7 elefantes - luiz falcão (tcc)

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Trabalho de conclusão do curso Bacharelado em Artes Visuais apresentado em 2009/2 ao Unicentro Belas Artes de São Paulo.7 videorretratos.resumo: O presente artigo trata do vídeo digital intitulado 7 elefantes, que consiste em sete retratos emvídeo manipulados digitalmente. Neste trabalho, criaturas inexistentes, de base humana, sãoretratadas linearmente, uma após a outra. A partir do levantamento de trabalhos em vídeo-retratode diversos artistas, o artigo pretende discutir temas como a desconstrução do corpo, os processosde narrativa empregados no vídeo e recursos metalínguísticos. Aborda também os conceitos do unheimlich freudiano e da disgusting art, detendo-se em sua aplicação ao trabalho e discorrendo brevemente sobre os processos técnicos empregados na construção dos retratos.

TRANSCRIPT

  • 1

    CENTRO UNIVERSITRIO BELAS ARTES DE SO PAULO

    ARTES VISUAIS BACHARELADO EM PINTURA, ESCULTURA E GRAVURA

    7 ELEFANTES:

    VDEO-RETRATOS

    LUIZ DANIEL CURRALO FALCO PIRES

    So Paulo - 2009

  • 2

    CENTRO UNIVERSITRIO BELAS ARTES DE SO PAULO

    ARTES VISUAIS BACHARELADO EM PINTURA, ESCULTURA E GRAVURA

    7 ELEFANTES:

    VDEO-RETRATOS

    LUIZ DANIEL CURRALO FALCO PIRES

    So Paulo - 2009

    Trabalho de concluso de curso apresentado

    ao Bacharelado em Artes Visuais: Gravura,

    Pintura e Escultura do Centro Universitrio

    Belas Artes de So Paulo como parte dos

    requisitos para a obteno de grau de

    Bacharel, sob orientao do Prof. Me.

    Luciano Mariussi.

  • 3

    PIRES, Luiz Daniel Curralo Falco

    7 Elefantes: Vdeo-Retratos/ Luiz Daniel Curralo Falco Pires. So Paulo: 2009

    32f.

    Orientador Prof. Me. Luciano Mariussi

    Trabalho de concluso de curso (Bacharelado) Bacharelado em Artes Visuais: Gravura, Pintura e Escultura do Centro Universitrio Belas Artes de

    So Paulo, 2009.

    Inclui anexo e bibliografia.

    1. Vdeo. 2. Retrato. 3. Fico. 4. Unheimlich.5. Arte I. Pires, Luiz

    Daniel Curralo Falco. II. Bacharelado em Artes Visuais: Gravura, Pintura e

    Escultura do Centro Universitrio Belas Artes de So Paulo III. 7 Elefantes:

    Vdeo Retratos.

  • 4

    10 de Dezembro de 2009

    ______________________________________

    ______________________________________

    ______________________________________

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    - Ao orientador Prof. Me. Luciano Augusto Mariussi;

    - Aos professores Augusto Sampaio, Rubens Zacharias, Bertoneto Souza, Paulo Angerami e

    Juliana Morais, especialmente;

    - Aos modelos de meus retratos ficcionais: Rafael Arajo de Castro, Paula Betereli, Diogo

    Nogueira, Thiago Carvalho Leme, Tadeu Bruno da Costa Andrade, Cau Avelar Arantes Martins

    e Rafael Veiga Giannini;

    - Aos modelos cujos vdeos infelizmente no entraram para a verso final de 7 elefantes: Lucas

    Viveiros Gabriele e Brenda Lane Fernandes Leo.

    - Aos assitentes na reviso do artigo e nas captaes: Paula Betereli, Ana Carolina Teles, Diogo

    Nogueira, Tadeu Bruno da Costa Andrade, Mariana Waechter, Cau Avelar Arantes Martins e

    Pedro Rebucci de Melo;

    - Ao Sensei Jorge Kishikawa, senpai Wenzel, senpai Sidharta Rezende, senpai Juliano Cuomo,

    senpai Akira Nishisaka, senpai Adeval e a todo o Instituto Cultural Niten.

    - Ao coletivo Fabulrio;

    - ONG Confraria das Idias;

    - A Wiliam Arajo Barreto e Jakeline Santana;

    - A todos que comentaram e apoiaram a realizao deste trabalho por meio de idias e

    comentrios sobre os vdeos.

  • 6

    SUMRIO

    RESUMO............................................................................................................................07

    ABSTRACT...................................................................................................................... 08

    INTRODUO................................................................................................................. 09

    1. VDEO-RETRATO.......................................................................................................10

    2. DESCONSTRUO DO CORPO-IMAGEM............................................................. 13

    3. UNHEIMLICH E DISGUSTING ART.........................................................................15

    4. FICO E ESTRATGIAS NARRATIVAS...............................................................17

    5. DO PROCEDIMENTO E COMENTRIOS DOS RETRATOS..................................19

    5.1. RETRATO 1 RAFAEL ARAJO...........................................................................20

    5.2. RETRATO 2 PAULA B...........................................................................................20

    5.3. RETRATO 3 BRUNO COSTA................................................................................21

    5.4. RETRATO 4 TIAGO LEME...................................................................................21

    5.5. RETRATO 5 NGUE..............................................................................................22

    5.6. RETRATO 6 HENRIQUE, ANDR, PAULO E RAPHAEL VEIGA....................22

    5.7. RETRATO 7 CAU ALVES...................................................................................22

    FIGURAS...........................................................................................................................23

    CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................30

    BIBLIOGRAFIA................................................................................................................31

    WEBGRAFIA ................................................................................................................32

  • 7

    RESUMO

    O presente artigo trata do vdeo digital intitulado 7 elefantes, que consiste em sete retratos em

    vdeo manipulados digitalmente. Neste trabalho, criaturas inexistentes, de base humana, so

    retratadas linearmente, uma aps a outra. A partir do levantamento de trabalhos em vdeo-retrato

    de diversos artistas, o artigo pretende discutir temas como a desconstruo do corpo, os processos

    de narrativa empregados no vdeo e recursos metalngusticos. Aborda tambm os conceitos do

    unheimlich freudiano e da disgusting art, detendo-se em sua aplicao ao trabalho e discorrendo

    brevemente sobre os processos tcnicos empregados na construo dos retratos.

    Palavras-chave: vdeo, retrato, fico, unheimlich, arte.

  • 8

    ABSTRACT

    The present article is about the digital video 7 elefantes which consists of seven video-portraits

    that are digitally manipulated. In this work, inexistent creatures composed of human elements are

    presented one at a time in a linear sequence. With the survey of works of video-portraits of

    several artists, the article aims at discussing about themes such as body-fragmentation, the

    narrative techniques employed in the video and the metalinguistic resources. It also approaches

    the Freudian concept of unheimlich as well as the disgusting art, focusing on their appropriation

    by 7 elefantes and briefly discussing about the technical processes employed in the portraits composition.

    Keywords: video, portrait, fiction, unheimlich, art.

  • 9

    INTRODUO

    O presente trabalho consiste em 7 retratos em vdeo digital, com resoluo de 640 x 480px,

    captados a partir do recurso de vdeo de uma cmera fotogrfica digital. Com aproximadamente 1

    minuto cada e intercalado com letreiros (ttulo do trabalho e nomes dos personagens retratados),

    esses retratos esto ordenados linearmente e exibidos em um nico monitor. A captao

    manipulada digitalmente para criar personagens improvveis, anatomicamente impossveis.

    As personagens fictcias retratadas tem deslocamentos de ordem fsica no corpo, como a boca no

    lugar dos olhos (figura 1), simetria corporal vertical (figura 2), mos esquerda e direita trocadas

    (figura 3), entre outros. Essas mudanas fsicas so realizadas, a princpio, unicamente a partir da

    composio e edio de vdeo em um trabalho que no quer passar-se por real ou verista, no

    quer enganar ou persuadir o espectador a tomar seu contedo como assertivo.

    As criaturas propostas questionam nossa ideia de corpo de maneira agressiva. A princpio,

    incomodam o espectador, causam-lhe a sensao de estranhamento. Depois, o trabalho segue no

    sentido de desconstruir suas prprias estratgias constitutivas, revelando-as e exercendo ligeira

    auto-ironia, desconstruindo a narrativa tensa que se formava em favor de um discurso

    metalingustico.

    O nome 7 elefantes refere-se a ideia associada a este animal, uma noo de excesso e de

    incmodo, de um animal grande e feio, sem muita utilidade (ao menos para ns, ocidentais), que

    ocupa muito espao e s vezes exibido com curiosidade. Um ttulo alternativo para o trabalho,

    na verdade a grande sugesto imaginativa que motivou a sua realizao, 7 pessoas que voc

    no iria querer encontrar, mas a opo por 7 Elefantes deu conta desta ideia e ainda manteve um

    significado mais abrangente.

    Os sete personagens apresentados neste vdeo foram escolhidos entre 11 filmagens de modelos

    distintos, para a criao de 10 personagens diferentes. Estes dez vdeos captados, por sua vez,

    foram selecionados a partir de uma listagem com cerca de 20 ideias para personagens (figuras 4,

    5 e 6).

  • 10

    1. Vdeo-retrato

    possvel traar uma tradio do vdeo-retrato nas artes visuais a partir de uma srie realizada de

    1964 a 1966 por Andy Warhol. Gravada em 16mm (e no em vdeo) e intitulada Screen Tests

    (testes de tela) em referncias aos testes de elenco e de televiso. So retratos de annimos e

    celebridades, com uma esttica muito prxima do cinema e da fotografia (figuras 7 e 8). Todos

    em preto e branco e sem acompanhamento de som. Exibidos individualmente, estes retratos, e

    tambm a srie de Warhol movie pictures, estiveram no MAM-SP em 2005. Warhol filmava

    essas pessoas em tarefas simples como tomar refrigerante ou escovar os dentes, ou simplesmente

    sem fazer nada de especial, sob uma iluminao especfica, por exemplo. No havia grande

    trabalho na construo de cenrios ou personagens, pelo que pude entender por pesquisa.

    A partir de 1975, a artista Marina Abramovic comeou tambm a fazer uma srie de retratos em

    vdeo. Nestes auto-retratos, reunidos em So Paulo no trabalho Video Portrait Gallery para a 28

    Bienal Internacional de So Paulo (figura 9), Abramovic aparece executando aes que desafiam

    os limites do corpo (comer uma cebola, envolver-se em elo, em ossos, etc.). Isso confere um novo

    sentido ao retrato, um sentido potico mais elaborado.

    O artista americano Robert Wilson tambm tem uma srie significativa no campo do vdeo-

    retrato. Os retratos desenvolvidos desde 2004 para o canal norte-americano de televiso em HD,

    o Voom, trazem celebridades de diversos campos de atuao e animais retratados dentro do

    universo de referncias do autor. Aqui, a composio do cenrio e dos personagens so o grande

    diferencial da srie Voom portraits, resultando em imagens complexas e belssimas, fazendo

    referncia no apenas histria da arte e do teatro (figuras 10 e 11), como caractersticas dos

    prprios modelos. Dessa forma, Dita von Teese, artista burlesca, representada sobre um

    trapzio, e o ator Brad Pitt (figura 12), famoso por suas atuaes em filmes de ao, aparece em

    seu vdeo com uma arma na mo e narrao em off, apenas para citar alguns exemplos.

    Ainda que no esteja no campo dos vdeo-retratos, o trabalho do norte-americano Matthew

    Barney tambm vem dialogar e influenciar 7 elefantes, tanto pelas construes que o artista opera

    ao redor do corpo, quanto por recursos empregados na construo de personagens. Para a sua

  • 11

    mais famosa srie, o Ciclo Cremaster, Barney elabora uma extensa gama de personagens para

    suas estrias (figura 13). Esses personagens tm algo em comum com a construo empregada

    por Wilson discutida nos pargrafos acima. So construes a partir do imaginrio e mitologia

    pessoal do autor. Aqui eles no passam, ou passam pouco, pelas caractersticas especficas dos

    modelos (como Aimee Mullins, que tem sua amputao usada como valor nas personagens

    construdas para ela pelo artista (figura 14)).

    Uma distino muito importante que fao entre esses dois ltimos artistas e os primeiros no

    sentido de uma filiao ou paternidade. Enquanto os vdeos de Warhol e Abramovic aproximam-

    se demasiado da esttica da fotografia, com suas representaes naturalistas, em certo sentido at

    mesmo documentais, os retratos e personagens de Wilson e Barney parecem estar assim

    relacionados com a pintura: seja pelo aspecto visual geral das obras, seja pela forma de

    construo, composio e articulao dos valores na imagem. Isso foi uma preocupao para 7

    elefantes, um ponto de bifurcao: em dado momento, tive que decidir, com vista nas pretenses

    intelectuais do trabalho, se eu iria seguir por uma construo imagtica que se denunciasse

    absolutamente construda ou por uma iluso de naturalismo fotogrfico (que no caso destes

    vdeos que desenvolvo seria tambm absolutamente construdo).

    Da observao desses artistas e obras, tambm surgiram para meu trabalho duas importantes

    reflexes.

    Primeiro, o tipo de retrato que, em comparao com a fotografia, poderia ser desenvolvido em

    vdeo. Os Screen Tests de Warhol, e pelo menos grande parte dos Voom Portraits, assemelham-se

    a fotografias em vdeo, isto , no acontece nenhuma mudana significativa: h pouca diferena

    entre uma fotografia da bela mulher escovando os dentes e sua filmagem executando a ao por

    alguns poucos segundos. H vdeos tambm de modelos simplesmente parados, cuja nica ao

    mover ligeiramente a cabea ou piscar. Nos retratos de Marina Abramovic, no entanto, essa ao

    e o prolongamento dela, sua durao alongada aumenta em muito essa distncia entre

    fotografia e vdeo. Assim, ao elaborar os retratos de minhas criaturas para 7 elefantes, tive

    sempre como ponto de partida essas duas dimenses da ao no vdeo. No primeiro retrato, por

    exemplo, a ao de tirar os culos, tomar o contedo da xcara de caf e recoloc-los

  • 12

    imprescindvel para a leitura e para a construo do retrato. J o quinto vdeo (figura 15), por

    exemplo, h pouco dinamismo, pouca ao.

    Em segundo lugar, a influncia que o modelo, seu histrico pessoal e caractersticas da

    personalidade tem sobre a criao e composio dos retratos. Em 7 elefantes, isso aparece

    sutilmente, em alguns deles. Mais na forma de emprstimos e coincidncias do que como uma

    obrigatoriedade no processo criativo. Assim, o terceiro retrato, por exemplo, mostra um

    estudioso, um acadmico rodeado por livros, com as mos invertidas. O modelo, neste caso, foi

    referncia para o personagem: ele prprio um acadmico sempre rodeado por livros. Tambm

    o caso do stimo e ltimo retrato (figura 16), onde o modelo escolhido para a construo dos

    gmeos siameses tem irmos gmeos e os nomes desses irmos foram emprestados para as

    duplicatas em vdeo. O mesmo no acontece, no entanto, no primeiro ou quinto retratos: no h

    qualquer razo para a escolha daqueles modelos especficos. De um modo geral, esses pequenos

    emprstimos (todos os nomes so cpias ou jogos com os nomes dos modelos, por exemplo) no

    mudam significativamente 7 elefantes, mas ajudam a atribuir alguma veracidade, alguma

    complexidade aos retratos, que ainda que oculta, transparece de alguma maneira.

    O modo de exibio tambm foi pensado a partir da observao destes pares. Warhol e

    Abramovic tem seus vdeos exibidos em monitores de tubo. Wilson, pela explorao da alta

    definio das imagens, tem seus trabalhos televisionados (em corte horizontal) pelo canal Voom

    ou exibidos (na vertical) em monitores LCD de alta definio, o que acaba gerando uma

    identificao com os quadros e molduras dos retratos convencionais em pintura. A condio ideal

    para a exibio dos filmes de Barney o cinema (porque, afinal, o cinema parte das discusso

    do ciclo Cremaster), mas os retratos fotogrficos de seus personagens so exibidos em molduras,

    como retratos convencionais. 7 elefantes precisava de uma exibio que favorecesse sua leitura e

    fosse capaz de fortalecer seu conceito.

    Em Arte do Vdeo (1989), Arlindo Machado fala sobre a televiso de tubo de raios catdicos:

    A tela do vdeo [...] opaca, de modo que, ao contempl-la o espectador se defronta, antes de mais nada, com a sua materialidade, seus pontos e linhas de varredura, seus

    lags, rabos de cometa e todos os demais traos identificadores de sua natureza

  • 13

    reticulada. A inteligibilidade da imagem funo de um trabalho de decifrao/leitura

    desses sinais elementares, sem o que a informao se perde na indiferenciao do mar de

    retculas.

    O vdeo, em decorrncia da sua natureza tecnolgica como meio de baixa definio,

    opera com pequeno nmero de pontos de informao, numa malha de retculas que

    possibilita poucas articulaes significantes [...].

    [...] Assim que, se um espectador observa a informao luminosa que lhe dada pelo

    iconoscpio de um aparelho receptor de tev, ele se defronta com um sistema

    incompleto, cujas brechas precisam ser preenchidas para tornar perceptvel/inteligvel a imagem. No intervalo entre as retculas e no plano de separao das linhas de

    varredura h uma fresta vazia onde a figura simplesmente no existe; a prpria figura

    est, ela tambm, anotada de forma simplificada, com uma quantidade limitada de

    pontos informacionais. Ver televiso significa, antes de mais nada, preencher os

    intervalos que fraturam a figura e completar os dados que foram suprimidos na

    enunciao, para poder dar consistncia a uma imagem que, do ponto de vista do seu

    potencial informativo, no constitui seno uma virtualidade. E mais: preciso ainda

    abstrair da imagem todas as distores, anomalias e rudos[...] (MACHADO, 1995, p. 58-60).

    Os retratos que desenvolvo passam por um processo quase artesanal de ps-produo. Assim, o

    acabamento est sem dvida muito abaixo do que estamos acostumados a ver nas produes

    comerciais que envolvem tecnologia de ponta e altos investimentos. Independente disso, as

    proposies visuais articuladas em cada retrato no correspondem realidade. Dessa forma, a

    necessidade de preenchimento por parte do espectador para a qual Machado chama ateno

    colabora para a leitura do trabalho. A baixa definio e a decomposio em pontos de luz

    disfaram as imperfeies da construo da imagem, colaborando para uma leitura menos

    resistente, mais verossmil, por assim dizer.

    2. Desconstruo do Corpo-imagem

    A psicanalista Maria Rita Khel, em texto para o catlogo da exposio Corpo, do Ita Cultural,

    evidencia a construo, em nossa sociedade, daquilo que podemos chamar de corpo-imagem:

    [...] o que mais se consome so imagens, porque a grande indstria em expanso na

    sociedade de consumo contempornea a do espetculo, da imagem. Consumimos,

    acima de tudo imagens que oferecem novos modelos de identificao e esforamos para

    que nosso corpo se torne igual aos corpos exibidos. [...] Como a imagem a do corpo,

    no existe imagem do eu [...]. A imagem sempre a do corpo, somos convidados cada

    vez mais a viver no corpo, a definir o que somos pelo corpo que exibimos.

  • 14

    [...] O corpo contemporneo escravo da necessidade de ter o reconhecimento do outro

    o tempo todo; [...] nosso corpo trabalha muito, sem descanso, para corresponder s

    imagens que lhe oferecem como modelo. So modelos que prope uma lgica muito

    cruel, a lgica de incluso/excluso. (KHEL, 2005. p. 133,114)

    E mais adiante: Enquanto o corpo se adapta imagem demandada pelo outro, enquanto ele

    sede do prazer das sensaes, tudo bem. Mas essa uma dimenso muito limitada do corpo.

    (KHEL, 2005. p. 116).

    Os corpos exibidos em 7 elefantes no correspondem a esses modelos de corpo. Alis, nem ao

    modelo de bom corpo, nem ao de corpo saudvel. No correspondendo a nenhuma imagem

    pr-determinada de corpo, nenhuma imagem aceita ou esperada, podemos dizer que so uma

    agresso ao corpo-imagem que trazemos em nosso imaginrio e que esto fundados justamente

    nessa agresso. As figuras hipotticas representadas nos vdeos esto posicionadas, neste jogo

    mencionado por Khel, no territrio da excluso. Essa desconstruo e reordenao anatmica

    proposta nos retratos incomoda o espectador. Se a identidade reconhecida no corpo, os retratos

    questionam o observador sobre essa identidade.

    No h, desde o incio, um mtodo empregado para a criao dos personagens de 7 elefantes.

    Mas h uma relao de afinidades, coincidncias, sugestes, encontros e estmulos que identifico

    entre uma srie de imagens com as quais me deparo navegando na internet ou folheando livros,

    quadrinhos e catlogos de arte, em comentrios de amigos e exerccios simples de associao

    realizados em uma folha de papel.

    Essa srie de acasos, coletas e sedimentaes, tenho associado com alguns procedimentos

    surrealistas. Renato Cohen diz, sobre a collage:

    Collage seria a justaposio e colagem de imagens no originalmente prximas obtida atravs da seleo e picagem de imagens encontradas ao acaso em diversas fontes (COHEN, 2004. P. 60)

  • 15

    Em 7 elefantes, esse procedimento de collage empregado do corpo e para o corpo. Em geral,

    no se trazem elementos externos para os corpos das personagens e as transformaes so

    mostradas com crueza, sem estratgias de sugesto ou sutileza. Talvez por isso essas imagens

    sejam to agressivas ao modelo de corpo mencionado por Khel, talvez por isso sejam to

    incmodas e instigantes.

    No mesmo catlogo, Corpo, um texto da curadoria pode ajudar a fechar essa compreenso:

    Nas geraes recentes, a problemtica da identidade, ou melhor, de sua crise, manifesta-se na investigao da alternativas identidade convencional, utilitria e

    indivisvel. Crise que talvez explique o declnio da presena fsica e sua substituio por

    um corpo virtual crtico. So trabalhos hbridos, irnicos e abertos diferena, suscitada

    com frequncia pela proliferao de imagens de fragmentos do corpo, que contribuem

    para sua desmaterializao tecnolgica e colocam em suspenso os conceitos de real e

    irreal. (COCCHIARALE, MATESCO, 2005.p. 65 )

    3. Unheimlich e Disgusting Art

    H um termo bastante empregado na literatura que pode ajudar a entender uma das dimenses

    dos vdeos aqui apresentados e um de seus recursos narrativos/compositivos. O termo unheimlich

    foi desenvolvido por Freud em 1919, em ensaio intitulado Das Unheimliche. o prprio Freud

    que o associa a literatura de seu tempo, particularmente com o conto O Homem de Areia, de

    E.T.A. Hoffman. O termo foi adotado tambm pela crtica literria, sendo usado largamente at

    hoje.

    Tem sido traduzido como estranho ou sinistro ao longo dos anos e das diversas tradues e

    comentrios, mas muitos crticos e tericos optam por usar o termo original, evitando perder

    sentido na traduo. O prprio Freud chega a debruar-se sobre sua etimologia e a escolha da

    palavra unheimlich para designar o conceito observado, depois, outros tericos iriam se debruar

    sobre esta etimologia. Heim a palavra alem para casa, lar. Heimlich familiar, domstico.

    Acontece que na lngua alem, tambm a palavra para secreto, escondido, oculto. Un partcula

    de negao. Desta forma, unheimlich ao mesmo tempo a negao daquilo que familiar, e

  • 16

    daquilo que secreto, desconhecido. Seria algo como o secreto que se revela em ambiente

    familiar, aquilo que no deveria estar ali, mas est1.

    Cito a interpretao do crtico e curador Teixeira Coelho:

    Arte de inquietante aparncia no modo de classificao consagrado na histria da

    arte. Mas expressa bem o que Freud descreveu como Unheimlich, aquilo que no

    pertence a casa (em alemo heim, a casa, o lar, a casa paterna, ali onde se est bem;

    heimat, a terra natal, a ptria). Unheimlich, aquilo que no familiar, que no pertence a

    essa famlia. O que no pertence a esta casa, mas ali est e com o que haver que se conviver. (COELHO, 2006. p22)

    Em 7 elefantes essa construo est evidente. Os cenrios no so compostos de forma extica ou

    pitoresca. So muitas vezes lugares reconhecveis, comuns, familiares ao espectador. Casas ou

    ambientes simples que no apresentam nada de estranho ou inovador, nenhuma curiosidade

    especfica, nenhuma peculiaridade. Mas h, na composio singela de cada cena (muitas vezes,

    nada foi alterado para a captao do vdeo, sendo usada a locao sem qualquer alterao,

    arrumao ou remanejo) um elemento estranho e perturbador: a boca que aparece no lugar onde

    deveriam estar os olhos, a simetria vertical, o buraco que transpassa o peito (figura 17), as mos

    invertidas: um nico elemento que, tambm familiar, se revela em disposio errada. No poderia

    estar ali, mas est.

    Sobre a arte da inquietante aparncia, mencionada por Coelho e identificada por ele com o

    unheimlich freudiano, podemos tambm associar ao que a crtica inglesa denominou disgusting

    art. O termo est associado a uma arte que envolve o corpo, ele mesmo ou enquanto

    representao, e foi usado para abarcar as obras expostas na importante exposio Sensation, de

    1997. O pesquisador Ricardo Nascimento Fabbrini, em seu livro A Arte depois das Vanguardas,

    faz a ponte entre o conceito e o ttulo da exposio:

    Esse termo associado com frequncia [...] ao pintor, tambm ingls, Francis Bacon. Pois a pintura de Bacon abriu a via da sensao (sensation) o nervo de toque da disgusting art nova gerao ps-vanguardista de artistas ingleses. O termo acolhido,

    1 Entrei em contato com o conceito de unheimlich pela primeira vez em um grupo de estudos de literatura fantstica

    no qual atuei por trs anos, o coletivo Fabulrio, para o qual li e pesquisei largamente sobre o assunto, entre textos de

    Brulio Tavares, Selma Calasans Rodrigues, Paula Rego, Bernardo Carvalho, Tzvetan Todorov, entre outros. A

    traduo aqui sugerida resultado da consulta ao texto de Freud, a diversos dicionrios e amigos falantes da lngua

    alem.

  • 17

    sensao, remete-nos tambm interpretao de Gilles Deleuze (1981) da obra de

    Bacon. Deleuze afirma que h duas maneiras de superar a figurao, rumo a Forma abstrata, ou ento rumo a Figura. (op. cit. p.27). Figura, prossegue, a forma sensvel referida a sensao: ela age imediatamente sobre o sistema nervoso, que

    carne; [...] a sensao uma face voltada para o sujeito (o sistema nervoso, o movimento vital, o instinto, o temperamento, todo um vocabulrio comum ao Naturalismo de Cezanne) e uma face voltada para o objeto (o fato, o lugar, o acontecimento); ou melhor, ela no tem face de modo algum, as duas coisas

    indissoluvelmente, ser no mundo, como dizem os fenomenlogos: ao mesmo tempo eu

    advenho na sensao e algo ocorre por meio da sensao [...] Eu, espectador, s sinto a

    sensao entrando no quadro, acedendo unidade do que faz sentir e do sentido (ibidem). essa sensao, que advm dos quadros de Bacon, distantes da forma abstrata

    das vanguardas tardias, minimalista, conceitualista ou pop (que agem por intermdio do crebro), que definiria, segundo essa crtica, a arte corporal inglesa das ltimas dcadas. [...] O grito rasgado das figuras solitrias de Bacon, engaioladas, confinadas em

    cmodos ou solitrias, teria ecoado nos corpos cobertos de chagas e pus expostos em

    fotos e gestos, como veremos, pelos artistas atuais. Eles compartilhariam um mesmo

    imaginrio, composto de corpos em desintegrao, corrompidos, que oscilam entre a

    envilecida carne sem defesa, submetida a extrema violncia e manifestao mais

    radical da sensao a dor que estabelece um contato abrasivo com o pblico, pois unifica, como quer Deleuze, o que faz sentir e o sentido (op. cit. p28).

    (FABBRINNI, 2002. p 182.) 2

    Essa veia da sensao tocada, ao menos, nos dois primeiros retratos de 7 elefantes. A

    revelao, no primeiro personagem, quando ele tira os culos asquerosa e perturbadora. Assim

    como sinistra e inquietante a imagem prostrada de uma quase-mulher quadrpede (sem braos,

    peito ou cabea) no segundo vdeo, com uma voz que dirige seus movimentos. O terceiro vdeo

    tambm segue ligeiramente inquietante e aflitivo. A discusso prxima da disgusting art comea

    a se dissipar da em diante, no mesmo ritmo em que se abandona a fico ilusionista em favor de

    um discurso metalingustico. Muda a tnica dos retratos, entra no lugar disso o auto-humor e um

    certo cinismo.

    4. Fico e estratgias narrativas

    H uma fico por trs do trabalho. Nesta fico, um sujeito encontra as anomalias e as convence

    a se deixarem filmar por 1 minuto. No final, o resultado disso seria o vdeo 7 elefantes. O

    contedo dessa fico comunicado gradualmente para o espectador ao longo do vdeo, atravs

    de pistas nas falas do personagem retratado e do homem que supostamente est atrs da cmera,

    2 Na verdade, Fabbrinni mistura os comentrios de Bacon e Deleuze presentes no livro Francis Bacon: lgica da

    sensao de Gilles Deleuze , mas o sentido de sua exposio no se perde.

  • 18

    do qual s temos a voz. principalmente nesta voz que dirige os modelos que se pode ler os

    elementos dessa pequena narrativa e, tambm, nos comentrios e perguntas dos

    modelos/personagens.

    Havia, no incio do projeto, uma preocupao com um carter ou aspecto documental ou caseiro

    que intensionava-se implicar aos vdeos. Com o tempo e o avano das reflexes e da produo

    ficou evidente que esta no era uma questo central para o trabalho. Pelo contrrio, o que eu

    estava realizando, em oposio ao que acreditava, no era um falso documentrio: mas a proposta

    de uma obra de fico dentro do territrio das artes visuais. H um flerte, evidentemente, com a

    linguagem daquilo que estamos acostumados a entender como documentrio, mas esta impresso

    paulatinamente desfeita ao longo do vdeo.

    Nol Carrol, em ensaio intitulado Fico, no-fico e o cinema da assero pressuposta: uma

    anlise conceitual, divide os discursos simblicos em dois tipos: fico e no-fico (deste

    segundo grupo fariam parte as imagens caseiras e documentais). Para o autor, a diferena entre os

    dois discursos no pode ser reconhecida por elementos visuais, lingusticos ou materiais presentes

    na produo, mas por uma srie de relaes exteriores a obra, envolvendo produtor e receptores.

    A ttulo de aprofundamento de anlise, ele continua destrinchando o assunto at chegar ao termo

    assero pressuposta. Uma obra de no-fico, um documentrio, por exemplo, seria aquele no

    qual devemos entreter o seu contedo proposicional como um pensamento assertivo

    (CARROLL, 2005). Isto , o propositor o apresenta para o pblico como um pensamento

    assertivo e o pblico tem conscincia de que o proponente assim o apresenta. No o caso de 7

    elefantes. Aqui, pretende-se um aspecto naturalista e, mesmo com as dificuldades tcnicas

    enfrentadas, um acabamento o mais convincente possvel. A inteno no confundir o

    espectador sobre o carter ficcional ou no do vdeo. Evidentemente, no pretende-se subestimar

    sua inteligncia, mas sim instig-la a partir dessas estratgias.

    As pistas sobre a narrativa, que aparecem gradativamente, vo tambm se transfigurando num

    discurso metalingustico no decorrer do vdeo. Dessa forma, a partir do quarto retrato, ouve-se a

    voz de uma mulher (em volume baixo, mas ainda discernvel) comentando sobre vdeos

  • 19

    anteriores, durante a gravao. No final deste mesmo vdeo, o modelo sai do personagem,

    brinca e d risada. Ainda que isso no denuncie absolutamente a farsa, podendo ser relevado do

    ponto de vista narrativo, sugere uma quebra da narrativa, do ilusionismo, da representao.

    A farsa confirmada, ou melhor dizendo, a fico desvelada, exposta e desmentida dentro de si

    mesma, ainda que no se desfaa completamente, no sexto vdeo (figura 18), onde a voz

    masculina em off diz ao modelo qual a fico que existe por trs dos retratos. O ltimo vdeo

    bastante esttico em relao aos demais, no h dilogos, nem nenhuma ao que chame

    demasiadamente a ateno do espectador. Este tempo necessrio para que o espectador digira e

    entenda o que aconteceu nos vdeos anteriores, perceba as auto-referncias e admita a linha

    metalingustica da narrativa (que um pouco inesperada, por no ser vista to comumente e por

    no estar acompanhada de uma desconstruo equivalente das imagens apresentadas). Esta ltima

    figura, que mexe apenas um olho, devolve o olhar ao espectador, de uma maneira debochada e

    cmplice, como se confirmasse com esse gesto a leitura realizada. Assim, o vdeo revela suas

    prprias estratgias de construo, no esconde sua linguagem ou inteno - e transfere parte

    dessas coisas ao espectador.

    5. Do procedimento e comentrios dos retratos

    Para a composio de cada retrato foi sempre realizada mais de uma captao. As diversas

    captaes so ento editadas, fundidas e sincronizadas em software de edio de vdeo adequado.

    Eu no tinha, antes de iniciar os trabalhos com 7 elefantes, qualquer experincia na edio de

    vdeo, ainda mais no tipo de efeito especial que eu comeara a investigar. Isso rendeu algumas

    captaes frustradas e material perdido, entre os quais, vdeos que no foram utilizados (figuras

    19, 20 e 21). As etapas iniciais de desenvolvimento consumiram um tempo excessivo, alm de

    grande ateno e dedicao no campo tcnico, pois alm de articular a linguagem do vdeo,

    prever e definir escolhas conceitualmente, estava aprendendo a lidar com as ferramentas

    necessrias, com os mtodos e macetes de captao, fuso, acabamento, direo dos modelos, etc.

    Para algumas das captaes, foram usados pontos de tracking (figura 22), mas em geral optou-se

    pela construo de imagens onde haveriam pontos estticos de fuso. Durante as filmagens, com

  • 20

    auxlio de um monitor de televiso ou sobre o prprio monitor LCD da cmera, utilizou-se um

    acetato sobreposto, onde foram feitos desenhos e anotaes (figuras 23, 24, 25 e 26). Assim, com

    esse desenho como base, as prximas captaes eram feitas para encaixarem-se nele. Na ps-

    produo, esses vdeos eram fundidos com os recursos de mscaras (figura 27) do programa e

    em alguns casos, essas mscaras tiveram que ser animadas quadro a quadro.

    Em seguida, comento aspectos tcnicos e narrativos empregados em cada vdeo.

    5.1. Retrato 1 Rafael Arajo

    O primeiro vdeo se inicia de forma aparentemente comum. Nos 20 primeiros segundos, o

    espectador est diante de uma imagem sem intervenes, um homem de culos que toma o

    contedo de uma xcara. Tudo familiar at aqui. E a primeira leitura de que se trata de um

    retrato comum, talvez ele dir algo em seguida, como em uma entrevista ou documentrio.

    Repentinamente, ele tira os culos e revela, em um susto, a deformidade: bocas no lugar dos

    olhos, causando asco e/ou algum incmodo ao espectador. Esta revelao do elemento estranho

    introduz o trabalho. O tempo do vdeo, para isso, imprescindvel, joga com a leitura do

    espectador e confere sentido, dinamismo e dramaticidade ao trabalho.

    A faixa de som aqui apenas um burburinho, parece haver uma msica ao fundo, sugere um local

    de passagem, talvez um local movimentado. O cenrio no revela muito sobre este local, o que

    acaba por contribuir para esse sensao de estranhamento.

    5.2. Retrato 2 Paula B.

    Inspirado pelo trabalho com bonecas do artista surrealista Hans Bellmer (figura 28), este vdeo

    mostra um corpo feminino com simetria vertical prostrado sobre um colcho que est no cho, ao

    lado de cabeamento, em baixa iluminao. O cenrio aqui bastante repressor e a imagem das

    pernas se movendo, com sincronia absolutamente no-natural bastante perturbadora. Soma-se

    isso a voz do diretor, que aqui aparece dando instrues para a modelo: mova a perna esquerda

    um pouco para fora, que chega a ser absurda, pois h mais de uma perna esquerda. Nossa

    personagem aqui est completamente submissa e manipulada, e o espectador passa a ser um

    cmplice nessa situao bizarra.

  • 21

    Aqui, a narrativa ainda est se formando, ainda h o forte tom de disgusting art, o incmodo, o

    estranho, o perturbador ainda so o principal discurso proposto ao espectador.

    5.3. Retrato 3 Bruno Costa

    Aqui apresenta-se uma deformidade mais sutil, mais discreta, mas que ainda se acomoda ao lado

    das anteriores no conceito de estranhamento freudiano (unheimlich). Este o primeiro vdeo onde

    o modelo foi determinante para a construo do personagem: ambos so acadmicos e este

    personagem aparece em uma mesa de estudos, rodeado por livros. Essa condio enfatiza a

    deformao nas mos, instiga uma possvel curiosidade sobre a vida e o trabalho desse

    personagem, que depende das mos para trabalhar, e de certa forma leva esta pergunta para os

    outros vdeos: o que este corpo deformado fora do contexto do retrato? Se existisse, como seria

    sua vida, seu comportamento, neste mundo feito para os corpos modelos? Com as mos

    invertidas, o personagem manuseia o livro e demonstra diante da cmera alguns tiques nervosos:

    o movimento igualmente dessincronizado, suscitando estranheza.

    Aqui, h uma interao entre personagem e o cmera, que parece transparecer um certo

    desconforto ou encbulo. Segue ento, na narrativa ficcional, abandonando um pouco o carter

    muito perturbador ou sinistro apresentado nas imagens anteriores.

    5.4. Retrato 4 Tiago Leme

    Ao contrrio do efeito dramtico pretendido no primeiro retrato, aqui o personagem aparece se

    despindo para revelar sua deformidade no no intuito de gerar surpresa ou susto, mas para

    implicar dinamismo e dar uma certa iluso de veracidade, quebrando a monotonia dos retratos

    mais estticos.

    O buraco que apresenta no peito foi obtido atravs da filmagem de um prottipo de papelo e

    ltex e a fuso foi realizada com auxlio de pontos de tracking, colados no peito do modelo. Os

    movimentos de mo e camisa demandaram horas de trabalho com mscaras animadas.

  • 22

    a partir desse vdeo que os processos de narrativa comeam a ser revelados ao espectador. Uma

    voz feminina comenta os dois primeiros vdeos do trabalho e, no final, o modelo sai do

    personagem, quebrando o efeito ilusionista pretendido at ento nos outros retratos.

    5.5. Retrato 5 Ngue

    Trata-se de um retrato mais esttico e o nico que no se encontra em ambiente familiar. Aqui,

    pela natureza da deformao, achei conveniente trazer uma imagem recorrente s aberraes, a

    imagem dos bastidores de um circo sacolas pelo cho, cartazes na parede, um tecido preto

    como outra parede, sugerindo instalaes mais precrias ou improvisadas. Tambm o nome do

    personagem remete a um pseudnimo circense. A falta de movimento neste retrato tem dupla

    funo: primeiro, facilitar a edio em vdeo dessas fuses complexas; segundo, ser

    verdadeiramente uma pausa na narrativa, para que o espectador tenha tempo de ler e digerir o que

    viu no ltimo retrato. um tempo tambm para refletir criticamente sobre os retratos anteriores.

    5.6. Retrato 6 Henrique, Andr, Paulo e Raphael Veiga

    Neste vdeo h outra curiosidade em relao ao modelo: ele prprio tem irmos gmeos, e como

    j dito, seus nomes foram emprestados s duplicatas virtuais. Aqui, o cenrio volta a ser um

    ambiente familiar, uma cama, com roupas postas na cabeceira. A sensao de asco ou

    perturbao j foi deixada de lado tambm o olho e o crebro j se acostumaram a esta altura.

    nesse momento preciso que o golpe final dado sobre a narrativa ficcional. A voz do diretor

    por trs da cmera explica com todas as letras que se trata de uma fico, segundo a qual

    algum encontrou essas pessoas e as convenceu a serem filmadas por um minuto. Como

    comentado anteriormente, a imagem no se desfaz, ela continua sendo proposta e sugerida, mas

    declarada a inteno ficcional, dentro da prpria fico que prossegue se desenvolvendo.

    5.7. Retrato 7 Cau Alves

    O ltimo retrato pretende uma limpeza em relao aos demais. Novamente, um tempo para

    reflexo crtica. O personagem apenas l um livro e devolve, como j comentado, o olhar para o

    espectador.

  • 23

    FIGURAS

    FIGURA 1 FIGURA 2

    FIGURA 3

    FIGURA 4

  • 24

    FIGURA 5

  • 25

    FIGURA 6

    FIGURA 7 FIGURA 8

    FIGURA 9

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    FIGURA 10 FIGURA 11

    FIGURA 12

    FIGURA 13

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    FIGURA 14 FIGURA 15

    FIGURA 16 FIGURA 17

    FIGURA 18

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    FIGURA 19 FIGURA 20

    FIGURA 21 FIGURA 22

    FIGURA 23 FIGURA 24

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    FIGURA 25

    FIGURA 26

    FIGURA 27 FIGURA 28

  • 30

    CONSIDERAES FINAIS

    Temas e inquietaes presentes desde o incio de meu processo artstico reapareceram neste

    trabalho. So as transformaes articuladas sobre a anatomia humana, a inquietao em torno do

    conceito do unheimlich freudiano, a tendncia monstruosidade e o flerte com o grotesco. Pela

    primeira vez, assumi uma linha de investigao narrativa para um trabalho em artes-visuais,

    compreendendo-a tambm como linguagem.

    Da mesma forma, muitas potencialidades foram descobertas a partir da experincia com o vdeo e

    a articulao da narrativa e do tempo. Estes seguem ainda como uma primeira experincia, uma

    primeira incurso, mas abrem um novo campo que certamente ser desenvolvido daqui em

    diante.

    Assim, 7 elefantes se fecha como um exerccio narrativo, metalingustico, tcnico e como a

    realizao de conceitos e objetivos que tenho esboado h anos.

  • 31

    BIBLIOGRAFIA

    MACHADO, Arlindo. Arte do Vdeo. Editora Brasilisiense : So Paulo. 3 edio, 1995

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    Sigmund Freud. V. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-270

  • 32

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    Disponvel em: http://www.cremaster.net

    Visitado em: 26/03/2009

    HANS BELLMER - MOMA

    Disponvel em: http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=452

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    ANDY WARHOL SCREEN TESTS

    Disponvel em: http://www.warholstars.org/filmch/screen.html

    Visitado em: 25/05/2009

    MARINA ABRAMOVIC 28 BIENAL DE SO PAULO Disponvel em: http://www.28bienalsaopaulo.org.br/projeto-participante/video-portrait-gallery-

    video-galeria-de-retratos

    Visitado em: 25/05/2009