826753-2 respons.civil ato de terceiro - rabello.pro.br · ideia expressa no livro “o caboclo e a...

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Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br Página 1 de 20 APELAÇÃO CÍVEL N.º 826753-2 DE CURITIBA – 3.ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA RELATOR : DESEMBARGADOR Francisco Pinto RABELLO FILHO APELANTES : ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA CIGANA – APRECI-PR E OUTRO APELADO : ESTADO DO PARANÁ Ação de obrigação de fazer com preceito cominatório e indenização por dano moral. 1. Agravo retido – Despacho que anuncia o julgamento antecipado do mérito Ausência de cunho decisório Irrecorribilidade. 2. Responsabilidade civil do Estado – Aplicação do artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal – Responsabilidade objetiva – Elementos configuradores do dever de indenizar – Não preenchimento. 2.1. Alegação de dano moral resultante do conteúdo supostamente ofensivo da obra literária “O caboclo e a cigana”, de autoria do escritor Francisco de Assis Almeida Brasil – Ausência de conduta antijurídica estatal – Fato de terceiro – Não configuração do dever de indenizar. 2.2. Aquisição e distribuição, pelo Estado-apelado, de exemplares da obra “O caboclo e a cigana” às escolas da rede pública estadual – Ausência de conduta antijurídica estatal – Pertinência da aquisição e disponibilização dos referidos exemplares – Ausência de demonstração do afirmado conteúdo discriminatório propagado pela obra literária e do modo como o acesso a ela implicará de modo negativo na formação dos valores e princípios dos leitores. Imputação ao Estado-apelado de prática de incitação ao preconceito – Impossibilidade – Motivação estatal de equipar as bibliotecas escolares e de disponibilizar aos estudantes o acesso à obra literária que se mostra evidente. Pretensão ao recolhimento dos exemplares distribuídos às escolas da rede pública estadual – Impossibilidade – CF, art. 206, inc. II – Liberdade de expressão – CF, art. 5.º, inc. IX – Acesso à cultura – CF, art. 215, caput – Determinação em tal sentido que implicaria restrição do acesso à cultura, ao ensino, à arte, ao saber – Não configuração do dever de indenizar.

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Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OEO documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br

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APELAÇÃO CÍVEL N.º 826753-2 DE CURITIBA – 3.ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA RELATOR : DESEMBARGADOR Francisco Pinto RABELLO FILHO APELANTES : ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA CIGANA – APRECI-PR E OUTRO APELADO : ESTADO DO PARANÁ

Ação de obrigação de fazer com preceito cominatório e indenização por dano moral.

1. Agravo retido – Despacho que anuncia o julgamento antecipado do mérito – Ausência de cunho decisório – Irrecorribilidade.

2. Responsabilidade civil do Estado – Aplicação do artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal – Responsabilidade objetiva – Elementos configuradores do dever de indenizar – Não preenchimento.

2.1. Alegação de dano moral resultante do conteúdo supostamente ofensivo da obra literária “O caboclo e a cigana”, de autoria do escritor Francisco de Assis Almeida Brasil – Ausência de conduta antijurídica estatal – Fato de terceiro – Não configuração do dever de indenizar.

2.2. Aquisição e distribuição, pelo Estado-apelado, de exemplares da obra “O caboclo e a cigana” às escolas da rede pública estadual – Ausência de conduta antijurídica estatal – Pertinência da aquisição e disponibilização dos referidos exemplares – Ausência de demonstração do afirmado conteúdo discriminatório propagado pela obra literária e do modo como o acesso a ela implicará de modo negativo na formação dos valores e princípios dos leitores. Imputação ao Estado-apelado de prática de incitação ao preconceito – Impossibilidade – Motivação estatal de equipar as bibliotecas escolares e de disponibilizar aos estudantes o acesso à obra literária que se mostra evidente. Pretensão ao recolhimento dos exemplares distribuídos às escolas da rede pública estadual – Impossibilidade – CF, art. 206, inc. II – Liberdade de expressão – CF, art. 5.º, inc. IX – Acesso à cultura – CF, art. 215, caput – Determinação em tal sentido que implicaria restrição do acesso à cultura, ao ensino, à arte, ao saber – Não configuração do dever de indenizar.

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Apelação cível n.º 826753-2 (3.ª Câmara Cível) a

2.3. Convite dirigido ao segundo apelante para que indique obras literárias que exaltem a cultura cigana – Ausência de conduta antijurídica – Equívoco de interpretação por parte do segundo apelante – Motivação de disponibilização de tais obras às bibliotecas escolares que se mostra evidente – Ausência, ademais, de potencial lesivo da conduta estatal – Não configuração do dever de indenizar.

Agravo retido a que se nega conhecimento. Recurso de apelação desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n.º

826753-2, de Curitiba, 3.ª Vara da Fazenda Pública, em que são apelantes Asso-

ciação de Preservação da Cultura Cigana – APRECI-PR e Cláudio Domingos

Iovanovitchi e apelado, Estado do Paraná.

Exposição

1. Associação de Preservação da Cultura Cigana – APRECI-PR e

Cláudio Domingos Iovanovitchi ajuizaram ação de obrigação de fazer com pre-

ceito cominatório e indenização por dano moral em face de Estado do Paraná,

perante a 3.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba.

1.1. Petição inicial (fs. 2-24) e documentos (fs. 25-53):

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i) a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR) adquiriu três mil e-

xemplares da obra literária “O caboclo e a cigana”, de autoria de Francisco de Assis Almei-

da Brasil;

i.i) tal aquisição está incluída no projeto “Venha Ler”, implementado pelo Departa-

mento de Ensino Médio da SEED-PR;

ii) os referidos exemplares foram distribuídos às escolas da rede pública estadual, e a

obra literária foi integrada como leitura obrigatória aos currículos de ensino médio dessas

escolas;

iii) ao ler o mencionado livro, o segundo autor ficou indignado com a forma precon-

ceituosa e discriminatória com que o livro faz referência ao povo cigano;

iv) o segundo autor solicitou à SEED-PR esclarecimentos a respeito da aquisição da

aludida obra, assim como que fossem recolhidos todos os exemplares distribuídos às esco-

las estaduais;

iv.i) a SEED-PR manifestou-se contrariamente ao pedido, convidando o segundo au-

tor a indicar obras literárias que contrariassem a ideia expressa na referida obra, o que au-

mentou o seu sentimento de humilhação;

v) a obra “O caboclo e a cigana” influencia de maneira negativa na formação dos lei-

tores, e sua divulgação, especialmente na forma como foi promovida pelo réu, incita o pre-

conceito, a discriminação e a marginalização do povo e da cultura cigana;

v.i) a leitura da obra implica danos irreversíveis às crianças e adolescentes, que estão

em processo de formação de seus valores e princípios;

vi) é inadmissível a distribuição em escolas públicas de obra literária com conteúdo

ofensivo à dignidade dos ciganos;

vii) o artigo 5.º, inciso XLII, da Constituição Federal recrimina a prática de racismo,

constituindo-a como crime inafiançável e imprescritível;

viii) é obrigação do Estado abolir todas as formas de preconceito;

ix) com fundamento no disposto no artigo 461 do Código de Processo Civil, deve-se

determinar que o Estado-réu suprima o livro “O caboclo e a cigana” dos currículos das es-

colas públicas, e que recolha todos os exemplares que foram distribuídos às bibliotecas es-

colares;

ix.i) é necessária a cominação de multa diária para o caso de descumprimento da de-

terminação judicial;

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x) a conduta do réu lhes causou dano moral, os quais devem ser indenizados em va-

lor a ser apurado pelo juiz da causa;

x.i) o dano moral que experimentaram resulta do conteúdo da obra literária aludida,

da negativa do Estado-réu em recolher os seus exemplares das escolas públicas e do convite

formulado pelo Estado-réu para que o segundo autor indicasse obras que contrariassem a

ideia expressa no livro “O caboclo e a cigana”;

xi) a liberdade de manifestação do pensamento é condicionada por dispositivos

constitucionais, como o artigo 5.º, inciso X, da Constituição Federal;

xii) é assegurado o direito à indenização decorrente de violação à honra, em virtude

do disposto no artigo 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal;

xiii) a obrigação de indenizar das pessoas jurídicas de direito público é objetiva, de

acordo com o disposto no artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal;

xiv) está demonstrada a conduta antijurídica do réu, assim como o seu nexo de cau-

salidade com os danos que experimentaram;

xv) postulam concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

1.2. Contestação do Estado do Paraná (fs. 64-74): i) não lhe é imputável o afirmado dano de caráter genérico experimentado pela co-

munidade cigana, resultante do conteúdo da obra “O caboclo e a cigana”, pois ele resulta da

publicação do livro, e não da aquisição, pelo Governo Estadual, de alguns de seus exempla-

res para fornecer às bibliotecas escolares;

ii) o indeferimento do pedido administrativo formulado pelo segundo réu não é, por

si só, passível de causar-lhe dano moral;

ii.i) o segundo autor equivocou-se ao interpretar de maneira ofensiva o convite efe-

tuado pela SEED-PR para que indicasse obras literárias que contrariassem a ideia apresen-

tada em “O caboclo e a cigana”;

ii.ii) a motivação do convite efetuado pela SEED-PR é a de incluir nas bibliotecas

escolares obras literárias que expressem a impropriedade e injustiça dos preconceitos sofri-

dos pela comunidade cigana;

iii) não está configurado o nexo de causalidade entre os danos mencionados pelos

autores e a conduta dos agentes estatais, tampouco o dano moral que dizem ter experimen-

tado;

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iv) o livro em discussão foi publicado e comercializado em escala nacional há anos;

v) o fator desencadeante dos danos alegados resulta do conteúdo da obra “O caboclo

e a cigana”, e não da aquisição de alguns de seus exemplares pelo Governo Estadual;

vi) não incide no caso o artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal, pois não

deve ser responsabilizado por danos que não resultam da atuação estatal;

vii) a alegação de crime de racismo não é pertinente, porquanto se refere à responsa-

bilidade subjetiva criminal do autor da obra “O caboclo e a cigana”, Francisco de Assis

Almeida Brasil, e não às partes envolvidas nesta demanda;

viii) o precedente jurisprudencial citado pelos autores não se assemelha ao caso dis-

cutido nestes autos;

ix) é inviável e inócua a tutela específica postulada pelos autores, pois o livro em re-

ferência permanecerá sendo comercializado em todo o país;

ix.i) a determinação de recolhimento dos exemplares fornecidos às bibliotecas esco-

lares caracteriza censura.

1.3. Após a réplica (fs. 78-93), o digno juiz da causa determinou que

as partes especificassem as provas que pretendiam produzir (f. 94), oportunidade

em que o réu requereu o julgamento antecipado do mérito (f. 96) e o autor, reque-

reu produção de prova testemunhal (f. 97).

1.4. Em seguida, foi colhida a opinião do Ministério Público (fs. 99-

101) e o digno juiz da causa anunciou o julgamento antecipado do mérito (f.

103), contra o que a parte autora interpôs agravo retido (fs. 106-108), sendo man-

tida a deliberação (f. 118).

1.5. A sentença1 (fs. 121-127): i) julgou improcedentes os pedidos;

1 Juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira.

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ii) condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advo-

catícios, estes fixados em R$ 2.000,00;

iii) determinou a suspensão da exigibilidade dessas verbas, por ser a parte autora be-

neficiária de assistência judiciária gratuita.

1.6. Foram opostos embargos declaratórios (fs. 129-135), os quais fo-

ram rejeitados (f. 137).

1.7. Apelação da parte autora (fs. 139-164): i) requer o conhecimento e provimento do agravo retido;

ii) ao adquirir exemplares da obra “O caboclo e a cigana” e distribuí-los às escolas

públicas estaduais, o Estado-apelado promoveu discriminação e preconceito à comunidade

cigana, violando sua honra;

iii) a obra “O caboclo e a cigana” influencia de maneira negativa a formação dos lei-

tores, e sua divulgação, especialmente entre crianças e adolescentes, incita o preconceito, a

discriminação e a marginalização do povo e da cultura ciganos;

iii.i) a leitura da obra em alusão implica danos irreversíveis às crianças e adolescen-

tes, que estão em processo de formação de seus valores e princípios;

iv) é inadmissível a distribuição em escolas públicas de obra literária com conteúdo

ofensivo à dignidade dos ciganos;

v) é obrigação do Estado coibir todas as formas de preconceito;

vi) apesar de não ser o Estado-apelado responsável pela autoria e publicação da

mencionada obra literária, está colaborando com a prática do preconceito e da discrimina-

ção ao disponibilizar alguns de seus exemplares nas bibliotecas das escolas da rede pública

estadual;

vii) deve ser determinado que o Estado-apelado suprima o livro “O caboclo e a ciga-

na” dos currículos das escolas públicas e que recolha todos os exemplares que foram distri-

buídos às bibliotecas escolares;

viii) a responsabilidade estatal resulta do fato de seus agentes terem distribuído os

exemplares do livro “O caboclo e a cigana” às escolas públicas estaduais;

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viii.i) a obrigação de indenizar das pessoas jurídicas de direito público é objetiva, de

acordo com o disposto no artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal;

ix) está demonstrada a conduta antijurídica dos agentes estatais, assim como seu ne-

xo de causalidade com os danos que experimentaram;

ix.i) a SEED-PR adquiriu três mil exemplares do livro “O caboclo e a cigana”, de

autoria de Francisco de Assis Almeida Brasil;

ix.ii) os referidos exemplares foram distribuídos às escolas estaduais e a obra literá-

ria foi integrada como leitura obrigatória aos currículos de ensino médio dessas escolas;

ix.iii) o segundo apelante solicitou à SEED-PR esclarecimentos a respeito da aquisi-

ção da aludida obra, em virtude do seu conteúdo preconceituoso e discriminatório em refe-

rência ao povo cigano, assim como que fossem recolhidos todos os exemplares distribuídos

às escolas estaduais;

ix.iv) a SEED-PR manifestou-se contrariamente ao pedido, convidando o segundo

apelante a indicar obras que contrariassem a ideia expressa no livro “O caboclo e a cigana”,

o que aumentou seu sentimento de humilhação;

x) o nexo de causalidade, em relação à primeira apelante, resulta da negativa do Es-

tado-apelado em recolher os exemplares da citada obra que foram distribuídos às bibliote-

cas escolares, incitando a difusão do preconceito e da discriminação em relação à comuni-

dade cigana entre os estudantes;

xi) em relação aos danos experimentados pelo segundo apelante, o nexo de causali-

dade da conduta estatal reside na solicitação, por parte da SEED-PR, de indicação de obras

literárias que apresentassem enfoque diverso daquele expresso no livro “O caboclo e a ci-

gana” a respeito da comunidade e da cultura ciganas;

xii) os alunos da rede pública estadual não adquiririam o livro “O caboclo e a ciga-

na” por iniciativa própria, de modo que a disponibilização de exemplares nas bibliotecas

escolares é o único meio de terem acesso a ele;

xiii) a conduta do Estado-apelado lhes causou dano moral, os quais devem ser inde-

nizados em valor a ser apurado;

xiii.i) o dano moral que experimentaram resulta do conteúdo da obra literária men-

cionada, da negativa do Estado do Paraná em recolher os seus exemplares das escolas pú-

blicas e do convite formulado pelo Estado-apelado ao segundo apelante para que indicasse

obras que contrariassem a ideia expressa no livro “O caboclo e a cigana”;

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xiv) é assegurado o direito à indenização decorrente de violação à honra, em virtude

do disposto no artigo 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal;

xv) a determinação de recolhimento dos exemplares distribuídos pelo Governo do

Estado às bibliotecas escolares não significa censura ou desrespeito à livre manifestação de

pensamento, mas sim coibição à propagação da discriminação e do preconceito à comuni-

dade cigana;

xvi) a liberdade de manifestação do pensamento é condicionada por dispositivos

constitucionais, como o artigo 5.º, inciso X, da Constituição Federal;

xvii) o pedido formulado na petição inicial se limita à proibição de distribuição de

exemplares do livro “O caboclo e a cigana” na rede pública estadual de ensino, não se pre-

tendendo a proibição de circulação e comercialização do livro;

xviii) a obra literária em alusão foi escrita e publicada há aproximadamente trinta

anos, em época em que não vigiam os atuais princípios constitucionais que vedam todas as

formas de discriminação.

1.8. Com a resposta (fs. 168-174), subiram os autos a esta egrégia

Corte de Justiça, onde foi colhida a opinião ministerial, emitida pelo digno pro-

curador de justiça Francisco Gmyterco, que veio no sentido de ser desprovido o

recurso (fs. 184-203).

Voto

O agravo retido

2. O agravo retido foi interposto pela parte apelante contra a delibera-

ção de f. 103, que reproduzo:

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Apelação cível n.º 826753-2 (3.ª Câmara Cível) a

[...]

Por entender que as provas já produzidas são suficientes para o deslinde do feito,

sendo o juiz o destinatário das provas, determino o julgamento antecipado da lide, nos mol-

des do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

[...].

2.1. Sobre isso não há o que protelar: o ato judicial que noticia que se-

rá realizado o julgamento antecipado do mérito não porta carga decisória, que só

despacho de mero expediente é. Bem por isso não está sujeito a recurso, confor-

me a disposição do artigo 504 do Código de Processo Civil2.

2.2. Nesse sentido, entre inúmeras decisões a respeito, ponho uma ou

outra, exemplificativamente:

AGRAVO RETIDO - DESPACHO QUE ANUNCIA O JULGAMENTO ANTECI-

PADO DA LIDE - AUSÊNCIA DE CUNHO DECISÓRIO OU DE PREJUÍZO À PARTE

- IRRECORRIBILIDADE - NÃO CONHECIMENTO. - É de mero expediente o despacho

que anuncia julgamento antecipado da lide, pois apenas impulsiona o processo, sem qual-

quer conteúdo decisório, sendo, portanto, irrecorrível.

[...].3

AGRAVO INOMINADO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE AGRAVO DE

INSTRUMENTO - FALTA DE INTERESSE RECURSAL - DESPACHO DE MERO EX-

PEDIENTE DE JULGAMENTO ANTECIPADO - IRRECORRIBILIDADE - RECURSO

DESPROVIDO. - É de mero expediente o despacho que anuncia julgamento antecipado da

lide, pois apenas impulsiona o processo, sem qualquer conteúdo decisório, sendo, portanto,

2 “Art. 504. Dos despachos não cabe recurso”. 3 TJPR, 11.ª Câmara Cível, AC 379992-6, de Curitiba, 4.ª Vara Cível, acórdão n.º 6.559, unânime, rel. des. Cunha Ribas, j. 13/6/2007.

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irrecorrível.4

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA - DECISÃO QUE

ANUNCIA O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - DESPACHO SEM CUNHO

DECISÓRIO - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO NÃO CONHECIDO. Segundo nota

de Theotonio Negrão (in Código de Processo Civil Anotado, 36ª ed., pág. 575): "É irrecor-

rível o ato do juiz, se dele não resulta lesividade à parte (RT 570/137)".5

2.2.1. No mesmo sentido: Ag 362565-8/01 (Barry); AI 307163-6 (Vi-

cente); Ag 309815-3/01 (Mário Helton); AI 150899-4 (Messias); AI 248114-7/01

(Pugliese); AC 235420-5 (Rabello), etc.

2.3. Destarte, não pode ser conhecido o agravo retido.

A apelação

3. O recurso merece conhecimento, na medida em que estão presentes

os pressupostos de admissibilidade recursal, assim os intrínsecos (cabimento,

legitimação e interesse em recorrer), como os extrínsecos (tempestividade, regu-

laridade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer

e preparo dispensado).

4 TJPR, 11.ª Câmara Cível, AgRg 362946-3/02, de Curitiba, 4.ª Vara da Fazenda Pública, acórdão n.º 4.292, unânime, rel. des. Luiz Antônio Barry, j. 4/10/2006. 5 TJPR, 18.ª Câmara Cível, AI 290112-6, de Curitiba, 18.ª Vara Cível, acórdão n.º 4.019, maioria, rel. des. Antonio Renato Strapas-son, j. 10/5/2005.

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4. Conforme se extrai do caderno processual, o pedido de indenização

por dano moral formulado pela parte apelante se baseia em três causas de pedir

distintas: (i) o conteúdo da obra literária “O caboclo e a cigana”, de autoria de

Francisco de Assis Almeida Brasil; (ii) a aquisição e distribuição de exemplares

da citada obra, pelo Estado do Paraná, às escolas da rede pública estadual, assim

como sua negativa em recolher os exemplares distribuídos; e (iii) o convite for-

mulado pelo Estado-apelado ao segundo apelante para que indicasse obras literá-

rias que contrariassem a ideia expressa no livro “O caboclo e a cigana”.

4.1. Pois bem. Conforme disposto no artigo 37, parágrafo 6.º, da

Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito priva-

do prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes,

nessa qualidade, causarem a terceiros.

4.2. Desse modo, é imperioso afirmar que o Estado responde objeti-

vamente pelos danos causados por seus agentes, razão pela qual eventual dever

de indenizar prescinde da configuração do elemento culpa.

4.3. O excurso que ora faço tem, então, esta finalidade: destacar que

para a configuração do dever de indenizar do Estado (no caso Estado do Paraná)

devem estar presentes três elementos: (i) ocorrência de dano, moral ou material,

sofrido por alguém; (ii) conduta antijurídica; (iii) nexo de causalidade entre a

conduta e o dano6.

6 Por todos, q. cfr. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.077.

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5. A análise da situação não revela a presença de tais elementos.

5.1. Compulsando os autos, é possível verificar que não há elementos

capazes de demonstrar a prática de qualquer conduta antijurídica estatal que en-

seje o dever de indenizar.

5.2. É que não há como se responsabilizar o Estado do Paraná pelo a-

firmado dano resultado do alegado conteúdo discriminatório e preconceituoso da

obra literária “O caboclo e a cigana”, porquanto tal dano – se houver – tem ori-

gem na publicação da referida obra, e não em conduta imputável aos agentes es-

tatais.

5.3. Note-se que na situação específica dos autos, o Estado-apelado

estava impossibilitado de evitar o resultado supostamente danoso ocorrido, até

mesmo porque o infortúnio ocorreu por fato de terceiro.

5.3.1. É evidente que se há alguma conduta antijurídica – o que não se

pode afirmar –, constante no conteúdo da obra “O caboclo e a cigana”, e eventu-

almente capaz de dar ensejo aos danos afirmados pela parte apelante, foi ela pra-

ticada por um terceiro, que é o autor da referida obra, e não pelo Estado-

apelado.

5.4. Portanto, diante das peculiaridades que envolveram o fato, certo é

que o Estado-apelado em nada contribuiu para a ocorrência do afirmado dano.

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6. Por outro lado, também não se vislumbra antijuridicidade na condu-

ta estatal de adquirir e distribuir exemplares da obra em alusão às escolas da

rede pública estadual, tampouco há como se reconhecer nessa conjuntura qual-

quer prática de incitação à discriminação ou ao preconceito. Explico:

6.1. Trata-se, “O caboclo e a cigana”, de obra literária de autoria de

Francisco de Assis Almeida Brasil, renomado escritor que possui extensa obra

publicada, tendo recebido diversos prêmios literários, consagrando-se na literatu-

ra brasileira. Desse modo, mostra-se plausível a aquisição, pelo Estado-apelado,

de obras para seu acervo bibliográfico, para disponibilizá-las às bibliotecas esco-

lares.

6.2. Além disso, o parecer emitido pelo Departamento de Educação

Básica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR) (fs.40-41) foi

esclarecedor quanto à propriedade da aquisição dos exemplares da obra “O cabo-

clo e a cigana” para as escolas da rede pública estadual:

Em resposta aos questionamentos do Sr. Cláudio Domingos Ivanovicth, em relação

ao livro O Caboclo e a Cigana de Francisco de Assis Almeida Brasil, a equipe de Língua

Portuguesa considera: a escolha do livro, deve-se ao fato de ser, o autor, um romancista e

crítico literário piauiense consagrado na Literatura Brasileira com extensa obra publicada,

entre contos, romances, novelas e teatro.

O livro em questão tem a intenção de trazer à discussão o movimento literário do

modernismo e levar à reflexão, na literatura, conceitos e princípios que vão além da pala-

vra. O foco do estudo da obra é a oralidade, marcada por uma galeria de tipos característi-

cos da sociedade cabocla da época, bem como dos ciganos ali apresentados, segundo o crí-

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tico literário Antônio Cândido, pelo senso comum da representação do povo cigano na lite-

ratura ocidental.

O escritor dá voz às personagens criando situações que podem conter histórias de

profunda amargura e violência condizente com o cotidiano retratado, porém absolutamente

destoantes diante da sociedade.

Salientamos que a indicação dos livros que integram o acervo da Biblioteca do En-

sino Médio, no Programa Expansão, Melhoria e Inovação do Ensino Médio do Paraná –

PROEM, partiu, primeiramente, de professores dos Núcleos Regionais de Ensino e, para a

efetivação da compra, formou-se uma comissão com técnicos pedagógicos e professores

doutores em Língua Portuguesa e Literatura, de Instituições de Ensino Superior, os quais

validaram a escolha dos livros inclusive da obra de Francisco de Almeida Assis Brasil.

[...].

6.3. Assim, o Estado-apelado demonstrou satisfatoriamente a razoabi-

lidade da aquisição e disponibilização dos exemplares da referida obra às escolas

da rede pública estadual.

6.4. A parte apelante, por sua vez, não demonstrou em que consistiria

o afirmado conteúdo discriminatório ou preconceituoso propagado pela obra em

alusão, tampouco a forma como o acesso ao livro poderia influenciar de modo

negativo na formação dos valores e princípios dos leitores, em especial das crian-

ças e adolescentes.

6.5. Os trechos transcritos pela parte apelante com o fim de sustentar

o conteúdo discriminatório da obra são fragmentos de frases proferidas por al-

gumas personagens do livro, que nem de longe traduzem a idéia central da obra

ou a mensagem por ela transmitida, tampouco a concepção particular do escritor.

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7. E mesmo que se entendesse haver conteúdo discriminatório na obra

“O caboclo e a cigana” (o que, como exposto, não ficou demonstrado), não há

como se identificar na aquisição e distribuição de seus exemplares, pelo Estado-

apelado, qualquer finalidade de incitação ao preconceito ou à discriminação.

7.1. Isso porque a intenção do Estado-apelado foi, evidentemente, a

de equipar as bibliotecas escolares, disponibilizando a obra do autor Francisco de

Assis Almeida Brasil aos alunos da rede pública estadual, assim como fez com

outras obras literárias, no intuito de possibilitar o projeto “Venha Ler”, imple-

mentado pelo Departamento de Ensino Médio da SEED-PR (fs. 46-52).

7.2. A propósito, elucidativas são as palavras do digno procurador de

justiça Francisco Gmyterco, ao manifestar-se (fs. 184-203) a respeito do recurso

interposto pela parte apelante (fs. 196-197):

[...]

Se a situação fosse diferente, notadamente aquela contada pelos autores, poderia até

caracterizar a responsabilidade do Estado do Paraná, inclusive o nexo causal, mas para tan-

to, seria imprescindível que fosse provado que o réu/apelado, mesmo sabendo do teor ou

conteúdo do livro, se de fato tivesse cunho preconceituoso ou racista, mesmo assim, propo-

sitalmente fizesse a compra e distribuição nas escolas, com a finalidade de incitar o pre-

conceito e a discriminação contra a cultura e etnia cigana pela classe estudantil, mais preci-

samente aqueles que fizessem a leitura e análise da obra, pois aí sim a pretensão poderia ter

outro desfecho.

[...].

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7.3. De mais a mais, conforme consta no parecer emitido pelo Depar-

tamento de Educação Básica da SEED-PR (fs. 40-41), o segundo apelante foi

convidado a indicar livros que exaltem a cultura cigana, a fim de disponibilizar

também essas obras às bibliotecas escolares, e assim, ao acesso dos estudantes da

rede pública estadual, e não o fez.

7.4. Não se pode olvidar que se trata de obra literária cuja publicação

primeira ocorreu no ano de 1968, circulando pelo país há décadas, não sendo

razoável entender-se como antijurídica a conduta estatal de equipar as bibliotecas

das escolas estaduais com alguns de seus exemplares.

7.5. Não se pode imputar, então, ao Estado-apelado, a prática de qual-

quer conduta antijurídica.

8. Outrossim, “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o

pensamento, a arte e o saber” (CF, art. 206, inc. II), assim como a liberdade de

expressão (CF, art. 5.º, inc. IX) são garantias constitucionais.

8.1. Igualmente, o acesso à cultura é expressamente assegurado cons-

titucionalmente, prevendo o artigo 215, caput, da Constituição Federal que “O

Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes

da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifes-

tações culturais”.

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8.2. No caso específico dos autos, não há negar que o recolhimento

dos exemplares da obra “O caboclo e a cigana” distribuídos às escolas da rede

pública estadual implicaria restringir o acesso dos estudantes ao aprendizado, à

arte, ao ensino, ao saber, à cultura. Ademais, ao contrário do que afirma a parte

apelante, qualquer determinação nesse sentido configuraria autêntica censura.

8.3. E mesmo considerando-se a necessidade de ponderação de tais

garantias com os demais princípios constitucionais, por todas as razões acima

expostas, no caso sob análise, a garantia da liberdade não pode ceder, e assim,

prevalece no caso.

8.4. Daí porque também neste ponto – a aquisição e distribuição, pelo

Estado-apelado, de exemplares da obra “O caboclo e a cigana” às bibliotecas es-

colares – não se vislumbra a prática de qualquer conduta antijurídica por parte

dos agentes estatais. De igual modo, forçoso é reconhecer a legitimidade da ne-

gativa do Estado-apelado em recolher os exemplares distribuídos às bibliotecas

escolares.

8.5. Por essas mesmas razões, improcede o pedido da parte apelante

no sentido de que se determine que o Estado-apelado suprima o livro “O caboclo

e a cigana” dos currículos das escolas públicas e de que recolha os exemplares

que foram distribuídos às escolas da rede pública estadual, não merecendo qual-

quer retoque a sentença, por conseguinte.

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9. Por fim, cumpre analisar o pedido de indenização por dano moral

fundamentado em ofício remetido pelo Estado-apelado solicitando ao segundo

apelante que indicasse obras literárias que contrariem a ideia expressa no livro

“O caboclo e a cigana”.

9.1. No que aqui importa, o teor do ofício em alusão é o seguinte (f.

40):

[...]

Outrossim, aproveitamo-nos deste parecer para solicitar ao Sr. Claudio Ivanovitch

indicação de livros que apresentem o povo cigano em contraposição à obra citada, para que

o departamento possa completar as bibliotecas das escolas da rede estadual de ensino.

[...].

9.2. Defende o apelante que “[...] Ao ler o parecer do Departamento

de Educação Básica solicitado pela Ré, os sentimentos de revolta e humilhação

afloraram no Requerente, pois não bastava para a Ré a humilhação da divulgação

do livro, ainda seria necessária a humilhação por ter que justificar que o povo

cigano não se assemelhava com a obra escolhida por ela, através da indicação de

outros livros” (f. 12).

9.3. Razão, contudo, não lhe assiste. Do mesmo modo, aqui não estão

presentes os requisitos para a responsabilidade civil estatal.

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9.4. Não se vislumbra, nem de longe, antijuridicidade na conduta esta-

tal. De igual modo, não há como se extrair qualquer potencial lesivo dos termos

do ofício supratranscrito.

9.5. O que se percebe da análise dos autos é, no máximo, a ocorrência

de um – lamentável – equívoco de interpretação por parte da parte apelante, que

se sentiu ofendida pelos termos do convite que lhe foi dirigido.

9.6. Isso porque se mostra evidente que a motivação da solicitação e-

fetuada pelo Estado-apelado foi estritamente a de incluir nas bibliotecas escolares

obras literárias que exaltem a cultura cigana, e nem de longe demonstra anuência

ao preconceito histórico a que se diz ter sido submetida a comunidade cigana.

9.7. Daí porque não há imputar ao apelado a prática de qualquer con-

duta antijurídica, tampouco responsabilidade pelos dissabores alegados pela parte

apelante, devendo ser mantida a sentença na sua integralidade.

10. Conclusão

10.1. Passando-se as coisas dessa maneira, meu voto é no sentido de

que se negue conhecimento ao agravo retido e se negue provimento à apelação.

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Decisão

11. À face do exposto, ACORDAM os integrantes da 3.ª Câmara Cí-

vel do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em

negar conhecimento ao agravo retido e negar provimento à apelação, nos termos

do voto do relator.

11.1. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Paulo

Habith, sem voto, e dele participaram, além do signatário (relator), os Senhores

Desembargadores Paulo Roberto Vasconcelos e Dimas Ortêncio de Melo.

Curitiba, 28 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).

Desembargador Rabello Filho RELATOR