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7 Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1 o Atlas, voltado ao público infanto- juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino O que se pretende neste capítulo é aplicar o conceito das categorias de Italo Calvino, abordadas no capítulo anterior, na análise do discurso ligado à sintaxe visual da publicação do IBGE voltada para o público infanto-juvenil, Meu 1 o Atlas. Porém, antes de fazer essa análise técnica, falarei um pouco sobre o modo como essa publicação foi desenvolvida e sua interseção com o referencial teórico desta pesquisa. 7.1. As etapas da produção do Meu 1 o Atlas O briefing apresentado para Meu 1 o Atlas foi o de uma publicação voltada para o público infantil que traria os principais conceitos da cartografia, além de prepará-lo para ler mapas e cartogramas de forma simples e divertida. Procurei referências que me ajudaram bastante, mas não foram suficientes para que eu me sentisse segura em relação a qual método usar. A única certeza que tinha era que eu gostaria de tentar fazer um livro mais atraente, para que as crianças realmente se interessassem pelo conteúdo a ser apresentado. Mas como fazê-lo? Observando de forma não sistemática as crianças do meu convívio percebi como elas se identificavam com os personagens dos livros de que mais gostavam. Faziam comentários sobre esses personagens e às vezes usavam roupas e compravam objetos com seus personagens preferidos estampados. Então, criei personagens humanos para que as crianças se identificassem com os mesmos (como se fossem seus amigos) e se sentissem estimuladas a ler o

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7 Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1

o Atlas, voltado ao público infanto-

juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino

O que se pretende neste capítulo é aplicar o conceito das categorias de Italo

Calvino, abordadas no capítulo anterior, na análise do discurso ligado à sintaxe

visual da publicação do IBGE voltada para o público infanto-juvenil, Meu 1o

Atlas.

Porém, antes de fazer essa análise técnica, falarei um pouco sobre o modo

como essa publicação foi desenvolvida e sua interseção com o referencial teórico

desta pesquisa.

7.1. As etapas da produção do Meu 1

o Atlas

O briefing apresentado para Meu 1o

Atlas foi o de uma publicação voltada

para o público infantil que traria os principais conceitos da cartografia, além de

prepará-lo para ler mapas e cartogramas de forma simples e divertida.

Procurei referências que me ajudaram bastante, mas não foram suficientes

para que eu me sentisse segura em relação a qual método usar. A única certeza

que tinha era que eu gostaria de tentar fazer um livro mais atraente, para que as

crianças realmente se interessassem pelo conteúdo a ser apresentado. Mas como

fazê-lo?

Observando de forma não sistemática as crianças do meu convívio percebi

como elas se identificavam com os personagens dos livros de que mais gostavam.

Faziam comentários sobre esses personagens e às vezes usavam roupas e

compravam objetos com seus personagens preferidos estampados.

Então, criei personagens humanos para que as crianças se identificassem

com os mesmos (como se fossem seus amigos) e se sentissem estimuladas a ler o

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livro. E como era um livro para meninos e meninas, criei o Bebeto e a Júlia com

uma faixa etária próxima ao do público alvo. Ele, mestiço, representando a

maioria da população brasileira e ela, ruiva, representando a minoria.

Também me lembrei do quanto as crianças gostam e se identificam com os

animais e criei um gatinho e um cachorrinho para acompanharem as personagens

em suas aventuras.

Entrei em contato com as duas professoras do ensino médio que iriam

escrever o texto do livro para expor minhas idéias e discutirmos a possibilidade de

se criar uma narrativa que fosse uma conversa com as crianças e que ao mesmo

tempo as fizessem participar da história, desenhando, jogando, procurando

referências, usando um material de apoio, induzindo-as a voltar para as páginas

iniciais e até mesmo estimulando-as a deixar o livro por um instante para realizar

uma tarefa. As professoras gostaram das idéias e começaram, então, a trabalhar no

texto.

Ainda sem o texto, meus superiores solicitaram um layout de algumas

páginas do livro, o que foi muito difícil para mim, pois não havia um conteúdo

para me basear. Como fazer uma boneca sem texto e sem ilustração? Pensei,

então, em usar um elemento gráfico que viria estampado por todo o livro. E qual

seria ele? Bom, como se tratava de um Atlas que ensinaria as crianças a ler um

mapa pensei num instrumento que as ajudaria nessa tarefa: a rosa dos ventos.

Sendo um instrumento de orientação comum em todos os sistemas de navegação

antigos e atuais, resolvi que a rosa dos ventos seria o elemento gráfico que serviria

de base para a montagem da boneca. Até a paginação viria dentro da rosa dos

ventos.

Chamei então, a ilustradora que havia trabalhado comigo no Vamos

compreender o Brasil e fizemos nossa primeira reunião. Expliquei que gostaria de

fazer algo diferente apesar de ser um livro didático, usando ilustrações que

estimulassem o exercício da mente, despertassem a criatividade das crianças e

também o seu interesse. Falei sobre a idéia das personagens, da rosa dos ventos,

dos bichinhos de estimação e com isso, várias outras idéias foram surgindo.

Discutimos que ilustrações usar nas partes que não dependiam de texto, como por

exemplo: a capa, as folhas de guarda, o frontispício, a página de apresentação, o

sumário, as aberturas de capítulo, além da ilustração que usaríamos no material

promocional. Também chegamos à conclusão que as ilustrações deveriam ser

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feitas usando a técnica de pintura em aquarela, pois assim conseguiríamos dar um

aspecto poético e lúdico a publicação. Alguns dias depois a ilustradora me

apresentou as ilustrações solicitadas e simplesmente me apaixonei à primeira

vista. Ela realmente entendeu o que eu havia imaginado e com seu talento fez

ilustrações encantadoras. Com essas ilustrações, pude, então, criar o layout de

algumas páginas, conforme me foi solicitado e a aprovação foi imediata.

Aos poucos o texto foi sendo desenvolvido e fui concebendo as idéias das

ilustrações junto com a ilustradora, página por página. Ela fazia um rascunho, ao

mesmo tempo em que líamos o texto e discutíamos como seriam as ilustrações.

Um verdadeiro trabalho de direção de arte. Depois mostrávamos para o

Coordenador Geral do CDDI, para aprová-las e aí então, ela fazia os originais. E

assim, fomos criando as ilustrações para todo o livro ao mesmo tempo em que eu

desenvolvia o projeto gráfico do mesmo. Coloquei sempre junto da ilustração uma

cor chapada com uma forma que lembrava a aparência física de algum elemento

da ilustração. Essa forma de cor chapada eu também chamei de elemento gráfico,

assim como a rosa dos ventos que espalhei pelo livro. Pensei também na família

de fontes que iria utilizar, no tamanho dessas fontes tipográficas, na posição dos

títulos, do texto, das ilustrações e dos elementos gráficos e também, no contraste

entre "figura e fundo" do conjunto gráfico. Enfim, todos os elementos visuais

foram pensados e posicionados com o objetivo de buscar um equilíbrio entre a

informação visual e a informação textual, para assim ajudar na seqüência da

leitura e facilitar a percepção do conteúdo por parte das crianças.

O livro é estruturado em duas partes. A primeira parte ensina como construir

e entender os mapas. Ela é rica em ilustrações e é bastante interativa. As

personagens aparecem em praticamente em todas as páginas, sempre com a

mesma roupa para manter uma identidade. A rosa dos ventos também está sempre

presente ora na roupa do Bebeto, ora como instrumento de orientação, ora como

diversão para os bichinhos, ora como elemento gráfico e na paginação.

Já a segunda parte do livro é constituída por mapas do Brasil e do mundo

como um Atlas propriamente dito. As personagens não aparecem nessa segunda

parte do Meu 1o

Atlas havendo apenas algumas ilustrações referentes aos mapas.

Esses mapas foram feitos por outro designer do CDDI, que também solicitou as

ilustrações para mesma ilustradora da primeira parte do livro. Minha única

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participação nessa segunda parte foi na criação das tarjas e na diagramação das

páginas.

No final do livro vem encartado um material de apoio: um mapa do Brasil,

um mapa do Estado onde o livro foi distribuído ou vendido e também, algumas

transparências que são utilizadas pelas crianças à medida que lêem o livro.

A contribuição do público infantil foi referência ao longo de todo o processo

de criação: várias crianças experimentaram e testaram o Meu 1° Atlas à medida

que este ia sendo desenvolvido e assim pudemos aprimorá-lo de acordo com as

necessidades surgidas. Essas modificações ocorreram mais em cima do texto e

não na programação visual do livro.

E uma das coisas mais gratificantes para mim, após a impressão do Meu 1o

Atlas, foi saber que o filho de oito anos de uma amiga, depois de ter ganhado o

livro, não o largava mais: comia lendo o livro, lia para seu irmão mais novo,

desenhava copiando as ilustrações que mais gostava, além de brincar inventando

novas historinhas com base nas ilustrações.

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7.2. Uma descrição formal do Meu 1

o Atlas e seis análises de um

discurso visual

7.2.1. A capa e contracapa

Contracapa Capa

ilustraçãoilustração

título

marcasISBN

padronagem com rosasdos ventos

padronagem com rosasdos ventos

padronagem com rosasdos ventos

Figura 12 - Capa e contracapa da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005.

A capa e contracapa da publicação Meu 1o Atlas foram criadas tendo como

elemento principal a rosa dos ventos, que também aparece em todo o miolo do

livro. A capa foi dividida assimetricamente em quatro partes. Na parte superior

esquerda encontra-se uma ilustração (utilizando a técnica da aquarela) onde se

empregou o traço livre e uma representação bastante lúdica, inspirada na

caracterização de personagens de desenhos animados, livros e histórias em

quadrinhos voltados para o público infanto-juvenil. Ela apresenta as personagens

Bebeto, Júlia e seu gatinho de estimação. Eles estão se orientando com ajuda de

uma bússola. Bebeto aponta para o Leste, onde o sol nasce e segura um mapa com

a outra mão. Júlia segura uma bússola com uma mão e com a outra uma rosa dos

ventos, que o gatinho está tentando pegar. Como já foi dito, esses personagens

representam a maioria da população brasileira que é mestiça (o Bebeto) e a

minoria que é ruiva (a Júlia). O gatinho foi criado pela proximidade que existe

entre as crianças e os bichinhos de estimação. As outras três partes têm uma cor

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de fundo cada (roxo, amarelo e verde), as quais remetem às cores da bandeira do

Brasil (azul, amarelo e verde) com uma padronagem de rosa dos ventos. O título

do livro vem logo abaixo da ilustração e foi escrito com as fontes Spumoni LP e

Pompéia Inline em caixa alta e baixa, dando destaque para a palavra Atlas em

amarelo.

A contracapa foi dividida em duas partes assimétricas, uma amarela e outra

azul. Ambas possuem a mesma padronagem de rosa dos ventos utilizada na capa,

sendo que na parte superior há também uma ilustração de uma rosa dos ventos

indicando os pontos cardeais, com pequenas ilustrações representando esses

pontos.

De acordo com o entendimento obtido anteriormente mediante os

argumentos expostos por Calvino (2006) de que a leveza está vinculada ao prazer

da leitura, ao divertimento usufruído no ato de ler e do impulso (estímulo) que

leva uma pessoa a ler um determinado conteúdo, podemos dizer que a capa e a

contracapa da publicação Meu 1o Atlas podem ser consideradas leves. Isso porque

podemos constatar que existe uma harmonia na disposição dos elementos que as

compõem e que apesar de estarem divididas em partes assimétricas existe uma

unidade, uma uniformidade na distribuição dos elementos, uma tentativa de

organizá-los. Segundo Dondis (1997) unidade é um equilíbrio adequado de

elementos diversos em uma totalidade que se percebe visualmente.

Talvez um único detalhe que possa vir a quebrar essa harmonia é o pouco

contraste da padronagem da rosa dos ventos na parte amarela, não ressaltando a

técnica de transparência como acontece nas outras cores. As ilustrações causam

atração e prazer quando se utilizam do lirismo, das cores e da bidimensionalidade

das pinceladas inspiradas num pintor Pós-Impressionista chamado Van Gogh e do

humor, com o gatinho tentando pegar a rosa dos ventos e com o Sol, a Lua e a

Terra sorrindo. São elementos prazerosos, divertidos e atrativos que impulsionam

o leitor a “entrar” no livro.

Sob o ponto de vista da rapidez as ilustrações, por si sós, já transmitem

(com elementos mínimos necessários como: rosa dos ventos, mapa, bússola, Sol,

Lua, Terra) a idéia do conteúdo da publicação, cujo objetivo é ensinar as crianças

a ler um mapa. O uso da rosa dos ventos (na camisa do Bebeto, na mão da Júlia,

no chão) e também como padronagem da capa e contracapa é o elemento que

servirá de elo entre os personagens e/ou entre eventos e é considerado, de acordo

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com Calvino, como um caminho para se conferir rapidez nas construções

literárias. As ilustrações também passam a idéia de dinamismo, de movimento,

com o sol nascendo, as nuvens se formando, com a Júlia e o Bebeto se orientando

com a bússola, com o gatinho tentando pegar a rosa dos ventos (inserção de uma

narrativa dentro da narrativa principal), com o dia e a noite representados pelo Sol

e pela Lua e com o movimento da Terra, ora mostrando o Pólo Norte, ora

mostrando o Pólo Sul. É uma sucessão encadeada de acontecimentos cuja ligação

é perceptível dando a imagem vivacidade e energia. Essa manutenção de um ritmo

com uma variedade de imagens de coisas acontecendo e as sensações mentais que

elas provocam, nos passam a idéia de velocidade que na contemporaneidade é

fundamental para a vida humana. Tudo isso torna a capa dessa publicação

extremamente agradável e convidativa para sua leitura.

No que se refere á exatidão a capa e contracapa, como um todo, estão em

perfeito equilíbrio de cores, formas e imagens. Fica claro o tema que o livro

aborda utilizando uma linguagem direta e objetiva. E estão totalmente adequados

ao público infanto-juvenil quando fazem uso de traços usados em desenhos

animados, livros e histórias em quadrinhos.

De acordo com Calvino a visibilidade é a faculdade de criar imagens, de

fantasiar, preservando a capacidade do leitor de imaginar, ajudando-o a assimilar

um conteúdo. Isso pode ser encontrado no Sol, na Lua e na Terra sorrindo, na rosa

dos ventos como um tapete que cobre o chão, na Terra redonda, nas nuvens que

dão impressão de sonho. Sendo assim, as ilustrações escolhidas para a capa e

contracapa representam com exatidão e inventividade o mundo real e o mundo

imaginário, estabelecendo um canal de comunicação eficaz entre o emissor e o

receptor, tornando as idéias veiculadas memoráveis e próximas da experiência

sensível. A tipografia utilizada nos remete às utilizadas nas histórias em

quadrinhos, estando de acordo o público alvo e conseguindo dar ênfase e

visibilidade ao título.

A questão da multiplicidade aparece rica na capa e na contracapa do Meu 1o

Atlas, pois confrontam elementos e técnicas visuais distintas como, por exemplo:

ilustração e elementos gráficos, aquarela com computação gráfica, estilo de

pintura Pós-Impressionista e traços utilizados em história em quadrinhos, onde se

percebe a influência dos personagens de Maurício de Souza e Saint-Exupéry.

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O que podemos concluir é no que concerne as categorias de Italo Calvino,

transpostas para a composição do discurso visual, tanto a capa quanto a contra-

capa do Meu 1o Atlas transmitem leveza, rapidez, exatidão visibilidade e

multiplicidade, contribuindo para a inteligibilidade das informações veiculadas na

publicação.

7.2.2. As folhas de guarda

Folha de Guarda

padronagem com o gatinho e o cachorrinho(papel de parede)

Figura 13 – Folhas de guarda da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005.

As folhas de guarda do Meu 1o Atlas trazem a imagem do gatinho e do

cachorrinho em várias posições (como se fosse um papel de parede), brincando

com a rosa dos ventos, que serve de elo entre os personagens.

As imagens repetidas nos levam a idéia de profusão, de abundância de

imagens, categorias que encontramos na leveza de Calvino. O humor e o lirismo

também são vinculados à leveza e podem ser identificados como esforços de

composições como o das folhas de guarda, que se vale desses recursos ao

apresentar ao público, sob uma ótica mais leve, os bichinhos e também a rosa dos

ventos. O fato de eles estarem brincando com a rosa dos ventos já desmitifica o

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que pode haver de sisudo em sua função científica. E nesse momento, nem as

crianças entram na composição, criando um painel totalmente lúdico e sem

pretensões disciplinares – pela representação exclusiva dos animais sozinhos.

Surge o humor da subversão da razão pela maneira como os animais transformam

o instrumento em brinquedo. É aí que podemos encontrar novamente dois

autores, Lyotard e Vygotsky. O conhecimento calcado na linguagem e, por conta

disso, visto como um jogo por Lyotard e a noção de zona proximal de Vygotsky,

onde a complexidade de uma dada função ainda não existe de forma precisa, mas

pode ser apropriada de forma alternativa pela leveza da postura lúdica, são

ilustradas nessa relação dos jogos dos animais com a rosa dos ventos. E no

momento em que os bichinhos se sentem atraídos e curiosos pela rosa dos ventos

estão chamando a atenção do leitor, de maneira indireta, sutil, para um elemento

que será de suma importância para a compreensão do conteúdo desta publicação.

A rosa dos ventos vai sendo introduzida aos poucos, de forma parcimoniosa, para

que possa ser apreendida de maneira prazerosa.

As folhas de guarda do meu Meu 1o Atlas também nos levam a uma

categoria que Calvino chamou de rapidez, através da repetição das imagens dos

bichinhos brincando com a rosa dos ventos, que criam expectativas no leitor,

mantendo aceso o interesse do mesmo pela narrativa.

A exatidão aparece nas folhas de guarda na minúcia, no detalhe dos

movimentos dos bichinhos brincando com a rosa dos ventos. Movimentos

corriqueiros, mas que transmitem a idéia de diversão e prazer que o Meu 1o Atlas

quer passar.

Outra categoria de Calvino que está presente nas folhas de guarda do Meu 1o

Atlas é a visibilidade. Quando se coloca um gatinho e um cachorrinho brincando

com uma rosa dos ventos, ao invés de um novelo de lã e um osso, por exemplo,

concedemos ao receptor a liberdade de imaginar, de fantasiar. Foi a maneira

encontrada para aproximar o mundo da fantasia do mundo real, levando o leitor a

um determinado conhecimento (no caso a rosa dos ventos) e estabelecendo um

canal de comunicação eficaz entre o emissor e o receptor.

E com relação à multiplicidade os bichinhos brincando com a rosa dos

ventos em várias posições propiciam a abertura para diversos pontos de vista e um

acúmulo de informações que contribuirão para o entendimento do conteúdo do

livro.

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7.2.3. A primeira e a última páginas

página par página ímpar

ilustração

Primeira página

Figura 14 – Primeira da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005.

página par página ímpar

ilustração

Última página

Figura 15 – Última página da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005.

A primeira e última páginas do livro, que vêm próximas das folhas de

guarda reforçam a imagem do gatinho e do cachorrinho brincando com a rosa dos

ventos. Na primeira página eles aparecem de frente, como se convidassem o

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leitor a “entrar no livro”. Já na última o gatinho e o cachorrinho aparecem de

costas, indicando que o livro acaba ali e talvez, convidando os leitores a relerem o

livro.

Ao contrário das folhas de guarda os bichinhos nessas páginas aparecem

uma única vez, reforçando a apresentação da rosa dos ventos sob uma ótica

diferente e atuando em favor de uma comunicação mais econômica, mais leve.

A página toda branca nos passa a idéia de exagero quanto à área (uma cor

chapada ou ausência de cor numa área total) e ao mesmo tempo de minimização

quanto à quantidade (pois é utilizada uma cor só). Categorias estas encontradas na

rapidez de Calvino proporcionando uma leitura breve, mas mesmo assim rica no

que concerne ao conteúdo comunicado.

A capacidade que o gatinho e o cachorrinho brincando com a rosa dos

ventos têm de atrair o olhar do leitor para a página nos remete a agudeza (versus

difusão) que encontramos dentro da exatidão de Calvino. Essa atração é de

enorme importância quando se quer encontrar um equilíbrio na composição

visual. Nesse caso o equilíbrio é encontrado quando se coloca a página quase que

por inteira branca e apenas no canto inferior direito aparecem os bichinhos

coloridos.

A visibilidade aparece também com a ilustração dos bichinhos que colabora

para revelar significados do conteúdo do livro: no caso a rosa dos ventos. E vem

de encontro à multiplicidade quando deixa aberto para novas interpretações.

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7.2.4. A página de apresentação

página par página ímpar

ilustração

texto

ilustração

elementográfico

elementográfico

Figura 16 – A página de apresentação da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

A página de apresentação do Meu 1o Atlas é dividida ao meio, em duas

partes simétricas: uma rosa, representando o Pólo Sul e outra lilás, representando

o Pólo Norte. No centro da página aparece uma coluna de texto e espalhadas

equilibradamente pela mesma, vemos algumas rosas dos ventos.

A leveza que encontramos nessa página está no lirismo e no humor usados

para apresentar ao leitor o pólo norte e o pólo sul; que aprecem como personagens

sorridentes.

O texto é rápido, de leitura breve e rico no que concerne ao conteúdo

comunicado. Além de ter potencial para gerar imagens de forma a tornar as

situações narradas visíveis na mente do leitor. Também articula linguagem poética

com linguagem científica, alternando vocabulários e construções sintáticas nos

levando à multiplicidade de Calvino.

O equilíbrio aparente na composição visual dessa página nos remete a

exatidão de Calvino, que busca a nitidez das formas geométricas e das cores, a

simetria, o equilíbrio, a idéia de limites. Além disso, no que concerne também a

exatidão, o texto da apresentação aparece escrito de forma adequada para seu

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público alvo, com uma linguagem direta, simples, divertida e de fácil

compreensão.

7.2.5. As páginas do sumário

página par página ímpar

ilustração

elementográfico

elementográfico

ilustração

texto

Figura 17 – As páginas do sumário da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

Assim como a página de apresentação, o sumário também vem dividido em

duas partes simétricas: uma azul escura representando a noite, com uma ilustração

da Lua e a outra azul clara representando o dia, com uma ilustração do Sol.

Espalhadas pela página encontram-se algumas rosas dos ventos, sendo que na

página par encontra-se o sumário da Parte I do livro e na página ímpar encontra-se

o sumário da Parte II.

Nestas páginas podemos visualizar um contraste de cores (tons do azul entre

o claro e o escuro, o amarelo sobressaindo sobre o azul) e de oposição entre coisas

da mesma natureza (a Lua e o Sol, o dia e a noite, a fantasia e a realidade). Mas ao

mesmo tempo todos os elementos visuais aparecem em perfeita harmonia.

Essas categorias (contraste e harmonia) estão presentes no que Calvino

chamou de leveza. De acordo com o autor cabem aqueles incumbidos de

representar o mundo real, a tentativa de amenização de seu peso e de sua

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compacidade. Os astros (a Lua e o Sol) são pesados, apesar de flutuarem no

espaço, mas seu peso é equilibrado com lirismo e humor quando aparecem

sorrindo. Daí infere-se a vasta relevância da carga emotiva para tornar mais leve

as representações.

A rapidez está nas ilustrações que atendem à velocidade mental de

relacionar, de associar conceitos que comunicam algo especial, além de serem

prazerosas aos leitores que apreciam ser estimulados por uma sucessão de

imagens e sensações mentais como: claro, escuro, dia e noite, frio e calor, pesado

e leve.

A composição visual das páginas do sumário encampa as idéias de clareza

em relação ao conteúdo que se quer passar, adequação ao público infantil e lógica

na distribuição do texto ao que nos remete á exatidão de Calvino.

De acordo com Calvino visibilidade é o estabelecimento do contato entre

escritor e leitor, é o dar forma às idéias e à inventividade das imagens que tornam

as idéias visíveis. E esse contato com o leitor foi feito no momento em que a idéia

de movimento, de passagem do tempo, de que existe o dia e a noite ficou visível

com as cores usadas e com a representação do Sol e da Lua nas páginas do

sumário.

As páginas do sumário apresentam ao mesmo tempo, na mesma página o dia

e a noite, o claro e o escuro, o calor e o frio. Isso nos leva a pensar em interação,

simultaneidade e alternância presentes na multiplicidade de Calvino.

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Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1o Atlas,

voltado ao público infanto-juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino 133

7.2.6. As aberturas de capítulo

página par página ímpar

padronagem o gatinho(papel de parede)

ilustração

texto

Figura 18 – A abertura de capítulo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

página par página ímpar

ilustração

texto

padronagem o cachorrinho(papel de parede)

Figura 19 – A abertura de capítulo da Parte II da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

As páginas de abertura de capítulo do Meu 1o Atlas são compostas de um

papel de parede (como o utilizado nas folhas de guarda) no lado par e de uma

ilustração no lado ímpar, com o título escrito na parte inferior da mesma.

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Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1o Atlas,

voltado ao público infanto-juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino 134

As ilustrações dessas páginas se encarregam de várias categorias descritas

por Italo Calvino. Elas procuram sintetizar nas imagens o tema “Construindo e

entendendo os mapas” e “Mapas”, e desta forma, carregam inerentemente o

grosso do conteúdo informativo que se quer passar.

O emprego do traço livre e a caracterização alegre e divertida do gatinho e

do cachorrinho ajudam a criar a empatia entre editor e leitor, o que colabora em

muito para tornar um conteúdo, a princípio mais sisudo, mais lúdico e, portanto,

mais leve.

A síntese proposta pelas imagens, também atuam em favor da rapidez de

recepção da informação. Os elementos ilustrativos são autônomos e não estão

presos a um discurso sóbrio. Mais do que isso, a proposta das aberturas de

capítulo dessa publicação procura, principalmente, estabelecer um canal de

comunicação rápido e direto com a criança utilizando elementos familiares ao seu

universo, como material escolar (lápis de cor, borracha, régua, papel, globo

terrestre) e um bichinho de estimação.

O uso cuidadoso, nítido e discernível dessa linguagem, que utiliza esses

elementos familiares ao leitor, também nos remetem a exatidão de Calvino.

As imagens das aberturas de capítulo do Meu 1o Atlas nos levam a

visibilidade de Calvino quando representam com exatidão, fidelidade e

inventividade o mundo real (o material escolar) e o mundo imaginário (o bichinho

desenhando, lendo, estudando).

E por último, a multiplicidade está na superposição e intercalação desses

elementos familiares citados acima.

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7.2.7. O miolo

7.2.7.1. As páginas com o conteúdo da Parte I

página par página ímpar

ilustração

elementográfico

texto

paginação

título

Figura 20 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

página par página ímpar

ilustração de pág inteira

texto

ilustração de meiapág

elemento gráfico

paginação

Figura 21 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

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página par página ímpar

ilustração deuma pág. emeia

elementográfico

texto

paginação

Figura 22 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

página par página ímpar

ilustração depág. inteira

texto

ilustração depág. inteira

paginação

Figura 23 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

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página par página ímpar

ilustração

elementográfico

Ilustração depág. inteira texto

paginação

Figura 24 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

texto

elementográfico

página par página ímpar

Ilustração de meia pág.

paginação

título

Figura 25 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

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página par página ímpar

Ilustração demeia pág.

texto

paginação

Título

Ilustração demeia pág.

Figura 26 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

texto

página par página ímpar

Ilustração depág. inteira

paginação

Ilustração depág. inteira

Figura 27 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

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página par página ímpar

mapas

elementográfico

texto

paginação

Figura 28 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

página par página ímpar

mapa

elementográfico

texto

paginação

Figura 29 – Páginas com conteúdo da Parte I da publicação Meu 1

o Atlas, IBGE, 2005

A primeira coisa que um designer gráfico se preocupa ao criar visualmente

um livro é com o seu projeto gráfico, ou seja, no conjunto de elementos visuais

que formarão e darão características a peça. O projeto gráfico é responsável por

grande parte do sucesso ou do fracasso de uma publicação e deve ser feito

pensando no público-alvo que se quer atingir. Seu objetivo é facilitar a percepção

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do conteúdo explícito na página e tornar fácil e rápida a transmissão das

informações.

Sendo assim, tive a preocupação de seguir um determinado padrão visual

nas páginas que contém o texto com o conteúdo da primeira parte do Meu 1o

Atlas. Nelas aparecem uma ilustração, um elemento gráfico (uma forma

geométrica de cor chapada, podendo ou não ter ilustrações ou o próprio texto

sobreposto) e o texto. As ilustrações podem ocupar metade da página (figuras 20,

21 e 25) ou uma página (figuras 21 e 24) ou uma página e meia (figura 22) ou

duas páginas (figura 23). O elemento gráfico aparece em harmonia com a

ilustração na sua forma e na sua cor. A reprodução de um padrão serve para

organizar a unidade no sistema e perceber na forma uma contribuição harmoniosa

para os elementos gráficos. As páginas aparecem ora com cores claras (lembrando

o dia) e ora com cores escuras (lembrando a noite), mantendo essa oscilação de

forma permanente, sem valores intermediários. O texto aparece escrito justificado

com a fonte serifada Book Antiqua, com 14 pontos de tamanho, entrelinha de 33,5

pontos e em uma ou duas colunas; tudo para facilitar a leitura pelas crianças.

Como já foi dito anteriormente, foram criadas duas personagens (a Júlia,

representando a minoria da população brasileira que é ruiva e o Bebeto,

representando a maioria que é mestiça), como uma interlocução entre o conteúdo

e o leitor. As personagens aparecem como se fossem amigos do leitor, de uma

faixa etária próxima, inserindo-o na história e fazendo com que este não fique

sozinho na aventura de descoberta de novos conhecimentos. Junto com Júlia e

Bebeto aparecem dois personagens coadjuvantes (um gatinho e um cachorrinho)

que os fazem companhia em suas aventuras. Esses bichinhos de estimação não são

citados no texto, mas aparecem em todas as ilustrações, sempre brincando e

trazendo alegria e humor a história (inserção de novas narrativas dentro da

narrativa principal, mas que não tira a atenção desta).

Há também, espalhado por todo o livro, um elemento gráfico que serviu de

base para o projeto gráfico do mesmo: a rosa dos ventos.

As ilustrações são atraentes, ricas em conteúdo, ajudam o leitor a assimilar o

texto ao mesmo tempo em que estimula seu imaginário e estabelecem um canal

eficaz entre o emissor e o receptor. Além disso, houve a preocupação de se mudar

a técnica da ilustração, quando essas são feitas pelas próprias personagens do

livro, passando a idéia de que foi feito por uma criança (figura 21).

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Esse raciocínio de se fazer um planejamento antes de realizar a peça

coincide com as idéias de Calvino sobre exatidão descritas no capítulo anterior.

Segundo o autor exatidão é “um projeto de obra bem definido e calculado”, é “a

evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis” (Calvino, 2006, p.

71). Como um tema pode ser explorado de inúmeras maneiras e pode levar a

detalhes muitas vezes inúteis, é preciso defini-lo bem para que o projeto cumpra a

sua missão de fazer com que as pessoas percebam e assimilem o conteúdo de

maneira fácil e rápida. Sendo assim, o projeto gráfico da primeira parte do Meu 1o

Atlas pode ser considerado exato, com a definição do tema “construindo e

entendendo os mapas”, com suas ilustrações cativantes em harmonia com as cores

e as formas dos elementos gráficos, com o uso da rosa dos ventos como elemento

de ligação entre os personagens e os eventos, com a criação de personagens para

que as crianças se identifiquem com o texto.

Assim como é preciso achar os termos certos para explicar os conteúdos

complexos, é preciso também achar as imagens certas para abordá-los. Não se

podem utilizar palavras e imagens ambíguas e vagas. Tanto o texto quanto as

imagens precisam passar com exatidão os conceitos que são abordados. E essa

preocupação em achar os melhores termos e as melhores imagens para se passar o

conteúdo do livro pode ser vista no Meu 1o Atlas. Nele a exatidão é obtida com a

interação entre imagem e texto. A direção de arte das ilustrações desse livro é

muito exata, com as imagens passando muito bem a idéia do conteúdo. A

linguagem é conceituar o mundo para pensar no mundo e as ilustrações passam

muito bem essa mensagem de falar da realidade sem perder o aspecto lúdico.

Como já foi dito uma das formas apontadas por Calvino (2006) para se

retirar o peso das composições literárias é lançar mão de um novo ponto de vista

sobre as coisas do mundo real. A linguagem científica procura cortar a

subjetividade nos seus escritos além de usar um vocabulário muito específico,

uma linguagem dentro da linguagem. Isso vai tornando a leitura pesada, sem

ritmo. No Meu 1o Atlas essa preocupação de não deixar a leitura pesada, esse

olhar indireto, se deu com o desenvolvimento de uma narrativa, com a criação de

personagens e com a presença do humor e do lirismo nas ilustrações. Essas foram

as formas encontradas para tornar um assunto complexo, cheio de números,

tabelas, gráficos e mapas; mais leve. Outra forma indicada por Calvino (2006)

para se obter leveza é a parcimônia na apresentação de um tema. Um grande

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volume de informação não deve ser apresentado todo de uma vez. Percebemos

que as páginas no Meu 1o Atlas contêm pouco texto e o conteúdo é passado de

forma parcimoniosa, divertida. No livro encontramos uma leitura híbrida de texto

com imagem. Ele sai da linearidade do texto lingüístico e vai para o texto

imagético. Esse livro já habitua a criança a ler. Outra coisa que o Calvino (2006)

fala é o toque de humor como forma também de se dar leveza e isso é encontrado

em todas as ilustrações do Meu 1o Atlas. Mas um humor que não é frívolo, que

não é um descaso com a informação científica. Isso torna a leitura mais prazerosa

além de cativar o leitor.

Um conteúdo pesado, cheio de termos científicos, acaba tornando a leitura

lenta ou até mesmo gerando interrupções na mesma. Na medida em que você vai

preparando aos poucos as pessoas para receber esse conteúdo (a leveza de

Calvino) e achando os termos certos para explicá-lo (a exatidão de Calvino), essa

leitura passa a ser rápida, dinâmica, sem cortes e com ritmo. No próprio texto do

Meu 1o Atlas se explica o vocabulário científico usado pelo IBGE e com isso a

criança prossegue a leitura sem interrupções, sem ter que procurar o significado

de um termo não entendido em outro lugar (no dicionário, por exemplo). Os

textos em geral são rápidos, de leitura breve, mas mesmo assim ricos no que

concerne ao conteúdo comunicado. Porém, em algumas páginas do livro houve

uma falha na rapidez quando a leitura do texto é dificultada pela imagem que está

no fundo (figuras 26 e 27). Isso retarda a leitura e pode até gerar uma interrupção

no mesmo, quebrando a continuidade da narrativa. Apesar de ter havido uma

preocupação em clarear as imagens para que isso não acontecesse, o clareamento

não foi suficiente e o resultado não foi o esperado. Em algumas páginas do livro o

curso geral da narrativa também foi interrompido (figuras 28 e 29). A inserção de

um dado objetivo científico, frio (mapas), sem um tratamento lúdico como o que

foi feito no resto das imagens quebra a continuidade da história e as relações de

causa e efeito presentes na narrativa.

A rosa dos ventos aparece como um objeto de ligação entre as linhas

narrativas, como o anel inserido na narração feita pelo escritor francês Barbey

d´Aurevilly – da lenda do imperador Carlos Magno, citado por Calvino (2006) e

considerado por ele como um caminho para se conferir rapidez nas construções

literárias. Ela também funciona de maneira similar as rimas e ao refrão de um

poema, marcando o ritmo, as interseções e criando uma unidade entre os

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conteúdos, o que também nos remete a rapidez de Calvino (2006). A carga

simbólica da rosa dos ventos é o sentido de explorar, de descobrir, além de se

orientar. Quando ela aparece repetidamente, é para lembrar este mote principal

que é a exploração em busca de novos saberes. Por outro lado, talvez com a

repetição desse elemento eu tenha perdido o aspecto da novidade e com isso pode

ser que o leitor comece a ignorar sua presença.

Na visibilidade o aspecto da cognição que Calvino (2006) aborda, é que à

medida que o leitor vai lendo o texto, este tem que gerar imagens mentais no

leitor. O texto tem que abrir para o leitor fantasiar, criar suas próprias imagens. O

Meu 1o Atlas tem um discurso que já é de imagens, ele já dá a imagem pronta para

o leitor. Mas apesar das ilustrações já estarem prontas de acordo com o texto, já

estarem imaginadas, elas não fecham a capacidade de imaginar do leitor. Pelo

contrário, elas ajudam a criar outras imagens em cima delas mesmas. Mesmo uma

criança que não saiba ler ainda, consegue, através das imagens do Meu 1o Atlas,

entender um pouco do seu conteúdo e imaginar várias historinhas em cima delas.

A visibilidade no Meu 1o Atlas aparece na hora em que se cria um monte de

imagens que tem a ver com o texto, mas que ao mesmo tempo levam a outras

imagens (uma imagem dentro de outra imagem, dentro de outra imagem, etc.).

Essas imagens, que são muito pregnantes, ajudam a tornar o conteúdo do livro

memorável.

A multiplicidade na primeira parte do Meu 1o Atlas aparece na concatenação

de linguagens (textual, visual, gráfica), de narrativas (científica, poética, lúdica),

de estilos (ilustração e elementos gráficos, aquarela com computação gráfica,

estilo de pintura pós-impressionista com traços utilizados em história em

quadrinhos). Isso dá riqueza ao texto permitindo que o leitor faça múltiplas

leituras e colaborando para a assimilação do conteúdo.

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7.2.7.2. As páginas com o conteúdo da Parte II

página par página ímpar

ilustração depág inteira

texto

Mapa comlegenda

Tarja comtítulo

paginação

Figura 30 – Páginas com conteúdo da Parte II da publicação Meu 1° Atlas, IBGE, 2005

página par página ímpar

ilustrações

Mapa comlegenda

Tarja comtítulo

paginação

ilustrações

Figura 31 – Páginas com conteúdo da Parte II da publicação Meu 1° Atlas, IBGE, 2005

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página par página ímpar

Mapa comlegenda

Tarja comtítulo

Mapa comlegenda

paginação

Figura 32 – Páginas com conteúdo da Parte II da publicação Meu 1° Atlas, IBGE, 2005

A segunda parte do Meu 1o Atlas é a parte onde aparecem os mapas como

num Atlas comum e onde estão também a fonte dos mapas, as referências, o

anexo, o glossário, o índice geográfico e a equipe técnica. No alto das páginas

aparece uma legenda aonde vem escrito o tema dos mapas (Políticos, Físicos,

Temáticos) em cima da mesma padronagem de rosa dos ventos usada na capa e

contracapa e com ilustrações de um mapa do lado esquerdo e de quatro rosas dos

ventos, cada uma representando um ponto cardeal, do lado direito. Na maioria das

páginas pares aparecem os mapas e ao lado destas, nas páginas ímpares, aparecem

ilustrações referentes a esses mapas, que são um complemento das informações

contidas nos mesmos (figuras 19 e 20). Em algumas páginas há mapas lado a lado

(figura 21). O título dos mapas vem centralizado na parte superior e as legendas

aparecem na parte inferior.

Esses mapas que aparecem na segunda parte do Meu 1o Atlas foram

desenhados utilizando a técnica da computação gráfica se valendo das

codificações científicas da cartografia. Já nas ilustrações podemos observar uma

mudança da técnica de ilustração (elas são mais sóbrias, mais adultas, menos

lúdicas). Tudo isso acarreta na perda da rapidez e do ritmo da leitura e também na

perda da leveza tornando a apreensão do conteúdo comunicado mais cansativa.

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Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1o Atlas,

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Poderia ter se pensado numa forma mais poética, mais lúdica de apresentar esses

mapas e essas ilustrações.

Podemos observar também a falta das personagens (que não aparecem mais

nessa segunda parte), fazendo com que haja uma perda da identificação da criança

com o livro e conferindo-lhe uma seriedade que não existe na primeira parte. Isso

torna o livro mais pesado, menos prazeroso e menos atrativo.

Apesar das páginas da segunda parte do Meu 1o Atlas seguirem um

determinado padrão visual, houve uma falha no que concerne à exatidão de

Calvino (2006). O projeto gráfico dessas páginas deveria ter seguido o projeto

gráfico da primeira parte, utilizando a mesma linha de ilustrações cativantes e o

uso das personagens para manter o lirismo e o humor na narrativa.

A visibilidade onde Calvino (2006) tem como objetivo maior preservar a

capacidade do leitor de imaginar também está ausente na segunda parte do Meu 1o

Atlas. Os mapas e suas respectivas ilustrações não são totalmente adequados ao

público infantil, além de serem pouco atraentes. Sendo assim, não ajudam o leitor

a criar outras imagens em cimas delas, não abrem caminho para a imaginação do

leitor.

Podemos concluir dizendo que na análise do discurso visual gráfico da

publicação do IBGE Meu 1o Atlas, com base nas categorias de Italo Calvino, é

importante ressaltar que há uma sobreposição dessas categorias. Uma está ligada a

outra, elas não se excluem.

7.3. Conclusão das análises

O que se procurou fazer durante o desenvolvimento do Meu 1o Atlas foi

levar em conta os interesses das crianças e sua capacidade de compreensão.

Quando se pensou no desenvolvimento de uma narrativa, na criação de

personagens com faixa etária próxima ao do público alvo e dos bichinhos de

estimação, na adaptação do assunto cartografia ao mundo das crianças, na ênfase

no caráter lúdico, na interação entre texto e leitor, na utilização de uma linguagem

híbrida através da interação entre imagem e palavra; se pensou na criança como

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receptora do livro. E com esta pesquisa ficou claro que mesmo tendo feito tudo

isso intuitivamente, essas idéias vão ao encontro dos pensamentos dos autores que

compõem o referencial teórico dessa pesquisa, apresentados ao longo desta

dissertação tais como:

• Arizpe e Styles (2003) - observação da recepção das narrativas infantis

pelas crianças e utilização de uma linguagem híbrida através de interação

entre texto e imagem;

• Iser (1978) – imaginação criativa do leitor,

• Aguiar (2001) – adaptação do livro infantil ao seu mundo no que diz

respeito ao assunto, ao estilo, à forma e ao meio utilizados;

• Harvey (1998) – escritores e leitores participam da produção de

significações e sentidos, daí a ênfase no processo e na participação;

• Lyotard (2006) – a ciência não mais poderia ser considerada como a

fonte definitiva da verdade e o campo da ciência vem apresentando

inúmeras especialidades, cada qual com seu modo particular de proceder e

sem considerar a existência de uma metalinguagem universal. São os

chamados “Jogos de Linguagem” ou caráter narrativo do saber;

• Vygotsky (1988) – o desenvolvimento do indivíduo depende da interação

do ser humano com o meio físico e social e está intimamente relacionado

ao contexto sócio-cultural em que a pessoa se insere, mediado pela

linguagem, que é a ferramenta básica para a construção de conhecimento e

o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, já que forma conhecimentos e

se constitui a partir de relações intra e interpessoais;

• Dondis (1997) – desde nossa primeira experiência no mundo, passamos a

organizar nossas necessidades e nossos prazeres, nossas preferências e

nossos temores, com base naquilo que vemos e assim como na linguagem

escrita, é preciso que também aprendamos os componentes básicos da

linguagem visual para que possamos ser considerados visualmente

alfabetizados;

• Coelho (1991) – nos dias de hoje não há um ideal absoluto de Literatura

Infantil. “Ideal será aquela que corresponder a uma necessidade profunda

do tipo de leitor a que ela se destina, em consonância com a época que ele

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está vivendo” e o principal objetivo da literatura infantil “é excitar o

interesse do leitor” dando ênfase no aspecto lúdico.

No capítulo 4 desta pesquisa fiz uma análise de uma pequena obra de Italo

Calvino e também pude identificar vários aspectos desta no Meu 1o Atlas. Em Por

que ler os clássicos observamos que o prazer da leitura é pessoal e é com as

leituras descompromissadas que se estabelece uma relação pessoal entre o livro e

o leitor. No Meu 1o Atlas, apesar de ser um livro didático ocorre uma interlocução

entre o conteúdo e o leitor quando as personagens aparecem com uma faixa etária

próxima ao do leitor, como se fossem seus amigos e quando o conteúdo é

apresentado de forma lúdica e divertida, despertando o interesse para o assunto. Já

Cidades Invisíveis se apropria de um conteúdo histórico dando-o uma dimensão

poética e de narrativa, sem deixar de pretender a verdade. O mesmo acontece no

Meu 1o Atlas que se apropria de um conteúdo complexo (cheio de números,

tabelas, gráficos e mapas), e que com um pé na fantasia e outro na realidade

objetiva consegue criar uma narrativa poética e atraente para o público infantil.

Em As Cosmicômicas Calvino propõe um cruzamento entre arte e ciência, quando

usando imaginação, humor e poesia, cria um universo narrativo (que inclui o

desenvolvimento de personagens) para descrever um enunciado científico.

Podemos dizer que o mesmo ocorre com o Meu 1o Atlas, com a criação de Júlia e

Bebeto que embarcam numa aventura para descobrir como se constrói um mapa,

sempre acompanhados de seus fiéis e bem humorados bichinhos de estimação.

Isso tudo possibilitou um melhor entendimento dos conteúdos técnicos e

científicos que o IBGE quis passar com essa publicação. E em Seis propostas

para o próximo milênio mais uma vez Calvino reforça a relação entre ciência e

arte apresentando seis categorias que servem como base para tornar o livro

interessante e agradável. Essas categorias também foram encontradas no Meu 1o

Atlas e serão expostas no próximo tópico.

Por último, ao estudar a análise do discurso no capítulo 6 pude perceber que

o discurso principal do Meu 1o Atlas é o de passar os conteúdos geográficos e

estatísticos de uma maneira lúdica para o público infanto-juvenil. É fazer as

crianças se ambientarem com a codificação dos mapas e cartogramas. Codificação

esta que elas vão aprender à medida que vão evoluindo na educação. Como a

análise do discurso consiste em tentar identificar quais são os discursos que estão

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ocultos por trás do discurso principal, os discursos ocultos identificados por mim

no Meu 1o Atlas foram:

1. A ideologia da ciência – a ciência que busca soluções e resolve nossos

problemas, a ciência que tem uma visão objetiva da realidade, imparcial.

O Meu 1o Atlas reporta a todo o momento que esse aspecto é fundamental

e que a educação é a forma de se construir uma visão do mundo. É a

necessidade da nossa sociedade de sempre privilegiar a ciência mesmo

que haja autores contemporâneos, como Lyotard (2006), que digam que a

ciência não pode mais ser considerada como a fonte definitiva da

verdade, ou a experiência narrativa da transgressão desses limites vista na

obra de Calvino. O Meu 1o Atlas meio que por vezes incorre a uma

tendência de preparar a criança para se tornar um pequeno cientista,

alguém que acredite nesse discurso da informação objetiva, imparcial,

que tenta neutralizar nossa subjetividade.

2. A ideologia da infância – na sociedade atual a educação das crianças é

voltada para preservá-las das maldades do mundo, para preservar sua

inocência. A infância é vista como o melhor momento das nossas vidas.

As crianças vivem sob a proteção dos adultos e estes tentam preservá-las

de uma realidade que mais cedo ou mais tarde terão que se habituar. No

mundo antigo a mentalidade infantil era posta no mesmo plano que a

mentalidade adulta (Coelho, 1991- pág. 142). Já no século XVIII, a partir

de ideais Iluministas, ocorreu o reconhecimento da criança (ou da

infância) como um ser com características próprias (Coelho, 1991- pág.

125) e que passa gradativamente a freqüentar a escola e a viver sob a

proteção dos adultos (antes, a criança medieval por volta dos sete anos já

ingressava numa vida de trabalho longe dos pais). No Meu 1o Atlas as

personagens aparecem sempre sorrindo, felizes, convivendo bem com

seus bichinhos. O Sol, a Lua e a Terra também aparecem sorrindo, assim

como os bichinhos estão sempre alegres e brincando. Todos estão em

harmonia com o planeta. É uma ideologia que conecta a noção de criança

a uma realidade romantizada, até mesmo “irreal” (um mundo imaginário,

de fantasia, sem conflitos, onde ser criança é ser puro, inocente, bom).

Segundo Coelho (1991, págs141 e 142) “O Romantismo trouxe para o

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Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1o Atlas,

voltado ao público infanto-juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino 150

mundo um inegável sentido humanitário com conseqüências na

renovação da arte, da literatura e dos costumes... Assim, a violência cede

agora a um humanismo, onde se mescla o sentido do maravilhoso da

vida”. A autora também afirma que a despeito dos aspectos negativos que

continuam presentes nas histórias infantis, o que sempre predomina é: a

esperança e a confiança na vida.

3. A ideologia do consumo – na História do Desenho Industrial todo o

produto de design tem como objetivo a funcionalidade e a estética, além

de expressar a ideologia da sociedade em que se vive. E nós vivemos

numa sociedade capitalista, industrial, já no paradigma da Cultura Pós-

Moderna, onde uma de suas características é o uso do saber como

mercadoria básica e onde as formas de ofertar os produtos se

multiplicaram, permitindo o aumento da velocidade do consumo. Saber

este que será ofertado na forma de informações: estatísticas, científicas,

qualitativas, quantitativas, etc. E a informação, como bem de consumo,

vai se adequar perfeitamente ás práticas da Cultura Pós-Moderna, por ser

um produto que pode ser consumido instantaneamente e ser prontamente

descartado (Harvey, 1998). Segundo Lyotard (2006, p. 5) “o saber é e

será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser

valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado”. O

autor afirma também que “sob a forma de mercadoria informacional

indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um desafio maior,

talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder” (2006, p.

5). A informação é uma fonte de poder, uma vez que permite analisar

fatores do passado, compreender o presente, e principalmente, antever o

futuro. Ela transmite e gera novos conhecimentos e atualmente, o

contorno da economia mundial é traçado pela quantidade de informação

possuída, veiculada e divulgada, resultante da produção científica e

tecnológica. A criança, então, é formada para ser um cidadão apto para

viver na nossa sociedade, isto é, ser uma consumidora. O Meu 1o Atlas

apresenta esse discurso de já criar a criança consumidora de informação.

4. Afirmação da marca IBGE – O IBGE quer formar novos consumidores

para a sua informação. Ele quer cativar e habituar as crianças desde cedo

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Análise do discurso produzido pela linguagem visual do livro didático Meu 1o Atlas,

voltado ao público infanto-juvenil do IBGE a partir das categorias literárias de Italo Calvino 151

a ver, ler e entender seus conteúdos geográficos e estatísticos (encontro

com o alfabetismo visual presente na obra de Dondis (1997)). Dentro da

nossa cultura esses conteúdos são importantes, pois uma pessoa que hoje

não sabe ler um mapa, não consegue entender um dado estatístico, está

alienada para viver na nossa sociedade. É o reforço da imagem

institucional do IBGE e de sua importância para a nação. Segundo

Lyotard “a sociedade não existe e não progride a não ser que as

mensagens que nela circulem sejam ricas em informação e fáceis de

decodificar” (2006, p. 6). Na sociedade da informação o produto do

IBGE é a informação e ele procura reforçar isso além de destacar a sua

importância.

5. A alfabetização visual – No Meu 1o Atlas encontramos uma leitura

híbrida de texto com imagem. Ele sai da linearidade do texto lingüístico e

vai para o texto imagético. Esse livro já habitua a criança a ler imagens.

Donis (1997) afirma que o sentido da imagem é culturalmente

determinado assim como o sentido da palavra. Sabe-se que a visão é

construída socialmente e a habilidade visual, de maneira geral, se

desenvolve gradualmente. É preciso levar em conta a bagagem de

informação e cultura (encontro com o pensamento de Vygotsky de que o

sujeito é interativo), o que foi assimilada, e o real interesse em aprender.

Isso traz a dimensão enunciativa do saber como também é apontado por

Lyotard. E esse processo requer um aprendizado já que ver e ler

pressupõe conhecimento de repertórios e códigos. Ou seja, se as crianças

precisam aprender a ler, precisam também aprender a decifrar imagens,

mesmo que não haja um ensino formal para isso (Dondis, 1997). Os

leitores contemporâneos não só devem ser capazes de ler textos e de ler

imagens separadamente, mas também, simultaneamente.

Mas se existe um discurso, existe também a crítica a esse discurso. Por

exemplo, você propõe à criança a obtenção de todos esses conteúdos, mas as

questões que envolvem a informação objetiva por vezes não encontram espaço no

âmbito da produção técnica.

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