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Processo Penal I Prof. Danilo Pereira Aula 7. Inquérito policial: comunicação e abertura do inquérito policial; trâmite. COMUNICAÇÃO E ABERTURA DO INQUÉRITO Comunicação a autoridade policial Notitia criminis (notícia do crime) é o conhecimento, espontâneo ou provocado, pela autoridade policial de um fato aparentemente criminoso. Pode ser: 1. direta: aquela em que o conhecimento da infração penal pelo destinatário da notitia criminis, ou seja, o próprio delegado de polícia. Ocorre direta e imediatamente, quando se encontra a autoridade pública no exercício de sua atividade funcional. 2. indireta: é a provocada, a notícia do crime é transmitida pelas diversas formas previstas na legislação processual penal prevista na legislação processual, pela vítima, pelo promotor etc. Delatio criminis É a denúncia feita por qualquer do povo sobre a ocorrência de uma infração penal. O § 3º do art. 5º CPP permite que qualquer do povo, verbalmente ou por escrito, comunique à autoridade a ocorrência de um crime, que mandará instaurar o inquérito para proceder as investigações. Instauração de inquérito no caso de ação penal pública Ação penal pública é aquela cuja iniciativa cabe ao Ministério Público. Pode ser: 1. ação penal pública incondicionada: aquela que não exige qualquer participação do ofendido solicitando atuação do Estado. 1

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Processo Penal IProf. Danilo Pereira

Aula 7. Inquérito policial: comunicação e abertura do inquérito

policial; trâmite.

COMUNICAÇÃO E ABERTURA DO INQUÉRITO

Comunicação a autoridade policial

Notitia criminis (notícia do crime) é o conhecimento, espontâneo ou

provocado, pela autoridade policial de um fato aparentemente criminoso.

Pode ser:

1. direta: aquela em que o conhecimento da infração penal pelo

destinatário da notitia criminis, ou seja, o próprio delegado de polícia.

Ocorre direta e imediatamente, quando se encontra a autoridade pública

no exercício de sua atividade funcional.

2. indireta: é a provocada, a notícia do crime é transmitida pelas diversas

formas previstas na legislação processual penal prevista na legislação

processual, pela vítima, pelo promotor etc.

Delatio criminis

É a denúncia feita por qualquer do povo sobre a ocorrência de uma

infração penal. O § 3º do art. 5º CPP permite que qualquer do povo,

verbalmente ou por escrito, comunique à autoridade a ocorrência de um

crime, que mandará instaurar o inquérito para proceder as investigações.

Instauração de inquérito no caso de ação penal pública

Ação penal pública é aquela cuja iniciativa cabe ao Ministério Público. Pode

ser:

1. ação penal pública incondicionada: aquela que não exige qualquer

participação do ofendido solicitando atuação do Estado. Conhecido o crime,

o Estado age de ofício, investigando e processando o agente.

2. ação penal pública condicionada: aquela em que há necessidade de

manifestação do ofendido ou seu representante legal (pai, mãe etc.), ou

requisição do Ministro da Justiça, para que o Estado tenha a iniciativa de

investigação e processo. Faz-se através da chamada representação do

ofendido (ação penal pública condicionada a representação), ou requisição

do Ministro da Justiça (ação penal pública condicionada a requisição). O

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art. 5º CPP traz as hipóteses de instauração de inquérito no caso de crimes

de ação penal pública, vejamos:

1. de ofício (I): trata-se de uma regra geral que só cede diante de

disposição expressa da lei. Tomando conhecimento da ocorrência do crime

(cognição imediata) a autoridade policial deve instaurar o procedimento

respectivo.

2. mediante requisição (II): é a determinação de instauração do

inquérito não no sentido de ordem, mas no cumprimento da lei, advinda da

autoridade judiciária ou do Ministério Público.

3. mediante requerimento do ofendido ou quem o represente (II): é

um pedido ou solicitação pela própria vítima ou seu representante legal,

como pais, tutores, curadores ou qualquer pessoa com poderes legais (pais

em relação aos filhos menores) ou por procuração. Esse requerimento deve

conter, sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as

circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais

característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor

da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das

testemunhas, com indicação de sua profissão e residência (art. 5°, § 1°

CPP). Do indeferimento do pedido de instauração de inquérito, cabe o

recurso administrativo ao Secretário de Segurança Pública (chefe de

Polícia nos termos do art. 5°, § 2° do CPP).

4. por auto de prisão em flagrante delito: pode o inquérito ser

instaurado ainda pela prisão em flagrante delito, quando o respectivo auto

será a primeira peça do procedimento. Como o flagrante pode provocar a

prisão do autor da infração por parte da autoridade policial, como de

qualquer outra pessoa ou autoridade (at. 301 CPP), a notícia do crime pode

ser, em relação ao órgão persecutório, ou direta ou indireta, conforme

tenha sido ele próprio, ou outro, o autor da prisão. Os requerimentos, as

requisições e o auto de prisão em flagrante são peças iniciais do inquérito

policial. Nos demais casos (de ofício, denúncias) a autoridade policial deve

baixar a portaria para a instauração do procedimento. A portaria é uma

peça singela, na qual a autoridade policial consigna haver tido ciência da

prática do crime de ação pública incondicionada, declinando, se possível, o

dia, lugar e hora em que foi cometido, o prenome e nome do pretenso autor

e o prenome e nome da vítima, e conclui determinando a instauração do

inquérito. Não se impede, porém, a instauração de inquérito policial

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referente a crime cuja autoria é ignorada, eis que é no âmbito do

procedimento que se devem proceder as investigações para a sua

identificação.

Dever de instauração

Tendo o conhecimento da existência de um crime que se apura mediante

ação penal pública por qualquer das formas acima mencionadas, a

autoridade policial tem o dever de instaurá-lo. Diz o artigo 5° do CPP que,

nessa hipótese o inquérito policial será instaurado pela autoridade. O

inquérito não deve ser instaurado, entretanto, na hipótese já mencionada

de fato atípico, no caso de estar extinta a punibilidade, na hipótese de ser a

autoridade incompetente para a instauração e quando não forem

fornecidos os elementos indispensáveis para se proceder às investigações.

Evidentemente não se pode determinar a instauração de inquérito policial

para a investigação de fatos pelos quais a pessoa a ser indiciada já foi

anteriormente absolvida ou condenada pelo fato criminoso. Há, nessas

hipóteses, bis in idem ainda que a sentença não tenha transitado em

julgado.

Instauração de inquérito no caso de ação pública condicionada

A ação pública pode estar condicionada à representação da vítima ou à

requisição do Ministro da Justiça. Assim, a instauração do inquérito

policial, nessas hipóteses, também depende da prática desses atos

jurídicos, que são previstos expressamente pela lei processual.

Representação

Diz o artigo 5°, § 4°, do CPP: “O inquérito, nos crimes em que a ação

pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”. A

representação é um simples pedido-autorização em que o interessado

manifesta o desejo de que seja proposta a ação penal pública e, portanto,

como medida preliminar, o inquérito policial. Estudaremos este assunto

adiante, quando do estudo da ação penal.

Requisição do Ministro da Justiça

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A requisição do Ministério da Justiça também não exige formalidades

especiais e caberá em algumas remotas hipóteses previstas no Código

Penal. Verificaremos adiante suas especificações.

Instauração de inquérito no caso de ação privada

Quando a lei prevê expressamente que determinado crime somente se

apura mediante queixa, determina para ele a ação penal privada. Nessas

hipóteses, o inquérito policial também só pode ser instaurado mediante a

iniciativa da vítima. Diz o artigo 5°, § 5°, do CPP: “Nos crimes de ação

privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a

requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”. Esse

requerimento não exige formalidades, mas é necessário que sejam

fornecidos os elementos indispensáveis à instauração do inquérito policial

(art. 5°, § 1°, do CPP). Mas, a vítima deverá interpor a chamada queixa

crime, no prazo legal, sob pena extinção da punibilidade pela decadência.

Decorrido este prazo não pode ser instaurado o inquérito policial.

Estudaremos a ação penal privada adiante.

TRÂMITE DO INQUÉRITO POLICIAL

Instauração e atos iniciais da autoridade policial

Diante de regular notitia criminis a autoridade policial deve instaurar o

inquérito policial destinado a apurar o fato em todas as suas circunstâncias

e a autoria. Mesmo a existência de elementos que indicam ter ocorrido uma

causa excludente da antijuridicidade (art. 23 a 25 CP) ou culpabilidade (art.

22, 26 caput e 28, § 1º CP) não impede a instauração do procedimento

investigatório. A antijuridicidade do fato ou a não culpabilidade do agente

só pode ser apreciada após o oferecimento da denúncia pelo Ministério

Público e resposta do acusado através da defesa prévia interposta por seu

advogado, podendo o juiz, então, deixar de receber a denúncia na forma do

art. 397 I e II do CPP. Não é lícito antes disso trancar-se o inquérito policial

sob a alegação de que a prova nele produzida induz à inexistência de

relação jurídico-material, em verdadeiro julgamento antecipado do

acusado.

Procedimento (art. 6º CPP)

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Inicialmente, a autoridade policial deve proceder de acordo com o artigo

6°, do CPP, embora não preveja a lei um rito formal nem uma ordem

prefixada para as diligências que devem ser empreendidas pela autoridade.

Indica o dispositivo, porém, as diligências que, em regra geral, devem ser

efetuadas para que a autoridade possa colher os elementos da infração,

devendo por isso agir com presteza, antes que se mude o estado das coisas

no local do crime ou desapareçam armas, instrumentos ou objetos do

delito, enfim, colhendo as provas que sirvam para a elucidação do fato e

suas circunstâncias. Naturalmente a patente carência de recursos e de

material humano suficiente faça deixar ao critério da autoridade policial

aquelas que são indispensáveis, sendo que nem todas no caso concreto

serão realizadas, e outras terão o acompanhamento somente dos

investigadores. Vejamos:

I. dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o

estado de conservação das coisas, até a chegada dos peritos

criminais.

Tal providência é importante em vários delitos que deixam vestígios

(homicídio, roubo, furto, incêndio etc.), para que se possa realizar laudos

pelos peritos, o exame do lugar do crime e outras diligências (colheita de

impressões digitais, análise de manchas etc.) que podem revelar provas ou

indícios úteis à elucidação do fato.

II. apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após

liberados pelos peritos criminais.

São todos aqueles que revelam utilidade à busca da verdade real. Esses

objetos devem, no final, acompanhar os autos do inquérito (art. 11). Os

instrumentos empregados para a prática da infração serão submetidos a

exame a fim de se lhes verificar a natureza e eficiência (art. 175). Decreta-

se, aliás, a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de

terceiro de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em

coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito

(art. 91, II, a, do CP). Serão eles inutilizados ou recolhidos a museu

criminal, se houver interesse na sua conservação (art. 124). A busca e

apreensão estão disciplinadas no Código de Processo Penal (arts. 240 a

250), mas a entrada em casa sem o consentimento do morador só é

permitida durante o dia e mediante mandado judicial, salvo as hipóteses de

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flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro (art. 5°, XI, da CF).

Evidentemente, não há ilegalidade nas diligências policiais realizadas à

noite, em residência, precedidas de autorização do morador.

III. colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do

fato e suas circunstâncias.

Observados os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e

nas leis ordinárias, a autoridade policial poderá desenvolver qualquer

diligência, incluindo-se evidentemente, arrolar testemunha, vítima ou

suspeito para prestar declarações no inquérito, colheita de sangue, urina,

sêmen, documentos etc.. Fora das garantias constitucionais, não é

permitido a qualquer envolvido eximir-se da apuração dos fatos e muito

menos condicionar o fornecimento de elementos para a investigação. Por

analogia, aplica-se às testemunhas do inquérito policial o disposto nos

artigos 202 a 221 do CPP, inclusive a condução coercitiva daquela que

deixar de comparecer sem motivo justificado (art. 218).

IV. ouvir o ofendido.

Embora seja relativo o valor probatório das declarações do sujeito passivo

do crime, suas informações são extremamente úteis para o

desenvolvimento das investigações. O ofendido deve ser notificado para

comparecer e prestar suas declarações e, diante do não atendimento

injustificado, ser conduzido à presença da autoridade (art. 201, parágrafo

único, do CPP), podendo esta determinar, caso necessário, a busca e

apreensão (art. 240, § 1°, g).

V. ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do

disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o

respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe

tenham ouvido a leitura.

Indiciado é a pessoa reconhecida pelo Estado, através do delegado de

polícia, como autora da infração penal. Ser indiciado significa ser tido como

autor da infração penal diante os indícios colhidos no inquérito policial.

Indiciamento (ou indiciação) é ato exclusivo da autoridade policial que

forma sua convicção sobre as provas colhidas. O sujeito avança na escala

de investigação, e de “suspeito” do crime, passa a ser “indiciado” pelo

crime. Com o indiciamento a folha de antecedentes do agente receberá as

informações sobre aquele crime investigado. Por isso, não é um ato

discricionário, devendo basear-se em provas de materialidade do crime e

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sua autoria. A legislação brasileira não exige motivação para o

indiciamento, ou seja, não exige esclarecimento, razões que levaram ao

indiciamento, nem mesmo para capitulação do fato, salvo no que tange a

crimes relacionados com drogas, para capitulá-lo como tráfico ou porte

para uso próprio. O que é um absurdo, deve-se exigir da autoridade policial

a devida motivação do indiciamento e da classificação do crime, pois já é

este o primeiro passo que pode ser dado ao indiciado no caminho do

cárcere. Até porque, como sabemos, no inquérito policial, apesar de ser

procedimento inquisitório, nem por isso perdeu o indiciado todos os

direitos e garantias constitucionalmente previstas, devendo a autoridade

policial observar seus direitos constitucionais, apesar das limitações de

interferência no inquérito ante seu caráter administrativo, como vimos. O

interrogatório seguirá a forma do interrogatório judicial previsto no art.

185 a 196 CPP, com as devidas adaptações pois não é obrigatória a

presença de defensor e não há direito de interferência deste no

interrogatório policial. Mas, assegurado o direito ao silêncio (art. 5º,

LXIIICF). No tocante as testemunhas instrumentárias, são aquelas que

tenham ouvido a leitura do interrogatório realizado, a fim de assegurar

maior idoneidade e que, eventualmente possam confirmar em juízo que as

declarações do indiciado forma colhidas com espontaneidade e livre de

pressão. Quanto a prisão em flagrante somente participarão da leitura

quando o acusado não quiser ou não puder assinar (art. 304, § 3º CPP).

Logicamente não podem ser testemunhas outros acusados, nem tampouco

os policiais que participaram da investigação.

Indiciado menor de idade: antigamente deveria ser nomeado curador (art.

15 CPP) ao menor de 21 anos de idade. Curador, em matéria penal, era a

pessoa que tem por função proteger e orientar o menor de 21 anos de

idade tanto no interrogatório na fase policial quanto na fase judicial,

suprindo-lhes naturais deficiências diante sua imaturidade e zelando pelo

mesmo contra o arbítrio. Após a vigência do novo Código Civil (Lei

10.406/02) que alterou a maioridade civil para 18 anos, não mais se nomeia

curador, pois os maiores de 18 anos são considerados plenamente capazes

para os atos da vida civil (art. 5º CC). Deixou então de existir a figura do

“indiciado menor” dado que os menores de 18 anos de idade não podem ser

indiciados face a sua inimputabilidade penal (art. 27 CP e art. 228 CF). Tal

entendimento ficou mais forte após a edição da Lei 10.792/03 que revogou

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o art. 194 do CPP que previa a nomeação de curador ao menor de 21 anos

no interrogatório judicial.

Incomunicabilidade do indiciado (art. 21 CPP): isso está revogado pela CF,

que mesmo na vigência de Estado de Defesa, que garantias individuais

ficam suspensas, proibi-se a incomunicabilidade (art. 136, § 3º, IV). Aliás, a

CF assegura ainda ao preso a “assistência da família e de advogado” (art.

5°, LXIII), determinando que sua prisão seja comunicada imediatamente ao

“juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” (art. 5°,

LXII). Não havendo nenhuma ressalva a esses direitos nos dispositivos

constitucionais não pode a lei possibilitar a incomunicabilidade do preso

em hipótese alguma. Além disso, o advogado jamais pode ser impedido de

falar com seu cliente (art. 7º, III, Lei 8.906/94).

“1. Esta Corte Superior de Justiça, reiteradamente, vem decidindo que o

indiciamento formal dos acusados, após o recebimento da denúncia, submete os

pacientes a constrangimento ilegal e desnecessário, uma vez que tal

procedimento, que é próprio da fase inquisitorial, não mais se justifica quando a

ação penal já se encontra em curso. 2. Habeas corpus concedido para cassar a

decisão que determinou o indiciamento formal dos pacientes, excluindo-se todos os

registros e anotações, relativos ao processo de que aqui se cuida, sem prejuízo do

regular andamento da ação penal.” (STJ – HC18455/SP – 6ª Turma – Rel. Min. Og

Fernandes – J. 5.05.2011)

“I. Este Superior Tribunal de Justiça, em reiterados julgados, vem afirmando

seu posicionamento no sentido de que caracteriza constrangimento ilegal o formal

indiciamento do paciente que já teve contra si oferecida denúncia e até mesmo já

foi recebida pelo Juízo a quo. II. Uma vez oferecida a exordial acusatória, encontra-

se encerrada a fase investigatória e o indiciamento do réu, neste momento,

configura-se coação desnecessária e ilegal. III. Ordem concedida, nos termos do

voto do Relator.” (STJ – HC 179951 – 5ª Turma – Rel. Min., Gilson Dipp – J.

0.5.2011)

VI. proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações.

O reconhecimento é a identificação de pessoa ou coisa feita na presença da

autoridade, estando disciplinado nos artigos 226 a 228 do CPP. Se faz

mediante um auto próprio, com a descrição da coisa ou pessoas e seu

reconhecimento ou não pelo reconhecente. A acareação deve ser realizada

quando houver divergências relevantes entre as declarações prestadas no

interrogatório, depoimento das testemunhas, declarações da vítima etc., e

está disciplinada nos artigos 229 e 230 do CPP.

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VII. determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de

delito e a quaisquer outras perícias.

O exame de corpo de delito é regulado nos artigos 158 a 184 do CPP. É

indispensável todas as vezes que a infração deixar vestígios, constituindo-

se na verificação dos elementos exteriores ou da materialidade da infração

penal pelo perito, a quem compete o exame do fato delituoso, de suas

causas, conseqüências, circunstâncias etc. As demais perícias serão

determinadas de acordo com a natureza do crime, a necessidade para a

elucidação do fato etc. Para verificar a possibilidade de haver a infração

sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder

à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a

moralidade ou a ordem pública (art. 7° CPP). É chamada reconstituição do

crime, que serve como elemento de convicção para o julgado e garantia de

serenidade de quem dirige o inquérito, pois, cercado o ato quase sempre de

certa publicidade, demonstra a espontaneidade do indiciado. O indiciado,

porém, não está obrigado a participar da reconstituição, ainda que tenha

confessado o delito no interrogatório. Se, em termos constitucionais, pode

permanecer calado (art. 5°, LXIII, da CF), com muito maior razão não pode

estar obrigado a produzir prova contra si mesmo.

VIII. ordenar a identificação do indiciado pelo processo

datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes.

A CF preceitua que “o civilmente identificado não será submetido a

identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (art. 5º, inciso

LVII). A identificação civil do agente se faz por seus documentos de

identificação (RG, CPF, passaporte, CTPS etc.). Mas, pode ocorrer a

necessidade de identificação criminal, que é a colheita científica de

identificação, que se faz mediante colheita datiloscópica (impressões

digitais) e a fotografação. Tal é regulado através da Lei 12.037/09. A folha

de antecedente é a ficha onde consta a vida pregressa criminal de todas as

pessoas que possuam sua identificação civil. Serve de fonte de informação

ao juiz e para as demais autoridades da esfera criminal. São informações

permanentes, no que pertine ao Poder Judiciário, podendo requisitá-las o

juiz. Quando o condenado termina sua pena, julgando-se extinta pelo juiz,

desaparece o registro, possibilitando ao mesmo retornar à sua vida normal,

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sem que a mácula da condenação o persiga para o resto da vida (art. 202,

Lei 7.210/84).

IX. averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista

individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e

estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer

outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu

temperamento e caráter.

Além do interrogatório sobre os fatos imputados ao investigado, e levantar

sua folha de antecedentes deve obter dados relevantes ao seu passado no

contexto individual, como profissão, endereços residencial e comercial,

dados familiares (casado, filhos), sociais (inserção na vida comunitária),

econômicos (salário, bens etc.), além de seu estado de espírito (se

arrependeu-se, premeditou o crime etc.). tudo isto compõe a vida pregressa

do investigado.

Deveres da autoridade policial

Além de proceder as diligências referidas nos artigos 6° e 7° do CPP,

sempre que possível e necessário ou conveniente para a elucidação dos

fatos a serem apurados no inquérito, à autoridade policial incumbe outras

providências, referidas no artigo 13 do CPP:

I. fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à

instrução e julgamento dos processos.

A polícia é, inclusive, órgão auxiliar da Justiça e, por isso, em todo o

transcorrer do inquérito, ou mesmo após o encerramento deste e,

especialmente em seu relatório final, incumbe à autoridade prestar todas

as informações e considerações que possam ser de utilidade no

esclarecimento do crime em todas as suas circunstâncias.

II. realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério

Público.

As requisições, que podem ser apresentadas à autoridade policial a

qualquer momento, antes, durante ou após o inquérito, são ordens a que

ela está obrigada a atender, ainda quando não lhe pareçam adequadas.

Somente quando forem ilegais haverá oportunidade para a recusa ao

cumprimento das requisições.

III. cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades

judiciárias

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Incluindo-se aqui os mandados referentes às prisões provisórias ou

decorrentes de condenação transitada em julgado a pena privativa de

liberdade.

IV. representar acerca da prisão preventiva.

A autoridade policial é a primeira a sentir a necessidade da prisão

preventiva do indiciado. Assim, estando presentes os pressupostos

previstos nos artigos 312 e 313 do CPP, deve representar ao Juiz a

decretação da prisão preventiva, fundamentando o pedido sobre a

necessidade ou conveniência da medida cautelar. A representação pode ser

deduzida a qualquer momento, desde que haja prova da existência do

crime e indícios suficientes da autoria (art. 312).

Além das atribuições mencionadas, o Código de Processo Penal registra

outras, entre as quais reduzir por escrito ou datilografar, num só

processado, além de rubricar todas as peças do inquérito (art. 9º CPP), a de

proceder a novas pesquisas após o arquivamento do inquérito (art. 18), a

de representar para a instauração do incidente de insanidade mental do

indiciado (art. 149, § 1°), a de arbitrar fiança em determinadas hipóteses

(arts. 321 seguintes do CPP) etc.

Encerramento

Concluídas as investigações, a autoridade policial deve fazer minucioso

relatório do que tiver sido apurado no inquérito policial (art. 10, § 1°, 1ª

parte), relatando tudo quanto foi levado ao seu conhecimento. Tal se dá

visando a transparência na atividade de investigação. Nele, poderá indicar

testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde

possam ser encontradas (art. 10, § 2°). Não cabe a autoridade na sua

exposição emitir qualquer juízo de valor, expender opiniões ou

julgamentos, mas apenas prestar todas as informações colhidas durante as

investigações e as diligências realizadas. Pode, porém, exprimir impressões

deixadas pelas pessoas que intervieram no inquérito: indiciado, vítima,

testemunhas etc. Quando da instauração do inquérito, a autoridade já deve

classificar o crime, ou seja, dar a capitulação ou definição jurídica do

ilícito penal praticado. Após a conclusão das investigações, se os elementos

colhidos indicam ter ocorrido outra infração penal que não a mencionada

na portaria, a classificação deve ser alterada. De qualquer forma, a

classificação efetuada pela autoridade policial é provisória e não vincula o

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Ministério Público para o oferecimento da denúncia ou o querelante para a

propositura da queixa. Concluído o inquérito e elaborado o relatório, a

autoridade deverá remeter os autos ao juiz competente (art. 10, § 1°, 2ª

parte). Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem a

prova, devem acompanhar os autos (art. 11). Ao fazer a remessa dos autos

do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial deve oficiar ao

Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere,

mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à

infração penal e à pessoa do indiciado (art. 23).

Prazo para encerramento

Fixa o Código, no artigo 10, o prazo de 30 dias para a conclusão do

inquérito policial se o indiciado estiver solto, mediante fiança ou sem ela,

contando-se o lapso de tempo da data do recebimento pela autoridade

policial da requisição ou requerimento ou, em geral, da portaria que deve

ser expedida quando da notitia criminis. Estando o réu preso, o prazo é de

10 dias, contados da data da prisão (em flagrante ou decorrente do

cumprimento de mandado de prisão preventiva). Dispõe, porém, o artigo

10, § 3°: “Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto,

a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores

diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”. Outras

hipóteses legais:

1. lei de drogas: Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30

(trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando

solto. Parágrafo único.  Os prazos a que se refere este artigo podem ser

duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido

justificado da autoridade de polícia judiciária.

Devolução dos autos à autoridade policial

O Ministério Público pode requerer a devolução do inquérito à autoridade

policial para novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da

denúncia (art. 16, CPP) ou requisitar as diligências faltantes diretamente à

autoridade policial (arts. 13, II, e 47 do CPP), devendo fundamentar a

dilação de prazo. Tal se dá quando o promotor entenda que as

investigações não estão findas, devendo indicar expressamente as provas

faltantes, aquilo que deseja seja investigado. O juiz, ao deferir o pedido de

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dilação do prazo, deve fixar outro para a ultimação do inquérito, não

podendo ser superior a 30 dias. Estando o indiciado preso, o prazo de 10

dias a contar da data da prisão não pode ser prorrogado. Excedido tal

prazo, haverá constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do

indiciado, o que leva ao relaxamento de sua prisão por conta do excesso de

prazo. Proposta, porém, a ação penal, o Ministério Público e o querelante

poderão requerer ao juiz que, em autos apartados, a autoridade policial

realize diligências importantes para a instrução do processo. No tocante à

polícia federal, apesar de o § 3º do art. 10 do CPP ser claro no sentido de

exigir o deferimento do magistrado para a devolução dos autos do inquérito

para continuidade das diligências pela polícia judiciária, o Conselho da

Justiça Federal aprovou a resolução no ano de 2009 determinado que seja o

trâmite direto entre o Ministério Público Federal e a Polícia Federal

visando a agilização dos trabalhos. Entendemos que isso é absolutamente

ilegal posto que retira o necessário controle judicial do inquérito policial,

além de afrontar, abertamente, a Súmula Vinculante 14, do Supremo

Tribunal Federal. A súmula dá acesso ao inquérito policial, ainda que

sigiloso. Não bastasse isso, o artigo 10 do Código de Processo Penal dispõe

que o controle jurisdicional do inquérito policial deve ser exercido

exclusivamente pelo Poder Judiciário. É inadmissível assim que esse

controle seja redirecionado ao Ministério Publico, ainda que seja somente

para solicitar prorrogação de prazo para as investigações.

Outros prazos

Competência federal: no caso de competência federal, a autoridade

policial federal terá o prazo de 15 dias para encerrar o inquérito, no caso

de réu preso, podendo requerer ao juiz a prorrogação por mais 15 dias,

desde que fundamentadamente, de acordo com o art. 66 da Lei 5.010/66,

que organiza a Justiça Federal.

Lei de drogas (L. 11.343/06): segundo seu art. 51, terá o delegado o

prazo de 30 dias se o indicado estiver preso, e 90 dias, se solto para ultimar

o inquérito policial. Estes prazos podem ser duplicados (respectivamente,

60 e 180 dias) pelo juiz, mediante pedido justificado da autoridade policial,

ouvido o Ministério Público.

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Processo Penal IProf. Danilo Pereira

Crimes de economia popular (L. 1.521/51): o prazo para conclusão do

inquéritos era sempre de 10 dias, estando solto ou preso o indiciado. (art.

10).

Inquérito militar: segundo o Código de Processo Penal Militar (decreto

lei 1.002/69), deve ser concluído em 20 dias se o réu estiver preso, e 40

dias, prorrogáveis por mais 20 dias se estiver solto (art. 20, caput e § 1º do

CPM)

Arquivamento

Ainda que fique provada a inexistência do fato ou que não se tenha apurado

a autoria do ilícito penal, a autoridade policial não pode mandar arquivar o

inquérito (art. 17 CPP). Tal providência cabe ao juiz, a requerimento do

órgão do Ministério Público. Sendo este último destinatário do inquérito

policial, deve formular um juízo de valor sobre o seu conteúdo, para avaliar

da existência, ou não, de elementos suficientes para fundamentar a

acusação. Se não encontrar esses elementos, cumpre-lhe requerer ao juiz o

arquivamento do inquérito. Tal requerimento deve ser fundamentado. Pode

ocorrer, porém, um pedido implícito de arquivamento, como, por exemplo,

na manifestação de que a prova coligida não autoriza estabelecer a

participação de um indiciado na prática do crime, ou de que considera o

juiz incompetente, recusando-se a oferecer a denúncia. Nesta última

hipótese, discordando o juiz da manifestação do Ministério Público, deverá

aplicar-se o art. 28 do CPP, encaminhando-se os autos ao Procurador Geral

de Justiça para que este decida se é caso de arquivamento ou de

oferecimento de denúncia. É o princípio da devolução, em que o juiz

transfere (devolve) a apreciação do caso ao chefe do Ministério Público, ao

qual cabe a decisão final sobre o oferecimento, ou não, da denúncia. Será

do Procurador a última palavra, sendo que entendendo pelo arquivamento,

nada mais se deverá fazer. Caso entenda que deva haver denúncia, ou o

próprio a oferecerá, ou nomeará um outro Promotor de Justiça que será

obrigado a oferecê-la pois não age em nome próprio e sim no chefe do

Ministério Público, do qual é uma longa manus, por delegação interna de

atribuições. Não é dado ao juiz indeferir pedido de arquivamento de

inquérito formulado pelo Ministério Público determinando novas

diligências. O pedido de arquivamento formulado por um representante da

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Justiça Pública impede que outro, que o suceda, ofereça a denúncia, ainda

que não proferido o despacho de arquivamento pelo juiz.

Novas provas

Segundo a Súmula 524 do STF, “arquivado o inquérito policial por

despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação

penal ser iniciada sem novas provas”. Nada impede que novas provas

modifiquem a matéria de fato, dando ensejo ao procedimento penal. Por

isso, o Código permite que a autoridade policial proceda a novas pesquisas,

mesmo após o arquivamento do inquérito (art. 18 CPP). Não se revestindo

de eficácia de coisa julgada o despacho de arquivamento, interlocutório de

natureza terminativa, o desarquivamento diante de novas provas é possível,

possibilitando-se o oferecimento de denúncia. Essas novas provas, capazes

de autorizar início da ação penal, são somente aquelas que produzem

alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido

o pedido de arquivamento do inquérito. A nova prova há de ser

substancialmente inovadora, e não apenas formalmente nova. Claro, deve-

se verificar se não ocorreu a prescrição do crime, hipótese que extingue a

punibilidade do agente (art. 107, IV CP) impedindo de instauração de

qualquer investigação criminal.

Apuração de crime de ação penal privada ou condicionada a

representação

Tratando-se de inquérito policial que verse sobre crime que se apura

mediante ação penal privada ou condicionada a representação do ofendido,

os autos aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal,

ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado (art. 19

CPP). A vítima deverá oferecer a queixa crime ou fazer a representação

dentro do prazo legal, sob pena de ser decretada a extinção da punibilidade

pela decadência, caso em que os autos serão arquivados definitivamente, e

não mais poder-se-á dar continuidade.

Sigilo em certidões criminais

Segundo o art. 6º da L. 12.037/09, “É vedado mencionar a identificação

criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não

destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença

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condenatória.” Quando cumprida a pena, há vedação expressa de

anotações criminais referente a condenações pela Lei 7.210/84 (LEP): “Art.

202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados

ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça,

qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo

pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.” Tal

se dá para que o sujeito não tenha efeitos eternos de uma condenação e

possa continuar sua vida normalmente. Aliás, se a ordem constitucional

veda pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “a”), o mesmo se diga

quanto a seus efeitos.

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