.

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PEDIDO ADMINISTRATIVO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

33. Ocorre que a boa técnica legislativa, nessa questão dasuspensão da prescrição pelo pedido administrativo de repeti-ção/compensação, já foi observada no CTN, bastando interpre-tação que não afaste a isonomia em prol de suposta superiori-dade jurídica do fisco.11 Assim como o pedido referido implicita-mente no art. 151, III, do CTN suspende a exigibilidade do crédi-to tributário; assim como a prescrição é igualmente interrompi-da nos casos descritos do parágrafo único do art. 174 do CTN,para que não prescreva a ação do fisco para cobrança de tribu-tos; assim também o art. 169 estabelece a suspensão da prescri-ção da ação para anular decisão denegatória de pedido admi-nistrativo de restituição/compensação. Ora, quem pede a anula-ção da decisão administrativa, obviamente, requer do Judiciáriooutra decisão, em sentido contrário, concessiva da restituição/compensação. Essa conclusão decorre, como se viu, de raciocíniodedutivo do texto do art. 169 do CTN; além disso, é interpreta-ção que dá concretude ao primado da isonomia, posta comovalor maior pela Constituição logo em seu preâmbulo, “ao ladoda justiça” (BORGES, 1999).

34. Esse não é o único argumento: o art. 4º do Dec. 20.910/32, de modo expresso e sem qualquer resquício de dúvida, afas-ta o curso da prescrição “durante a demora que, no estudo, aoreconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líqui-da, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de es-tudar e apurá-la”. E que não venha o fisco, para negar aplica-ção a dispositivo tão claro e caro ao obrigado tributário, alegarque a dívida não seja “eventualmente” ilíquida! Os tribunais jádesenvolveram conceitos bem didáticos sobre o que seja liquidezde uma obrigação, de um título, de modo que tais expedientesserão prontamente rechaçados pelo Judiciário, quem sabe comfixação de verba honorária proporcional ao desrespeito que es-ses argumentos representam.12 À guisa de antecipada contra-ar-gumentação, lembre-se que o texto é de 1932, época em que oJudiciário não contava com os meios tecnológicos para prestaraferição de montante matemático. Assim, fatores que poderiam

11 Embora demonstração de viés autoritário, a superioridade decorrente de produ-ção dogmática (como as exemplificadas no item 9 deste trabalho) é de obedecer-se enquanto vigente; o que não se pode é, a priori, admitir-se postura interpretativaque atribua ao Estado privilégio inexistente.

12 “Finalmente, no tocante às obrigações pecuniárias, cumpre distinguir entre ostítulos judicial e extrajudicial [...] Mas, quanto ao título extrajudicial, ele ou élíquido, e, portanto, título; ou não é líquido, e, por isso, escapa ao gabarito detítulo executivo” (ASSIS, 2012, p. 167). Assim, devolução de tributo pagoindevidamente ou a maior sempre é dívida líquida.

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dar como ilíquida certa dívida no passado atualmente se desfa-zem ao apertar de teclas de uma simples “calculadora HP”, quejá trazem fórmulas embutidas. Por isso, o oportuno e bem-vindoentendimento dos tribunais.

Conclusão

(i) O atual entendimento da Primeira Seção do STJ sobre aineficácia do pedido de restituição/compensação administrativopara suspender o curso da prescrição do direito à restituição/com-pensação deriva, como se viu, de sintético argumento exposto nosrecursos especiais 572.341-MG e 531.351-MG. Esse argumento con-siste em não estar incluído o pedido administrativo nos casos des-critos nos incisos do parágrafo único do art. 174 do CTN.

(ii) Contrapôs-se, neste trabalho, explicação segundo a qual anão inclusão da hipótese significa, precisamente, boa técnicalegislativa, pois a matéria não se relaciona com o caput do art. 174.É o que se extrai do art. 11 da Lei Complementar nº 95/98. E mais,em boa técnica legislativa, o tema foi previsto dedutivamente noart. 169 do CTN – segundo o qual a prescrição da ação anulatóriacomeça a correr após decisão denegatória da restituição/compen-sação. Logo, o reverso da anulação da decisão administrativa édecisão judicial de conteúdo oposto, ou seja, determinativa da res-tituição/compensação.

(iii) O art. 4º do Decreto nº 20.910/32, em vigor, determina onão curso da prescrição no período em que a administração levarem exame pedido administrativo formulado pelo administrado. Éo que foi decidido no recurso especial nº 13.794-0/GO, julgado em05/08/92, e defendido no Parecer AGU N° GQ – 97, proferido noprocesso nº 35.000.004161/95-82, aprovado em 16/01/1996.

Agradeço aos colegas Adelay Bonolo, pela revisão, indispen-sável crítica e oportunas discussões, e Nayara Guimarães Marcato,pela organização de bibliografia.

Referências

ASSIS, Araken de. Manual da Exe-cução. 14ª edição rev., atual. e ampl.São Paulo: Editora Revista dos Tribu-nais, 2012.

BORGES, José Souto Maior. LimitesConstitucionais e Infraconstitucionaisda Coisa Julgada Tributária. Contribui-ção social sobre o lucro. In: CAMPOS,

Dejalma de. (Coord.). Cadernos deDireito Tributário e Finanças Públi-cas, vol. 27. São Paulo: Editora Revis-ta dos Tribunais, 1999. pág. 170-194.

MACHADO, Hugo de Brito. Algumasquestões do processo administra-tivo tributário. Não paginado. Dis-ponível em: <http://www.hugo-

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PEDIDO ADMINISTRATIVO E SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO

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SEGUNDO, Hugo de Brito Machado.Prescrição e Decadência em Maté-ria Tributária. 2006. Não paginado.Disponível em: <http://qiscombr.winconnection.net/hugosegundo/conteudo.asp?idpublicacao=32>.Acesso em: 20 out. 2012.

TROIANELLI, Gabriel Lacerda;CASANOVA, Vivian. Declaração decompensação como causa interruptivado Prazo Prescricional para Repetiçãodo Indébito. Revista Dialética de Di-reito Tributário, São Paulo, n. 182,pág. 7-20, nov. 2010.

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PARTE 2

JURISPRUDÊNCIA

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JURISPRUDÊNCIA

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Repetitivo. Ação Civil Pública. Prescrição quinquenal daexecução individual. Tese consolidada. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1199073&sReg=201101014600&sData=20130404&formato=PDF> Aces-so em: 05 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

DIREITO PROCESSUAL CIVIL.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃOQUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDI-VIDUAL. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIADO PROCESSO DE CONHECIMENTOTRANSITADA EM JULGADO.INAPLICABILIDADE AO PROCESSODE EXECUÇÃO. RECURSO ESPECIALREPETITIVO. ART. 543-C DO CÓDI-GO DE PROCESSO CIVIL. PROVI-MENTO DO RECURSO ESPECIALREPRESENTATIVO DE CONTROVÉR-SIA. TESE CONSOLIDADA.

1. Para os efeitos do art. 543-Cdo Código de Processo Civil, foi fi-xada a seguinte tese: “No âmbitodo Direito Privado, é de cinco anoso prazo prescricional paraajuizamento da execução individu-al em pedido de cumprimento desentença proferida em Ação CivilPública”.

2. No caso concreto, a sentençaexequenda transitou em julgadoem 3.9.2002 (e-STJ fls. 28) e o pedi-do de cumprimento de sentençafoi protocolado em 30.12.2009 (e-STJ fls. 43/45), quando já transcor-rido o prazo de 5 (cinco) anos, es-tando, portanto, prescrita a preten-são executória.

3. Recurso Especial provido: a)consolidando-se a tese supra, noregime do art. 543-C do Código deProcesso Civil e da Resolução 08/2008 do Superior Tribunal de Justi-ça; b) no caso concreto, julgando-se prescrita a execução em cumpri-mento de sentença.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acimaindicadas, prosseguindo o julga-mento, após o voto-vista anteci-pado da Sra. Ministra NancyAndrighi inaugurando a divergên-cia e negando provimento ao re-curso especial, no que foi acom-panhada pelos Srs. Ministros Pau-lo de Tarso Sanseverino e MarcoBuzzi, e dos votos dos Srs. Minis-tros Raul Araújo Filho, Maria Isa-bel Gallotti, Antonio CarlosFerreira e Ricardo Villas BôasCueva acompanhando o Sr. Minis-tro Relator e dando provimentoao recurso especial, acordam osMinistros da Segunda Seção doSuperior Tribunal de Justiça, pormaioria, dar provimento ao recur-so especial, nos termos do voto doSr. Ministro Relator.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Para os efeitos do art. 543-C, doCPC, foi fixada a seguinte tese:“No âmbito do Direito Privado, éde cinco anos o prazo prescricionalpara ajuizamento da execução in-dividual em pedido de cumpri-mento de sentença proferida emAção Civil Pública.”Os Srs. Minis-tros Raul Araújo Filho, Maria Isa-bel Gallotti, Antonio CarlosFerreira e Ricardo Villas BôasCueva votaram com o Sr. MinistroRelator.

Vencidos os Srs. Ministros NancyAndrighi (voto-vista), Paulo deTarso Sanseverino e Marco Buzzi.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Luis Felipe Salomão.

Brasília, 27 de fevereiro de2013(Data do Julgamento)

Ministro SIDNEI BENETI, Relator.REsp 1.273.643 - PR (2011/

0101460-0). DJe 04.04.2013.

RELATÓRIO

RELATOR: MINISTRO SIDNEIBENETI:

1. BANCO ITAÚ S/A interpõeRecurso Especial contra Acórdãoproferido pelo E. Tribunal de Justi-ça do Estado do Paraná (RelatorJuiz ROGÉRIO RIBAS), proferido emautos de Agravo de Instrumento,este interposto pelo recorrente con-tra a decisão que rejeitou de pla-no a exceção de prescrição e de-terminou o prosseguimento daexecução de Sentença proferida emAção Civil Pública, ajuizada pelaAPADECO em favor dos titulares deconta de poupança no Estado doParaná.

O Acórdão recorrido está assimementado (e-STJ fls. 319/320):

AGRAVO INTERNO (ART. 557, §1º, CPC). DECISÃO MONOCRÁ-TICA DO RELATOR NEGANDOSEGUIMENTO A AGRAVO DEINSTRUMENTO POR IMPROCE-DÊNCIA MANIFESTA E CON-TRARIEDADE À JURISPRUDÊN-CIA DA CORTE. IRRESIGNAÇÃODO BANCO AGRAVANTE. EXE-CUÇÃO INDIVIDUAL DE SEN-TENÇA COLETIVA (AUTOS N.38.765/98 DA 1ª VFP DECURITIBA - APADECO X BANES-TADO - RENDIMENTOS DE CA-DERNETA DE POUPANÇA).PRESCRIÇÃO INOCORRÊNCIA.PRAZO VINTENÁRIO APLICÁ-VEL TAMBÉM PARA AS EXECU-ÇÕES INDIVIDUAIS DA SENTEN-ÇA COLETIVA. MATÉRIA ACO-BERTADA PELA ‘COISA JULGA-DA’, VISTO QUE FOI DECIDIDAEXPRESSAMENTE NO ACÓR-DÃO DA APELAÇÃO DA AÇÃOCIVIL PÚBLICA. INTELIGÊNCIA,AINDA, DA SÚMULA 150-STF.INAPLICABILIDADE DA EXCE-ÇÃO PREVISTA NO ART. 469,INC. III, CPC, POIS A QUESTÃONÃO FOI ‘DECIDIDA INCIDEN-TALMENTE’ NO PROCESSO DECONHECIMENTO. MATÉRIA DEPRESCRIÇÃO QUE ATINE AOPRÓPRIO ‘MERITUM CAUSAE’.NOVO ENTENDIMENTO DO STJAPLICANDO PRAZO QUINQUE-NAL QUE NÃO PREVALECE DI-ANTE DA COISA JULGADA, OMESMO OCORRENDO COM ASNOVAS NORMAS DO CÓDIGOCIVIL DE 2002 (ART. 5º, XXXVI,DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).PRAZO VINTENÁRIO NÃO DE-CORRIDO. PRESCRIÇÃO AFASTA-DA. DECISÃO MONOCRÁTICAMANTIDA. AGRAVO INTERNODESPROVIDO.1 - No julgamento da Apelaçãon. 91.830-9, esta Corte confir-mou a sentença proferida nos

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autos n. 38.765/98 de ação civilpública da 1ª VFP da capital, efixou que o prazo prescricionalé de 20 anos na espécie,incidindo a ‘coisa julgada’ no quetange a tal matéria.2 - Esse prazo de 20 anos tam-bém se aplica à execução indivi-dual da sentença coletiva, pois,nos termos da Súmula 150 doSTF, “prescreve a execução nomesmo prazo de prescrição daação”.3 - Não é aplicável novo prazoprescricional (menor) trazidopelo CC de 2002, posto que aConstituição Federal é taxativaao dispor no art. 5º, incisoXXXVI, que ‘a lei não prejudica-rá o direito adquirido, o ato ju-rídico perfeito e a coisa julgada’.4 - Também não tem lugar naespécie a exceção prevista noart. 469, III, do CPC, visto que amatéria de prescrição não foi‘decidida incidentalmente’ nocurso da ação civil pública; docontrário, trata-se de matériaatinente ao próprio ‘meritumcause’.

2. Embargos de Declaração in-terpostos pelo recorrente (e-STJ fls.330/336) foram rejeitados (e-STJ fls.341).

3. Nas razões de Recurso Espe-cial (e-STJ fls. 348/372), alega o re-corrente a existência de violaçãodos arts. 177 do Código Civil de1916; 21 da Lei n. 4.717/65; 469, III,do Código de Processo Civil; e 206,§ 3º, IV, e 2.028 do Código Civilvigente, sustentando, em síntese,que: a) na espécie não incide aprescrição vintenária, mas sim aprescrição quinquenal, própria dosistema das ações coletivas, razãopela qual seria esse o prazo

prescricional da pretensão execu-tiva; b) eventual discussão do pra-zo prescricional no bojo da açãocivil pública não impossibilita oreconhecimento da prescrição nasliquidações individuais, uma vezque a discussão havida na fase deconhecimento não pode abrangera fixação do prazo prescricional daliquidação individual da pretensãocoletiva; e c) caso se entendesseaplicável o regime de prescrição doCódigo Civil, impunha-se a incidên-cia dos prazos do novo Código,tendo em vista o trânsito em jul-gado da Sentença coletiva em3.9.2002.

4. Contra-arrazoado (e-STJ fls.386/396), o recurso foi inadmitidona origem (e-STJ fls. 422/429), so-brevindo a interposição de Agra-vo (AREsp 9.818/PR), o qual restouprovido para incluir o feito empauta para julgamento do Recur-so Especial pelo Órgão Colegiado.Deferiu-se, ainda, a liminarrequerida, com a sustação da Con-cessão de Alvarás de Levantamen-to em execuções individuais naAção Civil Pública em causa (e-STJfls. 1.520/1.524).

5. Contra essa Decisão foraminterpostos, em 23.8.2011, Embar-gos de Declaração por CRISTIANITOLEDO MARTINS ZORZI E OUTROS(e-STJ fls. 1.534/1.541), sustentan-do, em suma que a Decisão con-trariou o disposto no art. 288 doRegimento Interno desta Corte eque não há interesse do Banco naliminar concedida no presentecaso.

6. Em 24.8.2011, a Segunda Se-ção apreciando Questão de Ordemsuscitada por este Relator, ratificou

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a liminar anteriormente deferidano AREsp 9.818/PR e, com funda-mento no art. 543-C, do Código deProcesso Civil, com a redação dadapela Lei 11.672, de 8.5.2008, e naforma do art. 2º, §§ 1º e 2º, c.c. art.7º, da Resolução STJ n. 8, de7.8.2008, afetou o Recurso Especi-al como repetitivo (e-STJ fls. 1.556).

7. Em 25.8.2011, CRISTIANITOLEDO MARTINS ZORZI E OUTROSdesistiram dos Embargos de Decla-ração interpostos (e-STJ fls. 1.547).

8. Em 21.9.2011, foi proferidadecisão afetando o processo à Se-gunda Seção do Tribunal, nos ter-mos do que ficou decidido quan-do da apreciação da Questão deOrdem, e determinando a suspen-são dos recursos que versem sobrea mesma controvérsia (ResoluçãoSTJ n. 8, de 8.5.2008, art. 2º, § 2º)(e-STJ fls. 1.566/1.569).

9. A ASSOCIAÇÃO DOS DIREI-TOS DOS CONSUMIDORES MUTU-ÁRIOS DA HABITAÇÃO, POUPADO-RES DA CADERNETA DE POUPANÇA,BENEFICIÁRIOS DO SISTEMA DEAPOSENTADORIA E REVISÃO DOSISTEMA FINANCEIRO - PROCOPAR,apresentou petição, em 20.9.2011,requerendo sua admissão na con-dição de amicus curiae (e-STJ fls.1.570/1.585).

10. Foram interpostos novosEmbargos de Declaração, em30.9.2011, desta vez pela APADECO- ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DEDEFESA DO CONSUMIDOR (e-STJfls. 1.592/1.627), requerendo, pre-liminarmente, o seu ingresso nacausa na condição de amicuscuriae. No mérito, alegou aembargante a existência de omis-são na decisão embargada, na me-

dida em que deu provimento aoAgravo no Recurso Especial na hi-pótese em que o recurso deveriaser obstado pela ausência deimpugnação ao fundamento cons-titucional do Acórdão recorrido (in-cidência da Súmula 126 desta Cor-te). Sustentou, ainda, que a esco-lha do presente Recurso como re-presentativo de controvérsia decor-reu de premissa equivocada, namedida em que transitou em jul-gado a decisão que reconheceu aprescrição vintenária na Ação CivilPública objeto da execução, sendonecessária a preservação da coisajulgada. Alegou inexistir similitudefática entre o Acórdão recorrido eo Acórdão paradigma apontadopelo recorrente. Requereu, casosuperadas as omissões alegadas,sejam os autos remetidos à CorteEspecial, ante a competência con-corrente das 1ª e 2ª Seções desteTribunal.

11. CRISTIANE TOLEDO MAR-TINS ZORZI E OUTROS apresenta-ram petição (e-STJ fls. 1.650/1.655)também requerendo seja o Recur-so Especial submetido ao julga-mento pela Corte Especial.

12. O IDEC - INSTITUTO BRASI-LEIRO DE DEFESA DO CONSUMI-DOR, por sua vez, peticionou re-querendo seu ingresso nos autos nacondição de amicus curiae (e-STJ fls.1.744/1.763).

13. O BANCO ITAÚ S/A peticio-nou petição (e-STJ fls. 1.765/1.788)alegando a impertinência do pe-dido formulado pela recorrida deafetação do julgamento para aCorte Especial e a necessidade deprovimento do Recurso Especial efixação de entendimento no senti-

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do de que é quinquenal o prazoprescricional para liquidação/exe-cução individual da sentença cole-tiva.

14. ANTOUN YOSSEF MAKHOUL,parte estranha aos autos, requereu,por meio de petição (e-STJ fls. 1.860/1.871) seja determinada a suspen-são do processamento do AgRg noAREsp n. 79.585/PR, Relª. Minª. ISA-BEL GALLOTTI, que versa sobre amesma matéria tratada nos presen-tes autos, ou o encaminhamento dasituação à Corte Especial para queesta discipline, evitando-se, assim,que o requerente seja submetido adecisão que uma vez transitada emjulgado, lhe cause grosseira injusti-ça e tratamento desigual em facedo entendimento do próprio Supe-rior Tribunal de Justiça .

15. Instado, o Ministério Públi-co Federal, na pessoa do Dr. PEDROHUGO GUEIROS BERNARDES FI-LHO, ofereceu parecer (e-STJ fls.1.876/1.893) afirmando não se oporà admissão no feito da APADECO,do PROCOPAR e do IDEC, susten-tando o cabimento da afetação doprocesso à Corte Especial e opinan-do, no mérito, pela manutenção doAcórdão recorrido.

É o relatório.

VOTO

RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI:I. Dos Amicus Curiae16. Esta Corte tem reiteradamen-

te admitido o ingresso do amicuscuriae nos feitos em que haja rele-vância da matéria e, em especial, nossubmetidos ao rito do art. 543-C doCódigo de Processo Civil, como nocaso em tela, tendo em vista a pre-

visão expressa do § 4º desse disposi-tivo, in verbis: “o relator, conformedispuser o regimento interno doSuperior Tribunal de Justiça e consi-derando a relevância da matéria,poderá admitir manifestação de pes-soas, órgãos ou entidades com inte-resse na controvérsia “.

Nesse sentido, dispõe, ainda, oart. 3º da Resolução 8/2008 do Su-perior Tribunal de Justiça que:

Antes do julgamento do recur-so, o Relator:I – poderá solicitar informaçõesaos tribunais estaduais ou fe-derais a respeito da controvér-sia e autorizar, ante a relevân-cia da matéria, a manifestaçãoescrita de pessoas, órgãos ouentidades com interesse nacontrovérsia, a serem presta-das no prazo de quinze dias.II – dará vista dos autos ao Mi-nistério Público por quinze dias.

17. Extrai-se dos dispositivoslegais transcritos que a autorizaçãode intervenção de pessoas, órgãosou entidades com interesse na con-trovérsia do Recurso Especial sub-metido ao rito do art. 543-C doCódigo de Processo Civil é uma fa-culdade atribuída ao órgãojurisdicional, por intermédio doRelator, e a atuação do amicuscuriae no processo se restringe àmanifestação, por escrito, antes dojulgamento do Recurso Especial.

18. Fixados esses parâmetros,admite-se a atuação: 1) da ASSO-CIAÇÃO DOS DIREITOS DOS CON-SUMIDORES MUTUÁRIOS DA HABI-TAÇÃO, POUPADORES DA CADER-NETA DE POUPANÇA, BENEFI-CIÁRIOS DO SISTEMA DE APOSEN-

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TADORIA E REVISÃO DO SISTEMAFINANCEIRO - PROCOPAR; 2) daAPADECO – ASSOCIAÇÃO PARANA-ENSE DE DEFESA DO CONSUMIDOR;e 3) do IDEC – INSTITUTO BRASILEI-RO DE DEFESA DO CONSUMIDOR,na condição de amicus curiae, pormeio das manifestações já apresen-tadas nos autos.

II. Dos Recursos de Embar-gos de Declaração

19.- Homologa-se, para queproduza seus jurídicos e legaisefeitos, a desistência dos Embargosde Declaração (e-STJ fls. 1.547) in-terpostos por CRISTIANI TOLEDOMARTINS ZORZI (art. 501 do Códi-go de Processo Civil c/c o art. 34,inciso IX, do Regimento Internodeste Tribunal).

20. Com relação aos Embargosde Declaração interposto pelaAPADECO (e-STJ fls. 1.592/1.627),cumpre consignar que a legitimi-dade ordinária para interpor recur-so contra a Decisão que determinao processamento do Recurso Espe-cial pelo rito do art. 543-C do Có-digo de Processo Civil, é apenas daspartes envolvidas no feito.

No caso, a APADECO - ASSOCI-AÇÃO PARANAENSE DE DEFESA DOCONSUMIDOR não é parte no pro-cesso, mas, apenas intervém, naqualidade de amicus curiae, po-dendo, pois, manifestar-se, masnão interpor para interpor recursode Embargos de Declaração da de-cisão atacada.

21. De acordo com o entendi-mento assente da Egrégia Supre-ma Corte, aqueles que participamdo processo na qualidade deamicus curiae não possuem legiti-

midade para recorrer, exceto paraimpugnar a decisão que não admi-te a sua intervenção nos autos.

Confiram-se, a respeito, os se-guintes precedentes:

1ª) AGRAVOS REGIMENTAISNOS EMBARGOS DE DECLARA-ÇÃO EM AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE.EMBARGOS DE DECLARAÇÃOOPOSTOS POR AMICUS CURIAE.NÃO-CONHECIMENTO DOSEMBARGOS POR AUSÊNCIA DELEGITIMIDADE RECURSAL. PRE-TENSÃO, DA AUTORA DA ADI,DE CONHECIMENTO DOS EM-BARGOS “COMO SE SEUS FOS-SEM”. NÃO-CABIMENTO.1. Agravo regimental interpos-to pelo Sindicato Nacional dasEmpresas distribuidoras de GásLiquefeito de Petróleo -SINDIGÁS. O entendimentodesta Corte é no sentido de queentidades que participam dosprocessos objetivos de controlede constitucionalidade na qua-lidade de amicus curiae nãopossuem, ainda que aportemaos autos informações relevan-tes ou dados técnicos, legitimi-dade para recorrer. Preceden-tes.2. Agravo regimental interpos-to pela Confederação Nacionalda Indústria contra decisão quenão conheceu dos embargosdeclaratórios opostos peloamicus curiae. Não-oposição deembargos de declaração pelarequerente da ADI no prazo le-gal. É desprovida de fundamen-to legal a pretensão da reque-rente que, por via transversa,postula o acolhimento dos em-bargos de declaração opostospelo amicus curiae “como seseus fossem”, com efeitos

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infringentes, para revolver adiscussão de mérito da ação di-reta.3. Agravo regimental interpos-to pelo amicus curiae, SindicatoNacional das Empresas Distri-buidoras de Gás Liquefeito dePetróleo - SINDIGÁS, não conhe-cido. Agravo regimental daConfederação Nacional da In-dústria - CNI a que se nega pro-vimento.(ADI 2359 ED-AgR, Relator(a):Min. EROS GRAU, Tribunal Ple-no, julgado em 03/08/2009, DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC28-08-2009 EMENT VOL-02371-01 PP-00196 RSJADVset., 2009, p. 50-51);

2ª) Embargos de declaração.Ação direta de inconstitucio-nalidade. Procedência total.Declaração de inconstituciona-lidade do dispositivo legal.1. Carece de legitimidaderecursal quem não é parte naação direta de inconstitucio-nalidade, mesmo quando, even-tualmente, tenha sido admiti-do como amicus curiae.2. Entendendo o colegiado ha-ver fundamentos suficientespara declarar a inconstitucio-nalidade, não há como, em em-bargos de declaração, reformaro julgado para simplesmentedar interpretação conforme, nalinha da pretensão da embar-gante.3. Eventual reforma doacórdão embargado na via dosdeclara-tórios somente é pos-sível quando presente algumdefeito material, elencado noart. 535 do Código de Proces-so Civil, cuja solução obrigue oreexame do tema. 4. Embar-gos de declaração do Sindica-to dos Policiais Civis e Peniten-

ciários e Servidores da Secre-taria de Justiça e Cidadania doEstado do Piauí não-conheci-dos e declaratórios da Assem-bléia Legislativa do Estado doPiauí rejeitados.(ADI 3582 ED, Relator(a): Min.MENEZES DIREITO, Tribunal Ple-no, julgado em 17/03/2008, DJe-078 DIVULG 30-04-2008 PUBLIC02-05-2008 EMENT VOL-02317-02 PP-00346 RTJ VOL-00204-02PP-00669 LEXSTF v. 30, n. 356,2008, p. 92-104);

3ª) EMENTA: AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE.EMBARGOS DE DECLARAÇÃOOPOSTOS POR AMICUS CURIAE.AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE.INTERPRETAÇÃO DO § 2º DALEI N. 9.868/99.1. A jurisprudência deste Su-premo Tribunal é assentequanto ao não-cabimentode recursos interpostos porterceiros estranhos à rela-ção processual nos processosobjet ivos de controle deconstitucionalidade.2. Exceção apenas para impug-nar decisão de não-admissibilidade de sua inter-venção nos autos.3. Precedentes. 4. Embargos dedeclaração não conhecidos.(ADI 3615 ED, Relator(a): Min.CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno,julgado em 17/03/2008, DJe-074DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-03PP-00463 RTJ VOL-00205-02PP-00680 LEXSTF v. 30, n. 355,2008, p. 93-102) .

Neste Tribunal, a Primeira Seçãotambém já se manifestou a respei-to da matéria, no julgamento dosEDcl no AgRg no MS 12.459/DF,

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Rel. MIN. CARLOS FERNANDOMATHIAS, concluindo, também,pela ausência de legitimidaderecursal do amicus curiae.

Confira-se:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.AGRAVO REGIMENTAL. MAN-DADO SEGURANÇA. EXPOSI-ÇÃO DE TRABALHADORES AOAMIANTO. DECRETO Nº 2.350/97. SUSPENSÃO DOS EFEITOSDE PORTARIA MINISTERIAL. IN-TERVENÇÃO DE TERCEIRO.LITISCONSORTE NECESSÁRIO.ASSISTENTE. “AMICUS CURIAE”.OMISSÃO. OBSCURIDADE. CON-TRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEI-TOS INFRINGENTES. ART 535 DOCPC. IMPOSSIBILIDADE.1. Os embargos de declaraçãonão se revelam como meio ade-quado para o reexame de ma-téria decidida pelo órgãojulgador, mormente quando sedenota o objetivo de reformaro julgado em vista da não con-cordância com os fundamentospresentes na decisão recorrida.2. A regra disposta no art. 535do CPC é absolutamente clarasobre o cabimento de embar-gos declaratórios, e estes sótem aceitação para emprestarefeito modificativo à decisãoem raríssimas exceções.3. A figura do amicus curiae,tão conhecida no direito nor-te-americano, chegou aoordenamento positivo brasi-leiro por meio da Lei nº 9.868,de 10 de novembro de 1999,que dispõe sobre o processoe julgamento da ação diretade inconstitucionalidade e daação declaratória de constitu-cionalidade perante o Supre-mo Tribunal Federal, inaugu-rando importante inovação

em nosso Direito.4. O amicus curiae poderá atu-ar na esfera infraconstitucional,objetivando a uniformização deinterpretação de lei federal.5. O escopo da edição da nor-ma legal viabilizadora da inter-venção do “amicus curiae” é ode permitir ao julgador maio-res elementos para a soluçãodo conflito, que envolve, deregra, a defesa de matéria con-siderada de relevante interes-se social.6. Intervenção especial de ter-ceiros no processo, para alémdas clássicas conhecidas, a pre-sença do amicus curiae no feitonão diz tanto respeito às cau-sas ou aos interesses eventuaisde partes em jogo em determi-nada lide, mas, sim, ao próprioexercício da cidadania e à pre-servação dos princípios e, mui-to particularmente, à ordemconstitucional.7. “[...] Entidades que partici-pam na qualidade de amicuscuriae dos processos objetivosde controle de constituciona-lidade, não possuem legitimida-de para recorrer, ainda queaportem aos autos informaçõesrelevantes ou dados técnicos.”(STF, ADI-ED 2591 / DF, Rel. Mi-nistro EROS GRAU, DJ 13-04-2007 PP-00083) 8. Embargos dedeclaração rejeitados.(EDcl no AgRg no MS 12.459/DF,Rel. MIN. CARLOS FERNANDOMATHIAS (JUIZ CONVOCADODO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRASEÇÃO, julgado em 27/02/2008,DJe 24/03/2008).

III. Do Pedido de Afetação doProcesso para a Corte Especial

22. Com relação ao pedidoformulado pela recorrida e às

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manifestações apresentadas peloMinistério Público Federal e pelaAPADECO - ASSOCIAÇÃO PARA-NAENSE DE DEFESA DO CONSU-MIDOR, no sentido de que o pro-cesso deve ser afetado para jul-gamento pela Corte Especial,tem-se que, muito embora aquestão da prescrição da execu-ção/liquidação individual de Sen-tença proferida em Ação CivilPública possa, no tocante a al-guns temas de direito público,apresentar interesse para as Tur-mas que compõem a Primeira Se-ção, no caso em exame a maté-ria de fundo, ligada a contratostípicos de Direito Privado, comoas relações entre depositantes ebancos referentes a Cadernetasde poupança, é eminentementede direito privado, de modo queo Recurso deve ser julgado pelaSegunda Seção, resolvendo-se devez a matéria, de cuja soluçãourgente depende o julgamentode elevado número de processossobrestados nos Tribunais eJuízos de todo o País.

Assim, aliás, já ocorreu no jul-gamento do REsp n. 1.070.896/SC,julgado em 14/04/2010, DJe 04/08/2010, Relator o E. Ministro LUISFELIPE SALOMÃO, no qual se de-cidiu, nesta Segunda Seção peladefinição do prazo prescricionalaplicável às ações civis públicasque tratam dos expurgos inflaci-onários referentes aos PlanosBresser e Verão.

IV. Do Pedido de Suspensãodo AgRg no AREsp n. 79.585/PR, Relª. Minª. ISABEL GALLO-TTI

23. Indefere-se o pedido for-mulado por ANTOUN YOSSEFMAKHOUL que pleiteou a suspen-são do processamento do AgRg noAREsp n. 79.585/PR, Relª. Minª. ISA-BEL GALLOTTI, visto que referidoprocesso trata de litígio em ques-tão individual relativa ao peticio-nário e não a este processo.

Em aludido processo será anali-sada a repercussão do presente jul-gamento advindo da C. 2ª Seção,julgamento esse de que, ademais,participa a E. Ministra Relatora doreferido processo.

V. Da Admissibilidade do Re-curso Especial Representativoda Controvérsia

24. O julgamento como Recur-so Repetitivo (denominado Recur-so Representativo de Controvérsia)deve realizar-se “quando houvermultiplicidade de recursos com fun-damento em idêntica questão dedireito” (art. 543-C, do Cód. De Proc.Civil, com a redação da Lei 11.672).

É, sem dúvida, o caso dos au-tos, pois a matéria se espraiamultitudiariamente por todo opaís, sem embargo de casos ante-riores haverem sido julgados emcaráter individual, nada impede, e,em verdade, tudo aconselha a jul-gar-se de vez, na qualidade de Re-curso Repetitivo, a tese posta aexame, exatamente para que o jul-gamento consolide regência damatéria no tocante a numerososprocessos individuais, em que idên-tica matéria está submetida ao Po-der Judiciário.

25. Em relação ao argumentodeduzido pelos recorridos e amicicuriae, de que, no caso específico

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dos autos, existe fundamento cons-titucional não atacado por meio derecurso próprio o que, segundoalegam, atrairia à espécie o óbiceda Súmula 126 desta Corte, deve-se ressaltar que a matéria é aquitratada no âmbito exclusivamenteinfraconstitucional e que questõesconstitucionais eventualmentesurgidas deverão ser submetidas aoC. Supremo Tribunal Federal, porintermédio de instrumentos pro-cessuais apropriados.

Anote-se que o julgamentoinfra-constitucional, em matériamultitudinária, é altamente dese-jável, porque, com ele, restará con-solidada, neste Tribunal, o julga-mento no âmbito da competênciadesta Corte, sintetizando-o, demodo que, se houver provocaçãodo C. Supremo Tribunal Federalpara matéria constitucional, pode-rá aquela C. Corte constatar atémesmo visualizar, dada a síntesedo julgado com mais clareza, emum só Acórdão, o núcleo do julga-mento infra-constitucional, evitan-do-se a dispersão da análise demúltiplas manifestações, muitasvezes divergentes, nos Tribunais deorigem, ou, mesmo, nas Turmasdesta Corte, quanto à matériainfra-constitucional.

Situação análoga, aliás, já ocor-reu anteriormente, no tocante aosjulgamentos deste Tribunal, relati-vamente as teses centrais decorren-tes dos Planos Econômicos Bresser,Verão, Collor I e Collor II, consoli-dando-se as teses firmadas, noâmbito estritamente constitucio-nal, por esta Corte, passando-se,depois a aguardar o julgamento damatéria constitucional pelo C. Su-

premo Tribunal Federal (REsps nºs1.107.201/DF e 1.147.595/RS) - ofe-recendo-se, como se disse, a sínte-se da maior clareza, a respeito doentendimento infraconstitucional,na competência desta Corte, à con-sideração da Corte Suprema, noenfoque, por esta, da matéria cons-titucional.

Ademais, no âmbito dos Recur-sos Repetitivos, os rigores deadmissibilidade devem ser mitiga-dos, diante da relevância da defi-nição da tese central, a fim de quese cumpra o que a lei determina,ou seja, que o Tribunal julgue devez, com celeridade e consistência,as macro-lides multitudinárias, quese espraiam em milhares de pro-cessos, cujo andamento individu-al, repetindo interminavelmente ojulgamento da mesma questãomilhares de vezes, leva ao verda-deiro estrangulamento dos órgãosjurisdicionais, em prejuízo da to-talidade dos jurisdicionados, entreos quais os próprios litigantes emsituação idêntica quanto à lide cen-tral.

VI. Da Prescrição das execu-ções/liquidações individuais

26.- No tocante à matéria defundo, referente à prescrição, en-tendeu o Tribunal de origem queo prazo prescricional de 20 anos,fixado no julgamento da Apelaçãon. 91.830-9, interposta nos autos daAção Civil Pública, objeto da pre-sente execução, também deve seraplicado à execução individual dasentença coletiva, pois, nos termosda Súmula 150 do STF, “prescrevea execução no mesmo prazo deprescrição da ação”.

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

De acordo com o Acórdão re-corrido, a decisão que fixou o pra-zo prescricional vintenário na açãoprincipal estaria acobertada pelochamado manto da coisa julgada,não podendo referido prazo seralterado nas execuções individuaisem cumprimento de sentença co-letiva.

27. A orientação jurisprudencialsobre o tema jurídico em análisejá veio se firmando nesta Corte, demodo que, a rigor, tem-se verda-deiro julgamento de consolidaçãode tese, visto que os argumentosora deduzidos já foram, diversasvezes, examinados no âmbito daTerceira e da Quarta Turma desteTribunal, em decisões colegiadas eunipessoais.

De fato, primeiramente decidiua Segunda Seção desta Corte queo prazo para o ajuizamento daação civil pública é de 5 anos, nostermos do disposto no art. 21 daLei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popu-lar).

Nesse sentido, destaca-se o se-guinte julgado da 2ª Seção, queconstitui verdadeiro leading casepara a matéria:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃOCIVIL PÚBLICA DECORRENTE DEDIREITOS INDIVIDUAIS HOMO-GÊNEOS. POUPANÇA. COBRAN-ÇA DOS EXPURGOS INFLACIO-NÁRIOS. PLANOS BRESSER E VE-RÃO. PRAZO PRESCRICIONALQUINQUENAL.1. A Ação Civil Pública e a AçãoPopular compõem um micros-sistema de tutela dos direitosdifusos, por isso que, não haven-do previsão de prazo prescri-cional para a propositura da

Ação Civil Pública, recomenda-se a aplicação, por analogia, doprazo quinquenal previsto noart. 21 da Lei n. 4.717/65.2. Embora o direito subjetivoobjeto da presente ação civilpública se identifique comaquele contido em inúmerasações individuais que discutema cobrança de expurgos infla-cionários referentes aos PlanosBresser e Verão, são, na ver-dade, ações independentes,não implicando a extinção daação civil pública, que busca aconcretização de um diretosubjetivo coletivizado, aextinção das demais preten-sões individuais com origemcomum, as quais não possuemos mesmos prazos de prescri-ção.3. Em outro ângulo, consideran-do-se que as pretensões cole-tivas sequer existiam à épocados fatos, pois em 1987 e 1989não havia a possibilidade deajuizamento da ação civil pú-blica decorrente de direitos in-dividuais homogêneos, tutelacoletiva consagrada com o ad-vento, em 1990, do CDC,incabível atribuir às ações civispúblicas o prazo prescricionalvintenário previsto no art. 177do CC/16.4. Ainda que o art. 7º do CDCpreveja a abertura do micros-sistema para outras normasque dispõem sobre a defesados direitos dos consumidores,a regra existente fora do sis-tema, que tem caráter mera-mente geral e vai de encontroao regido especificamente nalegislação consumeirista, nãoafasta o prazo prescricional es-tabelecido no art. 27 do CDC.5. Recurso especial a que senega provimento.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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(REsp 1070896/SC, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUN-DA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 04/08/2010).

28. A seguir, partindo dessa pre-missa, a Quarta Turma deste Tribu-nal, no julgamento do REsp n.1.276.376/PR, Relator Ministro LUISFELIPE SALOMÃO, DJ de 1.2.2012,por unanimidade, entendeu que omesmo prazo prescricional, de 5(cinco) anos, deve ser aplicado parao ajuizamento da execução indivi-dual da Sentença proferida emAção Civil Pública, conforme orien-tação da Súmula 150 da SupremaCorte, entendimento este que tam-bém vem sendo adotado pela Ter-ceira Turma deste Superior Tribunal.

Isso porque a regra abstrata dedireito adotada na fase de conhe-cimento para fixar o prazo deprescrição não faz coisa julgadaem relação ao prazo prescricionala ser fixado na execução do julga-do, que deve ser estabelecido emconformidade com a orientaçãojurisprudencial superveniente aotrânsito em julgado da Sentençaexequenda.

Nesse sentido seguem-se prece-dentes de ambas as Turmas da C.Segunda Seção do Tribunal, com-petente para as matérias de direi-to privado:

1ª) DIREITO CIVIL E PROCESSU-AL CIVIL. EXECUÇÃO INDIVIDU-AL DE SENTENÇA PROFERIDAEM AÇÃO COLETIVA. APADECOX CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.EXPURGOS. PLANOS ECONÔ-MICOS. PRAZO DE PRESCRIÇÃO.1. A sentença não é nascedourode direito material novo, não

opera a chamada “novação ne-cessária”, mas é apenas marcointerruptivo de uma prescriçãocuja pretensão já foi exercita-da pelo titular. Essa a razão damáxima contida na Súmula n.150/STF: “Prescreve a execuçãono mesmo prazo de prescriçãoda ação”. Não porque nasceuma nova e particular preten-são de execução, mas porque apretensão da “ação” teve oprazo de prescrição interrom-pido e reiniciado pelo “últimoato do processo”.2. As ações coletivas fazem par-te de um arcabouço normativovocacionado a promover a faci-litação da defesa do consumi-dor em juízo e o acesso plenoaos órgãos judiciários (art. 6º,incisos VII e VIII, CDC), sempreem mente o reconhecimento davulnerabilidade do consumidor(art. 4º, CDC), por isso que o ins-trumento próprio de facilitaçãode defesa e de acesso do consu-midor não pode voltar-se con-tra o destinatário da proteção,prejudicando sua situação jurí-dica.3. Assim, o prazo para o consu-midor ajuizar ação individual deconhecimento - a partir da quallhe poderá ser aberta a via daexecução - independe doajuizamento da ação coletiva,e não é por esta prejudicado,regendo-se por regras própriase vinculadas ao tipo de cadapretensão deduzida.4. Porém, cuidando-se de exe-cução individual de sentençaproferida em ação coletiva, obeneficiário se insere emmicrossistema diverso e com re-gras pertinentes, sendo impe-riosa a observância do prazopróprio das ações coletivas, queé quinquenal, nos termos do

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

precedente firmado no REsp. n.1.070.896/SC, aplicando-se aSúmula n. 150/STF.5. Assim, no caso concreto, obeneficiário da ação coletiva te-ria o prazo de 5 (cinco) anos parao ajuizamento da execução indi-vidual, contados a partir do trân-sito em julgado da sentença co-letiva, e o prazo de 20 (vinte)anos para o ajuizamento daação de conhecimento individu-al, contados dos respectivos pa-gamentos a menor das corre-ções monetárias em razão dosplanos econômicos.6. Recurso especial provido.(REsp 1275215/RS, Rel. MinistroLUIS FELIPE SALOMÃO, QUAR-TA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 01/02/2012);

2ª) PROCESSO CIVIL. AGRAVO.AGRAVO EM RECURSO ESPECI-AL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DESENTENÇA PROFERIDA EMAÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRAZOPRESCRICIONAL. CINCO ANOS.- A suspensão determinadapelo art. 543-C do CPC aos pro-cessos que cuidam de matériarepetitiva orienta-se às causasque ainda não ascenderam aostribunais superiores. Preceden-tes.- O prazo quinquenal estabele-cido na Lei nº 4.717/65 (Lei daAção Popular) aplica-se à açãocivil pública e também à respec-tiva execução (Súmula n. 150/STF).-. Não há que se falar em ofen-sa à coisa julgada formada noprocesso de conhecimento,quando a prescrição reconheci-da na fase de execução ésuperveniente à sentença cole-tiva transitada em julgado. As-sim, não há coisa julgada emrelação ao que sucedeu após a

sentença, vale dizer, a inação dobeneficiado pela coisa julgadaao longo do prazo de prescri-ção para a execução da senten-ça coletiva (5 anos). A regraabstrata de direito que fixa oprazo de prescrição, adotada nafase de conhecimento, emdesconformidade com a juris-prudência atual do STJ, não fazcoisa julgada para reger o pra-zo da prescrição da execução.- Agravo não provido.(AgRg no AREsp 93.945/PR, Rel.Ministra NANCY ANDRIGHI,TERCEIRA TURMA, julgado em22/05/2012, DJe 28/05/2012);

3º)AGRAVO NO RECURSO ESPE-CIAL. AGRAVO REGIMENTAL.EXECUÇÃO INDIVIDUAL DESENTENÇA PROFERIDA EMAÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRI-ÇÃO.1.- A Segunda Seção deste Tri-bunal, pacificou o entendimen-to de que o prazo para oajuizamento da ação civil públi-ca é de 5 anos, nos termos dodisposto no art. 21 da Lei n.4.717/65 (Lei da Ação Popular).2.- Seguindo essa linha de en-tendimento, bem como a orien-tação da Súmula 150 do Supre-mo Tribunal Federal, as Turmasque compõem a Segunda Seçãodesta Corte adotam o entendi-mento de que o mesmo prazoprescricional, de 5 (cinco) anos,deve ser aplicado para oajuizamento da execução indi-vidual da Sentença proferidaem Ação Civil Pública, mesmona hipótese em que, na ação deconhecimento, já transitada emjulgado, tenha sido reconheci-da a prescrição vintenária.3.- Nesse sentido todos os jul-gamentos monocráticos profe-ridos, mantidos, por unanimida-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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de em ambas as Turmas, nosAgravos Regimentais interpos-tos (cf. AgRg no AREsp 93.945/PR, Relª Minª NANCYANDRIGHI, j. 22.5.2012, e AgRgno AREsp 94.922/PR, Rel. Min.MARCO BUZZI, j. 20.3.2012),afastada a necessidade de sus-pensão dos julgamentos nestaCorte para aguardar julgamen-to de Recurso Repetitivo, desti-nado, este, a produzir efeitosquanto aos processos que per-manecem suspensos na origem.4.- Agravo Regimental impro-vido.(AgRg no AREsp 113.967/PR,Rel. Ministro SIDNEI BENETI,TERCEIRA TURMA, julgado em19/06/2012, DJe 22/06/2012);

4ª) AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO (ART. 544 DO CPC) -EXECUÇÃO INDIVIDUAL DESENTENÇA PROFERIDA EMAÇÃO COLETIVA - APADECO –EXPURGOS INFLACIONÁRIOSCOM REFLEXO EM CADERNETADE POUPANÇA - PLANOS ECO-NÔMICOS – PRESCRIÇÃOQUINQUENAL - PRECEDENTEDA TURMA – RECURSO DES-PROVIDO.I - A suspensão determinadapelo art. 543-C do CPC aos pro-cessos que cuidam de matériarepetitiva orienta-se às causasque ainda não ascenderam aostribunais superiores. Preceden-tes.II - Nas execuções individuais, oprazo prescricional é oquinquenal, próprio das açõescoletivas, contado a partir dotrânsito em julgado da senten-ça proferida em ação civil públi-ca, nos termos do precedentefirmado no julgamento dos re-cursos especiais 1.275.215/RS e1.276.376/PR, Dje 1º.2.2012.

III - Mantida a decisão que con-siderou prescrita a pretensãoexecutiva.IV. Agravo regimental não pro-vido.(AgRg no AREsp 132.712/PR,Rel. Ministro MARCO BUZZI,QUARTA TURMA, julgado em21/08/2012, DJe 28/08/2012);

5ª) PROCESSUAL CIVIL. AGRA-VO REGIMENTAL EM AGRAVOEM RECURSO ESPECIAL. AÇÃOCIVIL PÚBLICA. APADECO.CUMPRIMENTO INDIVIDUALDE SENTENÇA. PRESCRIÇÃOQUINQUENAL. PRECEDENTES.QUESTÃO PACIFICADA NOÂMBITO DESTA CORTE SUPERI-OR.1. O prazo quinquenal estabe-lecido na Lei nº 4.717/65 (Lei daAção Popular) aplica-se à açãocivil pública e também à respec-tiva execução (Súmula n. 150/STF). Precedentes.2. Não há que se falar em ofen-sa à coisa julgada formada noprocesso de conhecimento,quando a prescrição reconheci-da na fase de execução ésuperveniente à sentença cole-tiva transitada em julgado. As-sim, não há coisa julgada emrelação ao que sucedeu após asentença, vale dizer, a inação dobeneficiado pela coisa julgadaao longo do prazo de prescri-ção para a execução da senten-ça coletiva (5 anos). A regraabstrata de direito que fixa oprazo de prescrição, adotada nafase de conhecimento, emdesconformidade com a juris-prudência atual do STJ, não fazcoisa julgada para reger o pra-zo da prescrição da execução.3. Agravo regimental parcialmen-te provido apenas para reconhe-cer o benefício da gratuidade da

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

justiça deferido ainda em primei-ra instância.(AgRg no AREsp 76.604/PR, Rel.Ministra MARIA ISABELGALLOTTI, QUARTA TURMA,julgado em 15/03/2012, DJe 22/03/2012);

6ª) AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO CONTRA DECISÃODE INADMISSÃO DO RECUR-SO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. EXECUÇÃO. PRAZOPRESCRICIONAL. SUSPENSÃODO JULGAMENTO DO FEITOPARA AGUARDAR DECISÃOFINAL EM RECURSO REPRE-SENTATIVO DA CONTROVÉR-SIA. NÃO CABIMENTO. APLI-CAÇÃO DO ART. 557 DO CPC.NULIDADE. NÃO OCORRÊN-CIA. DESNECESSIDADE DOTRÂNSITO EM JULGADO DOACÓRDÃO QUE FIRMOU OENTENDIMENTO NESTA COR-TE A RESPEITO DA MATÉRIA.SENTENÇA PROFERIDA EMAÇÃO COLETIVA. PRESCRIÇÃOQUINQUENAL DA PRETEN-SÃO EXECUTIVA. OFENSA ÀCOISA JULGADA. INEXIS-TÊNCIA. HONORÁRIOS ADVO-CATÍCIOS. PEDIDO DE MINO-RAÇÃO. MATÉRIA DE PROVA.INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.1. A determinação de suspen-são dos recursos cuja matériase encontra afetada para julga-mento pela sistemática previs-ta no art. 543-C do Código deProcesso Civil e na Resolução nº8, de 7 de agosto de 2008, des-ta Corte, dirige-se aos Tribunaislocais, não abrangendo os ape-los especiais já encaminhados aeste Tribunal, máxime quandohouver jurisprudência pacíficado STJ em torno das questõesversadas nos recursos destaca-

dos como representativos dacontrovérsia.2. A decisão agravada, ancora-da em precedentes da Segun-da Seção (REsp 1.070.896/SC) eda Quarta Turma (REsp1.275.215/RS e REsp 1.283.273/PR), adotou orientação que re-flete a jurisprudência dominan-te do Superior Tribunal de Jus-tiça, não havendo falar eminobservância da regra previs-ta no artigo 557, § 1º, do Códi-go de Processo Civil.3. Não se faz necessário tenhaocorrido o trânsito em julgadodo acórdão proferido no prece-dente que traçou o entendi-mento uniformizador no qual selastreou a decisão do relator.4. Perfilhando a orientaçãotraçada pela Segunda Seção nojulgamento do Recurso Especi-al 1.070.896/SC, Relator o em.Ministro Luis Felipe Salomão,DJe de 4/8/2010, no qual ficouassentada a tese de que équinquenal o prazo prescricionalpara o ajuizamento de ação ci-vil pública, precedentes destaCorte consolidaram a compre-ensão de que o mesmo prazoprescricional de cinco anos deveser aplicado em relação à exe-cução individual da sentençaproferida na ação coletiva.5. “Não há falar em ofensa àcoisa julgada formada no pro-cesso de conhecimento, porquea prescrição que ora se reco-nhece é superveniente à sen-tença coletiva transitada emjulgado, com base na interpre-tação do direito federal hojeconsolidado pelo Superior Tribu-nal de Justiça, na linha da qualo prazo para prescrição da açãocoletiva é diverso daquele pra-zo que se aplica às ações indivi-duais” (REsp 1.283.273/PR,

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Quarta Turma, Rel. Min. IsabelGallotti, DJe de 1º/2/2012).6. A jurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça delineia que,em regra, é inadmissível o exa-me do valor fixado a título dehonorários advocatícios, emsede de recurso especial, tendoem vista que tal providênciadepende da reavaliação do con-texto fático-probatório insertonos autos, o que é vedado pelaSúmula 7/STJ.7. O óbice da referida súmula podeser afastado em situações excep-cionais, notadamente quando forverificada a exorbitância ou o ca-ráter irrisório da importância ar-bitrada, e quando a Corte de ori-gem não traz nenhum funda-mento apto a justificar a estipu-lação da referida quantia, em fla-grante ofensa aos princípios darazoabilidade, proporcionalidadee a normas processuais que disci-plinam a sua fixação. Todavia, essaexcepcio-nalidade não ocorreu nahipótese em análise.8. Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 123.999/PR, Rel.Ministro RAUL ARAÚJO, QUAR-TA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 30/04/2012)

29. Firmou-se, como se vê, o pra-zo prescricional de 5 (cinco) anospara o ajuizamento da execuçãoindividual em cumprimento de sen-tença proferida em Ação Civil Pú-blica, inclusive na hipótese em que,na ação de conhecimento, já tran-sitada em julgado, tenha sido reco-nhecida a prescrição vintenária.

VII. Do Julgamento do Recur-so Representativo

30. No caso em análise, a Sen-tença exequenda transitou em jul-

gado em 3.9.2002 (e-STJ fls. 28) eos recorridos apresentaram o pe-dido de cumprimento de Senten-ça somente em 30.12.2009 (e-STJfls. 43/45), quando já transcorridoo prazo de 5 (cinco) anos, estandoportanto prescrita a pretensãoexecutória.

31. Ante o exposto:a) Para os fins de julgamento de

Recurso Representativo de Contro-vérsia (CPC, art. 543-C, com a reda-ção dada pela Lei 11.418, de19.12.2006) declara-se consolidadaa tese seguinte:

No âmbito do Direito Privado,é de cinco anos o prazoprescricional para ajuizamentoda execução individual em pe-dido de cumprimento de sen-tença proferida em Ação CivilPública.

b) Julgando-se o caso concreto,dá-se provimento ao Recurso Espe-cial para o seguinte:

Declarar prescrita a ação e ex-tinto o processo (CPC, art. 269,IV), atribuindo aos autores, orarecorridos, a responsabilidadepor custas e despesas processu-ais e honorários advocatícios,fixados, estes, por equidade,com fundamento no art. 20, §4º, do Cód. de Proc. Civil, em R$10.000,00 (dez mil reais), a se-rem rateados, em partesiguais, entre todos os autores.

32. Publicado o Acórdão, expe-çam-se ofícios, transmitindo cópiado presente julgamento a todos osE. Presidentes dos Tribunais de Jus-tiça e Tribunais Regionais Federais,para que se proceda nos termos do

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

543-C, §§ 7º, I e II, e 8º, do Cód. deProc. Civil, com a redação da Lein. 11.672, de 8.5.2008.

Ministro SIDNEI BENETI, Relator.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Após o voto do Sr. MinistroRelator fixando a tese repetitiva talcomo indicada em seu voto e, nocaso concreto, dando provimentoao recurso especial, pediu VISTAantecipada a Sra. Ministra NancyAndrighi.

Aguardam os Srs. Ministros RaulAraújo, Paulo de Tarso Sanseverino,Maria Isabel Gallotti, AntonioCarlos Ferreira, Ricardo Villas BôasCueva e Marco Buzzi.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Luis Felipe Salomão.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NAN-CY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial in-terposto pelo BANCO ITAÚ S.A.,com fundamento no art. 105, III,“a”, da CF/88, contra acórdão pro-ferido pelo TJ/PR.

Ação: de execução individualde sentença proferida no âmbitode ação civil pública.

Exceção de prescrição: opos-ta pelo recorrente, suscitando aincidência de prazo prescricional de05 anos.

Decisão interlocutória: rejei-tou a exceção de prescrição e de-

terminou o prosseguimento daexecução, dando azo à interposi-ção de agravo de instrumento pelorecorrente.

Acórdão: o TJ/PR negou provi-mento ao agravo de instrumento, re-conhecendo que o prazo prescricionalde 20 anos reconhecido judicialmen-te para o ajuizamento da ação de co-nhecimento também se aplica à exe-cução individual da sentença coleti-va, nos termos do enunciado nº 150da Súmula/STF.

Embargos de declaração: in-terpostos pelo recorrente, foramrejeitados pelo TJ/PR.

Recurso Especial: alega viola-ção dos arts. 177 do CC/16; 206, §3º, IV, e 2.028 do CC/02; 21 da Leinº 4.717/65; e 469, III, do CPC.

Exame de Admissibilidade: oTJ/PR negou seguimento ao recur-so especial, dando azo àinterposição do AREsp 9.818/PR,conhecido para determinar o jul-gamento do recurso principal.

Afetação como repetitivo:tendo em vista a existência de umamultiplicidade de processos ver-sando sobre o mesmo tema, o pro-cesso foi afetado para julgamentopela 2ª Seção como representativode controvérsia repetitiva, nos ter-mos do art. 543-C do CPC.

Parecer do MPF: o i. Subpro-curador-Geral da República Dr.Pedro Hugo Gueiros Bernardes Fi-lho manifestou-se preliminarmen-te pela afetação do processo à Cor-te Especial e, no mérito, pela ma-nutenção do acórdão recorrido.

Voto do Relator: dá provimen-to ao recurso especial, fixando atese de que é de 05 anos o prazoprescricional para ajuizamento da

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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execução individual em pedido decumprimento de sentença proferi-da em ação civil pública, inclusiveem caso de trânsito em julgado dejulgamento que declarou a prescri-ção vintenária da ação do proces-so de conhecimento.

Revisados os fatos, decido.

Cinge-se a lide a determinar o pra-zo prescricional para ajuizamento deexecução individual de sentença pro-ferida em ação civil pública, presen-te a peculiaridade de ter sido judici-almente reconhecido prazo de 20anos para propositura da ação cole-tiva.

O tema não é novo e vem sen-do seguidamente enfrentado portodos os Ministros integrantes desta2ª Seção, dada a existência de mi-lhares de execuções versando so-bre a mesma matéria, a grandemaioria delas, aliás, derivadas damesma sentença coletiva, proferi-da no âmbito da ação civil públicanº 98.0016021-3, ajuizada pelaAPADECO em benefício dos pou-padores do Estado do Paraná, cir-cunstância que justificou a afeta-ção deste processo como represen-tativo de controvérsia repetitiva.

Embora, como ressaltado peloi. Min. Relator, as decisões atéaqui proferidas indiquem umatendência de consolidação do en-tendimento desta Corte no senti-do de que o prazo prescricionalpara execução individual da sen-tença coletiva seria quinquenal,é possível encontrar alguns julga-dos – relativos a situações análo-gas – em que houve posiciona-mento diverso.

Nesse sentido, destaca-se oAgRg no REsp 1.113.844/RJ, Rel.Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJede 09.08.2012 e o REsp 995.995/DF,3ª Turma, minha relatoria, DJe de16.11.2010, nos quais, analisandoa lacuna da Lei nº 7.347/85 quantoà prescrição da ação, concluiu-sepela aplicação do prazo do Códi-go Civil.

Não bastasse isso, há de se con-siderar que estamos em sede dejulgamento realizado à luz do art.543-C do CPC, cujo resultado irádefinir uma orientação definitivae sumular do STJ sobre o tema.

Dessa forma, por se tratar deoportunidade derradeira para de-bates, é imperioso que se faça umareflexão detida e cautelosa, diriaeu até crítica sobre os precedentesaté aqui produzidos, alcançando-se o máximo de certeza sobre oque está prestes a ser definido, queterá reflexo patrimonial para mi-lhares de pessoas.

Em situações como a presentenão podemos ser movidos por umespírito conformista, postura pas-siva e até certo ponto cômoda desimplesmente se ater ao entendi-mento dominante, e sim por umímpeto questionador, no anseio deencontrar solução que se mostre amais justa e equilibrada, semprecientes de que somos responsáveispela uniformização da jurisprudên-cia em matéria infraconstitucional.

A própria Corte Especial com-partilha desse entendimento, ten-do, no julgamento do REsp1.102.467/RJ, Rel. Min. MassamiUyeda, DJe de 29.08.2012, consig-nado a “possibilidade de se dis-cutir novamente, pelo procedi-

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

mento dos recursos repetitivos, amatéria já pacificada na jurispru-dência do Superior Tribunal deJustiça”.

I. Delimitação da controvérsia.Conforme destacado pelo i. Min.

Relator, os diversos julgados exis-tentes sobre o tema, inclusive deminha relatoria, partem de doisparadigmas centrais: os REsp1.070.896/SC, 2ª Seção, DJe de04.08.2010; e 1.276.376/PR, 4ª Tur-ma, DJe de 01.02.2012, ambos re-latados pelo i. Min. Luis FelipeSalomão.

No REsp 1.070.896/SC, concluiu-se pela aplicação analógica do pra-zo prescricional de 05 anos do art.21 da Lei nº 4.717/65 às ações civispúblicas.

No REsp 1.276.376/PR, tendopor objeto a mesma sentença co-letiva derivada da ação civil públi-ca nº 98.0016021-3, partiu-se dapremissa fixada no precedente an-terior para aplicar à execução in-dividual o prazo prescricional de05 anos, sob a alegação de que aregra abstrata de direito adotadana fase de conhecimento para de-terminar o prazo de prescrição nãofaria coisa julgada em relação aoprazo prescricional a ser fixadopara a execução da respectiva sen-tença.

Em suma, portanto, nãoobstante o reconhecimentoincidental do prazo vintenário paraajuizamento da ação civil públicanº 98.0016021-3, o STJ declarou queas execuções individuais da respec-tiva sentença devem ser propostasno prazo de 05 anos, tendo em vis-ta a existência de orientação

jurisprudencial superveniente nes-se sentido.

Não obstante tenha inicial-mente me filiado a esse entendi-mento, já há algum tempo venhorefletindo sobre essa questão, ten-do concluído pela necessidade derevisão dessa jurisprudência, nãoapenas pelas suas consequênciaseconômico-sociais para os diver-sos poupadores do Estado doParaná, mas sobretudo pelos seusreflexos para a política judiciárianacional.

II. O prazo prescricional paraajuizamento de ações coletivaspara a tutela de direitos indivi-duais homogêneos.

Ao julgar o AgRg nos EREsp78.173/PR, Rel. Min. MariaThereza de Assis Moura, DJe de24.04.2012, a Corte Especial rea-lizou interessante debate sobre otema, do qual tive a oportunida-de de participar e que serviu demotivação para essa revisão domeu posicionamento.

Naquela ocasião, o i. Min. TeoriAlbino Zavascki, profundo conhe-cedor da matéria, sendo inclusiveautor de livro sobre o tema (Pro-cesso coletivo: tutela de direitoscoletivos e tutela coletiva de direi-tos. São Paulo: RT, 2011) externounão apenas a sua discordância coma solução dada ao REsp 1.070.896/SC, mas a sua preocupação com osraciocínios então desenvolvidos.Tomei a liberdade de solicitar àCoordenadoria da Corte Especial asnotas taquigráficas daquele julga-mento, pelo que transcrevo a se-guir as considerações do i. Min.Teori:

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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(...) Acho que se fez uma gran-de confusão.Para a ação civil pública, o pra-zo [prescricional] é de 05 anoscomo é da ação popular, masação civil pública é uma deno-minação genérica que englobamuita coisa. Especificamente, alei que prevê o prazo de cincoanos para a ação civil pública épara direitos transindividuais.A ação civil pública, que na ver-dade a lei chama de ação civilcoletiva e se refere a direitosindividuais homogêneos, ela serefere a outra espécie de direi-tos; são direitos subjetivos indi-viduais, que podem ser tutela-dos individualmente.O que acontece? Quando se tra-ta de tutelar direitos subjetivosindividuais, que têm um prazodiferente de cinco anos, não po-demos, a pretexto de tutelá-loscoletivamente, criar uma situa-ção pior para quem é tutelado.Salvo melhor juízo, foi isso o queaconteceu lá [no julgamento doREsp 1.070.896/SC]. São poupa-dores que entraram com açãocontra o banco que tinha, naépoca vinte anos, e que a açãocivil pública, pela decisão aí, dis-se que é cinco anos. A pretextode tutelar, tirou quinze anos deprescrição, por isso está surgin-do esse fenômeno que a Sra.Ministra Nancy Andrighi estácolocando.

Realmente, a defesa de direitoscoletivos não se confunde com adefesa coletiva de direitos. Os di-reitos subjetivos individuais, umavez tutelados coletivamente, nãopodem receber o mesmo tratamen-to dispensado a direitos de natu-reza transindividual, notadamentequando isso acarretar prejuízos em

relação às vantagens que o interes-sado teria na defesa autônoma dosseus direitos.

Diferentemente dos direitos co-letivos – transindividuais eindivisíveis – os direitos individuaishomogêneos são os mesmos direi-tos comuns ou afins previstos no art.46 do CPC, cuja defesa coletiva selegitima apenas do ponto de vistainstrumental, objetivando confe-rir maior efetividade à prestaçãojurisdicional.

Nesse aspecto, o i. Min. HermanBenjamin observa que os direitoshomogêneos são, “por via exclusi-vamente pragmática, transforma-dos em estruturas moleculares, nãocomo fruto de sua indivisibilidadeinerente ou natural (interesses edireitos públicos e difusos) ou daorganização ou da existência deuma relação jurídica base (interes-ses coletivos stricto sensu), mas porrazões de facilitação de acesso àjustiça, pela priorização da eficiên-cia e da economia processuais”.

Assim, se a tutela coletiva dedireitos individuais homogêneos sejustifica unicamente por motivosinstrumentais, portanto sem amodificação do direito subjetivoindividual de cada interessado, nãose pode admitir que a suposta fa-cilitação do acesso à justiça venhaa ter efeito inverso (e perverso),impondo desvantagens a esses in-teressados.

É exatamente por isso que nãoconvence a alegação de que o pra-zo prescricional do Código Civilseria inaplicável porque, à épocados fatos (1989), não havia a possi-bilidade de ajuizamento da açãocivil pública decorrente de direitos

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

individuais homogêneos, consagra-da apenas com o advento do CDC.

Ora, o CDC apenas criou umanova modalidade de tutela coleti-va, visando justamente a facilitar adefesa de direitos individuais homo-gêneos, de sorte que, comocorolário lógico, a utilização dessanova via processual jamais poderáinduzir redução do prazoprescricional do direito materialenvolvido. Ademais, o surgimentode uma nova regra de direito pro-cessual não tem o condão de influ-enciar as regras de direito material.

Nessa ordem de ideias, não hácomo aceitar que um direito, queexercido individualmente tem umprazo prescricional de 20 anos, aoser tutelado coletivamente sofradrástica redução e passe a prescre-ver em apenas 05 anos.

Evidentemente, não foi esse ointuito do legislador, tampoucopode ser o resultado alcançadopelo intérprete na exegese da sis-temática de defesa coletiva de di-reitos individuais homogêneos.

Ainda que ação civil pública eação popular formem ummicrossistema de tutela de direitosdifusos, seus objetivos são bastan-te distintos, sendo muito mais ra-zoável que, no processo de diálo-go de fontes buscado pelo REsp1.070.896/SC, se opte pela aplica-ção subsidiária do Código Civil, querege o próprio direito material dacontrovérsia objeto da ação civilpública nº 98.0016021-3.

De forma semelhante, a regrado art. 7º do CDC atrai com muitomais vigor a incidência analógicado prazo do art. 177 do CC/16 (art.205 do CC/02) – que, repise-se, rege

o próprio direito material em dis-cussão na ação – do que do prazodo art. 27 do CDC, que se refereexclusivamente a fato do produtoou serviço, ou seja, um defeito desegurança do produto ou serviço,do que não se cogita na espécie.

Não se ignora, por fim, a res-salva feita no julgamento do REsp1.275.215/RS, 4ª Turma, Rel. Min.Luis Felipe Salomão, DJe de01.02.2012, de que um prazo de20 anos para o cumprimento dasentença resultaria num prazo to-tal de 40 anos entre a lesão de di-reito individual e o requerimentode execução, considerado muitoalto.

Todavia, há de se ter em menteque esse prazo decorre da aplica-ção do CC/16, cujos prazos foramestabelecidos há praticamente 100anos, numa época em que a reali-dade era outra, em especial no quese refere aos meios de comunica-ção, então quase que restritos à viapostal. A evolução tecnológicaaproximou e integrou as pessoasem âmbito mundial, permitindo,entre outras coisas, a redução dosprazos prescricionais, medida jáadotada pelo legislador no CC/02.

Dessarte, não podemos nos im-pressionar com um suposto prazode 40 anos entre o dano e o seuefetivo ressarcimento, não apenasporque ele está incidindo sobre umdireito violado há mais de 30 anos(época em que não tínhamos aInternet e os celulares e mesmo autilização de fax era bastante res-trita), mas sobretudo porque esseprazo sequer será aplicável a situ-ações futuras, doravante regidaspelo CC/02.

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Por outro lado, essa interpreta-ção distorcida das regras de defesacoletiva de direitos temconsequências igualmente pernici-osas para o nosso sistema de políti-ca judiciária, desestimulando, po-tencialmente, a tutela coletiva dedireitos individuais homogêneos.

Foi justamente essa circunstân-cia que motivou minha interven-ção no julgamento do menciona-do AgRg nos EREsp 78.173/PR: apartir do momento em que os in-teressados constatam que o prazopara execução da sentença coleti-va está prescrito, a tendência na-tural será dar continuidade às suasações individuais, situação que cer-tamente contribuirá para oassoberbamento do Poder Judiciá-rio, com a retomada de milharesde processos até então suspensos(e cujo caminho natural seria aperda de objeto).

Em outras palavras, a se confir-mar o entendimento do voto con-dutor, o STJ estará incentivando asubstituição do julgamento deuma única ação coletiva pelo jul-gamento de milhares de ações in-dividuais.

Note-se que esses reflexos nãose limitam aos processos daAPADECO, mas potencialmente atodos aqueles em que um direitoindividual homogêneo venha a sercoletivamente tutelado.

Em síntese, o resultado do pre-sente julgamento ameaça aefetividade da tutela coletiva dedireitos individuais homogêneos,atentando inclusive contra os prin-cípios constitucionais da economiaprocessual e da razoável duraçãodo processo.

III. A aplicabilidade do enun-ciado nº 150 da Súmula/STF.

De outro giro, julgo importan-te tecer algumas consideraçõesacerca da incidência do enunciadonº 150 da Súmula/STF às ações co-letivas.

Ainda que, para argumentar, sepudesse admitir a aplicaçãoanalógica do prazo prescricionalde 05 anos do art. 21 da Lei nº4.717/65 ou do art. 27 do CDC àsações civis públicas – conformenovo entendimento definido apartir do julgamento do REsp1.070.896/SC – de qualquer ma-neira haveria de se respeitar, naexecução da respectiva sentença,o prazo prescricional do direitomaterial em discussão, melhor di-zendo, o prazo prescricional daação individual cabível para tute-la da mesma pretensão de direitomaterial, e não o prazo fixadopara ajuizamento da ação civilpública.

Afinal, como admitir um prazoprocessual (para execução da sen-tença) diferente (e, pior do queisso, inferior) do prazo de direitomaterial assegurado ao próprioexequente na fase de conhecimen-to para a defesa individual de suapretensão?

Acrescente-se, por oportuno,que a relação jurídica derivada daexecução da sentença coletiva éabsolutamente autônoma da açãocivil pública que lhe dá origem.Nesse sentido, aliás, a conclusãoalcançada no REsp 1.091.044/PR, 3ªTurma, minha relatoria, DJe de24.11.2011, tendo por objeto jus-tamente a ação civil pública nº98.0016021-3, de que “a execução

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

individual de sentença coletivanão pode ser considerada merafase do processo anterior, por-quanto uma nova relação jurídicaprocessual se estabelece” (No mes-mo sentido: REsp 1.070.940/PR, 3ªTurma, minha relatoria, DJe de25.11.2011).

Ademais, como visto, a tutelacoletiva de direitos individuaishomogêneos se justifica unica-mente por motivos instrumentais,portanto sem a modificação dodireito subjetivo individual decada interessado, que deve sergarantido por ocasião da execu-ção da sentença advinda da açãocivil pública.

Diante disso, tendo em vista: (i)a autonomia da relação jurídicaexecutiva frente à relação jurídicaformada na ação de conhecimen-to coletiva da qual deriva a sen-tença exequenda; e (ii) que a tute-la coletiva de direitos individuaishomogêneos se justifica unicamen-te por motivos instrumentais, semmodificação do direito subjetivoindividual de cada interessado;conclui-se inexoravelmente pelaaplica-bilidade apenas imprópriado enunciado nº 150 da Súmula/STF às execuções individuais de sen-tenças proferidas em ações coleti-vas.

Afirma-se a aplicabilidade im-própria do referido enunciadosumular, pois o que se exige é quea execução observe o mesmo pra-zo de prescrição da ação individu-al de que cada interessado paradefesa de seu direito, e não da açãoque tutela coletivamente esse mes-mo direito e da qual deriva a sen-tença exequenda.

IV. Conclusão.Assim, por qualquer ângulo que

se analise a questão, conclui-seque, ao titular de direito individu-al homogêneo tutelado coletiva-mente deve ser assegurado, para aexecução individual da respectivasentença, o mesmo prazoprescricional da ação individualcabível para defesa autônoma dapretensão de direito material.

(i) Da tese jurídica repetitiva.Fica, pois, para efeitos de jul-

gamento de recurso afetado comorepresentativo de controvérsiarepetitiva, nos termos do art. 543-C do CPC, consolidado o entendi-mento de que, ao titular de direi-to individual homogêneo tuteladocoletivamente fica assegurado,para a execução individual da res-pectiva sentença, o mesmo prazoprescricional da ação individualcabível para defesa autônoma dapretensão de direito material.

(ii) Da hipótese específicados autos.

Na espécie há decisão incidentaltransitada em julgado no âmbitodo processo de conhecimento, re-conhecendo o prazo prescricionalde 20 anos para exercício da pre-tensão de direito material.

Dessa forma, igual prazo deveser aplicado para a execução dasentença derivada da ação coleti-va.

Quando muito, poder-se-ia admi-tir a redução do prazo prescricionalpara 10 anos, tendo em vista o ad-vento do CC/02, com a consequenteaplicação das regras dos seus arts. 205e 2.028.

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Em qualquer caso, consideran-do que a sentença proferida naação civil pública transitou em jul-gado em 03.09.2002 e que os re-corridos apresentaram o pedido decumprimento de sentença em30.12.2009, temos um intervalo demenos de 08 anos, portanto nãofulminado pela prescrição.

Forte nessas razões, peço as maiselevadas vênias para divergir dovoto do i. Min. Relator, negadoprovimento ao recurso especial.

VOTO-VOGAL

EXMO. SR. MINISTRO RAULARAÚJO: Sr. Presidente, querocumprimentar a eminente Minis-tra Nancy Andrighi pelo majesto-so voto que traz à nossa aprecia-ção. Porém, entendo que o prazoprescricional previsto no CódigoCivil de 1916, que constituía ummicrossistema de feição mais in-dividualista e hoje superado, por-que já não dialogava bem com aConstituição Federal, não deve serainda agora por nós relacionadocom os prazos aplicáveis ao siste-ma de ações coletivas. Para estenovo sistema, de ordem mais con-soante com a atualidade, estabe-lecemos o entendimento consoli-dado de que o prazo seriaquinquenal, ou seja, mais curto,de cinco anos.

Por essa razão, pedindo vênia àeminente Ministra Nancy Andrighi,acompanho o eminente Relator.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULODE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Sr. Presidente, com a vênia doeminente Relator, acompanho in-tegralmente a divergência inaugu-rada pela Ministra Nancy Andrighi.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Sr. Presidente, peço vê-nia para acompanhar o eminenteRelator.

Compreendo a preocupaçãoposta no voto da eminente Minis-tra Nancy Andrighi, mas observoque não estamos prejudicando emnada o direito do consumidor de,durante vinte anos, entrar com suaação individual.

O voto da Ministra NancyAndrighi bem reconhece que aque-les que não tiverem exercido a pre-tensão de executar a sentença naação coletiva em cinco anos podemdar andamento às suas ações indi-viduais, caso elas tenham sido ajui-zadas no prazo vintenário. Só nãoestá amparada a situação daque-les que deixaram exaurir os vinteanos sem entrar com uma ação in-dividual e, além disso, deixaramexaurir os cinco anos sem executara sentença coletiva.

Observo que é grande a diferen-ça entre ações individuais e açõescoletivas e, certamente, foi por issoque esta Seção, já há mais tempo,entendeu de aplicar esse prazo decinco anos às ações coletivas, mes-mo quando elas defendam direi-tos individuais, que não é a suavocação primeira; sua vocação pri-meira foi defender direitos difusose coletivos propriamente ditos.

Quando se entra com uma açãoindividual, o autor tem o ônus de

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RECURSO REPETITIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL. TESE CONSOLIDADA

demonstrar, em sua inicial, pelomenos que existe uma relação ju-rídica.

O STJ já decidiu que o consumi-dor, na ação individual, não preci-sa juntar todos os extratos de suacaderneta de poupança ao longodo período que irá ser considera-do na fase de liquidação e execu-ção. Mas também já decidiu o STJ,em caráter repetitivo, que é ônusdo autor juntar, pelo menos, a pro-va de que havia uma relação jurí-dica entre ele e a instituição finan-ceira na época do expurgo busca-do na inicial.

Para isso, ele teve vinte anospara entrar com uma ação provan-do que havia relação jurídica e quehouve lesão de direito naqueleperíodo.

Já na ação coletiva, dadas ascaracterísticas do processo coleti-vo, não há, na fase de conhecimen-to, a prova da existência de rela-ção jurídica entre cada substituídoe o réu, ou seja, no processo cole-tivo, na fase de conhecimento, con-segue-se uma sentença quase tãoabstrata quanto a lei. Dita-se ape-nas uma regra de direito específi-ca para aquele tipo de lesão de di-reito alegado, mas, na fase de co-nhecimento, não há aindividualização sequer dosbeneficiários da sentença, daque-les que tinham conta na época eque, portanto, vão ser beneficia-dos pela liquidação.

Toda a fase de juntada de pro-va, de cognição mesmo quanto àexistência da própria relação jurí-dica, fica postergada para a fase deexecução e liquidação. E é por issoque entendo acertado o voto do

Ministro Salomão, quando afirmaque esse entendimento de reconhe-cer o prazo de vinte anos para exe-cutar essas sentenças coletivas equi-valeria, na prática, a um prazo dequarenta anos para que o consu-midor fosse buscar na Justiça o seudireito.

Com essas considerações, peçoa máxima vênia à divergência eacompanho o voto do Relator,dando provimento ao recurso es-pecial.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTO-NIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presi-dente, com a devida vênia da Mi-nistra NANCY ANDRIGHI, que,como sempre, nos oferece um votoprimoroso e instigante, acompa-nho o Sr. Ministro Relator, pelosfundamentos contidos em seuvoto, com os acréscimos oferecidospelos Ministros RAUL ARAÚJO eISABEL GALLOTTI.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista antecipado daSra. Ministra Nancy Andrighi inau-gurando a divergência e negan-do provimento ao recurso espe-cial, no que foi acompanhadapelos Srs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino e Marco Buzzi, e dosvotos dos Srs. Ministros Raul Ara-újo Filho, Maria Isabel Gallotti,

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Antonio Carlos Ferreira e RicardoVillas Bôas Cueva acompanhandoo Sr. Ministro Relator e dandoprovimento ao recurso especial,a Seção, por maioria, deu provi-mento ao recurso especial, nostermos do voto do Sr. MinistroRelator.

Para os efeitos do art. 543-C, doCPC, foi fixada a seguinte tese: “Noâmbito do Direito Privado, é decinco anos o prazo prescricionalpara ajuizamento da execução in-

dividual em pedido de cumprimen-to de sentença proferida em AçãoCivil Pública.”

Os Srs. Ministros Raul AraújoFilho, Maria Isabel Gallotti, Anto-nio Carlos Ferreira e Ricardo VillasBôas Cueva votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Vencidos os Srs. Ministros NancyAndrighi (voto-vista), Paulo deTarso Sanseverino e Marco Buzzi.

Presidiu o julgamento o Sr. Mi-nistro Luis Felipe Salomão.

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

Superior Tribunal de Justiça

Taxa de Abertura de Crédito (TAC). Taxa de Emissão de Carnê (TEC).Expressa previsão contratual. Cobrança. Legitimidade. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1143039&sReg=201101849259&sData=20121105&formato=PDF>. Aces-so em: 05 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RE-CURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉ-DITO BANCÁRIO COM GARANTIADE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EM-BARGOS DE DECLARAÇÃO. NULI-DADE. AUSÊNCIA. TAXA DE ABER-TURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DEEMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRES-SA PREVISÃO CONTRATUAL. CO-BRANÇA. LEGITIMIDADE.

1. Não viola a norma de regên-cia dos embargos de declaração oacórdão que apenas decide a lidecontrariamente aos interesses daparte.

2. As normas regulamentareseditadas pela autoridade monetá-ria facultam às instituições finan-ceiras, mediante cláusulacontratual expressa, a cobrançaadministrativa de taxas e tarifaspara a prestação de serviços ban-cários não isentos.

3. As tarifas de abertura de crédi-to (TAC) emissão de carnê (TEC), pornão estarem encartadas nas vedaçõesprevistas na legislação regente (Re-soluções 2.303/1996 e 3.518/2007 doCMN), e ostentarem natureza de re-muneração pelo serviço prestadopela instituição financeira ao consu-

midor, quando efetivamente contra-tadas, consubstanciam cobranças le-gítimas, sendo certo que somentecom a demonstração cabal de van-tagem exagerada por parte do agen-te financeiro é que podem ser con-sideradas ilegais e abusivas, o quenão ocorreu no caso presente

(REsp 1.246.622/RS, Rel. Minis-tro LUÍS FELIPE SALOMÃO, unâni-me, DJe de 16.11.2011)

4. Recurso especial conhecido eprovido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista do Sr. MinistroMassami Uyeda acompanhando aSra. Ministra Relatora e conhecen-do do recurso e lhe dando provi-mento, no que foi acompanhadopelos Srs. Ministros Luis FelipeSalomão, Raul Araújo e MarcoBuzzi, a Segunda Seção, por mai-oria, conheceu do recurso especiale lhe deu provimento, nos termosdo voto da Sra. Ministra Relatora,vencidos os Srs. Ministros Paulo deTarso Sanseverino e NancyAndrighi, que negavam provimen-to ao recurso especial. Os Srs. Mi-nistros Massami Uyeda (voto-vista),

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Marco Buzzi, Luis Felipe Salomãoe Raul Araújo votaram com a Sra.Ministra Relatora nesta assentada.Votaram em sessões anteriores,com a Relatora, os Srs. MinistrosAntonio Carlos Ferreira e RicardoVillas Bôas Cueva.

Votaram vencidos os Srs. Minis-tros Paulo de Tarso Sanseverino eNancy Andrighi.

Brasília/DF, 10 de outubro de2012(Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI, Relatora.

REsp 1.270.174 - RS (2011/0184925-9). DJe 05.11.2012.

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: - Uldemary Sosa Blotaajuizou ação em face do BancoVolkswagen com o objetivo de re-visar contrato de financiamentocom garantia de alienaçãofiduciária, formalizado mediantecédula de crédito bancário.

O Juizo da 3ª Vara Cível de San-ta Vitória do Palmar, RS, julgouparcialmente procedentes os pedi-dos.

O TJRS deu parcial provimentoà apelação da instituição financei-ra apenas para revogar a tutelaantecipatória impeditiva da inscri-ção em cadastro de inadimplentese para permitir a capitalização dosjuros em periodicidade mensal,havendo na mesma oportunidadedeclarado a nulidade da cobrançade tarifa e/ou taxa com várias de-nominações, por força da aplica-ção dos arts. 46 e 51, IV, do CDC. Oacórdão possui a seguinte ementa(fl. 230):

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃOREVISIONAL DE CONTRATO DECÉDULA DE CRÉDITO BANCÁ-RIO GARANTIDO POR ALIENA-ÇÃO FIDUCIÁRIA. PRELIMINAR.REVOGAÇÃO DAS ANTECIPA-ÇÕES DE TUTELA. Inexistenteabusividade a justificar a revi-são contratual, é impositiva arevogação da antecipação detutela, no tocante à vedação dainscrição do nome da parte au-tora em órgãos de proteção aocrédito e da posse do bem obje-to do contrato. Precedente doSTJ. CAPITALIZAÇÃO. A capita-lização de juros é permitida naforma pactuada nos contratosde cédula de crédito bancário,de acordo com a Lei nº 10.931/2004. COMISSÃO DE PERMA-NÊNCIA. É Impossível a cobran-ça de comissão de permanên-cia cumulada com outros encar-gos moratórios (juros mora-tórios, multa e correção mone-tária). Limitação à taxa de ju-ros remuneratórios aplicável aocontrato. Precedentes do STJ.TARIFA/TAXA PARA COBRAN-ÇA DE DESPESAS ADMINISTRA-TIVAS PELA CONCESSÃO DO FI-NANCIAMENTO. A tarifa/taxapara cobrança de despesas ad-ministrativas pela concessão dofinanciamento é nula de plenodireito, por ofensa aos arts. 46,primeira parte, e 51, inc. IV, doCDC. FORMA DE COBRANÇA DOIOF. A cobrança do tributo diluí-do nas prestações do financia-mento se afigura como condi-ção iníqua e desvantajosa aoconsumidor (CDC, art. 51, IV).REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Ad-mite-se a repetição do indébitode valores pagos em virtude decláusulas ilegais, em razão doprincípio que veda o enriqueci-mento injustificado do credor.

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

COMPENSAÇÃO DE VALORES.É possível a compensação devalores quando se trata deação revisional, depois de liqui-dada a sentença. MORA. Nãoevidenciadas ilegalidades/abusividades em encargos exi-gidos no período da normalida-de contratual, configuradaestá a mora. RESP. 1.061.530.Preliminar acolhida. Apelaçãoparcialmente provida.”

Nos embargos de declaração,entre outros temas, o banco sus-tenta que a exigência de pagamen-to da “TAC” está autorizada pelasResoluções 2.303/1996, 2.747/2000,2.878/2001 e 2.892/2001, editadascom base no arts. 4º, VI e IX, e 9ºda Lei 4.595/1964, e se harmonizacom o CDC, pois não constituiabusividade, já que o custo da ope-ração pode ou não ser inserido nataxa de juros remuneratórios. Orecurso foi rejeitado às fls. 247/251.

O especial, interposto com baseno art. 105, III, “a” e “c”, da Cons-tituição Federal, aponta negativade vigência dos arts. 535, I e II, doCPC, 4º, VI, 9º e 10 da Lei 4.595/1964, e violação dos arts. 6º, III, e51, IV, do CDC.

Preliminarmente, inquina nuli-dade ao julgado por não enfren-tar os pontos omissos abordadosnos embargos de declaração.

No mérito, afirma que as tari-fas de abertura de crédito (TAC) ede emissão de boleto bancário(TEC) são decorrentes da prestaçãodo serviço e visam à cobertura doscustos da instituição financeira,cuja cobrança não é vedada pelasResoluções 2.303/1996 e 2.747/2000,editadas pelo Conselho Monetária

Nacional, a quem compete priva-tivamente, em nome da União, re-gulamentar o Sistema FinanceiroNacional (CMN) com base na Lei4.595/1964.

Adiciona que as Resoluções2.878, art. 3º, VII, e 2.892/2001são compatíveis com o CDC, poisatendem o princípio da clara in-formação, com ampla divulga-ção, retirando qualquer eiva denulidade, e disciplinam o reem-bolso destas despesas peloscorrentistas e mutuários, conjun-tamente ou não com a taxa dejuros remuneratórios. Argumen-ta que o custo do empréstimopode ser inserido totalmente nataxa de juros ou em encargosacessórios do contrato, conformeopte a instituição emprestada.Aduz que não há princípio jurí-dico que obrigue o fornecedor aconcentrar o custo de qualqueroperação na prestação principal,proibindo-lhe a diluição em pres-tações acessórias. Muito pelo con-trário, pode-se argumentar queas referidas taxas vão ao encon-tro dos princípios norteadores doCDC (art. 6º, III), pois discriminamclaramente os encargos contra-tuais.”

Não foram apresentadascontrarrazões (fl. 268).

Decisão presidencial deadmissibilidade do especial às fls.270/273.

É o relatório.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI (Relatora): - Cuida-sede ação revisional de cédula de cré-

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dito bancário com garantia de ali-enação fiduciária, na qual foi de-clarada a nulidade da cobrança dastarifas de abertura de crédito e deemissão de boleto bancário.

Preliminarmente, em relação àsuposta ofensa ao art. 535, I e II,do CPC, verifico que inexiste omis-são ou ausência de fundamentaçãona apreciação das questões susci-tadas, senão julgamento contrárioà pretensão da parte, o que não seconfunde com nulidade.

Com efeito, não se exige dojulgador a análise de todos os ar-gumentos das partes a fim de ex-pressar o seu convencimento. Opronunciamento acerca dos fatoscontrovertidos, a que está o ma-gistrado obrigado, encontra-seobjetivamente fixado nas razões doacórdão recorrido.

No mérito, sobre a legalidadeda cláusula que estabelece a co-brança da taxa/tarifa para cobran-ça de despesas administrativas, sejade abertura de crédito (TAC) ou deemissão de carnê (TEC), o acórdãorecorrido assim dispôs (fl. 233):

“Deve ser reconhecida, tam-bém, a nulidade da cobrança detarifa e/ou taxa com várias de-nominações, para fins de reem-bolsar a parte demandada dasdespesas administrativas queteve a concessão do financia-mento, eis que, primeiramen-te, ofende o art. 46, primeiraparte, do CDC (‘Os contratosque regulam as relações deconsumo não obrigarão os con-sumidores, se não lhes for dadaoportunidade de tomar conhe-cimento prévio de seu conteú-do, ...’), assim como o art. 51,

inc. IV, do CDC (‘São nulas de ple-no direito, entre outras, as clá-usulas contratuais relativas aofornecimento de produtos eserviços que: ... IV - estabeleçamobrigações consideradas iní-quas, abusivas, que coloquem oconsumidor em desvantagemexagerada, ou sejam incompa-tíveis com a boa-fé ou aequidade’).É que o contrato não explica arazão da cobrança desta tarifae/ou taxa, pois nele apenas cons-ta o seu valor, e também por-que transfere o custo adminis-trativo da operação financeiraao financiado, colocando-o emdesvantagem exagerada.”

Por outro lado, os arts. 4º, VI, e9º da Lei 4.595/1964 têm a seguin-te redação:

“Art. 4º Compete ao ConselhoMonetário Nacional, segundodiretrizes estabelecidas peloPresidente da República:(...)VI - Disciplinar o crédito em to-das as suas modalidades e asoperações creditícias em todasas suas formas, inclusive acei-tes, avais e prestações de quais-quer garantias por parte dasinstituições financeiras;(...)Art. 9º Compete ao Banco Cen-tral da República do Brasil cum-prir e fazer cumprir as disposi-ções que lhe são atribuídas pelalegislação em vigor e as normasexpedidas pelo Conselho Mone-tário Nacional.”

Com base nesta autorização le-gal, o CMN, por intermédio doBACEN, editou diversas regulamen-tações sobre a remuneração pelos

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

serviços bancários, entre as quaissão dignas de destaque as seguin-tes:

A Resolução 2.303, 25.7.1996,disciplinava “...a cobrança de tari-fas pela prestação de serviços porparte das instituições financeiras edemais instituições autorizadas afuncionar pelo Banco Central doBrasil” (revogada pela Resolução3.518).

A Resolução 2.747, de28.6.2000, que alterou “...nor-mas relativas à abertura e ao en-cerramento de contas de depósi-tos, a tarifas e ao cheque”.

A Resolução 2.878, de26.7.2001, que dispôs “...sobreprocedimentos a serem observadospelas instituições financeiras e de-mais instituições autorizadas a fun-cionar pelo Banco Central do Bra-sil na contratação de operações ena prestação de serviços aos clien-tes e ao público em geral”.

A Resolução 2.892, de27.9.2001, que alterou “... A Re-solução 2.878, de 2001, que dispõesobre procedimentos a serem ob-servados pelas instituições financei-ras e demais instituições autoriza-das a funcionar pelo Banco Centraldo Brasil na contratação de opera-ções e na prestação de serviços aosclientes e ao público em geral”,havendo especificado que:

“Art. 2º Ficam as instituições fi-nanceiras e demais instituiçõesautorizadas a funcionar peloBanco Central do Brasil obriga-das a exigir de seus clientes eusuários confirmação clara eobjetiva quanto a aceitação doproduto ou serviço oferecido oucolocado a sua disposição, não

podendo considerar o silênciodos mesmos como sinal de con-cordância.”

A Resolução 3.518, de6.12.2007, que “Disciplina a co-brança de tarifas pela prestação deserviços por parte das instituiçõesfinanceiras e demais instituiçõesautorizadas a funcionar pelo Ban-co Central do Brasil”, reza:

“Art. 3º Os serviços prioritáriospara pessoas físicas, assim con-siderados aqueles relacionadosàs contas de depósito, transfe-rências de recursos, operaçõesde crédito e cadastro, serãodefinidos pelo Banco Central doBrasil, que estabelecerá a pa-dronização de nomes de canaisde entrega, a identificação porsiglas e a descrição dos respec-tivos fatos geradores.”

A Resolução 3.919, de25.11.2010, que alterou e conso-lidou “...as normas sobre cobran-ça de tarifas pela prestação de ser-viços por parte das instituições fi-nanceiras e demais instituições au-torizadas a funcionar pelo BancoCentral do Brasil e dá outras provi-dências”, sobre o tema, dispôs:

“Art. 1º A cobrança de remu-neração pela prestação de ser-viços por parte das instituiçõesfinanceiras e demais institui-ções autorizadas pelo BancoCentral do Brasil, conceituadacomo tarifa para fins desta re-solução, deve estar prevista nocontrato firmado entre a insti-tuição e o cliente ou ter sido orespectivo serviço previamenteautorizado ou solicitado pelo cli-ente ou usuário.”

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Conclui-se, portanto, que a po-sição assumida pelo acórdão recor-rido contraria o entendimento des-ta Corte, no sentido de que, haven-do pactuação expressa, “em rela-ção à cobrança das tarifas de aber-tura de crédito, emissão de boletobancário e IOF financiado, há queser demonstrada de forma objeti-va e cabal a vantagem exageradaextraída por parte do recorrenteque redundaria no desequilíbrio darelação jurídica, e por conseqüên-cia, na ilegalidade da sua cobran-ça”, o que não ocorreu no caso dosautos. Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. CON-TRATO BANCÁRIO. AÇÃOREVISIONAL. JUROS REMUNE-RATÓRIOS. LIMITAÇÃO AFAS-TADA. COMISSÃO DE PERMA-NÊNCIA. LICITUDE DA CO-BRANÇA. CUMULAÇÃO VEDA-DA. CAPITALIZAÇÃO MENSALDE JUROS. PACTUAÇÃO EX-PRESSA. NECESSIDADE. DESCA-RACTERIZAÇÃO DA MORA.PRESSUPOSTO NÃO-EVIDENCI-ADO. INSCRIÇÃO DO DEVEDORNOS CADASTROS DE PROTE-ÇÃO AO CRÉDITO. LEGITIMIDA-DE.1. A alteração da taxa de jurosremuneratórios pactuada emmútuo bancário e a vedação àcobrança da taxa de aberturade crédito, à tarifa de cobrançapor boleto bancário e ao IOC fi-nanciado dependem, respecti-vamente, da demonstração ca-bal de sua abusividade em rela-ção à taxa média do mercado eda comprovação do desequilí-brio contratual.2. Nos contratos bancários fir-mados posteriormente à entra-da em vigor da MP n. 1.963-17/

2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalizaçãomensal dos juros, desde que ex-pressamente prevista no ajus-te.3. É admitida a cobrança da co-missão de permanência duran-te o período de inadimplementocontratual, calculada pela taxamédia de mercado apuradapelo Bacen.4. Não evidenciada a abusivi-dade das cláusulas contratuais,não há por que cogitar do afas-tamento da mora do devedor.5. A simples discussão judicial dadívida não é suficiente para obs-tar a negativação do nome dodevedor nos cadastros deinadimplentes.6. Agravo regimental desprovi-do.”(4ª Turma, AgRg no REsp1.003.911/RS, Rel. MinistroJOÃO OTÁVIO DE NORONHA,unânime, DJe de 11.2.2010, gri-fei)

“DIREITO BANCÁRIO. RECURSOESPECIAL. AÇÃO REVISIONALDE CONTRATO BANCÁRIO. JU-ROS REMUNERATÓRIOS. TAXAPREVISTA NO CONTRATO RECO-NHECIDAMENTE ABUSIVAPELO TRIBUNAL DE ORIGEM.SÚMULA 7 DO STJ. CAPITALIZA-ÇÃO MENSAL DOS JUROS. AU-SÊNCIA DE EXPRESSA PACTUA-ÇÃO CONTRATUAL. SÚMULAS5 E 7/STJ. TARIFA PARA ABER-TURA DE CRÉDITO E PARA EMIS-SÃO DE CARNÊ. LEGITIMIDA-DE. ABUSIVIDADE NÃO DE-MONSTRADA. DESCARACTERI-ZAÇÃO DA MORA. COBRANÇADE ACRÉSCIMOS INDEVIDOS.VIOLAÇÃO DO ART. 535 DOCPC NÃO CONFIGURADA.1. Inexiste violação ao art. 535do CPC quando o Tribunal de ori-

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

gem, embora sucintamente,pronuncia-se de forma suficien-te sobre a questão posta nosautos, sendo certo que o ma-gistrado não está obrigado arebater um a um os argumen-tos trazidos pela parte caso osfundamentos utilizados te-nham sido suficientes paraembasar a decisão.2. A Segunda Seção, por oca-sião do julgamento do REsp1.061.530/RS, submetido aorito previsto no art. 543-C doCPC, Relatora Ministra NancyAndrighi, DJe 10.3.2009, con-solidou o seguinte entendi-mento quanto aos jurosremuneratórios: a) as institui-ções financeiras não se sujei-tam à limitação dos jurosremuneratórios estipulada naLei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) a esti-pulação de juros remune-ratórios superiores a 12% aoano, por si só, não indicaabusividade; c) são inaplicáveisaos juros remuneratórios doscontratos de mútuo bancárioas disposições do art. 591 com-binado com o art. 406 do CC/02; d) é admitida a revisão dastaxas de juros remuneratóriosem situações excepcionais,desde que caracterizada a re-lação de consumo e que aabusividade (capaz de colocaro consumidor em desvanta-gem exagerada - art. 51, §1º,do CDC) fique cabalmente de-monstrada ante as peculiari-dades do julgamento em con-creto.3. O Tribunal a quo, com am-pla cognição fático-probató-ria, considerou notadamentedemonstrada a abusividade dataxa de juros remuneratóriospactuada no contrato em re-

lação à taxa média do merca-do. Incidência da Súmula 7 doSTJ.4. A capitalização de juros nãose encontra expressamentepactuada, não podendo, porconseguinte, ser cobrada pelainstituição financeira. A inver-são do julgado demandaria aanálise dos termos do contra-to, o que é vedado nesta esfe-ra recursal extraordinária emvirtude do óbice contido nasSúmulas 5 e 7 do Superior Tri-bunal de Justiça.5. As tarifas de abertura decrédito (TAC) e emissão decarnê (TEC), por não estaremencartadas nas vedações pre-vistas na legislação regente(Resoluções 2.303/1996 e3.518/2007 do CMN), e osten-tarem natureza de remunera-ção pelo serviço prestado pelainstituição financeira ao con-sumidor, quando efetivamen-te contratadas, consubstan-ciam cobranças legítimas, sen-do certo que somente com ademonstração cabal de vanta-gem exagerada por parte doagente financeiro é que po-dem ser consideradas ilegais eabusivas, o que não ocorreu nocaso presente.6. A cobrança de acréscimosindevidos a título de jurosremuneratórios abusivos e decapitalização dos juros tem ocondão de descaraterizar amora do devedor. Preceden-tes.7. Recurso especial parcial-mente conhecido e nesta ex-tensão, parcialmente provi-do, sem alteração nos ônussucumbenciais fixados pelo Tri-bunal de origem.(4ª Turma, REsp 1.246.622/RS,Rel. Ministro LUÍS FELIPE

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SALOMÃO, unânime, DJe de16.11.2011, grifei)

“PROCESSO CIVIL - RECURSOESPECIAL – AGRAVO REGIMEN-TAL - CONTRATO - MÚTUO - SIS-TEMA FINANCEIRO DA HABITA-ÇÃO (SFH) - DECISÃO EXTRAPETITA - INOCORRÊNCIA - TAXADE COBRANÇA E ADMINISTRA-ÇÃO (TAC) - ABUSIVIDADENÃO DEMONSTRADA – PREVI-SÃO CONTRATUAL -DESPROVIMENTO.1 - Não há que se falar em deci-são extra petita, porquanto omérito do recurso especial inter-posto pela instituição financeirasequer foi analisado, face à suamanifesta intempestividade.2 - Ademais, com relação àalegada abusividade da Taxa deCobrança e Administração - TAC,o ora agravante não trouxe ele-mentos comprobatórios destaassertiva. Sendo assim,‘inexistindo meios de apurar asuposta abusividade, torna-seimpossível ao Poder Judiciárioproceder à revisão do contratopara alterar ou excluir tais co-branças. Ademais, consoanteaveriguado pelo Colegiado deorigem, essa taxa ‘está previs-ta no contrato, incluindo-se nosacessórios que compõem o en-cargo mensal (fls. 55)’.’.3 - Agravo regimental despro-vido.”(4ª Turma, AgRg no REsp747.555/RS, Rel. Ministro JORGESCARTEZZINI, unânime, DJU de20.11.2006, grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL. RE-CURSO ESPECIAL. COMISSÃO DEPERMANÊNCIA. ENCARGOSMORATÓRIOS. CUMULAÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃODE INDÉBITO. PROVA DE ERRO.

DESNECESSIDADE. VEDAÇÃOAO ENRIQUECIMENTO SEMCAUSA. ENCARGOS DA NOR-MALIDADE. COBRANÇA LEGÍTI-MA. MORA DEBENDI. CARAC-TERIZAÇÃO. TAC. COBRANÇA.POSSIBILIDADE. DISPOSIÇÃO EXOFFICIO. AFASTAMENTO.1. ‘Nos contratos de mútuo ban-cário, os encargos moratóriosimputados ao mutuárioinadimplente estão concentra-dos na chamada comissão depermanência, assim entendidaa soma dos juros remuneratóriosà taxa média de mercado, nun-ca superiores àquela contrata-da, dos juros moratórios e damulta contratual, quando con-tratados; nenhuma outra verbapode ser cobrada em razão damora. Recurso especial não co-nhecido’ (REsp 863887/RS, Rel.Min. ARI PARGENDLER, SEGUN-DA SEÇÃO, julgado em 14/03/2007, DJe 21/11/2008)2. Possível a repetição deindébito sempre que constata-da a cobrança indevida de algumencargo contratual, mostrando-se desnecessária prova de errono pagamento, porquanto sufi-ciente à justificação da incidên-cia dos institutos, o repúdio aoenriquecimento sem causa.3. Nos termos da jurisprudên-cia desta Corte, se os encargosda normalidade exigidos pelainstituição financeira não sãoabusivos, entende-se que ainadimplência não pode ser atri-buída ao credor, razão pela qualhá de se entender configuradaa ‘mora debendi’.4. ‘A alteração da taxa de jurosremuneratórios pactuada emmútuo bancário e a vedação àcobrança das taxas denomina-das TAC e TEC dependem dademonstração cabal de sua

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

abusividade em relação à taxamédia do mercado e da com-provação do desequilíbriocontratual’ (AgRg no REsp1061477/RS, Rel. Ministro JOÃOOTÁVIO DE NORONHA, QUAR-TA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010)’5. ‘Nos contratos bancários, évedado ao julgador conhecer,de ofício, da abusividade dascláusulas’(Súmula 381/STJ).6. Agravo regimental parcial-mente provido.”(3ª Turma, AgRg no REsp897.659/RS, Rel. Ministro PAU-LO DE TARSO SANSEVERINO,unânime, DJe de 9.11.2010)

A mesma orientação tem sidoadotada em decisões singulares,como se observa, entre outras, noREsp 1.269.226/RS (Rel. MinistroSidnei Beneti, DJe de 30.3.2012),REsp 1.272.084/RS (Rel. MinistraNancy Andrighi, DJe de 26.3.2012),REsp 1.305.361/RS (Rel. MinistroMassami Uyeda, DJe de 26.3.2012),REsp 1.071.290/RN (Rel. MinistroAntônio Carlos Ferreira, DJe de29.11.2011) e AREsp 1.736/RS (Rel.Ministro Marco Buzzi, DJe de10.4.2012).

Anoto que o acórdão recorridoreconheceu a pactuação expressadas tarifas questionadas, com amenção de seu valor no contrato.Não afirmou estivessem sendoexigidas em desacordo com a re-gulamentação expedida pelo CMN/BACEN e nem que o valor acorda-do fosse abusivo. Sendo assim, apli-cou o art. 51, inciso IV, do CDC àsituação que a ele não se subsume,violando, portanto, o referido dis-positivo legal.

Por fim, entendo que assiste ra-zão ao recorrente quando alega quea cobrança pelos diversos tipos deserviços bancários sob a forma detarifas devidamente divulgadas epactuadas com o correntista, desdeque em conformidade com a regu-lamentação do CMN/BACEN, aten-de mais ao princípio da clara infor-mação ao consumidor do que suacobrança embutida na taxa de ju-ros remuneratórios. As tarifas sãopagas apenas pelo consumidor quepactuar cada um dos serviços pres-tados pelo banco. Já se o custo dosserviços bancários devesse integrarobrigatoriamente a taxa de jurosremuneratórios, todos ostomadores de empréstimo pagari-am pela generalidade dos serviços,independentemente de utilização.Assim, a discriminação dos encar-gos contratuais em nada onera oconsumidor; ao contrário atende aoprincípio da transparência e da in-formação.

Em face do exposto, dou provi-mento ao recurso especial, pararestabelecer a cobrança das taxas/tarifas de despesas administrativaspara abertura de crédito (TAC) e deemissão de carnê (TEC). Mantida asucumbência fixada no acórdãorecorrido.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Após o voto da Sra. MinistraMaria Isabel Gallotti conhecendo

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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do recurso especial e lhe dandoprovimento, pediu VISTA antecipa-damente o Sr. Ministro Paulo deTarso Sanseverino.

Aguardam os Srs. Ministros An-tonio Carlos Ferreira, Ricardo VillasBôas Cueva, Marco Buzzi, MassamiUyeda e Raul Araújo.

Ausentes, ocasionalmente, osSrs. Ministros Nancy Andrighi e LuisFelipe Salomão.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO PAULODE TARSO SANSEVERINO:

Eminentes Colegas.Pedi vista dos autos na sessão

de 25 de abril, para nova reflexãoacerca do tema.

Vinha partilhando da posiçãoadotada por todos os integrantesda Segunda Seção, lastreados emacórdão da relatoria do eminenteMinistro João Otávio de Noronha,no sentido de que a cobrança dastaxas denominadas TAC e TEC é le-gítima, considerando que suavedação depende da demonstraçãocabal de sua abusividade no casoconcreto:

AGRAVO REGIMENTAL. RECUR-SO ESPECIAL. CONTRATO BAN-CÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. DIS-POSIÇÕES ANALISADAS DE OFÍ-CIO. IMPOSSIBILIDADE. JUROSREMUNERATÓRIOS. TAXAS.ABERTURA DE CRÉDITO. EMIS-SÃO DE CARNÊ. DESEQUILÍBRIOCONTRATUAL. INEXISTENTE.COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.LICITUDE DA COBRANÇA.CUMULAÇÃO VEDADA. SU-CUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1.Não cabe ao Tribunal de ori-gem revisar de ofício cláusu-

las contratuais tidas porabusivas em face do Código deDefesa do Consumidor. 2. A al-teração da taxa de jurosremuneratórios pactuada emmútuo bancário e a vedação àcobrança das taxas denomina-das TAC e TEC dependem dademonstração cabal de suaabusividade em relação à taxamédia do mercado e da com-provação do desequilíbriocontratual. 3. É admitida a co-brança da comissão de perma-nência durante o período deinadimplemento contratual,calculada pela taxa média demercado apurada pelo Bacen,limitada à taxa do contrato,não podendo ser cumuladacom a correção monetária,com os juros remuneratóriose moratórios, nem com a mul-ta contratual. 4. Agravo regi-mental desprovido. (AgRg noREsp 1061477/RS, Rel. MinistroJOÃO OTÁVIO DE NORONHA,QUARTA TURMA, julgado em22/06/2010, DJe 01/07/2010)

Nesse mesmo sentido, tem-sepautado inúmeros precedentes dasduas turmas da Segunda Seçãodesta Corte: Ag 1.332.507/RS, Rel.Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, DJe 23/11/2011;REsp 1.301.337/RS, Rel. MinistraNANCY ANDRIGHI, DJe 17/04/2012;REsp 1.278.902/RS, Rel. MinistroMASSAMI UYEDA, DJe 16/04/2012;AREsp 143.285/MG, Rel. MinistroSIDNEI BENETI, DJe 13/04/2012; REsp1.255.981/RS, Rel. Ministro LUISFELIPE SALOMÃO, DJe 10/04/2012;REsp 1.306.972/RS, Rel. MARIA ISA-BEL GALLOTTI, DJe 02/04/2012; REsp1.301.907/RS, Rel. Ministro RAULARAÚJO, DJe 17/04/2012; AREsp

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

1.736/RS, Rel. Ministro MARCOBUZZI, DJe 10/04/2012.

Contudo, voltando a refletiracerca desse posicionamento, te-nho que ele deve ser revisto, paraque se reconheça que a cobrançadesses encargos é abusiva, sendoincompatível com o princípio daboa-fé objetiva que norteia as re-lações de consumo.

A cobrança da taxa de abertu-ra de crédito (TAC) encontrava-serespaldada, até 30 de maio de2008, na Resolução n.º 2.878/01 doConselho Monetário Nacional, quese limitava a determinar a trans-parência na cobrança de “remu-nerações, taxas, tarifas, comissões,multas e quaisquer outras cobran-ças decorrentes de contratos deabertura de crédito, de chequeespecial e de prestação de servi-ços em geral”.

A Resolução n.º 3.518/07 doCMN, por sua vez, não previu ataxa de abertura de crédito dentreas tarifas cuja cobrança é permiti-da às instituições financeiras, ten-do, porém, previsto o cadastro docliente como serviço prioritário e,portanto, passível de cobrança.

Assim, no lugar da taxa de aber-tura de crédito, passou-se a cobrartaxa de cadastro ou tarifacadastral.

De todo modo, seja qual for onome que se dê à tarifa em ques-tão, o fato é que sua cobrança sedestina apenas a cobrir os custosadministrativos da pesquisa préviaà aprovação do crédito solicitado.

As instituições financeiras, an-tes de conceder empréstimos e fi-nanciamentos, devem tomar asmedidas necessárias à averiguação

da capacidade financeira do seucliente para reduzir o risco deinadimplência.

Embora seja imprescindível essacautela, tanto para a atividade dainstituição financeira em particu-lar como para a economia comoum todo, é inegável que ela nãopode ser considerada um serviçoprestado ao consumidor, mas à pró-pria instituição de crédito.

Como é cediço, a contrapres-tação pela concessão do crédito éo pagamento de juros remunera-tórios incidentes sobre o valordisponibilizado.

O cadastro e a investigaçãoacerca da existência de eventualrestrição ao nome do consumidorem órgãos de proteção ao créditose revertem apenas em benefícioda própria financeira e não confi-guram serviço autônomo prestadoao cliente.

Não há, assim, razão plausívelpara sua cobrança. O mesmo ocor-re com a taxa de emissão de carnê(TEC), cuja cobrança pelas institui-ções financeiras estava fundada noart. 1º, inciso III, da Resolução n.º3.518/07 do Conselho MonetárioNacional, que dispunha:

III - não se caracteriza como ta-rifa o ressarcimento de despe-sas decorrentes de prestaçãode serviços por terceiros, poden-do seu valor ser cobrado desdeque devidamente explicitadono contrato de operação de cré-dito ou de arrendamento mer-cantil.

O próprio CMN, no entanto, pormeio da Resolução n.º 3.693/09editada exclusivamente com este

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fim, buscou esclarecer que o refe-rido dispositivo não autorizava acobrança da TEC, conforme se in-fere do § 2º, acrescentado à Reso-lução 3.518/07:

§ 2º Não se admite o ressarci-mento, na forma prevista noinciso III do § 1º, de despesas deemissão de boletos de cobran-ça, carnês e assemelhados.

Infere-se, pois, que a cobrançadeste encargo, por ser evidente-mente abusiva, foi proibida, emmarço de 2009, pelo próprio órgãoresponsável por regulamentar aremuneração pelos serviços bancá-rios.

Assim, ambas as taxas adminis-trativas em questão se prestam tão-somente a ressarcir a instituiçãofinanceira pelas despesas ocasiona-das pelo contrato, não implicandoqualquer benefício direto ao con-sumidor.

É bem verdade que, tratando-se de relação firmada no âmbitodo Direito Privado, não haveria,em princípio, óbice à previsãocontratual de tarifas destinadasexclusivamente a cobrir os custosadministrativos de uma das partescontratantes.

Poder-se-ia dizer, até mesmo,que a remuneração contratual-mente prevista sempre se destina,em certo aspecto, a saldar o valordespendido em razão do contra-to, sendo que apenas uma parce-la da remuneração representa efe-tivamente o lucro da parte con-tratante.

Vigora, no direito privado, oprincípio da autonomia priva-da sobre o qual já tive a oportuni-

dade de discorrer em sede doutri-nária (Responsabilidade Civil noCódigo do Consumidor e a Defesado Fornecedor . 3ª edição. São Pau-lo: Saraiva, 2010, p. 33):

A autonomia privada, emboramodernamente tenha cedido es-paço para outros princípios (comoo da boa-fé), apresenta-se, ain-da, como a pedra angular do sis-tema de direito privado. Esse prin-cípio sintetiza o poder reconheci-do pela ordem jurídica aos parti-culares para dispor acerca dosseus interesses, notadamente oseconômicos (autonomia nego-cial), realizando livremente ne-gócios jurídicos e determinandoos respectivos efeitos.

O princípio da autonomia pri-vada, porém, tem sua aplicaçãobastante limitada em contratos deconsumo, em razão da vulnera-bilidade do consumidor no merca-do massificado, presumida peloart. 4º do CDC, que autoriza a exis-tência de normas de proteção des-tinadas a garantir o equilíbrio en-tre as partes contratantes.

Ademais, a autonomia privadamostra-se ainda mais limitada emcontratos de adesão, como o pre-sente, em que, por não ter o ade-rente a possibilidade de negociaras cláusulas contratuais, não podeser obrigado se não lhe tiver sidodada oportunidade de tomar pré-vio conhecimento do conteúdo docontrato ou se as cláusulas foramredigidas de modo a dificultar suacompreensão, nos termos do art.46 do CDC.

Estabelecidas essas premissas,entendo que as taxas em questãonão podem ser cobradas, por vio-

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

lar o princípio da boa-fé e porafrontar os deveres anexos de trans-parência e de informação, de ob-servância cogente nas relações deconsumo.

A cobrança da taxa de abertu-ra de crédito ou da tarifacadastral (TAC) e da taxa de emis-são de carnê (TEC), além de nãocorresponder a um serviço autô-nomo prestado em benefício doconsumidor, aumenta sensivel-mente a prestação a que ele seobriga, sem que, no entanto, lheseja dada transparência.

De fato, a essas taxas adminis-trativas não é dado o devido des-taque pelas instituições financeiras,que, em regra, não informam seucusto nas próprias mídias utiliza-das para divulgação de seus pro-dutos.

No mais das vezes, apenas há aprevisão das tarifas no próprio ins-trumento do contrato, ao qual oconsumidor adere sem saber omotivo da cobrança e sem ter sidopreviamente informado acerca dovalor que é acrescido automatica-mente ao seu débito.

Ademais, a experiência comumautoriza dizer que, ao buscar cré-dito no mercado de consumo, oconsumidor utiliza sempre, comoparâmetro de comparação paraescolha da instituição financeiracom quem contratar, a taxa de ju-ros remuneratórios praticada, e nãoas taxas administrativas.

Note-se que, na hipótese dosautos, enquanto o créditodisponibilizado ao recorrente foi deR$ 22.000,00, a TAC correspondeu aR$ 500,00 e a TEC, a R$ 3,30 porboleto emitido (fls. 33-34 e-STJ).

Considerando que foram previs-tas 48 prestações para pagamentodo valor financiado (fl. 36), tem-seque, ao final, a TEC perfez o totalde, no mínimo, R$ 158,40.

As taxas administrativas, assim,representaram um aumento de R$658,40 ao crédito disponibilizado,montante que representa quase ovalor de uma das parcelas a que odevedor se obrigou mensalmentee sobre o qual incidiram todos osdemais encargos.

Assim, a meu ver, a fragmenta-ção desnecessária do preço a serpago pelo consumidor, longe decontribuir para a transparência darelação contratual, acaba por lhedificultar o acesso às informaçõesde que necessita.

Ora, se a tarifa de abertura decrédito ou tarifa de cadastro (TAC)e a taxa de emissão de carnê (TEC)não ensejam benefício direto aoconsumidor, não há outra razãopara sua cobrança em separado quenão a de mascarar uma taxa de ju-ros mais elevada.

Note-se que as taxas administra-tivas em questão são cobradasindiscriminadamente em todas asoperações de financiamento, nãopodendo o consumidor optar porcontratá-las ou não, até mesmoporque, como já afirmado, elas nãoensejam a prestação de serviço aces-sório do qual se poderia utilizar.

Acerca do princípio da boa-fé,reporto-me à clássica lição deCláudia Lima Marques (Contra-tos no Código de Defesa do Con-sumidor: o novo regime das rela-ções contratuais . 5.ª ed. rev., atu-al. e ampl. São Paulo: Editora Re-vista dos Tribunais, 2005, p. 216):

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Como ensinam os doutrinadoreseuropeus, fides significa o hábi-to de firmeza e de coerência dequem sabe honrar os compro-missos assumidos; significa, maisalém do compromisso expresso,a “fidelidade” e coerência nocumprimento da expectativaalheia independentemente dapalavra que haja sido dada, oudo acordo que tenha sido con-cluído, representando, sob esteaspecto, a atitude de lealdade,de fidelidade, de cuidado que secostuma observar e que é legiti-mamente esperada nas rela-ções entre homens honrados, norespeitoso cumprimento das ex-pectativas reciprocamente con-fiadas. É o compromisso expres-so ou implícito de “fidelidade” e“cooperação” nas relaçõescontratuais, é uma visão maisampla, menos textual do víncu-lo, é a concepção leal do vínculo,das expectativas que desperta(confiança).Boa-fé objetiva significa, portan-to, uma atuação “refletida”,uma atuação refletindo, pen-sando no outro, no parceirocontratual, respeitando-o, res-peitando seus interesses legíti-mos, suas expectativas razoá-veis, seus direitos, agindo comlealdade, sem abuso, sem obs-trução, sem causar lesão ou des-vantagem excessiva, cooperan-do para atingir o bom fim dasobrigações: o cumprimento oobjetivo contratual e a realiza-ção dos interesses das partes.

As cláusulas que prevêem as ta-xas em questão, portanto, se mos-tram flagrantemente abusivas, pordescumprimento dos deveres ane-xos de transparência e de informa-ção.

Por oportuno, cito trecho daobra de Bruno Miragem (Cursode Direito do Consumidor . 2.ª ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Edi-tora Revista dos Tribunais, 2010, p.226-243):

O instrumento técnico de mai-or importância em matéria deproteção contratual do consu-midor consagrado pelo CDC é apossibilidade de controle doconteúdo do contrato e o regi-me de nulidade das cláusulascontratuais consideradasabusivas.A noção de cláusulas abusivas éampla. Seus elementos princi-pais, contudo, verificam-se nadefinição simples e rica de JeanCalais-Auloy ao afirmar que“é abusiva a cláusula que, pré-redigida pela parte mais forte,cria um desequilíbrio significa-tivo em detrimento da partemais fraca”. O significado doque se deva entender pordesequilíbrio significativo, nodireito europeu, segundo ogrande jurista francês foi esta-belecido pela Diretiva 93/13/CEE, de 5 de abril de 1993, rela-tiva às cláusulas abusivas noscontratos celebrados com con-sumidores.(...)Em qualquer caso, não é demaisreferir que a identificação dascláusulas abusivas, a partir doscritérios e parâmetros estabe-lecidos no CDC, se dará – paraalém da relação exemplificativaprevista no artigo 51 – pelo exa-me judicial in concreto dos con-tratos de consumo, buscandoverificar hipóteses de estipula-ção de vantagens exageradasem favor do fornecedor.

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

Enfim, deve-se reconhecer aabusividade das cláusulas estipula-das unilateralmente em contrato deadesão com previsão de cobrançada tarifa de abertura de crédito outarifa cadastral (TAC) e de taxa deemissão de carnê (TEC), com funda-mento no art. 51, IV, do CDC, sen-do, pois, nulas de pleno direito.

Ante o exposto, rogando vêniaà eminente Relatora, nego provi-mento ao recurso especial.

É o voto.

RATIFICAÇÃO DE VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Tendo em vista osubstancioso voto divergente doMinistro Paulo de TarsoSanseverino, permito-me tecer asseguintes considerações.

Inicialmente, observo que tra-tam os autos de ação revisional decontrato de financiamento de veí-culo, com garantia de alienaçãofiduciária, representado por cédu-la de crédito bancário emitida em9.11.2006. Diante de renegociaçãocom o cliente, foi emitida novacédula em 2008.

Não está em questão, portanto,a disciplina normativa inauguradacom a edição, pelo CMN, da Reso-lução 3.693/09, a partir da qualdeixou a taxa de emissão de carnê(TEC, justificada pela facilidade depagar por meio de ficha de com-pensação) de ser considerada res-sarcimento de despesas decorren-tes da prestação de serviços porterceiros, ao qual se referia o art.1º, inciso III, da Resolução 3.518/07 do CMN, sendo abolida a suacobrança.

Até 30.4.2008, as tarifas bancá-rias eram disciplinadas pela Reso-lução 2.303/96, a qual adotava umsistema misto. Era vedada a co-brança de serviços consideradosessenciais (fornecimento de cartãomagnético ou, alternativamente, acritério do cliente, um talonário decheques com 20 folhas; forneci-mento de um extrato mensal, en-tre outros especificados no art. 1ºda mencionada resolução); era es-tabelecido limite para outros e fi-cava à livre iniciativa e à concor-rência a definição de outras hipó-teses de cobrança, dependendo ela,todavia, da “afixação de quadronas dependências das instituições(...) em local visível ao público,contendo a relação dos serviçostarifados e respectivos valores; aperiodicidade da cobrança, quan-do for o caso; informação de queos valores das tarifas foram esta-belecidos pela própria instituição”.A cobrança de nova tarifa e o au-mento do valor da existente devi-am ser informados ao público com,no mínimo 30 dias de antecedên-cia (art. 2º) .

Em abril de 2008, a Resolução2.303/96 foi substituída pela Reso-lução 3.518/2007, a qual determi-nou que a cobrança de tarifas deveestar prevista no contrato firmadoentre a instituição e o cliente outer sido o serviço previamente au-torizado ou solicitado pelo usuá-rio (art. 1º). Foram os serviços pres-tados a pessoas físicas classificadosem essenciais, prioritários, especi-ais e diferenciados (art. 1º, parágra-fo único, II). O BACEN/CMN vedoua cobrança de tarifas apenas sobreos serviços enumerados como es-

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senciais (art. 2º), sendo admitida acobrança de tarifa pela prestaçãodos demais serviços, sempre desdeque pactuada e, no caso dos servi-ços prioritários, em conformidadecom regras de padronização a se-rem definidas pelo Banco Central(arts. 1º e 3º).

Desde 1.3.2011 está em vigor aResolução 3.919/10, que consolidoue alterou as normas sobre cobran-ça de tarifas pela prestação de ser-viços por parte das instituições fi-nanceiras.

Não havia, portanto, na épocaem que celebrado o contrato cujarevisão se pretende regra legal ouinfralegal alguma que impedisse apactuação das tarifas em questão.Havia previsão contratual expressa,mencionando o contrato o respec-tivo valor, o que é incontroverso,admitido pelo acórdão recorrido (fl.233).

Este julgou a cobrançavioladora do CDC apenas por en-tender não informadas com clare-za as tarifas ao consumidor, colo-cando-o em desvantagem exagera-da, embora não tenham sido emponto algum do acórdão afirma-dos exorbitantes ou destoantes damédia do mercado os valores co-brados a este título e nem tão pou-co considerados em desacordo coma regulamentação do Banco Cen-tral.

O Ministro Paulo de TarsoSanseverino entende que, seja qualfor o nome que se dê à tarifa emquestão, o fato é que se destinaapenas a cobrir custos administra-tivos do banco, no caso da TAC, apesquisa prévia à aprovação do cré-dito solicitado. Reconhece que é

imprescindível a pesquisa pelas ins-tituições financeiras da capacida-de financeira do seu cliente parareduzir o risco de inadimplência.Admite mesmo que tal cautela énecessária, tanto para a atividadeda instituição financeira em parti-cular como para a economia comoum todo.

Mas, por outro lado, entendeque esta pesquisa não pode serconsiderada um serviço autônomoprestado ao consumidor, de modoa justificar a cobrança de tarifa. Apesquisa atenderia aos interesses dainstituição financeira e não do con-sumidor e, portanto, não deveriaser dele cobrada sob a forma detarifa, mas embutida na taxa dejuros. Considera notório que o con-sumidor escolhe a instituição daqual tomará o empréstimo levan-do em consideração apenas a taxade juros, violando, ao seu sentir, oprincípio da transparência a co-brança de outras tarifas destinadasa repor os custos administrativosda concessão do financiamento.

Este é o ponto, data máximavênia, da minha divergência.

Penso que todos os encargoscontratuais devem estar claramen-te previstos no contrato. Os valo-res cobrados no contrato bancáriode adesão devem ser compatíveiscom o mercado e claramente di-vulgados. Não viola o CDC sejamexplicitados no contrato bancárioo valor dos custos administrativosdo contrato de conta-corrente, docontrato de financiamento, entreoutros; o valor de cada serviço ex-tra prestado ao consumidor (comoemissão de talões de cheques su-periores ao mínimo estabelecido

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

pelo BACEN, cartões excedentes,segunda via de extratos, pesquisade cadastro etc), ao lado do valorda taxa de juros efetiva. Quantomais detalhada a informação cons-tante do contrato, mais transparen-te será o contrato, maior a possibi-lidade de o consumidor verificar ataxa de juros real.

Na linha da preocupação mani-festada pelo Ministro Sanseverino,a Resolução 3.517/2007 do CNM,posterior ao financiamento, deter-mina conste do contrato o CustoEfetivo Total (CET), no qual estáembutida a taxa de juros, as tari-fas, tributos, seguros e as despesasadministrativas contratadas.

Assim, após a Resolução 3.517/2007, além da taxa de juros efeti-va e dos demais encargos (inclusi-ve as tarifas), deve constar do con-trato o CET, parâmetro seguro paraa comparação dos custos do finan-ciamento almejado nas diferentesinstituições financeiras, pelo con-sumidor atento aos encargos queirá assumir.

A expressa e discriminada men-ção no contrato de todos os custosnele compreendidos – ao invés deserem embutidos na taxa de juros– possibilita melhor conhecimen-to e margem de negociação peloconsumidor.

Hoje já é possível, em algumasinstituições bancárias, deixar depagar tarifa para abertura de cré-dito (tarifa de cadastro ou qual-quer outra tarifa com o mesmoobjetivo), fornecendo o cliente aobanco todas as certidões negativase demais pesquisas necessárias äaferição de sua capacidade econô-mica. Outros custos administrati-

vos, como a vistoria de veículos,podem ser objeto de entendimen-tos prévios entre as partes, ou pac-tuados no contrato, dele constan-do expressamente o seu custo.Embutir todos os custos adminis-trativos do financiamento na taxade juros – cuja finalidade é remu-nerar o capital emprestado e não,por exemplo, fazer pesquisa decapacidade financeira ou vistoriade carros financiados o objeto deleasing – não atende ao princípioda transparência e da boa-fé obje-tiva.

Engessar a liberdade contratualde especificar a composição dosencargos do financiamento no con-trato não acarretará a redução dataxa de juros real vigente na eco-nomia. Se os bancos forem proibi-dos de pactuar os custos adminis-trativos ao lado da taxa de juros,ficará, a meu sentir, prejudicado oprincípio da transparência, porqueesses mesmos custos incrementarãoda taxa de juros, como reconheceo próprio voto divergente.

Por fim, tendo em conta as lú-cidas ponderações do MinistroRicardo Cueva, anoto que eventu-al deficiência no ambiente de con-corrência inerente ao mercado,porventura observada na prática,entre instituições financeiras, jus-tifica a atuação segura de órgãospúblicos, especialmente o BancoCentral e o Conselho MonetárioNacional, mas não do Poder Judi-ciário na análise individual de al-guns casos trazidos à sua aprecia-ção.

O Poder Judiciário não tem avisão de conjunto macro-econômi-ca das autoridades monetárias. Sua

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atuação em casos isolados,infirmando regras contratuais com-patíveis com a regulamentação doBACEN e não destoantes das práti-cas e valores de mercado, implica-ria, data maxima vênia, ofensa aosprincípios do pacta sunt servanda, da autonomia da vontade e pre-juízo manifesto à segurança jurí-dica, ensejando o aumento do ris-co e dos juros para a generalidadedos consumidores e não de sua di-minuição.

Em face do exposto, reafirmo omeu voto, dando provimento aorecurso especial.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTO-NIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presi-dente, as taxas e tarifas bancáriassão divulgadas com antecedência,estimulam a concorrência e permi-tem o controle pelos órgãos de fis-calização dos bancos e a correçãode eventuais abusos pelo Judiciário.

Não tenho dúvida de que, seelas não estiverem previstas clara-mente no contrato, certamenteestarão adicionadas ao custo daoperação, nos juros. Não é porqueo mercado é mau; é porque é raci-onal.

Portanto, com a devida vênia doSr. Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, em que pese seuprimoroso voto, acompanho a Sra.Ministra Relatora.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processo

em epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo o julgamento,após o voto do Sr. Ministro Paulode Tarso Sanseverino negandoprovimento ao recurso especial eo voto do Sr. Ministro AntônioCarlos Ferreira acompanhando aSra. Ministra Relatora e dandoprovimento ao recurso especial,pediu VISTA o Sr. Ministro VillasBôas Cueva.

Aguardam os Srs. Ministros Mar-co Buzzi, Nancy Andrighi, MassamiUyeda, Luis Felipe Salomão e RaulAraújo.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRORICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:Diante da complexidade da maté-ria debatida, pedi vista dos autospara uma melhor reflexão.

Trata-se de recurso especial inter-posto pelo BANCO VOLKSWAGENS.A., com fundamento no art. 105,inciso III, alíneas “a” e “c”, da Cons-tituição Federal, contra acórdão pro-ferido pelo Tribunal de Justiça doEstado do Rio Grande do Sul.

Noticiam os autos que, em9.2.2010, ULDEMARY SOSA BLOTApropôs ação contra o ora recorren-te, objetivando a revisão de con-trato de financiamento com garan-tia de alienação fiduciária celebra-do com a instituição financeira, em9.11.2006, para a aquisição de umautomóvel.

O juízo de primeiro grau julgouparcialmente procedente o pedido,determinando, ao que interessapara a presente discussão, o afas-

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tamento da cobrança “de despesasadministrativas para a concessãodo crédito, notadamente a TEC, aTAC e/ou semelhantes “ (e-STJ fl.182).

Inconformado, o banco réu in-terpôs recurso de apelação (e-STJfls. 188-209).

A Décima Terceira Câmara Cíveldo Tribunal de Justiça do Estado doRio Grande do Sul deu parcial pro-vimento ao recurso de apelação,em aresto assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃOREVISIONAL DE CONTRATO DECÉDULA DE CRÉDITO BANCÁ-RIO GARANTIDO POR ALIENA-ÇÃO FIDUCIÁRIA.PRELIMINAR. REVOGAÇÃO DASANTECIPAÇÕES DE TUTELA.Inexistente abusividade a justi-ficar a revisão contratual, éimpositiva a revogação da an-tecipação de tutela, no tocanteà vedação da inscrição do nomeda parte autora em órgãos deproteção ao crédito e da possedo bem objeto do contrato.Precedente do STJ.CAPITALIZAÇÃO. A capitaliza-ção de juros é permitida na for-ma pactuada nos contratos decédula de crédito bancário, deacordo com a Lei nº 10.931/2004.COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. ÉImpossível a cobrança de comis-são de permanência cumuladacom outros encargos moratórios(juros moratórios, multa e corre-ção monetária). Limitação à taxade juros remuneratórios aplicávelao contrato. Precedentes do STJ.TARIFA/TAXA PARA COBRAN-ÇA DE DESPESAS ADMINISTRA-TIVAS PELA CONCESSÃO DO FI-NANCIAMENTO. A tarifa/taxa

para cobrança de despesas ad-ministrativas pela concessão dofinanciamento é nula de plenodireito, por ofensa aos arts. 46,primeira parte, e 51, inc. IV, doCDC.FORMA DE COBRANÇA DO IOF.A cobrança do tributo diluídonas prestações do financiamen-to se afigura como condição iní-qua e desvantajosa ao consumi-dor (CDC, art. 51, IV).REPETIÇÃO DO INDÉBITO.Admite-se a repetição doindébito de valores pagosem virtude de cláusulas ile-gais, em razão do princípioque veda o enriquecimentoinjustificado do credor.COMPENSAÇÃO DE VALORES.É possível a compensação devalores quando se trata de açãorevisional, depois de liquidadaa sentença.MORA. Não evidenciadas ilega-lidades/abusividades em encar-gos exigidos no período da nor-malidade contratual, configura-da está a mora. REsp. 1.061.530.Preliminar acolhida.Apelação parcialmente provi-da” (e-STJ fl. 229).

Os embargos de declaraçãoopostos foram rejeitados (e-STJ fls.248-251).

Daí a interposição do presenterecurso especial (e-STJ fls. 255-259),invocando, além de dissídiojurisprudencial, violação dos arti-gos 535, incisos I e II, do Códigode Processo Civil e 51, inciso IV,do Código de Defesa do Consumi-dor.

O recorrente defende, de início,a ocorrência de negativa de pres-tação jurisdicional no julgamentodos embargos declaratórios.

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Em sequência, insurge-se contraa solução conferida à lide pelasinstâncias ordinárias, argumentan-do:

(a) “As taxas e tarifas decorremda prestação de serviços e custosda instituição financeira,inexistindo vedação à cobrançadas citadas tarifas nas Resoluçõesnºs 2.303/96 e 2.747/00 do Conse-lho Monetário Nacional, editadasna forma do disposto no Art. 4º,IX, da Lei nº 4.595/64 “ (e-STJ fl.257);

(b) “(...) foram publicadas asResoluções do Conselho Monetá-rio Nacional nº 2.878/01 e nº2.892/01 que em total adequaçãoao Código de Defesa do Consu-midor (CDC) instituíram cláusulascontratuais relacionadas à exi-gência de tarifas, taxas e reem-bolso de despesas estabelecendoque as instituições financeirasdevem evidenciá-las de modo cla-ro, conforme o artigo 3º, incisoVII, da Resolução nº 2.878/01, doCMN: (...)” (e-STJ fls. 257-258);

(c) “(...) não há que se falar emabusividade ou desvantagem aoconsumidor. Isto porque o custo doempréstimo pode ser inserido to-talmente na taxa de juros ou emencargos acessórios do contrato,conforme opte a instituição em-prestada. Não há princípio jurídi-co que obrigue qualquer fornece-dor em concentrar o custo de qual-quer operação na prestação prin-cipal, proibindo-lhe a diluição emprestações acessórias “ (e-STJ fl.258);

(d) “(...) pode-se argumentar queas referidas taxas vão ao encontrodos princípios norteadores do CDC

(art. 6º, III), pois discriminam cla-ramente os encargos contratuais “(e-STJ fl. 258); e

(e) “(...) todas as taxas e tarifascobradas são amplamentedivulgadas, por meio de tabelas,nas agências do requerido, fican-do a disposição do público, de for-ma clara e acessível, não podendo,agora, ser alegado desconhecimen-to por parte do autor” (e-STJ fl.258).

Decorrido sem manifestação oprazo para as contrarrazões (e-STJfl. 268), e admitido o recurso naorigem (e-STJ fls. 270-273), subiramos autos a esta colenda Corte.

A Quarta Turma deliberou pelaafetação do julgado para aprecia-ção da Segunda Seção.

Levado o feito a julgamentopela egrégia Segunda Seção, em25.4.2012, após a prolação dovoto da ilustre relatora, MinistraMaria Isabel Gallotti, conhecen-do do recurso especial e dando-lhe provimento, pediu vista an-tecipada o Ministro Paulo de TarsoSanseverino.

Prosseguindo no julgamento,na sessão do dia 9.5.2012, após osvotos do Ministro Paulo de TarsoSanseverino, negando provimentoao recurso especial, e do MinistroAntônio Carlos Ferreira, acompa-nhando a Ministra Relatora, pedivista dos autos.

É o relatório.Cinge-se a controvérsia a perqui-

rir se, nos termos do art. 51, incisoIV, do Código de Defesa do Consu-midor, devem ser consideradasabusivas a tarifa de abertura decrédito (TAC) e a tarifa de emissãode carnê bancário (TEC).

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

De início, registre-se que o con-trato celebrado entre as partes datade 9 de novembro de 2006, de modoque deve ser analisado à luz da re-gulamentação vigente à época.

Entretanto, para uma compre-ensão mais ampla da matéria, faz-

se necessário trazer à colação umbreve histórico do panorama de-corrente do poder regulamentardo Banco Central do Brasil relati-vo à cobrança, pelas instituiçõesfinanceiras, de tarifas sobre servi-ços:

Norma Cotejo

Resolução nº 2.303, de25 de julho de 1996 (vi-gente à época do con-trato analisado nos au-tos).

Resolução nº 2.878, de26 de julho de 2001.

Resolução nº 3.518, de 6de dezembro de 2007.

Resolução nº 3.693, de26 de março de 2009(que dá nova redação aoartigo 1º da Resolução nº3.518, de 6 de dezembrode 2007).

Artigo 1º: Discrimina os ser-viços cuja cobrança estavaexpressamente vedada; Ar-tigo 2º: Determina a publi-cidade das tarifas, semespecificá-las.

Artigos 1º, I; 3º, IV e VII; 5º,parágrafo único, I e II; 6º;8º, I: Determinam a publici-dade das tarifas, semespecificá-las.

Artigo 2º: serviços "essenci-ais"; Artigos 3º, 5º e 6º: ser-viços "prioritários, especiaise diferenciados".

Artigo 1º, § 1º, III, e § 2º: pro-íbe despesas sobre a "emis-são de boletos de cobran-ça, carnês e assemelhados".

(i) Vedava expressamente aprestação dos serviços menci-onados, dentre os quais nãoconstam os serviços de aber-tura de cadastro e emissão decarnê; e (ii) Determinavacomo obrigatória a fixação,em suas dependências, da "re-lação dos serviços tarifados erespectivos valores", da "pe-riodicidade da cobrança,quando for o caso", e da "in-formação de que os valoresdas tarifas foram estabeleci-dos pela própria instituição".

Introduziu o imperativo datransparência na cobrançadas taxas e tarifas bancárias,ainda que de forma genéri-ca, porquanto não especifi-cava tais tarifas e quais os ser-viços estariam sujeitos à co-brança.

(i) Segmentou os serviçosprestados a pessoas físicasem 4 (quatro) categorias:"essenciais, prioritários, espe-ciais e diferenciados"; (ii)Vedava a cobrança de tarifapelos produtos discrimina-dos como "essenciais"; (iii)Admitia a tarifação de servi-ços "prioritários, especiais ediferenciados".

(i) Faz menção expressa àemissão de boletos e carnêsbancários; (ii) Descreve o queé "ressarcimento de serviçoprestado por terceiros"; (iii)Veda a emissão de boletosde cobrança, carnês e asse-melhados.

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Da regulação do Sistema Fi-nanceiro Nacional

Embora imperfeita, é forçoso re-conhecer que a regulação incidentesobre o sistema financeiro é bastan-te densa e significativa. Não é poroutro motivo que a literatura espe-cializada aponta que “[a] economiamoderna pressupõe um sistema fi-nanceiro sólido e estável. Sem ban-cos fortes, a dinâmica capitalistaperde um de seus principais meca-nismos de calibração. (...). Sem quese compreenda a importância daautonomia do sistema jurídico parao bom funcionamento dos sistemaspolítico e econômico, dificilmenteo direito terá condições de oferecer,aos demais sistemas, as prestaçõesque a democracia e a economia demercado dele esperam.” (“Concor-rência e Regulação no Sistema Finan-ceiro, vários autores, Ed. MaxLiminad, 2002, pág. 9).

Nessa linha, a Lei nº 4.595/64,que regula o sistema financeironacional, determina que competeao Conselho Monetário Nacionallimitar, sempre que necessário, astaxas de juros, descontos comissõese qualquer outra forma de remu-neração de operações e serviços

bancários ou financeiros, e ao Ban-co Central do Brasil, cumprir e fa-zer cumprir as disposições que lhesão atribuídas pela legislação emvigor e as normas expedidas peloConselho Monetário Nacional (ar-tigos 4, IX, e 9º).

Assim, para o caso concreto, aanálise histórica dos normativosexpedidos pela autoridade mone-tária competente em matéria deregulação financeira indica umaevolução notratamento das tarifasde abertura de crédito e de emis-são de boleto bancário (TAC e TEC).

Em um primeiro momento, ob-serva-se que não havia disposiçõesdiscriminadas, expressas e claras,sobre quais eram as tarifas cobra-das pelos bancos decorrentes daprestação de seus serviços ao con-sumidor final.

Até 30 de abril de 2008 (data daentrada em vigor da ResoluçãoCMN nº 3.518/2007), vigoravamsobre o tema as Resoluções CMNnº 2.303/1996, nº 2.343/1996, nº2.747/2000 e nº 2.878/2001, quenão elencavam no rol de cobran-ças vedadas as tarifas de aberturade crédito e a de emissão de boletobancário.

Norma Cotejo

Resolução nº 3.919, de25 de novembro de2010.

Artigo 1º, § 2º, II: proíbe co-brança sobre a "emissão deboletos de cobrança, carnêse assemelhados";Artigo 3º, I: Discrimina o ca-dastro e classifica sua tarifacomo serviço prioritário.

(i) Veda a cobrança, na for-ma de tarifas ou ressarci-mento de despesas, "emdecorrência da emissão deboletos ou faturas de co-brança, carnê e assemelha-dos". (ii) Faz menção ex-pressa e autoriza a cobran-ça da tarifa de cadastro; naforma estabelecida em suaTabela I. (iii) Não fixa o va-lor da tarifa.

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

A título ilustrativo, anote-se queera vedada a cobrança dos seguin-tes serviços: fornecimento de car-tão magnético; substituição de car-tão magnético; expedição de do-cumentos destinados à liberação degarantias; devolução de cheques;manutenção de contas de depósi-tos de poupança, à ordem do Po-der Judiciário, e fornecimento deum extrato mensal contendo todaa movimentação do mês (artigo 1ºda Resolução nº 2.303/1996).

Mesmo a Resolução CMN nº3.518/2007, que alterou a discipli-na da cobrança de serviços pelasinstituições financeiras, não veda-va expressamente as referidas tari-fas de abertura de crédito e deemissão de boleto bancário. Deter-minava, contudo, em seu artigo 1º,que “[a] cobrança de tarifas pelaprestação de serviços por parte dasinstituições financeiras e demaisinstituições autorizadas a funcio-nar pelo Banco Central do Brasildeve estar prevista no contrato fir-mado entre a instituição financei-ra e o cliente ou ter sido o respec-tivo serviço previamente autoriza-do ou solicitado pelo cliente oupelo usuário “.

Somente em 2009 (com o ad-vento da Resolução nº 3.693, de 26de março de 2009, que deu novaredação ao artigo 1º da Resoluçãonº 3.518, de 6 de dezembro de2007) é que se nota um significati-vo avanço regulamentar einstitucional por parte das autori-dades monetárias em busca demaior transparência, segurança ju-rídica e acesso à informação nomercado de serviços bancários,porquanto tal regulamento men-

ciona expressamente a emissão deboletos ou carnês e veda a sua co-brança.

Por esse motivo é que a juris-prudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, desde queprevistas no contrato, tais tarifassão, em regra, legais, ficando aeventual declaração de suainvalidade vinculada à demonstra-ção, de forma objetiva e cabal, davantagem exagerada a ensejar umdesequilíbrio na relação jurídica aser verificado caso a caso.

Atualmente, por força das Reso-luções nºs 3.693/2009 e 3.919/2010,continua vigente a proibição pelacobrança das despesas de emissão deboletos (TEC). Quanto à TAC, a regu-lamentação passou a admitir expres-samente sua cobrança (Resolução nº3.919/2010), sob denominação diver-sa, classificando-a como “serviçoprioritário de cadastro” , cujo fatogerador está expressamente discri-minado na Tabela I, anexa à resolu-ção, e que assim dispõe:

“1.1. CADASTRO: Realização depesquisa em serviços de prote-ção ao crédito, base de dados einformações cadastrais, e tra-tamento de dados e informa-ções necessários ao início de re-lacionamento decorrente daabertura de conta de depósi-tos à vista ou de poupança oucontratação de operação decrédito ou de arrendamentomercantil, não podendo ser co-brada cumulativamente “.

Do recurso especial em aná-lise

Segundo a nova leitura feitapelo Ministro Paulo de TarsoSanseverino, as tarifas em comen-

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to, além de não importarem emserviço autônomo oferecido ao cli-ente, prestar-se-iam tão somente aressarcir a instituição financeirapelas despesas ocasionadas pelocontrato, não implicando nenhumbenefício direto ao consumidor.

Partindo desse pressuposto - deque tanto a tarifa de abertura decrédito (TAC) quanto a tarifa deemissão de carnê (TEC) são desti-nadas a cobrir custos administrati-vos do contrato em benefício ex-clusivo da instituição financeira -,concluiu o em. Ministro que nãohaveria como negar a infringênciaao artigo 51, inciso IV, do Códigode Defesa do Consumidor, segun-do o qual:

“São nulas de pleno direito, en-tre outras, as cláusulascontratuais relativas ao forne-cimento de produtos e serviçosque:(...)IV - estabeleçam obrigaçõesconsideradas iníquas, abusivas,que coloquem o consumidor emdesvantagem exagerada, ousejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; “

Além disso, ainda segundo ovoto divergente, o princípio daautonomia privada deveria sofrerlimitações, a fim de coibir abusos,mormente em se tratando de rela-ções jurídicas entre partesassimétricas, materializadas medi-ante contratos de adesão.

Com a devida vênia da divergên-cia, tenho que o art. 51, IV, do CDCnão admite interpretação tão ampla.

Inicialmente, entendo que apesquisa prévia à aprovação de cré-

dito não reverte em benefício ex-clusivo da instituição financeira.Ao contrário, trata-se de providên-cia que opera em prol da higideze da estabilidade de todo o siste-ma financeiro. Nessa linha, tendoem vista o ambiente de assimetriade informação no mercado detomadores de crédito (isto é, nãose sabe de antemão quem são osbons e os maus pagadores), a pes-quisa, a manutenção de cadastrose o monitoramento do crédito sãoelementos essenciais da atividadede intermediação financeira, semos quais ela tenderia a desapare-cer:

“(...) Especificamente argu-menta-se que assimetriasinformacionais reduzem o mer-cado relevante para operaçõesde crédito, de tal forma que aheterogeneidade na distribui-ção de clientes ao longo domercado cria nichos de atuaçãoonde os bancos podem se pro-teger da concorrência e teruma política de preços distintados demais. (...)O principal mecanismo que con-duz a este resultado é a neces-sidade de monitoramento dasoperações de crédito. Esta ca-racterística instrínseca ao setorfinanceiro (...), entendida emsentido amplo, desde a coletade informações anterior à con-cessão do crédito atá o acom-panhamento da operação pro-priamente dito, pode ser fontede algum poder de monopóliose, por sua posição estratégicano mercado, uma instituiçãoexecutar a tarefa com custosmais baixos que seus concorren-tes.(...)

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

Avaliações de crédito, principal-mente para firmas pequenas,frequentemente envolvem in-formações imprecisas e difíceisde transmitir, coletadas em umamplo espectro de dimensões.”( Elizabeth Farina e CaioFerreira, “Concorrência ePerformance no Setor Bancárioem um Mercado Heterogê-neo”, Revista Economia, De-zembro de 2005, págs. 158/159e 186)

Ademais, a mera estipulação detais tarifas nos contratos bancáriosnão pode e não deve ser conside-rada, por si só, como um ato ilíci-to. Conforme se verifica no qua-dro histórico antes traçado, nãohavia regulamentação que a proi-bisse, de modo que sua previsãocontratual não poderia ser auto-maticamente imputada comoabusiva, nem mesmo numa inter-pretação extensiva do artigo 51, IV,do Código de Defesa do Consumi-dor.

Não se nega, obviamente, apossibilidade de que abusos con-tra o consumidor sejam cometidosquando da cobrança de tarifas.Entretanto, o abuso deve ser de-monstrado no caso concreto, me-diante análise detida das diversasvariáveis que compõem o que sepode chamar do “custo do serviçobancário” e em suas consequências(positivas e negativas) tanto parao mercado como para o consumi-dor.

O mercado de serviços financei-ros é, no mundo inteiro, fortemen-te regulado. O Brasil não é exce-ção. Tal nível de regulação finan-ceira é justificado pelas particula-

ridades do segmento, sobretudo ofato de que ele se funda na confi-ança, de que dele dependem osdemais setores da economia e deque sua instabilidade tem repercus-sões macroeconônomicas de gran-de magnitude. Por isso mesmo, oprincípio da autonomia da vonta-de sofre restrição bastante signifi-cativa, não sendo correto afirmarque, em matéria bancária, vale oque as partes quiserem livrementecontratar. Os contratantes devem,necessariamente, observar as nor-mas regulamentares como balizaspara suas transações. Assim é quedisposições regulamentaresincidem sobre a maior parte dascontratações financeiras.

É inegável, portanto, que, quan-to mais transparentes, públicas,discriminadas e divulgadas as tari-fas bancárias, tanto melhor para ocliente e para a instituição.

Nesse sentido, já se observou queo Conselho Monetário Nacional temevoluído consideravelmente naregulação da cobrança de tarifasbancárias. Os sucessivos regulamen-tos vem sendo editados sempre nosentido de emprestar maior trans-parência, publicidade e acesso àinformação, o que pode resultar emaumento de bem-estar do consumi-dor, que pode mais facilmente com-parar os custos vinculados aos ser-viços que pretende contratar. Essascaracterísticas da regulamentaçãodas tarifas, a seu turno, não deixamde constituir estímulo à concorrên-cia interbancária, que se manifes-ta, por exemplo, na nítida diferen-ciação das tarifas de cadastro cobra-das por diversas instituições finan-ceiras.

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Além disso, “evidências empíricasmostram que os banco brasileiros,como em geral de todo o mundo,usufruem de algum poder de mer-cado, mas não operam na forma demonopólio ou cartel (Nakane 2002).Além disso, o comportamento en-tre eles é bastante disperso com al-guns bancos cobrando sistematica-mente spreads mais elevados que osdemais (Nakane e Koyama 2002).Como aparentemente não são carac-terísticas micro econômicas intrínse-cas aos bancos as responsáveis poresta diferença de comportamento(Afanasief et alii 2002), talvez a res-posta esteja no mercado onde as ins-tituições atuam.” ( Elizabeth Farinae Caio Ferreira, “Concorrência ePerformance no Setor Bancário emum Mercado Heterogêneo”, RevistaEconomia, Dezembro de 2005, pág.158).

Acrescente-se, por fim, que, emalguns estados da Federação, comoem São Paulo, já se percebe maiornível de proteção do consumidorbancário, formalizado medianteTermos de Ajustamento de Condu-ta, nos quais, por exemplo, é isen-to da tarifa de cadastro o consu-midor sempre que optar por efe-tuar, ele próprio, às suas expensas,a pesquisa e o levantamento dasinformações de documentos neces-sários à comprovação da regulari-dade cadastral.

Em vista de todo o exposto,esclarecidas no que interessa aopresente caso as dúvidas que melevaram a pedir vista, nomeada-mente, a não ocorrência de omis-são regulatória e a existência dealgum grau de concorrência ban-cária, acompanho integralmente a

eminente Ministra Relatora paradar provimento ao recurso especi-al, destacando, por relevante, queà época da contratação aqui anali-sada, não havia proibição expres-sa quanto à cobrança da tarifa deemissão de carnê (TEC), conformea legislação atualmente em vigor.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Após o voto-vista do Sr. Minis-tro Villas Bôas Cueva acompanhan-do o voto da Sra. Ministra Relatorapara conhecer do recurso especiale dar-lhe provimento, pediu VIS-TA antecipadamente a Sra. Minis-tra Nancy Andrighi.

Aguardam os Srs. Ministros Mar-co Buzzi, Massami Uyeda, LuisFelipe Salomão e Raul Araújo.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NAN-CY ANDRIGHI:

Trata-se de recurso especial in-terposto por BANCO VOLKSWAGENS/A objetivando impugnar acórdãoexarado pelo TJ/RS no julgamentode recurso de apelação.

Ação: de revisão de contratoc/c consignação em pagamento erepetição de indébito, com pedi-do de antecipação de tutela, ajui-zada por ULDEMARY SOSA BLOTAem face do recorrente. Na inicial,o autor alega que firmou contra-to de financiamento para aquisi-

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

ção de um automóvel, com cláu-sula de alienação fiduciária emgarantia. Sustenta onerosidadeexcessiva do pacto original e aduzque, não obstante tenha procura-do a instituição financeira pararenegociar o contrato, também arenegociação apresentou condi-ções abusivas, impossibilitando oinadimplemento. Insurgiu-se con-tra juros remuneratórios, capitali-zação, multa contratual, jurosmoratórios, comissão de perma-nência, tarifa de emissão deboleto bancário, taxa de aberturade crédito e demais despesas dofinanciamento, além da cobrançado IOF. Pleiteia, ao fim, a revisãogeral do pacto.

Sentença: julgou parcialmen-te procedente o pedido. ficarammantidas a taxa de jurosremuneratório e a capitalizaçãomensal. A multa contratual foi fi-xada em 2% sobre o valor da par-cela em atraso, a comissão de per-manência foi afastada, a mora foireputada inexistente, admitiu-se acompensação entre valores pagose a receber, vedou-se a cobrançade IOF e se afastou, por fim, as ta-xas TEC e TAC cobradas.

A sentença foi impugnada me-diante recurso de apelação inter-posto pelo BANCO.

Acórdão: deu parcial provimen-to ao recurso, nos termos da emen-ta já transcrita nos votos dos ilus-tres Ministros que me antecederam.Em suma, o TJ/RS (i) manteve a ca-pitalização de juros; (ii) permitiu acobrança da comissão exclusiva-mente durante o período deinadimplência, à taxa média demercado, limitada ao percentual

fixado no contrato e sem cumulaçãocom a correção monetária, os jurosremuneratórios e moratórios, oumulta; (iii) afastou a cobrança detodos os encargos inacumuláveiscom a comissão de permanência;(iv) declarou a nulidade “da cobran-ça de tarifa e/ou taxa com váriasdenominações, para fins de reem-bolsar a parte demandada das des-pesas administrativas que teve paraa concessão do financiamento; (v)afastou a cobrança de IOF; (vi) ad-mitiu a repetição do indébito deforma simples, inclusive mediantecompensação; (vii) afastou a mora.

Embargos de declaração: in-terpostos pelo BANCO, foram re-jeitados.

Recurso especial: interpostopelo BANCO com fundamento nasalíneas ‘a’ e ‘c’ do permissivo cons-titucional. Alega-se violação dosarts. 535, I e II do CPC, bem comodo art. 51, IV do CDC. Conquantoo recurso tenha sido formalmentefundamentado pela alínea ‘c’ dopermissivo constitucional, nenhumprecedente é arrolado pelo BAN-CO para cotejo.

Admissibilidade: o recurso foiadmitido na origem.

Votos precedentes: após afe-tar o julgamento deste recurso paraa segunda seção, a i. Min. Relatoraproferiu substancioso voto dandoprovimento ao recurso especial,para o fim de declarar a validadeda cobrança da Tarifa de Aberturade Crédito (TAC) e da Tarifa deEmissão de Boleto Bancário (TEC)que haviam sido afastadas pelo TJ/RS, seguindo os precedentes esta-belecidos por ocasião do julgamen-to de diversos precedentes desta

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Corte, a saber: AgRg no REsp1.003.911/RS, Rel. Min. João Otá-vio de Noronha, DJe de 11/2/2010;REsp 1.246.622/RS, Rel. Min. LuísFelipe Salomão, 4ª Turma, DJe de16/11/2011; AgRg no REsp 747.555/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJde 20/11/2006; REsp 863.887/RS,Rel. Min. Ari Pargendler, 2ª Seção,DJe de 21/11/2008; e AgRg no REsp897.659/RS, Rel. Min. Paulo deTarso Sanseverino, DJe de 9/11/2010, entre outros.

Após pedido de vista, o i. Min.Paulo de Tarso Sanseverino inau-gurou a divergência, ponderandoque a cobrança de referidas taxasseria abusiva, por diversos motivos:(i) a cobrança de Tarifa de Abertu-ra de Crédito (ou Tarifa Cadastral)não consubstancia serviço presta-do ao consumidor, mas instrumen-to à disposição do Banco para aproteção de seu crédito; (ii) a Taxade Emissão do Carnê (TEC), cujacobrança parecia ser legitimadapela Resolução 3.518/07 do BancoCentral, foi vedada posteriormen-te pela Resolução 3.693/09, de ma-neira expressa; (iii) o princípio daautonomia privada tem aplicaçãolimitada em contratos de consumo,em razão da vulnerabilidade doconsumidor no mercadomassificado, de modo que é preci-so proteger a parte hipossuficientenas relações contratuais,notadamente quando se trata decontratos de adesão; (iv) a cobran-ça dessas taxas violaria o princípioda boa-fé objetiva, já que não di-ficultando o acesso à plena infor-mação; (v) as taxas induziriam oconsumidor em erro, à medida queele, comparando os juros, poderia

concluir pela conveniência de con-trair determinado empréstimo semsaber que, ao final, seu dispêndiofinanceiro seria maior.

Votaram ainda com a relatoraos ii. Min. Antônio Carlos Ferreirae Ricardo Villas Bôas Cueva.

Pedi vista antecipada para me-lhor apreciação da controvérsia.

Revisados os fatos, decido.

Conquanto a i. Min. Relatora eo i. Min. Villas Bôas Cueva tenhamdesenvolvido uma bem lançada li-nha argumentativa, inclusive ela-borando enriquecedor quadro de-monstrativo do panorama regula-mentar elaborado pelo Banco Cen-tral relativo à cobrança, pelas ins-tituições financeiras, de tarifas deserviços, entendo cabível fazer al-gumas ponderações adicionaisacerca do assunto, especialmentetendo em vista as também substan-ciais observações lançadas pelo i.Min. Paulo de Tarso Sanseverino emseu voto divergente.

A primeira questão que salta aosolhos na análise do processo emjulgamento, com todas as vênias ài. Min. Relatora, é a de que oacórdão recorrido, analisando ocontrato de financiamento que deuorigem à lide, reconheceu aabusividade da cláusula contratualque estabeleceu a cobrança dasTaxas de Abertura de Crédito (TAC)e de Emissão de Carnê (TEC). As-sim, ao menos em princípio, a re-visão dessa parcela do acórdão es-barraria no óbice do Enunciado 5da Súmula/STJ.

O óbice sumular vem sendo con-tornado, nesta Corte, mediante aobservação de que o reconheci-

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

mento da ilegalidade da cobrançade taxa de abertura de crédito oude emissão de boletos bancáriosdependem de “demonstração ca-bal de sua abusividade”. Há inú-meros precedentes nesse sentido,inclusive citados no voto da i. Min.Relatora.

Contudo, o fundamento peloqual o TJ/RS afastou referida co-brança não foi apenas o daabusividade da cláusula, mas tam-bém o de que “o contrato não ex-plica a razão da cobrança destatarifa e/ou taxa, pois nela apenasconsta o seu valor”. Ou seja, o TJ/RS reputou que a instituição finan-ceira inadimpliu seu dever detransparência e de informaçãoquanto aos termos e fundamen-tos do contrato aqui discutido.Esse dever tem posição de desta-que no ordenamento jurídico, de-correndo não apenas das disposi-ções do CDC (art. 4º, caput e inc.IV, 6º, III, 31, entre tantos outros),como também das inúmeras Re-soluções do Conselho MonetárioNacional indicadas no recurso es-pecial e nos votos precedentes, oque dá a medida de sua importân-cia.

Se o acórdão recorrido enten-deu inadimplido esse dever, combase na interpretação que deu doinstrumento contratual, a revisão,nesta sede, é impossível, salvo seesta Corte, reapreciando as condi-ções de fato que permeiam a lide,contrarie a afirmação contida noacórdão recorrido e exponha osmotivos pelos quais o dever de in-formação foi adimplido. Isso, comtodas as vênias, não é possível fa-zer.

Mas esse não é o único funda-mento do acórdão recorrido. Alémda violação do direito à informa-ção, TJ/RS também reputou que acobrança das taxas seria abusiva .Neste ponto, o julgado transita naárea já abordada por inúmeros pre-cedentes desta Corte, de modo quefaria sentido, em princípio, exigirque a abusividade fosse cabalmen-te demonstrada, mediante o cote-jo com a média cobrada pelas de-mais instituições financeiras emoperações da mesma espécie.

No entanto, reputo importanteobservar que, conquanto a jurispru-dência desta Corte já tenha repu-tado que a transferência deste cus-to ao consumidor não pode, por sisó, justificar a revisão da cláusula,é intrigante o fato de que o pró-prio Conselho Monetário Nacional, posteriormente, veio a editar aResolução nº 3.693/2009, do BancoCentral, vedando a cobrança detaxa sobre “emissão de boletos decobrança, carnês e assemelhados”.Ora, ainda que essa resolução so-mente tenha eficácia para vincu-lar as instituições financeiras após26 de março de 2009, é inegável ofato de que a própria autoridadereguladora do mercado financeiroveio, ao final, a reconhecer aabusividade dessa cobrança .

Se essa abusividade foi reconhe-cida pela própria autoridade regu-ladora para o período posterior àResolução 3.693/2009, vedando-sede maneira cabal sua cobrança, porque não poderia o judiciário, ana-lisando as normas contidas no CDC,dar a mesma interpretação tam-bém com relação à respectiva co-brança nos contratos mais antigos?

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Não se está, com isso, fazendoretroagir os efeitos da Resoluçãonova, mas apenas tomando-a comocânone interpretativo para as re-lações jurídicas anteriores à sua vi-gência. Neste ponto, é necessárioressaltar que a norma que regulaa elaboração de todos esses con-tratos, em última análise, não éa Resolução 3.693 do Banco Cen-tral, mas o Código de Defesa doConsumidor, com suas disposiçõesde caráter aberto, carentes decomplementos de interpretação.A Resolução, ao reconhecer aabusividade de uma taxa para con-tratos assinados a partir de sua vi-gência, apenas revela umaabusividade que, em última aná-lise, sempre esteve presente, mes-mo porque as resoluções do CMN,como ato administrativo secundá-rio, somente podem conter o quejá estaria previamente autoriza-do pela Lei.

Assim, não basta, novamentecom todas as vênias aos ilustresMinistros que divergem deste ra-ciocínio, dizer que “somente em2009 (...) é que se nota um signifi-cativo avanço regulamentar einstitucional por parte das autori-dades monetárias em busca demaior transparência, segurança ju-rídica e acesso à informação nomercado de serviços bancários”.Se a vedação à referida cobrançaé um significativo avanço, se éuma medida que privilegia atransparência e a segurança jurí-dica, a medida pode e deve serreputada como contida na previ-são do art. 51, IV, do CDC, inde-pendentemente de qualquer atoadministrativo posterior.

E se a taxa de emissão de carnês(TEC), é abusiva pelos motivos des-critos acima, o mesmo destino deveter a taxa de abertura de crédito(TAC), uma vez que tanto uma,como outra, consubstanciam co-branças impostas ao consumidor,sem um serviço a ele prestado comocontrapartida . As taxas destinam-se, em verdade, a cobrir custos da

Instituição Financeira com oempréstimo. Assiste, portanto, in-tegral razão ao ilustre Min. Paulode Tarso Sanseverino em suas ob-servações nesse sentido.

Como derradeiro argumento, épreciso ressaltar que todo o racio-cínio no sentido da validade dacobrança das taxas aqui discutidasse apoia na interpretação que deveser dada às inúmeras Resoluções doConselho Monetário Nacional queregulam a matéria. Contudo, o su-posto desrespeito às normas conti-das nessas resoluções não compor-ta controle pela via do Recurso Es-pecial, à medida que tais atosnormativos não se enquadram noconceito de lei federal estabelcidopelo art. 105, III, da CF. Assim, ainterpretação que o acórdão recor-rido deu para esses atos normativosnão é passível de revisão.

Forte nessas razões, alinho-meàs bem lançadas razões contidas novoto divergente do i. Min. Paulode Tarso Sanseverino.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista da Sra. MinistraNancy Andrighi acompanhando adivergência inaugurada pelo Sr.Ministro Paulo de TarsoSanseverino em sessão anterior enegando provimento ao recursoespecial, pediu VISTA o Sr. Minis-tro Massami Uyeda.

Aguardam os Srs. Ministros Mar-co Buzzi, Luis Felipe Salomão eRaul Araújo.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MAS-SAMI UYEDA:

Inicialmente, anota-se que ofeito foi levado a julgamento pelaegrégia Segunda Seção, ocasiãoem que a ilustre Relatora, MinistraMaria Isabel Galltotti, prolatou seuvoto no sentido de conferir provi-mento ao recurso especial, para oefeito de restabelecer a cobrançadas taxas/tarifas de despesas admi-nistrativas para abertura de crédi-to (TAC) e de emissão de carnê(TEC), no que que foi acompanha-da, nas sessões subseqüentes, pe-los Srs. Ministros Antônio CarlosFerreira e Villas Bôas Cueva.

O Ministro Paulo de TarsoSanseverino abriu a divergência,para negar provimento ao recursoespecial, no que foi acompanhadopela Ministra Nancy Andrighi. Nes-sa oportunidade, pediu-se vistapara melhor análise dos autos.

O desfecho conferido pela emi-nente Relatora, Ministra Maria Isa-bel Galltotti, ao recurso especialinterposto por BANCOVOLKSWAGEN S/A, pelo seu pro-vimento, revela-se, na compreen-

são deste Ministro, adequado aocaso dos autos.

A celeuma instaurada no presen-te recurso especial centra-se emsaber se a cobrança das taxas/tari-fas de abertura de crédito (TAC) ede emissão de carnê (TEC) encerraou não abusividade, sob o enfoquedo Código de Defesa do Consumi-dor. Discute-se, assim, se a cobran-ça das referidas tarifas são destina-das a cobrir despesas administrati-vas da instituição financeira, o quecolocaria consumidor em situaçãode desvantagem exagerada. Deba-te-se, também, se a previsãocontratual da cobrança das referi-das tarifas, com a menção do res-pectivo valor, atende, ou não, su-ficientemente o direito de informa-ção do consumidor.

Conforme bem ponderando nosjudiciosos votos que precederameste Ministro, inexiste, na espécie,ofensa ao artigo 535, inciso II, doCódigo de Processo Civil, pois to-das as questões suscitadas pela orarecorrente foram solucionadas àluz da fundamentação que pare-ceu adequada ao caso concreto. Éentendimento assente que o órgãojudicial, para expressar sua convic-ção, não precisa mencionar todosos argumentos levantados pelaspartes, mas, tão-somente,explicitar os motivos que entendeuserem suficientes à composição dolitígio.

Constata-se, in casu, que as Ins-tâncias ordinárias, ao concluírempela abusividade das Tarifas deEmissão de Carnê (TEC) e de Aber-tura de Crédito (TAC), teceram fun-damentação suficiente, condizen-te, ressalte-se, com a matéria a elas

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submetidas. Assim, revela-seinsubsistente a alegação de que oTribunal de origem incorreu emnegativa de prestação jurisdicional.

No mérito, de forma sucinta, asInstâncias ordinárias reputaramabusiva a cobrança de tais tarifas aofundamento de que esta não repre-sentaria qualquer contraprestação aoconsumidor, destinando-se, tão-so-mente, ao custeio de despesas ad-ministrativas que deveriam ficar acargo da própria instituição finan-ceira. O Tribunal de origem, ainda,considerou que a pactuação das re-feridas tarifas no contrato sub judice,a despeito de apontar os respectivoscustos, não se desincumbiu de beminformar o consumidor.

Na verdade, as Instâncias ordi-nárias, ao assim decidir, divergiramdo posicionamento até então ado-tado por esta a. Corte no sentidode que a proibição da cobrança dastaxas denominadas TAC e TEC de-pende, pontualmente, da demons-tração cabal de sua abusividade emrelação à taxa média do mercadoe da comprovação do desequilíbriocontratual.

Nesse jaez, a cobrança dassupracitadas tarifas, isoladamenteconsiderada, não encerra qualquerabusividade.

Por oportuno, é de se reiteraros precedentes desta a. Corte, pre-cisamente mencionados no voto daMinistra Relatora: Resp 1.003.911/RS, Relator Ministro João Otávio deNoronha, Dje 11.02.2010; Resp1.246.622/RS, Relator Ministro LuísFelipe Salomão, Dje 16.11.2011;Resp1.269.226/RS, Relator MinistroSidnei Beneti, DJ. 30.3.2012 [deci-são monocrática]; Resp 1.305.361/

RS, Relator Ministro MassamiUyeda, DJ. 26.3.2012 [decisãomonocrática], dentre outras.

Pedindo-se vênia ao MinistroPaulo de Tarso Sanseverino, queabriu a divergência, tem-se que oatual posicionamento perfilhadopor esta a. Corte confere à ques-tão tratamento correto.

Efetivamente, o Conselho Mo-netário Nacional, a quem, nos ter-mos do artigo 4º, VI, da Lei n. 4.595/1964, “compete disciplinar o cré-dito em todas as suas modalidadese as operações creditícias em todasas suas formas”, por intermédio doBanco Central do Brasil (artigo 9ºda Lei n. 4.595/64), não editouqualquer ato normativo que impu-sesse a proibição de cobrança dastarifas decorrentes da abertura decrédito e de emissão de carnê.

Conforme bem esclareceu a Mi-nistra Relatora, quando da ratifi-cação de seu voto, a Resolução n.3.518/2007, então em vigor quan-do da contratação sub judice, ex-pressamente autorizava a cobran-ça de tarifa pela prestação de ser-viços bancários, exceto no que dizrespeito aos chamados serviços es-senciais (especificados no artigo 1ºda mencionada Resolução),exingindo-se, tão-somente, expres-sa contratação nesse sentido.

Assim, tem-se não se revelar pos-sível, simplesmente, com esteio naLei consumerista, reputar abusivotodo e qualquer comportamentocontratual que supostamente sejacontrário ao interesse do consumi-dor, notadamente se o procederencontra respaldo na lei de regên-cia (ou por ela não é vedado), emi-tida justamente pelo Órgão a quem,

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TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO (TAC). TAXA DE EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE

efetivamente, compete regular asoperações de crédito.

Na espécie, restou incontroversonos autos que a cobrança das tari-fas de abertura de crédito e deemissão de carnê restou expressa-mente prevista no contrato estabe-lecido entre as partes, havendo,como seria de rigor, indicação dosrespectivos valores. Circunstância,é certo, que atende, detidamente,ao direito de informação do con-sumidor previsto na Legislaçãoconsumerista, que, inclusive, exi-ge o delineamento pormenoriza-do dos valores cobrados quando daconcessão de crédito, nos termosdo artigo 52, in verbis:

[...]Art. 52. No fornecimento deprodutos ou serviços que envol-va outorga de crédito ou con-cessão de financiamento aoconsumidor, o fornecedor deve-rá, entre outros requisitos,informá-lo prévia e adequada-mente sobre:I - preço do produto ou serviçoem moeda corrente nacional;II - montante dos juros de morae da taxa efetiva anual de ju-ros;III - acréscimos legalmente pre-vistos;IV - número e periodicidade dasprestações;V - soma total a pagar, com esem financiamento.

Nesse jaez, não se pode deixar,inclusive, de assinalar que avedação da cobrança das referidastarifas, supostamente em benefíciodo consumidor, teria, em últimaanálise, o condão de justamentefrustrar o direito à informação do

consumidor, na medida em que taisvalores seriam indevidamente di-luídos na taxa de juros, subtrain-do, por conseguinte, do consumi-dor o conhecimento do efetivocusto dos serviços bancários adqui-ridos, o que, é certo, repercute nopoder de escolha do consumidorsobre a instituição financeira a sercontratada.

Tampouco se reconhece aabusividade da cobrança das tari-fas de emissão de carnê e de aber-tura de crédito, fundada no argu-mento de que tal exação destinar-se-ia ao custeio de despesas admi-nistrativas do próprio banco, nãorepresentando, assim, qualquercontraprestação ao consumidor.Compreende-se, diversamente, quea pesquisa prévia à aprovação docrédito solicitado, assim como aemissão e envio de carnê são cus-tos que compõem o serviço de con-cessão de crédito ou financiamen-to contratado, os quais, se cobra-dos dentro dos preços praticadospelo mercado, não encerram qual-quer abusividade.

Assim, pedindo-se vênia, umavez mais, ao Ministro Paulo deTarso Sanseverino, que abriu a di-vergência, assim como à MinistraNancy Andrighi, que o acompa-nhou, adere-se integralmente aovoto da Relatora, Ministra MariaIsabel Galltotti, no sentido de con-ferir provimento ao recurso espe-cial, para o efeito de restabelecera cobrança das taxas/tarifas de des-pesas administrativas para abertu-ra de crédito (TAC) e de emissão decarnê (TEC).

É o voto.MINISTRO MASSAMI UYEDA.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo o julgamento,após o voto-vista do Sr. MinistroMassami Uyeda acompanhando aSra. Ministra Relatora e conhecen-do do recurso e lhe dando provi-mento, no que foi acompanhadopelos Srs. Ministros Luis FelipeSalomão, Raul Araújo e MarcoBuzzi, a Seção, por maioria, conhe-ceu do recurso especial e lhe deu

provimento, nos termos do voto daSra. Ministra Relatora, vencidos osSrs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino e Nancy Andrighi, quenegavam provimento ao recursoespecial.

Os Srs. Ministros MassamiUyeda (voto-vista), Marco Buzzi,Luis Felipe Salomão e Raul Araújovotaram com a Sra. MinistraRelatora nesta assentada. Votaramem sessões anteriores, com aRelatora, os Srs. Ministros AntonioCarlos Ferreira e Ricardo VillasBôas Cueva. Votaram vencidos osSrs. Ministros Paulo de TarsoSanseverino e Nancy Andrighi.

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REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLICA. SAÍDA DE BANCO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DEREPARAÇÃO POR DANOS MATERI-AIS E COMPENSAÇÃO POR DANOSMORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLI-CA APÓS SAÍDA DE AGÊNCIA BAN-CÁRIA. SAQUE DE VALOR ELEVA-DO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.AUSENTE.

1. Autora pleiteia reparação pordanos materiais e compensaçãopor danos morais em decorrênciade assalto sofrido, na via pública,após saída de agência bancária.

2. Ausente a ofensa ao art. 535do CPC, quando o Tribunal de ori-gem pronuncia-se de forma clarae precisa sobre a questão posta nosautos.

3. Na hipótese, não houve qual-quer demonstração de falha na se-gurança interna da agência bancá-ria que propiciasse a atuação doscriminosos fora das suas dependên-cias. Ausência, portanto, de víciona prestação de serviços.

4. O ilícito ocorreu na via públi-ca, sendo do Estado, e não da insti-tuição financeira, o dever de garan-tir a segurança dos cidadãos e deevitar a atuação dos criminosos.

Superior Tribunal de Justiça

Ação de reparação por danos materiais e compensação por danosmorais. Assalto na via pública após saída de agência bancária.Ausência de Responsabilidade objetiva. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1202733&sReg=201100821734&sData=20130204&formato=PDF>. Aces-so em: 05 abr. 2013.

5. O risco inerente à atividadeexercida pela instituição financei-ra não a torna responsável peloassalto sofrido pela autora, fora dassuas dependências.

6. A análise da existência dodissídio é inviável, porque não fo-ram cumpridos os requisitos dosarts. 541, parágrafo único, do CPCe 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

7. Negado provimento ao recur-so especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda TERCEIRA Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformi-dade dos votos e das notastaquigráficas constantes dos autos,por unanimidade, negar provimen-to ao recurso especial, nos termosdo voto do(a) Sr(a). Ministro(a)Relator(a). Os Srs. Ministros SidneiBeneti, Paulo de Tarso Sanseverinoe Ricardo Villas Bôas Cueva vota-ram com a Sra. Ministra Relatora.Dr(a). DANIEL CARVALHO M DEANDRADE, pela parte RECORREN-TE: ROSALINA DO ROSÁRIO SOA-RES E SILVA FERREIRA.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

170 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

Brasília (DF), 11 de dezembro de2012 (Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI,Relatora.

REsp Nº 1.284.962 - MG (2011/0082173-4). DJe 04.02.2013.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NAN-CY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de Recurso Especial in-terposto por ROSALINA DO ROSÁ-RIO SOARES E SILVA FERREIRA, combase no art. 105, III, “a” e “c”, daConstituição Federal, contraacórdão proferido pelo Tribunal deJustiça do Estado de Minas Gerais(TJ/MG).

Ação: de reparação por danosmateriais e compensação por da-nos morais, proposta por ROSALI-NA DO ROSÁRIO SOARES E SILVAFERREIRA em face de BANCOBRADESCO S.A., com fundamentono assalto que sofreu logo na saí-da da agência bancária do réu,após o desconto de cheque no va-lor de R$9.000,00.

Contestação: o BANCO BRA-DESCO S.A. aduziu, em síntese, quenão teve responsabilidade peloevento, tendo em vista que ocor-reu fora da agência bancária, sen-do do Estado o dever de zelar pelasegurança dos cidadãos. Assim, es-tariam ausentes o ato ilícito e onexo de causalidade. Além disso,não teria havido comprovação dosdanos materiais e morais a ensejara indenização pretendida.

Sentença: julgou improceden-te o pedido, haja vista que o assal-to ocorreu fora da agência bancá-ria do réu, sendo do Estado a res-

ponsabilidade pela segurança doscidadãos nas vias e logradourospúblicos. Além disso, mesmo soba ótica do CDC, a ocorrência dofato exclusivo de terceiro, exclui onexo de causalidade e, consequen-temente, o dever de indenizar. Aautora interpôs apelação,aduzindo que o frágil sistema desegurança proporcionado pelo réu,à época, ter-lhe-ia exposto à açãodos criminosos.

Acórdão: negou provimentoao recurso de apelação de ROSALI-NA DO ROSÁRIO SOARES E SILVAFERREIRA (fls. 346/352):

EMENTA: DIREITO CIVIL E DOCONSUMIDOR – REPARAÇÃODE DANOS MATERIAIS E MO-RAIS – ASSALTO AO USUÁRIONA SAÍDA DE AGÊNCIA BAN-CÁRIA – DEFICIÊNCIA DO SER-VIÇO DE VIGILÂNCIA – NEXOCAUSAL NÃO EVIDENCIADO –IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO –DESFECHO REGULAR. – O deverde vigilância, incumbido às ins-tituições financeiras, estáadstrito aos locais em que pres-ta suas atividades, não impor-tando falha na prestação deserviços delito ocorrido fora dassuas dependências, especial-mente quando não evidencia-do tenha o assaltante obtidoinformações acerca da movi-mentação ocorrida no interiorda agência.

Embargos de Declaração: in-terpostos pela autora (fls. 355/361),foram rejeitados pelo TJ/MG (fls.363/366).

Recurso especial: interpostocom base nas alíneas “a” e “c” dopermissivo constitucional (fls. 369/

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171Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLICA. SAÍDA DE BANCO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA

406), sustenta violação dos seguin-tes dispositivos legais:

(i) art. 535, II, do CPC, pois o Tri-bunal de origem, apesar dainterposição de embargos de de-claração, não teria se manifestadoexpressamente sobre questões re-levantes ao deslinde da controvér-sia, especialmente sobre o dispos-to no art. 1º da Lei 7.102/83;

(ii) art. 14 do CDC, com funda-mento na responsabilidade objeti-va do fornecedor pelo defeito naprestação de serviços e risco doempreendimento;

(iii) art. 1º da Lei 7.102/83, por-que “o v. acórdão fustigado dei-xou de aplicar a legislação de re-gência dos Bancos ao caso concre-to” (e-STJ fl. 732).

O dissídio jurisprudencial, porsua vez, estaria configurado entreo acórdão recorrido e o acórdãoproferido pelo Tribunal de Justiçado Estado do Rio de Janeiro, naApelação Cível n.º 2009.001.49066,no qual teria sido reconhecida aresponsabilidade objetiva do Ban-co por roubo perpetrado fora dassuas dependências.

Exame de admissibilidade: orecurso foi inadmitido na origempelo TJ/MG (fls. 446/447). Foi inter-posto recurso de agravo da decisãodenegatória por ROSALINA DO RO-SÁRIO SOARES E SILVA FERREIRA,ao qual dei provimento para deter-minar sua conversão em recursoespecial (fls. 529). É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRANANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verifi-car se há responsabilidade do Ban-co recorrido pelo assalto sofridopor sua correntista, na via pública,após retirada de altos valores emespécie.

I – Da ofensa ao art. 535, II,do CPC

Os embargos de declaração sãoinstrumento processual excepcio-nal e destinam-se a sanar eventualobscuridade, contradição ou omis-são existente no acórdão recorri-do. Não se prestam à nova análisedo processo ou à modificação dadecisão proferida.

Compulsando os autos, verifica-se que TJ/MG apreciou de formafundamentada as questões perti-nentes para a resolução da contro-vérsia, ainda que tenha dado inter-pretação contrária aos anseios dorecorrente, situação que não servede alicerce para a interposição deembargos de declaração.

Com efeito, apesar de não terexpressamente mencionado o dis-positivo legal invocado pela re-corrente, o acórdão recorridoafastou a responsabilidade da ins-tituição financeira, haja vista aausência do nexo de causalidade,bem como o fato de que “a pro-va colhida nos autos revela que odelito ocorreu fora do estabele-cimento bancário, não se eviden-ciando do feito, ainda que suge-rido pela apelante, tenha o assal-tante obtido informações acercada movimentação ocorrida nointerior da agência” (fl. 349)

Conforme entendimento firma-do nesta Corte:

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172 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

não está o magistrado obriga-do a rebater um a um os argu-mentos trazidos pela parte, ci-tando todos os dispositivos le-gais que esta entende pertinen-tes para o deslinde da contro-vérsia. A negativa de prestaçãojurisdicional nos aclaratórios sóocorre se persistir a omissão nopronunciamento acerca dequestão que deveria ter sidodecidida e não o foi”, o que nãocorresponde à hipótese dos au-tos. (AgRg no AG, nº 670.523/RS,Rel. Min. FERNANDO GONÇAL-VES, DJ. 26.09.2005; AgRg no AG527.272/RJ, JORGE SCARTEZZINI,DJU de 22.08.2005).

Ausente, portanto, a supostainfringência ao art. 535 do CPC.

II – Da Fundamentação defi-ciente

No que se refere à alegada vio-lação do art. 1º da Lei 7.102/83,encontra-se deficientemente fun-damentado o recurso especial, nãotendo o recorrente mencionadocomo teria sido violado pelo TJ/MG.

A deficiência na fundamentaçãoimpede a perfeita compreensão dacontrovérsia, o que enseja o nãoconhecimento do recurso, nos ter-mos da Súmula 284/STF.

Ademais, ainda que superadoreferido óbice, verifica-se que aanálise da suposta violação do art.1º da Lei 7.102/83 implicaria oreexame das peculiaridades fáticasdo caso, o que é vedado em sedede recurso especial.

Com efeito, a análise do siste-ma de segurança adotado peloBanco no interior da agência, àépoca dos fatos, bem como a veri-ficação da existência de parecer

favorável à sua aprovação, elabo-rado pelo Ministério da Justiça, naforma da Lei 7.102/83, implicareexame dos fatos e das provascarreadas aos autos, incidindo, nahipótese, a Súmula 7/STJ.

III – Da ausência de respon-sabilidade objetiva do Banco(violação do art. 14 do Códigode Defesa do Consumidor).

O acórdão recorrido, emboratenha tratado da responsabilidadeobjetiva dos estabelecimentos ban-cários em virtude do defeito naprestação dos serviços, nos termosdo art. 14 do CDC, afastou a suacaracterização na hipótese, hajavista que o assalto, do qual foi ví-tima a recorrente, ocorreu fora daagência bancária do recorrido, navia pública.

O Tribunal de origem, ao anali-sar soberanamente a prova dosautos, observou, outrossim, quenão restou comprovada qualquerfalha no sistema de segurança dorecorrido, a ponto de ser conside-rada como “causa determinantepara a ocorrência do sinistro noti-ciado” (fl. 349).

A recorrente, por sua vez, ale-ga, em síntese, que o Banco deveresponder objetivamente pelosdanos que sofreu em razão do as-salto porque houve vício de pres-tação de serviços e, além disso, ainstituição financeira deve respon-der pelo risco de seu empreendi-mento.

Essa Corte reconhece ampla-mente a responsabilidade objetivados bancos pelos assaltos ocorridosno interior de suas agências, emrazão do risco inerente à ativida-

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173Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLICA. SAÍDA DE BANCO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA

de bancária. Nesse sentido, cite-se,exemplificativamente: REsp nº694.153/PE, Rel. Min. Cesar AsforRocha, DJ de 5/9/2005; REsp nº488.310/RJ, Rel. Min. Ruy Rosadode Aguiar, DJ de 22/3/2004; REsp nº599.546/RS, Rel. Min. Hélio QuagliaBarbosa, DJ de 12/3/2007; AgRg noAg 962962 / SP; Rel. CarlosFernando Mathias (Juiz FederalConvocado do TRF 1ª Região), DJede 24.11.2008; AgRg no Ag 997929/ BA, Rel. Maria Isabel Gallotti, DJede 28.04.2011.

Com efeito, por envolver a guar-da e movimentação de altos valo-res em dinheiro, a atividade ban-cária contém um risco inerente. Ea responsabilidade pela segurançadentro das agências, nos termos daLei 7.102/83, é imputada à própriainstituição financeira, que poderápromovê-la com pessoal próprio,desde que treinado, ou medianteterceirização. Mas, de uma formaou de outra, é sempre do Banco aresponsabilidade final por garan-tir segurança aos cidadãos que seencontrem no interior das agênci-as . Nesse sentido, o REsp 951.514/SP, de minha relatoria, DJ31.10.2007.

A responsabilidade da institui-ção financeira, portanto, tendo emconta o risco da atividade que de-senvolve, é objetiva. Nas palavrasde Aguiar Dias:

No caso de dano causado aocorrentista do serviço bancário,a responsabilidade civil pode sercobrada aos bancos tanto sob ainvocação dos princípios subje-tivos da culpa provada, comocom base no princípio do riscoprofissional empresarial. (Da

Responsabilidade Civil, 11ª Ed.,p. 488).

Ademais, em se tratando de ins-tituição financeira, os roubos àsagências são eventos totalmenteprevisíveis e até esperados, não sepodendo admitir as excludentes deresponsabilidade caso fortuito ouforça maior e culpa de terceiros(REsp n. 227.364/AL, 4ª Turma, Rel.Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,DJ 11/06/2001; REsp 1.093.617/PE, 4ªTurma, Rel. João Otávio deNoronha, DJe 23.03.2009)

Além das hipóteses de assaltosocorridos no interior das agênciasbancárias, esta Corte também járeconheceu a responsabilidade dainstituição financeira por assaltoocorrido nas dependências de es-tacionamento oferecido aos seusclientes exatamente com o escopode mais segurança. Assim, o REspn. 503.208/SP, Relator Min. AldirPassarinho Junior, 4ª Turma, DJe 23/6/2008; AgRg no REsp n.º 539.772/RS, Relator Min. Paulo Furtado(Desembargador convocado do TJ/BA), 3ª Turma, DJe 15/4/2009; REspn.º 1.045.775/ES, Relator Min.Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 4/8/2009. Com efeito, o estacionamen-to pode ser considerado como umaextensão da própria agência.

Na hipótese, todavia, o assaltoocorreu fora das dependências daagência bancária, na via pública,ou, como consta da sentença, “nointerior de uma loja de artigos re-ligiosos localizada em uma gale-ria ao lado do banco” (fls. 281).

Embora a autora afirme que oBanco deve ser responsabilizadoporque não proporcionou aos seus

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correntistas a segurança necessáriaà efetivação de saques de valoreselevados, permitindo a atuaçãodos criminosos (i) nas agências,mediante a observação da ativi-dade dos clientes; e (ii) fora de-las, praticando os roubos, comoaquele de que foi vítima, não vis-lumbro a possibilidade de atribuiressa responsabilidade à institui-ção financeira na hipótese dosautos.

Inicialmente porque, de acor-do com a análise fático-probatória feita pelo acórdão re-corrido, não houve qualquer de-monstração de falha na seguran-ça interna da agência bancáriaque propiciasse a atuação dos cri-minosos após o saque efetivadopela autora. Foi afastada, portan-to, a existência de vício na pres-tação de serviços.

Mas, principalmente porque oilícito ocorreu na via pública, sen-do do Estado, e não da institui-ção financeira, o dever de garan-tir a segurança dos cidadãos e deevitar a atuação dos criminosos.

Mencione-se, nesse sentido,acórdão proferido por esta Cor-te, em que foi afastada a respon-sabilidade do Banco por homicí-dio ocorrido nas proximidades decaixa eletrônico mantido pela ins-tituição, mas fora das suas depen-dências - na via pública, portan-to:

PROCESSO CIVIL. RESPONSABI-LIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO.BANCO. ASSASSINATO OCORRI-DO NA VIA PÚBLICA, APÓS SA-QUE EM CAIXA ELETRÔNICO.AUSÊNCIA DE RESPONSABILI-DADE DO ESTABELECIMENTO

BANCÁRIO. MATÉRIA DE FATO.INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 07E 126 DO STJ.I. O banco não é responsávelpela morte de correntista ocor-rida fora de suas instalações, navia pública, porquanto a segu-rança em tal local constitui obri-gação do Estado.II. Impossibilidade, em sede es-pecial, de revisão da prova quan-to ao local do sinistro, ante oóbice da Súmula n. 7 do STJ.III. Recurso especial não conhe-cido. (REsp 402.870/SP, Rel.para acórdão Ministro AldirPassarinho Junior, DJ de16.12.2003).

Diante do exposto, conclui-seque, na hipótese dos autos, o ris-co inerente à atividade exercidapela instituição financeira não atorna responsável pelo assalto so-frido pela autora, fora das suasdependências, ou seja, na via pú-blica.

IV - Dissídio jurisprudencialEntre os acórdãos trazidos à

colação pela recorrente, não há onecessário cotejo analítico nem acomprovação da similitude fática,elementos indispensáveis à de-monstração da divergência.

Com efeito, a simples transcri-ção da íntegra do acórdão trazidocomo paradigma, sem o efetivocotejo analítico com o acórdão re-corrido, impede a análise dodissídio.

Ademais, no acórdão trazidocomo paradigma, houve compro-vação da existência de falhas naprestação dos serviços de seguran-ça da instituição financeira, nomomento da realização do saque

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REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ASSALTO NA VIA PÚBLICA. SAÍDA DE BANCO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA

de elevada quantia pelocorrentista, as quais propiciaram aatuação dos criminosos, em segui-da, já fora das dependências doBanco. Diferentemente, noacórdão recorrido, essa falha nãoficou demonstrada, estando ausen-te, portanto, a similitude fática.

Assim, a análise da existência dodissídio é inviável, porque não fo-ram cumpridos os requisitos dosarts. 541, parágrafo único, do CPCe 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

Forte nestas razões, NEGO PRO-VIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia TERCEI-RA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do(a) Sr(a).Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Mi-nistros Sidnei Beneti, Paulo deTarso Sanseverino e Ricardo VillasBôas Cueva votaram com a Sra.Ministra Relatora.

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DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE LOTÉRICA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PARTE PASSIVA ILEGÍTIMA

Superior Tribunal de Justiça

Ação de compensação por dano moral e reparação por danomaterial. Disparo de arma de fogo no interior de unidade lotérica.Caixa Econômica Federal. Parte passiva ilegítima. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1213870&sReg=201200662770&sData=20130308&formato=PDF>. Aces-so em: 05 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECOMPENSAÇÃO POR DANO MORALE REPARAÇÃO POR DANO MATERI-AL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOCONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.SÚMULA 282/STF. DISPARO DE ARMADE FOGO NO INTERIOR DE UNIDADELOTÉRICA. CAIXA ECONÔMICA FE-DERAL. PARTE PASSIVA ILEGÍTIMA.DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTE-JO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.AUSÊNCIA.

1. A interposição de recurso es-pecial não é cabível quando ocorreviolação de dispositivo constitucio-nal ou de qualquer ato normativoque não se enquadre no conceitode lei federal, conforme disposto noart. 105, III, “a” da CF/88.

2. A ausência de decisão acercados dispositivos legais indicadoscomo violados impede o conheci-mento do recurso especial.

3. A Lei n. 8.987/1995 - que dis-põe sobre o regime de concessão epermissão de serviços públicos - éexpressa ao estabelecer que opermissionário deve desempenhar

a atividade que lhe é delegada porsua conta e risco.

4. As unidades lotéricas, con-quanto autorizadas a prestar deter-minados serviços bancários, nãopossuem natureza de instituiçãofinanceira, já que não realizam asatividades referidas na Lei 4.595/1964 (captação, intermediação eaplicação de recursos financeiros).

5. A imposição legal de adoçãode recursos de segurança específi-cos para proteção de estabeleci-mentos que constituam sedes deinstituições financeiras, dispostosna Lei n. 7.102/1983, não alcançaas unidades lotéricas.

6. A possibilidade de respon-sabilização subsidiária do dele-gante do serviço público, configu-rada em situações excepcionais,não autoriza o ajuizamento daação indenizatória unicamente emface da recorrida.

7. O dissídio jurisprudencialdeve ser comprovado mediante ocotejo analítico entre acórdãos queversem sobre situações fáticasidênticas.

8. Recurso especial não provi-do.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

178 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda TERCEIRA Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformi-dade dos votos e das notastaquigráficas constantes dos autos,por unanimidade, negar provimen-to ao recurso especial, nos termosdo voto da Senhora MinistraRelatora. Os Srs. Ministros SidneiBeneti, Paulo de Tarso Sanseverinoe Ricardo Villas Bôas Cueva vota-ram com a Sra. Ministra Relatora.Dr(a).

LENYMARA CARVALHO, pelaparte RECORRIDA: CAIXA ECONÔ-MICA FEDERAL - CEF.

Brasília (DF), 05 de março de2013 (Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI,Relatora.

REsp Nº 1.317.472 - RJ (2012/0066277-0). DJe 08.03.2013.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial in-terposto por IVAN CLÁUDIOMENESES DA SILVA, com funda-mento nas alíneas “a” e “c” dopermissivo constitucional.

Ação: de reparação por da-nos materiais e compensação pordanos morais, ajuizada em faceda CAIXA ECONÔMICA FEDERAL- CEF.

Narra o recorrente que foi atin-gido por disparo de arma de fogono interior de agência lotérica, emvirtude de tentativa de roubo. En-tende que estabelecimentos dessanatureza detêm o status de agen-tes da CEF, que está obrigada à pres-

tação de segurança aos consumi-dores.

Sentença: extinguiu a ação, naforma do art. 267, VI, do CPC, emvirtude da ilegitimidade passiva darecorrida.

Acórdão: negou provimento àapelação interposta pelo recorren-te.

Recurso especial: alega viola-ção dos arts. 186 e 927, parágrafoúnico, do CC; 14 do CDC; 273 doCPC; e 5°, LIV e LV, da CF; além dedissídio jurisprudencial. Sustentaque, ao indeferir pedido de produ-ção de provas, o acórdão recorridoviolou os princípios constitucionaisdo devido processo legal, do con-traditório e da ampla defesa. Aduzque a recorrida é parte legítimapara responder pelos danos ocorri-dos no interior de casas lotéricas,pois estas constituem “estabeleci-mentos conveniados” (e-STJ, fl.142). Defende a tese de que a teo-ria do risco, incorporada no CC/2002,alberga sua pretensão. Afirma que“a CEF como empresa que permitea atividade das casas lotéricas, de-las auferindo percentual de comis-são, tem responsabilidade objetiva,nos casos de dano que venham aocorrer em razão do risco da ativi-dade normalmente desenvolvida”(e-STJ, fl. 143).

Decisão de admissibilidade:o TRF- 2ª Região admitiu o recursoespecial e determinou a remessados autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Cinge-se a controvérsia a deter-minar se a Caixa Econômica Fede-

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DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE LOTÉRICA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PARTE PASSIVA ILEGÍTIMA

ral é parte legítima para figurar nopolo passivo de ação em que sepostula reparação por danos mate-riais e compensação por danos mo-rais em razão de ferimento provo-cado por disparo de arma de fogoocorrido no interior de casa lotérica.

I- Da violação do art. 5º, LIVe LV, da CF.

A interposição de recurso espe-cial não é cabível quando ocorreviolação de dispositivos constitu-cionais ou de qualquer atonormativo que não se enquadre noconceito de lei federal, conformedisposto no art. 105, III, “a”, da CF/88. Nesse sentido: AgRg nos EDclno REsp 1.266.402/RS, Rel. Min.Antonio Carlos Ferreira, QuartaTurma, DJe 20/06/2012, e AgRg noAREsp 136.371/PR, minha relatoria,Terceira Turma, DJe 31/08/2012.

II- Da ausência de preques-tionamento.

Depreende-se que o acórdãorecorrido não decidiu acerca dosarts. 14 do CDC e 273 do CPC, dis-positivos legais indicados comoviolados pelo recorrente. Por isso,quanto às normas neles contidas,o julgamento do recurso especialé inadmissível. Aplica-se, nestecaso, o enunciado n. 282 daSúmula/STF.

III- Da ilegitimidade passivada CEF.

Na linha do entendimento dou-trinário contemporâneo, a legiti-midade ad causam , qualidade ju-rídica relativa às partes do proces-so, deve ser analisada diante da si-tuação afirmada no instrumento da

demanda, revelando-se à luz darelação jurídica substancialdeduzida (DIDIER JR., Fredie. Cur-so de Direito Processual Civil. 12ªedição. Salvador: EditoraJuspodivm, 2010, vol. 1, p. 204).

Na hipótese, constata-se que orecorrente, na petição inicial dapresente ação, defende a tese deque a Caixa Econômica Federaldeve responder pelos danos quelhe foram causados no interior decasa lotérica, pois, segundo ele,trata-se de estabelecimento equi-parado à instituição financeira,sobretudo porque presta serviçosbancários “em nome da CEF” (e-STJ, fl. 4).

Seguindo essa ordem de ideias,considera “impossível cogitar queos bancos populares venham ofe-recer tamanha brecha para as ins-tituições financeiras burlarem a lei7.102/83, que disciplina os requisi-tos de segurança para tais empre-sas” (e-STJ, fl. 4).

Em suma, o recorrente procuraequiparar a unidade lotérica ondeocorreu o evento danoso a umaagência bancária, com o escopo deimputar à CEF a não observânciadas disposições legais que versamsobre os recursos de segurançaobrigatórios às instituições finan-ceiras, culminando com o reconhe-cimento de sua responsabilidadeobjetiva.

Nas razões deste recurso, asse-vera também que a natureza dovínculo jurídico (permissão de ser-viço público) estabelecido entre arecorrida e a unidade lotéricaenseja a responsabilização civildaquela por danos experimenta-dos por terceiros no interior des-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

180 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

ses estabelecimentos. (e-STJ, fl.142).

Ocorre que, de um lado, a par-tir da análise da Circular Caixa n.539/2011 (itens 4 e 6) - que regula-menta as permissões lotéricas edelimita a atuação das respectivasunidades - pode-se inferir que es-tas, embora autorizadas a prestardeterminados serviços bancários,não possuem natureza de institui-ção financeira, já que não realizamas atividades referidas na Lei 4.595/1964 (captação, intermediação eaplicação de recursos financeiros).

Já a Lei n. 7.102/1983 - diplomaque estabelece normas de seguran-ça para estabelecimentos financei-ros - restringe sua aplicabilidadeaos seguintes entes: “bancos ofici-ais ou privados, caixas econômicas,sociedades de crédito, associaçõesde poupança, suas agências, pos-tos de atendimento, subagências eseções, assim como as cooperativassingulares de crédito e suas respec-tivas dependências” (art. 1°, § 1°).

Nesse contexto, exsurge da in-terpretação dos dispositivosprecitados que a imposição legalde adoção de recursos de seguran-ça específicos para proteção dosestabelecimentos que constituamsedes de instituições financeirasnão alcança as unidades lotéricas.

Não se pode olvidar tambémque, consoante se extrai do teor doacórdão impugnado,

a cláusula vigésima-primeira, cons-tante do termo aditivo ao termode responsabilidade e compro-misso para comercialização de lo-terias federais” dispõe que a uni-dade lotérica assume responsa-bilidade direta e exclusiva “por to-

dos e quaisquer ônus, riscos ou cus-tos das atividades decorrentes daoperação da unidade lotérica, ar-cando em consequência, com to-dos os encargos trabalhistas, fis-cais, previdenciários e indeniza-ções de qualquer espécie reivindi-cados por seus empregados outerceiros prejudicados (e-STJ, fls.126/127).

De outro lado, ao revés da tesedefendida pelo recorrente, a Lei n.8.987/1995 - que dispõe sobre oregime de concessão e permissãode serviços públicos -, é expressaao prever que o permissionário (noparticular, a unidade lotérica) devedesempenhar a atividade que lheé delegada “por sua conta e risco”(art. 2°, IV).

Em sentido idêntico, seu art. 25impõe ao delegatário a responsa-bilidade “por todos os prejuízoscausados [...] aos usuários ou a ter-ceiros”.

Quanto à matéria, oportuna semostra a lição de DI PIETRO, segun-do a qual, em hipóteses como apresente, “quem responde [pelosdanos] é a própria concessionáriaou permissionária do serviço con-cedido, já que é ela que está pres-tando o serviço público” (DIPIETRO, Maria Sylvia Zanella. Par-cerias na Administração Pública. 7ªed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 92).

Nessa medida, claro está que apessoa jurídica delegante do servi-ço não é responsável pela repara-ção de eventuais danos causados aterceiros no interior do estabeleci-mento do permissionário.

Ademais, eventual possibilida-de de responsabilização subsidiá-ria do concedente, verificada ape-

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DISPARO DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE LOTÉRICA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PARTE PASSIVA ILEGÍTIMA

nas em situações excepcionais, nãoautoriza, por imperativo lógicodecorrente da natureza de tal es-pécie de responsabilidade, oajuizamento de demandaindenizatória unicamente em facedele.

A Segunda Turma desta Cortejá teve oportunidade de se mani-festar a respeito do tema, em hi-pótese análoga à presente - deman-da movida exclusivamente contrao delegatário do serviço -, oportu-nidade em que ficou assentadoque, “ainda que objetiva a respon-sabilidade da Administração, estasomente responde de forma subsi-diária ao delegatário, sendo evi-dente a carência de ação por ilegi-timidade passiva ad causam” (REsp1.087.862/AM, Rel. Min. HermanBenjamin, DJe 19/05/2010).

Portanto, sob qualquer ânguloque se examine a questão, a con-clusão resultante é a de que nãohá obrigação legal ou contratualimposta à CEF que conduza à suaresponsabilização pelo dano cau-sado ao recorrente no interior deunidade lotérica, ficando eviden-te que a presente ação foi propos-ta em face de parte ilegítima.

IV- Da divergência jurispru-dencial.

Entre os acórdãos trazidos àcolação, não há o necessário cote-jo analítico nem a comprovação dasimilitude fática, elementos indis-pensáveis à demonstração da diver-gência. Assim, a análise da existên-cia do dissídio é inviável, porqueforam descumpridos os arts. 541,parágrafo único, do CPC e 255, §§1º e 2º, do RISTJ.

Forte nessas razões, NEGO PRO-VIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia TERCEI-RA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto da Senho-ra Ministra Relatora. Os Srs. Minis-tros Sidnei Beneti, Paulo de TarsoSanseverino e Ricardo Villas BôasCueva votaram com a Sra. Minis-tra Relatora.

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183Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VIII – Nº 16 – Mai 13

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS CÍVEL E FEDERAL. SENTENÇAS OPOSTAS. PARTICIPAÇÃO DA CEF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Superior Tribunal de Justiça

Conflito de competência. Justiças Cível e Federal. Sentençasopostas. Participação da CEF no processo que tramita perante aJustiça Federal. Competência da Justiça Federal. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1203347&sReg=201101511871&sData=20121219&formato=PDF >. Aces-so em: 05 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

PROCESSO CIVIL. CONFLITOPOSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUS-TIÇA CÍVEL E JUSTIÇA FEDERAL.AÇÕES DECLARATÓRIAS DE VALI-DADE E DE INVALIDADE DEASSEMBLEIA SOCIETÁRIA. SENTEN-ÇAS OPOSTAS CONVIVENDO NOORDENAMENTO JURÍDICO. PARTI-CIPAÇÃO DA CEF NO PROCESSOQUE TRAMITA PERANTE A JUSTIÇAFEDERAL. INDEFERIMENTO DE SUAINTIMAÇÃO NO PROCESSO CÍVEL.CONFLITO RECONHECIDO. DECLA-RAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUS-TIÇA FEDERAL.

1. Nas ações têm por objeto anulidade de uma assembleiasocietária, há viva discussão dou-trinária acerca da extensão sub-jetiva da coisa julgada formadapela sentença. Há quem defendaque nessas ações a coisa julgadaestende-se a todos os sócios queteriam interesse, tanto na manu-tenção como na invalidação doato, ainda que não tenham parti-cipado do processo; e há quemdefenda que não há extensão dacoisa julgada, resolvendo-se toda

a celeuma mediante a aplicaçãoda teoria, criada por LIEBMAN,que separa efeitos da sentença eimutabilidade da coisa julgada.Prevalece, neste segundo grupo,a ideia de que a coexistência devárias sentenças acerca do mesmotema é possível, mas somenteaquela proferida em último lugardeveria ser considerada válida.

2. A existência de viva discus-são acerca do tema e a dificulda-de de encaminhamento de umasolução justificam que se evite,na máxima medida possível, quetal situação se materialize.

3. Se o conflito positivo decompetência se estabelecer porforça de uma regra de conexão,ele não poderá ser conhecido seuma das sentenças foi proferida,ainda que sem trânsito em julga-do, por força da Súmula 235/STJ.Mas se o conflito decorre de ou-tra regra de competência absolu-ta, não há restrição a seu conhe-cimento após prolatada a senten-ça, desde que não haja trânsitoem julgado (Súmula 59/STJ).

4. É inegável que a ação quetramite perante a Justiça Federal

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é mais abrangente que as açõesque tramitam perante a JustiçaEstadual, se não por força do ob-jeto, ao menos no que diz respei-to às partes litigantes. Se a CEFmanifestou seu interesse em par-ticipar da ação que objetivava adeclaração de invalidade da deli-beração societária, tem-se comoum imperativo lógico que essaempresa pública tenha interessetambém nas ações que objetivama declaração de validade dessemesmo ato. Tanto num processocomo em outro, os fundamentosde seu interesse são os mesmos.

5. Conflito conhecido e provi-do para o fim de estabelecimen-to da competência da Justiça Fe-deral (e, consequentemente, dorespectivo TRF) para todas as cau-sas, devendo o juízo competen-te: (i) determinar a intimação daCEF para que manifeste interessenos processos 2008.0034.9187-7 e469861-17.2010.8.06.0001/0, am-bos que originalmente tramita-ram perante a 30ª Vara Cível daComarca de Fortaleza; e, (ii) paraque decida sobre o eventual apro-veitamento dos atos praticados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda SEGUNDA Seção do SuperiorTribunal de Justiça, na conformi-dade dos votos e das notastaquigráficas constantes dos au-tos, por unanimidade, conhecerdo conflito e declarar competen-te o Tribunal Regional Federal da5ª Região para determinar aintimação da Caixa Econômica

Federal para que manifeste inte-resse nos processos e eventualaproveitamento dos atos proces-suais já praticados, nos termos dovoto da Sra. Ministra Relatora. OsSrs. Ministros Luis Felipe Salomão,Raul Araújo, Paulo de TarsoSanseverino, Maria Isabel Gallotti,Ricardo Villas Bôas Cueva e Mar-co Buzzi votaram com a Sra. Mi-nistra Relatora. Impedido o Sr.Ministro Antonio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 12 de dezembrode 2012(Data do Julgamento).

MINISTRO SIDNEI BENETI, Pre-sidente.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI,Relatora.

CC 117.987. DJe 19.12.2012.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRANANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de conflito de compe-tência suscitado por ASSOCIAÇÃOCEARENSE DOS EMPRESÁRIOS DACONSTRUÇÃO E LOTEADORES –ACECOL E OUTRO, estabelecidoentre o juízo da 30ª Vara Cível deFortaleza - CE e o Tribunal Regio-nal Federal da 5ª Região.

Ações: O conflito positivoderiva de mais de uma ação, sen-do duas delas com trâmite pe-rante a Justiça Cível Estadual euma pela Justiça Federal, todastendo como objeto a declaraçãode validade de uma assembleiasocietária.

Primeira ação: declaratóriaajuizada, perante a 30ª Vara Cívelde Fortaleza, Ceará, pela ACECOLem face do Instituto de Orientaçãoàs Cooperativas do Estado do Cea-

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rá, Piauí e Maranhão (INOCOOP-CPM). Pelo que se depreende dadocumentação acostada aos autos,a ACECOL objetivava a declaraçãojudicial da validade da Assembleia-Geral realizada pelo INOCOOP em2 de maio de 2008, na qual foiaprovado o novo Estatuto da enti-dade, bem como promoveu-se aeleição da diretoria.

A assembleia cuja declaraçãode validade é pretendida pelaACECOL adaptou o INOCOOP-COM às novas regras quanto aofuncionamento aos institutos deorientações a cooperativas vincu-ladas ao SFH. Segundo o autor,esses institutos, a partir daextinção do BNH e notadamentecom o advento do CC/02, não es-tariam mais sujeitos a controle denenhum órgão federal.

Em sua contestação, aINOCOOP confirmou a validadeda Assembleia, apresentando do-cumentos que o comprovariam,não contestando, portanto, emsentido material, a pretensãoaduzida na inicial.

Primeira sentença: proferidaem 13/11/2008 pelo juízo estadu-al, julgando procedente o pedi-do para o fim de “reconhecer quea convocação para a assembleiageral que aprovou os novos esta-tutos sociais e que elegeu a novadiretoria do (...) INOCOOP CPM,atendeu à solenidade prevista nahodierna legislação civil pátria”(fls. 37 a 39, e-STJ).

Tanto INOCOOP como ACECOLrenunciaram ao prazo de que dis-poriam para interpor recurso.

Recurso de apelação: inter-posto por GLADSTONE SABOIA

AMORIM, na qualidade de anti-go superintentende do INOCOOP-CPM. O motivo da interposição dorecurso foi o de que, tendo elesido destituído da diretoria do Ins-tituto, teria interesse jurídico naquestão.

O recurso não foi recebidopelo juízo de primeiro grau, masGLADSTONE interpôs agravo deinstrumento contra essa decisãoque, provido, implicou o proces-samento de seu recurso. A senten-ça, portanto, não transitou emjulgado até este momento, se-gundo as informações constantesdo processo.

Segunda ação: pelo que sedepreende dos documentos jun-tados aos autos, o Sr. GLADSTONESABIA AMORIM também ajuizouuma ação, contudo perante aJustiça Federal, com o objetivode declarar a invalidade daAssembleia. Portanto, seu objeti-vo seria obter uma sentença emsentido contrário à do Juízo Es-tadual. Nessa segunda ação, aCAIXA ECONÔMICA FEDERAL –CEF admitiu ter interesse jurídi-co no feito, nele intervindo naqualidade de sucessora do extin-to BNH.

Segunda sentença: julgouprocedente o pedido (sem cópianos autos), para o fim de decla-rar a invalidade da assembleia.Com isso, duas sentenças opostaspassaram a existir no ordena-mento, não obstante nenhumadelas tenha, até o momento, tran-sitado em julgado.

Acórdão: o TRF da 5ª Regiãomanteve a segunda sentença, nojulgamento de recurso de apela-

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ção, nos termos da seguinteementa (fls. 45 a 46, e-STJ):

Processual Civil e Civil. Ação emque impugnada a realização deassembleia-geral do INOCOOP-COM. Intervenção regular daCaixa Econômica Federal assis-tente litisconsorcial. Compe-tência da Justiça Federal.Inexistência de litispendênciaou coisa julgada. Exercício am-plo de defesa. Vícios na convo-cação e na efetivação daassembleia. Preliminares rejei-tadas. Apelação improvida.

Embargos de declaração: in-terpostos, foram rejeitados (fls. 48a 49, e-STJ).

Recurso especial: interpostopela ACECOL, impedindo, comisso, o trânsito em julgado doacórdão.

Terceira ação: tambémdeclaratória, ajuizada por FRAN-CISCO ALEXANDRE MIRANDA emface de RAPHAEL JESPERSEN DEATHAYDE, SEVERO MARTINS DEATHAYDE NETO, JOSÉ FELÍCIO DEOLIVEIRA e EDWIN BASTODAMASCENO, perante a 30ª VaraCível da Comarca de Fortaleza,objetivando novamente a decla-ração de validade da Assembleia-Geral aqui discutida.

Terceira sentença: após lon-ga explanação, inclusive no quediz respeito à desnecessidade deintimação da CEF para que inter-viesse no processo, julgou proce-dente o pedido declaratório, parao fim de, “em preliminar (...) re-conhecer a competência da Justi-ça Estadual (...) asseverando que aCaixa Econômica Federal não é su-

cessora do Banco Nacional da Ha-bitação e não possui geren-ciamento sobre os atos societáriosdo INOCOOP - CPM” e, no mérito,para o fim de “declarar (...) a re-gularidade do funcionamento daassociação regida pelos atual Es-tatuto Social e como ampara oCódigo Civil vigente, tendo comoconsequência, a regularidade dosatos jurídicos praticados pela atu-al diretoria afeitos ao geren-ciamento da associação”.

O juízo também declarou “aregularidade dos contratos firma-dos após a Assembleia-Geral de02.05.2008, advertindo que o pre-sente decisorium lites é alargadoaos demais membros do quadrosocietário”. Por fim, declarou ainvalidade dos atos praticados àépoca em que “inexistia o Conse-lho de Administração e outrosConselhos, conjuntamente nasocasiões em que se encontrava re-presentada por um único dirigen-te, na forma como estipulava oantigo Estatuto Social” (fls. 59 a68, e-STJ).

Com isso, três sentenças pas-saram a conviver sobre a mesmaassembleia: duas, provenientes daJustiça Estadual, declarando-a vá-lida. E uma, proveniente da Jus-tiça Federal (e confirmada peloTRF da 5ª Região) declarando-ainválida.

Conflito de competência:suscitado pela ACECOL, para so-lucionar o impasse.

Primeira decisão: o conflitofoi inicialmente distribuído ao i.Min. Felix Fischer, Vice-Presiden-te, à época, no exercício da pre-sidência. Apreciando-o, o i. Min.

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entendeu por bem indeferir a me-dida liminar pleiteada (fls. 76 a79, e-STJ).

Informações: prestadas, tan-to pelo Juízo da 30ª Vara Cível(fls. 84 a 86, e-STJ), como peloJuízo da 5ª Vara Federal (fls. 112a 113, e-STJ).

Embargos de declaração: in-terpostos pela ACECOL,objetivando o esclarecimento dadecisão que indeferira o pedidode medida liminar (fls. 97 a 102,e-STJ). Quando da apresentaçãodesse recurso, o processo já ha-via sido distribuído à minharelatoria.

Decisão: rejeitei os embargosde declaração (fls. 107 a 107, -STJ)e determinei a remessa do pro-cesso ao MPF para parecer, demodo que ele pudesse ser trazi-do a julgamento colegiado.

Parecer do MPF: subscritopelo i. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Hugo GueirosBernardes Filho, opina pela com-petência da Justiça Federal “paraexaminar a questão relativa aointeresse da Caixa Econômica Fe-deral”.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRANANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a definir, pri-meiro, se há conflito de compe-tência e, depois, conforme o caso,solucioná-lo, em hipótese na qualtanto a Justiça Comum Estadualcomo a Justiça Federal proferiramdecisão, em sentido conflitante,acerca da validade de uma

assembleia de sociedade. É pecu-liaridade da espécie que o proces-so no qual se pronunciou a Justi-ça Federal a CEF manifestou inte-resse em dele participar. No pro-cesso que tramita perante a Jus-tiça Cível, essa oportunidade nãofoi conferida à empresa pública.Também é importante ressaltarque os diversos processos nãoapresentam as mesmas partes,conquanto tenham por objeto adeclaração de validade ou deinvalidade do mesmo ato.

A matéria de fundo, que nãoserá discutida nesta sede, diz res-peito à alteração dos estatutossociais de um Institutos de Orien-tação a Cooperativas Habita-cionais (criados pelo Decr. 58.377/66 e regulados pela Res. 68/66),após a extinção do BNH. AACECOL, sócia do INOCOOP-CPM,sustenta que é possível convocarassembleia para definição donovo estatuto e eleição da dire-toria, independentemente de au-torização de qualquer órgão pú-blico - BACEN, CMN ou CEF.

O sr. GLADSTONE SABOIAAMORIM, antigo diretor do Insti-tuto, impugna a sua destituiçãodo cargo, promovida naassembleia aqui discutida.

Diversos memoriais me foramencaminhados, pessoalmente oupara o e-mail de meu gabinete,sempre no sentido de demonstrara razão de uma ou de outra par-te quanto ao mérito da contro-vérsia, ou seja: quanto à possibi-lidade de convocação deassembleia sem a participação daCEF. Aqui, contudo, a discussão seresume à competência para jul-

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gamento das causas, e este julga-mento se limitará a decidir essaquestão.

I – Observação preliminar:a necessidade de estabeleci-mento de pressupostos teóri-cos.

Em princípio, não seria possí-vel vislumbrar qualquer conflitona hipótese dos autos. Não há,entre os processos que deram ori-gem a este incidente, identidadede partes que justificasse a afir-mação de que dois ou mais juízestenham se declarado competen-tes para a mesma causa.

Contudo, neste processo é pre-ciso que se atente para um deta-lhe fundamental: nas ações têmpor objeto a nulidade de umaassembleia societária, há viva dis-cussão doutrinária acerca da ex-tensão subjetiva da coisa julgadaformada pela sentença. Há quemdefenda que nessas ações a coisajulgada estende-se a todos os só-cios que teriam interesse, tantona manutenção como nainvalidação do ato, ainda que nãotenham participado do processo.E há quem defenda que não háextensão da coisa julgada, resol-vendo-se toda a celeuma median-te a aplicação da teoria, criadapor LIEBMAN, que separa efeitosda sentença e imutabilidade dacoisa julgada. Prevalece, nestesegundo grupo, a ideia de que acoexistência de várias sentençasacerca do mesmo tema é possível,mas somente aquela proferida emúltimo lugar deveria ser conside-rada válida.

Essa observação inicial é neces-

sária apenas para se ressaltar que,caso seja adotada a primeira dascorrentes de pensamento, natu-ralmente seria imperioso admitira existência de conflito de com-petência, já que, havendo possi-bilidade de extensão da coisajulgada a terceiros, é de se consi-derar que esses terceiros, ao me-nos por força de uma substitui-ção processual ficta, integram arelação jurídica processual emtodas as ações ajuizadas. Se ado-tada a segunda corrente de pen-samento, de que não há extensãoda coisa julgada, o reconheci-mento do conflito, com a reuniãodos processos, somente poderiaser admitido caso se encontrassealgum outro fundamento teóricopara tanto.

II – A análise das teoriasacerca da eficácia da senten-ça e da coisa julgada, nasações em que se discute avalidade de uma deliberaçãotomada em assembleia.

A importância do debate acer-ca da extensão da coisa julgadanas ações aqui analisadas decor-re de um imperativo lógico, pre-sente de maneira muito clara nes-te processo. Tendo em vista o ca-ráter multitudinário que pode tera composição societária de umaempresa, não é razoável exigir-se a formação de litisconsórcioativo ou passivo para todas asações que discutam deliberaçõessocietárias (nem há lei que o de-termine, de maneira expressa).Assim, é possível que haja,concomitantemente, o ajuiza-mento de uma ou mais ações

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declaratórias da validade de umaassembleia, e uma ou mais açõesdeclaratórias da invalidade dessemesmo ato, dependendo dequantos sócios exerçam, individu-almente, seu direito de ação. Dis-so decorre que é possível tambémque mais de uma sentença sejaproferida sobre essa mesma ques-tão, e que tais sentenças decidama causa em sentido oposto.

É exatamente isso que ocorreunos autos. A Justiça Federal de-clarou nula a assembleia que in-vestiu a nova diretoria doINOCOOP-CPM, e a Justiça Estadu-al declarou-a válida. Essa circuns-tância torna a hipótese dos autosespecialmente relevante:mantidas as sentenças contrapos-tas, seria impossível a terceirossaber quem, efetivamente, detéma representação da sociedade.

BARBOSA MOREIRA ( “Coisajulgada: extensão subjetiva”, emDireito Processual Civil, Rio de Ja-neiro, Borsoi, 1971), analisando oproblema, pondera que ele nãoapresenta uma solução que aco-mode todos os interesses em con-flito. O encaminhamento quemenores entraves apresentaria se-ria o de decretar a possibilidadede extensão subjetiva dos efeitosda coisa julgada produzida no pri-meiro processo que tiver sido jul-gado, de modo que todos os de-mais interessados, ainda que nãotivessem participado da relaçãojurídica processual, submeter-se-iam à sorte desse primeiro julga-mento. A coisa julgada, assim,produzir-se-ia perante todos.

A dificuldade dessa solução éclara: naturalmente, vincular ter-

ceiros que não participaram deuma relação jurídica processualao resultado do processo implicarestrição de seu direito de deman-da ou de defesa, constitucional-mente garantidos (art. 5º, incs.XXXV e LIV). Tal restrição,notadamente sem uma lei que afundamente, não seria admissívelno sistema jurídico brasileiro.

Tendo isso em vista, uma se-gunda corrente de pensamento seformou, com algumas subdivi-sões. Os defensores dessa segun-da corrente, baseados nas ideiasde LIEBMAN, sustentam que aquestão pode ser solucionadamediante a correta valoração daeficácia sentencial, nem necessi-dade de extensão da coisajulgada. Assim, para LIEBMAN:

Nas hipóteses em que dois só-cios diferentes tivessem ajuizadouma ação declaratória deinvalidade de deliberaçãosocietária, se a primeira ação ajui-zada declarasse que a assembleiaera inválida, haveria a perda deobjeto da segunda ação; Se o pe-dido da primeira ação fosse jul-gado improcedente, contudo, asegunda ação prosseguiria até seuregular julgamento, tomando-seos fundamentos da primeira sen-tença em consideração no mo-mento de se prolatar a segunda,mas sem vinculação do juízo; ouseja, o segundo juízo poderia re-plicar a primeira sentença, repu-tando válida a assembleia, ou jul-gar novamente o processo pornovos fundamentos, declarando-a inválida.

Essa corrente apresentava umafraqueza, rapidamente apontada

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pela doutrina. Ela consideravaapenas a hipótese de ajuizamentode duas ações declaratórias deinvalidade de uma deliberaçãosocietária. Nas situações em quefossem ajuizadas, concomitante-mente, uma ação declaratória devalidade, e uma de invalidade detal assembleia, LIEBMAN não te-ria apresentado uma soluçãosatisfatória.

Tendo isso em vista, essa teo-ria foi aperfeiçoada pela doutri-na subsequente, conforme apon-ta EUARDO TALAMINI (“Legitimi-dade, Interesse, Possibilidade Ju-rídica e Coisa Julgada nas Açõesde Impugnação de DeliberaçõesSocietárias”, in ProcessoSocietário. São Paulo: QuartierLatin, 2012, págs. 101 a 155, esp.págs. 145 e ss). Entre as propos-tas apresentadas, destaca-se a deADA PELLEGRINI GRINOVER, des-crita da seguinte forma porTALAMINI:

“Diante da indivisibilidade doato (...) a sentença produziráefeito perante todos os sóci-os. Mas considera inviável ado-tar a solução proposta porBARBOSA MOREIRA, não sópor lhe faltar respaldo emnorma expressa, como tam-bém por não se afinar com osprincípios constitucionais dadefesa, contraditório ebilateralidade da ação e daexecução. Assim, entende queo sócio que não participou doprocesso anterior pode pleite-ar e obter sentença no senti-do oposto àquela já proferida– sem que se possa falar decoisa julgada em face dele.Sendo esse sócio bem sucedi-

do em seu intento, ocorreráconflito entre duas sentençasem sentidos opostos. Prevale-cerá a proferida por último:não apenas porque – segundoGRINOVER – no ‘conflito entreduas coisas julgadas’, a segun-da deve prevalecer, mas so-bretudo porque, não fosse as-sim, conferir aos demais sóci-os o direito de obter sentençaem sentido oposto à primeira-mente obtida seria inútil – eequivaleria a se lhes estendera coisa julgada gerada no pro-cesso alheio.”

Esse posicionamento, contudo,também é passível de questio-namentos. Se, por um lado, nãoé justo que se estenda a coisajulgada formada no primeiro pro-cesso a pessoas que dele não par-ticiparam, também não é justoque se retire a eficácia de umasentença favorável à parte, obti-da no primeiro julgamento, pelamera propositura e julgamentode uma ação subsequente. Aindaque se determine a citação doautor da primeira demanda, essapossibilidade implicaria o exercí-cio anômalo de uma açãorescisória, fora das hipóteses le-gais. Ontologicamente, não hádiferença entre privilegiar a pri-meira ou a segunda coisa julgada.De um modo ou de outro, have-rá lesão a direito.

Disso decorre que a polêmicaé viva e suscita muitos desafios.Propor uma solução não é possí-vel sem uma longa reflexão, deque resulte a atuação do Congres-so Nacional, mediante a previsão,em lei, de regras especiais quedisciplinem o tema.

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Enquanto tal solução não éeditada, contudo, é preciso en-contrar um modo de compor osconflitos que, no dia a dia, apre-sentam-se ao intérprete da Lei. E,tendo em vista a sensibilidadecom que o tema se apresenta, aúnica forma de compor esses con-flitos é evitando, sempre que pos-sível, a coexistência de sentençascontraditórias sobre um atoindivisível . Ou seja, o Poder Ju-diciário, ciente da dificuldade dotema, deverá atuar para conferirsegurança jurídica a todos os que,na vida ordinária, pretendam es-tabelecer relações jurídica com asociedade cuja deliberaçãoassemblear é questionada.

III – O encaminhamento damatéria. As sentenças profe-ridas nos autos.

Para dar solução à matéria, aprimeira observação a ser feita éa de que o Enunciado 59 daSúmula/STJ determina que não háconflito de competência na hipó-tese em que “já existe sentençacom trânsito em julgado, profe-rida por um dos juízos con-flitantes”. Na hipótese dos autos,há sentença proferida, tanto nascausas que tramitam perante aJustiça Estadual, como na causasque tramita perante a Justiça Fe-deral. Porém, nenhuma delastransitou em julgado.

A orientação contida no Enun-ciado nº 235 da Súmula/STJ, poroutro lado, em aparente contra-dição com o Enunciado 59, rezaque “A conexão não determina areunião dos processos, se um de-les já foi julgado “. Esta segunda

regra não estabelece o requisitodo trânsito em julgado, de modoque o mero julgamento de umadas ações já bastaria para afastara regra de modificação da com-petência territorial por conexão.

A harmonização dos dois enun-ciados sumulares já foi enfrenta-da por esta Segunda Seção. Porocasião do julgamento do CC nº118.183/MG (de minha relatoria,DJ de 17/11/2011), entre a Justiçado Trabalho e a Justiça Cível, tecias seguintes considerações sobrea matéria:

O fato de ter sido proferidasentença pelo juízo trabalhis-ta não impede, em princípio, aapreciação do conflito de com-petência. Com efeito, por oca-sião do julgamento do CC108.717/SP (de minha relatoria,2ª Seção, DJe de 20/09/2010),esta Corte estabeleceu que aexistência de sentença nãotransitada em julgado somen-te impediria a apreciação deum conflito de competência nashipóteses em que esse conflitose baseasse em uma regra deconexão . Em situações nasquais a competência para o jul-gamento é absoluta , por ou-tro lado, a suscitação do inci-dente somente é obstada pelotrânsito em julgado da senten-ça proferida, nos moldes daSúmula 59/STJ. Eis a ementa dojulgado:

“PROCESSO CIVIL. CONFLITODE COMPETÊNCIA. SENTEN-ÇA SEM TRÂNSITO EM JUL-GADO. POSSIBILIDADE, EMPRINCÍPIO, DE CONHECIMEN-TO. SÚMULAS 59 E 235/STJ.AÇÕES ORIGINÁRIAS DISTIN-

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TAS. INEXISTÊNCIA DE CON-FLITO.I . Se o conflito positivo decompetência se estabelecerpor força de uma regra deconexão, ele não poderá serconhecido se uma das sen-tenças foi proferida, aindaque sem trânsito em julga-do, por força da Súmula235/STJ. Mas se o conflitodecorre de outra regra deestabelecimento da compe-tência, não há restrição a seuconhecimento após prola-tada a sentença, desde quenão haja trânsito em julga-do (Súmula 59/STJ).II . Em que pese a possibili-dade, em princípio, de co-nhecimento do conflito nãoobstante uma das senten-ças tenha sido proferida –já que ele não se fundamen-ta em uma regra de cone-xão – não há conflito positi-vo de competência se asações que supostamentelhe deram origem discu-tem matérias distintas.III . Conflito de competên-cia não conhecido.(CC nº 118.183/MG, de mi-nha relatoria, DJ de 17/11/2011)

A regra, portanto, é que a sen-tença extingue a conexão, masnão prevalece nas hipóteses de in-competência absoluta.

Trazendo tais considerações àhipótese dos autos, é preciso ob-servar, antes de mais nada, que acompetência da Justiça Federal éabsoluta. Portanto, a existênciade sentenças decidindo as causasnão leva à perda de objeto do con-flito de competência.

Por outro lado, a regra do art.109, I, da CF determina que acompetência absoluta da JustiçaFederal somente se dá nas hipó-teses em que participe, no pro-cesso, “a União, entidadeautárquica ou empresa pública”,na qualidade de “autoras, rés,assistentes ou oponentes”, excetonas causas “de falência, as de aci-dentes de trabalho e as sujeitas àJustiça Eleitoral e à Justiça do Tra-balho”.

Nos processos que tramitamperante a Justiça Estadual, ne-nhum ente público promoveuqualquer tipo de intervenção. Háinformação nos autos de que aintimação da CEF foi solicitadapela parte, mas indeferida pelojuízo cível sem remessa do pro-cesso à Justiça Federal , em apa-rente ofensa à orientação conti-da no Enunciado 150 da Súmula/STJ. Seria, assim, possível deter-minar que essas causas fossemremetidas à Justiça Federal, ain-da que a empresa pública nãoparticipasse do processo?

A resposta deve ser positiva.Não se pode cogitar de proporuma solução para esta causa semconsiderar o imperativo lógicoque está por trás de toda a dou-trina produzida acerca do tema:a convivência de sentençasconflitantes sobre um mesmoato indivisível, ainda que em pro-cessos dos quais não tenham par-ticipado as mesmas partes, repre-senta enorme risco à estabilida-de das relações jurídicas. Aassembleia que elege a diretoriade uma sociedade é fundamen-tal, não apenas para resguardar

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS CÍVEL E FEDERAL. SENTENÇAS OPOSTAS. PARTICIPAÇÃO DA CEF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

os interesses da empresa, mastambém de todos aqueles quecom ela pretendem firmar qual-quer contrato.

O potencial de lesão que a exis-tência de decisões conflitantes en-cerra espalha-se, assim, a uma uni-versalidade de pessoas. É precisosolucionar esse potencial conflitono nascedouro.

Não acredito que se possa afir-mar, peremptoriamente, que acoisa julgada formada em um dosprocessos deva se estender a to-dos os demais. Tomar uma posi-ção acerca dessa matéria é algoque, como já dito, demanda mui-ta reflexão, ponderando-se todasas vantagens e desvantagens queela pode trazer. Obrigar uma par-te ao resultado de um processode que não participou, especial-mente se esse resultado for con-trário a seu interesse, é algo mui-to sério. Por isso, se a coexistên-cia de decisões conflitantes puderser evitada , sem prejuízo ao exer-cício, pelas partes, de seu direitode petição e defesa, essa posturadeve ser adotada de maneiraprioritária .

Na situação dos autos, isso épossível, independentemente dese tomar uma posição acerca daviva controvérsia que paira sobreos limites subjetivos da coisajulgada em processos desta natu-reza. Este conflito de competên-cia, ainda que apresente caracte-rística sui generis , deve ser co-nhecido.

É inegável que a ação que tra-mite perante a Justiça Federal émais abrangente que as ações quetramitam perante a Justiça Esta-

dual, se não por força do objeto,ao menos no que diz respeito àspartes litigantes. Se a CEF mani-festou seu interesse em participarda ação que objetivava a decla-ração de invalidade da delibera-ção societária, tem-se como umimperativo lógico que essa em-presa pública tenha interesse tam-bém nas ações que objetivam adeclaração de validade desse mes-mo ato. Tanto num processocomo em outro, os fundamentosde seu interesse são os mesmos.

Não se está, aqui, a analisar seé justificável ou não que a CEFintervenha. Essa matéria deve serdecidida pelo Juízo Federal, nostermos do Enunciado 150 daSúmula/STJ, em decisão submeti-da a controle nos termos da LeiCivil. Mas a reunião dos proces-sos, com intimação da CEF paramanifestar seu interesse, é impe-rativa. Essa reunião, naturalmen-te, só pode ocorrer perante a Jus-tiça Federal.

IV – Consequências do re-conhecimento do conflito

Estabelecida a necessidade dereunião dos processos, é precisoque se discorra também sobre asconsequências dessa reunião.

Sabe-se que a competência daJustiça Federal é absoluta. Dissodecorreria, num raciocínio apres-sado, que todos os atos pratica-dos pelo Juízo Estadual, inclusi-ve a sentença, seriam nulos. Con-tudo, esse raciocínio conteria umequívoco facilmente demons-trável.

A competência federal se es-tabeleceu porquanto a CEF in-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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gressou, na ação ajuizada porGLADSTONE, não como parte,mas na qualidade de assistentesimples , por força de interessejurídico e econômico que alegater na solução da lide. Em tais si-tuações, em lugar de se declarara invalidade dos atos praticados,deve incidir a regra do art. 50,parágrafo único, do CPC: o assis-tente colhe o processo no estadoem que se encontra.

A aplicação dessa regra, con-tudo, poderia gerar um impasse.Por um lado, compete ordinaria-mente ao Tribunal de Justiça Es-tadual apreciar o recurso de ape-lação interposto contra uma sen-tença proferida pelo juiz estadu-al. O TRF não poderia revisá-la.Por outro lado, a declaração denulidade das sentenças prolatadaslevaria a um claro desperdício deatividade jurisdicional.

Esse impasse já foi enfrentadoe resolvido no âmbito desta 2ª Se-ção, por ocasião do julgamentodos EDcl. nos EDcl. No REsp1.091.393/SC. Naquela oportunida-de, discutia-se a possibilidade deintervenção da CEF nos processosem que se discutisse segurohabitacional vinculado a apólicespúblicas, com potencial compro-metimento do FCVS. Muitos des-ses processos já haviam sido sen-tenciados. Não obstante, a posi-ção que prevaleceu, por mim de-fendida, é a de que, não obstantereconhecida a competência da Jus-tiça Federal após o pedido de in-tervenção da CEF, não haveria jus-tificativa para se decretar a nuli-dade dos atos decisórios, pelosseguintes argumentos:

Além disso, por se tratar de as-sistência simples, a CEF, nostermos do art. 50, parágrafoúnico, do CPC, receberá o pro-cesso no estado em que se en-contrar no momento em quefor efetivamente demonstra-do o seu interesse jurídico, semanulação dos atos praticadosanteriormente.Note-se, por oportuno, que apeculiaridade presente na es-pécie – de que o ingresso doassistente acarreta um deslo-camento de competência – nãoautoriza que se excepcione aregra geral de aproveitamen-to de todos os atos praticados,sobretudo porque a interpre-tação lógico-integrativa doCPC evidencia que a sistemá-tica de ingresso do assistenteno processo foi pensada combase no postulado da perpe-tuação da competência.Ao eleger a assistência comoa única modalidade de inter-venção de terceiro admissívela qualquer tempo e grau dejurisdição, o legislador fixoucomo contrapartida necessá-ria e indissociável que o assis-tente receba o processo no es-tado em que esse se encontrar,não contemplando, pois, a hi-pótese de deslocamento dacompetência.Nesse sentido a lição de Cân-dido Rangel Dinamarco, queao analisar a assistência obser-va que, “podendo essa moda-lidade interventiva ocorrer emqualquer fase do procedimen-to ou grau de jurisdição, nempor isso ficarão as partes su-jeitas às incertezas ou retro-cessos que ocorreriam se essaintervenção desconsiderassepreclusões e permitisse a rea-lização de atos próprios a fa-

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS CÍVEL E FEDERAL. SENTENÇAS OPOSTAS. PARTICIPAÇÃO DA CEF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

ses já superadas” (Instituiçõesde Direito Processual Civil, vol.II, 6ª ed. São Paulo: Malheiros,2009, p. 386).Em síntese, o aproveitamentodos atos praticados constituielemento essencial da assis-tência, sem o qual o institutopotencialmente se transformaem fator de desequilíbrio emanipulação do processo.Com efeito, excepcionar a re-gra geral de modo a impor aanulação indistinta dos atospraticados na Justiça Estadu-al, abriria perigoso preceden-te no sentido de possibilitar,nas hipóteses em que a acei-tação da assistência implicardeslocamento de competên-cia, que o assistente escolha omomento em que vai ingres-sar na lide e, com isso, deter-mine a anulação de atos pro-cessuais conforme a sua con-veniência.

A mesma solução deve sertransportada à hipótese dos au-tos. A competência para todos osprocessos aqui discutidos é daJustiça Federal, não obstante asentença proferida. O julgamen-to dos respectivos recursos deapelação, portanto, se não tiversido promovido até o momento(não há essa informação nos au-tos), deve ser remetido àqueleTribunal, que poderá manifestaruma decisão uniforme sobre todaa controvérsia.

Forte nessas razões, conheçodo presente conflito e estabeleçoa competência da Justiça Federal(e, consequentemente, do Tribu-nal Regional Federal da 5ª Re-gião), para: (i) determinar a

intimação da CEF para que mani-feste interesse nos processos2008.0034.9187-7 e 469861-17.2010.8.06.0001/0, ambos queoriginalmente tramitaram peran-te a 30ª Vara Cível da Comarca deFortaleza; e, (ii) para que decidasobre o eventual aproveitamen-to dos atos praticados.

Na hipótese de qualquer daspartes entender necessário pleite-ar uma medida de urgência queestabeleça, de forma provisória,a validade ou invalidade daassembleia aqui discutida, tal me-dida deve ser requerida à JustiçaFederal.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia SEGUN-DA SEÇÃO, ao apreciar o proces-so em epígrafe na sessão realiza-da nesta data, proferiu a seguin-te decisão:

A Seção, por unanimidade,conheceu do conflito e declaroucompetente o Tribunal RegionalFederal da 5ª Região para deter-minar a intimação da Caixa Eco-nômica Federal para que mani-feste interesse nos processos eeventual aproveitamento dosatos processuais já praticados,nos termos do voto da Sra. Mi-nistra Relatora.

Os Srs. Ministros Luis FelipeSalomão, Raul Araújo, Paulo deTarso Sanseverino, Maria IsabelGallotti, Ricardo Villas BôasCueva e Marco Buzzi votaramcom a Sra. Ministra Relatora.

Impedido o Sr. Ministro Anto-nio Carlos Ferreira.

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HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. CUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

Superior Tribunal de Justiça

Habeas Corpus. Crime de uso de documento ideologicamentefalso. Mero cumprimento contratual. Ausência de justa causa.Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal,confirmando-se a liminar deferida. 1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1193239&sReg=201100622880&sData=20121121&formato=PDF>. Aces-so em: 05 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

HABEAS CORPUS IMPETRADOEM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSOPREVISTO NO ORDENAMENTO JU-RÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MO-DIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTOJURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃODO REMÉDIO CONSTITUCIONAL.MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À SUAOTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃOAO DIREITO DE IR, VIR E FICAR.2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIALPOSTERIOR À IMPETRAÇÃO DOPRESENTE WRIT. EXAME QUE VISAPRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA EO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 3.CRIME DE USO DE DOCUMENTOIDEOLOGICAMENTE FALSO. ART.304 C/C O ART. 299, CAPUT, DOCP. NÃO DESCRIÇÃO DO ESPECI-AL FIM DE AGIR NECESSÁRIO ATIPIFICAR A FALSIDADE IDEOLÓ-GICA. MERO CUMPRIMENTOCONTRATUAL. AUSÊNCIA DE JUS-TA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP.OCORRÊNCIA. 4. HABEAS CORPUSNÃO CONHECIDO. ORDEM CONCE-DIDA DE OFÍCIO PARA TRANCARA AÇÃO PENAL, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA.

1. A jurisprudência do Superi-or Tribunal de Justiça, buscandoa racionalidade do ordenamentojurídico e a funcionalidade do sis-tema recursal, já vinha se firman-do, mais recentemente, no senti-do de ser imperiosa a restrição docabimento do remédio constitu-cional às hipóteses previstas naConstituição Federal e no Códi-go de Processo Penal. Louvandoo entendimento de que o Direitoé dinâmico, sendo que a defini-ção do alcance de institutos pre-vistos na Constituição Federal háde fazer-se de modo integrativo,de acordo com as mudanças derelevo que se verificam na tábuade valores sociais, esta Corte pas-sou a entender ser necessárioamoldar a abrangência do habeascorpus a um novo espírito, visan-do restabelecer a eficácia de re-médio constitucional tão caro aoEstado Democrático de Direito.Precedentes.

2. Atento a essa evoluçãohermenêutica, o Supremo Tribu-nal Federal passou a adotar deci-sões no sentido de não mais ad-mitir habeas corpus que tenha por

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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objetivo substituir o recurso or-dinariamente cabível para a espé-cie. Precedentes. Contudo, consi-derando que a modificação da ju-risprudência firmou-se após aimpetração do presente habeascorpus, devem ser analisadas asquestões suscitadas na inicial, noafã de verificar a existência deconstrangimento ilegal evidente,a ser sanada mediante a conces-são de habeas corpus de ofício,evitando-se, assim, prejuízos àampla defesa e ao devido proces-so legal.

3. O tipo penal de falsidadeideológica exige, para sua carac-terização, a descrição do especi-al fim de agir, consistente em pre-judicar direito, criar obrigaçãoou alterar a verdade sobre fatojuridicamente relevante, o quenão se verifica quando demons-trado que a conduta praticada setratou, em suma, de mero cum-primento de contrato de manda-to previamente celebrado. Fica,portanto, inviabilizada apersecutio criminis, ante a ausên-cia de justa causa para a ação pe-nal, conforme disciplina o art.395, III, do CPP.

4. Habeas corpus não conheci-do. Ordem concedida de ofício,ratificando a liminar deferida,para trancar a Ação Penal nº5002344-08.2010.404.7003, em trâ-mite na 1ª Vara Federal deMaringá/PR .

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda Quinta Turma do Superior Tri-

bunal de Justiça, na conformida-de dos votos e das notastaquigráficas a seguir, por unani-midade, não conhecer do pedidoe conceder habeas corpus de ofí-cio, nos termos do voto do Sr.Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Mar-ques (Desembargador convocadodo TJ/PR), Marilza Maynard(Desembargadora convocada doTJ/SE), Laurita Vaz e Jorge Mussivotaram com o Sr. MinistroRelator.

Brasília (DF), 13 de novembrode 2012 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIOBELLIZZE, Relator.

Habeas Corpus Nº 201.137 - PR(2011/0062288-0). DJe 21.11.2012.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCOAURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de habeas corpusimpetrado em favor de Ary LúcioFontes, apontando-se como auto-ridade coatora o Tribunal Fede-ral da 4ª Região, que denegou aordem em prévio writ , emacórdão ementado nos seguintestermos (fl. 417):

PENAL. PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS . TRANCA-MENTO DA AÇÃO PENAL.DESCABIMENTO. O rancamen-to da ação penal exige certezade ilegalidade da persecuçãocriminal desenvolvida, não pre-sente em imputação acusatóriaque especificamente indica aconduta do acusado de usarperante a Caixa Econômica Fe-deral de procuração com dados

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HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. CUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

acrescidos após o falecimentodo titular.

Pretende o impetrante, em sín-tese, o trancamento da ação pe-nal, na qual foi o paciente denun-ciado pela prática, em tese, dodelito tipificado no art. 304 c/c oart. 299, caput, ambos do CódigoPenal, por supostamente terse utilizado de instrumentoprocuratório com inserção de da-dos falsos, para o levantamento devalor pago mediante precatório denatureza alimentícia, decorrentede demanda previdenciária, jun-to à Caixa Econômica Federal.

Sustenta, num primeiro mo-mento, ter havido cerceamentode defesa em razão da ofensa aoart. 395, III, do Código de Proces-so Penal, pois o Juiz de primeirograu “desvirtuou a nova sistemá-tica trazida ao processo penalpelas leis de 2008, a partir dasquais o juiz, ao receber prelimi-narmente a denúncia, deve abrirprazo para que o denunciadoapresente sua defesa preliminar”(fl. 23).

Alega, ademais, ser atípica aconduta perpetrada pelo pacien-te, sob o argumento de que es-tão ausentes os elementosconfiguradores dos tipos penaisdos arts. 299 e 304, ambos do Có-digo Penal, assim como defendeque os dados inseridos no instru-mento procuratório não são fal-sos, sendo hígido e válido o do-cumento utilizado pelo pacientepara cumprir seu dever no patro-cínio da causa previdenciária.

Assevera que “os poderes para‘receber’ já estavam incluídos na

procuração original”, sendo que“a posterior inserção de dadosbancários em seu texto observouapenas uma exigência burocráti-ca, qual seja, a de que a procura-ção, para fins de levantamento devalores depositados, deveria con-ter a informação a respeito daconta bancária e agência da ins-tituição financeira onde se encon-trava o dinheiro, além do núme-ro do precatório requisitório edos autos do processo a ele refe-rente” (fl. 30).

Pede, liminarmente, a suspen-são da ação penal até o julgamen-to final do writ. No mérito, pug-na pelo trancamento da Ação Pe-nal nº 5002344-08.2010.404.7003.

A liminar e o pedido dereconsideração foram indeferidosàs fls. 431 e 451/452, pelo entãoRelator, Ministro Napoleão NunesMaia Filho. As informações foramprestadas pela autoridade coatoraàs fls. 461/477 e o Ministério Pú-blico Federal manifestou-se, às fls.481/487, pelo conhecimento par-cial da ordem e, nesta parte, porsua denegação, nos seguintes ter-mos:

PENAL. HABEAS CORPUS .USO DE DOCUMENTO FALSO.TRANCAMENTO DA AÇÃO PE-NAL. 1. O paciente é acusadode acrescentar dados ideolo-gicamente falsos em procura-ção apresentada à Caixa Eco-nômica Federal para levantarquantia depositada em nomede seu cliente falecido. A de-núncia narra que os dados e adata inserida na procuração sãoposteriores ao falecimento dooutorgante. 2. O trancamento

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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da ação penal por falta de justacausa só é possível quando, semexame aprofundado de provas,fica evidenciada a atipicidade daconduta, a ausência de indíciosde autoria e de materialidadeou, ainda, quando for caso deextinção de punibilidade. 3. Nocaso, não ocorre qualquer des-tas hipóteses de trancamentoda ação penal por ausência dejusta causa. Os indícios de au-toria e de materialidade estãoevidenciados em Laudo Perici-al que atesta a adulteração daprocuração mediante a inser-ção de dados após o faleci-mento do outorgante da pro-curação. 3. A alegação deinobservância da norma pro-cessual penal de facultar de-fesa liminar não foi julgadapelo Tribunal de origem. Des-te modo, é inviável o examedesta questão nesta Corte deJustiça, sob pena de indevidasupressão de instância. - Pare-cer pelo conhecimento pardaldo habeas corpus e, nesta par-te, peta denegação da ordem.

Posteriormente, os autos fo-ram atribuídos à minha Relatoria,tendo, então, sido deferido o pe-dido de reconsideração, às fls.542/546, para que ficasse suspensaa ação penal a que responde opaciente, até o julgamento finaldo writ.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCOAURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

A liberdade de locomoção doindivíduo, independentementedos transtornos dos procedimen-

tos, da gravidade dos fatos crimi-nosos, há muito ocupa lugar dedestaque na escala de valores tu-telados pelo Direito, razão pelaqual sempre mereceu especial tra-tamento nos ordenamentos jurí-dicos das sociedades civilizadas.

Lembremo-nos que a Repúbli-ca Federativa brasileira assenta-sena dignidade da pessoa humana,e não há dignidade sem que hajaproteção aos direitos fundamen-tais, tampouco há dignidade semque o ordenamento jurídico es-tabeleça garantias que possibili-tem aos indivíduos fazer valer,frente ao Estado, esses direitos.

Entre nós, com os parâmetrosque lhe dá a Constituição Fede-ral e o Código de Processo Penal,é reconhecida a garantia consti-tucional do habeas corpus, cria-do com o objetivo de evitar oufazer cessar violência ou coaçãoà liberdade de locomoção decor-rente de ilegalidade ou abuso depoder.

O remédio constitucional dohabeas corpus nasceu historica-mente como uma necessidade decontenção do poder e do arbítriodo Estado. A Carta Magna de1988 manteve a garantia consti-tucional, prevista, sabemos todos,desde a Constituição Republica-na, destacando no inciso LXVIIIdo art. 5º que “conceder-se-áhabeas corpus sempre que alguémsofrer ou se achar ameaçado desofrer violência ou coação em sualiberdade de locomoção, por ile-galidade ou abuso de poder”. OCódigo de Processo Penal, nomesmo diapasão, dispõe no art.647, que “dar-se-á habeas corpus

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HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. CUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

sempre que alguém sofrer ou seachar na iminência de sofrer vio-lência ou coação ilegal na sua li-berdade de ir e vir, salvo nos ca-sos de punição disciplinar”.

Enquanto não encontre eu, nosdispositivos mencionados acima,argumentos para elastecer o cabi-mento do remédio constitucionala questões que não envolvem di-retamente o direito de ir, vir e fi-car do indivíduo, a jurisprudênciado Superior Tribunal de Justiça edo Supremo Tribunal Federal, tal-vez como reflexo da redemo-cratização do país depois de maisde vinte anos de ditadura militar,na intenção de proteger o cidadão,foi ampliando, aos poucos, o cabi-mento do habeas corpus a fim desalvaguardar direitos que apenasindiretamente poderiam refletir naliberdade de locomoção.

No entanto, parece-me que se foialém da meta – proteção do direi-to fundamental à liberdade de lo-comoção –, quem sabe se não se to-mou a nuvem por Juno; passou-sea admitir, fora das hipóteses de ca-bimento previstas na ConstituiçãoFederal e no Código de ProcessoPenal, a impetração de habeascorpus como meio ordinário deimpugnação, ainda que ausenteameaça concreta e imediata ao di-reito de ir, ficar e vir, inviabilizando,consequentemente, a proteção ju-dicial efetiva, tendo em vista quea duração indefinida do processocompromete de modo decisivo aproteção da dignidade da pessoahumana, “na medida em que per-mite a transformação do ser hu-mano em objeto dos processos es-tatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira.

Curso de Direito Constitucional.2ª Edição. São Paulo. Saraiva.2008. p. 100.)

Desse modo, consolidou-se,por meio de reiteradas decisõesdo Superior Tribunal de Justiça atendência de se atenuar as hipó-teses de cabimento do remédioconstitucional, destacando-se queo habeas corpus é antídoto de pres-crição restrita, que se presta a re-parar constrangimento ilegal evi-dente, incontroverso, indisfarçávele que, portanto, se mostra de pla-no comprovável e perceptível aojulgador. Logo, não se destina àcorreção de equívocos ou situaçõesas quais, ainda que eventualmen-te existentes, demandam para suaidentificação e correção o examede matéria de fato ou da provaque sustentou o ato ou a decisãoimpugnada.

Mais que isso, observou a ju-risprudência desta Corte ser ohabeas corpus remédio constitu-cional voltado ao combate deconstrangimento ilegal específi-co, de ato ou decisão que afete,potencial ou efetivamente, direi-to líquido e certo do cidadão,com reflexo direto em sua liber-dade. Logo, não se presta à cor-reção de decisão sujeita a recur-so próprio, previsto no sistemaprocessual penal, não sendo, pois,substituto de recursos ordinários,especial ou extraordinário.

Nesse contexto, peço, respei-tosamente, licença à MinistraMaria Thereza de Assis Moura(AgRg no HC n.º 239.957/TO, DJede 11/6/2012) e ao Ministro GilsonDipp (HC n.º 201.483/SP, DJe de 27/10/2011) para valer-me das se-

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guintes passagens de seus votos:(I) “O habeas corpus não é pana-céia e não pode ser utilizadocomo um ‘super’ recurso, que nãotem prazo nem requisitos especí-ficos, devendo se conformar aopropósito para o qual foi histori-camente instituído, é dizer, o deimpedir ameaça ou violação aodireito de ir e vir”; (II) “É imperi-osa a necessidade de racionaliza-ção do habeas corpus, a bem dese prestigiar a lógica do sistemarecursal, devendo ser observadasua função constitucional, de sa-nar ilegalidade ou abuso de po-der que resulte em coação ouameaça à liberdade de locomo-ção, inexistente na espécie”; (III)“Conquanto o uso do habeascorpus em substituição aos recur-sos cabíveis - ou incidentalmentecomo salvaguarda de possíveis li-berdades em perigo - crescente-mente fora de sua inspiração ori-ginária tenha sido muito alarga-do pelos Tribunais, há certos limi-tes a serem respeitados, em home-nagem à própria Constituição, de-vendo a impetração ser compreen-dida dentro dos limites daracionalidade recursal preexistentee coexistente para que não se per-ca a razão lógica e sistemática dosrecursos ordinários, e mesmo dosexcepcionais, por uma irrefletidabanalização do habeas-corpus”.

O Supremo Tribunal Federal,atento a essa evoluçãohermenêutica, passou a adotar,recentemente, decisões no senti-do de não mais admitir habeascorpus que tenha por objetivosubstituir o recurso ordinárioconstitucional. A mudança

jurisprudencial consolidou-se nojulgamento do Habeas Corpus n.º109.956/PR, Relator o MinistroMarco Aurélio, impetrado contradecisão que indeferiu diligênciasrequeridas pela defesa. Na opor-tunidade, destacou o MinistroRelator:

O habeas corpus substitutivode recurso ordinário, além denão estar abrangido pela ga-rantia constante do incisoLXVIII do artigo 5º do DiplomaMaior, não existindo qualquerprevisão legal, enfraqueceeste último documento, tor-nando-o desnecessário no que,nos artigos 102, inciso II, alí-nea ‘a’, e 105, inciso II, alínea‘a’, tem-se a previsão de re-curso ordinário constitucionala ser manuseado, em tempo,para o Supremo, contra deci-são proferida por tribunal su-perior indeferindo ordem, epara o Superior Tribunal deJustiça, contra ato de tribunalregional federal e de tribunalde justiça. O Direito é avesso asobreposições e impetrar-senovo habeas, embora para jul-gamento por tribunal diverso,impugnando pronunciamentoem idêntica medida implicainviabilizar, em detrimento deoutras situações em querequerida, a jurisdição. Cum-pre implementar – visandorestabelecer a eficácia dessaação maior, a valia da CartaFederal no que prevê não ohabeas substitutivo, mas o re-curso ordinário – a correção derumos. Consigno que, no to-cante a habeas já formaliza-do sob a óptica da substitui-ção do recurso constitucional,não ocorrerá prejuízo para o

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paciente, ante a possibilidadede vir-se a conceder, se for ocaso, a ordem de ofício. (STF,Primeira Turma, HC 109.956/PR, Relator o Ministro MarcoAurélio, j. em 7/8/2012).

Aos 21 de agosto de 2012, aMinistra Rosa Weber, no julgamen-to do Habeas Corpus n.º 104.045/RJ, destacou que o meio recursalordinariamente previsto para aanálise de eventual ofensa à legis-lação federal relativa à dosimetriada pena é a apelação e, a depen-der do caso concreto, o recurso es-pecial ou extraordinário:

HABEAS CORPUS . PROCESSOPENAL. HISTÓRICO. VULGARI-ZAÇÃO E DESVIRTUAMENTO.SEQUESTRO. DOSIMETRIA.AUSÊNCIA DE DEMONSTRA-ÇÃO DE ILEGALIDADE OU AR-BITRARIEDADE.1. O habeas corpus tem umarica história, constituindo ga-rantia fundamental do cida-dão. Ação constitucional que é,não pode ser amesquinhado,mas também não é passível devulgarização, sob pena de res-tar descaracterizado como re-médio heróico. Contra adenegação de habeas corpuspor Tribunal Superior prevê aConstituição Federal remédiojurídico expresso, o recurso or-dinário. Diante da dicção doart. 102, II, a, da Constituiçãoda República, a impetração denovo habeas corpus em cará-ter substitutivo escamoteia oinstituto recursal próprio, emmanifesta burla ao preceitoconstitucional. Precedente daPrimeira Turma desta Supre-ma Corte.

2. A dosimetria da pena subme-te-se a certa discricionariedadejudicial. O Código Penal não es-tabelece rígidos esquemas ma-temáticos ou regras absoluta-mente objetivas para a fixaçãoda pena. Cabe às instâncias or-dinárias, mais próximas dos fa-tos e das provas, fixar as pe-nas. Às Cortes Superiores, noexame da dosimetria das pe-nas em grau recursal, competeprecipuamente o controle da le-galidade e da constituciona-lidade dos critérios emprega-dos, com a correção apenas deeventuais discrepâncias gri-tantes e arbitrárias nas fra-ções de aumento ou diminui-ção adotadas pelas instânciasanteriores.3. Assim como a concorrênciade vetoriais negativas do art.59 do Código Penal autorizapena base bem acima da míni-ma legal, a existência de umaúnica, desde que de especialgravidade, também autoriza aexasperação da pena, a des-peito de neutras as demaisvetoriais.4. A fixação do regime inicialde cumprimento da pena nãoestá condicionada somente aoquantum da reprimenda, mastambém ao exame das cir-cunstâncias judiciais do artigo59 do Código Penal, conformeremissão do art. 33, §3º, domesmo diploma legal. Prece-dentes5. Não se presta o habeascorpus, enquanto não permi-te ampla avaliação e valoraçãodas provas, ao reexame doconjunto fático-probatóriodeterminante da fixação daspenas.6. Habeas corpus rejeitado.(STF, Primeira Turma, HC n.º

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104.045/RJ, Relatora a Minis-tra Rosa Weber, j. em 21/8/2012.)

Essa orientação foi aplicada,aos 22 de agosto de 2012, peloMinistro Luiz Fux, que negou se-guimento ao Habeas Corpus n.º114.550/AC, tendo em vista a in-competência do Supremo Tribu-nal Federal para examinar habeascorpus substitutivo de recurso or-dinário constitucional.

Recebeu a decisão os seguin-tes fundamentos:

A prevalência do entendimen-to de que o Supremo TribunalFederal deve conhecer dehabeas corpus substitutivo derecurso ordinário constitucionalcontrasta com os meios de con-tenção de feitos, remota e re-centemente implementados:Súmula Vinculante e Repercus-são Geral, com o objetivoviabilizar o exercício pleno,pelo Supremo Tribunal Fede-ral, da nobre função deguardião da Constituição daRepública. E nem se argumen-te com o que se convencionouchamar de jurisprudência de-fensiva. Não é disso que se tra-ta, mas de necessária, imperi-osa e urgente reviravolta deentendimento em prol daorganicidade do direito, espe-cificamente no que tange àscompetências originária erecursal do Supremo TribunalFederal para processar e jul-gar habeas corpus e o respec-tivo recurso ordinário, valen-do acrescer que essa ação no-bre não pode e nem deve serbanalizada a pretexto, em mui-tos casos, de pseudonulidades

processuais com reflexos no di-reito de ir e vir. (STF, PrimeiraTurma, HC n.º 114.550/AC,Relator o Ministro Luiz Fux, j.em 22/8/2012.)

Mesmo vencido no leadingcase, o Ministro Dias Toffoli ren-deu-se ao entendimento firmadopela Primeira Turma da CorteConstitucional e, com fundamen-to na nova orientação, recusoutrânsito a habeas corpusimpetrado em substituição ao re-curso ordinariamente previsto noart. 102, inciso II, alínea a, daConstituição Federal (STF, Primei-ra Turma, HC n.º 114.924/RJ,Relator o Ministro Dias Toffoli, j.em 29/8/2012).

Entendo que boa razão aquitêm os Ministros do Supremo Tri-bunal Federal quando restringemo cabimento do remédio consti-tucional às hipóteses previstas naConstituição Federal e no Códi-go de Processo Penal. É que asvias recursais ordinárias passarama ser atravessadas por incontáveispossibilidades de dedução deinsurgências pela impetração dowrit, cujas origens me parece te-rem sido esquecidas, sobrecarre-gando os tribunais, desvirtuandoa racionalidade do ordenamentojurídico e a funcionalidade dosistema recursal. Calhou bema mudança da orientaçãojurisprudencial, tanto que eu, deigual modo, dela passo a me va-ler com o objetivo de viabilizaro exercício pleno, pelo SuperiorTribunal de Justiça, da nobrefunção de uniformizar a interpre-tação da legislação federal brasi-

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leira.Em suma, louvando-me no en-

tendimento de que o Direito é di-nâmico, sendo que a definição doalcance de institutos previstos naConstituição Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acor-do com as mudanças de relevoque se verificam na tábua de va-lores sociais, tenho ser necessárioamoldar a abrangência do habeascorpus a um novo espírito, visan-do restabelecer a eficácia de re-médio constitucional tão caro aoEstado Democrático de Direito.

Contudo, em homenagem àgarantia constitucional constan-te do art. 5º, inciso LXVIII, e con-siderando que a modificação dajurisprudência firmou-se apósa impetração do presentemandamus, passo à análise dasquestões suscitadas na inicial noafã de verificar a existência deconstrangimento ilegal evidente,a ser sanado mediante a conces-são de habeas corpus de ofício,evitando-se, assim, prejuízos àampla defesa e ao devido proces-so legal.

No caso dos autos, sustenta oimpetrante, em síntese, seratípica a conduta atribuída aopaciente, razão pela qual deve sertrancada a ação penal.

Inicialmente, não se podedescurar que a extinção da ação pe-nal por falta de justa causa ou porinépcia formal da denúncia situa-se no campo da excepcionalidade.Assim, a liquidez das alegaçõesconstitui requisito inafastável naapreciação de tais temas, somentecabível o writ nas hipóteses em quese demonstrar, à luz da evidência,

situações comprováveis de plano,suficientes ao prematuro encerra-mento da persecução penal.

Não se admite, por essa razão,na maior parte das vezes, a apre-ciação de alegações fundadas naausência de dolo na conduta doagente ou de inexistência de in-dícios de autoria e materialidadeem sede mandamental, pois taisconstatações dependem, viade regra, da análise porme-norizada dos fatos, ensejandorevolvimento de provas, o que éincompatível com o rito sumáriodo mandamus.

Para melhor delimitação dacontrovérsia, veja-se o que dissea inicial acusatória ao descrevera conduta criminosa imputada aopaciente (fls. 62/64):

Em 13 de abril de 2010, o de-nunciado Ary Lúcio Fontes fezuso de papel alterado, a quese refere o artigo 299 do Có-digo Penal, eis que apresentoude forma livre e consciente,junto à Caixa Econômica Fede-ral (PAB Justiça Federal) emMaringá/PR, o documento par-ticular de Procuração (fl. 67)contendo dados ideologica-mente falsos.Os referidos dados ideologica-mente falsos foram: aliás, in-seridos pelo próprio denuncia-do que, entre os dias 7 e 12 deabril de 2010, preencheu,extemporaneamente e com ofito de alterar a verdade sobrefato juridicamente relevante,a Procuração de fl. 67 com osseguintes dizeres: ‘e ET EXTRA’,‘Poderes também para junto àCAIXA ECONÔMICA FEDERAL,fazer o levantamento em nome

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do outorgante de todo osaldo existente na conta nº093151221, agência 0652, decor-rente do depósito do Precatórionº 2009.04.02.016600-2, nos au-tos nº 2003.70.03.014896-3, po-dendo receber e dar quitação’ ea data ’12 de abril de 2010.’Tais dizeres são ideologica-mente falsos pois o cliente dodenunciado, o falecido PauloNardis Paladino, não firmou aProcuração outorgando pode-res ‘et extra’ e, no caso, nempoderia, pois a data inseridana Procuração pelo denuncia-do é posterior ao falecimentode seu então cliente, cujo óbi-to deu-se em 1º de abril de2009.Por derradeiro, munido da Pro-curação em exame, o denunci-ado sacou junto à mencionadainstituição bancária, a quantiade R$ 207.024,33 (duzentos esete mil e vinte e quatro reaise trinta e três centavos), rela-tiva ao Precatório - Sem Alvará,expedido no processo originá-rio nº 2003.70.03.014896-3 (fl.49), repassando R$ 103.512,00(cento e três mil, quinhentos edoze reais), em cheque, paraCelma Floriano (fl. 112), espo-sa do seu falecido cliente, a sa-ber: Paulo Nardis Paladino,sendo que o valor retidocorrespondia ao pagamentode honorários advocatícioscontratuais, no montante de50% (cinquenta por cento),conforme contrato de honorá-rios e prestação de serviçosprofissionais de fls. 100/101.A autoria e a materialidade docrime estão consubstanciadasno Documento denominadoProcuração ‘Ad Judicia’ (fl. 67),Carta de Concessão de Pensãopor Morte (fls. 60/61), Termos

de Declarações (fls. 71/72 e105/106), Laudo de ExameDocumentoscópico (fls. 141/144), Auto de Qualificação eInterrogatório (fls. 153/154) edemais documentos constan-tes dos autos.Assim agindo, o denunciadoAry Lúcio Fontes perpetrou odelito previsto no artigo 304do Código Penal, incidindo napena cominada ao artigo 299,caput, do Código Penal.

Eis o tipo dos artigos 299, caput,e 304, ambos do Código Penal:

Art. 299 - Omitir, em documen-to público ou particular, decla-ração que dele devia constar,ou nele inserir ou fazer inserirdeclaração falsa ou diversa daque devia ser escrita, com ofim de prejudicar direito, criarobrigação ou alterar a verda-de sobre fato juridicamenterelevante:Pena - reclusão, de um a cincoanos, e multa, se o documen-to é público, e reclusão de uma três anos, e multa, se o do-cumento é particular.

Art. 304 - Fazer uso de qual-quer dos papéis falsificados oualterados, a que se referem osarts. 297 a 302:Pena - a cominada à falsifica-ção ou à alteração.

Assim, verifico que, conquan-to tenha havido, por parte do pa-ciente e como ele mesmo afirmouem seu interrogatório policial(fls. 140/141), a posterior inserçãode dados em procuração, outor-gada em tempo longínquo, parao fim específico de levantamen-

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HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. CUMPRIMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

to de valores de precatório emnome de Paulo Nardis Paladino,sua ex-esposa, Celma Floriano,corroborou a tese da defesa deque houve acordo prévio eanuência relativamente ao proce-der do causídico, quando disse,perante a autoridade policial,que “quanto ao trabalho de Dr.Ary ficou satisfeita com o traba-lho do mesmo, pois recebeu ametade do dinheiro que foi o quePaulo havia combinado com o Dr.Ary” (fl. 179).

Portanto, verifica-se que a con-fissão de inserção de dados no-vos em documento particular,emitido em data anterior, nãoimportou, in casu, na alteraçãoou falsificação do que fora pac-tuado entre cliente e advogadoquando da contratação dos servi-ços, o que afasta a caracterizaçãodo dolo específico do agente nosentido de “prejudicar direito,criar obrigação ou alterar a ver-dade sobre fato juridicamenterelevante”. Dessarte, a condutaperpetrada pelo denunciado ca-racterizou, ao que tudo indica,mero cumprimento do contratocelebrado com o falecido clien-te.

Com efeito, o tipo penal de fal-sidade ideológica exige para suacaracterização o elemento subje-tivo do tipo, uma especial finali-dade com a conduta praticada,que consiste em prejudicar direi-to, criar obrigação ou alterar averdade sobre fato juridicamen-te relevante. Portanto, o fato nar-rado e imputado ao paciente ne-cessitaria, inegavelmente, de umasistematização minimamente

plausível e razoável quanto aoespecial fim de agir do tipo defalsidade ideológica, a fim depossibilitar a legítima persecutiocriminis.

Ao ensejo, confira-se o seguin-te precedente, noticiado no infor-mativo nº 365 desta Corte Supe-rior:

FALSIDADE IDEOLÓGICA. OFÍ-CIO JUDICIAL. Trata-se de re-curso de habeas corpus contrao acórdão do Tribunal a quoque recusou o trancamento deação penal iniciada pelo crime,em tese, de falsidade ideoló-gica. O recorrente, segundo apeça acusatória, na qualidadede advogado de empresa, so-licitou ao juiz da causa que ofi-ciasse o Banco Central para lo-calização do endereço dos réuse, indeferido o pedido, expe-diu ofício com o mesmo pedi-do, agora na forma de um ofí-cio judicial, embora o tendo as-sinado com seu próprio nome.Para a Min. Relatora, não hájusta causa para a ação penal.Aponta que o tipo do crime defalsidade ideológica tem ele-mento subjetivo específico, ouseja, a vontade de prejudicardireito, criar obrigação ou al-terar verdade sobre fato juri-dicamente relevante. Assim,se a conduta do agente ativonão conduz a qualquer dessestrês resultados, ela é um indi-ferente penal, como na hipó-tese . Entende, também, queo requerimento não preten-deu imitar a verdade, emborano cabeçalho conste a indica-ção do juízo. Como alega o re-corrente, fê-lo para mostrar aquem deveria ser remetida ainformação, tanto que ele

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mesmo assinou o ofício. Obser-va, ainda, que, no uso da pala-vra “requisitar”, não teve orecorrente a intenção de imi-tar termos de um ofício expe-dido pelo juízo, tratando-se demera impropriedade. A sauda-ção final, com “protestos deestima e consideração”, é usu-al em correspondências ofici-ais e particulares. Outrossim,não é crível que alguém, aocometer um ato ilícito escrito,com intenção dolosa, visandocriar obrigação, prejudicar di-reito ou alterar a verdade, as-sine o expediente. Afirma nãoter dúvidas de que existiu aintenção de o recorrente pe-dir pessoalmente a informa-ção em seu nome, de não ha-ver dolo. Além disso, o pedido,em si, não constitui propria-mente um documento, talcomo se exige para fins de con-figuração do crime de falsida-de ideológica. Como tambémnão interpreta o despacho domagistrado como uma autori-zação para que o recorrenteformulasse e remetesse o ofí-cio. Assim, demonstrada aatipicidade da conduta prati-cada pelo recorrente, a Turmadeu provimento ao recursopara trancar a ação penal. RHC19.710-SP, Rel. Min. Jane Silva(Desembargadora convocadado TJ-MG), julgado em 28/8/2008.

No mesmo sentido:

HABEAS CORPUS . FALSIDADEIDEOLÓGICA. TRANCAMENTODA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADEDA CONDUTA. ORDEM CONCE-DIDA. 1. Prevê o art. 299 doCódigo Penal que, para a con-figuração do delito de falsida-

de ideológica, é essencial odolo específico do agente nosentido de “de prejudicar di-reito, criar obrigação ou alte-rar a verdade sobre fato juri-dicamente relevante”. 2. Nocaso, em que o Paciente é acu-sado de indicar, em petição ini-cial, endereço inexistente emcidade que não reside – dadoque pôde facilmente ser certi-ficado pelo Oficial de Justiça –para justificar o ajuizamentode ação de indenização emJuizado Especial Cível emComarca de sua suposta pre-ferência, não resta demons-trada a relevância jurídica ne-cessária à configuração do tipopenal em questão. 3. Certifi-cada a inexistência do ende-reço, referida ação cível foiextinta sem resolução de mé-rito, tendo o Paciente sido con-denado ao pagamento demulta e de indenização sobreo valor da causa, por litigânciade má-fé. Só se pode falar, nahipótese, em prejuízos supor-tados pelo próprio Paciente,ocorridos em virtude de suadeclaração equivocada. Evi-dente atipicidade da conduta.Ausência de justa causa paraa persecução penal. 4. Ordemconcedida. (HC 139.269/PB,Relatora a Ministra LAURITAVAZ, DJe 15/12/2009).

PENAL. PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS . FALSIDADEIDEOLÓGICA. JUSTA CAUSA. I -Na via do writ, é possível que seproceda à valoração da condutaque, inquestionavelmente, seapresenta delineada, deixandoclara a inocorrência da ilicitudepenal. Vedado é o cotejo de da-dos relevantes e controversos. II- Sendo evidente a inexistência

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do fim de prejudicar direito, cri-ar obrigação ou alterar a verda-de sobre fato juridicamente re-levante, não há que se falar defalsidade ideológica. A eventualresponsabilidade civil não seconfunde com a responsabilida-de penal. Habeas corpus conce-dido. (HC 31.997/SC, Relator oMinistro FELIX FISCHER, DJ 10/05/2004, p. 320).

Assim, não se verificando, danarrativa trazida na inicialacusatória, a especial finalidadecom a conduta praticada, que con-siste em prejudicar direito, criarobrigação ou alterar a verdadesobre fato juridicamente relevan-te, resta ausente o requisito dajusta causa para o início da açãopenal, razão pela qual deveria ainicial acusatória ter sido rejeita-da, nos termos do que disciplinao art. 395, inciso III, do Códigode Processo Penal, pois ausente olastro probatório mínimo quedeve embasar a acusação.

Ademais, não se vislumbrandoa existência do especial fim de agirconstante da norma penalinsculpida no art. 299, caput, doCódigo Penal – falsidade ideoló-gica -, porquanto devidamente es-clarecido o simples cumprimentode prévio acordo entre advogadoe cliente, não se pode falar,consequentemente, em uso de do-cumento ideologicamente falso -art. 304 do Código Penal -, razãopela qual se mostra temerário oprosseguimento da ação penal. Defato, os dados foram inseridos jus-tamente para o fiel e total cum-primento do contrato de manda-to, anteriormente celebrado pelo

paciente e o contratante, de tudoresultando o repasse da verba de-vida, levantada pelo agente, paraa esposa do falecido mandatário.

Destaco, por fim, que não seestá aqui, em habeas corpus, bus-cando a aferição de elementossubjetivos e complexos acerca daautoria da prática delitiva, pro-vidência essa sabidamente incom-patível com a via estreita do writ,mas apenas, ante a incontroversae flagrante ilegalidade verificada,constatando não haver adequa-ção típica entre a conduta narra-da e o tipo penal atribuído, o queremete de pronto à falta de justacausa para a persecução penal,tornando-se imperioso, portanto,o desfazimento do inequívococonstrangimento ilegal a que estásubmetido o paciente.

Ante o exposto, não conheçodo mandamus. Concedo, no en-tanto, a ordem de ofício, ratifi-cando a liminar deferida, paratrancar a Ação Penal nº 5002344-08.2010.404.7003, em trâmite na1ª Vara Federal de Maringá/PR.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUIN-TA TURMA, ao apreciar o proces-so em epígrafe na sessão realiza-da nesta data, proferiu a seguin-te decisão:

“A Turma, por unanimidade,não conheceu do pedido e con-cedeu “Habeas Corpus” de ofício,nos termos do voto do Sr. Minis-tro Relator. “

Os Srs. Ministros Campos Mar-ques (Desembargador convocado

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do TJ/PR), Marilza Maynard(Desembargadora convocada doTJ/SE), Laurita Vaz e Jorge Mussivotaram com o Sr. MinistroRelator.

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial. Recuperação Judicial. Contrato de cessãofiduciária de duplicatas. Incidência da exceção do Art. 49, § 3º daLei 11.101/2005. Art. 66-B, § 3º da Lei 4.728/1965.1

1 Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1197402&sReg=201101511858&sData=20130412&formato=PDF>. Aces-so em: 12 abr. 2013.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL. RECUPERA-ÇÃO JUDICIAL. CONTRATO DE CES-SÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS.INCIDÊNCIA DA EXCEÇÃO DO ART.49, § 3º DA LEI 11.101/2005. ART.66-B, § 3º DA LEI 4.728/1965.

1. Em face da regra do art. 49, §3º da Lei nº 11.101/2005, não sesubmetem aos efeitos da recupe-ração judicial os créditos garanti-dos por cessão fiduciária.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista do Ministro LuisFelipe Salomão, dando parcial pro-vimento ao recurso especial, diver-gindo parcialmente da Relatora, eos votos dos Ministros AntonioCarlos Ferreira, Marco Buzzi e RaulAraújo acompanhando o voto daMinistra Relatora, a Quarta Quar-ta Turma, por unanimidade, deuprovimento ao recurso especial,com ressalvas do Ministro LuisFelipe Salomão. Os Srs. MinistrosAntonio Carlos Ferreira, MarcoBuzzi e Raul Araújo Filho votaramcom a Sra. Ministra Relatora.

Brasília/DF, 05 de fevereiro de2013 (Data do Julgamento).

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI, Relatora.

REsp 1.263.500 - ES (2011/0151185-8). DJe 12.04.2013.

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Cuida-se de recurso es-pecial interposto com fundamen-to no art. 105, III, a e c da CF, porBANCO BRADESCO S/A contraacórdão proferido pela PrimeiraCâmara Cível do Tribunal de Justi-ça do Estado do Espírito Santo,cuja ementa assim dispõe:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL -CONTRATO SUJEITO AOS EFEI-TOS DA RECUPERAÇÃO - ABER-TURA DE CRÉDITO GARANTIDAPOR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIADE DUPLICATAS - MULTA DIÁ-RIA - RAZOABILIDADE.1. Via de regra, sujeitam-se àrecuperação judicial todos oscréditos existentes na data dopedido, ainda que não vencidos(art. 49, caput, da Lei 11.101/2005).2. As exceções previstas em leisão a do banco que antecipou

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ao exportador recursos mone-tários com base em contrato decâmbio (art. 86, inciso II, da Lei11.101/2005) e a do proprietá-rio fiduciário, do arrendadormercantil e do proprietário ven-dedor, promitente vendedor ouvendedor com reserva de domí-nio, quando do respectivo con-trato (alienação fiduciária emgarantia, leasing, venda e com-pra, compromisso de compra evenda e compra ou venda comreserva de domínio) consta clá-usula de irrevogabilidade ouirretratabilidade (art. 49, §3º, daLei 11.101/2005).3. A cessão fiduciária que ga-rante o contrato de abertura decrédito firmado entre as partes,prevista no § 3º do artigo 66-B,da Lei 4.728/65, transfere aocredor fiduciário a posse dos tí-tulos, conferindo-lhe o direitode receber dos devedores oscréditos cedidos e utilizá-lospara garantir o adimplementoda dívida instituída com ocedente, em caso deinadimplência.4. A cessão fiduciária de títulosnão se assemelha à exceçãoprevista na lei de recuperaçãojudicial no tocante ao proprie-tário fiduciário. Nesta o que sepretende é proteger o credorque aliena fiduciariamente de-terminado bem móvel ou imó-vel para a empresa em recupe-ração, circunstância oposta aoque ocorre nos casos em que aempresa cede fiduciariamenteos títulos ao banco.5. O § 3º do artigo 49 da Lei11.101/05 refere-se a bens mó-veis materiais, pois faz alusãoexpressa à impossibilidade devenda ou retirada dos bens doestabelecimento da empresano período de suspensão pre-

visto no § 4º do art. 6º, da refe-rida Lei, circunstância que nãose aplica aos títulos de crédito,pois os créditos em geral sãobens móveis imateriais.6. A mera afirmação de que ovalor a ser devolvido está equi-vocado não tem o condão deelidir o parecer técnico elabo-rado pelo Administrador Judi-cial.7. Considerando a natureza dademanda, a necessidade de seimprimir agilidade e efetividadeao plano de recuperação homo-logado no Juízo de 1º Grau e acapacidade financeira do agra-vante, tenho que o valor arbi-trado a título de astreinte, nes-se momento, não transpõe oslimites da razoabilidade.8. Recurso conhecido e despro-vido.

Em suas razões, o recorrente ale-ga violação aos seguintes disposi-tivos legais: (i) art. 66-B da Lei nº4.728/1965, arts. 82 e 83 do CC/2002e art. 49, § 3º da Lei nº 11.101/2005,tendo em vista que, com a cessãofiduciária do crédito, o cessionário,ora recorrente, tornou-se proprie-tário fiduciário do respectivo títu-lo e, sendo o crédito consideradobem móvel, não estaria sujeito àrecuperação judicial; (ii) art. 461,§§ 4º e 6º do CPC, uma vez que amulta cominatória estabelecida em1º grau no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais) “deveria ter sidosubstancialmente diminuída peloTribunal a quo, porquanto eviden-temente desproporcional em rela-ção ao valor da obrigação princi-pal” (fl. 460 e-STJ).

Defende, ainda, a ocorrência dedissídio jurisprudencial com rela-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

ção ao Agravo de Instrumento nº585.273.4/7-00, julgado pelo Tribu-nal de Justiça do Estado de SãoPaulo.

Contrarrazões às fls. 476-489 (e-STJ), onde se alega que: (i) o recor-rente reteve indevidamente o va-lor de R$ 1.100.000,00 (um milhãoe cem mil reais) de propriedade daempresa para não se sujeitar aoslimites estabelecidos no plano derecuperação judicial, ultrapassan-do credores preferenciais devida-mente habilitados; (ii) não há in-teresse de recorrer, pois a empresarecorrida efetuou, por determina-ção judicial, o levantamento dovalor de R$ 1.115.594,20 (um mi-lhão, cento e quinze mil, quinhen-tos e noventa e quatro reais e vin-te centavos), sendo que esse mon-tante já foi integralmente utiliza-do no plano de recuperação judi-cial, sendo-lhe impossível, portan-to, consigná-lo judicialmente ourestituí-lo ao recorrente; (iii) nãohouve prequestionamento do art.461 do CPC (S. 282/STF e 211/STJ);(iv) incide ao caso a S. 7/STJ, umavez que seria necessária a revisãode provas para verificar se o recor-rente assumiu ou não a posição deproprietário fiduciário no contra-to de abertura de crédito rotativogarantido por instrumento particu-lar de constituição de garantia -cessão fiduciária; (v) no mérito, orecorrente não possui as qualida-des de proprietário fiduciário debem móvel a que alude o art. 49da Lei nº 11.101/2005, pois as nor-mas que imprimem exceção à re-gra geral devem ser interpretadasrestritivamente, sendo o dispositi-vo regulado pelo art. 1.361 do CC/

2002 (propriedade resolúvel de coi-sa móvel infungível), o que não éo caso dos autos, em que o créditopossui natureza pignoratícia (art.49, § 5º da Lei nº 11.101/2005).

O Ministério Público Federal,por meio de parecer doSubprocurador-Geral da RepúblicaWashington Bolívar Júnior, opinoupelo provimento do recurso espe-cial (fls. 529-535).

É o relatório.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI (Relatora): A Lei nº11.101/2005 (LFR) estabelece queestão sujeitos à recuperação judi-cial todos os créditos existentes nadata do pedido, ainda que nãovencidos (art. 49, caput).

Da regra geral excepciona a leicertos créditos, os quais, emboraanteriores ao pedido de recupera-ção judicial, não se sujeitam aosseus efeitos. Eis os dispositivos daLei nº 11.101/2005 relevantes paraa solução da controvérsia:

“Art. 49. Estão sujeitos à recu-peração judicial todos os crédi-tos existentes na data do pedi-do, ainda que não vencidos.(...)§ 3º. Tratando-se de credor titu-lar da posição de proprietáriofiduciário de bens móveis ou imó-veis, de arrendador mercantil, deproprietário ou promitente ven-dedor de imóvel cujos respecti-vos contratos contenham cláusu-las de irrevogabilidade ouirretratabilidade, inclusive em in-corporações imobiliárias, ou deproprietário em contrato de ven-da com reserva de domínio, seu

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crédito não se submeterá aosefeitos da recuperação judicial eprevalecerão os direitos de pro-priedade sobre a coisa e as con-dições contratuais, observada alegislação respectiva, não se per-mitindo, contudo, durante o pra-zo de suspensão a que se refereo § 4º do art. 6º desta Lei, a ven-da ou a retirada do estabeleci-mento do devedor dos bens decapital essenciais a sua atividadeempresarial.(...)§ 5º Tratando-se de crédito ga-rantido por penhor sobre títulode crédito, direitos creditórios,aplicações financeira ou valoresmobiliários, poderão ser substi-tuídas ou renovadas as garan-tias liquidadas ou vencidas du-rante a recuperação judicial e,enquanto não renovadas ousubstituídas, o valor eventual-mente recebido em pagamen-to das garantias permaneceráem conta vinculada durante operíodo de suspensão de quetrata o § 4º do art. 6º desta Lei.

A hipótese ora questionada dizrespeito à cessão fiduciária de tí-tulo de crédito, em garantia decontrato de abertura de crédito,realizada com base no art. 66-B, §3º, da Lei 4.728/65, com a redaçãodada pela Lei 10.931/2004, assimredigido:

§ 3º. É admitida a alienaçãofiduciária de coisa fungível e acessão fiduciária de direitos so-bre coisa móveis, bem como detítulos de crédito, hipóteses emque, salvo disposição em contrá-rio, a posse direta e indireta dobem objeto da propriedadefiduciária ou do título represen-tativo do direito ou do crédito é

atribuída ao credor, que, emcaso de inadimplemento oumora da obrigação garantida,poderá vender a terceiros obem objeto da propriedadefiduciária independente de lei-lão, hasta pública ou qualqueroutra medida judicial ouextrajudicial, devendo aplicar opreço da venda no pagamentodo seu crédito e das despesasdecorrentes da realização dagarantia, entregando ao deve-dor o saldo, se houver, acompa-nhado do demonstrativo daoperação realizada. (Incluídopela Lei 10.931, de 2004).§ 4º No tocante tocante à ces-são fiduciária de direitos sobrecoisas móveis ou sobre títulosde crédito aplica-se, também, odisposto nos arts. 18 a 20 da Leinº 9.514, de 20 de novembro de1997. (Incluído pela Li 10.931,de 2004).

O “credor titular da posição deproprietário fiduciário de bensmóveis” não se submete, pois, aosefeitos da recuperação judicial. Tra-ta-se de expressa disposição legal.

Segundo o art. 83 do CódigoCivil de 2002, consideram-se mó-veis para os efeitos legais “os di-reitos pessoais de caráterpatrimonial e respectivas ações”.

Não se pretende e nem seria ra-zoável sustentar que títulos de cré-dito não configurem “direitos pes-soais de caráter patrimonial”, bensmóveis, portanto.

Mencionando o § 3º do art. 49da LFR o gênero - bens móveis –não haveria, data venia, porqueespecificar suas categorias arrola-das nos arts. 82 e 83 do Código Ci-vil, assim como não se fez necessá-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

rio discriminar o sentido legal de“bens imóveis” CC, art.s 79 a 81).

A circunstância de o § 3º do art.49 da LFR, em seguida à regra deque o credor titular da posição deproprietário fiduciário de bensmóveis ou imóveis “não se subme-terá aos efeitos da recuperação ju-dicial”, estabelecer que “prevale-cerão os direitos de propriedadesobre a coisa e as condiçõescontratuais, observada a legislaçãorespectiva, não se permitindo, con-tudo, durante o prazo de suspen-são a que se refere o § 4º do art. 6ºdesta Lei, a venda ou a retirada doestabelecimento do devedor dosbens de capital essenciais a sua ati-vidade empresarial”, não permiteinferir que, não sendo o título decredito “coisa corpórea”, à respec-tiva cessão fiduciária não se apli-caria a regra da exclusão do titularde direito fiduciário do regime derecuperação.

Com efeito, a explicitação con-tida na oração “prevalecerão osdireitos de propriedade sobre acoisa” tem como escopo deixar cla-ro que, no caso de bens corpóreos,estes poderão ser retomados pelocredor para a execução da garan-tia, salvo em se tratando de bensde capital essenciais à atividadeempresarial, hipótese em que a leiconcede o prazo de cento e oiten-ta dias durante o qual é vedada asua retirada do estabelecimento dodevedor. Em se tratando de cessãofiduciária de crédito, bem móvelincorpóreo, não seria necessária aexplicitação e nem a consequenteressalva, pois o art. 18 da Lei 9.514/97, aplicável à cessão fiduciária detítulos de crédito (66-B, § 4º, da Lei

4.728/65, com a redação dadapela Lei 10.931/2004, acima trans-crito), dispõe que “o contrato decessão fiduciária em garantia ope-ra a transferência ao credor datitularidade dos créditos cedidos,até a liquidação da dívida garan-tida (...)”, seguindo-se o art. 19,o qual defere ao credor o direitode posse do título, a qual podeser conservada e recuperada “in-clusive contra o próprio cedente”(inciso I), bem como o direito de“receber diretamente dos deve-dores os créditos cedidosfiduciariamente” (inciso IV), ou-torgando-lhe ainda o uso de to-das as ações e instrumentos, ju-diciais e extrajudiciais, para rece-ber os créditos cedidos (inciso III).

Conclui-se, portanto, que aexplicitação legal das garantias dostitulares de propriedade fiduciáriade bens corpóreos (coisas) em nadadiminui a garantia outorgada porlei aos titulares de cessão fiduciáriade bens incorpóreos.

Anoto, ainda, que parte expres-siva da doutrina especializada eacórdãos de alguns Tribunais deJustiça (Rio de Janeiro e Paraná)têm considerado aplicável à cessãofiduciária de crédito a disciplina do§ 5º do art. 49 da LFR, relativa aopenhor sobre títulos de crédito.

Além de não se afeiçoar a ces-são fiduciária à disciplina legal dagarantia pignoratícia, em cujo con-ceito não se compreende a trans-ferência da titularidade do bem(critério legal definidor da gene-ralidade dos tipos de garantiafiduciária), penso que tal solução,incompatível, data maxima vênia,com o texto legal, não seria pro-

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veitosa à empresa recuperanda (aqual continuaria privada do usodos recursos, mantidos em contavinculada) e nem ao credor, desti-tuído do recebimento imediato dosvalores nos termos da garantia con-tratada.

Nessa linha de entendimento,ressalta com precisão o parecer doSubprocurador-Geral da RepúblicaWashington Bolívar Júnior que“mediante a cessão fiduciária dedireitos creditórios, juntamentecom a transferência da proprieda-de resolúvel de coisa móvelfungível (cédula de crédito bancá-rio), o devedor, que na espécie é aempresa recuperanda, cede seusrecebíveis a uma instituição finan-ceira a qual recebe o pagamentodiretamente do terceiro-devedor.Em suma, é uma forma de financi-amento com plena garantia emque a propriedade é transferidapara a órbita do domínio do cre-dor para cumprimento da obriga-ção contraída.” (e-STJ fl. 534).

Ressalto, por fim, que, certamen-te, a disciplina legal do institutoda alienação fiduciária em garan-tia foi considerada pelo credorquando da contratação do finan-ciamento. As bases econômicas donegócio jurídico teriam sido outrasse diversa fosse a garantia, o quenão pode ser desconsiderado sobpena de ofensa ao princípio daboa-fé objetiva, basilar do CódigoCivil.

Se, por um lado, a disciplinalegal da cessão fiduciária de títulode crédito coloca os bancos em si-tuação extremamente privilegiadaem relação aos demais credores,até mesmo aos titulares de garan-

tia real (cujo bem pode ser consi-derado indispensável à atividadeempresarial), e dificulta a recupe-ração da empresa, por outro, nãose pode desconsiderar que a forteexpectativa de retorno do capitaldecorrente deste tipo de garantiapermite a concessão de financia-mentos com menor taxa de riscoe, portanto, induz à diminuição dospread bancário, o que beneficia aatividade empresarial e o sistemafinanceiro nacional como um todo.

Em face da regra do art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005, devem,pois, ser excluídos dos efeitos darecuperação judicial os créditos detitularidade do recorrente que pos-suem garantia de cessão fiduciária.

Em face do exposto, conheço edou provimento ao recurso espe-cial.

É como voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO AN-TONIO CARLOS FERREIRA: Sr.Presidente, louvo a intenção de V.Exa., no entanto a posição privi-legiada do credor fiduciário é oque assegura as taxas de juros quesão praticadas nessa modalidadede operação financeira e o quepossibilita o acesso ao crédito amuitas empresas. Alterar essa po-sição de privilégio do credor tra-rá, naturalmente, repercussões noscustos dessa operação. Não permi-tir a realização da garantia pelocredor, conforme previsãocontratual, implica descaracterizaro instituto, tornando vulnerável agarantia. Entendo que a vontadedo legislador foi, de fato, excluir

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

os créditos garantidos por cessãofiduciária dos efeitos da recupe-ração judicial.

Por isso, pedindo vênia a V. Exa.,acompanho o voto da Sra. Minis-tra Relatora.

VOTO

O EXMO SR. MINISTRO MAR-CO BUZZI: Sr. Presidente, com to-das as vênias ao entendimento ide-ológico praticamente declinadopor V. Exa., acompanho o voto daSra. Ministra Relatora, porque sãoessas qualificadoras dessa modali-dade de relação econômica nessesfinanciamentos, nesses modosaquisitivos de bem, que propiciamesses juros remuneratórios do ca-pital emprestado pelo banco, pri-meiro, em índices menores e, emsegundo lugar, em operaçõesfactíveis, porque, a partir do mo-mento em que o mercado não deressas garantias, e que essas garan-tias sejam efetivamente realizadas,em quaisquer que forem as cir-cunstâncias, porque foi feito umato normativo, foi editada uma leiespecificamente para esse fim, en-tão teremos uma modificação, pri-meiro, nas taxas de juros pratica-das e, segundo, na disposição, noânimo do banqueiro de dispor des-sa parte do capital para o consu-midor, para todas essas empresasque se valem, e muito, no Brasil,desses expedientes de crédito.

Diante dessas considerações, enão me comprometendo com atese nos casos em que evidenciadaa inviabilidade de recuperação ju-dicial da empresa - situação quenão se verifica no presente recur-

so, acompanho a eminenteRelatora.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO LUISFELIPE SALOMÃO:

1. Nos autos da recuperação ju-dicial de Indústria de Móveis Mo-delar Ltda., em trâmite na 2ª VaraCível da Comarca de Linhares/ES,foi determinada a inclusão de cré-dito do Banco Bradesco S/A, novalor de R$ 1.115.594,20 (um mi-lhão, cento e quinze mil, quinhen-tos e noventa e quatro reais e vin-te centavos), representado peloscontratos ns. 3626-64.052 e 3626-61.161, os quais estavam garanti-dos, pela recuperanda, por cessãofiduciária de duplicatas mercantis.

O credor impugnou o editalem que constava o referido cré-dito, aduzindo que os menciona-dos contratos não se sujeitariamà recuperação judicial, em razãodo que prevê o art. 49, § 3º, daLei n. 11.101/2005. A empresarecuperanda, por sua vez, plei-teou a devolução dos valores re-cebidos pelos credores (entre eleso Banco Bradesco S/A) durante arecuperação judicial resultantesdo pagamento de débitos oriun-dos de contratos garantidos porcessão fiduciária de crédito.

O juízo de piso acolheu o plei-to deduzido pela recuperanda,determinando o seguinte:

[...] a expedição de ofícios às ins-tituições financeiras indicadas àfi. 3.300, a fim de que estas pro-movam a liberação, em favorda Recuperanda, dos montan-tes indevidamente recebidos,

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no prazo de 48 (quarenta e oito)horas, para a conta-correnteindicada à fi. 3.298, sob pena demulta diária de R$ 10.000,00(dez mil reais), em caso dedescumprimento, sem prejuízoda configuração de crime dedesobediência e do ilícito penaltipificado no art. 172, da Lei n.11.10112005 (fl. 306).

O Banco Bradesco S/A interpôsagravo de instrumento pleiteandoa não inclusão dos valores em ques-tão no bojo da recuperação judici-al, porquanto se trata de créditofiduciário, excluído do rito especialrecuperacional pelo art. 49, § 3º, daLei n. 11.101/05. Aduziu que o direi-to creditório deve ser consideradocomo bem móvel, razão por queincide o mencionado dispositivo le-gal. Subsidiariamente, pugnou pelaredução da multa cominatória, en-tão fixada em R$ 10.000,00 (dez milreais) por dia de descumprimento daordem judicial.

O TJES negou provimento aoagravo de instrumento nos termosda seguinte ementa:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL -CONTRATO SUJEITO AOS EFEI-TOS DA RECUPERAÇÃO - ABER-TURA DE CREDITO GARANTIDAPOR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIADE DUPLICATAS - MULTA DIÁ-RIA - RAZOABILIDADE.1. Via de regra, sujeitam-se àrecuperação judicial todos oscréditos existentes na data dopedido, ainda que não vencidos(art. 49, caput, da Lei 11.101/2005).2. As exceções previstas em leisão a do banco que antecipouao exportador recursos mone-tários com base em contrato

de câmbio (art. 86, inciso II, daLei 11.101/2005) e a do pro-prietário fiduciário, do arren-dador mercantil e do proprie-tário vendedor, promitentevendedor ou vendedor comreserva de domínio, quandodo respectivo contrato (alie-nação fiduciária em garantia,leasing, venda e compra, com-promisso de compra e vendae compra ou venda com reser-va de domínio) consta cláusu-la de irrevogabilidade ouirretratabilidade (art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005).3. A cessão fiduciária que ga-rante o contrato de aberturade crédito firmado entre aspartes, prevista no § 3º do ar-tigo 66-B, da Lei 4.728/65,transfere ao credor fiduciárioa posse dos títulos, conferin-do-lhe o direito de receberdos devedores os créditos ce-didos e utilizá-los para garan-tir o adimplemento da dívidainstituída com o cedente, emcaso de inadimplência.4. A cessão fiduciária de títulosnão se assemelha à exceçãoprevista na lei de recuperaçãojudicial no tocante ao proprie-tário fiduciário. Nesta o que sepretende é proteger o credorque aliena fiduciaríamente de-terminado bem móvel, ou imó-vel para a empresa em recupe-ração, circunstância oposta aoque ocorre nos casos em que aempresa cede fiduciariamenteos títulos ao banco.5. O § 3º do artigo 49 da Lei11.101/05 refere-se a bens mó-veis materiais, pois faz alusãoexpressa à impossibilidade devenda ou retirada dos bens doestabelecimento da empresano período de suspensão pre-visto no § 4º do art. 6º, da refe-

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

rida Lei, circunstância que nãose aplica aos títulos de crédito,pois os créditos em geral sãobens móveis imateriais.6. A mera afirmação de que ovalor a ser devolvido está equi-vocado não tem o condão deelidir o parecer técnico elabo-rado pelo Administrador Judi-cial.7. Considerando a natureza dademanda, a necessidade de seimprimir agilidade e efetividadeao plano de recuperação homo-logado no Juízo de 1º Grau e acapacidade financeira do agra-vante, tenho que o valor arbi-trado a título de astreinte, nes-se momento, não transpõe oslimites da razoabilídade.8. Recurso conhecido e despro-vido.

No recurso especial, o recorren-te repetiu, em síntese, a tese antesapresentada nas instâncias ordiná-rias, no sentido de que o credorfiduciário não se sujeita à recupe-ração judicial nos termos do art.49, § 3º, da Lei n. 11.101/05, insur-gindo-se contra a determinação doJuízo de piso de que fossem devol-vidos os valores recebidos a títulode crédito cedido fiduciariamentepela empresa recuperanda.Subsidiariamente, pleiteou a redu-ção das astreintes .

A eminente Relatora, MinistraIsabel Gallotti, conheceu do recur-so e lhe deu provimento para quefossem “excluídos dos efeitos darecuperação judicial os créditos detitularidade do recorrente que pos-suem garantia de cessãofiduciária”, fazendo incidir o art.49, § 3º, da Lei n. 11.101/05, nossentido de que o “credor titular da

posição de proprietário fiduciáriode bens móveis” não se submete àrecuperação judicial.

Entendeu Sua Excelência que areferência a “bens móveis” conti-da no § 3º, do art. 49 da Lei, devetambém abarcar os móveisincorpóreos, como é o caso dosdireitos creditórios pessoais (art. 83do Código Civil de 2002).

Afastou também a incidênciado § 5º, referente a penhor so-bre títulos de crédito, traçandoas diferenças entre a garantiapignoratícia e a fiduciária.

Na assentada do dia 6.12.2012,pedi vista dos autos para melhorexame do caso. Passo ao voto.

2. A matéria em exame é deextrema relevância, porquantogravitam em torno dela dois inte-resses em conflito: o da sociedadeem recuperação judicial e o do cre-dor, instituição financeira, que re-cebeu títulos de crédito em garan-tia fiduciária de contrato de aber-tura de crédito.

Cumpre ressaltar, para logo,que, em se tratando de recupera-ção judicial, o interesse imediatode entrada de capital no caixa daempresa recuperanda, embora apa-rente o contrário, muitas vezes nãosignifica a melhor solução para amanutenção da empresa,notadamente quando tal providên-cia testilha com direitos de credo-res eleitos pelo sistema jurídicocomo de especial importância.

Isso porque, se as garantiasconferidas aos credores, principal-mente instituições financeiras, fo-rem gradativamente minadas pordecisões proferidas pelo Juízo darecuperação, é a própria socieda-

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de em recuperação que poderá so-frer as consequências mais sérias,como, por exemplo, não conse-guindo mais crédito junto ao sis-tema financeiro.

Por isso a importância de queas decisões proferidas no âmbitoda recuperação judicial devem,sempre e sempre, ser precedidas deuma detida reflexão acerca de suasreais consequências, para que nãose labore exatamente na contra-mão do propósito de preservaçãoda empresa.

3. Por outro lado, em razão daimportância do crédito bancário,seja para as empresas em normalsituação financeira, seja para aque-las em recuperação judicial, é ab-solutamente justificável o especialtratamento conferido pelo legisla-dor às instituições financeiras noâmbito do processo recuperacional- a chamada “trava bancária” narecuperação judicial.

Com efeito, até mesmo pelateleologia da exclusão de certoscréditos do processo de recupera-ção, não tenho dúvida em afirmarque o credor garantido por cessãofiduciária de direitos creditóriosenquadra-se na regra própria apli-cável ao “credor titular da posi-ção de proprietário fiduciário” aque se refere o art. 49, § 3º, daLei, nos termos do que propugnao voto proferido pela Sra. Minis-tra Isabel Gallotti, permitindo aconclusão de que o credor garan-tido por cessão fiduciária de cré-dito também “não se submeteráaos efeitos da recuperação judici-al e prevalecerão os direitos depropriedade sobre a coisa e as con-dições contratuais”.

Assim, penso que é mesmo ade-quado se conferir uma interpreta-ção larga às referências a bens“móveis” e “imóveis” e à “propri-edade sobre a coisa” contidas naprimeira parte do referido parágra-fo 3º, para alcançar também os di-reitos creditórios, como prevê oart. 83 do Código Civil de 2002.

Nesse sentido, e na linha do votoproferido pela eminente Relatora,cito, por todos, a doutrina de Fá-bio Ulhoa Coelho, para quem ocrédito fiduciário insere-se na ca-tegoria de bem móvel e, por issomesmo, é abrangido pela chama-da “trava bancária”:

Alguns advogados de socieda-des empresárias recuperandasprocuram levantar a “trava ban-cária” do art. 49, § 3º, da LF, sobo argumento de que a cessãofiduciária de direitos creditóriosnão estaria abrangida pelo dis-positivo porque este cuida dapropriedade fiduciária de bensmóveis ou imóveis. Esse argu-mento procurava sustentar quena noção de bens somente po-deriam ser enquadradas as coi-sas corpóreas.Não vinga a tentativa. Os di-reitos são, por lei, considera-dos espécies de bens móveis.Confira-se, a propósito, o art.83, III, do CC. Nesse dispositi-vo, o legislador brasileiro con-sagrou uma categoria jurídicasecular, a dos bens móveis paraefeitos legais.[...]Se a lei quisesse eventualmen-te circunscrever a exclusão dosefeitos da recuperação judicialà titularidade fiduciária sobrebens corpóreos , teria se validodessa categoria jurídica, ou

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mesmo da expressão equiva-lente “coisa”.Enquanto “bens” abrange to-dos os objetos suscetíveis deapropriação econômica, “coisa”restringe-se aos bens corpóreos(COELHO. Fábio UIhoa. Comen-tários à lei de falência e de re-cuperação de empresas. 8 ed.São Paulo: Saraiva, 2011, pp.194-195).

Porém, a mesma larguezainterpretativa - sob pena de possí-vel incongruência hermenêutica -é de ser conferida a todo o dispo-sitivo, precisamente a sua parte fi-nal, que visa a equacionar os inte-resses do credor e da empresa emrecuperação e restringe a satisfa-ção do crédito - mesmo que nãoparticipante da recuperação -,quando tal providência puder com-prometer o próprio funcionamen-to da empresa.

Para melhor compreensão,transcreve-se o art. 49, § 3º, da Lein. 11.101/05:

Art. 49. Estão sujeitos à recu-peração judicial todos os crédi-tos existentes na data do pedi-do, ainda que não vencidos.[...]§ 3º Tratando-se de credor titu-lar da posição de proprietáriofiduciário de bens móveis ou imó-veis, de arrendador mercantil, deproprietário ou promitente ven-dedor de imóvel cujos respecti-vos contratos contenham cláusu-la de irrevogabilidade ou irre-tratabilidade, inclusive em incor-porações imobiliárias, ou de pro-prietário em contrato de vendacom reserva de domínio, seu cré-dito não se submeterá aos efei-tos da recuperação judicial e pre-

valecerão os direitos de proprie-dade sobre a coisa e as condiçõescontratuais, observada a legisla-ção respectiva, não se permitin-do, contudo, durante o prazo desuspensão a que se refere o § 4ºdo art. 6º desta Lei, a venda oua retirada do estabelecimen-to do devedor dos bens decapital essenciais a sua ativi-dade empresarial.

Destarte, assim como os direi-tos creditórios transferidos por ces-são fiduciária inserem-se na parteinicial do dispositivo (“bens mó-veis” e “propriedade sobre a coi-sa”), tais direitos também devemsofrer a restrição relativa à retira-da de bens que guarnecem o esta-belecimento, sempre que “essen-ciais a sua atividade empresarial”,sejam eles “bens de capital” ounão.

Deveras, não é de boa técnicaconferir interpretação ampliativa a“bens móveis” ou “propriedadesobre a coisa” e uma restritiva eliteral a “bens de capital” no mes-mo dispositivo legal.

4. Nessa linha de raciocínio, asolução da controvérsia, a meujuízo, não se resume unicamenteem interpretar a expressão “bensmóveis” contida no art. 49, § 3º,da Lei n. 11.101/05, para saber se ocrédito resultante de cessãofiduciária de título submete-se aosefeitos da recuperação judicial ounão.

Na verdade, cumpre investigarqual o significado da exceção le-gal segundo a qual, “[t]ratando-se de credor titular da posição deproprietário fiduciário de bensmóveis ou imóveis [...], seu cré-

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dito não se submeterá aos efei-tos da recuperação judicial e pre-valecerão os direitos de proprie-dade sobre a coisa e as condiçõescontratuais”.

Nesse passo, parece mais ade-quado estabelecer que o alcance daexceção somente é perfeitamentecompreendido com a leitura con-junta da parte final do § 3º do art.49, segundo a qual, mesmo paraos credores fiduciários, que têmseus direitos de propriedade pre-servados, não se permite, “duran-te o prazo de suspensão a que serefere o § 4º do art. 6º desta Lei, avenda ou a retirada do estabeleci-mento do devedor dos bens de ca-pital essenciais a sua atividadeempresarial”.

Com essa medida, creio que osdiversos interesses que aparente-mente conflitam no seio da recu-peração ficam preservados.

Vale dizer, da leitura dos dis-positivos legais e à luz dos prin-cípios que regem o processorecuperacional, a exceção alusivaao crédito fiduciário contida noart. 49, § 3º, da Lei significa que,muito embora o credor fiduciárionão se submeta aos efeitos da re-cuperação e que lhe sejam res-guardados os direitos de proprie-tário fiduciário, não está ele li-vre para simplesmente fazer va-ler sua garantia durante o prazode suspensão das ações a que serefere o art. 6º, § 4º.

Mesmo no caso de créditos ga-rantidos por alienação fiduciária,os atos de satisfação que importemprovidência expropriatória devemser sindicáveis pelo Juízo da recu-peração.

E isso por uma razão simples:não é o credor fiduciário que dizse o bem gravado com a garantiafiduciária é ou não essencial à ma-nutenção da atividade empresari-al e, portanto, indispensável à rea-lização do Plano de RecuperaçãoJudicial, mas sim o Juízo condutordo processo de recuperação.

Sobre o tema, a Segunda Seçãose manifestou em mais de umaoportunidade.

A título de exemplo, lembro oConflito de Competência 110.392/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, em que se discutia a com-petência para ação de imissão naposse de imóvel gravado com ga-rantia fiduciária, ajuizada emdesfavor de empresa em recupera-ção judicial pelo credor fiduciário.O voto condutor do acórdão, pro-ferido pelo Relator, esquadrinhoucom precisão a circunstância de queo proprietário fiduciário, emboranão se submeta aos efeitos da re-cuperação, sujeita-se ao freio legalreferente à satisfação do créditomediante a realização da garantia.

Nessa linha, asseverou Sua Ex-celência, firme em lapidar magis-tério de Arnoldo Wald e IvoWaisberg:

Em primeiro lugar, não se des-conhece que o credor titular daposição de proprietáriofiduciário de bem imóvel não sesubmete aos efeitos da recupe-ração judicial, consoante disci-plina o art. 49, § 3º, da Lei11.101/05[...].É de se ver, porém, que essetratamento diferenciado con-

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cedido ao credor fiduciárionão impede que seja limita-do o direito de retomada dobem de sua propriedade, aprudente critério do Juízo darecuperação, consoante escla-recem Arnoldo Wald e IvoWaisberg, ao comentar referi-do dispositivo legal, verbis :

“Por outro lado, pela impor-tância econômica que a reti-rada de um bem ou equipa-mento pode significar, às ve-zes inviabilizando a continui-dade da empresa, o legisla-dor achou por bem, emboraretirando o crédito dos efei-tos da recuperação judicial,limitar o direito de retoma-da dos bens de propriedadedesses credores em posse dodevedor, para que este pu-desse manter a atividade emcurso. Assim, durante o pra-zo de suspensão das ações de180 dias do § 4º do art. 6º, osbens objetos dos contratosmencionados no dispositivonão poderão ser retomados.Aprovado o plano, e se a con-tinuidade da atividade eco-nômica o exigir, o juiz pode-rá, fundamentadamente,dilatar o prazo, de forma li-mitada, para viabilizar a re-cuperação.A proteção que se faz da ma-nutenção da atividade pro-dutiva busca viabilizar, peloperíodo de suspensão, a efi-caz apresentação de um pla-no de recuperação sem quea empresa em crise seja im-pedida de retomar suas ati-vidades, ou mesmo tenha deabandoná-las por completoantes da votação de seu pla-no de recuperação. Isso setorna particularmente clarase lembrarmos que o prazo

de suspensão estende-se por30 dias além daquele legal-mente previsto no § 1º doart. 56 para votação do pla-no de recuperação judicial.A exclusão de certos crédi-tos dos efeitos da recupera-ção é louvável.No entanto, daí não sepode supor que é amplae absoluta a possibilida-de do detentor de créditooriundo dos negóciosaqui descritos de fazervaler seus direitos na for-ma antes pactuada.O inegável escopo esposadopela NLFR em seu art. 47,qual seja, o de sustentar ofuncionamento da empresaem razão de sua reconheci-da função social, deve ser le-vado em consideração na lei-tura do parágrafo em co-mento.” (Comentários àNova Lei de Falência e Recu-peração de Empresas, coor-denadores: Osmar BrinaCorrêa-Lima e SérgioMourão Corrêa Lima. Rio deJaneiro: Forense, 2009).[...]

Isso não significa, porém, que oimóvel não deva ser entregueao credor fiduciário, mas simque, em atendimento ao prin-cípio da preservação da empre-sa (art. 47 da Lei 11.101/05),pode o Juízo da RecuperaçãoJudicial estabelecer prazos econdições para essa entrega, fi-xando remuneração justa parao credor enquanto o bem per-manece na posse do devedor.[...]Assim, compete ao Juízo da 2ªVara Cível de Itaquaquecetuba,onde tramita a recuperação ju-dicial da indústria de alimentosOLI MA, levando em considera-

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ção os aspectos destacados nes-sa decisão, equacionar os interes-ses em conflito, tomando emconta, de um lado, o direito docredor fiduciário e, do outro, oprincípio da preservação da em-presa, permitindo a manutençãoda fonte produtora e dos empre-gos, caso isso se mostre viável.________________________

Na mesma direção, confira-setambém:

CONFLITO POSITIVO DE COMPE-TÊNCIA. JUÍZO DA RECUPERA-ÇÃO JUDICIAL. LEI N. 11.101/05.AÇÃO DE BUSCA E APREEN-SÃO. CRÉDITOS GARANTIDOSFIDUCIARIAMENTE. DISCUS-SÃO NA ORIGEM ACERCA DAHIGIDEZ DA GARANTIA SOBREOS BENS FUNGÍVEIS ECONSUMÍVEIS QUE COMPÕE OSESTOQUES DA EMPRESA (ÁL-COOL). CRÉDITOS QUE ESTÃOINCLUÍDOS NO PLANO DE RE-CUPERAÇÃO APROVADO. NE-CESSIDADE DE PRESERVAÇÃODA ATIVIDADE ECONÔMICA.COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNI-VERSAL. CONFLITO DE COMPE-TÊNCIA JULGADO PROCEDEN-TE PARA DECLARAR COMPE-TENTE O JUÍZO DA 3ª VARACÍVEL DA COMARCA DO RECI-FE, SUSCITADO. (CC 105.315/PE,Rel. Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, SEGUNDA SE-ÇÃO, julgado em 22/09/2010,DJe 05/10/2010)________________________

5. De fato, convém lembrar queo Plano de Recuperação Judicialostenta nítido caráter negocial eque, em não raras vezes, reduz di-reitos dos credores que a ele se su-jeitam.

Por essa ótica, afirmar que ocredor fiduciário não se subsumeà recuperação judicial significa,primeiramente, que ele não podeser compelido às tratativas do Pla-no, aos acordos a que chegou aAssembleia de credores. Por ou-tro lado, dizer que sua proprie-dade fiduciária também é preser-vada significa não ser possível,em princípio, a utilização do bemdado em garantia para satisfazercréditos de terceiros incluídos noPlano.

Porém, a satisfação do própriocrédito fiduciário está limitadapelo imperativo maior de preser-vação da empresa, contido na par-te final do § 3º do art. 49 e nocaput do art. 47, de modo que éo Juízo da recuperação que vaiponderar, em cada caso, os inte-resses em conflito, o de preser-var a empresa, mediante a reten-ção de bens essenciais ao seu fun-cionamento, e o de satisfação docrédito tido pela Lei como deespecialíssima importância.

Em suma, o fato de o créditofiduciário não se submeter à recu-peração judicial não torna o cre-dor livre para satisfazê-lo de ime-diato e ao seu talante. Preservam-se o valor do crédito e a garantiaprestada, mas se veda a realizaçãoda garantia em prejuízo da recu-peração.

Aliás, em boa verdade, com arecuperação judicial, todos os cre-dores direta ou indiretamente são,de alguma forma, atingidos, mes-mo aqueles que pela Lei não sesujeitam aos efeitos da medida, demodo que nenhum está totalmen-te livre para satisfazer seu crédito

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contra uma empresa em recupera-ção como melhor lhe convier.

Assim como o credor fiduciário- que tem a liberdade de satisfa-ção do crédito limitada -, o cre-dor tributário, que também nãoé incluído no Plano de Recupe-ração Judicial, sofre, indireta-mente, algumas limitações, umavez que, embora as execuçõesfiscais tenham normal prossegui-mento, a jurisprudência do STJreiteradamente tem vedado aprática de atos expropriatóriostendentes à satisfação do crédi-to fazendário à revelia do Juízoda recuperação.

6. Com base nessas premissasjurídicas que se me afiguraram deextrema importância ao desate dacontrovérsia, volto à análise docaso concreto.

Em síntese, o ora recorrente,credor por cessão fiduciária de du-plicatas, pretende o recebimentode seu crédito diretamente dosdevedores, cuja obrigação fora as-sumida, originariamente, peranteà empresa em recuperação, a quallho transferiu mediante o instru-mento previsto no art. 66-B, § 3º,da Lei n. 4.728/65.

Assim - e com a devida vênia deentendimento contrário -, percebe-se que a pretensão recursal tem avirtualidade de colocar o credorpor cessão fiduciária em posiçãonão alcançada por nenhum outro,esteja ou não submetido ao Planode Recuperação, como é o caso doproprietário fiduciário de coisamóvel ou imóvel corpórea ou aFazenda Pública. Estes últimos,como antes afirmado, mesmo nãose sujeitando ao Plano de Recupe-

ração, estão submetidos a limita-ções referentes à satisfação do seucrédito, o que não aconteceria como credor garantido por cessãofiduciária.

Vale dizer que a tese desenvol-vida no recurso, a meu juízo,extrapola até mesmo a disposiçãodo art. 49, § 3º, da Lei, porquantoretira do Juízo da recuperação amínima possibilidade de pondera-ção entre a qualidade do crédito ea essencialidade dos valores à ati-vidade empresarial; autoriza o cre-dor a “liquidar extrajudicialmente”a garantia a seu nuto e à reveliada recuperação, o que pode esva-ziar o patrimônio da empresarecuperanda e inviabilizar seusoerguimento; enfim, transformao credor garantido por cessãofiduciária de títulos em umsupercredor, ao qual nem o propri-etário fiduciário de bem móvelcorpóreo (art. 49, § 3º) nem a Fa-zenda Pública se emparelham.

Com efeito, a solução que seme afigura correta é a que har-moniza a situação da empresa emcrise e as garantias do credorfiduciário, de modo que os valo-res recebíveis mediante o instru-mento de cessão fiduciária nãosejam simplesmente diluídos parao pagamento dos outros credoressubmetidos ao Plano, tampoucoliquidados extrajudicialmentepelo credor fiduciário na satisfa-ção do próprio crédito, sem a in-terferência judicial.

Assim, reconheço que o créditogarantido por cessão fiduciária detítulo não faz parte do Plano deRecuperação Judicial, mas sua li-quidação deverá ser sindicada pelo

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Juízo da recuperação, a partir daseguinte solução:

i) os valores deverão ser deposi-tados em conta vinculada ao Juízoda recuperação, os quais não serãorateados para o pagamento dosdemais credores submetidos ao Pla-no;

ii) o credor fiduciário deverápleitear ao Juízo o levantamentodos valores, ocasião em que serádecidida, de forma fundamentada,sua essencialidade ou não – notodo ou em parte - ao funciona-mento da empresa;

iii) no caso de os valores depo-sitados não se mostrarem essenci-ais ao funcionamento da empresa,deverá ser deferido o levantamen-to em benefício do credorfiduciário.

7. No caso concreto, o Juízo depiso afastou, por completo, a pos-sibilidade de levantamento dosrecebíveis, determinando a devo-lução do que já havia sido pagodiretamente ao credor fiduciário.

A eminente Relatora deu provi-mento ao recurso da instituição fi-nanceira, determinando que o cré-dito não fosse incluído no Planode Recuperação, sem nenhuma res-salva, providência que, segundominha leitura, permite a liquida-ção extrajudicial da garantia pelocredor, sem interferência do Juízoda recuperação.

Portanto, peço vênia à cuidado-sa Relatora para divergir parcial-mente, porque também excluo doPlano de Recuperação o credorgarantido por cessão fiduciária,mas entendo que deva haver amencionada chancela judiciáriapara a realização do crédito pelo

Banco, assim como existe para ocredor fiduciário com garantia embens móveis e imóveis corpóreos epara a própria Fazenda Pública,ambos não participantes da recu-peração.

Ressalto, finalmente, que asolução ora proposta nãoconsubstancia, a meu juízo, alte-ração das bases nas quais foi cele-brado o contrato. Certamente, oscontratantes levaram em conside-ração as características da aliena-ção fiduciária para, inclusive, esti-pular o preço do crédito.

8. Diante do exposto, rogan-do novas vênias à Relatora paradela divergir parcialmente, douparcial provimento ao recursoespecial para excluir do Plano deRecuperação Judicial o créditogarantido por cessão fiduciária detítulos - assim como o fez a doutaRelatora -, mas determinar tam-bém o retorno dos autos à origempara que o Juízo da recuperação,fundamentadamente, avalie aessencialidade dos valores ao fun-cionamento da empresa, deven-do, em caso negativo, ser deferi-do o levantamento em benefíciodo credor fiduciário.

Em razão da reforma parcial dadecisão interlocutória proferida naorigem, fica também afastada amulta cominatória.

É como voto.

RATIFICAÇÃO DE VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI (RELATORA): Sr. Presi-dente, peço a palavra para reafir-mar a integralidade do meu voto,especialmente no ponto em que

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CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DUPLICATAS. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

não faço, com a devida vênia, aressalva feita por V. Exa. A inter-pretação que fiz da expressão“bens móveis” contida no § 3º doart. 49 da Lei de Recuperação foibaseada na literalidade do art. 83do Código Civil, segundo o qualconsideram-se móveis para os efei-tos legais, “os direitos pessoais decaráter patrimonial e respectivasações”. Portanto, não penso te-nha eu dado interpretação largaou extensiva ao incluir título decrédito dentro do conceito legalde direitos pessoais de caráterpatrimonial e respectivas ações.Por outro lado, quanto à parte fi-nal do referido dispositivo, a qualveda a venda ou retirada dosubstabelecimento do devedordos bens de capital essenciais à suaatividade empresarial, penso quetítulo de crédito é bem incorpóreoque não pode ser compreendido,sequer por interpretação extensi-va, no conceito de “bem de capi-tal”.

Em seguida, observei que, emse tratando de cessão fiduciária dedireito de crédito, bem móvelincorpóreo, não é cabível essa res-salva final, pois o art. 18 da Lei nº9.514, aplicável à cessão fiduciáriade títulos de crédito, conforme aremissão da Lei nº 10.931, dispõeque o contrato de cessão fiduciáriaem garantia opera a transferênciaao credor da titularidade dos cré-ditos cedidos até a liquidação dadívida garantida - seguindo-se aoart. 19, o qual defere ao credor odireito de posse do título - a qualpode ser conservada e recupera-da, inclusive contra o própriocedente (inciso I), bem como o

direito de receber diretamente dosdevedores os créditos cedidosfiduciariamente, outorgando-lheainda o uso de todas as ações einstrumentos judiciais ouextrajudiciais para receber os cré-ditos cedidos, ou seja, na formada lei que rege a cessão fiduciáriade títulos de crédito, a própriaposse do título cabe credor, quetem a prerrogativa de receber di-retamente dos devedores os cré-ditos cedidos até o limite da dívi-da garantida.

Portanto, nem haveria mesmoque se dizer que tais bensincorpóreos não poderiam ser re-tirados do estabelecimento do de-vedor, porquanto esses títulos, deregra, estão na posse do credorpara que ele possa receber direta-mente do devedor os créditos ce-didos fiduciariamente.

Reconheço que a disciplina le-gal da cessão fiduciária de títulode crédito coloca os bancos em si-tuação extremamente privilegiada,como disse V. Exa., em relação aosdemais credores, até mesmo aostitulares de garantia real, cujo bempode ser considerado indispensá-vel à atividade empresarial. Assim,se o bem dado em garantia é o lo-cal do estabelecimento principaldo devedor, um equipamento, ouqualquer outro bem de capital ne-cessário à atividade empresarial,aquele credor que sabe que a suagarantia é mais frágil porque, emcaso de recuperação, não poderáter acesso imediato a esse bem pararevendê-lo e obter a satisfação doseu crédito.

Por um lado, isso põe o bancocredor em uma situação extrema-

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mente privilegiada e dificulta a re-cuperação da empresa, mas por ou-tro, não se pode desconsiderar quea forte expectativa de retorno docapital decorrente desse tipo de ga-rantia permite a concessão de finan-ciamentos com menor taxa de riscoe, portanto, favorece a diminuiçãodo spread bancário, o que beneficiaa atividade empresarial e o sistemafinanceiro nacional como um todo.

Por fim, embora não desconhe-ça o intuito social do voto de V.Exa., de favorecer a recuperaçãojudicial de empresas, entendo queseria grande a subjetividade naanalise judicial preconizada acer-ca de ser aquela quantia em di-nheiro necessária ou não ao pro-cesso de recuperação judicial. Re-cursos financeiros são sempre ne-cessários, sobretudo para empresasem dificuldades, em processo derecuperação. Tenho que essa ressal-va praticamente descaracterizariaesse tipo de garantia que se pre-tende bastante forte, de fato, masque foi pactuada dentro dos ter-mos autorizados em lei, deixandoao alvedrio do Juiz dizer, em cadacaso, se o dinheiro será ou nãonecessário à recuperação da em-presa, sendo que, a meu ver, difi-cilmente se poderá afirmar que nãoseja necessário à recuperação daempresa contar com mais recursos

financeiros. Mesmo que não se au-torize o uso dos valores para pa-gamento dos demais credores,como ressalva o voto do MinistroSalomão, o certo é que não se des-tinarão ao credor titular da garan-tia. Penso que isso daria uma gran-de subjetividade, incerteza, a essagarantia que a lei quis objetiva.

Com a devida vênia, reafirmo omeu voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Prosseguindo no julgamento,após o voto-vista do Ministro LuisFelipe Salomão, dando parcial pro-vimento ao recurso especial, diver-gindo parcialmente da Relatora, eos votos dos Ministros AntonioCarlos Ferreira, Marco Buzzi e RaulAraújo acompanhando o voto daMinistra Relatora, a Quarta Turma,por unanimidade, deu provimen-to ao recurso especial, com ressal-vas do Ministro Luis FelipeSalomão.

Os Srs. Ministros Antonio CarlosFerreira, Marco Buzzi e Raul Araú-jo Filho votaram com a Sra. Minis-tra Relatora.

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PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

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Normas Editoriais de Publicação

I - INFORMAÇÕES GERAIS

A Revista de Direito da ADVOCEF é uma publicação científicaperiódica da Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econô-mica Federal. Publica artigos originais referentes à atuação profis-sional do advogado, à pesquisa, ao ensino ou à reflexão críticasobre a produção de conhecimento na área do Direito.

Sua missão principal é contribuir para a formação profissionale acadêmica do advogado da Caixa e demais Operadores do Direi-to, bem como socializar o conhecimento técnico e científico produ-zido por aqueles que pesquisam e/ou atuam em todos os camposdo conhecimento jurídico.

II – LINHA EDITORIAL

Os textos remetidos para publicação devem ser preferencial-mente inéditos e abranger assuntos pertinentes ao Direito. Os tra-balhos serão avaliados por um Conselho Editorial, sem a identifica-ção dos autores e instituições (blind review system), o qual decidirápela publicação do material enviado com base em critérios científi-cos, interesse institucional ou técnico e, ainda, atualidade de seuconteúdo.

Eventual adequação do conteúdo ao formato eletrônico po-derá ser proposta, sem prejuízo da informação. Pequenas modi-ficações no texto poderão ser feitas pelo Conselho Editorial, masas modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Serápermitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada afonte.

Ao remeter o texto para publicação, o Autor cede à ADVOCEFo direito de fazer uso do material enviado na Revista de Direito,no encarte “Juris Tantum” do Boletim Informativo Mensal e/ou emseu site na internet, a critério da associação.

A publicação em qualquer veículo de comunicação daADVOCEF não é remunerada e o conteúdo é de responsabilidadedo autor. Os originais, publicados ou não, não serão devolvidos.

III – TIPOS DE TEXTO

1. Artigos doutrinários – análise de temas e questões funda-mentadas teoricamente, levando ao questionamento de modos depensar e atuar existentes e a novas elaborações na área jurídica;

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2. Relatos de experiência profissional e estudos de caso – rela-tos de experiência profissional ou estudos de caso de interesse paraas diferentes áreas de atuação do advogado;

3. Comunicações – relatos breves de pesquisas ou trabalhosapresentados em reuniões científicas/eventos culturais;

IV - APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

O texto, de até 30 laudas, deve ser enviado por e-mail àADVOCEF, no formato Word, redigido em fonte Times New Roman,tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5 cm e margensde 2 cm (eventualmente, o conselho editorial poderá aprovar tex-tos acima de 30 laudas, caso entenda ser de interesse da Revista apublicação na íntegra do material enviado).

O autor deve ainda enviar à ADVOCEF, por correio ou malote,devidamente preenchido e assinado, um termo de cessão de direitosautorais, elaborado a partir de formulário padrão disponibilizado em<http://www.advocef.org.br/_arquivos/40_1047_termocessao.doc>.

O arquivo do trabalho deve conter:

1. Folha de rosto com o nome do(s) autor(es) e: a) título emportuguês; b) nome de cada autor, seguido da afiliação institucionale titulação acadêmica; c) endereço eletrônico para envio de corres-pondência.

2. Resumo em português – com no máximo 150 palavras e acom-panhado de quatro palavras-chave. Palavras-chave são vocábulosrepresentativos do conteúdo do documento que devem ser sepa-rados entre si por ponto e finalizados também por ponto.

2.1 Sumário indicando as principais partes ou seções do artigo.

2.2 Resumo bilíngue – Título, resumo e palavras-chave devemser traduzidos para outro idioma, acompanhando os originais emportuguês.

3. Notas de rodapé – As notas não bibliográficas devem serreduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e colo-cadas no rodapé da página, não podendo ser muito extensas.

4. As citações de autores devem ser feitas da seguinte forma:a) Por meio do último sobrenome do autor, com apenas a pri-

meira letra maiúscula, seguido, entre parênteses, do ano de publi-cação do trabalho e, para citações diretas, do número da página.

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Quando o sobrenome do autor vier entre parênteses, deve ser es-crito todo em letra maiúscula.

b) As obras e fontes citadas devem constar, obrigatoriamente,nas referências.

c) As citações diretas com mais de três linhas são consideradascitações longas e são transcritas em parágrafo distinto, começandoa 4 cm da margem esquerda, sem deslocamento da primeira linha.O texto é apresentado sem aspas e transcrito com espaçamento entrelinhas simples e fonte tamanho 10, devendo ser deixada uma linhaem branco entre a citação e os parágrafos anterior e posterior.

5. Referências – Deve-se utilizar a norma ABNT 6023. Exem-plos:

a) Livros: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.São Paulo: Max Limonad, 2001.

b) Capítulo de livro: Autor(es) (ponto). Título do capítulo (pon-to). In: referência completa do livro seguida pela paginação iniciale final do capítulo (p. XX-XX) ou pelo número dele (cap. X).

Exemplo: VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de incons-titucionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras comple-mentares de Direito Constitucional: controle de constitucio-nalidade. Bahia: JusPodivm, 2007. cap. 7.

c) Artigo em periódico científico: Autor (ponto). Título do arti-go (ponto). Nome da revista ou periódico em negrito (vírgula),local de publicação (vírgula), volume e/ou ano (vírgula), fascículoou número (vírgula), paginação inicial e final (vírgula), data ouintervalo de publicação (ponto).

Exemplo: DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povosindígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia:Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v. 1, n. 1, p.85-120, ago./dez. 2003

d) Documentos consultados na internet: além dos elementosindicados em a, b e c, deve-se informar o endereço eletrônico com-pleto inserido dentro de < > (que remeta diretamente à fonte con-sultada, e não apenas à página inicial do site) e precedido de "Dis-ponível em:". Informa-se também a data de acesso, precedida daexpressão "Acesso em:" (o horário de acesso é opcional).

Exemplo: STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo AndradeCattoni; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A nova perspec-tiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso:mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Cons-titucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1498, ago. 2007.Não paginado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10253>. Acesso em: 6 nov. 2007.

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V - ANÁLISE DOS TRABALHOS

A análise dos trabalhos recebidos para publicação respeitará oseguinte fluxo:

1. Análise pelos membros do Conselho Editorial;2. Resposta ao autor, informando se o texto foi aceito (com ou

sem ressalvas) ou não;3. Remessa para a composição e diagramação;4. Publicação.

VI - ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Fe-deral – ADVOCEF

Brasília/DF:SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410 - Ed. João Carlos SaadFone (61) 3224-3020

E-mail: [email protected]

**O envio eletrônico do documento pelo e-mail pessoal doautor substitui a assinatura física da carta de encaminhamento.

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