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Mateus Vieira é um policial correto, justo e temente a Deus.Mas um dia, um traficante invade sua casa e no meio da luta acaba matando sua mulher que estava gravida de sua primeira filha.15 anos se passam e Mateus é nomeado diretor de uma penitenciária. ele agora luta para recuperar sua fé e administrar aquela penitenciária demonstrando amor pelos criminosos. Mas quando seus amigos transferem para sua penitenciária o mesmo traficante que tirou a vida de sua família, o que era para se tornar uma chance de retomar sua fé em Deus se transforma em sua maior prova de fé.PS: Este arquivo contém até o terceiro capítulo apenas.

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O que você faria se tivesse em suas mãos a vida do homem que

tirou tudo de você O que faria se tivesse frente a frente com o

assassino de sua família?

Mateus tinha uma vida feliz. Honrava a Deus, era um policial

correto, reconhecido, tinha uma vida próspera e uma bela esposa que

o amava e estava esperando sua primeira filha. Até que um traficante

invade sua casa para tirar o que lhe é mais precioso.

15 anos se passam e o agora coronel Mateus Vieira que está

tentando retomar sua fé perdida é nomeado para administrar uma

recém fundada penitenciaria na grande região metropolitana de

Campinas com cerca de 490 presidiários. Agora luta para administrar

a prisão da forma mais cristã possível e demonstrar amor a ladrões,

estupradores, assassinos e os piores tipos de pessoas, enquanto é

pressionado pelos colegas e superiores com a idéia de que tudo

aquilo é em vão.

Apesar de sua determinação, uma barreira muito grande é

colocada em seu caminho: O assassino de sua família é transferido

para sua penitenciária. E o que era para ser uma chance de se voltar

para Deus novamente se torna seu maior teste de fé e amor.

“Então Pedro, aproximando-se dele, lhe perguntou: ‘Senhor, até

quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu hei de perdoar?

Até sete?’ Respondeu-lhe Jesus: 'Não te digo que até sete; mas até

setenta vezes sete.” (Mt 18.21, 22)

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PRÓLOGO 7

CAPITULO UM 23

CAPITULO DOIS 35

CAPITULO 3 49

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PrólogoO carro da policia parou há apenas quatro quarteirões do local

indicado. O frio do fim da tarde, combinado com o céu alaranjado do

sol se pondo no horizonte trazia ainda mais receio ao coração dos

policiais. Mas agora não tinham volta. Estavam trabalhando no caso

há meses e finalmente havia chegado a hora de acabar com isso. Essa

não era só uma simples apreensão, para aqueles dois jovens policiais

que estavam a frente do caso seria uma porta para uma promoção.

Mateus sempre quis sair das ruas para ficar atrás de uma mesa,

principalmente agora com Laís a caminho. O jovem policial de 25

anos precisava, acima de seu dever, pensar em sua família que estava

sendo formada. "Seria duro para a jovem Erica se tornar uma viúva

tão jovem!" dizia seu parceiro Renato o tempo todo "Apesar de que,

pela beleza dela, haveriam muitos candidatos a pai da Laís!". Esses

comentários sempre vinham seguidos de risos entre os dois amigos.

Aquelas piadas podem acabar em breve. Na pior das hipóteses as

piadas passarão a ser um reflexo da realidade. Mas nem Renato e

tampouco Mateus desejavam isso. Pelo menos aquele não era o dia

perfeito para esse tipo de brincadeira. Ambos estavam nervosos,

tensos. Seus corações pareciam bater centenas de vezes mais rápido

do que o coração de qualquer ser humano na face da Terra. Se não

fosse o som alto das musicas de funk, samba ou pagode vindo da

casa há quatro quarteirões dali, podiam jurar que aqueles dentro da

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casa poderiam ouvir seus corações mesmo daquela distancia. O

clima, contudo, foi cortado pela voz no rádio policial

_ Todos em suas posições! _ informava a voz do policial do

outro lado do rádio

_Então... está preparado? _ Perguntou Renato ao amigo de

cabelos negros e curtos ao seu lado que olhava fixamente com seus

olhos castanhos escuros em direção à casa no fim da rua.

_ É agora ou nunca. _ Respondeu Mateus ligando o carro e

acelerando em direção à casa enquanto Renato pegava o rádio.

_ Entrem! _Sua resposta foi obedecida quase que de imediato.

Assim que chegaram em frente à casa algumas viaturas já haviam

parado e policiais já invadiam a residência. Mateus e Renato saíram

do carro rapidamente com as pistolas em mãos. Entraram na casa

pela porta da frente enquanto outros policiais entravam por outras

vias. A casa tinha um muro alto, mas o portão estava escancarado por

causa da festa. O que era uma coisa boa, pois o portão, apesar de ser

de grade, tinha uma chapa de metal , talvez alumínio, presa com

arame às grades. Se estivesse fechado era impossível olhar dentro da

casa sem abri-lo, arrombá-lo ou pular o maldito muro.

_Todo mundo pro chão! Ninguém se mexe! _Gritou Mateus

apontando a arma para todos os lados assim que ambos passaram

pelo portão e adentraram no quintal mal-cuidado onde boa parte dos

convidados estavam.

O grito da voz forte de Mateus ocasionou a reação oposta de sua

ordem. No mesmo instante todo mundo da festa se desesperou

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tentando fugir dali. Apenas algumas poucas pessoas se abaixaram.

As demais tentavam pular a janela ou correr, mas eram

imediatamente imobilizada por policias da equipe. No meio do caos

o barulho de um tiro deixa todos ainda mais desesperados e os

policiais ainda mais alertas. Felizmente, a bala disparada pela arma

de um dos traficantes não acertou alvo algum. O tiro fora dado

apenas para que ele pudesse correr pelos fundos da casa.

_ Levem todos de custódia! Não importa se é bandido ou filhinho

de papai! _ Deu Mateus a ordem enquanto saiu em perseguição do

bandido.

O bandido atravessou o interior da casa como um raio, pulando o

muro dos vizinhos que, a essa altura já se refugiavam dentro de suas

casas. Mateus não perdeu tempo em segui-lo, apesar de quase

tropeçar em uma mesa de centro no meio da sala e ter de abrir a

antiga porta de vidros dos fundos da cozinha, que havia sido fechada

durante a fuga para atrasá-lo. Perseguiu-o pelo quintal do vizinho

após pular o muro dos fundos, evitando, contudo, de atirar. Não

queria feri-lo gravemente, entendia, como Cristão, que deveria

utilizar a arma em ultimo caso.

_ Onde você está? _ Perguntou a voz de Renato no rádio portátil

que todo policial carregava consigo.

_ To saindo na rua de trás! _ Respondeu ao parceiro sem

desanimar o passo assim que pulou pelo portão do vizinho dos

fundos até a rua atrás da casa do traficante.

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Mateus continuou a perseguição rua abaixo. Apesar dos tiros

disparados pelo rapaz nenhum o acertava, pois o bandido nem

olhavam para onde estavam atirando. Mesmo assim, por vezes,

Mateus abaixava-se por reflexo ou corria pela calçada onde tinham

arvores e carros para protegê-lo.

Mateus o alcançou na esquina. Saltando sobre o traficante

tentando imobilizá-lo. O traficante, contudo reagia. Ambos estavam

frente a frente quando Mateus ouviu o disparo da arma. Uma dor

imensa percorreu seu abdome fazendo-o ir ao chão. Ao voltar a si

olhou de volta o bandido que disparara o tiro. O rapaz o olhava

friamente com a arma apontada. O rosto moreno e magro, a boca se

contraia entre a barba curta, que descia pelas costeletas e se fechava

em um cavanhaque bem fino. Os olhos negros pareciam transbordar

seu ódio e a mão grande e magra se fechava em torno do revolver

calibre 38 em suas mãos.

Mateus imaginou seu fim. As piadas se tornariam reais. Sua

esposa grávida seria viúva aos 24 anos. Sua filha jamais conheceria

seu verdadeiro pai. Mas eles teriam o dinheiro do seguro de vida.

Erica poderia se casar de novo. Não lhe faltariam recursos. Além

disso, poderiam se reencontrar na eternidade. Mateus não queria

morrer, mas se conformava. Fechou os olhos esperando sua sentença

de morte.

_Viver é Cristo _sussurrou baixinho para si mesmo na esperança

de encarar melhor a própria morte _ Viver é Cristo e morrer e lucro.

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O som de um disparo cortou suas orações. Mas o disparo não

veio da arma do traficante. Não. A bala disparada pelo seu parceiro

Renato que acabara de chegar com uma viatura e estava parado atrás

da porta aberta do carro acertara em cheio o braço que apontava a

arma para Mateus. Isso foi o suficiente para assustar o bandido,

fazendo-o fugir rua abaixo e sumir na escuridão da noite que acabara

de cair. Renato correu para ajudar o amigo caído enquanto passava a

descrição do bandido pelo rádio e solicitava uma varrida no

perímetro da área.

_Você ta bem? _ Perguntou seu parceiro de cabelos loiros curtos

e olhos azuis enquanto se abaixava para verificar como estava o

amigo.

_Estou. Pegou no colete. _Respondeu enquanto se escorava em

Renato que o ajudava a se levantar. _ Mas o cara fugiu.

_ Não importa, já estão procurando por ele. Vem. Vamos voltar,

já devem ter terminado na casa!

==

O som emitido pela rolha da garrafa de Champanhe ao ser aberta

e voar pelos ares fez a jovem Erica dar um pequeno pulo de susto e

enfiar a cabeça entre os ombros como reflexo. Mateus despejava,

derramando várias vezes, o liquido da garrafa em seu copo e, em

seguida no de Erica e de seu parceiro Renato. Após encher o copo

dos três Mateus entregou a garrafa para o amigo enquanto se voltava

para a esposa sorridente.

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Se sentia o homem mais sortudo do mundo por tê-la ao seu lado.

Os cabelos ruivos cacheados caiam-lhe pelos ombros até as costas.

As pequenas sardas em seu rosto davam-lhe uma beleza especial e,

pelo menos ao seu ver, realçavam ainda mais os olhos verdes da

mulher. O Sorriso branco como neve completava aquele belo rosto

levemente arredondado agora por causa da gravidez. Mateus olhava

tudo aquilo como se fosse uma obra de arte. A mais bela obra de arte

jamais feita.

Estendeu a mão entregando-lhe uma das taças cheia de

champanhe e teve que suportar uma careta de reprovação da jovem

esposa. A careta que fazia apertando os olhos e a boca e virando a

cabeça levemente para a direita olhando ainda em seus olhos.

_ Sabe que não posso beber. _ A voz suave de Erica saia pela sua

boca como uma canção para Mateus. Não era a toa que quase sempre

era chamada para cantar diante da igreja _Pode fazer mal para o

bebê!

_Só uma taça! _Insistiu Mateus sorrindo de orelha a orelha. Ele

era péssimo em disfarçar o quão bobo ficava quando olhava para a

esposa, ainda mais agora que esperava uma filha sua.

Erica ponderou e por fim aceitou estendendo a mão para pegar a

taça.

_Só uma! _Advertiu a mulher ao pegar a taça e levá-la até a boca

sugando um pouco do liquido.

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Mateus se aproximou e beijou-a nos lábios em seguida se

ajoelhou em frente a esposa e levantou levemente a camiseta branca

revelando a barriga de 5 meses. Beijou-a.

_ Aposto que você também quer comemorar com o papai, não é?

_ Mais quatro meses ainda _Disse Erica acariciando também a

barriga.

_Vocês dois estão num grude só! _Ouviu-se a voz da irmã de

Mateus que se aproximava segurando uma taça de champanhe

também. Os cabelos negros escorridos pareciam dançar por causa da

forma rápida como a irmã caminhava.

_ Um dia você vai encontrar alguém pra você também, irmãzinha

_ Disse Mateus se levantando para receber o abraço da irmã que já

estava em cima dele, por causa do andar rápido. _ É só esperar.

_ Você sabe que o que uma corredora mais odeia é esperar! _

Respondeu a irmã ao se afastar. _Parabéns pela promoção! Até que

em fim atrás de uma mesa!

_ Logo teremos que fazer outra comemoração quando você for

para as olimpíadas, Raquel! _Respondeu Mateus

Raquel deu de ombros e balançou a cabeça, fazendo seus cabelos

se bagunçarem em seu rosto. Voltou-se para Mateus encarando-o

com seus olhos negros e cruzou os braços finos.

_Acho que vai demorar um pouco pra isso acontecer. Meu tempo

não está nada bom.... e nem tenho ido muito bem nas ultimas

competições.

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_ É só um momento. Você vai melhorar logo. _ disse Erica

confortando Raquel.

As duas sempre foram boas amigas de infância. Apesar de

Raquel ser três anos mais nova que Erica, ambas se deram muito

bem quando se conheceram. Na época, Raquel tinha 10 anos e Erica

13. "Foi amizade a primeira vista" costumavam brincar. Três anos

depois, Mateus e Erica começavam a namorar.

_E o cara que fugiu? _Perguntou Raquel mudando de assunto

_Fugiu mesmo. Não conseguiram pegá-lo. Mas a foto dele está

aparecendo em todos os jornais da região... Logo vão encontrá-lo.

_ Você devia ter atirado _Falou Renato que vinha atrás de

Mateus. _ As vezes acho que você tem misericórdia até demais dessa

gente.

_ Já parou pra pensar que muitos deles seguiram por esse

caminho exatamente porque a sociedade não tem misericórdia dele?

_Argumentou Mateus em resposta.

_ De novo com esse papo? _ Respondeu Renato já sem paciência

para esse ponto de vista do amigo _Eles fizeram a escolha deles! Não

tem por que ter pena.

_ Talvez. Ou talvez muitos deles não saibam que tinham outras

escolhas pra fazer...

_ Chega desse assunto _Interrompeu Erica _Estamos aqui pra

comemorar!

A festa foi até pouco depois do inicio da noite. A maioria dos

convidados já havia ido em bora antes das 21hr. O ultimo a sair foi

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Renato as 22:00. Mateus acompanhou o amigo até a saída de sua

casa e aguardou no portão branco enquanto observava o amigo entrar

no carro. Um Palio Weekend quatro portas prateado novo em folha.

_ Onde conseguiu dinheiro pra isso ai? _Perguntou Mateus do

portão.

_ Acabei de fazer uma apreensão fenomenal! Fui promovido!

_Gritou Renato de dentro do carro antes de partir.

Duas buzinadas foi sua forma de se despedir antes que Mateus

fechasse o portão branco e seguisse de volta para dentro da casa

amarela onde morava. A porta da frente dava para a sala, onde sua

adorável esposa esperava sentada ao sofá assistindo alguma série que

passava na TV a cabo. Algo sagrado para Erica. Ela adorava essa

série. Mateus não acompanhava muito, mas adorava ficar na

companhia da esposa enquanto ela explicava todas as tramas e

intrigas que ocorriam na série.

Já era quase meia noite quando foram se deitar e Mateus não

demorou para pegar no sono. A festa de comemoração o desgastara

demais naquele final de semana. A promoção já estava garantida.

Enfim, ficaria fora do perigo das ruas. Poderia cuidar de Erica e Laís.

Ganharia bem o suficiente para pagar uma boa escola particular para

a filha.

Antes até gostava de ficar pelas ruas. A sensação de dever

cumprido após alguma tarefa. Os sentimentos heróicos que lhe

invadiam o peito sempre que prendia alguém ou chegava na hora

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certa para impedir um roubo ou assassinato. Mas estava na hora de

deixar aquela vida para trás. Sua família era mais importante.

Lembrou-se de Erica entrando em sua casa pela primeira vez. Ela

e Raquel ainda pequenas correndo escada acima na aconchegante

casa dos pais assim que chegaram da escola. Lembrou-se de quando

começaram a freqüentar a igreja. A partir daí se aproximaram mais e

mais. Se envolveram juntos em alguns ministérios. Mas foi quando a

viu cantar no altar que se apaixonou pela menina. E, foi durante o

batismo que começou a investir em um relacionamento, apressando-

se a oferecer uma toalha seca para a jovem assim que saiu da água

com os cabelos grudando em seu pequeno corpo de tão molhados,

nem pareciam cacheados, sua toalha. Ele mesmo ainda estava

encharcado, guardara a toalha para que ela se secasse. Ela sorriu.

Pela primeira vez via o sorriso dela tão de perto. Decidiu que seria

ela. Teria que ser ela.

Agora ela dormia logo ali ao seu lado. Grávida de sua primeira

filha. Ainda se lembra de quando a esposa anunciara a gravidez. Foi

o segundo momento mais belo de sua vida, o sorriso fora o primeiro. 

Estava com a esposa quando fez o ultrassom e ouviu o coração de

Laís. E ele a amava. Amava Erica e amava Laís, mesmo essa ainda

não tendo nascido. Ele amava sua família.

Os sonhos foram interrompidos por um barulho vindo de algum

canto da casa. Mateus se levantou assustado no meio da madrugada.

Pensava ter sido sua imaginação. Jurava ter ouvido um vidro se

quebrando. Um copo? Talvez uma janela. As janelas tinham grades.

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Ninguém entraria. Desejou que fosse algum copo que caíra na

cozinha.

Outro ruído. Dessa vez de uma porta se abrindo. Lembrou-se que

a porta da cozinha que dava para os fundos da casa era de vidro.

Mateus arregalou os olhos. Alguém estava invadindo sua casa. Olhou

para Erica. Ainda estava dormindo. Levantou-se devagar para não

acordar a esposa. Vestiu uma bermuda, mas não calçou nada nos pés,

para que o calçado não fizesse barulho.

Mateus se dirigiu até o armário do quarto e abriu a porta.

Esticou-se na ponta dos pés e alcançou a arma escondida na parte

superior do armário. Pegou o celular e saiu do quarto tentando fazer

o menor sinal possível. Sem perder um minuto ligou para o amigo

que atendeu com voz de sono depois de alguns toques.

_ Isso é hora de ligar? _ Respondeu a voz de sono de Renato do

outro lado da linha

_ Acho que alguém está invadindo minha casa. _Sussurrou

Mateus

_ O que?! _ Renato respondeu apressadamente do outro lado da

linha.

_ Ouvi o vidro da porta da cozinha se quebrando e a porta se

abrindo _explicou Mateus _Tenho certeza que alguém entrou aqui!

_ Aguenta ai! Já to indo! Vou chamar o reforço! Fique ai!

_Respondeu a voz do amigo que agora não parecia nem um pouco

com alguém que havia acabado de ser acordado no meio da

madrugada.

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Mateus desligou o telefone e seguiu o mais silencioso o possível

em direção à cozinha. A arma em punhos apontada para frente. A

casa de Renato era próxima dali. Não demoraria muito para chegar.

E, se o amigo chamar reforço informando que é a casa de um

policial, logo teriam algumas viaturas ali também.

Mateus seguiu pelo corredor que dava para o quarto até chegar à

sala. Olhou atentamente na escuridão. Os olhos já haviam se

acostumado ao escuro enquanto atravessava o corredor. Queria evitar

de ascender a luz. Não queria chamar atenção de quem quer que

fosse o idiota que invadira sua casa. Seguiu pela porta à esquerda que

dava para a sala de jantar e depois para a cozinha.

A cozinha não estava muito bagunçada, tirando o fato de que a

porta estava realmente aberta. O vidro estava quebrado. Mateus e

Erica tinham o péssimo habito de deixar a chave presa na fechadura

da porta dos fundos. É de fato um péssimo habito. Mateus olhou em

volta. Quem quer que tenha entrado já tinha saído dali. Pensou em

voltar e checar Erica. Ficar de prontidão próximo à esposa esperando

que os reforços chegassem. Sentiu o celular vibrar no bolso da

bermuda. Era Renato.

_ E ai, cara! Já to indo até ai! E já chamei reforços também!

Logo logo eles vão chegar!

Não deu tempo de responder. Mateus ouviu um barulho vindo de

trás dele. Virou-se a tempo de ver um vulto saltando sobre ele com

uma faca. Largou o celular bem a tempo de segurar os braços do

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homem. Os dois caíram ao chão. A arma de Mateus escorregou para

baixo da mesa enquanto ele tentava segurar os braços do agressor.

Assim que o rosto do homem ficou próximo o suficiente,

conseguiu, apesar da escuridão distinguir sua identidade. Era o

traficante. O mesmo traficante que deixara escapar alguns dias atrás

naquela apreensão. O homem cerrava os dentes e parecia

completamente enfurecido.

_ Pensou que ia ficar por aquilo mesmo? _Disse o traficante com

palavras furiosas. Gotículas de saliva voavam em Mateus a cada

palavra. O hálito horrível podia causar enjôo em Mateus, mas a

adrenalina da batalha era intensa.

Mateus dobrou o joelho e empurrou com um chute o inimigo

para trás, fazendo-o cair. Em seguida apressou-se em cair por cima

dele e agarrar a mão que segurava a faca. Torceu o braço do sujeito

que se rebatia sob ele até que soltasse a faca. Não perdeu tempo em

apanhá-la e jogá-la para longe.

Mas essa atitude de jogar a faca para longe abriu brecha o

suficiente para que o traficante virasse o jogo, se pondo sobre ele e

socando-o no rosto. Mateus bloqueava os golpes do inimigo como

podia. O barulho das sirenes distraiu o bandido o suficiente para que

Mateus o acertasse bem no olho, fazendo-o recuar e cair.

Mateus se pôs de pé com dificuldades e tentou recuperar o

fôlego. Mas assim que se virou, viu que o traficante pegara a arma de

Mateus que rolara para baixo da mesa. Mateus pensou em correr para

a porta dos fundos que estava bem atrás dele, mas daquela distancia,

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não teria tanta sorte quanto teve na rua. Tentou se acalmar, ganhar

tempo até que os reforços chegassem, ou o bandido se distraísse para

que recuperasse sua arma.

_ Ta ouvindo as sirenes? _ Perguntou tentando ganhar algum

tempo_ Logo logo eles estarão aqui. E você vai estar preso.

_ E você vai estar morto! _Disse o traficante apontando a arma

para a cabeça de Mateus.

Mais uma vez Mateus via-se encarando aquele bandido daquela

forma. E dessa vez não estava usando colete algum. Depois de tudo,

será que morreria em sua própria casa? Um barulho vindo da sala de

jantar alertou o traficante. Provavelmente era Renato que chegara

sorrateiramente.

Tudo aconteceu muito rápido. Uma imagem se formou atrás do

traficante e a luz se ascendeu. Não era Renato. Era Erica, indo

verificar o que era aquele barulho todo. Arregalou os olhos quando

viu a cena. Sua boca se moveu como se fosse gritar. Mateus tentou

gritar para que ela voltasse. Nenhuma das duas ações foi tão rápida

quanto a do traficante.

Com o susto da luz ter ligado, o homem com a arma se virou

num reflexo rápido. Sem saber quem vinha por trás e, provavelmente

imaginando ser um policial, como Mateus dissera, o traficante virou-

se rapidamente e disparou a arma na primeira pessoa que viu.

Erica, que estava no começo de seu grito estancou o som na

mesma hora. Como se de repente sua voz, sua bela voz de canto fora

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tirada. Apenas um som abafado de sua respiração saiu de sua boca.

Ela se curvou ao impacto da bala e caiu ao chão em seguida.

No inicio tudo rodou, por alguns segundos talvez. Era como se

aquele som abafado da voz de Erica tivesse, não só tirado sua voz,

mas todo o som no ambiente. Mateus não ouvia mais nada. Apenas

via o corpo de sua esposa caindo ao chão. Correu em direção a

mulher, quase tropeçando, enquanto só conseguia perceber com o

canto do olho o traficante saindo pelos fundos.

Chegou até o corpo da esposa e virou-a de frente. Seus olhos

verdes ainda estavam arregalados e seu rosto inchado pela gravidez

expressava uma feição de terror. Mateus tocou em seu abdome e

sentiu um liquido quente fluindo pelo buraco que a bala fizera.

Não conseguia assimilar as coisas direito. Sentiu uma mão em

seu ombro. Pôde perceber pelo canto do olho que era Renato, que

acabara de chegar. Parecia estar falando algo pelo celular. Talvez

chamando uma ambulância. Mateus não se importava com o que

quer que o amigo estivesse fazendo. Segurava a esposa em seus

braços. Uma das mãos apoiando a cabeça ruiva enquanto a outra

tentava pressionar o ferimento.

Mas sabia que era em vão. Mesmo não querendo acreditar, sabia

que era em vão. Via a palidez tomar conta do rosto da esposa. Erica

tremia os lábios como se tentasse pronunciar alguma palavra. Mateus

balançou a cabeça para que ela não dissesse nada. Mesmo assim a

mulher insistiu.

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_ Eu perdi ela.. _Falou com dificuldade, como se fizesse uma

força tremenda para reunir ar para proferir aquelas palavras enquanto

as lagrimas brotavam de seus belos olhos verdes _Eu estou

sentindo... Eu perdi Laís. Eu...

Aquelas ultimas palavras da esposa foram um soco direto no

estomago de Mateus. Quis chorar, quis correr dali. Quis ir atrás do

homem que causara aquilo. Mas não fizera nada daquilo. Sentiu a

mão de Renato novamente em seu ombro. O amigo agora se

abaixava ao lado dele. Parecia dizer algo, mas o mundo voltara a

ficar sem som para Mateus.

Mateus viu os olhos de Erica perderem a vida deixando escapar

algumas ultimas lágrimas. Enfim suas próprias lágrimas saíram.

Apertou a cabeça da amada contra seu peito e deixou o choro sair.

Sem se importar que parecia agora um garotinho de dez anos. Ele

deixou o choro sair.

Depois de tanto se preocupar em não deixar Erica uma viúva, ele

próprio se tornara viúvo. Por um erro. Por uma ação idiota. Se

tivesse atirado naquele dia. Se tivesse agido rápido. Mas não atirou.

Deixou aquele homem escapar. Aquele homem que tirou a vida de

sua esposa. Que tirou a vida de sua filha. Que tirou tudo que ele mais

amava. Que tirou sua família.

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Capitulo um

O dia estava particularmente bonito naquela manhã de quarta-feira. O céu estava com poucas nuvens que, ora cobria o sol ora deixava que seus raios aquecessem a grama verde, espantando a leve brisa que a manhã trazia consigo. Os pássaros cantavam alegremente em seus ninhos nos galhos das árvores ou voavam de um lado para outro. Por vezes, era possível ver alguns pássaros aterrissando na grama para pegar algum inseto que se escondia no meio das plantas.

O som distante dos carros era quase imperceptível. E a calmaria daquele lugar permitia que qualquer um que se sentisse a vontade pudesse se sentar e meditar o dia todo sem ser atrapalhado. Aquele é, sem duvidas um lugar calmo e belo. Sem os sons barulhentos da cidade grande ou de pessoas falando alto no celular. É quase impossível pensar que um lugar tão calmo e belo como aquele carregasse consigo uma enorme tristeza do coração daqueles que andam por esse lugar.

Os sons do canto dos pássaros e o silêncio da natureza era, por vezes, interrompido pelos soluços e gemidos de tristeza que vinham de um pequeno grupo de pessoas de alguma parte daquele cemitério. Em um caixão, rodeado por pessoas amadas, o corpo de um homem já idoso descia lentamente até o fundo de uma vala para, em seguida, ser coberto de placas de cimento e terra.

Observar aquela cena fez com que o coronel Mateus se lembrasse do triste momento em que sua esposa fora enterrada. Por um breve período de tempo Mateus observou aquelas pessoas se despedindo, em meio a lágrimas, do homem que estava sendo agora enterrado.

Voltando sua atenção a sua frente permaneceu em silêncio enquanto corria os olhos para os dois nomes marcados na lápide de bronze: Erica e Laís Vieira. Ambas com a data de morte de 04 de

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Fevereiro de 2010. O dia de maior angústia de sua vida. Fizera questão que o nome da filha, que ainda nem havia nascido estivesse na lápide. Quinze anos se passaram desde então, mas a dor no peito parece ainda tão forte quanto aquele momento.

Os sons de passos se aproximando cortaram seus pensamentos. Mateus viriou-se na direção dos passos sem perder sua postura ereta e firme, segurando o quepe nas mãos que tirara em respeito aos nomes gravados na lápide a sua frente.

Bem próximo de Mateus, há apenas alguns passos dali um homem aparentemente um pouco mais velho que Mateus trajando roupas sociais se aproximava calmamente com uma leve expressão de paz no rosto. A bíblia que carregava em suas mãos negras deixava bem claro que aquele homem era o pastor que pregara no velório do velho.

_Bom dia. Tudo bem? _Cumprimentou o pastor com sua voz mansa. Um sorriso leve abriu-se no rosto recém barbeado do pastor.

_ Bom dia. _Respondeu Mateus sem dar muita importância à tentativa amistosa do pastor de conversar e ignorando completamente a pergunta de “tudo bem”.

_Eu sou o Pastor Carlos. De uma igreja aqui perto. _O pastor estendeu uma de suas mãos esperando que o policial à sua frente a apertasse.

_Mateus. _Disse secamente.

Mateus apenas olhou para a mão estendida do pastor, mas ao invés de apertá-la apenas fez um leve movimento com a cabeça como cumprimento. Carlos recolheu a mão encabulado. Certamente o homem à sua frente não estava com a intenção de fazer novos amigos. Mantinha sua cara fechada e o cavanhaque que circulava a boca comprimida do policial acentuavam ainda mais seu ar de poucos amigos.

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Carlos se voltou para o túmulo à frente do policial. Observou a data de morte: 04/06/2010. Como estavam no mês de Agosto, concluiu que aquele homem não estava la para comemorar o aniversario de morte daquelas duas vidas.

_Você vem aqui com freqüência? _Perguntou o pastor gentilmente.

_Você vem? _Retrucou o policial.

_Bem.... _Começou Carlos_ Me mudei para essa cidade há uns dois anos. Todos meus familiares que morreram não estão enterrados por aqui.

O policial permaneceu em silêncio. Voltou sua atenção para a lápide a sua frente. O pastor permaneceu ali por alguns segundos. Então fez uma nova tentativa.

_Eram pessoas que você amava?

_ Minha mulher e minha filha _Respondeu Mateus secamente. Sentiu uma pontada na garganta, mas segurou qualquer lágrima que quisesse escorrer pelos seus olhos.

_Entendo... _Carlos permaneceu em silêncio por algum tempo. _Morreram no parto?

Mateus encarou o pastor como se este tivesse acabado de cruzar uma linha que não deveria ter cruzado. Seus olhos castanhos escuros fuzilavam os olhos negros do pastor. Sua boca ficava mais comprimida ainda no meio de seu cavanhaque e suas sobrancelhas se curvaram para o centro da testa sob seus cabelos curtos e negros, com alguns fios brancos.

Carlos pareceu entender o risco que corria. E tentou desculpar-se imediatamente. O policial relaxou diante das sinceras desculpas do pastor e voltou-se novamente à sua adorada lápide.

_Se algum dia precisar conversar _disse Carlos esticando a mão com um pequeno cartão entre os dedos. _Aqui tem meu numero e o endereço da igreja que participo.

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Mateus encarou o cartão por um instante, mas por fim resolveu pegá-lo e guardá-lo no bolso.

_Eu tenho que ir agora _disse o pastor ao observar a massa de pessoas descendo pelo cemitério após o enterro. _Se precisar. Não hesite em me ligar.

Carlos deixou Mateus sozinho com sua lápide e seus pensamentos e seguiu o resto das pessoas que desciam até a saída do cemitério. Mas a solidão de Mateus não durou por muito tempo. Acabou sendo interrompida pelo seu celular que tocava. Matheus apressou-se em pegar seu iPhone 5 do bolso olhando para o nome marcado na tela do celular. Era sua irmã, Raquel. Relutou por um momento decidindo se valia ou não a pena atender ao telefone. Por fim acabou atendendo, sabendo que mesmo se não atendesse a irmã continuaria tentando e até iria à delegacia atrás dele.

_Alo. _Atendeu Mateus com sua voz forte.

_Ei sumido! É sua irmã aqui. Você se lembra que tem uma irmã, não é?

Mateus não respondeu nada. Apenas suspirou.

_Bom. De qualquer modo _continuou a irmã _Nesse sábado vamos comemorar o aniversário do seu sobrinho. Seria muito importante se você fosse. Faz tempo que você não nos faz uma visita.

Mateus pensou por um tempo. Estava decididamente inclinado a recusar o convite. Mas isso iria gerar algum conflito familiar. Decidiu por fim que seria melhor aceitar o convite. Ficar um tempo na festa e ir em bora logo depois dos parabéns.

_Claro. Nesse sábado? Na sua casa? Eu vou aparecer.

_Ótimo. Porque seu sobrinho está mesmo com saudades.

_Ok. Ok. Eu tenho que ir trabalhar agora. Tchau

Mateus desligou o telefone, deu uma ultima olhada para a lápide onde estava escrito os nomes da esposa e da filha e desceu o longo caminho que levava até o estacionamento do cemitério. Entrou em

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seu Opala azul 87 que comprara assim que fora promovido a coronel e seguiu para a delegacia de polícia.

A delegacia de policia estava um pouco movimentada naquele dia. Não que houvesse um grande numero de prisões e queixas. Mas um único homem recém apreendido por agressão contra um homossexual parecia não concordar em estar ali.

O homem alto, branco e magro parecia gritar com todos os policiais o quão incompetente têm sido a policia nos últimos anos. O homem se vestia bem, com roupas sociais de marca. Parecia pertencer a uma classe social mais elevada.

_Tanta gente pra prender e vocês vem prender gente de bem! _Gritava a sua volta impaciente. _Por que não vão prender aquelas pessoas dos protestos que ficam depredando lojas? Ou aqueles políticos corruptos? Vão prender ladrão de verdade!

Um jovem policial tentou acalmar o homem exercendo o maior tom de autoridade que conseguia, mas o homem não se intimidava com nada. Continuava berrando a todos que estão cometendo um erro. O jovem policial, apesar da concentração em tentar acalmá-lo não conseguia parar de pensar no fato que, mesmo se mexendo bruscamente, os cabelos castanhos do homem bem vestido não se movia um milímetro sequer. Deveria ter usado pelo menos um pote inteiro de gel para ficar daquele jeito.

_Não vem me mandar ficar calmo não! Eu estava no meu trabalho quando aquela bicha veio dando em cima de mim! Ele mereceu apanhar! _gotículas de saliva voavam pela boca do homem enquanto berrava com o jovem policial a sua frente.

O policial não era muito velho. Tinha cerca de 22 anos. Era também mais baixo que o homem de terno. Talvez por isso não parecia passar muita segurança. Os olhos claros do jovem policial estavam arregalados diante da hostilidade de seu adversário. O rosto fino e jovem contribuía para que sua presença diminuísse diante do homem que agora andava de um lado para o outro impaciente.

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_Qual é o seu nome? Hein? _Falou o homem de terno se aproximando do jovem policial.

_ Lucas. Meu nome é Lucas. _Respondeu o jovem tentando ser o mais firme o possível.

_Lucas _começou o agressor tentando se acalmar. _Você deve ser novo na policia ou algo assim. Você sabe quem eu sou? _o homem não esperou o jovem policial responder _Eu sou Magno Dantes. Sou um gerente de uma grande empresa.

Lucas apenas observava mantendo sua postura enquanto Magno falava e gesticulava loucamente tentando explicar um motivo para o liberarem.

_Meu trabalho é muito importante! Eu não posso ficar aqui parado o dia todo! Eu sei que não estou errado e isso aqui não vai dar em nada! Então acelera logo isso que eu tenho coisa mais importante para fazer!

Lucas tentava explicar ao homem o erro que cometera ao agredir fisicamente e verbalmente outra pessoa que sequer reagia. O homem rebatia as acusações com gritos e impaciência.

Mateus adentrou pela porta observando, logo de cara a confusão que ocorria no meio da delegacia. O homem de terno gritava e berrava com o jovem Lucas que recentemente havia entrado para a policia. E o jovem parecia lutar ao máximo para manter a calma diante do agressor.

_O que ta acontecendo aqui? _Perguntou para Renato que se aproximava calmamente do amigo com uma cara de que estava se divertindo com a cena.

_O novato recebeu uma queixa de agressão e foi verificar. Voltou com esse cara aí. Parece que ele estava espancando um gay. Mas assim que chegou começou a fazer essa cena e gritar com todo mundo.

_E ninguém foi la ajudar o menino?

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_Ah! Deixa ele lidar com a situação. _Renato ria diante da cena em que um homem alto e magro com uma roupa social e um cabelo impecável gritava e berrava com um jovem policial recém chegado que tentava acalmá-lo.

Mateus não quis se juntar com o amigo para aquela atitude. Estava estressado demais naquela manhã. Teve que agüentar a falácia de um pastor e ainda prometer que ia ao aniversario do sobrinho. Se aproximou a passos firmes até o local da confusão. A medida que Mateus se aproximava os olhares de todos dentro daquela delegacia o seguia, como se já esperassem que algo acontecesse.

_O que está acontecendo aqui? Por que está gritando com uma autoridade? _Disse firmemente ao se aproximar do homem histérico.

Lucas, ao perceber a presença de Mateus deu um passo atrás arregalando ainda mais os olhos e deixando um suor frio escorrer de sua testa branca. Magno, por outro lado não quis se intimidar. Olhou Mateus de cima a baixo, com um olhar arrogante.

_Eu estou tentando resolver um problema que esse moleque me causou! Se não vai ajudar... _A fala do homem foi cortada por um soco direto na boca dado por Mateus. O impacto foi tão forte que o homem desmontou-se no chão.

Antes de sequer se dar conta do ocorrido e ainda tentando se ajeitar no chão, Mateus se aproximou com o dedo em riste apontado para o homem que, pela primeira vez, parecia estar com o cabelo levemente despenteado.

_Em primeiro lugar, _Começou Mateus com a cara fechada e o dedo apontado _Você cria bola nesse saco pra falar comigo nesse tom! E em segundo lugar, você foi preso por agressão, sua postura dentro dessa delegacia não estão lhe ajudando em nada. E por ultimo, você está desrespeitando uma autoridade.

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Mateus se endireitou, deu as costas para Magno que ainda estava caído no chão levando a mão à boca e conferindo se sangrava muito. Em seguida virou-se para o jovem Lucas e, sem hesitar deu a ordem.

_Pode algemar. Esse aí vai ficar o dia inteiro aqui até vermos o que vai acontecer com ele.

Enquanto Mateus dava as costas para a situação o jovem Lucas corria a algemar o homem, que agora parecia realmente mais calmo. Mateus ignorou qualquer olhar em sua direção ou qualquer atitude que poderia vir de Magno naquele momento. Se dirigiu à cafeteira e pegou um como cheio de café.

_Essa é uma boa maneira de lidar com a situação. _Renato surgia de trás do amigo com seu próprio copo de plástico com café pela metade.

_Não tenho tempo pra essa gente choramingando por aqui. Já estou tendo um dia péssimo. _Fez uma pausa enquanto derramava um sache de açúcar em seu café e remexia com uma pequena haste de plástico _Minha irmã me ligou essa manhã. Vou ter que ir na festa do meu sobrinho no final de semana.

_Ah! Uma festa realmente é algo de acabar com o humor de qualquer um. _Respondeu Renato ironicamente.

_Se precisar de mim estarei na minha mesa. _Disse Mateus enquanto seguia em direção ao corredor que dava para a parte de trás da delegacia, onde várias mesas se encontravam em uma larga sala.

Renato o seguiu e se sentava na cadeira diante da mesa do amigo. Olhava-o mexer nos papéis enquanto ligava o computador.

_O pessoal ta pensando em ir para um happy hour depois do expediente hoje. Nós vamos todas as quartas. Ajuda a relaxar no meio da semana.

Mateus bufou. Não queria, de maneira nenhuma queria ir a um bar cheio de gente bêbadas.

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_Só acho que você está bem fechado nos últimos anos. Não convive com ninguém. Aposto que sua irmã pensa o mesmo.

_Você não tem trabalho para fazer? _Retrucou Mateus que não queria ouvir sermão do amigo.

_Tenho. Mas posso mandar alguém fazer por mim. _Respondeu o amigo sorridente_ Por isso fui promovido. Olha só!

Renato apanhou uma ficha que estava em cima da mesa de Mateus com um post it escrito “pesquisar histórico”. Em seguida virou-se para o policial novato mais próximo que passava por ali.

_Ei! Novato! _Chamou. _Pesquisa o histórico criminal desse cara aqui para nós e deixa na mesa do coronel Mateus.

_O - ok _Gaguejou o novato. Apanhou a pilha de papeis que segurava em um único braço e estendendo o outro apanhou a ficha e seguiu seu caminho.

_Viu _Disse Renato voltando-se para o amigo _Até o fim da tarde o trabalho vai estar feito. Então. Happy hour hoje?

Mateus suspirou.

_Eu não to a fim, ta? Fica para a próxima.

Renato se entristeceu. Mas sabia que não adiantaria insistir. Nos últimos anos o amigo se fechara em seu mundo. É verdade que se dedicou tanto ao trabalho desde a morte da esposa que acabou chegando a ser coronel. Mas ao invés disso se distanciou dos amigos e da família. Até a igreja, que Mateus nunca falhava não importa o que houvesse, deixou de ir. Não que Renato pudesse julgá-lo. Também abandonou a igreja alguns anos atrás. Mas nunca fora tão devoto quanto Mateus costumava ser.

_Deixa eu adivinhar _Disse Renato se levantando _Vai se trancar na sua casa, bebendo sozinho e assistindo os DVDs daquela série antiga de novo. Devia dar uma olhada no Netflix.

Apesar do olhar fuzilante de Mateus, Renato não pareceu se intimidar. A postura que Mateus adotou nos últimos anos intimida

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todo mundo, menos Renato, que o conhecia desde pequeno. Ao invés de se desculpar ou dizer alguma coisa respeitosa, Renato apenas deu de ombros e se afastou, indo conversar com outros policiais.

Não que Renato esteja errado. Quando Erica ainda estava viva, Mateus achava aquela série sem graça e tediosa. A esposa tinha que, em todos os capítulos, explicar o que estava acontecendo para o marido que não prestava a mínima atenção. Agora, deve ter assistido a esses DVDs tantas vezes que até decorou as falas.

O resto da manhã foi bem calma. Antes mesmo do meio-dia o recruta para quem Renato entregou a ficha retornou com o histórico criminal do individuo. Aparentemente o rapaz já tinha um histórico anterior envolvendo roubos e uso de entorpecentes. Era um suspeito de um roubo a uma loja próximo ao centro. Mesmo não tendo provas mais concretas, foi o suficiente para Mateus o chamar para o interrogatório.

Desde a morte da esposa, os interrogatórios de Mateus tem se tornado cada vez mais hostis. Ele certamente não tinha muita paciência para qualquer bandido ou criminoso que fosse. Isso, muitas vezes gerava conflito com um advogado de defesa e uma conversa com seu superior. Por isso, naquela tarde, quando vieram lhe chamar para a sala de seu superior, já estava preparado.

Bateu na porta e aguardou um “entre” de resposta. A sala do delegado era sempre bem arrumada e limpa. O delegado o esperava em pé, ao lado da mesa com sua postura reta e o uniforme impecável. Mateus entrou e se colocou em posição de sentido diante de seu superior.

_ Pode se sentar, Mateus. _Disse o delegado jogando-se em sua cadeira confortável de couro.

Mateus se aproximou e respeitosamente puxou uma das cadeiras em frente a mesa e sentou-se. Por cima da mesa seu superior o encarava com uma expressão séria. Seus olhos eram negros e com aparência cansada. Rugas apareciam em destaque em seu rosto, mas

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não tinham tanto destaque quanto o bigode grisalho sob o nariz largo. O homem digitou algumas coisas no teclado sobre a mesa e olhou para o monitor.

Enquanto esperava, Mateus não fazia nada além de observar alguns troféus de boliche no armário. A data mais próxima era de 1993. Desde então aquele velho a sua frente nunca mais deve ter ganho um campeonato amador de boliche. Sobre a mesa de mogno uma replica de plástico de um peixe pequeno que Mateus não sabia reconhecer. Nunca fora muito fã de pesca. Logo no centro da mesa uma placa preta com as palavras “delegado Sergio Silveira” gravadas, estava bem visível para que qualquer um que entrasse pela porta soubesse quem era aquele homem. Havia também um porta-retrato virado para o Delegado com uma foto dele com sua neta.

_isso é sobre minha postura com o suspeito hoje a tarde? _Perguntou Mateus cortando o silêncio.

Seu superior apenas o encarou com o canto do olho e voltou sua atenção para a tela do computador.

_Poderia ser. Mas já cansei de te dar sermão por causa disso, filho. Além do mais já sei o que você iria responder: “Essa gente é assim porque escolheu ser assim. Não precisa ter pena e bla bla bla”.

Essa afirmação deixou Mateus com um misto de preocupação e curiosidade. Franziu as sobrancelhas tentando entender o que estava havendo ali. Depois de muito refletir, concluiu que não tinha mesmo idéia do porque o delegado lhe chamaria se não fosse por causa de sua postura com os suspeitos.

_Então... _Disse Mateus sem entender.

Sergio se virou para frente, desviando sua atenção do monitor e voltando a encarar Mateus. Apoiou as mãos sobre a mesa, curvando-se um pouco.

_eu te trouxe aqui para te oferecer uma proposta. _Disse esboçando um leve sorriso quase que imperceptível devido ao bigode

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cheio _Nós dois sabemos que você é nosso melhor policial aqui. Também sabemos que você é bem rígido com os suspeitos e criminosos. Por isso tenho uma proposta ótima para você

Mateus permaneceu em silêncio refletindo sobre que tipo de proposta seria. Talvez voltar definitivamente para as ruas. Era certamente o que queria no momento. O delegado virou a tela do monitor para Mateus que pode ver o desenho de uma planta.

_Há um novo presídio que foi concluído recentemente. Nas periferias da cidade. _Disse o delegado mostrando calmamente a imagem _É um plano do governo para diminuir as superlotações e melhorar a qualidade e a segurança. O presídio está novinho em folha e alguns prisioneiros já estão prontos para serem transferidos. O estado pretende inaugurá-lo em breve.

_E você quer me transferir para um presídio? _Mateus sentiu uma raiva surgindo do seu intimo _Como eu não sigo as condutas de boa vizinhança com bandidos então vai me mandar pra ser guarda de presídio?

Sergio levantou as mãos pedindo que Mateus se acalmasse. Em seguida sorriu e continuou.

_Eu falei com meus superiores e, ao que tudo indica, ainda falta nomear alguém para como diretor dessa penitenciária. E eu disse que tinha alguém. _O delegado se ajeitou na cadeira e se curvou ainda mais, encarando Mateus de perto _A proposta não é para você ser um guarda de uma penitenciária, Mateus _Sergio abriu ainda mais o sorriso por baixo do bigode. _Eu estou te nomeando como diretor dessa penitenciária!

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Capitulo dois

As crianças corriam alegremente pelo espaço de festas e pulavam na piscina da casa de Raquel e Alisson, muitas vezes levando bronca dos adultos na proximidades por causa da enorme bagunça que faziam. Um garoto branquelo e magro quase bate a cabeça na beirada da piscina ao ser lançado por outros dois garotos maiores e mais fortes.

Alisson tem que tomar cuidado ao andar por entre todas as crianças sem esbarrar em nenhuma enquanto caminha até o portão de aço para atender a campainha. No meio do caminho percebe que tem que tomar ainda mais cuidado para não pisar em mais nenhum brinquedo jogado pelo quintal da casa. Logo no começo da festa havia pisado descalço em uma peça de Lego e a dor lhe fez desejar jogar todas as outras peças no lixo.

O homem moreno, com traços espanhóis, de cabeça raspada e alto afasta um pequeno triciclo antes de finalmente abrir o portão da casa onde Mateus aguardava pacientemente com um embrulho nas mãos ao lado de Renato.

_Meu Deus, Julio! Como você cresceu rápido! _Exclamou Renato em tom de brincadeira ao ver Alisson _Ta parecendo aquele feio do seu pai!

_É as pessoas me dizem muito isso! _Responde Alisson entre risos ao cumprimentar Renato. Em seguida vira-se para Mateus _Que bom que você veio! Raquel e Julio estavam ansiosos para te ver!

O homem alto e moreno com regata branca e bermuda cinza guia os dois seguindo novamente o mesmo caminho perigoso de crianças e brinquedos até o interior da casa. A sala estava decorada com bandeirinhas e balões de todas as cores. Havia bagunça e pratos de

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plástico com comidas e pedaços frios de carne por toda parte. Mateus teve que tomar cuidado para não pisar em um copo com refrigerantes logo perto da entrada.

_Olha só quem resolveu aparecer! _Raquel deslizava rapidamente da outra extremidade da sala que dava para os fundos da casa.

Mateus cumprimentou a irmã com um forte abraço e um beijo no rosto. Logo depois foi a vez de Renato que fez o mesmo gesto.

_Eu trouxe um presente. _Disse Mateus desconcertado mostrando o embrulho para a irmã bem na hora em que um garoto de cabelos curtos e cabelos negros corre em direção ao grupo

_Tio Mateus! Tio Renato! _Grita o garoto se aproximando rapidamente e ignorando o pai que lhe chamava a atenção para que não corra.

_Ok. Agora não é brincadeira. Esse garoto realmente cresceu _Comenta Renato franzindo a testa.

_Ei campeão! Como tem passado? _Pergunta Mateus abaixando-se e bagunçando o cabelo do sobrinho.

_Ah eu tenho que ir pra escola de manhã todos os dias de novo. Eu gostava das férias... _Comenta Julio entristecido.

_Ir à escola é importante. _Comenta Mateus e depois acrescenta enquanto estende o presente embrulhado. _Olha só! Eu comprei um presentão pra você!

_Oba!

O garoto apanha o presente das mãos do tio e rasga o pacote com alegria. Mas logo, seu rosto toma uma expressão confusa e, logo em seguida, decepcionada. O brinquedo era um daqueles brinquedos de plásticos em forma de cachorro com vários buracos de diferentes formatos para encaixar peças.

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_Meu filho. Porque não vai guardar o presente no seu quarto e brincar com seus amigos na festa? _Diz Raquel ao ver a decepção do filho.

_Ok. Ta bom. _O garoto resmunga subindo as escadas.

_Não está esquecendo de nada? _Grita Alisson para o filho.

_Obrigado Tio! _ Agradece Julio e volta a subir as escadas.

Raquel cruza os braços e olha com cara de brava para seu irmão. A mulher meche a cabeça em discordância e aperta os lábios. O olhar de reprovação fica estampado em seu rosto.

_O que foi? O que eu fiz de errado? _Pergunta Mateus confuso enquanto Renato se afasta vagarosamente.

_Aquele brinquedo é para crianças de até cinco anos! _ela fala irritada, apesar de tentar manter sua voz baixa _Seu sobrinho tem oito anos! Esse não é o tipo de brinquedo que se da para um garoto na idade dele!

_Como é que eu ia saber? Eu só... _Mateus para no meio da frase ao perceber que não tinha desculpas. Realmente fazia muito tempo que não visitava o sobrinho e não fazia idéia do que comprar para o garoto. _Desculpa. Eu posso sair e comprar outro.

_Não... Tudo bem... Ele da um jeito. _Afirma Raquel entre suspiros.

_Onde está a mãe e o pai? _Pergunta Mateus mudando de assunto.

_Estão la nos fundos onde tem menos crianças correndo _Explica Raquel.

Todos dirigiram-se para os fundos onde se encontravam seus pais. Os fundos da casa era consideravelmente menor que o quintal da frente. Era apenas uma área onde se encontrava a churrasqueira de tijolos e uma pedra de mármore. Havia um corredor na lateral da casa que ligava os dois espaços abertos.

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Tanto a mãe como o pai sentavam-se em cadeiras confortáveis de madeira um pouco distante da churrasqueira. Entre eles, sobre uma mesa de madeira redonda, havia limonada e pratos com carnes, salada, arroz e maionese

_Como você está bonito! _A mãe de Mateus e Raquel abre os braços para cumprimentar o filho com um abraço apertado e um bejo no rosto..

Mateus da um abraço na mãe e se pergunta por quanto tempo a mãe ficaria ali abraçada com ele. O perfume doce da mãe invade suas narinas, trazendo a sensação de nostalgia a Mateus. O pai apenas o cumprimenta com um forte aperto de mão, um tapinha no ombro e esboçando um sincero sorriso no rosto enrugado.

_Vamos sentar e colocar a conversa em dia! _Sugere a mãe alegremente apontando para uma das cadeiras vazias na mesa.

A mãe de Mateus usava roupas simples. Não era possível erceber a marca da roupa. Eram largas e de tecidos finos. O pai usava sempre camisa social e calças marrons acompanhado de um sapato preto e sua bengala de madeira. Cumprimentou o filho com o braço tremendo como sempre tem feito nos últimos anos.

_Diga pra mamãe. Como você tem andado? _A mãe sempre passava um ar de amorosa quando perguntava a Mateus sobre sua vida, principalmente depois que perdera Erica.

_Barbara, vá com calma. Ele acabou de chegar _Comenta o pai servindo-se de um pedaço pequeno de carne _Pegue alguma cois apara comer filho.

_Ai, Elcio! _Reclama a mãe _É difícil a gente ver nosso filho porque ele tem andado muito tempo trabalhando! Quando a gente pode ver ele tem que perguntar!

De qualquer modo não foi necessário que Mateus pegasse coisa alguma para comer. Alisson apressou-se em servir a todos na mesa

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um prato com muitos pedaços de carne e algumas garrafas de cerveja.

_Conta para eles, Mateus! _Diz Renato sentando-se no braço do sofá.

_ Contar o que? _Pergunta Bárbara com os olhos arregalados para o filho.

_Eu também quero saber. _Comenta Raquel que se sentara na poltrona do outro lado da mesa de centro feita de madeira escura.

_Bom, na quarta-feira o delegado me chamou para conversar...

_ Foi demitido! Não acredito! _Interrompe Barbara levando a mão ao coração com essa péssima mania de concluir as coisas sem nem esperar que os outros terminem sequer a primeira fase.

_Não, mãe! Não fui demitido! _Tranquiliza Mateus e logo depois retoma sua postura_ Aparentemente vão inaugurar um novo presídio aqui na região e eu estou sendo nomeado como diretor.

Todos ali pararam por cerca de dois segundos para analisar o que Mateus havia dito. Logo depois choveram perguntas em cima do policial.

_É imediato? _Pergunta Raquel

_O salário é bom? _Quis saber Elcio.

_Não é perigoso, é? _Pergunta a mãe.

“Você aceitou?” “Quais são os benefícios?” “Onde é essa penitenciária?”...

_Gente calma! Calma! _Grita Mateus em meio a tantas perguntas _Eu ainda não sei se vou aceitar!

_Como assim? _Fala Raquel indignada _Você tem que aceitar!

_É uma chance de você sair das ruas, meu filho _Completa a mãe

_Ele me deu um prazo de uma semana. _Explica Mateus pacientemente _Eu estou pensando. Considerando tudo...

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Raquel entorta a cabeça para o lado e olha indignada para o irmão. Ela sempre fazia esse gesto quando queria dar um sermão ou uma bronca.

_Mateus! É uma oportunidade! Você tem que agarrar!

_É melhor para você, paga mais... _Comenta o pai.

_ É o que eu tenho falado. Mas ele não escuta mais ninguém, esse cabeça dura! _Comenta Renato.

_Filho... _Começa Barbara segurando nas mãos de Mateus, mesmo ele relutante tentando afastá-las _Eu sei que os últimos anos foram difíceis para você

_Mãe... _Tenta protestar Mateus, mas a mãe o interrompe rapidamente.

_Eu sei que tem sido difícil para você _Continua com um tom mais severo indicando que não quer ser interrompida _Mas você não pode ficar ai se remoendo. Você sabe que Erica não iria gostar de te ver assim.

Mateus não respondeu nada. Geralmente fica furioso quando o lembram da morte da esposa ou do ocorrido. Mas não podia demonstrar sua ira contra sua mãe. Apenas desviou o olhar tentando fazer com que a raiva passasse. Sua expressão fez com que o clima ficasse levemente ruim na mesa.

_E você Raquel? _Pergunta Renato ao perceber a situação e tentando mudar o assunto. _Como vai a carreira? A casa ficou mesmo muito bonita!

_Obrigada! _Responde Raquel sorrindo _Devemos isso ao Alisson. A ultima coleção dele de outono e inverno fez bastante sucesso. Deu para reformar a sala como queríamos. E quanto a carreira _Raquel suspira_ Tem estado boa. Acho que estou começando a me levantar novamente agora que tenho treinado alguns maratonistas novos. Quem sabe um deles não vá para as olimpíadas.

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_Você deveria ter ido para as olimpíadas _Comenta Barbara _Você era muito talentosa. Aqueles exames la não querem dizer nada!

_Mãe, eu fui pega no exame de doping... _Comenta Raquel

_É injustiça! _Protesta a mãe. _Essa gente é capaz de tudo pra acabar com a felicidade dos outros!

Pela segunda vez em menos de 30 minutos o clima na mesa havia ficado ruim. Renato deu um suspiro e tentou falar de coisas mais fúteis como programas de televisão ou jogos de futebol. Sua tentativa finalmente deu certo quando ele e Elcio passaram a comentar sobre o ultimo jogo do campeonato brasileiro.

_Pastor! _Grita Raquel alegremente levantando-se para cumprimentar um novo convidado.

Todos viram-se para a porta da casa a fim de verificar quem era a pessoa que causara tal reação em Raquel. Mateus vê o homem negro de cabelos crespos com alguns fios brancos abraçando a irmã. Não usava terno e roupas sociais como de costume. Ao invés disso trajava uma camiseta azul, calças jeans e tênis. Mesmo assim, Mateus o reconheceu de imediato. Era Carlos. O mesmo pastor do cemitério.

A mente de Mateus começou a girar. Como poderia ser o mesmo pastor? Isso é uma séria coincidência? Ou talvez fora a irmã quem disse ao pastor sobre sua história e o incentivou a conversar com Mateus? Se esse fosse o caso, Mateus iria ficar bem nervoso. Não queria que os familiares ou amigos se intrometessem em sua historia. Não gostava que ninguém colocasse o dedo em suas feridas e o lembrasse de suas cicatrizes.

_Gente, esse é o pastor Carlos! La da igreja que eu e Alisson estamos indo! _A voz de Raquel ao se aproximar da mesa interrompe os pensamentos de Mateus e o trazem novamente a realidade.

Os olhares de Mateus e Carlos se cruzam. Um leve sorriso surge no rosto do pastor revelando seus dentes brancos.

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_Ei. Eu conheço você! _Diz o pastor enquanto estende a mão para, amigavelmente, cumprimentar o policial. _Estava no cemitério essa quarta!

Os outros membros da mesa se entreolharam um pouco confusos e frustrados ao mesmo tempo. Um silêncio abate sobre a mesa. Ninguém quer tocar novamente no assunto que incomoda tanto Mateus. Mas é Raquel a primeira a quebrar o silêncio com um pigarro.

_ No cemitério? _Pergunta para o pastor enquanto este se acomoda em uma cadeira vaga ao redor da mesa.

_ Sim. Eu fui la para realizar o velório do Sr Osvaldo. Que ajuda no ministério de musica da igreja. _Explica o pastor.

Raquel ergue as sobrancelhas e acena com a cabeça indicando que sabe de quem o pastor está falando.

_E como está a família deles? _Pergunta Raquel.

_ Estão bem abalados. Mas vão superar...

_E vocês se conheceram la no cemitério? _Dessa vez quem pergunta é Barbara.

_Sim. _Confirma o pastor. _Eu estava com a família durante o enterro e Mateus estava _Ele fez uma pausa e olhou para Mateus decidindo mentalmente se era viável concluir a frase ou não. _Ele estava fazendo uma visita.

_É. _Disse Renato dando um gole na cerveja _Ele faz isso quase todos os dias nos últimos quinze anos. Acho que vou pegar mais cerveja _Completou se levantando após Mateus lançar-lhe um olhar impaciente ao amigo.

_Ah! Que bom que vocês já se conhecem! _Comenta Raquel tentando quebrar novamente o clima tenso _Porque eu ia mesmo te convidar para ir la na igreja!

_Eu não to interessado _Corta Mateus friamente

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_Você vai a alguma igreja, Mateus? _Pergunta Carlos com seu jeito simples e sorridente.

Mateus pensou por um pouco. Olhou para todos a sua volta. Não conseguiria mentir. Todos ali o entregariam. Suspirou e balançou a cabeça.

_Eu costumava ir. _disse por fim _Com minha esposa.

Carlos apenas balançou a cabeça levemente e permaneceu observando-o em silêncio por alguns segundos. Segundos esse que pareceram uma eternidade para Mateus.

_E porque parou de ir? _Perguntou o pastor por fim

Mateus suspirou novamente e olhou em volta. Seus parentes começaram a conversar entre si. Estava apenas ele e o pastor naquela conversa. Talvez Raquel confiava tanto naquele pastor que não achou que seria necessário intervir num assunto tão delicado para Mateus.

_Acho que. Simplesmente perdi a fé. _Concluiu Mateus para evitar uma longa e chata historia com o Pastor.

O semblante de Carlos tornou-se mais sério e um ar de misericórdia surgiu em seu rosto. Ele apertou os lábios e soltou um suspiro pelo nariz. Desviou o olhar para o chão por alguns segundos e voltou a encarar Mateus.

_Sabe o que é interessante _Disse Carlos voltando a sorrir.

Mateus franziu a testa confuso e balançou a cabeça.

_As vezes. Deus cria oportunidades de uma maneira surpreendente _Começa Carlos e Mateus se ajeita na cadeira esperando ouvir um sermão e algumas passagens da bíblia. _Quando eu te encontrei no cemitério... senti que você parecia estar carregando um peso enorme. E nesse dia, eu orei por você. Mesmo não te conhecendo. Pedi a Deus que te resgate de alguma forma. Que colocasse alguém na sua vida.

O pastor fez uma pausa, como se pensasse as próximas palavras.

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_ Quando te entreguei meu cartão _Continuou _Eu tinha certeza que você jogaria fora. Nunca nem ligaria. Eu estava errado?

_Não. Eu não pretendia ligar. _ Disse Mateus balançando a cabeça e sorriso do pastor se iluminou ainda mais.

_Mas Deus fez que nós dois nos encontrássemos novamente.

_E o que você acha que isso quer dizer? _Pergunta Mateus dando outro gole em seu copo de cerveja.

_Acho que Deus está te fazendo um convite. _Diz o pastor. _Acho que Deus está te convidando a voltar a se relacionar com ele. Você disse que simplesmente perdeu a fé. Eu não duvido. Mas acho que existe algo mais além disso. Tenho a impressão de que ficou algo não resolvido entre você e Deus.

_Você acha que Deus quer tirar satisfação comigo? _Pergunta Mateus rindo do que acabara de ouvir.

O pastor não se contém e ri também.

_Acho que Deus está te chamando para resolver um problema que há em seu coração. Cicatrizar uma ferida que ainda está aberta. Por que não fazemos o seguinte: Você vai no culto dos domingos. E nós podemos conversar depois do culto. Se der certo, você sai ganhando. Se não. Pode voltar ao seu mundo como tem vivido.

_Eu não sei se realmente vai valer a pena _Comenta Mateus.

_Deus não gosta de ver ninguém ferido e abatido. Ele disse: “venham até mim todos aqueles que estão cansados de carregar sua carga pesada e eu lhes darei descanso”. _Carlos inclina-se para frente e olha nos olhos de Mateus _Deus não impede que a gente se machuque. Mas ele sempre estará conosco para curar nossas feridas.

Mateus desviou os olhos e se ajeitou novamente na cadeira. Não conseguia acreditar que estava levando em consideração as palavras do pastor a sua frente.

_Quando eu era criança, eu aprontava muito. _Conta o Pastor sorrindo_ E muitas vezes eu me machucava ou entrava uma farpa de

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madeira em minhas mãos. Aquela dor parecia insuportável. Mas eu sabia que se eu fosse mostrar para minha mãe ela me deixaria de castigo ou me bateria. Sem contar que passaria remédio no meu machucado e doeria muito! Ou teria que tirar a farpa com uma agulha. E eu morria de medo de agulhas! Então, as vezes eu escondia meus machucados e ficava agüentando aquela dor insuportável durante dias!

Mateus franziu o cenho sem entender a analogia ou o que tinha a ver a história do pastor com o que estavam conversando. O pastor manteve um olhar distante por alguns segundos e depois recomeçou sua fala.

_Mas, mesmo se eu não admitisse, era fácil ver que eu estava machucado. Porque eu mancava ou evitava encostar a parte da mão com farpa em algum lugar. _O pastor parou por um tempo e voltou a encarar Mateus _Até hoje, isso acontece com todos nós. Nós temos muitas farpas e feridas em nosso coração. Mas evitamos de buscar a Deus porque sabemos que isso significa confrontar nosso orgulho e “levar uma bronca”. Também evitamos porque sabemos que o processo de cura é doloroso.

Carlos fez uma pausa e olhou ao redor da casa. Observou a festa e as pessoas.

_Todos nós aqui. Temos feridas que nos recusamos a curar. _Continuou enquanto olhava ao redor _Eu, você sua irmã. Todos nós. E isso é nítido. Porque quando olho para cada uma das pessoas aqui nessa festa. Parece que estamos todos mancando e tentando esconder nossas feridas. Todos estamos machucados de alguma forma. E temos medo do processo de cura.

O pastor esperou alguns segundos e voltou-se para Mateus com seus olhos levemente marejados. Sorriu de forma simpática e, ao mesmo tempo um pouco triste.

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_Nós todos carregamos feridas. _Disse por fim _Mas acho que Deus está nos chamando, esta te chamando _completou _para curar essas feridas. E voltarmos a correr alegremente.

Mateus refletiu por um instante. Ele estava ferido? É claro que estava. Perdera a esposa e a filha. Perdeu tudo. Mas não sabia se essa ferida realmente poderia ser curada. Ou melhor. Não sabia se realmente queria que essa ferida fosse curada.

_Deus quer que eu esqueça minha esposa e minha filha? _Disse por fim tentando lutar contra o queixo que tremia e contra as lágrimas que subiam aos olhos. Tentando expressar a maior quantidade de raiva que conseguia.

Carlos pensou por um tempo em como responder aquela pergunta. Depois de refletir um pouco puxou a manga da camisa revelando uma pequena cicatriz no ombro esquerdo

_Lembra que eu disse que eu aprontava muito? _Pergunta o pastor retoricamente mostrando a cicatriz _Uma vez eu entrei em uma construção perto de casa para brincar. Tropecei e cai com o ombro em um prego enorme e enferrujado! Bom. Dessa vez eu corri para minha mãe porque saia muito sangue e ela me levou no médico. Eu me curei da ferida, mas veja. A cicatriz ainda está aqui. Eu nunca me esqueci desse dia. Até hoje, quando olho para essa cicatriz ou a toco ainda tenho a impressão de sentir um pouquinho de dor.

Carlos cobre novamente a cicatriz e curva-se para frente novamente.

_Curar não significa esquecer. Significa que você vai não vai mais sangrar por causa disso. E nem vai correr o risco de morrer por isso. _Carlos sorri novamente para Mateus. _Acho que está na hora de você parar de sangrar. O que acha?

Mateus refletiu por um momento. Pensou em responder negativamente, mas não encontrou desculpas apropriadas.

_Acho que posso tentar. _Disse por fim com a voz seca.

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_Então te vejo no culto desse Domingo. _Responde Carlos sorrindo.

_Hora do parabéns! _Gritou Raquel levando um enorme bolo branco e retangular até uma grande mesa próximo à parede da casa.

Todas as crianças da casa correram e se amontoaram em volta do bolo. Julio se encaixou atrás da mesa, acompanhado pelos pais enquanto todos começaram a cantar os parabéns.

Mateus não conseguiu ir para casa logo depois dos parabéns como pretendia. Seus familiares, principalmente sua irmã, não lhe permitiram isso. Insistiam para que ficasse mais um pouco toda vez que se levantava para tentar ir em bora.

Por causa disso teve que permanecer ali na festa, junto com Carlos e conversarem sobre a vida, o emprego, musicas e hobbies. Carlos certamente não era um pastor como os outros que Mateus conhecera. Diferente dos demais que, do ponto de vista de Mateus, só falavam de religião e musicas gospel, Carlos gostava de rap, Reggae, pop e rock. E não apenas musicas gospel, mas rap, Reggae, pop e rock de outros cantores e bandas que nem são de igreja. Assistia seriados e era fã de filmes de comédia.

_Eu fui muito próximo de um pessoal do grupo de estudos que eu coordenava na cidade de onde vim. Eles também eram bem ecléticos. _Explicava Carlos diante da surpresa de Mateus _ Acabamos nos tornando muito amigos. Até hoje conversamos pela internet e, quando vou visitar minha cidade natal sempre saímos juntos para assistir filmes.

_Eu devo confessar _Diz Mateus. _Eu nunca pensei que os pastores ouviam Rock ou Rap. Quer dizer. Eu os imagino ouvindo aqueles rap gospel e essas coisas.

_Acho que você precisa conhecer melhor os pastores. Nós também somos seres humanos! _Comenta Carlos _Tenho um amigo que adora desenhos japoneses. Vai até nesses eventos e tudo o mais.

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E outro que é boxeador. Já está aposentado, mas já ganhou diversas lutas e campeonatos.

Já era cerca de nove da noite quando finalmente Mateus foi para casa. Teve que jantar com a família. Na casa de Raquel. O jantar não foi tão excepcional. Na verdade comeram o que não havia sido comido durante o almoço. Carne assada, arroz e maionese. Mesmo assim, o ambiente familiar, de certa forma, trazia uma sensação de nostalgia em Mateus que deixava a comida um pouco mais saborosa.

Mateus não podia negar que o dia realmente havia sido proveitoso. Por um tempo conseguira esquecer dos problemas e distrair a mente com algo que não fosse o trabalho. Apesar de ter alguns momentos ruins ao lembrar-se da esposa, sentiu-se mais em paz. Uma paz que ele não sentia há muito tempo talvez por não conseguir ou por nunca ter, de fato, buscado.

Estava cansado demais quando chegou em casa para assistir aos DVDs de Sex and the city. Foi direto para a cama. Ainda cogitava alguma desculpa esfarrapada para poder não ir ao culto no dia seguinte. Mas sabia que não conseguiria pensar em nada e a irmã tinha combinado de ir com ele – provavelmente para evitar que ele fuja ou desista no caminho.

Muitas coisas estavam acontecendo naquela semana. A proposta de assumir uma penitenciária. O contato novamente com a família e um novo pastor que parecia estar em todo lugar. De alguma forma essas coisas podem estar encaixadas. Ao que tudo indica esse ano seria um ano de mudanças em sua vida. E mudanças são sempre assustadoras.

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Capitulo 3