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ModaPalavra E-periódico A SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO E AS MARCAS DE MODA Resumo A sociedade de hiperconsumo atual, conforme descreve Gilles Lipovetsky, caracteriza-se pela busca da felicidade, o que, inclusive, justifica o consumo de objetos. Para tanto, os produtos e serviços à venda impregnam-se de sensações e mensagens para estimular sentimentos de felicidade. É o que fazem as marcas: impregnam as ofertas de alma, personalidade e apelo sensorial. Este trabalho descreve a sociedade de hiperconsumo e relaciona-a com as marcas de moda, que, por valorizarem a efemeridade e o seu tempo, estimulam o consumo vendendo, mais do que produtos, : mudança, novidade e felicidade. O método de pesquisa empregado para tal foi a investigação bibliográfica, que abrange as áreas de filosofia – esta que trata da sociedade de consumo –, moda e gestão de marcas. O intuito deste trabalho é desempenhar uma reflexão bibliográfica sobre a sociedade de (hiper) consumo atual sob o viés das marcas. Palavras-chave: Hiperconsumo, marcas, moda. Abstract The current society of hyperconsumption, as described by Gilles Lipovetsky, is characterized by the pursuit of happiness, what even justifies the consumption of objects. For this purpose, products and services for sale are impregnated with sensations and messages to stimulate feelings of happiness. That’s what brands do: pervade offers with soul, personality and sensory appeal. This paper describes the society of hyperconsumption and relates it to fashion brands which, by appreciating ephemerality and its time, stimulate consumption selling more than products: change, novelty and happiness. The research method employed in this work was the literature search, which covers the areas of philosophy – which deals with the consumer society –, fashion and brand management. The purpose of this paper is to perform a bibliographic consideration about the current (hyper)consumption society under the view of brands. Key-words: Hyperconsumption, brands, fashion. Ano 6, n.9, jan-jul 2012, pp. 116 – 132. ISSN 1982-615x 116

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Uma releitura de Lipovetsky.

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  • ModaPalavra E-peridico

    A SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO E AS MARCAS DE MODA

    Resumo

    A sociedade de hiperconsumo atual, conforme descreve Gilles Lipovetsky, caracteriza-se pela

    busca da felicidade, o que, inclusive, justifica o consumo de objetos. Para tanto, os produtos e

    servios venda impregnam-se de sensaes e mensagens para estimular sentimentos de

    felicidade. o que fazem as marcas: impregnam as ofertas de alma, personalidade e apelo

    sensorial. Este trabalho descreve a sociedade de hiperconsumo e relaciona-a com as marcas de

    moda, que, por valorizarem a efemeridade e o seu tempo, estimulam o consumo vendendo,

    mais do que produtos,: mudana, novidade e felicidade. O mtodo de pesquisa empregado

    para tal foi a investigao bibliogrfica, que abrange as reas de filosofia esta que trata da

    sociedade de consumo , moda e gesto de marcas. O intuito deste trabalho desempenhar

    uma reflexo bibliogrfica sobre a sociedade de (hiper) consumo atual sob o vis das marcas.

    Palavras-chave: Hiperconsumo, marcas, moda.

    Abstract

    The current society of hyperconsumption, as described by Gilles Lipovetsky, is characterized

    by the pursuit of happiness, what even justifies the consumption of objects. For this purpose,

    products and services for sale are impregnated with sensations and messages to stimulate

    feelings of happiness. Thats what brands do: pervade offers with soul, personality and

    sensory appeal. This paper describes the society of hyperconsumption and relates it to fashion

    brands which, by appreciating ephemerality and its time, stimulate consumption selling more

    than products: change, novelty and happiness. The research method employed in this work

    was the literature search, which covers the areas of philosophy which deals with the

    consumer society , fashion and brand management. The purpose of this paper is to perform a

    bibliographic consideration about the current (hyper)consumption society under the view of

    brands.

    Key-words: Hyperconsumption, brands, fashion.

    Ano 6, n.9, jan-jul 2012, pp. 116 132. ISSN 1982-615x 116

  • ModaPalavra E-peridico

    1. Introduo

    No de hoje que ouvimos falar da sociedade consumo, que surge a partir da

    revoluo industrial, por volta dos anos 80 do sculo XIX. Segundo Lipovetsky (2007, p. 24),

    primeiramente, ela se caracteriza pelo consumo de massa, possibilitado pela expanso dos

    mercados atravs da melhora das infra-estruturas modernas de transporte e comunicao,

    alm do aperfeioamento de mquinas de fabrico. Estes melhoramentos permitiram o

    aumento da produtividade com custos mais reduzidos e o escoamento regular de enormes

    quantidades de produtos.

    Mas no s isso, o capitalismo de consumo [...] foi tambm uma construo cultural e

    social que exigiu a educao dos consumidores e necessitou do esprito visionrio de

    empresrios criativos, a mo dos gestores (LIPOVETSKY, 2007; p. 24-25). Um nmero

    maior de produtos tornou-se acessvel a um nmero maior de consumidores. a poca do

    marketing de massa, dos grandes armazns, das marcas nacionais, das embalagens e da

    publicidade nacional: estandardizados, acondicionados em pequenas embalagens distribudos

    pelos mercados nacionais, os produtos passam a apresentar um nome, atribudo pelo

    fabricante: a marca. (LIPOVETSKY, 2007; p. 26)

    A partir da segunda metade do sculo XX, vemos nascer uma nova modernidade

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 07). Segundo Lipovetsky (2007, p. 07), nessa poca que a febre

    do conforto ocupou o lugar das paixes nacionalistas e os lazeres substituram a revoluo.

    Se a fase I comeou por democratizar a compra dos bens duradouros, a fase II concluiu este

    processo colocando disposio de todos, ou quase todos, os produtos emblemticos da

    sociedade de afluncia: automvel, televiso, aparelhos eletrodomsticos. (LIPOVETSKY,

    2007; p. 28)

    Realizando o milagre de consumo, a fase II d origem a um poder de compra discricionrio em camadas sociais cada vez mais alargadas, que podem aspirar, confiantes, ao melhoramento constante dos seus recursos; difundiu o crdito e permitiu maioria das pessoas libertarem-se da urgncia das necessidades imediatas. Pela primeira vez, as massas acendem a uma procura material mais psicologizada e mais individualizada, a um modo de vida (bens duradouros, atividades de lazer, frias, moda) at ento exclusivo das elites sociais. (LIPOVETSKY, 2007; p.29)

    Esta a poca da diferenciao dos mercados, da moda, da seduo, do efmero, do

    marketing segmentado, centrado na idade e nos fatores socioculturais. Toda a sociedade

    mobiliza-se em torno do projeto de criar um cotidiano confortvel e fcil, sinnimo de

    Ano 6, n.9, jan-jul 2012, pp. 116 132. ISSN 1982-615x 117

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    felicidade (LIPOVETSKY, 2007, p. 30): h tambm todo um ambiente de estimulao dos

    desejos, a euforia publicitria, a imagem luxuriante de frias, a sexualizao dos smbolos e

    dos corpos (LIPOVETSKY, 200; p. 30-31). Triunfa a exaltao dos prazeres momentneos.

    O autor segue com um discurso cronolgico, que defende uma revoluo na sociedade

    de consumo nas ultimas dcadas do sculo XX:

    Apoiando-se na nova religio da melhoria continua das condies de vida, o melhor-viver tornou-se uma paixo das massas, o objetivo supremo das sociedades democrticas, um ideal exaltado em cada esquina. [...] Aparentemente nada ou quase nada mudou: continuamos a evoluir na sociedade do supermercado e da publicidade, do automvel e da televiso. No entanto, nas duas ultimas dcadas, surgiu uma nova convulso que ps fim boa velha sociedade de consumo, transformando tanto a organizao da oferta como as prticas quotidianas e o universo mental do consumismo moderno: a revoluo do consumo sofreu ela prpria uma revoluo. Uma nova fase do capitalismo de consumo teve incio: trata-se precisamente da sociedade de hiperconsumo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 07-08)

    Os consumidores tornam-se mais exigentes relativamente qualidade de vida,

    comunicao, sade, ao meio-ambiente e s questes sociais: queremos objetos para

    viver, mais do que objetos para exibir; compramos isto ou aquilo no tanto para ostentar,

    para evidenciar uma posio social, mas para ir ao encontro de satisfaes emocionais e

    corporais, sensoriais e estticas, relacionais e sanitrias, ldicas e recreativas.

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 36)

    Estamos na poca do consumo de alma, de equilbrio, de auto-estima, de sade, de

    felicidade. Os objetos agora so impregnados de valores, de personalidade e de sensao. E

    quem atribui esses adjetivos s ofertas so as marcas. justamente na relao entre a

    sociedade de hiperconsumo e a gesto de marcas que este estudo se debrua.

    O objetivo deste trabalho realizar uma anlise da sociedade de hiperconsumo no que

    tange sua implicao na gesto de marcas. Sobretudo nas marcas de moda, que se

    caracterizam pela comercializao no de produtos, mas de mudana e novidade. Para

    desempenhar tal anlise, a pesquisa se vale de uma investigao bibliogrfica que abrange

    publicaes das reas de filosofia que tratam da sociedade de consumo , moda e gesto de

    marcas. A proposta desenvolver um estudo descritivo realizando uma reflexo bibliogrfica

    sobre a sociedade de hiperconsumo e suas implicaes nas marcas.

    2. A Sociedade de Hiperconsumo

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    Nas ltimas dcadas do sculo XX vimos se fortalecer uma nova dinmica de

    consumo, caracterizada pela busca das felicidades privadas, a otimizao dos nossos meios

    corporais e relacionais, a sade ilimitada, a conquista de espaos-tempos personalizados

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 37). Segundo Lipovetsky (2007; p. 37), o apogeu do consumo j

    no tem a ver com o signo diferencial, mas com o valor experimental, o consumo puro que

    funciona no como significante social, mas como panplia de servios destinados ao

    indivduo.

    O culto do corpo, os cuidados dietticos, a deificao da natureza, o sincretismo filosfico ou religioso e a ecologia do esprito expressam-se em todas as idades e classes sociais. [...] Esses fenmenos, ao no abdicarem em nada do esprito, privilegiam a experincia, a interatividade, os sentidos humanos. (MAFFESOLI, 2004; p. 149)

    O consumidor deixa de consumir apenas produtos, e passa a buscar muito mais que

    isso: o hiperconsumidor j no procura tanto a posse das coisas por elas mesmas, mas,

    sobretudo, a multiplicao das experincias, o prazer da experincia pela experincia, a

    embriagus das sensaes e das emoes novas (LIPOVETSKY, 2007, p. 54). quando os

    objetos passam a ser objetos de fetiche.

    Segundo Ugo Volli (2006, p. 178-179), os fetiches so o modo como uma sociedade

    (ou um individuo, no caso psicolgico) investe de valor uma coisa, atribuindo-lhe uma sntese

    de princpios heterogneos, por exemplo, princpios morais, espirituais, erticos. O autor cita

    Pietz (1986 apud VOLLI, 2006; p. 179), ao dizer que o fetichismo o mistrio

    incompreensvel do poder das coisas materiais de se tornarem objetos sociais coletivos que os

    indivduos crem capazes de encarnar deveras certas virtudes e valores. , de fato, o que os

    indivduos fazem com as ofertas atravs das marcas, mas trataremos disto a diante. O

    importante a frisar que os consumidores tm buscado cada vez menos o produto e muito

    mais os valores, virtudes, sensaes e experincias que ele proporciona.

    Para Solomon (2011; p. 43-44), muitas vezes, as pessoas compram produtos no pelo

    que eles fazem, mas pelo que eles significam. Isso no implica que a funo bsica de um

    produto no tenha importncia, mas sim que o papel que ele exerce em nossas vidas vai bem

    alm. O objeto perde a finalidade objetiva e a respectiva funo, tornando-se [...] termo de

    todas as significaes. (BAUDRILLARD, 2008; p. 146)

    Quando os produtos so similares, por exemplo, costumamos escolher a marca que

    tenha uma imagem (ou at mesmo uma personalidade) que combine com a nossa

    (SOLOMON, 2011; p. 44): por um lado, o hiperconsumidor deseja cada vez mais

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    espetculos desmesurados, mais artefatos inauditos, mais estimulaes hiper-reais; por outro

    lado, anseia por um mundo intimo ou verdadeiro que se identifique com ele

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 57). A sociedade passa a consumir, ento, objetos feitos sua

    imagem:

    S como eu, diz o sedutor (ou a mercadoria sedutora), porque eu sou como tu. [...] Se reconheceres ser como eu (adquirindo-me), eu serei como tu, salvar-te-ei da tua identidade, realizando-te. [...] Tal a forma caracterstica do objeto-mercadoria contemporneo: ser feito nossa imagem e semelhana, como um decalque que tambm um retrato. (VOLLI, 2006; p. 220)

    A empresa ps-moderna quer-se de sentido e de valor (LIPOVETSKY, 2004; p.

    280). Conforme Lipovetsky (2004, p. 280), tambm o mundo dos negcios espreita a

    espiritualidade, a personalidade e a moral: o processo de personalizao, neste momento,

    no tem fronteiras, trabalha os indivduos como a empresa, imbuindo os produtos de ideais,

    personalidade e sentidos imagem dos consumidores.

    A verdade que cada vez mais o consumo justificado pela proporo de felicidade

    ao individuo: buscam-se experincias positivas, motivadoras, relaxantes, afetivas. O

    hiperconsumidor no se limita a adquirir produtos de alta tecnologia para comunicar em

    tempo real: compra tambm produtos afetivos, fazendo viajar no tempo para as emoes da

    infncia, por exemplo. (LIPOVETSKY, 2007; p. 63)

    Durante o reencantamento do mundo (MAFFESOLI, 2004; p. 125), os objetos,

    portanto, so imbudos de signos que no so eles prprios, mas que remetem a outros

    significados. Segundo Jean Baudrillard (2008, p. 26), vivemos desta maneira ao abrigo dos

    signos e na recusa do real. Segurana miraculosa: ao contemplarmos as imagens do mundo,

    quem distinguir esta breve irrupo da realidade do prazer profundo de dela no participar.

    Para o autor, a imagem, o signo, a mensagem, tudo que consumimos, a prpria

    tranqilidade selada pela distncia ao mundo e que ilude, mais do que compromete, a aluso

    violenta ao real. (BAUDRILLARD, 2008; p. 26)

    O consumo tende para a felicidade por defeito, eliminando as tenses.

    (BAUDRILLARD, 2008; p. 27) Segundo Ugo Volli (2006; p. 214), o comportamento do

    consumidor perante as mercadorias j no mais das vezes de fato tcnico, neutral, objetivo;

    no atende apenas s prestaes e ao custo das mercadorias, relao entre preo e

    qualidade. Fica claro que, atualmente, o nvel afetivo central em toda relao de

    consumo (VOLLI, 2006; p. 214):

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    A civilizao do bem-estar consumista constituiu o grande coveiro histrico da ideologia gloriosa do dever. Ao longo da segunda metade do sculo, a lgica do consumo de massas dissolveu o universo das homilias moralizadoras, erradicou os imperativos rigoristas e engendrou uma cultura onde a felicidade se impe como mandamento moral, os prazeres ao proibido, a seduo obrigao. [...] O culto da felicidade em massa veio generalizar a legitimidade dos prazeres e contribuir para a promoo da febre da autonomia individual. (LIPOVETSKY, 2004; p. 60)

    Segundo Lipovetsky (2007; p. 36), j no esperamos tanto que as coisas nos

    classifiquem face aos outros, mas que nos permitam ser mais independentes e ter mais

    mobilidade, usufruir de sensaes, viver experincias, melhorar a nossa qualidade de vida,

    conservar a juventude e a sade. a era do consumo individualista: o consumo do

    individuo para si suplantou o consumo para o outro.

    As pessoas buscam exaltar sua individualidade ao consumir, e os produtos vm

    atender s suas expectativas: atualmente, nada se consome de modo puro e simples, isto ,

    nada se compra, possui e utiliza para determinado fim (BAUDRILLARD, 2008; p. 213), os

    objetos deixam de atender apenas s suas funes, mas acima de tudo, se destinam a servir

    vossa excelncia [...]. Sem a ideologia total da prestao pessoal, o consumo no seria o que

    (BAUDRILLARD, 2008; p. 213). a tal cultura materialista e hedonista, baseada na

    exaltao do eu, de que trata Lipovetsky (2004, p. 60):

    Uma nova civilizao foi edificada, a qual j no se prope estrangular o desejo, mas que o exacerba e o desculpabiliza: o usufruto do presente, o templo do eu, do corpo e do conforto tornaram-se a nova Jerusalm dos tempos ps-moralistas. [...] O culto da felicidade em massa veio generalizar a legitimidade dos prazeres e contribuir para a promoo da febre da autonomia individual. (LIPOVETSKY, 2004; p. 60)

    Segundo Lipovetsky (2007; p. 98), a fragmentao dos sentimentos e das imposies

    de classe criou a possibilidade de escolhas particulares e abriu caminho livre expresso dos

    prazeres e dos gostos pessoais. De acordo com o autor, na sociedade de hiperconsumo, as

    pessoas tendem a situar seus interesses e os seus prazeres, em primeiro lugar, na vida familiar

    e sentimental, no repouso, nas frias e viagens, atividades de lazer e outras atividades

    associativas. (LIPOVETSKY, 2007; p. 227)

    A princpio, pode parecer que esses valores esto no produto, mas somos ns que os

    impregnamos de significados: os objetos seduzem-nos porque tm necessidade de ns para

    existirem. Sem consumidores ps-modernos, isto , sem pessoas que assumam uma atitude

    fetichista no consumo, no h mercadorias sedutoras. (VOLLI, 2006; p. 217)

    A este respeito, Nietzche tinha razo: a iluso, a fico, as representaes so necessrias vida porque preciso que a vida inspire confiana. Assim, errado encarar as promessas da sociedade de hiperconsumo como um sistema de intimidao e de culpabilizao quando estas

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    so, em primeiro lugar, um complexo de mitos, sonhos, significaes imaginrias que, criando objetivos e promovendo a confiana no futuro, favorecem a reoxigenao de um presente muitas vezes desgastado. (LIPOVETSKY, 2007; p. 290)

    Isso quer dizer que o objeto acaba sendo um sujeito passivo que ele [o indivduo]

    utilizar para sustentar a sua prpria identidade. [...] O homem se reconhece nas mercadorias

    (VOLLI, 2006; p. 215), e o objetivo delas no apenas dirigir mecnica ou

    psicologicamente um consumidor reduzido ao papel de objeto, mas estabelecer uma relao

    de conivncia, brincar com o pblico, faz-lo partilhar um sistema de valores, criar uma

    proximidade emocional ou um elo de cumplicidade. (LIPOVETSKY, 2007; p. 156)

    Os produtos vieram no seduzir o homem e obrig-lo a consumir, mas se oferecer para

    consumo a um homem que quer ser seduzido. O homem busca a felicidade, e os objetos no

    tratam apenas de estimular as necessidades e os reflexos condicionados, mas tambm de

    criar ligaes emocionais com a marca, passando a promoo da imagem a ser mais

    importante que a do produto (LIPOVETSKY, 2007; p. 151). Ou seja, culturalmente, temos

    buscado uma proximidade emocional com o mundo que nos permita exercemos a nossa

    prpria individualidade, e as marcas vieram atender a esta demanda.

    A primeira vista, o valor parece residir nas coisas, mas assim que fixamos um pouco melhor o olhar, aparece-nos tambm como um derivado do nosso prprio desejo, socialmente realizado. [...] O fetichismo aparece-nos assim como o processo por meio do qual o valor introduzido no mundo dos objetos, e, portanto, como o processo em que o mesmo valor, , em certo sentido, criado. [...] O investimento de valor, para o adorador dos fetiches, material. O valor ou, para sermos mais concretos, a vida, a vontade, o desejo, no se apiam apenas no objeto: tm nele sede ou coincidem com ele. (VOLLI, 2006; p. 185)

    Conforme Lipovetsky (2007; p. 131), existem duas teses que tentam justificar as

    sociedades de consumo. A primeira diz que assemelham-se a um interminvel sistema de

    estmulos das necessidades que quanto mais prometem a felicidade ao alcance da mo, mais

    causam a decepo e a frustrao. Segundo o autor, um segundo modelo interpreta o

    cosmos das necessidades sobremultiplicadas como conseqncia do principio hedonstico,

    exacerbao da vida dos sentidos, prevalncia dos desejos e desfrutar do prazer aqui e agora

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 132).

    Ou seja, a segunda tese a que defende que o sistema de signos criados pelas marcas e

    pelo consumo no mais do que um reflexo da cultura da sociedade hiperconsumidora, que

    impregna nos produtos os seus prprios desejos de prazer, felicidade e xtase. No apenas o

    mercado que constri uma sociedade hiperconsumidora, mas, principalmente, uma cultura

    centrada no ludismo da carne, nas efervescncias festivas, na demanda das sensaes e

    xtases de todo o tipo. (LIPOVETSKY, 2007; p. 132)

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    Boorstin exprime a idia de que preciso desculpar os publicitrios: a persuaso e a mistificao no provm tanto da sua falta de escrpulos, quanto do prazer que temos em ser enganados: procedem menos do seu desejo de seduzir do que do nosso desejo de ser seduzidos. [...] A verdade que a publicidade (e o restante dos mass media) no nos ilude: encontra-se para l do verdadeiro e do falso, como tambm a moda est para l do feio e do belo ou como o objeto moderno, na sua funo de signo, se situa para l do til e do intil. (BAUDRILLARD, 2008; p. 166)

    3. As Marcas de Moda na Sociedade de Hiperconsumo

    Segundo Lipovetsky (2007; p. 37), a terceira fase da sociedade de consumo, aquela

    em que o valor recreativo se sobrepe ao valor honorfico, em que a conservao do

    indivduo se sobrepe comparao provocante, o conforto sensitivo ostentao. A luta de

    classes j no a justificativa para o consumo, mas a busca das felicidades individuais sim, e

    mais do que isso: Entramos no universo do hiperconsumo quando o gosto pela mudana se difundiu universalmente, quando o desejo de moda ultrapassou a esfera da indumentria, quando a paixo pela renovao adquiriu uma espcie de autonomia que torna secundrias as lutas da concorrncia pelo estatuto, as rivalidades mimticas e outras febres conformistas. (LIPOVETSKY, 2007; p. 38)

    Conforme o autor, o gosto pelas novidades mudou de sentido (LIPOVETSKY,

    2007; p. 37). Ele explica: o culto do novo nada tem de recente, visto que se imps logo em

    finais da Idade Mdia, nomeadamente atravs da emergncia da moda. Mas esclarece que,

    contudo, durante sculos, a norma de adotar a novidade no ultrapassou os crculos restritos

    dos privilegiados, assentando em larga medida no seu valor distintivo. (LIPOVETSKY,

    2007; p.37)

    Lipovetsky, num livro mais antigo (1989; p. 29), esclarece que sempre houve

    diferenas no vesturio como forma de distino social, mas que no h sistema de moda

    seno quando o gosto pelas novidades se torna um princpio constante e regular. Segundo o

    mesmo autor, a moda no sentido estrito no aparece antes da metade do sculo XIV, [...] em

    razo do aparecimento de um tipo de vesturio radicalmente novo, nitidamente diferenciado

    segundo os sexos. (LIPOVETSKY, 1989; p. 29)

    De acordo com Lang (2001; p. 159), se a roupa distingue o homem do animal, a

    moda o define como cidado. O que significa que moda no apenas roupa: o vesturio

    proporciona o exerccio da moda e essa atua no campo do imaginrio, dos significantes,

    parte integrante da cultura. (SANTANNA, 2007; p. 74)

    Para SantAnna, (2007; p. 79) a moda [...] no deve ser confundida com os processos

    que desencadeia, necessrio, portanto, distinguir o vesturio e a ao social de vestir do

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    que designamos, propriamente, moda. Segundo a autora, cinco so os campos atuais de

    conhecimento que tomam a moda como temtica de pesquisa (SANTANNA, 2006; p. 80): o

    campo econmico, que analisa os mecanismos de consumo dos produtos de moda; o

    sociolgico, que enfatiza o papel da moda na dinmica social; o campo semiolgico, que v a

    moda como signo da sociedade e campo imagtico; o filosfico, que considera a moda um

    fato social absoluto; e a psicanlise e psiquiatria, que exploram a relao inconsciente

    estabelecida entre os indivduos e a aparncia (SANTANNA, 2007; p. 80-81). O ponto de

    vista que mais nos interessa neste estudo o da moda como valor do imaginrio social

    moderno.

    O sistema de moda seria a prpria dinmica que produziu a modernidade. Esse

    sistema produziu-se entre os sculos XII e XIV, nos quais um novo conjunto de concepes

    de ordem antropolgica coadunou-se, favorecendo seu surgimento (SANTANNA, 2007; p.

    85). A autora cita Lipovestky (1989 apud SANTANNA, 2007; p. 85) dizendo que,

    analisando as mudanas que se processam no perodo, [ele] evidenciou que elas, na medida

    em que romperam a lgica social medieval, propuseram uma outra, a da prpria moda.

    Seguem as mudanas, propostas pelo autor e citadas por SantAnna (2007; p. 85-87),

    que foram processadas durante este perodo: 1. A desqualificao do passado e prestgio ao

    novo e ao moderno; 2. A crena no poder dos homens para criar seu prprio mundo, buscando

    dominar a racionalidade como uma afirmao da soberania humana; 3. A adoo da mudana

    como regra permanente da vida; 4. A definio do presente como eixo temporal da vida; 5. A

    aceitao da variabilidade esttica, e o refinamento do gosto e da sensibilidade esttica; 6. A

    consagrao de iniciativas estticas, da fantasia e da originalidade como diferencial positivo

    entre os sujeitos.

    Sendo assim, podemos conceituar moda como: ethos das sociedades modernas e

    individualistas, que, constitudo em significante, articula as relaes entre os sujeitos sociais a

    partir da aparncia e instaura o novo como categoria de hierarquizao dos significados

    (SANTANNA, 2007; p. 88). E ethos, nesse contexto, representa uma viso de mundo

    compartilhada pela sociedade: o ethos de um povo o tom, o carter e a qualidade de sua

    vida, seu estilo moral e esttico e sua disposio, a atitude subjacente em relao a ele

    mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. (GEERTZ apud SANTANNA, 2007; p. 88)

    Pode-se caracterizar empiricamente a sociedade de consumo por diferentes traos: elevao no nvel de vida, abundncia das mercadorias e dos servios, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista, etc. Mas, estruturalmente, a generalizao do processo de moda que a define propriamente. A sociedade centrada na expanso das necessidades , antes

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    de tudo, aquela que reordena a produo e o consumo de massa sob a lei da obsolescncia, da seduo e da diversificao, aquela que faz passar o econmico para a rbita da forma-moda. (LIPOVETSKY, 1989; p. 159)

    De acordo com SantAnna (2007; p. 90), o objeto sacralizado na medida em que

    materializa a idia do novo e proporciona o sentido de superao de si pela tecnologia que

    apresenta, o que intitulado pela forma-moda. Ou seja, a forma-moda a absoro dos

    objetos pela lgica da moda. Sendo assim, entende-se que a moda a valorizao do novo,

    das novidades e da constante mudana como um aspecto positivo da vida, estimulando o

    consumo frequente de novos produtos e servios.

    Eis o ponto fundamental para a definio de consumo, segundo Baudrillard (2008;

    p. 113): 1. No mais como prtica funcional dos objetos, possesso, etc; 2. No mais como

    simples funo de prestgio individual ou de grupo; 3. Mas como sistema de comunicao e

    de permuta, como cdigo de signos continuamente emitidos, recebidos e inventados, como

    linguagem. Ou seja, como totalmente justificado pela lgica da moda.

    Desta forma, pensando no consumo na sociedade hipermoderna, a marca o vrtice

    central da constituio e preservao do imaginrio que associado a um produto

    (SANTANNA, 2007; p. 91), e, segundo SantAnna (2007; p. 91), mesmo lojas e estilos de

    vida apropriam-se das estratgias de ancoragem aplicadas s marcas comerciais, para

    poderem atender um mercado ansioso por objetos imateriais, por signos mimticos de um

    pertencimento social, de certa forma, virtual.

    Em primeiro lugar, o apreo pela mudana incessante no consumo j no apresenta limites sociais, tento alcanado todas as camadas e todas as faixas etrias; em segundo lugar, desejamos os novos produtos por si prprios, pelos benefcios subjetivos, funcionais e emocionais que nos proporcionam. [...] A curiosidade tornou-se uma paixo de massas e o mudar por mudar agora uma experincia com que o indivduo pretende testar-se a si prprio. O amor pelo novo j no to determinado pelas paixes conformistas como pelos apetites experimentadores dos sujeitos. (LIPOVETSKY, 2007; p. 38)

    Assim surgem as novas funes subjetivas do consumo (LIPOVETSKY, 2007; p.

    38), e a funo da moda, nesta sociedade de hiperconsumo, atribuir aos objetos um valor

    simblico que, adequado com as referencias culturais da sociedade, vai permitir ao

    consumidor a afirmao da sua personalidade [...] como fator de identidade, cdigo cultural,

    mensagem social (SANTANNA, 2007; p. 91). O que consente moda atribuir valores

    simblicos aos objetos, a marca.

    Consequentemente, uma marca de moda, atuante na sociedade de hiperconsumo,

    aquela em constante evoluo, que acompanha as mudanas do seu tempo propostas pela

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    lgica da moda. A marca de moda renova-se para acompanhar as tendncias de consumo e,

    para faz-lo, imerge-se em valores que so congruentes com a sociedade corrente e seu

    pblico consumidor, transmitindo princpios de novidade, mudana, beleza e prazer para

    aqueles que esto vidos por consumi-los.

    A moda, por permitir a exacerbao das identidades individuais, impregnou os objetos

    de consumo de valores e personalidades. Este processo se deu quando o ethos moda, em

    busca de uma psicologizao das marcas, passou a explorar o impacto, as mini-

    transgresses, a teatralidade espetacular que seduz (SANTANNA, 2007; p. 90-91). As

    marcas acabam por tornarem-se os instrumentos por meio dos quais os produtos passam a

    impregnar a lgica da moda.

    Atravs desse processo, o cliente tradicional transformou-se no consumidor

    moderno, um consumidor de marcas que era necessrio educar e seduzir (LIPOVETSKY,

    2007; p. 26). Segundo Lipovetsky (2007; p. 26), com a tripla inveno da marca, da

    embalagem e da publicidade surgiu o consumidor dos tempos modernos [...] que avalia os

    produtos mais pelo nome que pela textura, adquirindo uma assinatura do lugar de uma coisa.

    Neste domnio, j no se trata tanto de exibir um sinal exterior de riqueza ou de sucesso como de criar um contexto de vida agradvel e esttico que venha a ver conosco, um casulo acolhedor e personalizado. Sem duvida que este casulo resulta da compra de produtos estandardizados mas, de todas as vezes, estes artigos so reinterpretados, dispostos em novas composies que exprimem uma identidade individual, e o que importa j no tanto o valor do estatuto, mas o valor privado e nico da casa de cada um, tornado possvel por um consumido criador. (LIPOVETSKY, 2007; p. 38)

    fortalecida a lgica do consumo emocional (LIPOVETSKY, 2007; p. 39), atravs

    das marcas, que gabam os mritos das iniciativas que proporcionam aos consumidores:

    experincias afetivas, imaginrias e sensoriais, em que, segundo Lipovetsky (2007; p. 39),

    j no a funcionalidade fria que est na ordem do dia, mas a atratividade sensvel e

    emocional.

    A gesto de marcas - tambm chamada de branding - a filosofia corporativa, por

    assim dizer, que dota as ofertas de valores e personalidades, que permitiro a criao de elos

    emocionais entre produto e consumidor. Segundo Kotler (apud TYBOUT & CALKINS,

    2006), branding muito mais do que dar nome a uma oferta. Ele significa fazer uma

    promessa aos clientes sobre como viver uma experincia a um nvel de desempenhos

    completos, ou seja, significa viver a marca. Conforme afirma Gob (2010), as marcas

    precisam conectar-se com a cultura e alcanar o corao das pessoas.

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    Portanto, branding, ou gesto de marcas, mais do que apenas se certificar de que os

    clientes reconheam o logotipo ou o nome de um produto; significa criar uma associao

    emocional entre o cliente e o produto, servio ou empresa. Conforme Gob (2010; p. 15), as

    marcas devem mudar de comunicaes e commodities para emoo e inspirao. Sendo

    assim, branding :

    O conjunto de aes ligadas administrao das marcas. So aes que, tomadas com conhecimento e competncia, levam as marcas alm da sua natureza econmica, passando a fazer parte da cultura, e influenciar a vida das pessoas. Aes com a capacidade de simplificar e enriquecer nossas vidas num mundo cada vez mais confuso e complexo (MARTINS, 2006; p. 08).

    Segundo Martins (2006; p. 279), branding descreve todas as aes relacionadas aos

    projetos de criao ou gesto de marcas. No se trata de uma metodologia especfica, mas

    sim de uma filosofia de trabalho que utiliza conceitos de uma srie de disciplinas, entre elas

    as principais so o marketing, a publicidade e o design (GOMEZ et al, 2010), para dotar os

    produtos de valores e sensaes inspirados na cultura.

    Na sociedade hiperconsumidora, no s os gestores de marcas, mas os arquitetos,

    publicitrios, urbanistas e designers pretendem todos ser demiurgos, ou melhor, taumaturgos

    da relao social e do meio ambiente. As pessoas vivem no meio da fealdade: importa sarar

    tudo isso (BAUDRILLARD, 2008; p.225). Eles passam ento, a veicular s marcas imagens,

    conceitos e valores para criar relaes emocionais e afetivas com os consumidores e trazer-

    lhes uma experincia de mundo mais prazerosa.

    O design vinculado s marcas, por exemplo, privilegia o ligeiro, a mobilidade e a

    adaptabilidade, a associao do funcional e do sentido, do depurado e do convivial, do

    nmada e do ldico, visando um conforto psicolgico e sensitivo (LIPOVETSKY, 2007;

    P. 198). Segundo Lipovetsky (2007; p. 198), assistimos, desde os anos 90, o

    desenvolvimento de um design do tipo polissensorial que tem por fim otimizar a dimenso

    sensorial do produtos criando impresses de conforto e sensaes de prazer. O mesmo se

    observa em relao publicidade e ao marketing na gesto de marcas:

    O que que torna o consumo em divertimento? [...] Foi muitas vezes sublinhada a forma como a publicidade erotizava os produtos, como criava um ambiente festivo, um clima de sonho acordado e de estimulao permanente dos desejos. o que se verifica ainda. Assistimos teatralizao dos pontos de venda, animao de tipos diversos, ao marketing experencial com o objetivo de criar ambincias de convivialidade e de desejos, de associar o prazer freqentao dos espaos de venda. (LIPOVETSKY, 2007; p. 57)

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    Sendo assim, em concordncia com a cultura da sociedade de hiperconsumo atual, a

    gesto de marcas tornou o sensvel e o emocional objetos de investigao, destinados a

    diferenciar as marcas no seio de um universo hipercompetitivo e, por outro [lado], a

    prometer uma aventura sensitiva e emocional ao hiperconsumidor que busca sensaes

    variadas e melhor-estar ao nvel dos sentidos. (LIPOVETSKY, 2007; p. 39)

    Aquilo que designo por consumo emocional no corresponde totalmente aos produtos e ambientes que mobilizam explicitamente os cinco sentidos. Trata-se de uma expresso que designa, margem dos efeitos de uma tendncia de marketing, a forma geral que assume o consumo quando o ato de compra, j no comandado pela preocupao conformista em relao ao outro, adquire uma lgica desinstitucionalizada e interiorizada, baseada na procura de sensaes e de um melhor-estar subjetivo. A fase III [da sociedade de consumo] traduz uma nova relao dos indivduos com os artigos que instituem o primado da sensao, a mudana da significao social e individual do universo do consumo que acompanha o impulso de individualizao das nossas sociedades. (LIPOVETSKY, 2007; p. 39)

    Atualmente, a gesto de marcas, em concordncia com as aspiraes dos indivduos,

    conseguiu a proeza ps-moralista de conjugar corao e marketing, seriedade e jingle,

    integridade e espetculo, ideal e seduo (LIPOVETSKY, 2004; p. 303). Na sociedade de

    hiperconsumo, j no tanto a imagem social e o tornar-se notado que interessa, mas o

    imaginrio da marca. (LIPOVETSKY, 2007; p. 40)

    Em assentimento com a lgica da moda, o que se vende j no um produto, mas

    uma viso, um conceito, um estilo de vida associado marca (LIPOVETSKY, 2007; p.

    40), que vai permitir aos indivduos expressarem suas prprias individualidades e vises de

    mundo, que tm no novo e na mudana um prazer mundano: nome, logotipo, design, slogan,

    patrocnio, loja, tudo deve ser mobilizado, redefinido, dotado de um novo visual, com vista a

    renovar o perfil de imagem, a dar uma alma ou um estilo marca. (LIPOVETSKY, 2007; p.

    40)

    Todos esses contedos se reduzem a signos sobrepostos, culminando no super-signo

    que a marca: ou seja, a verdadeira e nica mensagem (BAUDRILLARD, 2008; p. 197). A

    marca na poca ps-moralista coincide com a da moda generalizada, que conseguiu fagocitar

    a prpria dimenso moral, transformar os valores em objetos (LIPOVETSKY, 2004; p. 286):

    estamos na era do marketing dos valores e das legitimidades promocionais, estgio ltimo da

    secularizao ps-moralista e da generalizao da moda.

    Nos nossos dias, o entusiasmo pelas marcas alimenta-se do desejo narcisista de gozar o sentimento ntimo de ser uma pessoa de qualidade, de nos compararmos aos outros achando-nos em vantagem, de sermos melhores que as massas, sem nos importarmos com a aprovao dos outros ou com o desejo de lhes provocar inveja. O culto contemporneo das marcas traduz uma nova relao com o luxo e a qualidade de vida. (LIPOVETSKY, 2007; p. 41)

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    A gesto de marcas, ento, transforma os produtos em objetos identitrios, no

    momento em que os engloba com a lgica da moda. Isso ir permitir que os consumidores os

    utilizem como signos das suas personalidades, como objetos de fetiche que representam mais

    do que a si prprios: significados atrelados ao novo, ao desejo de mudana particular dos

    prprios indivduos, que, como afirma Lipovetsky (2007; p. 41), agora se do ao luxo, ao

    suprfluo, a marcas de qualidade.

    O que que seduz, no ato da compra de produtos no correntes, seno, pelo menos

    em parte, a emoo nova, por pequena que seja, que acompanha a aquisio de uma coisa?

    (LIPOVETSKY, 2007; p. 57) Da marca de moda, ento, provm o gosto de novidade

    emocional ao produto novo. Por se revestir com o carter de novidade, de mudana, d aos

    seus consumidores a propriedade de dizer que so indivduos na moda no momento em que

    eles consomem, mais do que objetos, mas valores, sentidos e ideais da cultura atual,

    representados, na sociedade de hiperconsumo, pela valorizao dos prazeres, da felicidade e

    dos sentidos. As marcas de moda tm seu valor residindo no no produto, mas nos valores que

    ele representa e na experincia que proporciona:

    A atrao que exercem as marcas mais caras no traduz tanto a continuidade histrica das estratgias distintivas como a ruptura que constitui a formidvel difuso social das aspiraes democrticas e individualistas s felicidades materiais e ao bem-viver. [...] A obrigao de despender dinheiro com objetivos de representao social perdeu o seu antigo vigor: compramos marcas caras j no devido a uma presso social, mas em funo dos momentos e dos desejos, do prazer que da retiramos, no tanto para exibir riqueza ou posio como para desfrutar de uma relao qualitativa com as coisas e os servios. At a relao com as marcas se psicologizou, se desinstitucionalizou, se tornou subjetiva. (LIPOVETSKY, 2007; p. 42)

    neste sentido que o consumo ldico e que o ldico do consumo tomou

    progressivamente o lugar do trgico da identidade. (BAUDRILLARD, 2008; p. 263)

    4. Concluso

    Para os gestores de marcas, torna-se cada vez mais importante estudar as relaes

    sociais da sua poca. Conhecer os comportamentos humanos, suas formas de interao, sua

    viso de mundo e estilo de vida, primordial para entender porque as pessoas consomem.

    Ficou claro que, atualmente, os consumidores no compram os produtos por suas

    funcionalidades, mas pela experincia que eles proporcionam e pela emoo que despertam.

    Sendo assim, as marcas precisam estar atentas aos anseios do consumidor para lhe dar o que

    ele deseja obter. No caso da sociedade de hiperconsumo: satisfao, prazer e felicidade.

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    A moda, nessa sociedade, sua prpria lgica, que se caracteriza como um ethos da

    valorizao do novo, da efemeridade, do tempo presente e dos prazeres. O consumidor

    hipermoderno se utiliza dos objetos como valores de significao: no como peas no jogo da

    luta de classes, mas como signo que remeter a sua prpria personalidade e individualidade.

    As pessoas querem sentir prazer e emoes ao consumir, e a partir dessas sensaes, reafirmar

    a sua identidade no mundo, divertir-se com ele e demonstrar que est atento s mudanas que

    podem lhe proporcionar mais satisfao e felicidade.

    As marcas, nessa sociedade, so o meio pelo qual os indivduos impregnam de valores

    os produtos, passando o seu nome, logotipo e imagem a representar um conjunto de atributos

    subjetivos, ldicos, personalizados. As marcas, mesmo que administradas pelos gestores, s

    possuem valor quando os consumidores lhe atribuem o mesmo. Pinto (apud KELLER &

    MACHADO, 2006; p. 30) esclarece que o patrimnio da marca apenas o valor da marca

    para o consumidor. Portanto, nada mais importante para a gesto de marcas do que entender

    o que os consumidores valorizam.

    Para atingir esse feito, somente estudando a sociedade atual e toda a histria que

    culminou com o seu desenvolvimento. No caso da sociedade de hiperconsumo, somente

    entendendo a constituio e o fortalecimento da moda para entender como ela a prpria

    lgica que coordena as relaes de consumo. A partir deste entendimento, pode-se gerir as

    marcas com base nos anseios subjetivos dos consumidores: dar s pessoas o que elas querem.

    O marketing, a publicidade e o design no tm o poder de obrigar o consumidor a

    comprar. Somente ele decide se a histria, a experincia, a emoo transmitida desperta seus

    sentimentos e lhe promove prazer real. O consumo j no o engana, ele prprio quer ser

    seduzido. J no tanto um recurso de emergncia ou negao da vida, mas mais um

    estimulante mental, uma pitada de aventura, o consumo atrai-nos em si, enquanto fonte de

    novidade e animao. (LIPOVETSKY, 2007; p. 58)

    Alm disso, os gestores precisam continuar atentos conforme o tempo se desenrola.

    Mudanas culturais acontecem permanentemente j que a sociedade est ela prpria em

    constante evoluo. No apenas agora, como sempre, a gesto de marcas deve estar atenta s

    dinmicas da sociedade de hiperconsumo, que pode inclusive tornar-se alguma outra

    sociedade. Sem estar atenta sociedade e as dinmicas que a constituem, a lgica que a define

    e o imaginrio dos seus indivduos, a gesto de marcas nada pode fazer. Na fase III [na sociedade de hiperconsumo], em que as necessidade bsicas esto satisfeitas, o comprador valoriza, claro, o valor funcional dos produtos, mas encontra-se simultaneamente, cada vez mais, em busca de prazeres renovados, de experincias sensitivas ou estticas, comunicacionais ou ldicas. O que se vende a excitao e sensaes vrias, e o que se

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    compra uma experincia vivida, assemelhando-se todo consumidor mais ou menos a um colecionador de experincias. [...] como um processo de intensificao hedonista do presente atravs da renovao perptua das coisas que devemos pensar o consumo na fase III. Uma esttica do movimento incessante e das sensaes fugazes comanda as prticas do hiperconsumidor.

    Tratando do tempo presente, somente entendendo a sociedade de hiperconsumo, seu

    advento e histria, a generalizao da moda e o anseio incessante dos sujeitos pela felicidade,

    que os gestores podero impregnar nas suas marcas valores e sensaes pelos quais o

    consumidor estar disposto a pagar. Pois o objeto pouco vale perante a experincia.

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