8ª edição - o espectro

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O ESPECTRO Núcleo de Ciência Política - ISCSP UL 8ª EDIÇÃO - 24 de Março de 2014 Ó SCAR GASPAR “De seu nome, Gaspar!” Política Interna, 3 YA BASTA! A resistencia zapatista dura ha 20 anos. Ha 20 anos pegaram em armas, disseram basta e desde entao jamais obedeceram a autoridade estatal e capitalista. Começaram a decidir de forma autonoma e com muitas dificuldades te m melhorado as suas condiçoes de vida. De Chiapas vem um grito de revolta e um exemplo de resistencia! Globo, 7 PÓRTUGAL A Moda dos Tachos Política Interna, 3 BILL GATES Tecnologia e Emprego Economia, 6 PAIS Os símbolos alternativos de uma democracia em crise Política Interna, 5 IDEÓLÓGIAS O Regresso dos Liberais? Destaque, 9

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Jornal académico online do Núcleo de Ciência Política.

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O ESPECTRO Núcleo de Ciência Política - ISCSP UL 8ª EDIÇÃO - 24 de Março de 2014

Ó SCAR GASPAR “De seu nome, Gaspar!” Política Interna, 3

YA B A S TA !

A resiste ncia zapatista dura ha 20 anos. Ha 20 anos pegaram em armas, disseram basta e desde enta o jamais obedeceram

a autoridade estatal e capitalista. Começaram a decidir de forma auto noma e com muitas dificuldades te m

melhorado as suas condiço es de vida. De Chiapas vem um grito de revolta e um exemplo de resiste ncia! Globo, 7

PÓRTUGAL

A Moda dos

Tachos

Política Interna, 3

BILL GATES

Tecnologia e

Emprego

Economia, 6

PAI S

Os símbolos

alternativos de

uma democracia

em crise

Política Interna, 5

IDEÓLÓGIAS

O Regresso dos

Liberais?

Destaque, 9

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02 | 24 Março 2014

O ESPECTRO

EDITORIAL

Insanável “Divergências insanáveis”. Incrí vel como em duas palavras se consegue sintetizar a reunia o entre o primeiro-ministro e o lí der do maior partido da oposiça o. As palavras de Anto nio Jose Seguro deixam transparecer a falta de orientaça o para os desafios que Portugal vai enfrentar a partir de 17 de Maio deste ano, isto e , a falta de estrate gias concertadas de actuaça o para o po s-Troika. Mas o mais fascinante de todo este encontro na o esta presente nas concluso es e soluço es que dele saí ram – se pensou em “nenhumas” acertou em cheio na quantidade. A verdadeira atraça o vem da troca de acusaço es entre ambos, no debate quinzenal, do passado dia 20. Ó To Ze acusou o Pedrinho de so querer “brincar” quando precisava de fazer novos cortes. Ó Pedrinho relembrou o To Ze que na o pode ser so o Governo a jogar com algo que ambos compactuaram com as regras. Ó PS na o compactua com a polí tica do Governo e este, por sua vez, acusa o PS de competir com o Governo com o mero objectivo de cair nas prefere ncias do eleitorado. Voltamos ao recreio do jardim infantil, com as tí picas birrinhas entre duas crianças que querem ter o mesmo brinquedo nas ma os, brinquedo esse com que nenhum dos dois sabe brincar. Ó mais complicado e que ja ningue m tem pacie ncia para estes discursos infantis. Com o final do PAEF a aproximar-se rapidamente, e incrí vel como ja esquecemos a governaça o sustentada – se e que alguma vez a lembramos – em prol do recorrente lambe-botismo cro nico a senhora Merkel ou do discurso do “se e assim, eu na o quero”. No entanto, so os mais limitados de raciocí nio na o conseguem aperceber-se que o “jotismo” cro nico daquelas que seriam duas das mais preponderantes figuras polí ticas nacionais jamais lhes permitira serem os lí deres que o paí s precisa para sair da crise. E nisso, o To Ze e o Pedrinho e uma semelhança insana vel.

Ricardo Agostinho Presidente do NCP-ISCSP

FICHA TÉCNICA

Coordenação Adriana Correia Vice-Coordenação Joana Lemos Coordenador de Entrevistas e Reportagens Adriana Correia Revisão Adriana Correia e Cristina Santos Editor Isa Rafael Plataformas de Comunicação Andre Cabral, Jose Salvador, Joa o Martins e David Martins Cartaz Cultural Joa o Miguel Silva Redação Isa Rafael Joana Lemos Joa o Pedro Louro Joa o Pedro Rodrigues Joa o Silva Rui Campos Rui Coelho Tiago Sousa Santos

CONTACTOS Facebook: facebook.com/ÓEspectro Correio electrónico: [email protected] Twitter: twitter.com/Ó_Espectro

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24 Março 2014 | 03

O ESPECTRO

PÓLI TICA INTERNA

O P I N I ÃO d e T I AG O S O U S A S A N TO S

D e s e u n o m e , G a s p a r !

Caiu o pano! Ós actores tiraram as ma scaras e a peça teve iní cio. Ó encenador ficou incre dulo com a forma como os person-agens passaram da ficça o teatral a realidade, esquecendo conscientemente o que haviam ensaiado. Ó palco deixara de fazer sentido e os protagonistas representavam agora no mesmo plano que a plateia, o que deixava o arquitecto daquele acto inseguro. Ó enredo desenrolava-se em redor de uma disputa entre famí lias, que se gladiavam numa negociaça o de valores de uma herança comum. Uns, recorrendo a mo-de stia e a contença o, na o encon-travam forma de ver esses mes-mos valores aumentados, mes-mo que isso pudesse valer-lhes a apreciaça o colectiva. Ós out-ros, se o guia o tivesse sido se-guido, lutariam com todos os argumentos possí veis por um aumento da recompensa. A peça estava assim desenhada e sairia desta diale tica de teses e anti-teses a sí ntese que represen-taria o meio termo entre as

propostas de cada famí lia. Que emocionante debate seria! A plateia na o chegou a assistir a este desfecho. Na o por falta de ensaio por parte dos actores. Ó esforço, esse, ningue m o nega. Ó desfecho encenado ao ní vel da plateia, no acto de rebelia o dos personagens, colocou as duas famí lias a discutir sobre os mesmos valores herdados, referidos no texto original, mas desta feita discutiam sem discordar. Ó aumento do valor era irresponsa vel e os dois la-dos entenderam-no a tempo. A discussa o era uma desculpa para a continuidade do espe-ta culo, uma forma de entreter o pu blico. Anto nio Jose Seguro, o encenador, deixou a sua peça a livre interpretaça o dos ac-tores e o personagem princi-pal, de seu nome Gaspar, in-verteu o dia logo, deixando o pensador desta magnificente obra sem saber como con-quistar a aprovaça o daqueles que ali, em pleno teatro, haviam gasto o seu dinheiro na esperança de ficarem presos a

um conjunto de tramas que fizessem valer o ingresso. Afi-nal o sala rio mí nimo na o pode ser aumentado, as circunsta n-cias assim o determinam. Afi-nal tudo o que antes se passou foi um discurso vago, popu-lista e marcado pela demagog-ia que tanto caracteriza o Par-tido Socialista de Anto nio Jose Seguro. Todas as crí ticas e todas as culpas apontadas a Pedro Passos Coelho na o pas-saram sena o de uma tentativa de angariaça o pre via de votos, quando no seio daquela força polí tica todos sabiam que era impossí vel ser diferente. Isto, claro esta , se quisermos con-tinuar a ser um Estado. Em pleno Teatro Polí tico Nacional,

as ma scaras caí ram, a realidade tomou a peça de assalto, a co-ere ncia foi esquecida. A plateia tem a agradecer a altura em que a sanidade se apoderou dos ac-tores, assim pode saber com o que contar daqueles que pun-ham em causa a contença o do actual executivo. Ós mesmos que agora, pelas as palavras de Ó scar Gaspar, consideram im-possí vel regressar aos ní veis de ha tre s anos atra s. Quando a peça se submeter a crí tica, em 2015, veremos se o ingresso valeu a ponderaça o nele depos-itada, ou se por outro lado, a plateia vai decidir-se pelo en-redo que teve o papel de estabi-lizar a loucura em que o acto se tornou.

O P I N I ÃO d e I S A R A FA E L

A m o d a d o s t a c h o s

A existe ncia de “tachos” em Portugal na o e novidade nenhuma. E na o me refiro aos tachos de inox que se tem na cozinha. Refiro-me a um sentido figurativo em que a obtença o de um emprego, normalmente bem remunerado, deve-se na o ao me rito e reconhecimento de um indí viduo mas atrave s de um especial favorecimento. Este modo de desenrascar o amigo, o familiar ou o apoiante que fez uns quantos favores e bastante comum em Portugal. Diria ate que e habitual ou considerado normal. Uma investigadora da Universidade de Aveiro – Patrí cia Silva - acabou de confirmar o que ja e do conhecimento popular. Esta

concluiu que “as nomeaço es para a Administraça o pu blica sa o influenciadas por interesses partida rios, independentemente do partido que se encontra no Governo, para recompensar serviços prestados ao partido do poder”. Ó estudo verifica que a maioria destas nomeaço es serviram para recompensar lealdades. Quando este foi revelado nos meios de comunicaça o social, na o houve esca ndalo nem indignaça o. A populaça o portuguesa ha muito que esta a par das modas polí ticas, desde os ditos tachos a s regalias exorbitantes da elite polí tica. Simplesmente conformou-se com isso, tal como se conforma com tudo o

resto. E o pensamento tí pico portugue s “deixa andar”, a espera que algo mude por si so . Mas relativamente a isto, a mudança esta muito longe de acontecer pois na o ha nada nem ningue m que impeça esta realidade. Ós habituais tachos dentro da esfera polí tica continuam em voga. Uma moda intemporal, com previsa o para perdurar. Uma moda que os polí ticos na o querem abdicar porque lhes conve m. Assim como conve m aos seus apoiantes e camaradas. Enquanto houver benefí cios e vantagens para os dois lados, havera sempre tachos. Estes tornam-se cada vez mais apelativos a qualquer indiví duo que queira sobreviver na conjuntura

actual de crise e austeridade, pois cada um e capaz de fazer uns favores para receber um bom emprego e para poder sustentar-se convenientemente. E a lei da sobrevive ncia. E e a forma mais fa cil de sobreviver. Mas ate quando podera isto acontecer? Ate quando ira seleccionar-se indiví duos sem capacidades para um determinado emprego, tirando a oportunidade a outros? Ate quando os indiví duos podera o ser privilegiados simplesmente por possuirem vantajosos contactos e usa -los para benefí cio pro prio? A resposta esta em no s. Enquanto no s permitirmos, enquanto fecharmos os olhos a este tipo de realidade, na o deixara de acontecer.

DR

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PÓLI TICA INTERNA

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O ESPECTRO

Constantemente nas bocas do mundo, o liberalismo raramente e objecto de uma crí tica devidamente fundamentada na correcta compreensa o da tradiça o ideolo gica em causa. E a essa tarefa que se propo e o teo rico polí tico John Gray em Pós-Liberalismo: Estudos em Pensamento Político. Trata-se de uma compilaça o de artigos e ensaios que da continuidade a Liberalismo: Ensaios de Filosofia Política, publicado no final da de cada de 80. Ó autor oferece uma perspectiva acerca da ideologia liberal, a luz do contexto histo rico que a viu nascer, enquanto expo e a sua teoria do pluralismo enquanto proposta polí tica po s-liberal para o se culo XXI. Iniciada numa e poca dominada pelo pensamento iluminista, a tradiça o liberal viria a estruturar-se em torno de um nu cleo de valores pro prios da modernidade ocidental: universalismo, individualismo, igualdade e progresso. Com os contributos cla ssicos de Locke, Kant e Mills, bem como os mais recentes por figuras como Rawls ou Dworkins, o liberalismo foi-se desenvolvido no sentido

COLUNA EX LIBRIS

de incorporar conceitos como lei natural, sistema educativo nacional, welfare, engenharia social, etc. Actualmente, os dogmas epistemolo gicos que sustentavam o programa polí tico iluminista sa o postos em causa pela noça o de incomensurabilidade. A luz deste conceito avançado na de cada de 50 por Isaiah Berlin, haveria uma diversidade de valores, muitas vezes incompatí veis, mas resistentes a qualquer comparaça o com pretenso es de objectividade. Neste contexto axiolo gico, John Gray propo e a substituiça o da velha ideologia liberal pelo pluralismo radical, encorporado em valores como descentralizaça o, pacifismo e, sobretudo, defesa de uma sociedade civil forte e heteroge nea (independentemente de se tratar de um regime democra tico ou autorita rio, de economia capitalista ou socialista). A obra termina com um repto para que, face aos vindoros desafios (guerras, desastres ecolo gicos, fundamentalismos…), sejam sempre os nossos esforços investidos na defesa da sociedade civil.

CRÍTICA LITERÁRIA,

por Rui Coelho

Pós-Liberalismo

John Gray

O P I N I ÃO d e J O ÃO P E D R O L O U R O

A i r r e s p o n s a b i l i d a d e t e m l i m i t e s

Nos u ltimos dias, assistimos ao aparecimento de um Manifesto assinado por 70 personalidades, membros da nossa elite, que propunha a Reestruturaça o da Dí vida. Para quem este termo faz alguma confusa o, isto significa o seguinte: “Senhores credores, no s sabemos que devemos dinheiro mas na o vamos pagar porque na o conseguimos”. Por muito respeito que possa ter por personalidades como Adriano Moreira ou Manuela Ferreira Leite, nunca poderia concordar com tal proposta. Seria um disparate. A escassos dois meses de sairmos do Programa de Ajustamento, dizer “na o consigo pagar” e o mesmo que deitar a rua os sacrifí cios que todos os portugueses fizeram e fazem ao longo destes tre s anos. E na o podemos dizer por diversas razo es. Dizer que na o pagamos e o mesmo que dizer que somos irresponsa veis. E o mesmo que dizer para nos aumentarem os juros. E o mesmo que dizer para na o nos emprestarem mais dinheiro, pois na o tera o retorno. Perderí amos toda a credibilidade externa que ganha mos. Hoje, os juros da dí vida sa o dos mais baixos da Europa, 4,49% em Março deste ano, quando em 2011 se apresentavam nos 11,4%. Isto deve-se a responsabilidade e ao cumprimento das obrigaço es que assumimos, na o como Governo, mas como paí s. Custa-me a crer que os subscritores deste manifesto acreditem, de facto, no que assinaram. Alia s, tenho a certeza que alguns deles sabem

que esta o errados. E importante tambe m que se diga que alguns destes famosos subscritores contribuí ram para a exorbitante dí vida que temos. Alguns foram os (ir) responsa veis que hipotecaram o futuro da minha geraça o, que me fara o pagar por nego cios que na o fiz, por obras megalo manas que na o quis. E consensual, ate no Governo, que a austeridade e bastante elevada. Na o ha du vidas disso. Contudo, foi um caminho necessa rio e incontorna vel juntamente com a reduça o da despesa pu blica no sentido de cumprirmos com o programa de ajustamento que assina mos e de voltarmos aos mercados. Ós resultados falam por si. Em 2013, tivemos um de fice de 5% quando, em 2010, era de 9,9%. No 1º trimestre de 2013, o desemprego era de 17,7%. No 4º trimestre do mesmo ano, o desemprego ja se situava nos 15,6%. As exportaço es ja representam acima de 40% do PIB e, para dar mais um exemplo, a nossa balança comercial e hoje sino nimo de superavit. Fico satisfeito pelos nossos credores na o terem dado atença o a este manifesto. Seria catastro fico para Portugal e darí amos um passo para o segundo resgate, o que significaria mais sacrifí cios e mais cortes. Ós portugueses na o querem isso, eu tambe m na o. Na o sejamos irresponsa veis. Se devemos, temos que pagar.

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O P I N I ÃO d e J O A N A L E M O S

O s s í m b o l o s a l t e r n a t i vo s d e u m a d e m o c ra c i a e m c r i s e

Apo s mais de tre s meses depois da u ltima manifestaça o, as forças de segurança voltaram a carga para a maior manifestaça o no sector ate a data. Contra os cortes e o congelamento das carreiras se manifestaram, mas desta vez com uma enorme expectativa

por parte da populaça o, que por mais que tenha uma imagem menos positiva das forças de segurança nos u ltimos anos, no fundo, acabam por ve -las como uma muleta e um apoio a sua pro pria luta, nem que seja pelo legado histo rico nacional. Mas mais importante que analisar a ramagem, vale a pena perceber a importa ncia destes protestos e qual o seu impacto subjectivo, o seu significado e simbolismo, apreendidos de

forma intuitiva pelo povo mas que provocam reacço es muito conscientes por parte do Governo. Mais que discutir a sua legitimidade, importa verificar as suas conseque ncias reais e o porque da escolha de um reperto rio de acça o desta natureza por parte das forças

de segurança. Tendemos a observar este “sobe e desce” como ridí culo, como uma expressa o non-sense de quem se manifesta, sedentos de apenas criarem desacatos ou de demonstrar a sua força fí sica, mas a verdade e que o simples gesto de subir as escadas tem muito que se lhe diga. E ainda que o impacto noticioso destas manifestaço es se tenha ja dissipado, a imagem do

PÓLI TICA INTERNA

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O ESPECTRO

passado Novembro continua a ter força e continua a ser relembrada pelas massas. E e esta mesma força que o Governo pretendeu contrariar na u ltima manifestaça o pois na o so a partir do momento em que as pro prias forças de segurança, que configuram a base da prossecuça o da

segurança enquanto objectivo principal de um Estado, se manifestam se instala um certo clima de instabilidade social, tambe m se questiona o monopo lio da força deste mesmo Estado e do Governo que a sua dianteira se posiciona, demonstrando a quem manda, quem realmente manda. A fragilidade de um regime e ta o ou mais proporcional quanto maior for a vontade de

mudança das suas forças de segurança, e o simbolismo da subida da escadaria da Assembleia da Repu blica na o passou despercebido a um Governo que necessita de uma polí cia calma apo s os u ltimos meses de contestaça o, na o severa, mas “anormal” para este paí s de brandos costumes. Tornou-se imperativo para o Governo impedir a subida na o so pela lo gica dos desacatos mas sobretudo pela lo gica da rebeldia que significou desobedecer ao “quadro da legalidade” tanto defendido por Miguel Macedo. E porque a polí tica na o e so feita de teo ricos e grandes volumes mas em grande parte de emoço es catalisadoras de um pensamento que pode tornar-se altamente reivindicativo, era necessa rio impedir que outra invasa o acontecesse, e que mesmo que tivesse perdido o seu impacto em relaça o pelo inexora vel efeito da banalizaça o e da perda do factor surpresa, continuaria a ter uma força simbo lica extrema, ainda para mais acontecendo uma segunda vez. Nada mudara nos pro ximos vindouros e as manifestaço es populares continuara o a na o passar disso mesmo, mas como diriam os mais velhos “podes na o os mudar, mas havera s de os chatear”.

DR

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O P I N I ÃO d e J O ÃO P E D R O R O D R I G U E S

Te c n o l o g i a e E m p r e g o

crucial discutir esta tema tica. Ó desemprego estrutural (desemprego causado pela diverge ncia entre as qualificaço es oferecidas e requisitada pelas empresas, regra geral de longa ou muito longa duraça o) aumentou significativamente e e inquestiona vel que mesmo havendo crescimento

econo mico o crescimento do emprego sera enviesado para as profisso es qualificadas. Óu seja, o impacto da inovaça o tecnolo gica tendera a ser cada vez maior e a incidir na o so sobre os setores em trabalho-intensivos em que as qualificaço es dos trabalhadores sa o geralmente baixas, mas tambe m em a reas diversas como a enfermagem, o telemarketing ou a contabilidade. Ó debate polí tico sobre o desemprego estrutural deve por isso estender-se a um horizonte temporal mais alargado. Nesta mate ria e imprescindí vel a antecipaça o, uma vez que se trata de uma problema tica cuja resoluça o carece de um prazo alargado

Ós avanços tecnolo gicos das u ltimas duas de cadas te m sido realizados a um ritmo exponencial e muitos sa o os desafios e oportunidades que deles adve m. A tecnologia aproximou o mundo e veio melhorar significativamente a nossa qualidade de vida, tornou o nosso trabalho mais eficiente, tarefas rotineiras mais co modas

e ce leres, permitiu avanços medicinais de extrema importa ncia e possibilita-nos produzir mais e com maior qualidade. No entanto, muitos sa o os desafios que os benefí cios encerram. Recentemente, Bill Gates, o guru da tecnologia do se culo XX que transformou o mundo, alertou para o facto de a evoluça o tecnolo gica poder, num futuro pro ximo, fazer aumentar de forma exponencial o desemprego estrutural ao tornar obsoletas profisso es por via do desenvolvimento da automaça o e tecnologia artificial. Numa altura em que a crise econo mica e financeira causou o aumento do desemprego nos EUA e em toda a Europa, e

de atuaça o e na o e passí vel de respostas reativas. A adaptaça o social tem de ter iní cio no presente para que se evitem grandes tenso es e conflitos sociais no futuro. A sustentabilidade da sociedade assim o exige. Debater esta questa o passa primeiramente por revolucionar o paradigma de

ensino, imuta vel nos seus traços basilares desde o iní cio do se culo XX e adapta -lo para futuro. Ó mundo muda a cada dia, caem governos, iniciam-se guerras, o homem vai a lua, a Unia o Sovie tica desmorona-se, os EUA te m o 1º presidente negro, mas o ensino continua igual. Tirando as reguadas, o reprovar quando se tira negativas e o respeito aos docentes, o ensino pouco mudou desde o tempo dos nossos bisavo s. Continua-se hoje em dia estimular o individualismo, a memorizaça o a prete rito do espí rito crí tico e os testes standard sa o a forma de avaliaça o privilegiada, na o havendo assim uma real avaliaça o da compreensa o

individual das mate rias lecionadas nem da sua aplicaça o pra tica, estando a escola imbuí da num forte espí rito de normalizaça o. E ainda mais incrí vel que a aprendizagem tecnolo gica seja completamente posta de parte, condenando os alunos a completa incompreensa o do mundo que os rodeia e afastando-os do mundo produtivo, por na o adquirirem capacidades e conhecimento diretamente aplica veis no mundo empresarial. Estou seguro que este debate na o ocorrera antes do assunto atingir o estatuto de “drama social”, ou seja, antes da robo tica causar desemprego em massa e po r em causa, mais uma vez, a sustentabilidade social. A polí tica e toda ela feita a curto prazo, mais concretamente no prazo de uma legislatura, visto que pensar a 10/15/20 anos na o atrai votos no presente – as pessoas querem saber dos problemas que te m agora. E exatamente essa dina mica a grande causadora da nossa situaça o atual. Ha dez anos os governos na o se preocupavam em ser despesistas dado o benefí cio eleitoral que daí obtinham e o o nus recair no futuro. Tambe m na o se preocuparam os governos dos anos 90 com o problema demogra fico perfeitamente expeta vel e hoje deparamo-nos com grandes dificuldades em assegurar o sistema da segurança social e o pro prio Estado Social. Sonho pelo dia em que assistirei a governaça o de um polí tico portugue s visiona rio que na o governe para o partido nem para a legislatura seguinte ou que na o se cinja a pequena polí tica. Ainda acredito nos dias de nevoeiro.

DR

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O ESPECTRO

ECÓNÓMIA

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O P I N I ÃO d e R U I C A M P O S

Ya B a s t a !

A 1 de Janeiro de 1994 entra em vigor o NAFTA (North American Free Trade Agreement), um acordo econo mico celebrado entre os EUA, o Me xico e o Canada que criou um espaço econo mico sem barreiras comerciais ou relativas ao investimento. Nesta mesma data o Exe rcito Zapatista de Libertaça o Nacional apresenta a sua Primeira Declaraça o da Selva de Lacandona, onde declara guerra ao estado mexicano e exige que o povo mexicano tenha acesso a terra, a sau de, a alimentaça o, ao trabalho, a habitaça o e que possa viver em democracia, em paz e com justiça. Esta declaraça o pu blica foi acompanhada por um conjunto de acço es polí tico-militares, caracterizadas por ocupaço es de edificios governamentais e tambe m por combates contra as forças repressivas do Estado mexicano. A entrada em vigor do NAFTA foi, talvez, o factor que precipitou a formaça o do EZLN mas na o chega para explicar o porque deste combate, ate porque os zapatistas afirmam que sa o o produto de 500 anos de lutas. Ó EZLN nasce porque os indigenas mexicanos te m ao longo da histo ria sido constantemente oprimidos, saqueados, desrespeitados e ate mesmo mortos. Esta opça o pela luta armada apesar de na o ter sido a primeira, foi sim aquela que restava perante um Estado e um sistema que na o queria ouvir nem salvaguardar os direitos mais ba sicos destas populaço es. Começou como uma guerrilha, mas rapidamente passou a ser um movimento polí tico e social bastante mais abrangente porque a pro pria dina mica da luta assim o determinou e obrigou os zapatistas a procurarem va rias formas de se fazerem ouvir e acima de tudo de defenderem a sua autonomia e a sua liberdade.

Apesar da defesa dos povos indigenas ser uma das grandes preocupaço es do EZLN, a sua luta polí tica na o se esgota nesta questa o. Ao longo dos anos os “herdeiros” de Zapata, te m procurado englobar na sua luta todo o povo mexicano que e explorado e oprimido, como te m demonstrado solidariedade para com outros povos, que por esse mundo fora lutam e resistem a injustiça e a opressa o. Do ponto de vista ideolo gico, na o e inteiramente consensual a caracterizaça o sobre o EZLN mas e curioso que eles pro prios na o assumem a ligaça o a uma ideologia em particular, apesar de haver claramente uma ligaça o a esquerda e a outros sectores mais radicais ou revoluciona rios (anarquistas, marxistas). Ó ponto fundamental para se entender o EZLN e ver que a teoria e pra tica zapatista sa o o fruto do pro prio modo de vida indí gena. Quer isto dizer que a noça o de propriedade colectiva da terra, do trabalho pensado e realizado com base

nas necessidades de todos e das deciso es tomadas por consenso em assembleias sa o assim consideradas, porque fazem parte da histo ria e do patrimo nio colectivo desses mesmos povos. A melhor definiça o ideolo gica passa por ver a forma como se organizam os zapatistas e retirar as respectivas concluso es, mas prefiro chamar zapatismo por respeito a histo ria e por respeito a autonomia desses povos. Por zapatismo entenda-se o seguinte, e um movimento social subversivo, anticapitalista e revoluciona rio que procura a partir da base, construir uma alternativa que elimine as formas de exploraça o do homem pelo homem. Ó zapatismo na o se resume ao EZLN e na verdade, hoje em dia, o mais interessante e mesmo analisar a forma como as comunidades auto nomas de Chiapas gerem o quotidiano e procuram desenvolver aquelas a reas extremamente pobres, ao mesmo tempo que

resistem a s forças repressivas e a pressa o do Estado mexicano. Estas comunidades auto nomas, auto-designadas de “Caraco is”, foram criadas com o objectivo de gerir colectivamente os recursos e de organizar a defesa contra ataques militares ou paramilitares. Órganizam-se de acordo com leis pro prias, que sa o completamente independentes das leis centrais do Estado mexicano. Dentro dessas leis existe a Lei Revoluciona ria das Mulheres, que estabelece um conjunto de obrigaço es para que haja igualdade entre homem e mulher em todos os campos da sociedade. A resiste ncia zapatista dura ha 20 anos. Ha 20 anos pegaram em armas, disseram basta e desde enta o jamais obedeceram a autoridade estatal e capitalista. Começaram a decidir de forma auto noma e com muitas dificuldades te m melhorado as suas condiço es de vida. De Chiapas vem um grito de revolta e um exemplo de resiste ncia!

DR

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O ESPECTRO

GLÓBÓ

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O P I N I ÃO d e J O ÃO S I LVA

To n y B e n n , 1 9 2 5 - 2 0 1 4

Tony Benn foi um polí tico trabalhista brita nico. Nasceu numa famí lia rica, em 1925, e o seu pai tornou-se visconde, num tí tulo criado especificamente para ele, quando Tony era adolescente. Conheceu, antes de ser maior de idade, personalidades como Mahatma Gandhi e Lloyd George. Veterano da IIª Guerra Mundial, tornou-se deputado, na Ca mara dos Comuns, em 1950. Pregou a descolonizaça o pací fica de A frica. A morte de seu pai, em 1960, garantiu-lhe, por sucessa o, o tí tulo de Visconde de Stansgate, e com isto a impossibilidade de permanecer na Ca mara dos Comuns, pois os detentores de tí tulos honorí ficos eram impedidos de estar na Ca mara dos Comuns, e passavam obrigatoriamente para a Ca mara dos Lordes. Lutou, durante va rios anos para a alteraça o dessa obrigatoriedade, e, em 1963,

conseguiu. Renunciou ao seu tí tulo e voltou a ser eleito para a Ca mara dos Comuns, e de la na o mais saiu ate 2001. Foi Ministro, entre 1966 e 1970, e Secreta rio de Estado, entre 1974 e 1979. Na de cada de 80, enquanto o Partido Trabalhista virou a direita, Benn virou a esquerda. Defendeu a nacionalizaça o da indu stria, o abandono da Unia o Europeia, e, ate , o fim da monarquia. Apoiou a unificaça o Irlandesa e os movimentos pacifistas da mesma, foi contra a Guerra das Malvinas e a Guerra do Iraque. Apoiou a Greve dos Mineiros, entre 1984 e 1985, contra o governo de Thatcher, e tentou depois a amnistia dos mineiros que haviam sido presos durante essas greves, ainda que sem sucesso. Quando, em 2001, abandonou o cargo de deputado, afirmou que ia

“dedicar mais tempo a polí tica”. Criou a associaça o “Stop the War”, em 2001. Esteve na frente, em 2003, da maior demonstraça o polí tica que o Reino Unido ja viu, contra a Guerra do Iraque e em favor da Palestina. Benn foi sempre um pregador da democracia, voz dos sem poder, por quem sempre lutou. Nunca foi um conformista, e lutou sempre pela paz, mesmo contra o seu pro prio partido. Talvez por isso tenha sido marginalizado no Partido Trabalhista. Benn faleceu no passado dia 14 de Março. Nunca teve medo de remar contra a mare e, de pequenos gestos e pequenas acço es, deixou um grande legado, de um homem justo, de causas. Esteve sempre no lado da justiça, contra tudo e contra todos, e ficara , por isso, no lado certo da histo ria.

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08 | 24 Março 2014

O ESPECTRO

GLÓBÓ

DR

Page 9: 8ª Edição - O Espectro

24 Março 2014 | 09

O ESPECTRO

DESTAQUE

O P I N I ÃO d e R U I C O E L H O

O R e g r e s s o d o s L i b e ra i s ?

Se ha cliche que me irrita e a popularizaça o do termo neo-liberal (ou a sua variante “ultra-liberal”) como ofensa de arremesso. Tal frustraça o, aliada a eminente celebraça o do vige simo segundo aniversa rio do falecimento do economista austrí aco Friedrich Hayek, serve de pretexto a esta breve reflexa o sobre o liberalismo.

Com raí zes no se c. XVII, o liberalismo e a ideologia moderna que defende a maximizaça o das liberdades civis (expressa o, religia o, associaça o) e econo micas, num contexto polí tico onde o exercí cio do poder e juridicamente bastante limitado.

A actual conjuntura prima pela oferta desafios e oportunidades a esta ideologia centena ria. Ó papel dos partidos e movimentos polí ticos liberais sofreu um acentuado decre scimo ao longo do se c. XX, com a consolidaça o do modelo democra tico ocidental. No entanto, hoje assistimos a uma redescoberta de valores como a liberdade, a autonomia face ao poder e ao aprofundamento da participaça o democra tica, constituindo potencialmente a u ltima oportunidade de aggiornamento liberal.

A primeira fragilidade que o liberalismo deve ultrapassar, se quiser ser novamente pertinente, e a sua herança modernista. A ideologia de Locke e Adam Smith começou como um discurso de afirmaça o da burguesia face ao Ancie n Regime. Nesse sentido teve um papel histo rico fundamental,

assegurando a institucionalizaça o de regimes assentes no rule of law, divisa o dos poderes, igualdade jurí dica e liberdades civis.

Derivado desse contexto, o liberalismo desenvolveu uma ligaça o muito estreita com outro discurso burgue s com um papel homo logo: o Iluminismo. Hoje, os princí pios luministas de racionalismo, universalismo e progresso sa o amplamente criticados em favor de quadros axiolo gicos mais abertos e existenciais.

No esforço de superaça o dos limites iluministas do pensamento liberal, algumas pistas podem ser encontradas nas obras de Rorty ou John Gray. Partindo de posicionamentos filoso ficos e polí ticos diferentes, ambos os autores apelam a um liberalismo que complemente a defesa da liberdade com uma forte valorizaça o da diversidade, numa lo gica pluralista e anti-dogma tica.

A segunda debilidade a ser superada e a tende ncia conservadora e pro -capitalista que impera em certas facço es ditas liberais. Com a consolidaça o dos regimes democra ticos ocidentais e o crescimento do socialismo enquanto feno meno polí tico, o liberalismo foi-se aproximando progressivamente da direita polí tica, assumindo em diversas circunsta ncias o papel de defensor do establishment. Tais tomadas de posiça o opo em-se

notavelmente ao papel histo rico desempenhado pela ideologia, na defesa radical da autonomia individual face aos preceitos religiosos ou tradicionais, bem como na luta pelo aprofundamento da democraticidade e inclusividade dos regimes polí ticos.

Em relaça o a decorrente promoça o de um regime econo mico que cada vez mais e posto em causa, seria

importante descobrir as reflexo es de autores como Kevin Carson ou Charles Johnson, conotados com a ala esquerda da Escola Austrí aca (a mesma corrente econo mica a que pertenceu outrora o

pro prio Hayek). Estes te m feito um o ptimo trabalho na distinça o entre economia de mercado e capitalismo, clarificando como este u ltimo so pode existir mediante uma intervença o estatal continuada que distorça os mecanismos de distribuiça o de riqueza em favor da concentraça o do capital.

Assim, o peculiar perí odo que atravessamos oferece desafios e oportunidades muito concretas

ao liberalismo. Se este sera capaz de sacudir o po e tornar-se novamente relevante, dependera apenas daqueles que, ao contra rio de mim, subscrevem tal ideologia.

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