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DIREITO PENAL III PARTE ESPECIAL 1

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DIREITO PENAL III

PARTE

ESPECIAL

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DIREITO PENAL

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Homicídio

Homicídio simples

Art 121. Matar alguem:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo futil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aumento de pena

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§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

Excluindo o homicídio culposo, todos os crimes contra a vida são dolosos e, portanto, são julgados pelo Tribunal do Júri.

1. HOMICÍDIO - ARTIGO 121 DO CÓDIGO PENAL

São três os tipos (espécies):

homicídio simples;

homicídio privilegiado;

homicídio qualificado.

1.1. Homicídio Simples

Conceito de homicídio: eliminação da vida humana extra-uterina, provocada por outra pessoa.

Tipo ou preceito primário da norma penal: matar alguém.

Pena ou preceito secundário da norma penal: reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

1.1.1. Objetividade jurídica

Objetividade jurídica trata-se do bem jurídico tutelado pela norma penal. No caso do homicídio o bem jurídico tutelado é a vida humana extra-uterina. O homicídio é um crime simples, pois tem apenas um bem jurídico tutelado (vida). Crimes complexos são aqueles em que a lei protege mais de um bem jurídico (exemplo: latrocínio).

1.1.2. Sujeito ativo

Qualquer pessoa. O homicídio é um crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa, ao contrário dos crimes próprios, que só podem ser praticados por determinadas pessoas.

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O homicídio admite co-autoria e participação. Lembre-se que o Código Penal adotou a teoria restritiva, logo:

Autor: é a pessoa que pratica a conduta descrita no tipo, o verbo do tipo (é quem subtrai, quem constrange, quem mata).

Partícipe: é a pessoa que não comete a conduta descrita no tipo, mas de alguma forma contribui para o crime. Exemplo: aquele que empresta a arma, incentiva.

Para que exista co-autoria e participação, é necessário que exista liame subjetivo, ou seja, a ciência por parte dos envolvidos de que estão colaborando para um fim comum.

Pergunta: Que vem a ser autoria colateral?

Resposta: Ocorre quando duas ou mais pessoas querem cometer o mesmo crime e agem ao mesmo tempo, sem que uma saiba da intenção da outra, e o resultado morte decorre da conduta de um só agente, que é identificado no caso concreto. O que for identificado responderá por homicídio consumado e o outro por tentativa.

Pergunta: Que se entende por autoria incerta?

Resposta: Ocorre quando, na autoria colateral, não se consegue identificar o causador da morte, respondendo todos por tentativa de homicídio.

1.1.3. Classificação

É um crime simples, comum, instantâneo, material e de dano.

1.1.4. Sujeito passivo

Qualquer ser humano após seu nascimento e desde que esteja vivo.

Crime impossível: tem a finalidade de afastar a tentativa por absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto. Há crime impossível por absoluta impropriedade do objeto na conduta de quem tenta tirar a vida de pessoa já morta e, neste caso, não há tentativa de homicídio, ainda que o agente não soubesse que a vítima estava morta. Haverá também crime impossível, mas por absoluta ineficácia do meio, quando o agente usa, por exemplo, arma de brinquedo ou bala de festim.

1.1.5. Consumação

Dá-se no momento da morte (crime material). A morte ocorre quando cessa a atividade encefálica (Lei n. 9.434/97, artigo 3.º). A prova da materialidade se faz por

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meio do laudo de exame necroscópico que deve atestar a ocorrência da morte e se possível as suas causas.

1.1.6. Tentativa

Tentativa branca de homicídio: ocorre quando o agente pratica o ato de execução, mas não atinge o corpo da vítima que, portanto, não sofre qualquer dano em sua integridade corporal.

Tentativa cruenta de homicídio: ocorre quando a vitima é atingida, sendo apenas lesionada1.

Tentativa de homicídio diferencia-se de lesão corporal consumada: o que distingue é o dolo (intenção do agente).

Progressão criminosa: o agente inicia a execução querendo apenas lesionar e depois altera o seu dolo e resolve matar. Conseqüência: o agente só responde pelo homicídio que absorve as lesões corporais.

Lesão corporal seguida de morte: trata-se de crime preterdoloso (dolo na lesão e culpa na morte). Não se confunde com a progressão criminosa.

Desistência Voluntária: o agente só responde pelos atos já praticados. Ocorre quando, por exemplo, ele efetua um disparo contra a vítima e percebe que não a atingiu de forma mortal, sendo que, na seqüência, voluntariamente deixa de efetuar novos disparos, apesar de ser possível fazê-lo. O agente responde só por lesões corporais. Não há tentativa, por não existir circunstância alheia à vontade do agente que tenha impedido a consumação (artigo 15 do Código Penal).

1.1.7. Elemento subjetivo

dolo direto: quando a pessoa quer o resultado;

dolo eventual: o agente assume o risco de produzir o resultado (prevê a morte e age).

No caso de homicídio decorrente de racha de automóveis (artigo 308 do Código de Trânsito Brasileiro), os Tribunais têm entendido que se trata de homicídio com dolo eventual.

2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO - ARTIGO 121, § 1.º, DO CÓDIGO PENAL

2.1. Natureza Jurídica

Causa de diminuição de pena (redução de 1/6 a 1/3, em todas as hipóteses).

Apesar de o parágrafo trazer a expressão “pode”, trata-se de uma obrigatoriedade, para não ferir a soberania dos veredictos. O privilégio é votado pelos jurados e, se reconhecido o privilégio, a redução da pena é obrigatória, pois

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva. vol. I

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do contrário estaria sendo ferido o princípio da soberania dos veredictos. Trata-se, portanto, de um direito subjetivo do réu.

As hipóteses são de natureza subjetiva porque estão ligadas aos motivos do crime:

Motivo de relevante valor moral (nobre): diz respeito a sentimentos do agente que demonstre que houve uma motivação ligada a uma compaixão ou algum outro sentimento nobre. É o caso da eutanásia.

Motivo de relevante valor social: diz respeito ao sentimento da coletividade. Exemplo: matar o traidor da Pátria.

Sob domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Requisitos:

Existência de uma injusta provocação (não é injusta agressão, senão seria legítima defesa). Exemplo: adultério, xingamento, traição. Não é necessário que a vítima tenha tido a intenção específica de provocar, bastando que o agente se sinta provocado.

Que, em razão da provocação, o agente fique tomado por uma emoção extremamente forte. Emoção é um estado súbito e passageiro de instabilidade psíquica.

Reação imediata (logo em seguida...): não pode ficar evidenciada uma patente interrupção entre a provocação e a morte. Leva-se em conta o momento em que o sujeito ficou sabendo da provocação.

Pergunta: Qual a diferença entre o privilégio da violenta emoção com a atenuante genérica homônima?

Resposta: No privilégio, a lei exige que o sujeito esteja sob o domínio de violenta emoção, enquanto na atenuante, basta que o sujeito esteja sob a influência da violenta emoção. O privilégio exige reação imediata, já a atenuante não.

3. HOMICÍDIO QUALIFICADO - ARTIGO 121, § 2.º, DO CÓDIGO PENAL

Pena: reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

3.1. Classificação

Quanto aos motivos: incisos I e II.

Quanto ao meio empregado: inciso III.

Quanto ao modo de execução: inciso IV.

Por conexão: inciso V.

3.1.1. Inciso I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe

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Na paga ou promessa de recompensa, há a figura do mandante e do executor. Neste caso, o homicídio é também chamado homicídio mercenário.

A paga é prévia em relação à execução. Na promessa de recompensa, o pagamento é posterior à execução. Mesmo se o mandante não a cumprir, existirá a qualificadora.

Questão: a qualificadora da promessa de recompensa comunica-se ao mandante do crime?

Resposta: a qualificadora é mera circunstância. Assim, sem a qualificadora o homicídio continua existindo. A lei procurou aumentar a pena do executor de homicídio que atua impelido pelo abjeto e egoístico motivo pecuniário, reservando tratamento mais severo para os chamados “matadores de aluguel”. A circunstância tem caráter pessoal porque se trata do motivo do crime, ou seja, algo ligado ao agente, não ao fato. Assim, tratando-se de circunstância de caráter pessoal, não se comunica ao partícipe (artigo 30). Há, todavia, entendimento contrário.

Motivo torpe: é o motivo moralmente reprovável, vil, repugnante. Exemplo: matar o pai para ficar com herança; matar a esposa porque ela não quis manter relação sexual. O ciúme não é considerado motivo torpe. A vingança será considerada, ou não, motivo torpe dependendo do que a tenha originado.

3.1.2. Inciso II - motivo fútil

Matar por motivo de pequena importância, motivo insignificante. Exemplo: matar por causa de uma “fechada” no trânsito.

A ausência de prova, referente aos motivos do crime, não permite o reconhecimento dessa qualificadora.

Ciúme não caracteriza motivo fútil.

A existência de uma discussão “forte”, precedente ao crime, afasta o motivo fútil, ainda que a discussão tenha se iniciado por motivo de pequena importância, pois se entende que a causa do homicídio foi a discussão e não o motivo anterior que a havia originado.

A vingança será considerada, ou não, motivo fútil, dependendo do que a tenha originado.

3.1.3. Inciso III - emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou que possa representar perigo comum.

Emprego de veneno

Trata-se do venefício, que é o homicídio praticado com o emprego de veneno.

É necessário que seja inoculado de forma que a vítima não perceba. Se o veneno for introduzido com violência ou grave ameaça, será aplicada a qualificadora do meio cruel. Certas substâncias que são inofensivas para as

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pessoas em geral poderão ser consideradas veneno em razão de condições de saúde peculiares da vítima, como no caso do açúcar para o diabético.

Emprego de fogo

Se além de causar a morte da vítima o fogo ou explosivo danificarem bem alheio, o agente só responderá pelo homicídio qualificado (artigo 163, parágrafo único, inciso II, do Código Penal).

c) Emprego de explosivo

Exemplo de bombas caseiras em torcidas de futebol. Eventual dano ao patrimônio alheio ficará absorvido pelo homicídio qualificado pelo fogo ou explosivo.

d) Emprego de asfixia

Causa o impedimento da função respiratória. Formas de asfixia:

Asfixia mecânica

Esganadura: o agente, com seu próprio corpo, comprime o pescoço da vítima.

Estrangulamento: passar fio, arame etc. no pescoço da vítima, causando-lhe a morte. É a própria força do agente atuando, mas não com as mãos.

Enforcamento: é a força da gravidade que faz com que o peso da vítima cause sua morte (por exemplo: o pescoço da vítima é envolto com uma corda).

Sufocação: é a utilização de algum objeto que impeça a entrada de ar nos pulmões da vítima (exemplo: introduzir algodão na garganta da vítima, colocar travesseiro no seu rosto).

Afogamento: imersão em meio líquido.

Soterramento: imersão em meio sólido (exemplo: enterrar alguém vivo fora de um caixão).

Imprensamento ou sufocação indireta: impedir o movimento respiratório colocando, por exemplo, um peso sobre o tórax da vítima.

Asfixia tóxica:

Uso de gás asfixiante: monóxido de carbono, por exemplo.

Confinamento: trancar alguém em lugar fechado de forma a impedir a troca de ar (exemplo: enterrar alguém vivo dentro de caixão).

e) Emprego de tortura ou qualquer meio insidioso ou cruel

Tortura: Deve ser a causa direta da morte. Trata-se de meios que causam na vítima intenso sofrimento físico ou mental. A reiteração de golpes, dependendo da forma como ela é utilizada, pode ou não caracterizar a

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qualificadora de meio cruel (exemplos: apedrejamento, paulada, espancamento etc.).

Eventual mutilação praticada após a morte caracteriza crime autônomo de destruição de cadáver (artigo 211 do Código Penal).

O crime de tortura com resultado morte (artigo 1.º, § 3.º, da Lei n. 9.455/97), que prevê pena de reclusão de 8 a 16 anos, não se confunde com o homicídio qualificado pela tortura. A diferença está no elemento subjetivo. No homicídio qualificado, o agente quer a morte da vítima e utiliza meio que causa intenso sofrimento físico ou mental. No crime de tortura com resultado morte, no entanto, o agente tem a intenção de torturar a vítima, mas acaba provocando sua morte culposamente (trata-se de crime preterdoloso - dolo no antecedente e culpa no conseqüente).

Meio insidioso: é o meio ardiloso que consiste no uso de fraude, armadilha, parecendo não ter havido infração penal, e sim um acidente, como no caso de sabotagem nos freios do automóvel.

f) Emprego de qualquer meio do qual possa resultar perigo comum

Gera perigo a um número indeterminado de pessoas. Não é necessário que o caso concreto demonstre o perigo comum, basta que se comprove que o meio usado poderia causar dano a várias pessoas, ainda que não haja uma situação de risco específico.

Questão: O que ocorre, todavia, se no caso concreto o agente, além de matar a vítima, efetivamente expõe outras pessoas a perigo?

Resposta: Parte da doutrina entende que há homicídio qualificado em concurso formal com o crime de perigo comum (artigo 250 e seguintes do Código Penal). Mas há entendimento divergente, pois se o agente atua com o dolo de dano, não pode agir com dolo de perigo.

3.1.4. Inciso IV – à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido

Refere-se ao modo que o sujeito usou para aproximar-se da vítima.

Traição

Aproveitar-se da prévia confiança que a vítima deposita no agente para alvejá-la (exemplo: matar a esposa que está dormindo).

Emboscada ou tocaia

Aguardar escondido a passagem da vítima por um determinado local para matá-la.

c) Dissimulação

Uso de artifício para se aproximar da vítima. Pode ser:

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Material: dá-se com o uso de disfarce, fantasia ou métodos análogos para se aproximar.

Moral: a pessoa usa a palavra. Sujeito dá falsas provas de amizade ou de apreço para poder se aproximar.

d) Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima

Exemplos: surpresa, disparo pelas costas, enquanto a vítima dorme etc.

Quando uma pessoa armada mata outra desarmada, a jurisprudência não configura a qualificadora por razão de política criminal.

3.1.5. Inciso V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime

O inciso refere-se às qualificadoras por conexão, que podem ser:

Teleológica

Quando a morte visa assegurar a execução de outro crime (exemplo: matar o segurança para seqüestrar o empresário). Haverá concurso material entre o homicídio qualificado e o outro delito, salvo se houver crime específico no Código Penal para esta situação (exemplo: no latrocínio, o agente mata para roubar).

Conseqüencial

Ocorre quando a morte visa garantir:

ocultação de outro crime: o agente quer evitar que alguém descubra que o crime foi praticado;

impunidade: evitar que alguém conheça o autor de um crime (exemplo: matar testemunha);

vantagem (exemplo: ladrões de banco – um mata o outro).

Na conexão teleológica, primeiro o agente mata e depois comete o outro crime. Na conseqüencial, primeiro comete o outro crime, depois mata.

Se o agente visa a garantia da execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de uma contravenção, será aplicada a qualificadora do motivo torpe, conforme o caso. Não incide o inciso V, pois, esse se refere expressamente a outro crime.

3.2. Comentários

Premeditação não é qualificadora.

Homicídio de pessoa da mesma família não gera qualificadora, apenas agravante genérica do artigo 61 inciso II, alínea “e”, do Código Penal.

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Parricídio: matar qualquer ascendente.

Matricídio: matar a própria mãe.

Filicídio: matar o próprio filho.

As qualificadoras podem ser de duas espécies:

subjetivas: referem-se aos motivos do crime (incisos I, II e V);

objetivas: referem-se aos meios e modos de execução (incisos III e IV).

As qualificadoras se estendem aos co-autores ou partícipes?

Somente as objetivas se comunicam, desde que tenham ingressado na esfera de conhecimento do co-autor ou partícipe. As de caráter subjetivo são incomunicáveis, conforme dispõe o artigo 30 do Código Penal.

Se o crime tem mais de uma qualificadora que incide sobre um fato, aplica-se somente uma delas. Exemplo: homicídio triplamente qualificado. Basta uma qualificadora para alterar os limites da pena. As demais qualificadoras passam a ter a função de influir na dosagem da pena dentro dos novos limites. Aqui, surge a seguinte questão:

Como as demais qualificadoras influem na pena?

Resposta: há duas posições:

Se previstas como agravantes genéricas, passam a funcionar como tal, sendo consideradas na segunda fase.

Funcionam como circunstâncias judiciais desfavoráveis observadas na primeira fase. Esse entendimento se baseia na interpretação do artigo 61, caput, do Código Penal.

Questão: O delito disposto no artigo 121 do Código Penal pode ser qualificado e privilegiado ao mesmo tempo?

Resposta: Sim, desde que as qualificadoras sejam objetivas, pois as hipóteses que tratam do privilégio são todas de natureza subjetiva – tornando-se inconciliáveis com as qualificadoras subjetivas (o homicídio não poder ser, a um só tempo, cometido por motivo de relevante valor social e por motivo fútil).

No momento da quesitação, quando do julgamento pelo Júri, o privilégio é votado antes das qualificadoras (Súmula n. 162 do Supremo Tribunal Federal). Assim, se os jurados o reconhecerem, o juiz coloca em votação apenas as qualificadoras objetivas, já que as subjetivas ficam prejudicadas.

O homicídio qualificado é crime hediondo.

Questão: O homicídio privilegiado-qualificado é considerado crime hediondo?

Resposta: Existem duas correntes:

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Para o Prof. Damásio de Jesus, não é hediondo. O artigo 67 do Código Penal dispõe que havendo concurso entre agravante e atenuante, deve se dar preponderância à circunstância de caráter subjetivo (motivos do crime, personalidade do agente e reincidência). Por analogia, concorrendo privilégio e qualificadora, prevalece o privilégio, por tratar-se de circunstância subjetiva.

Aceita pela jurisprudência: inaplicável a analogia ao artigo 67, porque qualificadora e privilégio são elementos que não se equivalem. Ao contrário do que ocorre com as agravantes e atenuantes genéricas. A qualificadora deve preponderar, porque modifica a própria estrutura típica do delito, alternando a pena in abstrato, enquanto que o privilégio é apenas causa de diminuição de pena.

4. HOMICÍDIO CULPOSO - ARTIGO 121, § 3.º, DO CÓDIGO PENAL

Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.

A morte decorre de imprudência, negligência ou imperícia.

Imprudência: consiste numa ação, conduta perigosa.

Negligência: é uma omissão; ocorre quando se deveria ter tomado um certo cuidado.

Imperícia: ocorre quando uma pessoa não possui aptidão técnica para a realização de uma certa conduta e mesmo assim a realiza, dando causa à morte.

Culpa concorrente: ocorre quando duas pessoas agem de forma culposa, provocando a morte de um terceiro. Ambos respondem pelo crime.

O fato de a vítima também ter agido com culpa não exclui a responsabilidade do agente. Não há compensação de culpas em Direito Penal.

O homicídio culposo do Código Penal só se aplica se o crime não for cometido na direção de veículo automotor, porque nesse caso estará configurado o crime definido no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê pena mais severa.

A ação penal é pública incondicionada. O processo observará o rito sumário.

5. AUMENTO DE PENA ARTIGO 121, § 4.º, DO CÓDIGO PENAL

5.1. No Homicídio Culposo

A pena será aumentada de 1/3 (um terço):

Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima

Só se aplica a quem agiu com culpa e não socorreu. Não se aplica o aumento:

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se a vítima está evidentemente morta;

se a vítima foi socorrida de imediato por terceiro;

quando o socorro não era possível por questões materiais, ameaça de agressão etc.

Se o agente foge para evitar o flagrante

Se o agente não procurar diminuir as conseqüências de seu ato.

Se o crime resulta da inobservância de regra técnica de arte, profissão ou ofício.

Como diferenciá-la da imperícia? A diferença é que na imperícia o agente não possui aptidão técnica para a conduta, enquanto na causa de aumento o agente conhece a regra técnica, mas por descaso, desleixo, não a observa, provocando assim a morte da vítima.

5.2. No Homicídio Doloso

A pena será aumentada de 1/3, se a vítima for menor de 14 anos. A idade deve ser aferida no momento da ação ou omissão. Assim, aplica-se o aumento mesmo se a vítima morre após completar 14 anos, nos termos do artigo 4.º do Código Penal.

Aplica-se ao homicídio simples, qualificado e privilegiado.

6. PERDÃO JUDICIAL - ARTIGO 121, § 5.º, DO CÓDIGO PENAL

Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá conceder o perdão judicial, deixando de aplicar a pena, quando as conseqüências do crime atingirem o próprio agente de forma tão grave que a imposição da mesma se torne desnecessária. Só na sentença é que poderá ser concedido o perdão judicial.

Exemplo: agente que culposamente mata o próprio filho.

Tem caráter pessoal, logo não se estende a terceiro.

6.1. Natureza Jurídica do Perdão Judicial

É uma faculdade do juiz e não um dos direitos públicos subjetivos do réu. O juiz, portanto, tem a discricionariedade de conceder ou não. Trata-se de causa extintiva da punibilidade (artigo 107, inciso IX, do Código Penal).

6.2. Natureza Jurídica da Sentença que Concede o Perdão Judicial

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Há duas posições:

Condenatória: só se perdoa quem errou. O juiz condena o réu e deixa de aplicar a pena. Observe-se que, se foi preciso criar um artigo para afastar a reincidência (artigo 120), significa que a sentença teria esse efeito na ausência de disposição legal. É a nossa posição.

Declaratória da extinção da punibilidade: da sentença não surte nenhum efeito penal ou extrapenal (Súmula n. 18 do Superior Tribunal de Justiça). É a posição majoritária.

7. HOMICÍDIO CULPOSO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

Não cabe a suspensão condicional do processo;

Proibição ou suspensão da permissão para dirigir, ou da carteira de habilitação.

O prazo de proibição ou suspensão é fixado pelo juiz, podendo ir de 2 meses a 5 anos.

A proibição ou suspensão aplica-se ainda que o juiz tenha concedido o sursis.

Artigo 299 do Código de Trânsito Brasileiro – vetado. O perdão judicial foi vetado porque já constava no Código Penal. Apesar de ter sido vetado, é aplicável aos acidentes de trânsito.

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DIREITO PENAL

1. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUICÍDIO – ART. 122 DO CÓDIGO PENAL

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único - A pena é duplicada:

Aumento de pena

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Crime de participação em suicídio.

Suicídio é a supressão voluntária e consciente da própria vida. Havendo violência ou grave ameaça, o crime será de homicídio. A violência ou grave ameaça exclui a voluntariedade e, por conseqüência, o suicídio. O autor da coação responderá por homicídio. A fraude exclui a consciência quanto ao suicídio, portanto ocorrerá homicídio, respondendo o autor da fraude por esse delito.

1.1. Núcleos do Tipo

Induzir: dar a idéia a alguém que ainda não tinha pensado em suicídio, ou seja, criar a idéia de suicídio na cabeça da vítima.

Instigar: reforçar a idéia suicida preexistente.

Auxiliar: participação material, já que o agente colabora com a própria prática do suicídio. Ex.: emprestar corda, arma, veneno etc. O auxílio deve ser acessório, ou seja, não poderá ser a causa direta da morte, pois, se for, o crime será de homicídio.

O induzimento e a instigação são formas de participação moral, enquanto o auxílio é forma de participação material.

Induzir, instigar e prestar auxílio à mesma vítima: o crime será único quando o agente realizar mais de uma conduta, pois trata-se de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou ainda, tipo misto alternativo.

P: Pode ser praticado por omissão?

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R: Em regra, não. Dependendo do caso, poderá ocorrer omissão de socorro. Mas para quem tem o dever jurídico de evitar o resultado e pode evitá-lo, há duas correntes:

MIRABETE e MAGALHÃES NORONHA entendem que haverá o crime do art. 122 do Código Penal com fundamento no art. 13, § 2.º, do mesmo diploma;

DAMÁSIO DE JESUS, FRAGOSO e FREDERICO MARQUES entendem que o art. 13, § 2.o, do Código Penal não pode ser aplicado, porque os verbos do art. 122 do Código Penal são incompatíveis com a figura omissiva. De acordo com essa visão, portanto, quem tem o dever jurídico de agir responderá por omissão de socorro, que será qualificada, pois houve morte.

1.2. Sujeito Passivo

Qualquer pessoa que tenha alguma capacidade de discernimento e resistência. Quem não pode ser vítima: criança e pessoas com desenvolvimento mental retardado. Esses casos caracterizarão homicídio.

1.3. Elemento Subjetivo

Dolo direto ou eventual. O exemplo de dolo eventual verifica-se no caso da pessoa que estimula outra a praticar roleta russa. Se várias pessoas praticam roleta russa, uns estimulando os outros, haverá crime se alguém morrer. Deve haver seriedade na conduta. Se alguém, por brincadeira, diz para outrem se matar, e ele se mata, não há dolo. Não há previsão legal de forma culposa no tipo do art. 122 do Código Penal. Livros ou músicas que possam estimular o suicídio não geram a responsabilidade de seus autores por ausência de dolo em relação a uma pessoa ou a pessoas determinadas.

Deve haver nexo causal (relação de causa e efeito) entre o auxílio prestado e o modo pelo qual a vítima se matou. Ex.: no caso de emprestar uma corda e a vítima se matar com um tiro, não há nexo, assim, aquele que emprestou a corda não responderá por auxílio ao suicídio.

1.4. Pena

No caso de morte, a pena será de dois a seis anos de reclusão; se a vítima sofrer lesão grave, de um a três anos de reclusão. Concluiu-se que o legislador não quis punir as outras hipóteses, como a lesão leve e a forma culposa.

1.5. Consumação

Ocorre quando a vítima morre ou sofre lesões graves. Consideram-se a lesão grave ou a morte elementares do crime (estas geralmente se encontram no tipo, mas, no crime do art. 122 do Código Penal, constam na pena).

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Não cabe tentativa, uma vez que, na hipótese em que a vítima sofre lesão grave, o crime se considera consumado, pois, como há pena autônoma, na parte especial não se utiliza o art. 14, inc. II, do Código Penal (tentativa).

Ocorrendo lesão leve, o fato será atípico.

1.6. Aumento de Pena – Art. 122, par. ún., do Código Penal

A pena será duplicada:

quando praticado o crime por motivo egoístico;

1.ª parte: se a vítima for menor (18 anos – menoridade penal). Se a vítima, entretanto, em face da menoridade, não tiver qualquer capacidade para o entendimento, o crime será de homicídio.

P: Qual o critério para essa distinção?

R: Primeira corrente: a prova deve ser feita caso a caso. Segunda corrente: critério objetivo, ou seja, basta que a vítima tenha menos de 14 anos para ser considerado homicídio (por analogia ao art. 224 do Código Penal – analogia in malan partem, o que não se admite em Direito Penal);

2a. parte: se a vítima, por qualquer causa, tiver diminuída sua capacidade de resistência. Atente-se à expressão “diminuída”, pois, se a capacidade da vítima for nula, haverá homicídio.

2. INFANTICÍDIO – ART. 123 DO CÓDIGO PENAL

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

2.1. Tipo Penal

Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena: detenção de dois a seis anos.

2.2. Elementares do Crime

Matar: aplicam-se as regras do homicídio quanto a esse verbo (consumação, tentativa etc.).

Estado puerperal: alteração psíquica que acontece em grande número de mulheres em razão de alterações orgânicas decorrentes do fenômeno do parto.

P: Deve ser provado o estado puerperal ou ele se presume?

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R: Tem de ser provado por perícia médica, mas, se os médicos ficarem em dúvida sobre sua existência e o laudo for inconclusivo, será presumido o estado puerperal, aplicando-se o in dubio pro reo.

Próprio filho: é o sujeito passivo, nascente ou recém nascido.

Se a mulher, por erro, mata o filho de outra, supondo ser o dela, responderá por infanticídio (art. 20, § 3.º, do Código Penal – erro quanto à pessoa).

Não são aplicadas as agravantes genéricas de crime contra descendente e de crime contra criança por constituírem elementos essenciais do crime.

Durante ou logo após o parto: este é o elemento temporal, ou seja, o crime só poderá ser praticado em um determinado momento.

Considera-se início do parto a dilatação do colo do útero, e fim do parto, o nascimento.

A expressão “logo após” variará conforme o caso concreto, pois a duração do estado puerperal difere de uma mulher para outra.

Diferenças entre o infanticídio e o abandono de recém-nascido qualificado pela morte (art. 134, § 2.º, do Código Penal): no infanticídio existe dolo de matar e a mulher age em razão do estado puerperal, enquanto no abandono, o dolo é apenas o de abandonar o recém-nascido para ocultar desonra própria, e o evento morte decorre da culpa.

2.3. Sujeito Ativo

É a mãe que esteja sob estado puerperal (crime próprio).

P: É possível concurso de pessoas?

R: Sim, incide o art. 30 do Código Penal (não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime). O estado puerperal é uma circunstância de caráter pessoal, porém é elementar do crime de infanticídio, portanto alcança os participantes, que responderão pelo delito.

Há uma corrente que afirma ser o estado puerperal uma condição personalíssima, incomunicável. Mas a lei não fala em condição de caráter personalíssimo. Prevalece, todavia, a doutrina oposta, infanticídio para a mãe e para terceiro.

O infanticídio não possui forma culposa. Assim, se a morte da criança resulta de culpa da mãe, mesmo que esta esteja sob a influência do estado puerperal, o crime será de homicídio culposo (HUNGRIA e MIRABETE). Para uma segunda corrente (DAMÁSIO DE JESUS), estando a mulher sob a influência do estado puerperal, não se pode exigir dela uma conduta de cuidado (cuidado do homem comum) e prudência, sendo, portanto, atípico o fato (incompatibilidade entre a conduta culposa e o estado puerperal).

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3. ABORTO – ARTS. 124 A 128 DO CÓDIGO PENAL

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

3.1. Conceito

É a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto. O aborto pode ser natural, acidental ou provocado (ele é criminoso ou é legal).

3.2. Aborto Criminoso (arts. 124 a 126 do Código Penal)

3.2.1. Art. 124 do Código Penal

Traz duas figuras que punem a mulher grávida. São dois casos de crime próprio, sendo o sujeito passivo sempre o feto.

Auto-aborto: praticar aborto em si mesma.

Aborto consentido: consentir que terceiro provoque aborto. O terceiro responderá pelo art. 126, que contém pena maior. Esta é uma exceção à

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regra de que todos que colaboram para um crime respondem nos mesmos termos de seu autor principal (exceção à teoria monista ou unitária. É uma exceção expressa).

A pena para quem provoca aborto com o consentimento da gestante é de um a quatro anos. Se ocorrer a morte da gestante, de dois a oito anos. O aumento é aplicável na hipótese de morte culposa, porque, se o agente tinha dolo em relação ao aborto e em relação à morte, haverá dois crimes autônomos (aborto e homicídio). O crime do art. 126 do Código Penal pressupõe que a autorização da mulher dure até a consumação do aborto.

P: É possível que terceiro responda pela prática de aborto sem o consentimento da gestante quando o consentimento foi dado e durou até a consumação?

R: Sim, nas cinco hipóteses do art. 126, par. ún., do Código Penal, que determinam que o consentimento deve ser desconsiderado: quando houver violência, grave ameaça ou fraude na obtenção do consentimento (vontade viciada); se a gestante for menor de 14 anos ou doente mental (ausência de capacidade de entendimento do ato).

Consumação: o aborto consuma-se com a morte do feto.

Tentativa: é possível.

Elemento subjetivo: só existe na forma dolosa. Não existe crime autônomo de aborto culposo.

Quem, por imprudência, dá causa a um aborto responde por crime de lesão corporal culposa, sendo vítima a mulher (gestante). Porém, se foi a própria gestante que, por imprudência, deu causa ao aborto, o fato será atípico, já que não existe a autolesão.

Manobras abortivas em quem não está grávida constituem crime impossível por absoluta impropriedade do objeto.

O aborto é um crime de ação livre (pode ser praticado por qualquer meio), mas desde que seja um meio apto a provocar a morte do feto, caso contrário, haverá crime impossível.

Se a gravidez era de gêmeos e a pessoa que praticou o aborto não sabia, há crime único para evitar a responsabilidade objetiva. Se sabia que eram gêmeos, responde pelos dois crimes de aborto (concurso formal impróprio ou imperfeito: uma ação, dois resultados, cuja conseqüência é a soma de penas).

3.2.2. Art. 127 do Código Penal – forma qualificada

Se a gestante sofre lesão grave, a pena é aumentada em um terço.

Se a gestante morre, a pena é aumentada em dobro. Só vale para o aborto praticado por terceiro, consentido ou não pela gestante (arts.125 e 126).

A forma qualificada não é aplicada ao art. 124 por expressa disposição.

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3.3. Aborto Legal – Art. 128 do Código Penal

Prevê duas hipóteses em que a provocação do aborto é permitida.

Natureza jurídica: causa de exclusão de ilicitude.

Inc. I: aborto necessário. Requisitos:

que seja feito por médico;

que não haja outro meio para salvar a vida da gestante.

Não se exige risco atual, como no estado de necessidade. Ante a simples constatação de que no futuro haverá perigo, poderá o aborto ser realizado desde logo. Havendo perigo atual, o aborto pode ser praticado por qualquer pessoa, aplicando-se nesse caso o estado de necessidade.

Inc. II: aborto sentimental. Requisitos:

que seja feito por médico;

que a gravidez tenha resultado de estupro;

que haja o consentimento da gestante ou, se incapaz, de seu representante legal.

Não se exige a autorização judicial. Na prática, basta o boletim de ocorrência.

P: Como o art. 128, inc. II, do Código Penal só permite o aborto se a gravidez resultar de estupro, é permitido o aborto também quando a gravidez resultar de crime de atentado violento ao pudor?

R: A doutrina é unânime em dizer que sim. Aplica-se a analogia in bonam partem (em favor do causador do aborto). O atentado violento ao pudor é o único crime análogo ao estupro porque ambos são cometidos com violência ou grave ameaça e atingem o mesmo bem jurídico, que é a liberdade sexual.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

1. LESÕES CORPORAIS – ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

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Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incuravel;

III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;

II - se as lesões são recíprocas.

Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de dois meses a um ano.

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Aumento de pena

§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)

Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

Artigo 129, caput, do Código Penal: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

Ofensa à integridade corporal consiste no dano anatômico prejudicial ao corpo humano. Exemplo: corte, queimadura, mutilações etc.

Observações:

Equimose: É a mancha roxa que fica na pele (rompimento dos vasos sangüíneos sob a pele). Constitui lesão.

Hematoma: equimose onde houve um extravasamento de sangue maior, ocorrendo um inchaço. Caracteriza lesão.

Eritema: vermelhidão passageira na pele provocada por um tapa, um beliscão. Não constitui lesão. Se o agente provoca eritema na vítima, responderá por tentativa de lesão corporal se sua intenção era lesioná-la. Se, entretanto, o agente não tinha intenção de machucar a vítima, responderá pela contravenção de vias de fato.

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Dor: a dor, por si só, não é lesão.

Corte não autorizado de cabelo ou barba: caracteriza lesão corporal, salvo se a intenção do agente for a de humilhar a vítima, quando será caracterizada injúria real.

Ofensa à saúde é a provocação de perturbações de caráter psicológico e/ou fisiológico. Exemplo: transmitir intencionalmente uma doença, paralisia momentânea, provocar vômitos etc.

A provocação de mais de uma lesão em um mesmo contexto caracteriza crime único.

1.1. Sujeito Ativo

Qualquer pessoa, exceto o próprio ofendido. Saliente-se que a lei não pune a autolesão. A autolesão pode, entretanto, constituir crime de outra natureza, tais como autolesão para receber seguro (artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal), ou criação de incapacidade para frustar a incorporação militar (artigo 184 do Código Penal Militar).

1.2. Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, salvo nas hipóteses em que a vítima só poderá ser mulher grávida.

1.3. Consumação

No momento da ofensa à integridade física ou à saúde.

1.4. Tentativa

É possível. A tentativa de lesão corporal difere da contravenção de vias de fato (artigo 21 da Lei de Contravenções Penais), pois, na contravenção o agente não tem intenção de lesionar a vítima (exemplo: empurrão). Se o agente emprega violência ultrajante, com intenção de humilhar a vítima, estamos diante do crime de injúria real (artigo 140, § 2.º, do Código Penal).

Se o agente agride sem a intenção de lesionar, mas lesiona, ocorre a lesão corporal culposa, que afasta as vias de fato.

1.5. Lesão Leve

Por exclusão, é toda lesão que não for grave nem gravíssima. Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. A lesão corporal leve é infração de menor potencial ofensivo.

1.5.1. Concurso de crimes

Em muitos crimes, como no roubo, por exemplo, a violência é utilizada como meio de execução. O que ocorrerá se da violência decorrer lesão leve?

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No silêncio da lei a respeito do resultado violência, conclui-se que a lesão leve fica absorvida (exemplo: roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, crime de tortura etc.). Se, no entanto, a lei expressamente ressalvar a aplicação autônoma do resultado da violência, o agente responderá pelos dois crimes, sendo somadas as penas (exemplo: injúria real, constrangimento ilegal, dano qualificado, rapto, exercício arbitrário das próprias razões, resistência etc.).

1.5.2. Ação penal

O artigo 88 da Lei n. 9.099/95 transformou a lesão corporal dolosa leve em crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. A jurisprudência e a doutrina estenderam a exigência da representação para as vias de fato.

Outra regra trazida pela Lei n. 9.099/95: para o oferecimento da denúncia não é necessário um exame de corpo de delito, basta um boletim de ocorrência ou ficha médica.

1.5.3. Lesão decorrente de esporte

Não há crime, desde que tenha havido respeito às regras do jogo, pois se trata de exercício regular de direito.

1.5.4. Intervenção cirúrgica

Se a cirurgia não é de emergência, o médico deve obter o consentimento do paciente ou do seu representante legal. Trata-se, quando há consentimento, de exercício regular de direito.

Se a cirurgia for de urgência, o agente estará acobertado pelo estado de necessidade em favor de terceiro.

1.6. Lesão Grave – Artigo 129, § 1.º, do Código Penal

Pena: de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão.

1.6.1. Inciso I – se resulta incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias

É necessário o exame complementar, realizado no primeiro dia após o período de 30 dias, para comprovar a materialidade da lesão grave (artigo 168, § 2.º, do Código de Processo Penal). O prazo de 30 dias é contado nos termos do artigo 10 do Código Penal.

Ocupação habitual é qualquer atividade rotineira na vida da vítima, tal como estudar, andar, praticar esportes etc., exceto a considerada ilícita. No caso de atividade lícita, mas imoral, haverá lesão grave (exemplo: incapacitar prostituta de manter relações sexuais).

Se a vítima deixar de praticar atividades rotineiras, por sentir vergonha, não há se falar em incapacidade.

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Trata-se de um exemplo de crime a prazo.

O resultado agravador pode ser culposo ou doloso.

1.6.2. Inciso II – se resulta perigo de vida

É uma hipótese preterdolosa, pois o sujeito não quer a morte. Se o agente queria o resultado morte, responderá por tentativa de homicídio.

O perito deve dizer claramente em que consistiu o perigo de vida (exemplo: houve perigo de vida porque a vítima perdeu muito sangue etc.), e o Promotor de Justiça deve transcrever na denúncia.

1.6.3. Inciso III – se resulta debilidade permanente de membro, sentido ou função.

Membros são os apêndices do corpo (braços e pernas). Exemplo: cortar o tendão do braço, causando perda parcial do membro.

Os sentidos são o tato, o olfato, a visão, o paladar e a audição. Exemplo: diminuição da capacidade de enxergar, ouvir etc.

A função consiste no funcionamento de órgãos ou aparelhos do corpo humano (exemplo: função respiratória, função reprodutora).

A debilidade é o enfraquecimento, a diminuição, a redução da capacidade funcional. A debilidade deve ser permanente, ou seja, de recuperação incerta e improvável e cuja cessação eventual ocorrerá em data incalculável (permanente não é a mesma coisa que perpétua).

A debilidade não se confunde com a perda ou inutilização do membro, sentido ou função, hipóteses de lesão corporal gravíssima, disciplinadas no § 2.º.

Inciso IV – aceleração do parto

Caracteriza-se pela antecipação da data do nascimento. Pressupõe o nascimento com vida. Para evitar a responsabilidade objetiva, é necessário que o agente saiba que a mulher está grávida.

1.7. Lesão Gravíssima – Artigo 129, § 2.º, do Código Penal

Pena: reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

A denominação lesão gravíssima é dada pela doutrina e jurisprudência. A lei não utiliza essa expressão, que tem a finalidade de diferenciar as lesões do § 2.º que tem pena mais severa do que o § 1.º.

Se uma lesão se enquadra em grave e gravíssima, o réu responderá pela gravíssima.

1.7.1. Inciso I – se resulta incapacidade permanente para o trabalho

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É mais específico que o § 1.º, inciso I. A incapacidade deve ser permanente (a lei não diz perpétua) e deve abranger qualquer tipo de trabalho (posição majoritária). Para uma corrente minoritária, a incapacidade da vítima deve impossibilitar o trabalho que ela exercia anteriormente.

O sujeito passivo não poderá ser criança ou pessoa idosa aposentada.

1.7.2. Inciso II – se resulta enfermidade incurável

Da lesão decorre doença para a qual não existe cura.

Para uma corrente, a transmissão intencional de AIDS tipifica a tentativa de homicídio. Para outra, caracteriza lesão gravíssima, pela transmissão de moléstia incurável.

1.7.3. Inciso III – se resulta perda ou inutilização de membro, sentido ou função

A perda pode se dar:

por mutilação: ocorre pela própria ação lesiva; é o corte de uma parte do corpo da vítima (extirpação do braço, da perna, da mão etc.);

por amputação: é a extirpação feita pelo médico, posteriormente à ação, para salvar a vida da vítima.

Na inutilização, o membro permanece ligado ao corpo da vítima, ainda que parcialmente, mas totalmente inapto para a realização de sua atividade própria.

Observações:

Com relação aos membros: o decepamento de um dedo ou a perda parcial dos movimentos do braço constitui lesão grave, ou seja, mera debilidade. Havendo paralisia total, ainda que seja de um só braço, ou se houver mutilação da mão, a lesão é gravíssima pela inutilização de membro.

Com relação aos sentidos: há alguns sentidos captados por órgãos duplos (visão e audição). A provocação de cegueira, ainda que completa, em um só olho, constitui apenas debilidade permanente. O mesmo ocorre com a audição.

Com relação à função: a perda ou inutilidade de função só será possível em função não vital, como por exemplo, a perda da função reprodutora, causada pela extirpação do pênis.

1.7.4. Inciso IV – se resulta deformidade permanente

Está ligado ao dano estético, causado pelas cicatrizes. Exemplo: queimadura por fogo, por ácido (vitriolagem), etc. Requisitos:

Que o dano estético seja razoável, ou seja, de uma certa montaDeve ser permanente, isto é, não se reverte com o passar do tempo. Se a vítima se submeter a uma cirurgia plástica e houver a correção, desclassifica-se o

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delito. Se a cirurgia plástica for possível, mas a vítima não a fizer, persiste o crime, pois a vítima não está obrigada a fazer a cirurgia. Se a deformidade surgiu de um erro médico, há dois crimes (lesão dolosa em relação ao primeiro e lesão culposa em relação ao médico).

Que a deformidade seja visível.

Que seja capaz de provocar impressão vexatória. A deformidade estética deve ser algo que reduza a beleza física da vítima.

1.7.5. Inciso V – se resulta aborto

Aborto é a interrupção da gravidez, com a conseqüente morte do produto da concepção.

Trata-se de qualificadora preterdolosa. Há dolo na lesão e culpa em relação ao aborto. Se houver dolo também em relação ao aborto, o agente responde por lesão corporal em concurso formal imperfeito com aborto (artigo 70, caput, parte final). Há, por fim, hipótese do agente que quer provocar o aborto e, culposamente, causa lesão grave na mãe (artigo 127 do Código Penal).

É necessário que o agente saiba que a mulher está grávida. Isso para evitar a chamada responsabilidade objetiva (artigo 19 do Código Penal).

1.8. Lesão Corporal Seguida de Morte – Artigo 129, § 3.º, do Código Penal

Pena: reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

É também um crime preterdoloso no qual há dolo na lesão e culpa no resultado morte. O agente não prevê a morte, que era previsível. Por ser preterdoloso, não admite tentativa.

Se não houver dolo na agressão (lesão), trata-se de homicídio culposo.

Caracterizará progressão criminosa se houver dolo inicial de lesão e, durante a execução, o agente resolver matar a vítima. Nesse caso, responderá pelo homicídio doloso (crime mais grave).

1.9. Lesão Corporal Privilegiada – Artigo 129, § 4.º, do Código Penal

As hipóteses de privilégio das lesões corporais são as mesmas do homicídio privilegiado. O privilégio só se aplica nas lesões dolosas. É uma causa de redução de pena de 1/6 a 1/3.

1.10. Substituição da Pena - Artigo 129, § 5.o, do Código Penal

“O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa”, nas seguintes hipóteses:

quando estiver presente uma das causas de privilégio (tratando-se de lesão corporal leve privilegiada, o juiz poderá reduzir a pena restritiva de liberdade ou substituí-la por multa);

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quando as lesões forem recíprocas (sem que um dos agentes tenha agido em legítima defesa).

1.11. Lesão Corporal Culposa – Artigo 129, § 6.º, do Código Penal

Aplicam-se todos os institutos do homicídio culposo, inclusive os que se referem às causas de aumento de pena e também às regras referentes ao perdão judicial (§§ 7.º e 8.º do artigo 129 do Código Penal).

A pena para lesão culposa é de 2 (dois) meses a 1 (um) ano de detenção.

No Código de Trânsito Brasileiro (artigo 303), porém, a lesão corporal culposa, com o agente na direção de veículo automotor, recebe pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e suspensão da habilitação.

A composição quanto aos danos civis extingue a punibilidade, tanto da lesão culposa do Código Penal quanto do Código de Trânsito Brasileiro. Exige-se representação, porque a ação penal é pública condicionada. Na lesão culposa, não há figura autônoma decorrente da gravidade da lesão cujo grau (leve, grave ou gravíssimo) é irrelevante para caracterizar lesão corporal culposa, afetando apenas a tipificação da pena em concreto.

1.12. Caso de Aumento de Pena na Lesão Corporal Culposa – Artigo 129, § 7.º, do Código Penal

Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990).

Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima

Só se aplica a quem agiu com culpa e não socorreu. Não se aplica o aumento:

se a vítima está evidentemente morta;

se a vítima foi socorrida de imediato por terceiro;

quando o socorro não era possível por questões materiais, ameaça de agressão etc.

Se o agente foge para evitar o flagrante

Se o agente não procurar diminuir as conseqüências de seu ato.

Se o crime resulta da inobservância de regra técnica de arte, profissão ou ofício.

Como diferenciá-la da imperícia? A diferença é que na imperícia o agente não possui aptidão técnica para a conduta, enquanto na causa de aumento o agente conhece a regra técnica, mas por descaso, desleixo, não a observa, provocando assim a morte da vítima.

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1.13. Caso de Perdão Judicial na Lesão Corporal Culposa – Artigo 129, § 8.º, do Código Penal

Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990) (perdão juduicial).

Na hipótese de lesão corporal culposa, o juiz poderá conceder o perdão judicial, deixando de aplicar a pena, quando as conseqüências do crime atingirem o próprio agente de forma tão grave que a imposição da mesma se torne desnecessária. Só na sentença é que poderá ser concedido o perdão judicial.

Exemplo: agente que culposamente fere o próprio filho.

Tem caráter pessoal, logo não se estende à terceiro.

Natureza Jurídica do Perdão Judicial

É uma faculdade do juiz e não um dos direitos públicos subjetivos do réu. O juiz, portanto, tem a discricionariedade de conceder ou não. Trata-se de causa extintiva da punibilidade (artigo 107, inciso IX, do Código Penal).

Natureza Jurídica da Sentença que Concede o Perdão Judicial

Há duas posições:

Condenatória: só se perdoa quem errou. O juiz condena o réu e deixa de aplicar a pena. Observe-se que, se foi preciso criar um artigo para afastar a reincidência (artigo 120), significa que a sentença teria esse efeito na ausência de disposição legal. É a nossa posição.

Declaratória da extinção da punibilidade: da sentença não surte nenhum efeito penal ou extrapenal (Súmula n. 18 do Superior Tribunal de Justiça). É a posição majoritária.

1.14. Lesão Corporal - Violência Doméstica – Artigo 129, § 9.º, 10.º e 11.º do Código Penal.

Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

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Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

A violência doméstica refere-se a lesões corporais praticadas contra quatro categorias de pessoas:

1) contra parentes próximos (ascendentes, descendentes, irmãos);

2) contra cônjuges ou companheiros em união estável;

3) contra quem conviva ou tenha convivido com o agente (embora sem características de união estável);

4) contra pessoa (não incluída nos itens anteriores) eu seja hóspede ou coabite com o agente.

Não importa se o delito ocorre dentro ou fora dos recintos residenciais.

Exige-se que a vítima (sujeito passivo) seja necessariamente uma mulher. O agente (sujeito ativo) pode ser homem ou mulher.

A pena mínima em abstrato, nestes casos, é de 3 meses a 3 anos. Há um aumento de 1/3 da pena se ocorrer lesão corporal de natureza grave (parágrafos 1º e 2º do artigo 129) ou lesão seguida de morte (parágrafo 3º do artigo 129).

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO III

PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

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NOÇÕES GERAIS SOBRE CRIME DE PERIGO:

Os crimes de periclitação da vida e da saúde, descritos nos arts. 130 a 136 do CP, constituem infrações subsidiárias em face dos delitos de dano. Existe relação de primariedade e subsidiariedade entre delitos quando dois ou mais tipos descrevem graus de violação da mesma objetividade jurídica. A subsidiariedade pode ser expressa ou implícita. No primeiro caso, a norma penal incriminadora, que descreve a infração de menor gravidade, expressamente afirma a sua não-aplicação quando a conduta constitui delito de maior porte. Assim, o preceito secundário do crime de perigo para a vida ou saúde de outrem impõe pena de detenção, de 3 meses a um ano, "se o fato não constitui crime mais grave".

Trata-se de subsidiariedade expressa, uma vez que explicitamente a norma de incriminação ressalva a sua não-incidência na hipótese de o fato constituir crime mais grave, como, por exemplo, tentativa de homicídio. Existe subsidiariedade implícita quando um tipo penal se encontra descrito em outro. Neste caso, o delito de menor gravidade funciona como elementar ou circunstância de outra figura típica.

Assim, o delito de perigo para a vida ou a saúde de outrem (CP, art. 132) funciona como infração subsidiária em relação aos delitos descritos nos arts. 130, caput, 131, 133, 134 e 136 do CP. Vigora também, na questão do conflito aparente de normas entre as que descrevem os delitos de periclitação da vida e da saúde e outras, o princípio da especialidade: a norma descritiva de um crime contém todas as elementares de outro, e mais algumas, denominadas especializantes. Assim, os delitos dos arts. 130, § 1°, e 131 constituem tentativa de lesões corporais. São casos em que o legislador preferiu definir como infração de perigo crime francamente tendente a causar dano à vítima.

Quando o crime subsidiário de perigo fica absorvido pelo delito de dano? Isso ocorre quando o sujeito age com dolo de dano e não com dolo de perigo. Excepcionalmente, porém, embora o sujeito tenha praticado o fato com dolo de dano, continua respondendo por crime de perigo. É o que acontece no caso do art. 130, § 1°, que descreve o delito de perigo de contágio venéreo. Referida disposição afirma que se é intenção do agente transmitir a moléstia, incide na pena de reclusão, de l a 4 anos, e multa. Nesta hipótese, embora o sujeito tenha agido dolosamente, no sentido de transmitir a moléstia venérea, não responde por crime de dano, responsabilizando-se unicamente pelo delito de perigo. Outro exemplo está no perigo de contágio de moléstia grave, definido no art. 131. É um crime eminentemente de dano: é intenção do agente transmitir à vítima a moléstia grave. Entretanto, pareceu ao legislador melhor definir a infração penal entre os crimes de periclitação da vida e da saúde, excluindo-o do rol dos delitos de dano.

E se, nas hipóteses de crimes de periclitação da vida e da saúde, o sujeito age com dolo de dano e causa a morte da vítima? Responde por crime de lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3º). E se o sujeito age com culpa, vindo a

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causar a morte da vítima? Responde por delito de homicídio culposo (CP, art. 121, § 3º).

O elemento subjetivo dos crimes de periclitação da vida e da saúde é, em regra, o dolo de perigo: o sujeito pretende produzir um perigo de dano. Pode ser direto ou eventual. Direto, quando pretende a produção do perigo de dano. Eventual, quando assume o risco de produzir tal perigo. Há também dolo de perigo quando quer ou assume o risco da permanência da situação de probabilidade de dano.

Há diferença entre dolo de dano e dolo de perigo? A diferença reside em que no dolo de dano o sujeito quer a produção do efetivo dano ao interesse protegido, enquanto no de perigo sua vontade se dirige exclusivamente a expor o interesse jurídico a um perigo de dano.

No elenco dos crimes de perigo individual existem infrações formais com dolo de dano? Crime formal é aquele em que o tipo descreve o comportamento e o resultado, mas não exige a produção deste. No elenco que estamos estudando, são crimes formais com dolo de dano os definidos nos arts. 130, § l°, e 131 do CP.

Quais são as formas do perigo? O perigo pode ser abstrato, concreto, individual e comum (ou coletivo). Perigo abstrato é o presumido, advindo da simples prática da conduta positiva ou negativa. Concreto é o que deve ser provado. Individual é o que atinge pessoa determinada. Por último, perigo comum ou coletivo é o que atinge número indeterminado de pessoas.

Existe resultado nos crimes de perigo? O resultado, nos crimes de perigo individual, é o próprio perigo abstrato ou concreto.

Existe diferença entre crime formal e crime de perigo? No crime formal, o sujeito age com dolo de dano; no de perigo, com dolo de perigo.

É admissível tentativa de crime de perigo? Sim. Ex.: tentativa de perigo de contágio venéreo (art. 130).

1. PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO

Perigo de contágio venéreo

Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

O crime de perigo de contágio venéreo é definido como o fato de "expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado" (CP, art. 130, caput).

A objetividade jurídica é a vida e a saúde, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo também.

Trata-se de delito de perigo. No § lº do art. 130, entretanto, o legislador definiu um crime formal com dolo de dano.

É necessário o dano efetivo? Não, bastando a exposição ao perigo de dano.

FIGURAS TÍPICAS:

O perigo de contágio venéreo vem descrito em três figuras típicas:

Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe que está contaminado;

Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que deve saber que está contaminado;

Ter a intenção de transmitir a moléstia.

As duas primeiras figuras típicas se encontram no caput da disposição; a terceira, no § l°.

EXPOSIÇÃO AO CONTÁGIO:

A exposição ao contágio venéreo pode ocorrer:

Por meio de relações sexuais;

Por meio de qualquer ato de libidinagem.

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Contágio venéreo constitui lesão corporal. Pareceu ao legislador melhor definir o fato no capítulo dos crimes da periclitação da vida e da saúde, e não no art. 129, que define o delito de lesão corporal. Assim, se há transmissão da moléstia, permanece a responsabilidade em termos de crime de perigo de contágio venéreo.

E se, em conseqüência da doença venérea, há produção de perigo de vida? Se o sujeito sabia que estava contaminado e assumiu o risco da contaminação, responde por crime de lesão corporal seguida de perigo de vida. Se o sujeito devia saber da contaminação, somente responde pelo delito de perigo de contágio venéreo, em sua forma simples.

E se o ofendido consente nas relações sexuais, sabendo do risco da contaminação? O fato é irrelevante para efeito de excluir a responsabilidade penal do agente, uma vez que há interesse social na não-proliferação do mal.

E se o sujeito assume o risco, diante das circunstâncias, de transmitir a doença, sabendo estar infeccionado e não tendo a intenção do contágio? Responde pelo crime do art. 130, caput, do CP, uma vez que a forma típica do § lº exige dolo direto, inexistente na hipótese.

E se o sujeito, infeccionado, julga-se curado por afirmação médica e pratica relações sexuais, responde por algum crime? Existe erro de tipo escusável, excludente do dolo e da tipicidade do fato (CP, art. 20, caput).

E se o agente crê estar contaminado, quando não está? Trata-se de crime impossível (CP, art. 17).

SUJEITOS DO CRIME:

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher.

Pode ocorrer o crime entre marido e mulher? Sim, e haverá motivo para a dissolução da sociedade conjugai com fundamento em conduta desonrosa e violação dos deveres do casamento, conforme o caso.

Qualquer pessoa pode ser sujeito passivo do crime.

O exercício da prostituição por um dos sujeitos não exclui o delito.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

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O crime de perigo de contágio venéreo pode ser cometido por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso. O CP, nesse ponto, ao contrário do que ocorre no estupro (art. 213), não usa a expressão "conjunção carnal". Ato libidinoso é qualquer um que sirva para satisfazer o instinto da libido.

Se o contágio se der por outro ato que não sexual, como, por exemplo, aperto de mão, ingestão de alimentos ou utilização de objetos, em regra não haverá delito, salvo as hipóteses de incidência das infrações dos arts. 131 e 132, conforme o fato concreto. É possível que a ama deleite, amamentando, contamine-se ou venha a contaminar a criança. Nesta hipótese, ela ou os pais desta respondem por lesões corporais dolosas ou culposas, conforme o caso, ou pelos delitos descritos nos arts. 131 e 132 do CP.

E se o amante contagia a amante, que, por sua vez, contagia o marido? O amante pratica delito de perigo de contágio venéreo em relação à adúltera, e ela, por sua vez, responde pelo crime em relação ao marido, se existentes os elementos do tipo,

E se o marido contagia a esposa, e esta, o amante? Ele responde pelo crime em relação à esposa, e ela, em relação ao amante.

Do exposto, verifica-se que o tipo penal exige contato corpóreo entre o sujeito ativo e passivo.

O crime pode ocorrer entre homens ou mulheres entre si, uma vez que a definição fala em "expor alguém", que tanto pode ser homem quanto mulher.

O Decreto-lei nº 16.300/23, indica como moléstias venéreas a sífilis, a blenorragia, o cancro mole e o cancro venéreo simples. Entretanto, entendemos que a discriminação das doenças venéreas não deve ficar a critério da legislação, cabendo à ciência médica afirmar, caso por caso, a existência de tal mal.

E se a vítima estiver imune ou já estiver contaminada? Trata-se de crime impossível por impropriedade absoluta do objeto (CP, art. 17).

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

No tocante ao tipo simples, definido no caput da disposição, exige-se dolo de perigo direto ou eventual. O dolo de perigo direto está na expressão "sabe que está contaminado". O indireto se encontra na expressão "deve saber que está contaminado".

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Na hipótese do art. 130, § lº, o sujeito deve agir com dolo direto de dano. Cuida-se de um crime formal com dolo de dano.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Esse crime é de perigo abstrato segundo a doutrina, que admite o dolo direto e o dolo eventual, o crime não é de dano , esse crime pode concorrer com algum crime sexual como o de estupro, responde em concurso formal; mas se o sujeito queria transmitir a doença, responderá pelo art. 213 em concurso formal impróprio com o art. 130 δ 1o .O perigo, nesse delito, é presumido ou abstrato. A norma incriminadora, realizada a conduta, presume a existência do perigo, que, por isso, não precisa ser demonstrado.

Crime simples, ofende um só bem jurídico: a saúde física do ofendido.

Crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, desde que contaminada de moléstia venérea,

O delito é instantâneo, aperfeiçoando-se no momento da produção do perigo abstrato.

Não admite a forma omissiva, uma vez que o tipo exige que a conduta se expresse em relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso. Por isso, o delito é também de forma vinculada.

O art. 130, § l°, como ficou consignado, descreve um delito formal.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

Consuma-se o delito com a prática das relações sexuais ou dos atos de libidinagem. A tentativa é possível. Ex.: o sujeito é apanhado na iminência das relações sexuais.

FIGURA TÍPICA QUALIFICADA :

Nos termos do art. 130, § l º , do CP, se é intenção do agente transmitir a moléstia, a pena é de reclusão de l a 4 anos, e multa. Essa forma qualificada pressupõe os elementos objetivos definidos no tipo fundamental. Consuma-se com a prática das relações sexuais ou dos atos de libidinagem. É admissível a tentativa, caso em que o sujeito não consegue, por circunstâncias alheias à sua vontade, expor a vítima a contágio de moléstia venérea. Se o sujeito efetiva o contágio, o crime permanece o mesmo.

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E se, com intenção de transmitir a moléstia, contagiado o ofendido, houver produção de um dos resultados dos §§ lº e 2º do art. 129 do CP, ou seja, se o sujeito com dolo de perigo tem relações com a vítima e esta adquire a doença? Há divergência doutrinária:

1ª Corrente - Há desclassificação para o delito de lesão corporal de natureza grave.

2ª Corrente - Responde pelo art. 130 pois o crime tem natureza formal, se o sujeito efetivamente transmite a doença, esse seria o exaurimento do crime.

E se houver morte? Há divergência:

1ª Corrente - O sujeito responderá por lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3°).

2ª Corrente – Responderá por homicídio culposo.

E se o sujeito, portador de Aids e consciente da natureza mortal da moléstia, realiza ato de libidinagem com a vítima, com intenção de transmitir o mal e lhe causar a morte, vindo ela a falecer? Responde por homicídio doloso consumado.

NÃO EXISTE MODALIDADE CULPOSA para a corrente majoritária.

QUESTÕES VÁRIAS:

Pode haver crime de perigo de contágio venéreo por omissão? Não. O tipo penal se refere a relações sexuais ou atos libidinosos.

O perigo a que se refere o art. 130 do CP é real ou presumido (abstrato)? Trata-se de perigo presumido júris tantum, admitindo prova em contrário, como é o caso da imunidade.

Pode haver concurso formal entre perigo de contágio venéreo e outros delitos? O concurso formal é perfeitamente admissível entre o crime do art. 130 e outros delitos. É o caso das infrações descritas nos arts. 213 a 218 do CP.

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PENA E AÇÃO PENAL:

O CP, para o tipo simples, comina pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa. Para o tipo agravado, a pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A ação penal é pública condicionada à representação (CP, art. 130, § 2°).

O Delegado de Polícia não pode proceder a inquérito sem a provocação do ofendido ou de seu representante legal (representação). Em juízo, recebendo o inquérito policial, não pode o Promotor Público oferecer denúncia sem a representação.

2. PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

O crime de perigo de contágio de moléstia grave se encontra descrito no art. 131 do CP, com a seguinte redação: "Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, alô capaz de produzir o contágio".

A objetividade jurídica também é a saúde e a vida, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo também.

Trata-se de delito formal com dolo de dano. Isso significa que o fato, embora descrito no capítulo dos delitos de periclitação da vida e da saúde, na verdade não é um crime de perigo. É um delito formal, de conduta e resultado, em que o estatuto penal não exige a sua produção para a consumação. A doutrina o denomina "crime de consumação antecipada": ele se integra antes de o sujeito conseguir a produção do resultado visado. Na espécie, é suficiente que realize o ato com o fim de transmissão da moléstia grave. O crime se aperfeiçoa com a realização do ato executivo, independente de efetivamente obter a produção do resultado, que é o contágio. Não é punido com dolo de perigo, mas com dolo de dano. O tipo trata do dolo dirigido ao contágio, que constitui lesão corporal (dano).

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IMPORTANTE: Esse crime em que o dolo é de dano, é um dolo direto, o sujeito que dolosamente transmite AIDS a outrem, há quem entenda que a melhor tipicidade seria do art. 131, enquanto que outros afirmam que o sujeito deva responder por tentativa de homicídio.

SUJEITOS DO CRIME:

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa contaminada de moléstia grave. É possível que o agente suponha estar contaminado e venha a praticar o ato. Nesta situação, trata-se de delito impossível, previsto no art. 17 do CP, em que não há a tipicidade do fato. Assim, inexiste conduta punível na ação do sujeito que pratica o ato tendente ao contágio, embora não esteja contaminado.

Quanto ao ofendido, a descrição legal não exige nenhuma qualidade especial: qualquer pessoa pode ser sujeito passivo.

Há delito impossível se o sujeito passivo já estiver contaminado da mesma doença (CP, art. 17).

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

De acordo com o tipo, é preciso que o sujeito pratique, com a finalidade de transmitir a outrem moléstia grave de que se encontra contaminado, ato capaz de produzir o contágio. É necessário que a moléstia seja grave e contagiosa, como é o caso, dentre outras, da febre amarela, varíola, difteria, tuberculose, poliomielite etc. De observar-se que pertence à ciência médica dizer quais as doenças graves e contagiosas.

O sujeito, na execução da figura típica, pode empregar meios diretos ou indiretos. Diretos são os referentes ao contato físico, como o beijo não lascivo, o aperto de mão etc. Meios indiretos são os empregados por intermédio de utensílios, como, por exemplo, xícara de café.

E se o sujeito, por intermédio de conduta não sexual, pratica ato com o fim de transmitir a outrem moléstia venérea? Nesta hipótese, responde pelo delito de perigo de contágio de moléstia grave.

No caso da nutriz, pode ocorrer que ela transmita, agindo dolosamente, doença contagiosa à criança, respondendo pelo contágio de moléstia grave. É possível, entretanto, que a criança transmita a doença grave e contagiosa a ela. Neste caso, os pais da criança não são penalmente responsáveis, uma vez que

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são partes ilegítimas perante o tipo penal, visto que eles não são portadores da doença.

ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O tipo subjetivo apresenta dois elementos:

O dolo; e

O fim especial de agir ("com o fim de...").

O crime só é punível a título de dolo. Afirmando a redação típica que o sujeito deve praticar o ato "com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado", só é admissível dolo direto de dano. Assim, não responde pela infração o sujeito que pratica ato capaz de produzir o contágio agindo simplesmente com dolo eventual, isto é, assumindo o risco de produzir o contágio. De observar-se, ainda, que essa figura típica não admite a culpa.

É possível que o sujeito, agindo dolosamente, consiga a transmissão da moléstia grave. Nesta hipótese, estamos diante de um crime exaurido: o fato produziu conseqüência (o contágio da moléstia grave) após o momento consumativo, que ocorreu com a realização do ato. Embora o contágio de moléstia grave constitua lesão corporal, o legislador entendeu de conceituar essa figura típica no capítulo dos crimes de periclitação da vida e da saúde e não entre os delitos de dano, salvo a ocorrência de lesão corporal grave ou gravíssima.

Se houver intenção de o sujeito matar a vítima por intermédio da transmissão da doença, responderá por homicídio tentado ou consumado. Se o sujeito, não praticando o fato com dolo de homicídio, realizar o ato tendente ao contágio, vindo a vítima a falecer em conseqüência da contaminação, responde por lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3º). Por esse crime também responde o sujeito que se conduz com dolo eventual em relação ao contágio. Se o sujeito agir com culpa em relação à transmissão da moléstia grave, responderá por homicídio culposo. Havendo, em decorrência da transmissão do mal, enfermidade incurável, o sujeito responde por lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, § 2º, II). Da mesma forma, vindo a causar qualquer dos resultados previstos nos §§ lº e 2º do art. 129 do CP, responde por lesão corporal grave ou gravíssima, conforme as circunstâncias (somente a lesão corporal leve fica absorvida).

Se, em face da conduta do sujeito, for criada uma epidemia, responderá pelos delitos dos arts. 131 e 267, § 2º, ou 268, do CP, em concurso formal, conforme o caso.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

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Trata-se de crime formal com dolo de dano, comum, simples, comissivo, plurissubsistente, de forma livre e instantâneo.

Delito formal, não exige, para a sua consumação, a efetiva lesão do objeto material, bastando a realização da conduta capaz de transmitir o mal.

Comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.

Simples, atinge somente a vida ou a saúde da pessoa humana.

É delito comissivo. O núcleo do tipo é o verbo "praticar", de franca atividade. A omissão, por isso, é inadmissível como forma de execução.

De forma livre, admite qualquer meio de execução ativa.

Instantâneo, consuma-se com a prática do ato capaz de transmitir a moléstia. A lesão jurídica não perdura.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge o momento consumativo com a prática do ato capaz de produzir o contágio. Cuidando-se de delito formal, não é necessário que o sujeito consiga o efetivo contágio. A consumação, que é antecipada, ocorre no exato instante da conduta, independentemente da produção do resultado desejado. Quanto à tentativa, de ver-se que os crimes podem ser unissubsistentes ou pluríssubsistentes. Crime unissubsistente é o que se perfaz com ato único. Crime plurissubsistente é o que exige mais de um ato para a sua perfeição. Na hipótese que estamos cuidando, se o ato tendente ao contágio é único, não é admissível a tentativa; se, porém, são exigidos vários atos, é admissível.

PENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. A ação penal é pública incondicionada.

Significa que a autoridade, tomando conhecimento do crime, deve proceder de ofício. O Delegado de Polícia está obrigado a instaurar o inquérito policial. O Promotor Público, para o oferecimento da denúncia, iniciando a ação penal, não fica subordinado a qualquer exigência (condição de procedibilidade).

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3. PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM - ARTIGO 132 DO CÓDIGO PENAL

Perigo para a vida ou saúde de outrem

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. ( Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

3.2. Objetividade Jurídica

A vida e a saúde das pessoas.

3.3. Sujeito Ativo

Qualquer pessoa.

3.4. Sujeito Passivo

Qualquer pessoa.

Não se exige qualquer vinculação ou ligação jurídica entre autor e vítima.

3.5. Tipo Objetivo

“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave.”

Expor alguém a perigo significa criar ou colocar a vítima em uma situação de perigo de dano. Trata-se de crime de ação livre, que admite qualquer forma de execução: “fechar” veículo, abalroar o veículo da vítima, desferir golpe com instrumento contundente próximo à vítima etc.

O crime em análise pode também ser cometido por omissões como, por exemplo, o caso de patrão que não fornece aparelhos de proteção a seus funcionários, desde que disso resulte situação concreta de perigo, já que o não cumprimento das normas de segurança, visto por si só, caracteriza contravenção penal do artigo 19 da Lei n. 8.213/91 (legislação referente a benefícios previdenciários e acidentários).

É necessário, ainda, que o perigo seja:

Direto: aquele que atinge pessoa(s) certa(s) e determinada(s). Trata-se de crime de perigo individual. Trata-se, ainda, de crime de perigo concreto, uma vez que exige prova de que o agente

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objetivava efetuar a conduta contra uma ou mais pessoas determinadas. Se o agente visa número indeterminado de pessoas, haverá crime de perigo comum previsto nos artigos 250 e seguintes do Código Penal.

Iminente: aquele que pode provocar imediatamente o dano; é o perigo imediato.

3.6. Pena

Ao tratar da pena desse delito, o legislador estabeleceu uma hipótese de subsidiariedade expressa, porque a lei diz que o agente somente responderá pelo artigo 132 do Código Penal “se o fato não constitui crime mais grave”.

Até pouco tempo, o agente que efetuasse disparo de arma de fogo próximo à vítima, na via pública, respondia pelo crime em estudo; caso efetuasse o disparo para cima, sem expor pessoa determinada a perigo, responderia apenas pela contravenção penal do artigo 28 da Lei de Contravenções Penais. Atualmente, entretanto, a solução não pode ser mais a mesma, já que houve alteração na legislação, com o advento da Lei do “Porte de Arma” (Lei n. 9.437/97) que, em seu artigo 10, § 1.º, inciso III, tipificou como crime a conduta de “disparar arma de fogo ou acionar munição em local habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave”. Nesse último caso, de crime mais grave, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, afastando-se a aplicação do artigo 132 do Código Penal. Dessa forma, as hipóteses passaram a ser as seguintes:

disparo próximo à pessoa determinada para gerar risco a ela, ou disparo efetuado para cima (sem visar pessoa determinada), caracterizam o crime mais gravoso da lei especial;

se o agente, em qualquer local, efetua o disparo com intenção de matar a vítima, mas não a atinge, responde por tentativa branca de homicídio.

É evidente também que, qualquer que seja o modo de execução, deixa de haver o crime de “perigo para a vida ou saúde de outrem” quando a vítima é atingida e sofre lesões graves ou morre. Nesses casos, o agente responderá por lesões corporais ou homicídio, doloso (dolo eventual) ou culposo, dependendo da hipótese.

3.7. Causa de Aumento

A Lei n. 9.777/98 acrescentou um parágrafo único ao artigo 132, estabelecendo uma causa de aumento de pena, de um 1/6 a um 1/3, se a exposição da vida ou da saúde de outrem decorrer do transporte da pessoa para a prestação de serviços em estabelecimento de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

É inegável que a finalidade do dispositivo é apenar mais gravemente os responsáveis pelo transporte de trabalhadores rurais (bóias-frias) que o fazem sem os cuidados necessários para evitar acidentes com vítimas. Pelo texto da lei, somente haverá aumento de pena se houver desrespeito às normas legais

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destinadas a garantir a segurança. Essas normas estão descritas no Código de Trânsito Brasileiro. O aumento da pena pressupõe também a ocorrência de perigo concreto.

3.8. Elemento Subjetivo

É o dolo de perigo em relação a pessoa(s) determinada(s). Não admite modalidade culposa. Havendo dolo de dano, o agente responderá por outro crime.

3.9. Consumação

No momento da produção efetiva do perigo.

3.10. Tentativa

É possível.

3.11. Concurso

Por se tratar de crime subsidiário, entende-se aplicável o concurso formal. Assim, ainda que com uma só conduta o agente exponha várias pessoas a uma situação de risco, haverá crime único.

3.12. Qualificação Doutrinária

Crime de perigo concreto, comum, doloso, de ação livre, comissivo ou omissivo, simples, instantâneo e subsidiário.

Ação Penal

Pública incondicionada.

4. ABANDONO DE INCAPAZ

Abandono de incapaz

Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

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§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de pena

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

III - se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

O art. 133 do CP define como delito o falo de "abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono".

O objeto jurídico é o interesse de o Estado tutelar a segurança da pessoa humana, que, diante de determinadas circunstâncias, não pode por si mesma defender-se, protegendo a sua incolumidade física.

O CP prevê duas figuras que se assemelham: o abandono de incapaz (art. 133) e a exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134). Podemos dizer que o primeiro tipo é fundamental, enquanto o segundo é privilegiado pelo motivo de honra. Entretanto, os dois crimes estão definidos em figuras típicas autônomas.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA E SUJEITOS DO DELITO:

O crime de abandono de incapaz é próprio e de perigo. É próprio porque a definição legal exige legitimação especial dos sujeitos, como veremos. É de perigo: o dolo do sujeito se dirige à produção de perigo de dano à incolumidade pessoal da vítima.

Não é qualquer pessoa que pode ser sujeito ativo. Nos termos do tipo penal, só pode ser autor quem exerce cuidado, guarda, vigilância ou autoridade em relação ao sujeito passivo. Por sua vez, sujeito passivo é o incapaz de defender-se dos riscos do abandono, estando sob a guarda, cuidado, vigilância ou autoridade do sujeito ativo. A incapacidade a que faz referência o tipo não é a civil. Pode ser corporal ou mental, durável ou temporária, como no caso da embriaguez.

Portanto, são crimes de perigo concreto, é crime próprio pois o sujeito ativo será aquele que tem a guarda, cuidado, vigilância ou autoridade sob o menor.

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Exemplo: pai, babá, diretor de colégio, enfermeira e o sujeito passivo será sempre o incapaz, civil ou não.

ESPECIAL RELAÇÃO DE ASSISTÊNCIA:

Tendo a qualificação de crime próprio, o abandono de incapaz exige especial vinculação entre os sujeitos ativo e passivo. Deve existir relação especial de custódia ou autoridade exercida pelo sujeito ativo em face do sujeito passivo. Essa relação jurídica pode advir de preceitos de lei, de contrato ou de certos fatos lícitos ou ilícitos. Assim, a especial relação de assistência pode advir:

1º) De preceito de lei:

De direito público: Estatuto da Criança e do Adolescente, lei de assistência a alienados etc.;

De direito privado: CC/16, arts. 231, IV, 384, 422 e 453;

2º) De contrato: enfermeiros, médicos, diretores de colégio, amas, chefes de oficina, em relação aos respectivos subordinados;

3º) De certas condutas lícitas ou ilícitas: o raptor ou agente do cárcere privado deve velar pela pessoa raptada ou retida; o caçador que leva uma criança não a pode abandonar na mata; quem recolhe uma pessoa abandonada tem a obrigação de assisti-la etc.

Estes casos estão previstos no tipo penal sob as formas de cuidado, guarda, vigilância e autoridade. Cuidado é a assistência eventual. Ex.: o enfermeiro que cuida de pessoa portadora de doença grave. Guarda é a assistência duradoura. Ex.: menores sob a guarda dos pais. Vigilância é a assistência acauteladora. Ex.: guia alpino em relação ao turista. Autoridade é o poder de uma pessoa sobre outra, podendo ser de direito público ou de direito privado.

Não havendo essa vinculação especial entre autor e ofendido, isto é, não incidindo o dever legal de assistência, conforme o caso, o sujeito pode responder pelo delito de omissão de socorro (CP, art. 135).

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO :

A expressão “abandonar” é no sentido de deixar entregue a própria sorte, mas para caracterizar o crime, não basta abandonar, deve restar provado que o abandono foi numa situação tal que a vítima passou efetivamente por perigo.

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Exemplo: a mãe abandona o recém nascido na maternidade, ou a mãe que abandona o filho na creche não é crime de abandono de incapaz.

Portanto, o núcleo do tipo é o verbo abandonar. De ver-se que no crime do art. 134 o legislador emprega dois núcleos: expor e abandonar. Daí a questão: existe diferença entre expor e abandonar?

No abandono, o sujeito deixa a vítima sem assistência no lugar de costume. Na exposição, leva a vítima a lugar diferente daquele em que lhe presta assistência. Assim, se a mãe deixa a casa, nela permanecendo a criança sem assistência, o caso é de abandono. Se, porém, leva a criança para a rua e a deixa privada de cuidado, o caso é de exposição. No crime do art. 133 é indiferente que o sujeito abandone ou exponha o ofendido. O código, nessa disposição, não faz nenhuma distinção entre abandonar e expor. Daí nosso entendimento de que o verbo abandonar abrange a exposição. Em todos os casos, é necessário que haja uma separação física entre os sujeitos do crime.

Se, não obstante o abandono ou a exposição, o sujeito passivo não sofrer nenhum perigo, não haverá nenhum crime.

O perigo descrito no art. 133 é concreto ou presumido? Trata-se de perigo concreto, devendo ficar provado.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

É o dolo de perigo, direto ou eventual. É necessário que o sujeito tenha a intenção de expor a vítima a perigo concreto de dano à sua vida ou à sua integridade corporal. Admite-se dolo eventual, caso em que assume o risco de produzir um perigo de dano ao objeto jurídico.

O tipo penal não admite a modalidade culposa.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

Consuma-se o delito com o abandono, desde que resulte perigo concreto à vítima. A tentativa é admissível. Ex.: a mãe é surpreendida no ato de abandonar a criança em local que lhe poderia acarretar perigo concreto de dano.

Se o sujeito expõe a criança e a vigia de longe não há crime: não há possibilidade de perigo concreto.

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Se o incapaz foge do cuidado, guarda etc., do sujeito ativo, não há falar-se em crime, diante da inexistência da conduta de abandonar.

Se o sujeito, após o abandono e conseqüente exposição ao perigo, reassume o dever de assistência, não fica excluída a infração penal de perigo, uma vez já atingida a fase da consumação.

FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS:

São formas qualificadas de abandono de incapaz:

Se do abandono resulta lesões graves;

Se do abandono resulta morte;

As lesões graves e a morte são puníveis a título de culpa, são crimes preterdolosos, pois se restar provado que o abandono foi para chegar ao resultado morte ou as lesões graves, responderá pela tentativa de homicídio ou pelo homicídio consumado.

Nos termos do art. 133, § 1º, a pena é de reclusão, de um a cinco anos, se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave. Cuida-se de tipo preterdoloso ou preteríntencional: o fato principal do abandono é punido a título de dolo de perigo; o resultado qualificador (lesão corporal de natureza grave), a título de culpa (CP, art. 19). As lesões corporais graves estão descritas no art. 129, §§ 1 e 2.°, do CP.

De acordo com o § 2º, se resulta morte, a reclusão é de 4 a 12 anos. Aqui também temos crime preterdoloso, em que o primeiro delito (de abandono) tem o dolo de perigo por elemento subjetivo, enquanto a morte, resultado qualificador, se restringe à culpa (CP, art. 19).

O DOLO SERÁ SEMPRE DE PERIGO.

As causas de aumento de pena são:

se o abandono ocorre em lugar ermo, o lugar deve ser habitualmente ermo para incidir o aumento de pena para a maior parte da doutrina, porém, para outros, o local deverá ser ermo na data da consumação do crime.

Se o agente é descendente, ascendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

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O art. 133, § 3º, determina o aumento de pena de um terço se o abandono ocorre em lugar ermo ou se o sujeito è ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

Lugar ermo é o local solitário. Pode ser habitualmente solitário ou acidentalmente solitário, Para a caracterização da qualificadora é preciso que o local seja habitualmente solitário, quer de dia, quer de noite, A solidão pode ser absoluta ou relativa. Para que haja o crime é suficiente que seja o local relativamente solitário. Tratando-se de local absolutamente solitário, o fato constituí meio de execução de homicídio. Não há a qualificadora quando no momento do abandono o local, que é habitualmente solitário, está freqüentado.

E se o abandono ocorrer em lugar que acidentalmente não está freqüentado? Não há a qualificadora, pois o tipo exige que o lugar seja habitualmente solitário.

No crime de exposição ou abandono de recém nascido, o sujeito ativo deve ser A MÃE OU O PAI ADULTERINO, o sujeito passivo deverá ser o recém nascido, isto é, criança de poucos dias.

A lei EXIGE O DOLO DIRETO pois a lei fala que é para ocultar desonra própria, se for por outro motivo, não será este crime, as lesões graves e a morte são puníveis a título preterdoloso.

PENA E AÇÃO PENAL:

No tipo simples, a pena é de detenção, de seis meses a três anos (art. 133, caput). Se a vítima sofre lesão corporal de natureza grave, a sanção è de reclusão, de um a cinco anos (§ lº); se morre, de reclusão, de quatro a doze anos (§ 2°). Se o fato é cometido em lugar ermo ou se o sujeito é ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vitima, a pena (do tipo simples ou das figuras qualificadas) é aumentada de um terço (§ 3º).

A ação penal é pública incondicionada.

O Delegado, sabendo do fato, deve instaurar inquérito policial de oficio. A ação penal não está subordinada a nenhuma condição de procedibilidade.

5. EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO

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Exposição ou abandono de recém-nascido

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

INTRODUÇÃO:

Assim como o delito de infanticídio constitui tipo privilegiado em relação ao homicídio, a exposição ou abandono de recém-nascido também funciona como forma típica privilegiada em relação ao crime de abandono de incapaz (CP, art. 133). No primeiro caso, o infanticídio contém em sua descrição típica todas as elementares do crime de homicídio e mais algumas, referentes ao aspecto modal, à relação de parentesco e à influência do estado puerperal, que se denominam especializantes. Aqui também ocorre um conflito aparente de normas, resolvido pelo princípio da especialidade. Os elementos especializantes da exposição ou abandono de recém-nascido dizem respeito à qualidade do sujeito passivo e ao motivo da preservação da honra. Assim, adequando-se o fato à descrição típica do art. 134, o sujeito não responde por abandono de incapaz.

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Constitui delito o fato de expor ou abandonar recém-nascido, com o objetivo de ocultar desonra própria (CP, art. 134).

O legislador, por intermédio da descrição do crime de exposição ou abandono de recém-nascido, protege a vida e a saúde da pessoa humana.

Trata-se de crime de perigo concreto.

Isso significa que a existência do delito não é caracterizada pela presunção de perigo, exigindo-se que em decorrência do comportamento do autor ou da autora a vítima venha a sofrer efetivo perigo de dano à sua vida ou à sua integridade corporal.

SUJEITOS DO DELITO:

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Sujeito ativo do delito de exposição ou abandono do recém-nascido só pode ser a mãe que concebeu extra matrimonium e o pai adulterino ou incestuoso. Este, segundo nosso entendimento, também pode ser autor do fato, uma vez que está ocultando o incesto ou a adulterinidade.

E se o sujeito ativo é uma meretriz? Neste caso, como não se pode falar em honoris causa, responde pelo crime de abandono de incapaz, descrito no art. 133 do CP.

E se o marido da mulher infiel abandona a criança adulterina? Responde pelo crime de abandono de incapaz: não é dele a desonra.

Sujeito passivo do delito é o recém-nascido. De acordo com nosso entendimento, existe a figura do recém-nascido até o momento da queda do cordão umbilical.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

Os núcleos do tipo são os verbos expor e abandonar. Expor, no sentido do texto, significa remover a vitima para local diverso daquele em que lhe é prestada assistência; abandonar quer dizer omitir à vítima a assistência devida.

No plano prático, é irrelevante que o sujeito execute o fato mediante abandono ou exposição. A pena é a mesma.

"HONORIS CAUSA"

O ordenamento jurídico determina a obrigação de obediência a seus preceitos. Em regra, todos devem realizar ou deixar de realizar condutas de acordo com a norma. Se o indivíduo, consciente ou em condições de poder ter consciência da obrigação de agir de maneira conforme ao direito, e tendo a possibilidade de assim agir, realiza comportamento contrário à ordem jurídica, incide na reprovação social. Surge uma vontade ilícita que se dirige contra a norma de proibição, violando a obrigação jurídica imposta pela sociedade.

A mulher que concebe extra matrimonium sofre essa reprovação, marcando o produto da concepção com o sinal da ilicitude de sua origem. Por isso, o período de gravidez é acompanhado por uma tortura íntima, uma tempestade psíquica, um choque entre sua honra subjetiva e objetiva (reputação). De um lado, o sentimento próprio de sua dignidade, a par da pretensão natural de preservação da vida do infans conceptus, provoca reação à prática da interrupção da gravidez. De outro, aparece sua honra objetiva, sua reputação, que será lesada pela intolerância social em

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face do produto de seu erro amoroso. Entre os dois interesses, premida pelas circunstâncias, pode provocar aborto para ocultar a desonra, ou permitir que com esse fim outrem lho provoque. Além disso, a mulher pode expor ou abandonar a vítima para ocultar desonra própria. Surge, então a exposição ou abandono de recém-nascido honorís causa.

O tipo penal exige que o fato seja cometido "para ocultar desonra própria".

A base do privilégio é de natureza psicológica e restritiva. Dentre os motivos que podem concorrer para a prática do fato criminoso, o único que tem força para transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultar a desonra.

A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa-fama e a reputação que goza o autor ou a autora pela sua conduta de decência e bons costumes. Se a pessoa é desonesta ou de desonra conhecida, não cabe a alegação de preservação da honra. Sob outro aspecto, se se trata de outro motivo, como, por exemplo, o de extrema miséria, excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato constitui abandono de incapaz.

A elementar "desonra" se refere à situação sexual do sujeito ativo; o elemento "ocultação", à publicidade que o produto da concepção produziria. É certo que se o sujeito ativo for desonrado, não haverá o privilégio. De observar-se, porém, que neste caso a desonra deve referir-se a fatos de natureza sexual. Pode merecer o benefício a agente que sofreu condenações por furtos ou outros delitos, não o merecendo a prostituta ou o proxeneta,

A força do privilégio é determinada na razão direta do grau de intolerância social. Não significa que com o benefício a lei queira sancionar essa intolerância, mas sim que deseja reconhecer os seus efeitos sobre a consciência de uma pessoa atribulada, em cujas mãos não se encontram meios de enfrentar a situação com heroísmo.

A causa da honra deve ser presumida de forma relativa nos casos de prole aviltante (espúria, ilegítima, adulterina), justificando o benefício a tortura moral em que se vê, por exemplo, a mulher que concebe em situação irregular, em face da perspectiva da iminente perda da reputação e dos demais efeitos da permanência em vida da prova das relações sexuais ilegítimas.

Não é necessário que, tratando-se de mulher, seja solteira ou futura primípara. A concepção ilegítima pode representar desonra tanto para a casada como para a viúva.

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A repetição do fato criminoso exclui o privilégio. Um anterior processo por exposição de recém-nascido faz com que em relação ao segundo fato não se possa alegar a ocultação de uma honra que a pessoa já perdeu. A exclusão não é causada pela condenação anterior, mas sim pela publicidade da desonra da concepção posterior.

MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA:

Consuma-se o delito com a criação do perigo concreto causado pela exposição ou abandono. A tentativa, na forma comissiva, é admissível. Assim, é possível na hipótese de a mãe ser surpreendida no momento da exposição do recém-nascido, com a finalidade de ocultar desonra própria. Na modalidade omissiva (abandono), entretanto, é impossível a figura tentada.

ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O tipo requer dois elementos subjetivos:

O dolo, que consiste na vontade livre e consciente de expor ou abandonar recém-nascido;

O fim ulterior, contido na expressão "para ocultar desonra própria".

O fato é punido exclusivamente a título de dolo de perigo, não havendo exposição ou abandono de recém-nascido na modalidade culposa. Não é suficiente, entretanto, o dolo de perigo. O comportamento é realizado no sentido de um fim determinado, que os autores clássicos chamavam de dolo específico (ocultação da desonra), que preferimos denominar de elemento subjetivo do tipo. Sem ele, o fato passa a constituir crime de exposição ou abandono de incapaz (CP, art. 133). Trata-se de uma vontade dirigida a um fim que se encontra fora dos atos de execução do tipo. É uma intenção ulterior que se dirige a um fim que está fora do fato material do delito. É uma vontade excedente, no sentido de que se estende além da conduta e do resultado naturalístico. É um "querer para", um querer utilitário, uma série de posições em que um querer serve a outro querer: o resultado contido na exposição ou abandono é querido para meio de ir mais adiante (ocultar a desonra).

Em face da exigência do elemento subjetivo do tipo, não há exposição ou abandono de recém-nascido com dolo eventual, exigindo-se dolo direto.

FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS:

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Os §§ l° e 2° do art. 134 do CP prevêem formas típicas qualificadas do crime de exposição ou abandono de recém-nascido. As qualificadoras são a lesão corporal grave em sentido amplo e a morte,

O crime qualificado é preterintencional ou preterdoloso. O fato principal é punido a título de dolo de perigo; os resultados, a título de culpa (CP, art. 19).

CONCURSO DE AGENTES:

É admissível concurso de agentes, nas modalidades de co-autoria e participação. Esta é elementar do tipo. Assim, nos termos do art. 30 do CP, é comunicável entre os fatos cometidos pelos participantes.

PENA E AÇÃO PENAL:

A pena para o tipo simples é de detenção, de seis meses a dois anos (art. 134, caput). Se o recém-nascido, em conseqüência do fato, sofre lesão corporal de natureza grave, a pena é de detenção, de um a três anos (§ lº); se vem a falecer, detenção, de dois a seis anos (§ 2º).

A ação penal é pública incondicionada.

6. OMISSÃO DE SOCORRO

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Omissão de socorro é o fato de deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a

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pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública (CP, art. 135, caput).

O crime apresenta figuras típicas principais e qualificadas:

Figuras típicas fundamentais, previstas no caput da disposição;

Figuras típicas qualificadas pelo resultado: descritas no parágrafo único.

O tipo fundamental, definido no caput, apresenta duas figuras típicas:

Deixar de prestar assistência;

Não pedir socorro da autoridade pública.

A objetividade jurídica é a vida e a integridade física; o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, trata-se de crime comum. Portanto, a objetividade jurídica é a solidariedade que deve existir entre os homens, no sentido da obrigação jurídica genérica a que estamos submetidos na convivência social. Com isso, por intermédio da imposição penal desse dever, o código protege também a vida e a incolumidade pessoal do cidadão. Não passa daí, entretanto, a tutela penal, não estando protegidos outros interesses, como a honestidade, a liberdade pessoal e o patrimônio. Basta verificar que a omissão de socorro constitui delito de "periclitação da vida e da saúde" para se concluir que não protege outros bens.

SUJEITOS DO DELITO :

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de omissão de socorro, uma vez que não se trata de delito próprio, que exige qualidade pessoal do autor. Não é necessário que haja especial vinculação jurídica entre os sujeitos desse delito, como ocorre no abandono de incapaz (CP, art. 133). O dever de solidariedade pode ser genérico ou específico. O dever genérico, como o próprio nome indica, é imposto a todas as pessoas. Ao contrário, a existência do dever específico de assistência exige vinculação jurídica especial entre os sujeitos, como ocorre nas hipóteses de pai, tutor, médico, enfermeira etc. Desta forma, se o sujeito for pai, tutor, médico, enfermeira etc., da vítima, haverá o crime de abandono de incapaz, descrito no art. 133 do CP, ou, conforme a hipótese, o de abandono material, definido em seu art. 244. Não havendo essa especial vinculação jurídica, subsistirá a omissão de socorro.

Se várias pessoas negam assistência, todas respondem pelo crime. E se são várias e uma apenas assiste a vítima, não o fazendo as outras, não há delito. Como se trata de obrigação penal solidária, o cumprimento do dever por uma delas

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desobriga as outras. Em face disso, não há falar-se em omissão de socorro. Se, entretanto, a assistência de uma for insuficiente, as outras responderão pelo delito.

Sujeitos passivos são as pessoas mencionadas no texto:

criança abandonada;

criança extraviada;

pessoa inválida;

pessoa ferida;

pessoa em grave e iminente perigo.

Portanto, o sujeito passivo pode ser dividido em três categorias:

Criança abandonada ou extraviada;

Pessoa ferida ou inválida;

Qualquer pessoa em grave e iminente situação de perigo.

Em relação aos dois primeiros, o crime é classificado de perigo abstrato, enquanto que em relação ao terceiro, o crime é de perigo concreto. O primeiro tem que socorrer, se não for possível deve pedir socorro.

O CP se refere à criança abandonada ou extraviada. Qual a idade a ser considerada? Segundo entendemos, não é possível estabelecer uma idade limite da criança para a configuração do delito. A solução legal depende do caso concreto, considerando-se que criança é aquela que ainda não tem capacidade de vigiar a si mesma.

Existe diferença entre criança abandonada e extraviada? Criança extraviada é a criança perdida. Quando o código fala em criança abandonada, não se refere à criança perdida, mas sim à que foi objeto de abandono por parte da pessoa que devia exercer a vigilância.

O código também se refere à pessoa inválida. A invalidez pode resultar de doença, velhice etc. Não é suficiente que a pessoa seja inválida. É necessário, de acordo com o tipo, que se encontre ao desamparo-no momento da omissão de socorro.

O CP ainda faz referência à pessoa ferida. Ex.: o sujeito encontra pessoa com ferimentos em conseqüência de atropelamento. Deixando de lhe prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, responde por omissão de socorro. Aqui também não é suficiente que a pessoa esteja ferida. É necessário que esteja ao desamparo, isto é, sem possibilidade de arrostar o perigo com suas próprias forças.

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Por último, o estatuto penal se refere à pessoa em grave e iminente perigo. Nesse caso, não é necessário que seja inválida ou que esteja ferida. A melhor interpretação do art. 135 do CP é aquela que indica qualquer pessoa em grave e iminente perigo como sujeito passivo de omissão de socorro, não se exigindo que seja inválida ou esteja ferida. Ex.: pessoa que resvalou por uma encosta e está preste a cair no abismo; pessoa que está presa num apartamento incendiado etc.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

A Assistência genérica, que informa delito de omissão de socorro, pode ser:

Imediata: Existente no dever de prestação imediata de socorro.

Mediata: Dever de pedir ajuda à autoridade pública.

No primeiro caso, o sujeito deve prestar assistência, desde que possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo. No segundo caso, o sujeito deve pedir, naquelas hipóteses, o socorro da autoridade pública.

A pessoa que deve pedir assistência não tem a faculdade de escolher uma ou outra forma, isto é, não cabe àquele que encontra a vítima nas condições previstas na disposição penal escolher entre a imediata prestação de assistência e a solicitação de socorro da autoridade pública. Tudo depende do caso concreto. Se o sujeito não tem condição de efetuar socorro à vitima, deve pedir o auxílio da autoridade pública. Entretanto, em alguns casos, existe o dever imediato de prestação de socorro, como, por exemplo, na hipótese de criança ferida e ao desamparo. O sujeito que encontra uma criança nessas condições não pode deixar de lhe prestar imediata assistência, preferindo telefonar para a autoridade pública.

Só é punível a omissão de prestação de assistência quando o sujeito pode agir "sem risco pessoal". Ninguém está obrigado à prestação da assistência quando presente a possibilidade de dano físico à própria pessoa. Assim, não estão obrigados à prestação da assistência, presente o risco pessoal, mesmo aquelas pessoas que, nos termos do art. 24, § l°, do CP, não podem alegar estado de necessidade, como o salva-vidas, o comandante do navio, o bombeiro etc. Neste caso, não respondem pelo delito em face da atipicidade do fato.

E se o risco for de terceira pessoa? Sob a ótica da tipicidade, o omitente deveria responder pelo delito de omissão de socorro. A figura típica fala em possibilidade de "risco pessoal", que não existe na hipótese, pois o risco é de terceira pessoa. Entretanto, está acobertado pelo estado de necessidade previsto no art. 24 do CP, que afasta a ilicitude de seu comportamento.

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Não há crime, por atipicidade da conduta, quando o omitente supõe o risco pessoal. Ex.: o sujeito omite socorro a uma criança que está afogando-se em uma lagoa. Sem saber nadar, a supõe profunda. Verifica-se posteriormente que a lagoa era de pequena profundidade. Aplica-se a teoria do erro de tipo (CP, art. 20, caput).

Tratando-se de risco patrimonial ou moral, não há exclusão do crime, mas, conforme o caso, pode existir estado de necessidade.

De acordo com o caso concreto, o sujeito deve, ao invés de prestar imediato auxilio à vítima, pedir o socorro da autoridade pública (Juiz de Direito, Curador de Menores, Delegado de Polícia, bombeiros etc.) Esse pedido deve ser imediato, isto é, não pode ser demorado. Responde pelo delito de omissão de socorro o sujeito que três dias depois da ocorrência telefona à autoridade policial narrando a necessidade de prestação de assistência a terceira pessoa. Não importa a forma de pedir socorro, podendo ser oral, por escrito, pelo telefone etc.

Existe crime quando o sujeito deixa de pedir socorro à autoridade pública por existir risco pessoal? Não existe delito: o dever de pedir assistência à autoridade pública, nos termos da descrição típica, existe "nos mesmos casos" do tipo anterior (imediata prestação de socorro).

E se a vítima recusar o socorro? Existe crime: o objeto jurídico é irrenunciável.

Entendemos que o ausente responde pelo crime de omissão de socorro quando chamado ao local para exercer o dever de assistência. Suponha-se que a vítima telefone a um médico com insistência, relatando a sua situação em face de grave e iminente perigo em conseqüência de uma doença. O médico, não obstante tomar consciência da real situação de perigo que deve ser arrostada pelo ofendido, não lhe presta socorro. Neste caso, não temos dúvida em afirmar a existência do delito. Para que isso ocorra, entretanto, é necessário que o sujeito tenha plena consciência do grave e iminente perigo em que se encontra o sujeito passivo. Fora daí, não existe delito por ausência do elemento subjetivo do tipo.

Não importa a causa da situação de perigo. Pode ter sido causada pelo próprio omitente (sem culpa), terceiro, sujeito passivo ou surgido acidentalmente.

O motorista que culposamente atropela a vitima e não lhe presta socorro, responde pelo delito do art. 135?. Há 3 correntes acerca da matéria:

1ª Corrente - Sujeito responderá por homicídio culposo do CP, com o aumento de pena do parágrafo 4º do CP

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2ª Corrente - Sujeito responderá em concurso formal pelo crime de homicídio culposo do CP, em concurso com o crime do art. 304 do CTB;

3ª Corrente - (A melhor) O sujeito responderá somente por homicídio culposo, sem aumento de pena e sem ser em concurso com qualquer outra infração. É a mais correta, pois se a culpa dele residiu justamente na omissão dele de socorrer, você aumentar a pena dele pela omissão de não ter prestado assistência, ou cumular com outro tipo, cujo fundamento é a omissão pela não assistência, em qualquer caso se daria uma hipótese de bis in idem.

E se o sujeito, com dolo de homicídio, atropela a vítima, não lhe prestando socorro? Responde por homicídio ou tentativa de homicídio, conforme as circunstâncias, sendo que a omissão de socorro fica absorvida.

Se a vítima vier a ser socorrida por terceiros, a posição prevalente da jurisprudência é que incide o agravamento da pena, tendo em vista o descumprimento do dever de solidariedade humana por parte do condutor, muito embora haja posicionamento em contrário.

Se o condutor correr perigo de linchamento e fugir, não há a circunstância agravante, pois aí ele não tinha a possibilidade de fazê-lo sem risco pessoal.

4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINARIA:

A omissão de socorro é delito omissivo próprio. Significa que o crime se caracteriza pelo simples comportamento negativo do sujeito, que deixa de prestar assistência à vítima ou de pedir auxílio da autoridade pública, independentemente da produção de qualquer resultado. O tipo penal se contenta exclusivamente com a conduta omissiva. Se, após a omissão, ocorrem ferimentos na vítima ou esta vem a falecer, o tipo permanece o mesmo ou surge qualificadora. Se, em conseqüência da omissão de socorro, a vítima sofre lesão corporal de natureza leve, o sujeito não responde por dois delitos, omissão de socorro e crime de lesão corporal de natureza leve. Neste caso, a lesão leve fica absorvida. É possível que, em decorrência da conduta negativa do sujeito, a vítima venha a sofrer lesão corporal de natureza grave ou a morte. Neste caso, o sujeito responde por omissão de socorro qualificada, como veremos adiante.

Trata-se de crime de perigo. Há perigo presumido nos casos de criança extraviada, abandonada e de pessoa inválida ou ferida, e ao desamparo. Existe perigo concreto na hipótese de pessoa em grave e iminente perigo, caso em que deve ser demonstrado.

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Delito subsidiário, a omissão de socorro funciona como circunstância qualificadora dos crimes de homicídio culposo (CP, art. 121, § 4°) e de lesão corporal culposa (CP, art. 129, § 7°). Assim, se o sujeito, culposamente, num delito automobilístico, fere a vítima e não lhe presta socorro, não responde por dois crimes. Neste caso, a omissão de socorro é absorvida pela lesão corporal culposa qualificada.

Cuida-se, por último, de crime instantâneo, eventualmente permanente. A consumação ocorre no exato momento em que a vítima sofre o perigo presumido (abstrato) ou concreto. Neste caso, fala-se em delito instantâneo. Pode acontecer, entretanto, que o perigo perdure por período juridicamente relevante. Nesta hipótese, cuida-se de crime eventualmente permanente.

5. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO :

É o dolo de perigo, direto ou eventual. Como dissemos, o dolo do sujeito deve abranger a consciência da real situação de perigo em que se encontra a vítima. Há dolo direto quando o sujeito quer o perigo de dano; eventual, quando assume o risco de produzi-lo. Há também dolo de perigo quando o sujeito, com sua conduta negativa, assume o risco de manter o estado de perigo preexistente. É necessário que o dolo abranja somente a situação de perigo. Havendo dolo no sentido da morte da vítima, por exemplo, o sujeito responde por homicídio. Suponha-se que o agente, sem culpa, atropele a vítima. Verificando tratar-se de seu desafeto, foge do local, querendo a sua morte ou assumindo o risco de que ocorra em face da omissão de assistência. Responde por delito de homicídio.

O tipo penal não admite a modalidade culposa.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge a consumação no momento da omissão, em que ocorre o perigo concreto ou presumido, conforme o caso. A tentativa, tratando-se de delito omissivo próprio, é inadmissível. Ou o sujeito não presta a assistência, e o delito está consumado, ou presta socorro à vítima, hipótese em que não existe delito. A simples tentativa de deixar de prestar assistência já configura o crime.

SE O RISCO FOR PATRIMONIAL NÃO INCIDE ESTE ARTIGO.

É um crime omissivo próprio que não admite tentativa. Em princípio para que o sujeito seja incriminado a situação de perigo deve ocorrer na presença do agente, mas não necessariamente.

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7. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS PELO RESULTADO:

O parágrafo único do art. 135 do CP descreve formas típicas qualificadas do delito de omissão de socorro: se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é aumentada de metade; se resulta morte, a sanção penal é triplicada.

Estamos diante de crimes preterintencionais ou preterdolosos (CP, art. 19). A emissão de socorro é punida a título de dolo; os resultados qualificadores, lesão corporal de natureza grave e morte, a título de culpa. É necessária a comprovação de que a atuação do omitente evitaria a produção desses resultados.

Se resulta lesão grave ou morta o crime se torna qualificado.

8. QUESTÕES VÁRIAS:

Existe crime se o sujeito supõe a vítima dormindo, quando está ferida? Não. Existe, no caso, erro de tipo, excludente da tipicidade da conduta negativa (CP, art. 20, caput).

Quem pode auxiliar a vítima de cárcere privado a safar-se e não o faz, pratica omissão de socorro? Esse crime está entre os de periclitação da vida e da saúde. Assim, estes são os objetos jurídicos da infração penal. Diante disso.» a tutela penal não pode se estender a outra objetividade jurídica, como ,a referente à liberdade pessoal. Segundo nosso entendimento, não há crime na hipótese.

Comete omissão de socorro o sujeito que, sendo testemunha de um homicídio, deixa de evitá-lo, sem risco pessoal, em face de comodismo ou covardia? Existe crime. Se o sujeito pode, sem a mínima possibilidade de sofrer um dano físico, evitar a execução da morte da vítima, deixando de agir, responde pela omissão criminosa.

9. PENA E AÇÃO PENAL:

No tipo simples o CP comina a pena de detenção, de um a seis meses, ou multa (art. 139, caput). Se da omissão de socorro resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é aumentada de metade; se vem a falecer, é triplicada (parágrafo único).

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. Em face disso, a instauração do inquérito policial e a ação penal não estão subordinadas a nenhuma condição de procedibilidade. A autoridade deve agir de oficio.

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7. MAUS-TRATOS

Maus-tratos

Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

O CP reserva o nome de maus-tratos ao fato de o sujeito expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina (CP, art. 136, caput).

A norma penal protege a incolumidade pessoal.

FIGURAS TÍPICAS:

O crime apresenta figuras típicas fundamentais descritas no art. 136, caput, enquanto os §§ lº e 2º definem tipos qualificados pelo resultado morte ou lesão corporal de natureza grave.

SUJEITOS DO DELITO:

Trata-se de delito próprio. O tipo exige especial vinculação jurídica entre os sujeitos. É preciso que a pessoa esteja sob a autoridade, guarda ou vigilância do sujeito ativo, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Não é qualquer pessoa que pode ser sujeito ativo do delito, mas somente as pessoas legalmente qualificadas. Da mesma forma, não é qualquer um que pode ser vítima de maus-tratos, mas exclusivamente aquelas pessoas que se encontram sob a autoridade, guarda ou vigilância de outra, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. A mulher, em face disso, não pode ser sujeito passivo de maus-tratos, tendo o marido

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como sujeito ativo. Ela não se encontra sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Nestes casos, o marido pode responder por outro crime, como lesão corporal.

Portanto, o sujeito ativo é a pessoa que tem a pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância para as finalidades previstas em lei.

Em princípio o marido não pode ser sujeito ativo do crime em face da mulher, pois o marido não tem a finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia.

Normalmente, o crime é do castigo severo daquele que tem a guarda por exemplo para com o filho.

É diferente do crime de tortura, que a intensidade do sofrimento físico, mental, imposto é infinitamente maior.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO

O crime pode ser executado de várias maneiras. Em primeiro lugar, a norma incriminadora se refere à privação de alimentos. Esta pode ser absoluta ou relativa. Para que ocorra a infração penal, é suficiente a privação relativa de alimentos. A infração, nessa modalidade típica, é permanente. Tratando-se de privação absoluta de alimentação, o fato pode constituir meio de execução do homicídio.

Outra forma de execução é a privação de cuidados indispensáveis. Ex.: privar o débil mental de agasalhar-se durante o frio. Cuida-se de infração de natureza permanente.

O CP também se refere à sujeição da vítima a trabalho excessivo ou inadequado. Ex.: o sujeito submete empregado menor a trabalho excessivo ou impróprio para a sua idade.

Por fim, o código faz referência ao abuso de meios de correção e de disciplina. O excesso do sujeito que pretende corrigir ou disciplinar pode ser constituído de violência física ou violência moral (ameaças, intimidações etc.).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei nº 8.069, de 13-7-1990, criou novas figuras típicas criminais relacionadas com os maus-tratos. Em seu art. 232 descreve o fato de "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", impondo a pena de detenção, de seis meses a dois anos. E o art. 233 define o crime de "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura", cominando a pena de

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reclusão, de um a cinco anos, agravando-a em caso de produção de lesão corporal grave, gravíssima ou morte (§§ lº, 2° e 3°).

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

O crime só é punido a título de dolo de perigo, sendo inadmissível a forma culposa.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

O delito de maus-tratos é próprio, de ação múltipla ou de conteúdo variado, simples, plurissubsisíente, comissivo ou omissivo, permanente na privação de alimentação ou cuidados, instantâneo nas outras hipóteses, e de perigo concreto.

Esse crime, conforme vimos, não pode ser praticado por qualquer pessoa, uma vez que o tipo penal exige uma especial vinculação jurídica entre as partes (pessoa sob a autoridade, guarda ou vigilância de outra). Por isso, é próprio.

De ação múltipla ou de conteúdo variado, tem na formulação típica as várias formas de sua realização. Diante disso, a prática de mais de uma não leva ao concurso de crimes, mas a delito único. Assim, responde por um só crime o sujeito que, abusando do meio de correção de pessoa sob sua guarda, para fim de educação, nega-lhe cuidados indispensáveis.

Simples, o fato típico só atinge um bem jurídico: a incolumidade pessoal.

É delito plurissubsistente. Não basta o comportamento do sujeito; é preciso que dele advenha perigo concreto de dano.

Pode ser praticado por intermédio de conduta positiva (sujeição a trabalho excessivo) ou negativa (privação de alimentos).

A causa de aumento de pena é para menor de 14 anos.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge a consumação com a exposição do sujeito passivo ao perigo do dano, em conseqüência das condutas descritas no tipo. É admissível a figura da tentativa nas modalidades comissivas.

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FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS:

Os §§ l° e 2º definem crimes preterintencionais ou preterdolosos (CP, art. 19). São formas típicas qualificadas pelo resultado, que pode ser a lesão corporal de natureza grave e a morte. Sofrendo a vítima lesão corporal de natureza leve, o sujeito responde pelo tipo fundamental, definido no caput do dispositivo. Tratando-se de sujeito passivo menor de 14 anos de idade a pena é aumentada de um terço (§ 3º). Sobre o tema, de aplicar-se, no que couber, o que dissemos a respeito do homicídio doloso cometido contra menor.

PENA E AÇÃO PENAL :

Para o tipo simples, o CP prevê pena de detenção, de dois meses a um ano, ou multa. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de um a quatro anos; se resulta morte, reclusão, de quatro a doze anos.

A ação penal é pública incondicionada.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO IV

DA RIXA

8. RIXA – ARTIGO 137 DO CÓDIGO PENAL

Rixa

Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.

O artigo 137, caput, trata da rixa simples – “participar de rixa, salvo para separar os contendores” – cuja pena é de detenção de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.

A rixa é uma luta envolvendo pelo menos 3 pessoas e que se caracteriza pelo tumulto, pela confusão, de tal forma que não se consegue distinguir a conduta

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de cada participante. Se for possível individualizar a conduta de cada rixoso não há se falar no crime de rixa.

Cada envolvido visa atingir qualquer um dos demais e todos agem ao mesmo tempo, por isso, são todos autores e vítimas do mesmo crime (não há dois grupos distintos).

É um crime plurissubjetivo ou de concurso necessário, de condutas contrapostas. Lembre-se que os crimes de concurso necessário podem ser de condutas paralelas (quadrilha ou bando), convergentes (adultério) ou contrapostas (rixa).

Para se computar o número mínimo de 3 contendores, leva-se em conta a participação dos inimputáveis na luta.

8.1. Núcleo

Participar é tomar parte efetiva na troca de agressões.

Não confundir:

Participação na rixa refere-se àqueles que estão trocando agressões.

Participação do crime de rixa refere-se àqueles não envolvidos efetivamente na luta, mas que de alguma forma estão colaborando para sua ocorrência (exemplo: incentivando). O partícipe moral não entra para o cômputo de número mínimo de 3 rixadores.

8.2. Consumação

O crime se consuma quando 3 pessoas, ou mais, começam a lutar. A doutrina entende que não há tentativa, trata o delito como instantâneo: ou a briga se inicia e consuma a rixa, ou há indiferente penal. O Prof. DAMÁSIO, entretanto, tem opinião divergente, entendendo necessária a classificação da rixa:

rixa ex improviso: quando surge de repente e para a qual não haveria possibilidade de tentativa;

rixa ex proposito: há uma combinação de hora e local por parte dos envolvidos, hipótese em que seria possível a tentativa, no caso de a polícia impedir o início da briga.

Pergunta: Os lutadores podem alegar legítima defesa?

Resposta: Se a pessoa entrou intencionalmente na rixa, está praticando uma ação ilícita, portanto, não pode alegar a legítima defesa (pois não há agressão injusta).

Não é necessário falar em legítima defesa para aquele que entra na luta querendo separar os demais, pois o próprio artigo 137 do Código Penal exclui o delito nesse caso.

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É possível alegar a legítima defesa para crime mais grave que possa ocorrer durante a rixa, mas quanto ao crime de rixa, esse já estará consumado.

Exemplo: os rixadores lutam sem arma; no meio da confusão, um deles saca uma faca em legítima defesa e um outro utiliza um revólver para contê-lo; esse último não responderá pelo homicídio ou pelas lesões que causar (porque acobertado pela justificante), porém será responsabilizado por rixa qualificada, assim como os demais contendores.

A rixa é um crime de perigo abstrato e se caracteriza ainda que ninguém sofra lesões. Se, entretanto, alguém sofrer lesão leve, identificado o causador da lesão, este responde por rixa simples em concurso material com o crime de lesões corporais.

8.3. Rixa Qualificada

Para os participantes de rixa que resultar em lesão grave ou morte, o parágrafo único fixa pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. A pena é igual, tanto para lesão grave como para morte.

A rixa é qualificada para todos, até mesmo para quem não tenha dado causa ao resultado lesão grave ou morte. Basta participar da rixa que resulte em morte ou lesão corporal grave para responder pela forma qualificada. É uma hipótese de responsabilidade objetiva. A própria vítima das lesões graves responde por rixa qualificada. Se for identificado o causador direto da morte ou da lesão, os participantes da rixa respondem por rixa qualificada e o causador da morte ou lesão responde por homicídio ou lesão corporal em concurso material com o crime de rixa qualificada (ver exposição de motivos do Código Penal para o crime de rixa). Há posição no sentido de o agente responder pelo homicídio (ou lesão) em concurso material com o crime de rixa simples.

A ocorrência de mais de uma morte não altera a característica: trata-se de uma única rixa qualificada.

Mesmo a pessoa que entra na rixa e dela se afasta antes do resultado agravador, responde por rixa qualificada, pois com seu comportamento anterior estimulou a troca de lesões que acabou levando à morte ou lesão corporal grave. Responde por rixa simples a pessoa que entra na rixa após a consumação da morte ou da lesão grave.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA A HONRA

1. CRIMES CONTRA A HONRA

1.1. Introdução

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Os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) estão previstos no Código Penal e em leis especiais (Código Eleitoral, Código Militar, Lei de Imprensa). Se não for caso de aplicação de lei especial, aplicam-se os dispositivos do Código Penal.

No caso de ofensa com objetivo eleitoral ou de propaganda eleitoral, devem ser aplicados os artigos 324 a 326 do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65).

Ofensa feita pela imprensa (jornal, televisão, revista) será enquadrada nos crimes da Lei de Imprensa (artigos 20 a 22 da Lei n. 5.250/67).

1.2. Conceito de Honra

Honra é o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais que tornam uma pessoa merecedora de apreço no convívio social e que promovem sua auto-estima.

1.3. Espécies de Honra

1.3.1. Honra objetiva e subjetiva

Honra objetiva: é o conceito que o meio social tem acerca dos atributos de alguém. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva. Por isso, esses dois crimes se consumam quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa.

Honra subjetiva: é o conceito que cada um tem acerca de si mesmo (amor próprio, auto-estima). Somente a injúria atinge a honra subjetiva. Por isso, a injúria se consuma quando a própria vítima toma conhecimento da ofensa.

1.3.2. Honra dignidade e decoro

A honra subjetiva se divide em:

honra dignidade: é o sentimento de uma pessoa a respeito de seus atributos morais, de honestidade e de bons costumes;

honra decoro: é o sentimento da pessoa acerca de seus dotes físicos e intelectuais.

1.3.3. Honra comum e profissional

honra comum: relativa a todas as pessoas indistintamente;

honra profissional: relativa a uma categoria profissional (médicos, advogados etc.).

1.4. Diferenças entre Calúnia, Difamação e Injúria

Calúnia Difamação Injúria

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Imputa-se um fato definido como crime.

Imputa-se um fato ofensivo não criminoso (pode ser contravenção).

Não há imputação de fato. Atribui-se uma qualidade negativa.

A imputação deve ser falsa. A imputação pode ser falsa ou verdadeira.

Não há imputação de fato.

Atinge a honra objetiva. Atinge a honra objetiva. Atinge a honra subjetiva.

Consuma-se quando terceira pessoa toma conhecimento da imputação.

Consuma-se quando terceira pessoa toma conhecimento da imputação.

Consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da ofensa.

1.5. CALÚNIA - ARTIGO 138 DO CÓDIGO PENAL

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

1.5.1. Conceito

Atribuição a alguém da prática de um fato definido como crime, sendo falsa esta atribuição.

Só há calúnia se o agente imputar um fato (crime) determinado. Não há calúnia se o agente chama alguém de ladrão, assassino etc. Neste caso trata-se de injúria.

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A falsidade da imputação pode se referir:

à própria existência do crime imputado (atribuir a alguém fato que não ocorreu);

à autoria (atribuir fato verdadeiro a alguém que não seja seu autor).

Pergunta: Pode haver calúnia sobre imputação de fato verdadeiro?

Resposta: Sim, nos casos em que não se admite exceção da verdade (artigo 138, § 3.º, incisos I, II e III, do Código Penal).

Observação: A imputação de fato contravencional configura difamação. Atenção: cuidado com o porte de arma, que deixou de ser contravenção e passou a ser tratado como crime pela Lei n. 9.437/97.

1.5.2. Sujeito ativo e passivo

Sujeito ativo

Em regra, qualquer pessoa. Porém, certas pessoas gozam de imunidade e, portanto, não praticam crime contra a honra:

Artigo 53 da Constituição Federal: imunidade material dos deputados e senadores, que são invioláveis por suas palavras, votos e opiniões. Não vale só dentro do Congresso Nacional, mas deve ser relacionada com as funções parlamentares.

Artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal: os vereadores também possuem essa imunidade, desde que exista um nexo entre a ofensa e sua função e que o fato ocorra no Município em que o vereador exerce seu mandato.

A imunidade dos advogados diz respeito à injúria e à difamação (artigo 133 da Constituição Federal de 1988 combinado com o artigo 7.º, § 2.º, da Lei n. 8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).

Sujeito passivo

Qualquer pessoa, até mesmo o desonrado, pode ser sujeito passivo nos crimes contra a honra, pois não se pode conceber a existência de uma pessoa integralmente desonrada.

O § 2.º do artigo 138 dispõe que é punível a calúnia contra os mortos. Apesar do texto da lei, o morto não é sujeito passivo. São vítimas o cônjuge, o ascendente, o descendente e o irmão do falecido.

Menores e loucos (doentes mentais) podem ser vítimas de calúnia, pois podem praticar fatos definidos como crime.

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Calúnia contra o Presidente da República, os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, constitui delito contra a Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83).

Pergunta: A pessoa jurídica pode ser caluniada?

Resposta: Predominava o entendimento de que não podia ser caluniada, pois não praticava fato definido como crime, mas com o advento da Lei n. 9.605/98, que prevê os crimes contra o meio ambiente, passou a ser possível caluniar a pessoa jurídica, imputando-lhe falsamente a prática de crime ambiental.

1.5.3. Elemento subjetivo

É o dolo. Deve haver vontade livre e consciente de ofender. Não há crime se estiver presente o animus jocandi, animus narrandi, etc.

A figura prevista no caput do artigo 138 do Código Penal, que trata da calúnia principal ou fundamental, pune o primeiro caluniador ou caluniador originário.

Por outro lado, aquele que ouve a calúnia e, sabendo que se trata de afirmação falsa, a propala ou divulga, ainda que para uma só pessoa, incide no subtipo da calúnia, previsto no § 1.º do artigo 138 do Código Penal, que tem a mesma pena do caput. Essa figura não admite o dolo eventual, em razão da exigência que o tipo faz de que o sujeito saiba da falsidade. Propalar significa relatar verbalmente, e divulgar significa relatar por qualquer outro meio.

Aquele que toma conhecimento de uma difamação e a espalha comete nova difamação, porque não há um subtipo semelhante ao da calúnia.

1.5.4. Consumação e tentativa

Consuma-se quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa.

A tentativa é possível no caso de carta interceptada pelo próprio ofendido.

1.5.5. Diferença entre calúnia e denunciação caluniosa

A calúnia é um crime contra a honra que se configura quando o agente relata a terceiros que alguém cometeu um crime.

A denunciação caluniosa é um crime contra a administração da justiça, no qual o agente dá causa ao início de uma investigação policial ou de um processo penal contra alguém, imputando-lhe crime ou contravenção do qual é inocente (artigo 339, caput, e § 2.º, do Código Penal).

1.5.6. Exceção da verdade

Na calúnia a imputação deve ser falsa. Por isso o artigo 138, § 3.º, do Código Penal permite que o querelado (ofensor), no mesmo processo, prove que a imputação por ele feita era verdadeira. Caso consiga fazê-lo, será absolvido por atipicidade de conduta (porque a falsidade integra a descrição do tipo); se o crime

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for de ação penal pública e não estiver prescrito, serão remetidas cópias ao Ministério Público para que tome as providências pertinentes.

A exceção da verdade é uma questão incidental, seu procedimento está previsto no Código de Processo Penal, artigos 519 a 523.

Como vimos, no crime de calúnia, em regra, cabe exceção da verdade, mas a lei prevê casos em que ela não é cabível. Nos três incisos do § 3.º estão as hipóteses em que não cabe exceção da verdade:

se o crime imputado for de ação privada e o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;

se a ofensa for contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro;

se, do crime imputado, ainda que de ação pública, já foi o ofendido absolvido por sentença transitada em julgado – essa vedação existe ainda que o querelado alegue possuir novas provas e que a absolvição tenha ocorrido por insuficiência probatória.

Alguns autores entendem que essas vedações ferem o princípio constitucional da ampla defesa.

Observação: a calúnia contra o Presidente da República pode caracterizar crime contra a Segurança Nacional, de acordo com o elemento subjetivo do agente.

1.6. DIFAMAÇÃO – ARTIGO 139 DO CÓDIGO PENAL

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

1.6.1. Conceito

Imputar a alguém prática de fato desonroso, não-criminoso, verdadeiro ou falso. O fato deve ser ofensivo à reputação da vítima, ou seja, deve ter potencial de diminuir o conceito que uma pessoa goze perante a coletividade. A imputação não precisa ser falsa, como na calúnia, podendo ser verdadeira.

1.6.2. Sujeito ativo e passivo

Sujeito ativo

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Qualquer pessoa. Aqui, cabem as mesmas observações feitas no crime de calúnia quanto às pessoas que gozam imunidade e, portanto, não praticam crime contra a honra.

Sujeito passivo

Qualquer pessoa, até mesmo o desonrado.

O morto não pode ser vítima de difamação, por ausência de previsão legal.

Menores e loucos (doentes mentais) podem ser vítimas de difamação.

Pergunta: A pessoa jurídica pode ser difamada?

Resposta: Há duas posições na doutrina:

1ª) Não, pois a pessoa jurídica é uma ficção (não tem existência real), não tem reputação a ser preservada.

2ª) Sim, com base na teoria organicista da pessoa jurídica, segundo a qual a pessoa jurídica é uma realidade viva, ou seja, é sujeito de direitos e obrigações independentemente das pessoas físicas que a integram. Além disso, no artigo 23, inciso III, da Lei de Imprensa, o legislador admitiu a hipótese de crime contra “órgão”. Vale lembrar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado na Súmula n. 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Esta posição tende a predominar.

1.6.3. Elemento subjetivo

É o dolo, vontade livre e consciente de ofender. É o animus diffamandi. Não há crime se estiver presente o animus jocandi, animus narrandi etc.

Aquele que toma conhecimento de uma difamação e a espalha comete nova difamação, porque não há um subtipo semelhante ao da calúnia.

1.6.4. Consumação e tentativa

Consuma-se quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa.

A tentativa é possível no caso de carta interceptada pelo próprio ofendido.

1.6.5. Exceção da verdade

Como existe difamação mesmo que a imputação seja verdadeira, a lei não prevê a exceção da verdade nesse crime. Essa é a regra.

Há, porém, uma hipótese admitida no parágrafo único do artigo 139 do Código Penal: quando a difamação for contra funcionário público em razão de suas funções. Admite-se a exceção nesse caso, pois o Estado tem interesse de preservar a função pública.

1.7. INJÚRIA – ARTIGO 140 DO CÓDIGO PENAL

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Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

1.7.1. Conceito

Ofender a dignidade ou decoro de alguém.

No crime de injúria não há imputação de fato, mas uma adjetivação pejorativa ofensiva.

Exemplo de ofensa à dignidade (atributos morais): chamar alguém de ladrão, vagabundo, safado etc.

Exemplo de ofensa ao decoro (atributos intelectuais e físicos): chamar alguém de burro, ignorante, monstro etc.

1.7.2. Sujeito ativo e passivo

Sujeito ativo

Qualquer pessoa. Aqui cabem as mesmas observações feitas no crime de calúnia e difamação quanto às pessoas que gozam imunidade e, portanto, não praticam crime contra a honra.

Sujeito passivo

Qualquer pessoa, até mesmo o desonrado.

O morto não pode ser vítima de injúria.

A vítima deve ter a capacidade de entender o que é dignidade e decoro, pois o crime ofende a honra subjetiva. Uma criança de dois anos, por exemplo, não pode ser vítima de injúria.

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Pergunta: A pessoa jurídica pode ser vítima de injúria?

Resposta: Não, pois pessoa jurídica não tem honra subjetiva.

1.7.3. Elemento subjetivo

É o dolo, vontade livre e consciente de ofender. É o animus injuriandi.

1.7.4. Consumação e tentativa

Consuma-se quando a vítima toma conhecimento da ofensa.

A tentativa é possível quando a ofensa não chega ao conhecimento do ofendido. Processualmente é irrelevante, pois se trata de crime de ação privada.

1.7.5. Exceção da verdade

Não se admite, pois não há imputação de fato.

1.7.6. Considerações Gerais

a) Injúria real

Quando a injúria é cometida com violência ou vias de fato, que por sua natureza ou meio empregado é considerada aviltante (humilhante, apta a envergonhar, ofender), estará configurado o crime de injúria real (forma qualificada de injúria).

O artigo 140, § 2.º, do Código Penal trata da pena, dizendo que, se da violência resultar lesão, ainda que de natureza leve, haverá a soma das penas. A soma decorre de regra explícita da parte especial, pois nesse caso há concurso formal, sendo aplicada a regra do concurso material.

b) Injúria qualificada - § 3.º do artigo 140

O artigo 140, § 3.º, do Código Penal (introduzido pela Lei n. 9.459, de 13.5.1997) pune com reclusão, de 1 a 3 anos, e multa, a injúria que consistir na utilização de elementos referentes a raça, cor, origem, religião ou etnia.

A Lei n. 7.716/89 estabelece crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Ofensa a uma ou mais pessoas determinadas, utilizando-se os elementos referentes a raça, cor, origem, religião ou etnia, tipificam o crime de injúria qualificada (exemplo: “japa”, “preto” etc.). O crime de racismo previsto na Lei n. 7.716/89 estará tipificado se a ofensa for irrogada contra membros de um determinado grupo como um todo (exemplo: “todo negro é ladrão”). Outrossim, a Lei do Racismo tipifica condutas que pressupõem uma espécie de segregação em

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função da raça ou da cor da pessoa (exemplos: proibir alguém de freqüentar um clube em razão de sua cor, não permitir sua entrada em estabelecimento etc.).

c) Diferença entre injúria e desacato (artigo 331)

A injúria é uma ofensa contra qualquer pessoa, enquanto o desacato é uma ofensa contra funcionário público no exercício de suas funções ou em razão dela.

Pergunta: Existe injúria contra funcionário público?

Resposta: Sim. O artigo 141, inciso II, do Código Penal prevê aumento da pena de 1/3 (um terço) quando a ofensa é contra funcionário público e refere-se ao desempenho de suas funções.

Pergunta: Qual a diferença entre desacato e injúria contra funcionário público em razão de suas funções?

Resposta: O desacato pressupõe ofensa na presença do funcionário público e a injúria contra funcionário público só pode ser praticada em sua ausência.

d) Perdão judicial nos crimes contra a honra

É cabível na injúria, nos termos do artigo 140, § 1.º, do Código Penal. Esse benefício só é possível no caso de injúria simples, nas seguintes hipóteses:

quando o ofendido, de forma reprovável e direta, provocou a ofensa;

no caso de retorsão imediata, consistente em outra injúria (revide).

1.8. DISPOSIÇÕES GERAIS DOS CRIMES CONTRA A HONRA

Disposições comuns

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Exclusão do crime

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

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II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Retratação

Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo.

1.8.1. Causas de aumento de pena – artigo 141

O artigo 141 do Código Penal determina o acréscimo de 1/3 (um terço) da pena de todos os crimes contra a honra:

Se a ofensa for contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (trata-se de ofensa pessoal – se verificada motivação política, haverá crime contra a Segurança Nacional - Lei n. 7.170/83).

Se a ofensa for contra funcionário público em razão de sua função (não precisa estar no exercício das funções). Ainda que o funcionário esteja de folga, se a ofensa se referir às funções que exerce, haverá o aumento da pena – o aumento não incide quando a vítima não é mais funcionário público (exemplo: aposentado).

Quando a ofensa é feita na presença de várias pessoas (a doutrina entende que devem estar presentes no mínimo três pessoas, pois quando a lei quer se referir a duas ou quatro pessoas o faz expressamente, como ocorre nos seguintes exemplos: artigo 157, § 2.º, inciso II e artigo 288 do Código Penal). Nesse número não se incluem os autores do crime, nem a vítima e nem aqueles que não podem entender o significado do que foi falado.

Se o agente usa qualquer meio que facilite a divulgação. Exemplos: cartazes, panfletos, alto-falante etc. Se o meio utilizado for a imprensa, o fato será enquadrado no crime da Lei de Imprensa.

A pena será aplicada em dobro se a ofensa for praticada mediante paga ou promessa de recompensa.

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1.8.2. Hipóteses de exclusão de ilicitude – artigo 142 do Código Penal

Há três hipóteses de exclusão da ilicitude aplicáveis somente para a injúria e a difamação:

“I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.”

Em juízo significa qualquer juízo (trabalhista, civil, penal etc.), não se aplicando ao inquérito policial, à CPI, ao inquérito civil etc. Haverá imunidade se a ofensa for proferida dentro dos autos.

Na discussão da causa implica a existência de um nexo de causalidade entre a ofensa feita e o ponto tratado nos autos. Exclui-se a ilicitude da conduta, independentemente da pessoa ofendida, mesmo se for o juiz. A jurisprudência majoritária, entretanto, diverge no sentido de que a ofensa contra o juiz caracteriza o crime, por ser necessário respeito à pessoa que preside o processo de forma imparcial.

Pela parte ou pelo procurador trata da possibilidade da exclusão da ilicitude do ato praticado por terceiro interveniente, pois a palavra “parte” é usada em sentido amplo.

O artigo 7.º, § 2.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil traz norma mais abrangente para os advogados, estabelecendo que não cometem injúria ou difamação (ficou de fora a calúnia) em juízo ou fora dele, quando no exercício regular de suas atividades. A lei amplia a exclusão da ilicitude para as hipóteses de inquérito policial, inquérito civil, CPI etc. A lei n. 8.906/94 também prevê imunidade penal do advogado no crime de desacato, mas o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional o preceito e o suspendeu parcialmente no que tange a esse crime.

“II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar.”

Esse inciso é aplicável quando a opinião desfavorável é emitida em palestras, livros etc., porque, quando feita na imprensa, aplica-se a Lei de Imprensa (artigo 37, inciso I).

“III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.”

Atenção: Ver conceito de funcionário público no artigo 327 do Código Penal.

O parágrafo único do artigo 142 dispõe que nas hipóteses dos incisos I e III responde pelo crime quem dá publicidade ao fato.

1.8.3. Retratação – artigo 143 do Código Penal

Trata-se de causa extintiva da punibilidade, prevista no artigo 107, inciso VI, do Código Penal. Só é possível na calúnia e na difamação. A retratação na injúria não gera nenhum efeito.

Retratar significa retirar o que foi dito.

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Pergunta: A retratação precisa ser aceita para gerar efeitos?

Resposta: Não, basta que seja completa e incondicional.

Se há dois ofensores e apenas um se retrata, por ser circunstância de caráter subjetivo, não haverá comunicação, ou seja, não aproveitará ao outro.

A retratação, para gerar efeito, deve ocorrer antes da sentença de primeiro grau. Após, será inócua.

A retratação, nos crimes contra a honra, só é possível nos crimes de ação privada, pois o artigo se refere ao “querelado”. Há, porém, uma hipótese de retratação em crime de ação penal pública, prevista no artigo 342, § 3.º (crime de falso testemunho).

1.8.4. Pedido de explicações – artigo 144 do Código Penal

Quando uma ofensa não mostrar explicitamente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, deixando dúvida quanto à sua significação, é permitido àquele que se julgar ofendido pedir explicações em juízo. É uma medida preliminar, porém, não obrigatória para propositura da ação penal. Recebido o pedido, o juiz designará audiência para que o ofensor esclareça suas afirmações.

O pedido de explicações se equipara a uma notificação judicial – não há julgamento, porque não comporta juízo de valor. Oferecida a resposta ou mesmo sem essa, o juiz entregará os autos ao requerente para que tome as providências que entender pertinentes.

A interposição desse pedido não interrompe o prazo decadencial.

O pedido de explicações torna o juízo prevento para eventual propositura da queixa-crime.

O artigo 144, segunda parte, do Código Penal estabelece que o ofensor que não oferece resposta ou, a critério do juiz, não as dá de forma satisfatória, responde pela ofensa.

1.8.5. Ação penal nos crimes contra a honra – artigo 145 do Código Penal

A regra é a ação penal privada.

Exceções:

Se a ofensa for contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro, a ação é pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça.

Se a ofensa for contra funcionário público em razão de suas funções, a ação penal é pública condicionada à representação. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, admite a ação penal privada, fundamentando que a ação penal pública condicionada é um benefício trazido pela lei ao funcionário ofendido em razão de suas funções, para que não tivesse

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gastos com o processo, podendo aquele abdicar desse direito e propor a queixa-crime.

No crime de injúria real, se a vítima sofrer lesões, o agente responderá pelos dois crimes (injúria e lesões). A ação penal é pública incondicionada. Atente-se que a Lei n. 9.099/95 transformou a lesão leve em crime de ação penal pública condicionada à representação. Assim, se na injúria real houver lesões leves, a ação penal passa a ser pública condicionada. Se ocorrer vias de fato, a ação penal será privada, seguindo a regra do caput do artigo 145 do Código Penal.

Pergunta: Qual o efeito do perdão do ofendido, funcionário público, injuriado em razão de sua função?

Resposta: Nenhum, pois a ação em andamento é pública (vítima é o funcionário público) e o perdão gera efeito somente na ação penal privada.

1.8.6. Formas de ofensa (calúnia, difamação e injúria)

Ofensa explícita ou inequívoca: é a direta, que não deixa margem de dúvida quanto ao seu significado e seu teor ofensivo.

Implícita ou equívoca: aquela que não deixa claro o significado e o seu teor ofensivo. Nessa cabe o pedido de explicação.

Reflexa: ocorre quando uma pessoa quer ofender alguém, mas, na narrativa, acaba atingindo outra pessoa.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO VI

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

1. CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ARTIGO 146 DO CÓDIGO PENAL

Constrangimento ilegal

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

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§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II - a coação exercida para impedir suicídio.

Caracteriza-se quando o agente emprega violência, grave ameaça ou qualquer outro recurso que reduza a capacidade de resistência da vítima, para obrigá-la a fazer algo que a lei não manda ou deixar de fazer algo que a lei permite. Exemplo: constranger alguém a dançar.

Exemplos de recursos que reduzem a capacidade de resistência da vítima: sonífero, hipnose, álcool etc.

A pena é detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa.

Trata-se de infração de menor potencial ofensivo a ser julgado pelo Juizado Especial Criminal.

O crime de constrangimento ilegal é subsidiário e se configura se não constituir crime mais grave. Exemplo: artigos 158; 161, inciso II; 213; 214 e 219, todos do Código Penal.

2.1.1. Crimes mais graves que absorvem o constrangimento ilegal

Seqüestro e cárcere privado (artigo 148): estará configurado se a vítima for privada de sua liberdade por tempo juridicamente relevante.

Extorsão (artigo 158): a extorsão pressupõe intenção do agente de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.

Tortura (artigo 1.º, inciso I, alínea “b”, da Lei n. 9.455/97): configura o crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa. Nesse caso, o agente também responderá pelo crime cometido. Se o agente obrigar a vítima a cometer contravenção, responderá pela contravenção e pelo delito de constrangimento ilegal.

2.1.2. Sujeito ativo

Qualquer pessoa, exceto se o fato for praticado por funcionário público no exercício de suas funções, quando poderá estar configurado o crime de abuso de autoridade (artigo 3.º da Lei n. 4.898/65).

2.1.3. Sujeito passivo

Qualquer pessoa, desde que tenha capacidade de dissentir do agente. Não há que se falar em constrangimento ilegal, por exemplo, no caso de alguém que leva o ébrio para casa.

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2.1.4. Consumação e tentativa

O crime se consuma no momento em que a vítima faz ou deixa de fazer o que o agente determinou. Trata-se de crime material.

A tentativa é possível.

2.1.5. Aumento da pena

O § 1.º do artigo 146 dispõe que as penas serão aplicadas cumulativamente (detenção e multa) e em dobro nas seguintes hipóteses:

se para a execução do crime reúnem-se mais de 3 pessoas;

se há emprego de armas; não se exige mais de uma arma, porque a lei faz menção ao gênero e não ao número.

O § 2.º do artigo 146 dispõe que se da violência resultarem lesões corporais, o agente responderá pelos dois crimes. Na realidade, há concurso formal, mas a lei manda somar as penas.

2.1.6. Causas especiais de exclusão da tipicidade

O § 3.º do artigo 146 diz que não haverá crime:

na realização de intervenção médica ou cirúrgica, ainda que sem o consentimento do paciente ou seu representante, se justificada por iminente risco de vida;

na coação empregada para impedir suicídio.

2.2. AMEAÇA – ARTIGO 147 DO CÓDIGO PENAL

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação

Segue o rito da Lei n. 9.099/95.

É crime de ação penal pública condicionada à representação.

Trata-se de tipo subsidiário, que fica absorvido quando o fato constitui crime mais grave.

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O crime de ameaça pode ser praticado por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico.

O mal a ser provocado tem de ser injusto, grave e verossímil.

Grave: é aquele que atinge um bem jurídico relevante. Exemplo: ameaça de morte, de agressão, de colocar fogo na casa.

Injusto: não tem apoio legal. O mal não será injusto se o credor diz que vai processar o devedor.

O mal injusto configura elemento normativo, dependendo da análise do juiz, caso a caso.

A lei traça estes dois requisitos: o mal deve ser grave e injusto. A doutrina e a jurisprudência entendem que o mal também deve ser verossímil, ou seja, possível de ser cumprido.

Não é necessário que o agente queira concretizar o mal prometido à vítima, porque a intenção é de amedrontá-la; no entanto, deve ser possível cumprir a ameça, caso contrário, ela deixa de ser verossímil.

Pergunta: Se o agente estiver embriagado ou tomado por ira, há crime?

Resposta: Há 2 correntes:

Há crime, pois o artigo 28 do Código Penal estabelece que a embriaguez e a emoção não excluem a imputabilidade.

Não há crime, pois a ameaça exige ânimo calmo e refletido.

A posição majoritária é a segunda, que entende que não há crime.

Observação: A mesma polêmica é encontrada no crime previsto no artigo 331 do Código Penal (desacato).

2.3. SEQÜESTRO OU CÁRCERE PRIVADO – ARTIGO 148 DO CÓDIGO PENAL

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

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IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)

V - se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)

§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Trata-se de tipo subsidiário, será aplicado sempre que a infração não constituir crime mais grave. Importa na privação da liberdade de ir e vir de alguém. Difere da extorsão mediante seqüestro porque, nessa, a privação da liberdade tem como finalidade a obtenção de uma vantagem econômica, não prevista no delito do artigo 148 do Código Penal.

Não se confunde também com o rapto violento, em que a privação da liberdade tem como sujeito passivo a mulher honesta e a finalidade específica de praticar atos libidinosos.

O delito descrito no artigo 148 do Código Penal é crime permanente, o que possibilita a prisão em flagrante a qualquer momento.

A consumação ocorre com a privação da liberdade da vítima, ainda que por curto espaço de tempo. Há, no entanto, entendimento no sentido de que para haver crime a vítima deve ser privada de sua liberdade de locomoção por tempo juridicamente relevante.

Não é requisito que a vítima seja levada a um local; pode não haver deslocamento, mas mera retenção.

A tentativa é possível, desde que o sujeito não consiga privar a vítima da liberdade.

2.3.1. Diferença entre seqüestro e cárcere privado

O seqüestro não implica confinamento (manter a vítima em um sítio, em uma praia, por exemplo).

No cárcere privado, a vítima fica em recinto fechado, enclausurado (exemplo: a vítima é confinada em quarto fechado).

2.3.2. Qualificadoras

O § 1.º do artigo 148 dispõe que a pena é de 2 a 5 anos de reclusão se:

o agente é cônjuge, ascendente ou descendente da vítima;

o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital, podendo ser cometido por qualquer pessoa, inclusive o médico;

a privação da liberdade dura mais de 15 dias.

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Pelo § 2.º do artigo em exame, a pena será de reclusão de 2 a 8 anos se:

resultar à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral. Exemplo: ficar privada de comida, água, condições mínimas de higiene etc.

Se a vítima sofrer lesão grave ou morrer em razão dos maus-tratos, o agente responderá por lesão corporal grave ou homicídio em concurso material com o crime de seqüestro (simples). Serão aplicadas as penas dos dois crimes autônomos, mas sem a qualificadora do parágrafo em questão para não haver bis in idem.

REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Está previsto no art. 149 do CP, é crime permanente e especial de seqüestro.

O art. 149 do CP define o delito de plágio ou redução a condição análoga à de escravo com a seguinte redação: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo".

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Plágio é a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra. O legislador protege a liberdade em todas as suas formas de exteriorização. Não se trata de o sujeito submeter a vítima à escravidão. O texto legal se refere a "condição análoga à de escravo": fato de o sujeito transformar a vítima em pessoa totalmente submissa à sua vontade, como se fosse escravo. O tipo não visa uma situação jurídica, mas sim a um estado de fato.

O consentimento do ofendido é irrelevante, uma vez que a situação de liberdade do homem constitui interesse preponderante do Estado.

SUJEITOS DO DELITO:

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo. A norma incriminadora não faz nenhuma restrição ou exigência quanto à qualidade pessoal do autor ou do ofendido.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

O fato só é punível a título de dolo, que consiste na vontade de exercer domínio sobre outra pessoa, suprimindo-lhe a liberdade de fato, embora permaneça ela com a liberdade jurídica.

Q UALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

O plágio é delito comum, simples, comissivo, permanente, material e de forma livre.

Delito comum, o plágio pode ser praticado por qualquer pessoa, não exigindo o tipo nenhuma referência pessoal.

Simples, o tipo protege o direito à liberdade.

Trata-se de crime comissivo, não admitindo a modalidade omissiva.

A lesão jurídica perdura no tempo. Por isso, cuida-se de crime permanente.

Crime material, exige a produção do resultado visado pelo sujeito ativo, qual seja, a efetiva redução da vítima a condição semelhante à de escravo.

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Por fim, é crime de forma livre, admitindo qualquer forma de execução material.

CO NSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge o momento consumativo quando o sujeito reduz a vítima a condição análoga à de escravo. Admite-se a tentativa. Ex.: a conduta do sujeito é interrompida quando está transportando a vítima a fim de servir-lhe, como se fosse escravo, em determinado lugar.

P ENA E AÇÃO PENAL:

O autor do plágio sofre pena de reclusão, de dois a oito anos. A ação penal é pública incondicionada.

3. CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

3.1. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO – ARTIGO 150 DO CÓDIGO PENAL

Violação de domicílio

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.

§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:

I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;

II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

§ 4º - A expressão "casa" compreende:

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I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

Trata-se de mais uma espécie do gênero “crimes contra a liberdade individual”. A lei tutela a inviolabilidade da casa do indivíduo, segundo preceito da Constituição Federal (artigo 5.º, inciso XI).

3.1.1. Ação nuclear

Trata-se de crime de ação múltipla:

entrar: ingressar efetivamente no domicílio;

permanecer: pressupõe que o agente já se encontre no interior do domicílio com permissão legal ou do dono da habitação, e no momento em que sua permanência passe a ser indesejada, o agente se recuse a sair.

Se o agente entrar clandestinamente e, ao ser descoberto, insistir em permanecer na habitação, haverá crime único.

3.1.2. Elementos normativos do tipo

A entrada ou permanência pode ser:

clandestina: quando realizada sem conhecimento do morador;

astuciosa: quando o agente emprega artifício, fraude ou ardil para obter o consentimento do morador (disfarce, por exemplo);

ostensiva: quando realizada contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito (por meio de violência, por exemplo).

3.1.3. Objeto material

O § 4.º do artigo 150 esclarece o que se entende por “casa”:

qualquer compartimento habitado: apartamento, casa etc.;

aposento ocupado de habitação coletiva: cortiços, quarto de hotéis e pensionatos etc.;

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compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade: consultórios médicos, escritórios de advocacia, de contabilidade etc.;

dependência da casa: quintal, jardim, garagem etc.;

Nos termos do § 5.º, não se compreendem na expressão “casa”:

hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do inciso II do parágrafo anterior: sala de espera de um hotel, por exemplo;

taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero: locais públicos tais como bares, restaurantes, lanchonetes etc.

3.1.4. Sujeito ativo e passivo

Sujeito ativo: trata-se de crime comum. O proprietário pode ser autor do delito se a posse estiver legitimamente com terceiro.

Sujeito passivo: a conduta deve ser realizada contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito. Via de regra, esse direito cabe aos cônjuges e na falta desses aos ascendentes, descendentes, primos, tios, sobrinhos, empregados ou alguém que os represente.

3.1.5. Elemento subjetivo

É o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de entrar ou permanecer em casa alheia ou em suas dependências, sem o consentimento de quem de direito.

3.1.6. Consumação e tentativa

Trata-se de crime de mera conduta. Na conduta entrar é crime instantâneo e na conduta permanecer é crime permanente.

A tentativa é admissível em tese, embora seja difícil sua configuração.

3.1.7. Formas

Simples

É a forma dolosa do caput do artigo 150 do Código Penal, que prevê pena de detenção, de um a três meses, ou multa.

Qualificada

Está prevista no § 1.º. A pena é a de detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência, se o crime é cometido:

durante a noite: das 18:00 às 6:00;

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ou em lugar ermo: local despovoado, deserto;

ou com o emprego de violência: contra a pessoa ou contra a coisa. A grave ameaça não autoriza o aumento de pena;

ou com o emprego de arma: arma de fogo, punhal etc.;

ou por duas ou mais pessoas: duas pessoas devem praticar a conduta de entrar ou permanecer, logo, não se admite a participação.

3.1.8. Causa de aumento de pena

O § 2.º prevê aumento da pena de um terço se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso de poder. Ressalte-se que a Lei n. 4.898/65, no artigo 3.º, alínea “b”, considera abuso de autoridade qualquer atentado à inviolabilidade domiciliar. Assim, tratando-se o agente de autoridade de que fala a lei, responderá nos termos da referida lei em face do princípio da especialidade.

3.1.9. Causas de exclusão da ilicitude

Estão previstas no § 3.º. O fato será típico, mas não será ilícito se a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências ocorrer:

durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência:

a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

O artigo 5.º, inciso XI, da Constituição Federal, prevê outras causas excludentes: em caso de desastre e para prestar socorro. Trata-se também de hipóteses de estado de necessidade.

3.1.10. Concursos de crimes

A violação de domicílio é um crime subsidiário. Se a violação for meio para executar crime mais grave (furto, roubo, estupro, por exemplo), o crime-meio será absorvido pelo crime-fim. O mesmo não ocorre se o ingresso for realizado com a finalidade de praticar crime menos grave ou contravenção.

DOS CRIMES CONTRA AINVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA

VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA

Violação de correspondência

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Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Sonegação ou destruição de correspondência

§ 1º - Na mesma pena incorre:

I - quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói;

Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica

II - quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;

III - quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior;

IV - quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal.

§ 2º - As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem.

§ 3º - Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 4º - Somente se procede mediante representação, salvo nos casos do § 1º, IV, e do § 3º.

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA :

O bem jurídico protegido é a liberdade de comunicação do pensamento.

Tratando-se de espionagem que importa à Segurança Nacional, de aplicar-se os arts. 13 e 14 da Lei n° 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional).

CORRESPONDÊNCIA:

O objeto material do delito é a correspondência, que compreende a carta, bilhete, telegrama etc. É necessário que seja fechada, em face da exigência legal: "devassar o conteúdo de correspondência fechada”. Não configura o delito a leitura de carta cujo envelope se encontra aberto. Quando isso acontece, o remetente, de forma tácita, renuncia ao interesse de resguardar o seu conteúdo do conhecimento de terceiros.

O código protege a correspondência, independentemente da violação do segredo. Isso significa que o legislador, aqui, não está resguardando o segredo, mas exclusivamente o direito que tem o cidadão de transmitir o seu pensamento sem a intromissão de terceiros.

A correspondência pode ser particular ou oficial.

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É necessário que a correspondência seja atual. Assim, não constitui o delito a devassa praticada por alguém que encontra uma carta perdida há dezenas de anos e dirigida por alta personalidade histórica a outrem.

É preciso que a carta tenha destinatário especifico. Não há o crime quar se trata de carta dirigida ao povo, aos eleitores, aos católicos etc.

Não importa o idioma em que a correspondência esteja contida.

SUJEITOS DO DELITO:

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, desde que não seja o remetente ou o destinatário. Portanto, o sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo pode ser o destinatário ou o remetente.

Trata-se de crime de dupla subjetividade passiva. Sujeitos passivos são, ao mesmo tempo, o remetente e o destinatário. Enquanto a correspondência não chega às mãos do destinatário, pertence ao remetente. Assim, enquanto esse fato não ocorre, qualquer comportamento do remetente ou constitui ilícito administrativo ou indiferente penal. O falecimento do remetente não exclui a infração penal. O falecimento do destinatário ou sua ausência também não exclui o delito.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

Não há necessidade de abrir a carta, a carta deve Ter conteúdo específico, pois a carta destinada a todos não pode ser meio para o crime de violação.

O núcleo do tipo é o verbo "devassar", que significa tomar conhecimento. Não é necessário, tratando-se de correspondência por palavra escrita, que o violador leia o conteúdo da correspondência. Basta que tome conhecimento de seu conteúdo. Se não fosse assim, não poderiam praticar crime o cego e o analfabeto. A tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência pode ser feita por qualquer forma. O sujeito pode conhecer o conteúdo de uma carta apalpando o que existe em seu interior, como dinheiro etc. Em regra, a devassa é feita por intermédio da abertura da carta. Nada impede, porém, que o sujeito aja de forma diferente, como colocar a carta contra a luz de uma lâmpada para conhecer-lhe o conteúdo.

Obs: Se a correspondência se encontra em língua que o agente não conhece, ou há mensagem em código, a doutrina afirma ser crime impossível. Outros admitem a possibilidade de tentativa como por exemplo iniciar a tradução da carta e ser interrompido.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

O crime só é punível a título de dolo, que consiste na vontade livre e consciente de devassar a correspondência alheia, abrangendo o conhecimento da ilegitimidade da conduta. O erro de tipo exclui a tipicidade do comportamento. É possível que o sujeito abra correspondência de terceiro supondo tratar-se de correspondência própria. Nessa hipótese, como o dolo integra o tipo, não tendo o sujeito agido com esse elemento subjetivo, fica excluída a tipicidade.

ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO:

A figura típica possui um elemento normativo, contido na expressão "indevidamente". Para que o fato seja típico, é necessário que o sujeito não tenha direito à tomada de conhecimento da correspondência. Em determinadas hipóteses,

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a violação é permitida pelo ordenamento jurídico, caso em que não há falar-se em infração penal.

A CF vigente, no art. 5º, XII, diz "ser inviolável o sigilo da correspondência", sem abrir exceção. Não obstante, entendemos que não há garantias constitucionais absolutas, podendo a legislação ordinária abrir-lhe exceções. Exs.: o curador pode ler carta dirigida ao doente mental; o pai pode ler uma correspondência dirigida à filha menor. No caso de uma família onde se encontra uma pessoa extremamente doente, que está esperando correspondência em que consta a indicação de um remédio que a pode curar, na ausência dos familiares, nada impede que um terceiro lhe leia o conteúdo. A devassa é, pois, devida, nos casos de estado de necessidade e exercício regular de direito.

Assim, a Lei nº 6.538, já referida, em seu art. 10, determina não haver crimes nas seguintes hipóteses:

1. Abertura de correspondência endereçada a homônimo, com endereço igual (caso que, na verdade, é exemplo de erro de tipo);

2. Suspeita de a correspondência conter material sujeito a imposto, proibido ou não declarado, realizando-se a abertura na presença do remetente ou destinatário;

3. Impossibilidade da restituição ao remetente ou da entrega ao destinatário, abrindo-se a correspondência antes de ser inutilizada.

Se se tratar de funcionário público o crime poderá ser de abuso de autoridade na forma do art. 3o, c lei 4898.

Os incisos II, III e IV não foram alterados e continuam em vigor, assim, constitui crime.

O inciso II e o art. 10 da lei 9296 que cuida da interceptação telefônica, há quem entenda que o art. 10 da lei teria revogado o art. 151 δ 1o, II do CP no que tange a conversação telefônica, mas para o MP falar que não houve a revogação, pois são figuras diferentes, pois um coisa é fazer a interceptação telefônica e outra é divulgar a interceptação telefônica.

A lei pune a conduta de impedir a conversação telefônica no inciso III do δ 1o do art. 151, pode ser feito confronto com o art. 226 do CP, a diferença é que no art 152, impede-se a conversação de pessoas determinadas, mas se for por exemplo um corte do cabo telefônico que deixa uma cidade sem telefone, responde pelo crime do art. 226.

O marido pode ler carta dirigida à mulher? Cremos que não há delito. A vida em comum produz tal comunhão de interesses, de intimidade entre os cônjuges, que é incorreto afirmar-se existir delito quando, por exemplo, a mulher lê uma carta dirigida ao marido. Pode ser um ato indelicado, mas não criminoso. Nos termos do art. 231, II, do CC, a vida em comum é dever de ambos os cônjuges. Em face disso, não se pode dizer que o conteúdo de uma correspondência seja dirigido exclusivamente a um deles.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINARIA:

A violação de correspondência é crime comum, simples, de dupla subjetividade passiva, instantâneo, comissivo e de mera conduta.

Comum, pode ser cometido por qualquer pessoa.

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Simples, atinge um só bem jurídico; a liberdade de comunicação do pensamento.

De dupla subjetividade passiva, tem dois sujeitos passivos: o remetente e o destinatário.

Instantâneo, consuma-se no momento da tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência, esgotando-se aí a lesão jurídica.

É delito comissivo, exigindo conduta comissiva. Não admite omissão.

De mera conduta, o tipo não faz qualquer referência a nenhum efeito do comportamento.

MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA:

Consuma-se o delito com a tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência.

A tentativa é admissível. Suponha-se que o sujeito seja interrompido por terceiro quando está violando o lacre de uma carta para tomar conhecimento do seu conteúdo.

PENA E AÇÃO PENAL:

A sanção penal, de acordo com o art. 40 da Lei nº 6.538/78, é de detenção, até seis meses, ou pagamento não excedente a vinte dias-multa. Estranhamente, a lei comina pena de detenção, "até seis meses". Não indica o mínimo legal, talvez na crença que estivesse em vigor o CP de 1969, que, em seu art. 37, § lº, rezava: "o mínimo da pena de detenção é de quinze dias". Como a lei não pode, no caso, ser interpretada restritivamente, de entender-se que juiz pode até aplicar a pena de l dia de detenção. A pena é, então, de l dia a 6 meses de detenção.

Se o sujeito pratica o fato com abuso de função ou prevalecendo-se do cargo, incide uma agravante genérica, ficando ao critério do juiz o quantum da exasperação da pena (art. 43 da Lei n° 6.538/78).

A ação penal é pública condicionada à representação (CP, art. 151, § 4°, mantido pela lei nova, art. 48).

Correspondência comercial

Art. 152 - Abusar da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo:

Pena - detenção, de três meses a dois anos.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

O objeto jurídico é o sigilo da correspondência mercantil.

O sujeito ativo é próprio (somente o sócio ou o empregado), que deve ter relação contratual com o sujeito passivo (a empresa).

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A maior parte dos mestres considera como núcleos as condutas de desviar, sonegar, subtrair e revelar. Para esta corrente o abuso (atitude indevida) constitui elemento subjetivo do tipo. Assim o crime se consumaria com aquelas condutas, exigindo-se, porém, perigo de dano.

Admite-se a tentativa.

A ação penal é pública condicionada (parágrafo único).

Para considerar: A estrutura do tipo aponta exatamente na direção inversa da adotada pela maioria. Com efeito, o texto incrimina a conduta de abusar (agir indevidamente) da condição de empregado ou sócio (dolo específico) desviar, sonegar, subtrair correspondência ou revelar a estranho o seu conteúdo. Por este prisma o crime se consuma já com o abuso (ex: retirar a correspondência do cofre, levando-a para casa, com o fim de revelar seu conteúdo ao concorrente).

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS

Divulgação de segredo

Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 1o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Prevista no art. 153 do CP, é crime formal, é a divulgação de segredo, o crime é próprio de quem é destinatário ou detentor da informação.

Constitui delito o fato de divulgar a alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem (CP, art. 153).

A objetividade jurídica é o resguardo de fatos da vida cujo conhecimento pode causar dano à terceiro. O CP, em outras disposições, protege também o segredo, não de forma imediata como ocorre aqui, mas de maneira secundária. Isso ocorre nos crimes descritos nos arts. 186, § l°, XII, 325 e 326, todos do CP.

SUJEITOS DO DELITO:

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Sujeito ativo do delito é o detentor ou destinatário do segredo. Trata-se, assim, de crime próprio. O fato não pode ser cometido por qualquer pessoa. Como diz a Exposição de Motivos do CP de 1940, "ao incriminar a violação arbitrária de segredos, o Projeto mantém-se fiel aos moldes do Código em vigor, salvo uma ou outra modificação. Deixa à margem da proteção penal somente os segredos obtidos por confidencia oral e não necessária" (n° 54).

Assim, ficam fora da proteção penal as confidencias obtidas por meio verbal. Isso porque o art. 153 do CP fala em divulgar conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que o sujeito é destinatário ou detentor. É necessário que a confidencia tenha sido manifestada ao destinatário ou ao detentor por intermédio de documento particular ou de correspondência confidencial. Diante disso, é claro que fica fora da descrição típica a narração de segredo por intermédio de meio oral.

Sujeito passivo é aquele que pode sofrer dano em conseqüência da conduta do sujeito. De acordo com a descrição típica, é preciso que a divulgação "possa produzir dano a outrem". Esse "outrem" é o sujeito passivo do delito. Pode ser o remetente, o destinatário ou terceiro qualquer.

ELEMENTOS OBJETIVOS E NORMATIVO DO TIPO:

Divulgar é narrar alguma coisa a um número indeterminado de pessoas. Não há crime quando o sujeito relata o segredo, de que soube por intermédio de correspondência confidencial ou documento particular, a uma só terceira pessoa. Não importa a forma de narração. O sujeito pode narrar o segredo pela imprensa, televisão, rádio, palavra ao público etc.

É necessário que o segredo esteja contido em documento particular ou correspondência confidencial (não é punível a divulgação do segredo conhecido oralmente). Tratando-se de documento público, não há esse delito, podendo ocorrer outro (ex.: violação de sigilo funcional — CP, art. 325). Quando a correspondência não é confidencial, também inexiste a figura típica. A natureza confidencial da correspondência não fica a critério do remetente. É necessário que a correspondência contenha um segredo, que consiste no fato que, pela sua natureza, deve ficar a coberto do conhecimento de terceiro.

A descrição do crime de divulgação de segredo contém elemento normativo previsto na expressão "sem justa causa". Significa que a divulgação só é incriminada quando o sujeito ativo não tem justo motivo para a prática do fato. Exemplos de justa causa: consentimento do interessado, comunicação ao judiciário de crime de ação pública, dever de testemunhar em juízo, defesa de direito ou interesse legítimo, comprovação de crime ou sua autoria etc. Nesses casos, a ausência no fato concreto do elemento normativo conduz à atipicidade da conduta.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO :

O fato só é punível a título de dolo, que consiste na vontade livre e consciente de divulgar a alguém o conteúdo da correspondência, abrangendo o

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conhecimento da ilegitimidade do comportamento, de sua qualidade confidencial e da probabilidade de dano a terceiro. Não é inadmissível a figura culposa.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Trata-se de crime formal. Consuma-se no momento da realização da conduta, independentemente da produção de qualquer resultado. Desta forma, para existência do delito, não é necessário que a divulgação cause prejuízo econômico ou moral a terceiro. Tanto assim que o CP usa a expressão "cuja divulgação possa produzir dano a outrem".

MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA:

Consuma-se o delito no momento em que o sujeito narra o segredo a um número indeterminado de pessoas. A tentativa é admissível. Ex.: o sujeito está fixando um cartaz em que relata um segredo quando é interceptado pelo interessado.

PENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de detenção, de um a seis meses, ou multa.

Nos termos do parágrafo único do art. 153 do CP, somente se procede mediante representação. Trata-se, assim, de crime de ação penal pública condicionada à representação.

ATENÇÃO: Como o δ 1o é novatio legis incriminadora, deve-se tomar cuidado na prova. Esse crime não é necessariamente funcional, somente em tese, o crime dependerá de representação, mas se houver prejuízo para a administração pública, a ação penal será pública incondicionada.

Violação do segredo profissional

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Nos termos do art. 154 do CP, constitui crime revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, oficio ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.

O CP protege o segredo profissional. Há casos em que a pessoa que se torna confidente de um segredo, em razão de função, ministério, oficio ou profissão, tem obrigação legal de resguardá-lo do conhecimento público. Isso ocorre nas hipóteses, v. g., do criminoso confessar a seu advogado a autoria de um crime, ou de um doente vir a revelar a seu médico doença grave e contagiosa de que esteja acometido, .ou de alguém confessar a seu sacerdote a prática de ato indecoroso, ou de o dono de um cofre revelar ao serralheiro o seu segredo etc. Nesses casos,

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se a revelação do segredo profissional fosse elevada à categoria de norma genérica do comportamento, isso, se não impossibilitasse de todo a vida em sociedade, pelo menos a dificultaria de forma grave.

SUJEITOS DO DELITO:

O sujeito ativo será o profissional, como médico, padre, advogado, o crime é formal e depende de representação, para efeito de confronto, há artigos específicos como art. 325 do CP, art. 17 da lei 6368/76, art. 18 da lei 7492/96, art. 21 lei 7170/83 e art. 10 lei 9296/96.

Portanto, os sujeitos ativos do crime são os confidentes necessários, pessoas que recebem o conteúdo do segredo em razão de função, ministério, oficio ou profissão. Dizem-se confidentes necessários porque, em razão de sua atividade especifica, normalmente tomam conhecimento de fatos particulares da vida alheia. É o caso do médico, do dentista, do advogado, do engenheiro, do sacerdote etc. Na hipótese do sacerdote, por exemplo, é inerente ao exercício de seu ministério a tomada de conhecimento de segredos alheios.

FUNÇÃO é a incumbência determinada a uma pessoa, em face de lei, imposição judicial ou contrato, haja remuneração ou não. Exs.: função de tutor, curador ou de depositário judicial.

MINISTÉRIO é a incumbência determinada por uma situação de fato e não de direito. Exs.: sacerdote, irmã de caridade etc.

OFÍCIO é a atividade eminentemente manual.

PROFISSÃO é toda e qualquer forma de atividade habitual, exercida com fim de lucro (Nelson Hungria).

O crime de violação de segredo profissional diz respeito à atividade privada. Tratando-se de atividade pública (crime cometido por funcionário público), poderão ocorrer três hipóteses:

1) O agente pode responder pelo crime do art. 325 do CP;

2) Praticar o delito do art. 326 do CP; ou 3

3) O fato constituir irrelevante penal.

Alguns profissionais possuem necessariamente auxiliares. Assim, v.g., o médico possui enfermeiras; o advogado, secretária. Nada impede a existência do crime se praticam a revelação, uma vez que estariam tomando conhecimento do segredo em razão do exercício de profissão.

Sujeito passivo é o que pode sofrer prejuízo em razão da revelação. Pode ser o titular do segredo ou um terceiro.

ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

O núcleo do tipo é o verbo revelar, que significa contar o segredo a alguém. Ao contrário do que ocorre no crime descrito no art. 153 do CP, a revelação não exige que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento do segredo. Basta que o sujeito conte o conteúdo do segredo a um terceiro e o delito está perfeito. Os meios de revelação não importam, podendo ser por forma escrita, oral, gesto etc.

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Exige-se nexo de causalidade entre a ciência do segredo e o exercício das atividades enumeradas. O modo de conhecimento do segredo não importa. Tanto faz que o confidente necessário saiba do fato por escrito, como oralmente, ou de outro modo, como, por exemplo, compulsando um documento. Exige-se, porém, nexo causai necessário entre o exercício da função, ministério, ofício ou profissão, e a ciência do segredo. Assim, suponha-se que o sujeito exerça a função de curador de incapaz. Para que exerça esse mister é necessário que venha a conhecer certos fatos da vida do curatelado, como, por exemplo, ser filho adulterino. Revelando esse fato a terceiro, incide na pena do art. 154 do CP. O mesmo ocorre com o ministério. O confessor ouve do confidente a revelação de certos fatos de sua vida privada, e que tem interesse de que não cheguem ao conhecimento de terceiro. Nas duas hipóteses, o exercício da função, do ministério, leva a pessoa a saber de certos fatos secretos. Entretanto, se um sacerdote, ao assistir uma peça teatral, vier a saber por intermédio de seu parceiro, de um segredo, não estará obrigado a guardá-lo. Não houve, no caso, nexo de causalidade entre o exercício do ministério e o conhecimento do fato secreto.

QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por determinadas pessoas, que tomam conhecimento de segredo em razão de função, ministério, oficio ou profissão. É crime formal. Para a sua realização, não é necessário que se produza o resultado previsto no tipo, qual seja, o dano a outrem. É suficiente que o sujeito realize a conduta, revelando o segredo que "pode" causar dano a terceiro.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

O fato só é punível a título de dolo, que consiste na vontade livre e consciente de revelar o segredo nas condições objetivas descritas no tipo, abrangendo o conhecimento da ilegitimidade da conduta e da probabilidade de dano a terceiro. Inexiste a figura culposa.

ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO:

A revelação do segredo profissional só é típica quando realizada "sem justa causa", que constitui o elemento normativo do tipo. Assim, não há tipicidade do fato por ausência do elemento normativo nas hipóteses de consentimento do ofendido, do art. 269 do CP, estado de necessidade e exercício regular de direito. Quanto ao consentimento do ofendido, de ver-se que em certos casos a lei não o admite como justa causa para a revelação. É o que ocorre com o médico (Código de Ética Médica, art. 36), e o advogado (EOAB, art. 87, XVI).

DANO:

É indiferente que a possibilidade de dano atinja um interesse público, privado, patrimonial ou moral. É necessário, porém, que seja injusto.

MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA :

Consuma-se o delito no momento em que o sujeito revela a um terceiro conteúdo do segredo. Quando o crime é praticado por meio de revelação escrita, a figura da tentativa é admissível.

P ENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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De acordo com o art. 154, parágrafo único, do CP, somente se procede mediante representação, Trata-se de ação penal pública condicionada.

Não pode ser instaurado inquérito policial sem que o ofendido ou seu representante legal manifeste vontade de processar o ofensor. O Promotor Público não pode oferecer denúncia sem que a representação, condição de procedibilidade, conste dos autos do inquérito policial.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO IDO FURTO

Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

FURTO – ART. 155 DO CÓDIGO PENAL

1.1. Furto Simples

Caput: “Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

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Elementos

Subtrair: tirar algo de alguém, desapossar

Pode ocorrer em dois casos:

tirar algo de alguém;

receber uma posse vigiada e sem autorização levar o bem, retirando-o da esfera de vigilância da vítima.

Conclui-se que a expressão engloba tanto a hipótese em que o bem é tirado da vítima quanto aquela em que a coisa é entregue voluntariamente ao agente e este a leva consigo.

Essa modalidade difere da apropriação indébita porque nesta a posse é desvigiada. Ex.: caixa de supermercado, tem a posse vigiada, se pegar dinheiro praticará furto.

b) Ânimo de assenhoramento definitivo do bem, para si ou para outrem (animus rem sibi habendi)

Trata-se do elemento subjetivo específico do tipo. Não basta apenas a vontade de subtrair (dolo geral): a norma exige a intenção específica de ter a coisa, para si ou para outrem, de forma definitiva.

É esse elemento que distingue o crime de furto e o furto de uso (fato atípico). Para a sua caracterização é necessário que o agente tenha intenção de uso momentâneo e que restitua a coisa imediata e integralmente à vítima.

c) Coisa alheia móvel (objeto material do tipo)

Coisa móvel: aquela que pode ser transportada de um local para outro. O Código Civil considera como imóvel alguns bens móveis, como aviões, embarcações, o que para fins penais é irrelevante.

Os semoventes também podem ser objeto de furto, como, por exemplo, o abigeato, ou seja, o furto de gado.

Areia, terra (retirados sem autorização) e árvores (quando arrancadas do solo) podem ser objeto de furto, desde que não configure crime contra o meio ambiente.

A coisa deve ser alheia (elemento normativo do furto).

O furto é um tipo anormal porque contém elemento normativo que exige juízo de valor. Coisa alheia é aquela que tem dono; dessa forma, não constituem objeto de furto a res nullius (coisa de ninguém, que nunca teve dono) e a res derelicta (coisa abandonada). Nessas hipóteses, o fato será atípico porque a coisa não é alheia.

A coisa perdida (res desperdicta) tem dono, mas não pode ser objeto de furto porque falta o requisito da subtração; quem a encontra e não a devolve não está subtraindo - responderá por apropriação de coisa achada, tipificada no art. 169, par. ún., inc. II, do Código Penal.

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A coisa só é considerada perdida quando está em local público ou aberto ao público. Coisa perdida, por exemplo, dentro de casa, dentro do carro, se achada e não restituída ao proprietário, caracterizará crime de furto.

Coisa de uso comum: (água dos mares, ar atmosférico etc.) não pode ser objeto de furto, exceto se estiver destacada de seu meio natural e for explorada por alguém. Ex.: água da Sabesp.

Não confundir com furto de coisa comum, art. 156 do Código Penal, que ocorre quando o objeto pertence a duas ou mais pessoas nas hipóteses de sociedade, condomínio de coisa móvel e co-herança. É crime de ação penal pública condicionada à representação.

O art. 155, § 3.o, do Código Penal trata do furto de energia. Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica, bem como qualquer outra forma de energia com valor econômico. Esse dispositivo é uma norma penal explicativa ou complementar (esclarece outras normas; na hipótese, define como objeto material do furto, a energia).

A TV a cabo está sendo equiparada.

O sêmen é considerado energia genética e sua subtração caracteriza o delito de furto.

Ser humano não pode ser objeto de furto, pois não é coisa.

A subtração de cadáver ou parte dele tipifica o delito específico do art. 211 do Código Penal (destruição, subtração ou ocultação de cadáver). O cadáver só pode ser objeto de furto quando pertence a uma instituição e está sendo utilizado para uma finalidade específica. Ex.: faculdade de medicina, institutos de pesquisa.

A subtração de órgão de pessoa viva ou de cadáver, para fins de transplante, caracteriza crime da Lei n. 9.434/97.

Cortar o cabelo de alguém para vender, não configura furto, mas sim, lesão corporal.

No caso de alguém retirar dente de ouro ou paletó do cadáver, há dois entendimentos:

Esses bens possuem dono, que são os sucessores do falecido, por isso tratam-se de coisa alheia que pode ser furtada, caracterizando o crime de furto que terá como sujeito passivo os familiares do de cujus.

Os bens equivalem à coisa abandonada, por não haver interesse por parte dos sucessores em recuperá-los. Assim, o crime não é o de furto, mas o de violação de sepultura – art. 210 do Código Penal.

Sujeito ativo

Pode ser qualquer pessoa, exceto o dono, porque o tipo exige que a coisa seja alheia.

Subtrair coisa própria, que se encontra em poder de terceiro, em razão de contrato (mútuo pignoratício) ou de ordem judicial (objeto penhorado), acarreta o crime do art. 346 do Código Penal (tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção). Este

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crime não tem nome; é um subtipo do exercício arbitrário das próprias razões.

O credor que subtrair bem do devedor, para se auto-ressarcir de dívida já vencida e não paga, pratica o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Não responde por furto porque não agiu com intenção de causar prejuízo.

Se alguém, por erro, pegar um objeto alheio pensando que lhe pertence, não responderá por furto em razão da incidência do erro de tipo.

1.1.3. Sujeito passivo

É sempre o dono e, eventualmente, o possuidor ou detentor que sofre algum prejuízo.

O agente que furta um bem que já fora anteriormente furtado responde pelo delito, que terá como vítima não o primeiro furtador, mas o dono da coisa.

Pessoas jurídicas podem ser vítimas de furto, porque o seu patrimônio é autônomo do patrimônio dos sócios.

1.1.4. Consumação

O furto consuma-se mediante dois requisitos:

retirada do bem da esfera de vigilância da vítima;

posse tranqüila do bem, ainda que por pouco tempo.

Se, na fuga, o agente se desfaz ou perde o objeto, que não venha a ser recuperado pela vítima, consuma-se o delito, pois a vítima sofreu efetivo prejuízo. É exceção à exigência de que o agente tenha posse tranqüila do bem.

Quando há concurso de agentes, se o crime está consumado para um, está também consumado para todos – adoção da teoria unitária. Ex.: dois ladrões furtam uma carteira, um foge com o bem e o outro é preso no local: o crime está consumado para ambos.

1.1.5. Tentativa

É possível, até mesmo na forma qualificada, com exceção do § 5.o do art. 155 do Código Penal.

O fato de ter havido prisão em flagrante não implica, necessariamente, que o furto seja tentado, como, por exemplo, o caso do flagrante ficto (art. 302, IV, do CPP), que permite a prisão do agente encontrado, algum tempo depois da prática do crime com papéis, instrumentos, armas ou objetos (PIAO) que façam presumir ser ele o autor do crime.

1.1.6. Concurso de delitos

A violação de domicílio fica absorvida pelo furto praticado em residência por ser crime meio (princípio da consunção).

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Se o agente, após a subtração, danifica o bem subtraído, responde apenas pelo furto, sendo o dano um post factum impunível, pois a segunda conduta delituosa não traz novo prejuízo à vítima.

Se a pessoa furta um bem, e depois o aliena a um terceiro de boa-fé, deve responder por furto e por disposição de coisa alheia como própria. A jurisprudência, entretanto, diz que é um post factum impunível.

1.2. Furto Noturno - Art. 155, § 1.o, do Código Penal

“A pena aumenta-se de 1/3, se o crime é praticado durante o repouso noturno.”

Trata-se de causa de aumento de pena que tem por finalidade garantir a proteção em relação ao patrimônio durante o repouso do proprietário, uma vez que neste período há menor vigilância de seus pertences.

O furto noturno não se aplica ao furto qualificado. Só vale para o furto simples:

pela posição do parágrafo(o § 1.º só vale para o que vem antes); no furto qualificado já há previsão de pena maior.

A jurisprudência dominante traça algumas considerações:

a) só se aplica quando o fato ocorre em residência (definida pelo art. 150, § 4.o, do Código Penal como sendo qualquer compartimento habitado, ou o aposento de habitação coletiva, ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade) ou em qualquer de seus compartimentos, desde que haja morador dormindo;

b) o aumento não se aplica se a casa estiver desabitada ou se seus moradores estiverem viajando;

c) não se aplica o aumento no caso de furto praticado na rua ou em comércio.

Para o Prof. Damásio o aumento é cabível estando à casa habitada ou não, bastando que o agente se aproveite da menor vigilância que decorre do “período do sossego noturno”, conforme orientação da Exposição de Motivos do Código Penal, n. 56.

1.3. Furto Privilegiado - Art. 155, § 2.o, do Código Penal

1.3.1. Requisitos

Que o agente seja primário (todo aquele que não é reincidente). Se o réu for primário e tiver maus antecedentes, fará jus ao privilégio, porque a lei não exige bons antecedentes.

Que a coisa subtraída seja de pequeno valor. A jurisprudência adotou o critério objetivo para conceituar pequeno valor, considerando aquilo que

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não excede a um salário mínimo. Na tentativa leva-se em conta o valor do bem que se pretendia subtrair.

Deve ser examinado o valor do bem no momento da subtração e não o prejuízo suportado pela vítima. Ex.: no furto de um carro, que é recuperado depois, o prejuízo pode ter sido pequeno, mas será levado em conta o valor do objeto furtado.

Não confundir privilégio com furto de bagatela; pelo princípio da insignificância, o crime de furto de bagatela é atípico porque a lesão ao bem jurídico tutelado é ínfima, irrisória.

No furto privilegiado, ao contrário, o fato é considerado crime, mas haverá um benefício.

1.3.2. Conseqüências

Na aplicação da pena no furto privilegiado “... o juiz pode converter a reclusão em detenção, podendo reduzir uma ou outra de um a dois terços, ou aplicar somente a multa. O que não pode é reduzir a privativa e a multa” (JTACrimSP 76/363).

Apesar do § 2.º trazer a expressão “pode”, presentes os requisitos legais, o juiz deve aplicar o privilégio, porque não há faculdade, e sim, direito subjetivo do réu.

P.: O privilégio pode ser aplicado ao furto qualificado?

R.: A doutrina diverge a respeito: uma corrente afirma que sim, pois não há vedação legal; a outra, majoritária, não admite a aplicação e fundamenta que o privilégio encontra-se no § 2.o, e portanto, não poderia ser aplicado aos §§ 4.o e 5.o; ademais, a gravidade do furto qualificado é incompatível com as conseqüências brandas (de redução da pena) do privilégio.

1.4. Furto Qualificado - Art. 155, §§ 4.º e 5.º, do Código Penal

Quando o juiz reconhecer mais de uma qualificadora, utilizará a segunda como circunstância judicial na primeira fase da fixação da pena.

O furto qualificado tentado admite a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima passa a ser de 8 meses – para se chegar a esse resultado diminui-se a pena mínima em abstrato, prevista para o delito, do redutor máximo previsto na tentativa (2 – 2/3 = 8 meses).

1.4.1. Art. 155, § 4.º, do Código Penal

A pena é de reclusão de 2 a 8 anos, e multa, se o crime é cometido:

a) Com rompimento ou destruição de obstáculo

Pressupõe uma agressão que danifique o objeto, destruindo-o (destruição total) ou rompendo-o (destruição parcial). O art. 171 do Código de Processo Penal exige perícia.

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O obstáculo pode ser passivo (porta, janela, corrente, cadeado etc.) ou ativo (alarme, armadilha).

A simples remoção do obstáculo não caracteriza a qualificadora, que exige o rompimento ou destruição.

Desligar o alarme não danifica o objeto, não fazendo incidir a qualificadora.

O cão não é considerado obstáculo.

O crime de dano fica absorvido pelo furto qualificado quando é meio para a subtração, por ser uma qualificadora específica.

A qualificadora só é aplicada quando o obstáculo atingido não é parte integrante do bem a ser subtraído. Ex.: arrombar o portão para furtar o carro – aplica-se a qualificadora; quebrar o vidro do carro para subtrair o automóvel – furto simples; quebrar o vidro do carro para subtrair uma bolsa que está dentro – furto qualificado. A divergência surge quanto ao furto de toca-fitas. Para uns, incide a qualificadora; para outros, o furto é simples porque o toca-fitas é parte integrante do carro.

b) Com abuso de confiança, mediante fraude, escalada ou destreza

Com abuso de confiança – requisitos:

Que a vítima, por algum motivo, deposite uma especial confiança em alguém: amizade, namoro, relação de emprego etc. Saliente-se que a relação de emprego deve ser analisada no caso concreto, pois, em determinados empregos, patrão e empregado não possuem qualquer contato, inclusive para os empregados domésticos a jurisprudência exige a demonstração da confiança.

Que a subtração tenha sido praticada pelo agente, aproveitando-se de alguma facilidade decorrente da relação de confiança.

Emprego de fraude: significa usar de artifícios para enganar alguém, possibilitando a execução do furto.

O furto mediante fraude distingue-se do estelionato porque neste a fraude é utilizada para convencer a vítima a entregar o bem ao agente e naquele, a fraude serve para distrair a vítima para que o bem seja subtraído.

No furto, a fraude é qualificadora; no estelionato é elementar do tipo.

A jurisprudência entende que a entrega do veículo a alguém que pede para testá-lo, demonstrando interesse na sua compra, caracteriza o crime de furto qualificado pela fraude (para possibilitar a indenização por parte do seguro, que cobre apenas furto e não estelionato, crime que realmente ocorreu porque houve entrega).

Escalada: é o acesso por via anormal ao local da subtração. Ex.: entrada pelo telhado, pela tubulação do ar-condicionado, pela janela, escavação de um túnel e outros.

Para configuração da escalada tem-se exigido que o agente dispense um esforço razoável para ter acesso ao local: entrar por uma janela que se encontra no andar térreo, saltar um muro baixo, por exemplo, não qualificam o furto.

O art. 171 do Código de Processo Penal exige a perícia do local.

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Destreza: habilidade do agente que permite a prática do furto sem que a vítima perceba.

A vítima deve estar ao lado ou com o objeto para que a destreza tenha relevância (uma bolsa, um colar etc.).

Se a vítima está dormindo ou em avançado estado de embriaguez não se aplica a qualificadora, pois não há necessidade de habilidade para tal subtração.

Se a vítima percebe a conduta do agente, não se aplica a qualificadora.

Se a vítima não perceber a conduta do agente, mas for vista por terceiro, subsiste a qualificadora.

c) Com emprego de chave falsa

Considera-se chave falsa:

cópia feita sem autorização;

qualquer objeto capaz de abrir uma fechadura. Ex.: grampo, chave mixa, gazua etc.

A chave falsa deve ser submetida à perícia para constatação de sua eficácia.

A utilização da chave verdadeira encontrada ou subtraída pelo agente não configura a qualificadora; o furto será simples. Se subtraída mediante fraude, haverá furto qualificado mediante fraude.

d) Mediante o concurso de duas ou mais pessoas

A aplicação da qualificadora dispensa a identificação de todos os indivíduos e é cabível ainda que um dos envolvidos seja menor.

P.: Exige-se que as duas pessoas pratiquem os atos de execução do furto?

R.: Para Nelson Hungria e Celso Delmanto a qualificadora será aplicada quando pelo menos duas pessoas executarem a subtração, pois o crime seria cometido com maior facilidade, dificultando a defesa da vítima.

Para Damásio de Jesus e Heleno Fragoso a qualificadora existirá ainda que uma só pessoa tenha praticado os atos executórios, porque a lei exige o “concurso de duas ou mais pessoas”, não distinguindo co-autoria de participação, sendo que nessa o agente não pratica atos executórios. Demonstram ainda que a lei, quando exige a execução por todos os envolvidos, expressa-se nesse sentido, citando como exemplo o art. 146 do Código Penal que impõe “para execução do crime” a reunião de mais de três pessoas.

Reconhecida a existência do crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CPP), o juiz não poderá aplicar a qualificadora do furto mediante concurso de duas ou mais pessoas porque constituiria bis in idem.

1.4.2. Art. 155, § 5.º, do Código Penal – Inserido pela Lei n. 9.426/96

A pena passa a ser de reclusão de 3 a 8 anos, se a subtração é de veículo automotor “que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior”. A definição de veículo automotor encontra-se no Anexo I do CTB.

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O § 5.º absorve as qualificadoras do § 4.º, que só poderão ser utilizadas como circunstâncias judiciais, já que as penas previstas em abstrato são diversas.

Não basta a intenção do agente de transportar o veículo para outro Estado ou para o exterior; deve ocorrer o efetivo transpasse da fronteira ou divisa para incidência da qualificadora.

Se o agente for detido antes de cruzar a divisa, haverá o crime de furto simples consumado e a qualificadora não será aplicada.

A tentativa dessa modalidade de furto qualificado será possível quando o agente tentar transpor a barreira da divisa e for detido.

Furto de coisa comumArt. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem,

a quem legitimamente a detém, a coisa comum:Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.§ 1º - Somente se procede mediante representação.§ 2º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não

excede a quota a que tem direito o agente.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Previsto no art. 156, a objetividade jurídica é o patrimônio, é crime próprio do condômino, do co-possuidor, do sócio, do possuidor legítimo ou do co-herdeiro. O sujeito passivo também podem ser estas pessoas.

Portanto, nos termos do art. 156 do CP, constitui furto de coisa comum o fato de "subtrair o condômino, o co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum".

O fundamento da incriminação reside em que o sujeito, seja condômino, co-herdeiro ou sócio, que tira a coisa comum de quem legitimamente a detém, não subtrai só a coisa própria, mas também a parte que pertence a terceiro.

O bem jurídico é o patrimônio.

O CP se refere a condomínio, herança e sociedade. Condomínio é a propriedade em comum, exercida por dois ou mais indivíduos simultaneamente. Chama-se também co-propriedade, e os proprietários são consortes, condôminos ou co-proprietários (J. N. de Paula). Herança é a universalidade dos bens como objeto de sucessão universal (Pedro Orlando). É o conjunto dos bens que o homem deixa ao morrer. Compreende a universalidade dos bens a ele pertencentes ao tempo da morte, excluídos aqueles que com ele se extinguiram (Carvalho Santos). Sociedade é a reunião de duas ou mais pessoas que, mediante contrato, se

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obrigam a combinar seus esforços ou bens para a consecução de fim comum (Magalhães Noronha). Nesses casos, o direito do sócio, herdeiro ou condômino é limitado pelo direito dos outros. Dessa forma, se subtrai a coisa comum, exclui o direito dos outros. É o que fundamenta a punição penal.

2. SUJEITOS DO DELITO:

Trata-se de crime próprio. Sujeito ativo só pode ser o condômino, co-herdeiro ou sócio. Quanto a este, não distinguimos sócio de sociedade com personalidade jurídica de sócio de sociedade de fato. Para nós, como a lei apenas fala em "sócio", não fazendo qualquer distinção quanto à sua natureza, é irrelevante que a sociedade seja legalmente constituída ou de fato.

Sujeito passivo é quem detém legitimamente a coisa. Pode ser o sócio, co-herdeiro, condômino ou um terceiro qualquer. Se a detenção é ilegítima, não há delito de subtração de coisa comum por ausência de tipicidade. Se a coisa comum estava na posse do sujeito, responde por apropriação indébita (CP, art. 168).

3. E LEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O crime só é punível a título de dolo. Exige-se outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "para si ou para outrem".

4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINARIA:

O furto de coisa comum é delito próprio, simples, plurissubsistente, de forma livre, comissivo e instantâneo.

5. MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA:

Quanto ao momento consumativo e tentativa do crime de furto de coisa comum, devem ser aplicados os mesmos princípios atinentes ao crime de furto real, previsto no art. 155 do CP.

É furto especial privilegiado, e depende de representação.

Tem que se guardar três coisas:

sociedade,

herança e

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condomínio.

Quando um condômino subtrai um bem do condomínio ele comete um furto? Sim, só que é um furto de coisa comum.

Quando um herdeiro subtrai um bem da herança. Não é o inventariante porque este tem a posse de toda a herança. Se tem a posse dos bens não pode praticar furto, o inventariante sempre vai se apropriar dos bens. Os herdeiros, que não são inventariantes, se tentarem botar a mão em algum bem que pertence a outro herdeiro, e ele não tem a posse estará praticando furto de coisa comum.

Exemplo: morreu um pai e o filho pensa: o pai sempre dizia que aquele revólver quando ele morresse seria meu. O filho vai na casa da mão, sem ela saber, e pega o revólver. O filho praticou um furto.

Pela saizine a posse se transmitiu para os sucessores. Está certo, mas quem tem a posse desse bem? É o inventariante. Quem não é inventariante pode praticar furto.

É um crime, mas é um crime de pequena relevância porque a lei prevê detenção para esse crime. Furto de coisa comum é uma ação pública dependente de representação. Os demais furtos todos são de ação penal pública incondicionada.

No furto de coisa comum a vítima tem que representar, se não fizer isto a polícia não poderá fazer nada.

Um condômino fez um gato, puxou uma ligação direta do condomínio para o relógio dele. Isto é um furto de energia elétrica, mas é furto de coisa comum porque a energia elétrica é paga pelo condomínio. Se eu puxo um fio do relógio do condomínio para a minha unidade residencial eu estou praticando um furto de energia elétrica, mas esta energia elétrica é paga por todos os condôminos, logo, trata-se de furto de coisa comum. Nesse caso o síndico é quem tem que representar na delegacia para que se faça o inquérito judicial.

Quando se trata de coisa fungível que é subtraída, a energia elétrica é infungível. Um edifício que tem cinco apartamentos e tem cinco extintores de incêndio. Cada condômino pagou um extintor, em tese. Um dos moradores comprou uma chácara e resolveu levar o extintor, que está na frente da porta mas é do condomínio, para a chácara. O síndico representou na polícia dizendo que um morador levou um extintor de incêndio para a chácara, que é do condomínio. O vizinho foi chamado e disse que era verdade e que ele acha que este extintor era dele e que este extintor é um bem fungível (pode trocar pó outro).

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De acordo com o art. 156, se o bem é fungível e o valor não excede a quota a que tem direito, não se pune a subtração. Então ele está isento de pena. O promotor nem denunciar pode, a polícia faz o inquérito, mas promotor não denuncia porque se ficar escancarado que se trata de bem fungível e que este bem está dentro de sua quota parte, então, ele está isento de pena.

Acontece muito em sociedades, um sócio está passando a perna no outro, acabam parando na polícia depois fazem uma prestação de contas. Aí se descobre que o dinheiro que foi desviado não excedia a sua quota, e como é dinheiro, ou seja, um bem fungível, e aí se abate o dinheiro que o sócio pegou e fica tudo certo.

ó. CAUSA ESPECIAL DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE:

O § 2o prevê uma excludente de ilicitude, pois não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota em que o agente tem direito.

Portanto, nos termos do art. 156, § 2º, do CP, "não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente".

Não se trata de causa de isenção de pena, como pretendem alguns autores. Na verdade, a norma penal permissiva diz que "não é punível a subtração". Fato impunível em matéria penal é fato lícito. Note-se que o legislador não diz que não é punível o agente, mas sim que não é punível a subtração. Trata-se, em face disso, de subtração lícita. Temos, então, causa de exclusão da antijuridicidade e não de isenção de pena.

O benefício exige dois requisitos:

1. Que a coisa comum seja fungível;

2. Que seu valor não exceda a quota a que tem direito o sujeito.

A natureza fungível do objeto material não fica condicionada à vontade do autor. Uma coisa é fungível ou não dependendo de sua natureza e não da intenção do sujeito ativo ou passivo do fato. Entretanto, pode ocorrer fungibilidade em razão de acordo de vontades das partes. Tratando-se de coisa infungível, a subtração constitui delito ainda que ele tenha direito a um valor muito

superior àquele subtraído.

Não há crime quando o sujeito tira parte da coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito. Assim, se duas pessoas são donas de uma

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saca de arroz, a subtração pelo agente de metade do objeto material não constitui delito. Entretanto, haverá furto de coisa comum, sem o privilégio, se escolher a melhor parte do objeto material.

Em relação aos bens que foram subtraídos, há uma discussão se é possível que haja o crime de furto de coisa comum se for pessoa jurídica devidamente regularizada ou se é somente possível na sociedade de fato. A posição do STF e majoritária é que o crime pode ser cometido contra a sociedade de fato ou contra pessoa jurídica.

Se o condômino, o co-herdeiro ou o sócio utilizar chave falsa, por exemplo, a capitulação do crime será de furto de coisa comum, pode-se servir do uso da chave falsa como circunstância judicial para aumentar a pena. Se o sócio utilizar de violência ou grave ameaça para subtrair a coisa comum o crime será de roubo, e ser este se apropriar da coisa comum será de apropriação indébita.

7. PENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

De acordo com o art. 156, § lº, do CP, somente se procede mediante reapresentação. Trata-se de crime de ação penal pública condicionada. Tomando conhecimento do furto de coisa comum, o Delegado de Polícia, sem que o ofendido ou seu representante legal o provoque, não pode proceder a inquérito. A ação penal, sem a manifestação de vontade da vítima, não pode ter início por intermédio de oferecimento de denúncia.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO II

DO ROUBO E DA EXTORSÃO

1. ROUBO – ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

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Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

Enquanto o furto é a subtração pura e simples de coisa alheia móvel, para si ou para outrem (artigo 155 do Código Penal), o roubo é a subtração de coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro recurso que reduza a possibilidade de resistência da vítima.

O caput do artigo 157 trata do roubo próprio, e o seu § 1.º descreve o que a doutrina chama roubo impróprio. A diferença reside no preciso instante em que a violência ou a grave ameaça contra a pessoa são empregadas. Quando o agente pratica a violência ou grave ameaça, antes ou durante a subtração, responde por roubo próprio; quando pratica esses recursos depois de apanhada a coisa, para assegurar a impunidade do crime ou a detenção do objeto material, responde por roubo impróprio.

A pena para ambos é de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

1.1. Elementos do Tipo

Subtrair e coisa alheia móvel já foram objeto de análise no módulo relativo ao crime de furto.

Violência: trata-se da violência física.

Grave ameaça: é a promessa de um mal grave e iminente (exemplos: anúncio de morte, lesão, seqüestro).

Qualquer outro meio: é a chamada violência imprópria, que pode ser revelada, por exemplo, pelo uso de sonífero, de hipnose etc. A simulação de arma e o uso de arma de brinquedo configuram a grave ameaça.

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A “trombada” será considerada violência se for meio utilizado pelo agente para reduzir a vítima à impossibilidade de resistência, caracterizando o roubo e não o furto (um forte empurrão, por exemplo). Se, no entanto, a “trombada” consistir num mero esbarrão, incapaz de machucar a vítima, empregado com o intuito de distraí-la, haverá crime de furto.

O mesmo acontece com o arrebatamento de objeto preso ao corpo da vítima.

1.2. Sujeito Ativo

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

1.3. Sujeito Passivo

Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que sofra diminuição (perda) patrimonial (proprietário ou possuidor) ou que seja atingida pela violência ou grave ameaça.

1.4. Objetividade Jurídica

Em virtude de o crime em estudo ser considerado complexo, tutela-se, além da posse e propriedade, a integridade física e a liberdade individual.

1.5. Concurso de Crimes

O número de vítimas não guarda equivalência com o número de delitos. Este último será relacionado com base no número de resultados (lesão patrimonial), que o agente sabia estar realizando no caso concreto.

É possível que um só roubo tenha duas vítimas?

Sim, pois a vítima do roubo é tanto quem sofre a lesão patrimonial, como quem sofre a violência ou grave ameaça. Exemplo: se A empresta seu carro a B, sendo este último assaltado, ambos serão vítimas.

Da mesma forma, havendo grave ameaça contra duas pessoas, mas lesado o patrimônio de apenas uma, haverá crime único, porém, com duas vítimas.

Empregada grave ameaça contra cinco pessoas e lesado o patrimônio de três, por exemplo, há três crimes de roubo em concurso formal.

E se o agente emprega grave ameaça contra uma pessoa para subtrair bens de duas?

Nesse caso, se o agente não sabe que está lesando dois patrimônios, há crime único, evitando-se a responsabilidade penal objetiva; se o agente sabe que está lesando dois patrimônios (subtrai o relógio do cobrador e o dinheiro do caixa, por exemplo), há dois crimes de roubo em concurso formal.

É possível a existência de crime continuado, se preenchidos os requisitos do artigo 71 do Código Penal. Exemplo: indivíduo rouba uma pessoa em um ônibus, sai dele, entra em outro e rouba outra pessoa.

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1.6. Consumação do Roubo

Há certa divergência quanto ao momento consumativo do roubo próprio.

Para alguns doutrinadores, o roubo consuma-se da mesma maneira que o furto – quando, após empregar violência ou grave ameaça, o agente consegue a posse tranqüila da res, fora da esfera de vigilância da vítima.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é que o roubo se consuma com a simples retirada do bem da vítima, após o emprego da violência ou grave ameaça, ainda que não consiga a posse tranqüila. É a nossa posição.

1.7. Tentativa

A tentativa é possível e será verificada quando, iniciada a execução, mediante violência ou grave ameaça, o agente não consegue efetivar a subtração; não se exige o início da execução do núcleo “subtrair”, e sim da prática da violência, conforme entende o Prof. Damásio de Jesus.

Quando o agente é preso em flagrante com o objeto do roubo, após perseguição, responde por crime tentado (para aqueles que exigem a posse tranqüila da coisa para consumação) e por crime consumado (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, que dispensam o requisito da posse tranqüila da coisa para consumação do roubo).

1.8. Roubo Impróprio – Artigo 157, § 1.º, do Código Penal

“Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.”

1.8.1. Diferenças entre roubo próprio e roubo impróprio

No roubo próprio a violência ou grave ameaça ocorre antes ou durante a subtração; no roubo impróprio, ocorre depois.

No roubo próprio, a violência ou grave ameaça constituem meio para a subtração, enquanto no roubo impróprio, o agente, inicialmente, quer apenas furtar e, depois de já se haver apoderado de bens da vítima, emprega violência ou grave ameaça para garantir a sua impunidade ou a detenção do bem.

No roubo próprio, a lei menciona três meios de execução, que são a violência, a grave ameaça ou qualquer outro recurso que dificulte a defesa da vítima. No roubo impróprio, a lei menciona apenas dois, que são a grave ameaça e a violência, incabível o emprego de sonífero ou hipnose (violência imprópria).

1.8.2. Requisitos do roubo impróprio

São os seguintes os requisitos do roubo impróprio:

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Que o agente tenha se apoderado do bem que pretendia furtar. Se o agente ainda não tinha a posse do bem, não se pode cogitar de roubo impróprio, nem de tentativa. Exemplo: o agente está tentando arrombar a porta de uma casa, quando alguém chega ao local e é agredido pelo agente, que visa garantir sua impunidade e fugir sem nada levar. Haverá tentativa de furto qualificado em concurso material com o crime de lesões corporais.

Que a violência ou grave ameaça tenham sido empregadas logo depois o apoderamento do objeto material. O “logo depois” está presente enquanto o agente não tiver consumado o furto no caso concreto. Após a consumação do furto, o emprego de violência ou de grave ameaça não pode caracterizar o roubo impróprio. Poderá haver, por exemplo, furto consumado em concurso material com lesão corporal. A violência ou grave ameaça pode ser contra o próprio dono do bem ou contra um terceiro qualquer, até mesmo um policial. Para a jurisprudência, se a violência contra policial serviu para transformar o furto em roubo impróprio, não se pode aplicar em concurso o crime de resistência, porque configuraria bis in idem.

Que a violência ou grave ameaça tenham por finalidade garantir a detenção do bem ou assegurar a impunidade do agente.

1.8.3. Consumação

O roubo impróprio consuma-se no exato momento em que é empregada a violência ou grave ameaça, ainda que o agente não atinja sua finalidade (garantir a impunidade ou evitar a detenção).

O golpe desferido que não atinge a vítima é considerado violência empregada; portanto, roubo impróprio consumado.

1.8.4. Tentativa

A tentativa não é admissível, pois ou o agente emprega a violência ou a grave ameaça e o crime de roubo impróprio está consumado, ou não as emprega e o crime praticado é o de furto. Esse é o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência.

Alguns autores (minoria) admitem a tentativa quando o agente quer empregar a violência, mas é impedido.

1.9. Causas de Aumento da Pena – Artigo 157, § 2.º, do Código Penal (Roubo Circunstanciado)

“§ 2.º A pena aumenta-se de um terço até metade:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância;

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IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;

V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.”

Se o juiz reconhecer a existência de duas ou mais causas de aumento da pena poderá aplicar somente uma, de acordo com o parágrafo único do artigo 68 do Código Penal.

As causas de aumento da pena incidem apenas sobre o roubo simples (próprio ou impróprio). Não se aplicam ao roubo qualificado pelo resultado lesão grave ou morte (§ 3.º).

Note-se que as agravantes previstas no § 2.º do artigo 157 são erroneamente denominadas qualificadoras. Não é correto o emprego desse termo, pois, tecnicamente, trata-se de causa especial de aumento de pena, a incidir na terceira fase de aplicação da pena.

1.9.1. Emprego de arma

É chamado roubo qualificado pelo emprego de arma. Repita-se que apesar desse nome, não se trata de qualificadora, mas sim de causa de aumento de pena.

Arma é qualquer instrumento que tenha poder vulnerante. A arma pode ser própria ou imprópria. Arma própria é a criada especificamente para ataque e defesa, tal como o revólver, por exemplo. Arma imprópria é qualquer objeto que possa matar ou ferir, mas que não possui esta finalidade específica, como, por exemplo, faca, tesoura, espeto etc.

Para o aumento da pena, é necessário que a arma seja apontada para a vítima; não basta que o agente esteja armado e que a vítima tome conhecimento disto.

Para nós, o fundamento dessa causa de aumento é o poder intimidador que a arma exerce sobre a vítima. Assim, não importa o poder vulnerante da arma, desde que ela seja apta a incutir medo na vítima, facilitando o roubo. Assim, a arma de fogo descarregada ou defeituosa ou o simulacro de arma configuram a majorante em tela.

Prevalece, no entanto, o entendimento de que essa causa de aumento tem por fundamento o perigo real que representa à incolumidade física da vítima o emprego de arma. À vista disso, a arma deve ter idoneidade ofensiva, capacidade de colocar em risco a integridade física da vítima. Tal não ocorre com o emprego de arma desmuniciada, defeituosa, arma de brinquedo ou simples simulação.

Em razão desse entendimento, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 213.054, de São Paulo, em 24.10.2001, relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, decidiu cancelar a Súmula n. 174, considerando que o emprego de arma de brinquedo, embora não descaracterize o crime, não agrava o roubo, uma vez que não apresenta real potencial ofensivo. Ficou assentado que a incidência da referida circunstância de exasperação da pena2:

fere o princípio constitucional da reserva legal (princípio da tipicidade);

configura bis in idem;

2 Súmula 174 “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.”

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deve ser apreciada na sentença final como critério diretivo de dosagem da pena (circunstância judicial do artigo 59 do Código Penal);

lesa o princípio da proporcionalidade.

De notar-se que a decisão apenas cancelou a referida Súmula, não havendo impedimento a que juízes e tribunais ainda continuem adotando a primeira orientação, que determina o agravamento da pena. Além disso, há o risco de que, cancelada a mencionada Súmula, venham a reconhecer concurso entre o roubo simples e a utilização de arma de brinquedo no cometimento do crime, nos termos do artigo 10, § 1.º, inciso II, da Lei n. 9.437/97.

Nossa posição: arma de brinquedo equipara-se a arma de verdade, para fins específicos do tipo que define o roubo, razão pela qual o autor responderá apenas como incurso no artigo 157, § 2.º, inciso I, do Código Penal.

1.9.2. Concurso de duas ou mais pessoas

As anotações feitas a respeito do concurso de pessoas no furto (artigo 155 do Código Penal) aplicam-se ao roubo; a distinção é quanto à natureza jurídica: naquele é qualificadora; neste é causa de aumento.

1.9.3. Serviço de transporte de valores

Aplicável apenas se a vítima está trabalhando (“em serviço”) com o transporte de valores (exemplo: assalto de office-boy, de carro-forte etc.).

Se o ladrão assaltar o motorista do carro-forte, levando somente o seu relógio, não há qualificadora.

Exige-se que o agente conheça a circunstância do transporte de valor (dolo direto), não se admitindo dolo eventual.

Observação: não existe qualificadora semelhante no crime de furto.

1.9.4. Veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou país

Ver anotações sobre furto.

1.9.5. Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade

Aplica-se às hipóteses em que a vítima é mantida pelos assaltantes por pouco tempo, ou tempo suficiente para a consumação do roubo. Se o período for longo, haverá concurso material de roubo simples e seqüestro (artigo 157 combinado com artigo 148, ambos do Código Penal).

Observe-se que essa majorante não se aplica nos casos em que ocorre o chamado seqüestro-relâmpago, embora tenha sido esta a intenção da lei. Com efeito, o seqüestro-relâmpago não se trata de roubo, mas sim de extorsão, pois o comportamento da vítima, no sentido de fornecer a senha do cartão magnético, é imprescindível para o sucesso da empreitada criminosa. Como se vê, no caso do

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seqüestro-relâmpago, não se trata de subtração e por isso não se pode falar em roubo. Assim, em que pese a boa intenção do legislador, essa circunstância incidirá em outras situações, nas quais a privação de liberdade da vítima for utilizada com meio para a realização de um roubo ou, após a sua consumação, como forma de fugir à ação policial.

1.10. Roubo Qualificado – Artigo 157, § 3.º, do Código Penal

Há duas formas de roubo qualificado, aplicáveis tanto ao roubo próprio quanto ao impróprio.

De acordo com a primeira parte do dispositivo: “se da violência resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa”.

Houve alteração da pena mínima, para tornar pacífico o entendimento de que as causas de aumento da pena do § 2.º não se aplicam às qualificadoras do § 3.º. Se a lesão é leve, esta fica absorvida.

A parte final dispõe que “se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa”. É o denominado latrocínio, considerado crime hediondo nos termos da Lei n. 8.072/90.

O roubo será qualificado se a morte ou a lesão corporal grave resultarem da “violência”; o tipo não menciona a grave ameaça. Assim, se a vítima morre em razão da grave ameaça tem-se concurso formal de roubo simples e homicídio culposo (exemplo: a vítima, ao ver a arma, sofre ataque cardíaco e morre).

Via de regra, o crime qualificado pelo resultado é preterdoloso (há dolo no antecedente e culpa no conseqüente). No caso do § 3.º em estudo o resultado agravador pode decorrer de culpa ou dolo. O agente pode, além de desejar a subtração, querer provocar lesão grave ou a morte da vítima. É evidente que a tentativa só é admitida quando o resultado agravador for desejado pelo agente, pois não se pode tentar algo produzido por acidente.

Destarte, não confundir tentativa de latrocínio com roubo qualificado pela lesão grave. No latrocínio tentado, o agente tem intenção de matar a vítima, o que não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. No roubo qualificado pela lesão grave, o agente tem intenção de lesionar a vítima.

Oportuno salientar que a morte ou a lesão deve decorrer do emprego de violência pelo agente com o fim de se apoderar da res ou assegurar a sua posse ou garantir a impunidade do crime. Se a morte, por exemplo, advier de vingança, haverá crime de roubo em concurso com o crime de homicídio.

Assim, caracteriza-se a violência quando empregada em razão do roubo (nexo causal) e durante o cometimento do delito (no mesmo contexto fático).

O nexo causal estará presente quando a violência constituir meio para a subtração (roubo próprio) ou quando for empregada para garantir a detenção do bem ou a impunidade do agente (roubo impróprio).

Faltando um desses requisitos, haverá roubo em concurso material com homicídio doloso ou delito de lesão corporal dolosa.

Exemplos:

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Exemplo 1: João rouba alguém hoje; semanas depois, para garantir a impunidade, mata a vítima. Responderá por roubo em concurso material com homicídio, pois a violência não foi empregada no mesmo contexto fático.

Exemplo 2: ladrão mata um desafeto seu, que passa pelo local durante o roubo. Foi durante o roubo, mas não em razão dele.

Tem-se, como regra, que a morte ou lesão corporal grave, resultando de violência, pode ser de qualquer pessoa (exemplo: segurança da vítima).

Súmula n. 603 do Supremo Tribunal Federal: “ainda que a morte seja dolosa, por haver latrocínio (crime contra o patrimônio), a competência é do juízo singular”.

1.10.1. Consumação e tentativa

Por se tratar de crime complexo, tem-se o seguinte:

Subtração consumada + morte consumada = latrocínio consumado.

Subtração tentada + morte consumada = latrocínio consumado (Súmula n. 610 do Supremo Tribunal Federal: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”).

Subtração consumada + morte tentada = latrocínio tentado.

Subtração tentada + morte tentada = latrocínio tentado.

2. EXTORSÃO – ARTIGO 158 DO CÓDIGO PENAL

Extorsão

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

§ 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente. (Incluído pela Lei nº 11.923, de 2009)

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A definição do crime de extorsão consta do artigo 158 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa (é a mesma pena do roubo).

2.1. Objetividade Jurídica

A principal é a inviolabilidade do patrimônio. A secundária é a proteção à vida, integridade física, liberdade pessoal e tranqüilidade do espírito.

2.2. Diferença entre Extorsão e Exercício Arbitrário das Próprias Razões

Na extorsão o agente visa a uma vantagem patrimonial indevida, enquanto no exercício arbitrário das próprias razões a vantagem é devida (artigo 345 do Código Penal).

2.3. Roubo e Extorsão

Há três correntes doutrinárias que buscam os pontos diferenciais desses dois crimes:

1.ª) Para Nelson Hungria, no roubo o bem é tirado da vítima, e na extorsão a vítima entrega o bem.

2.ª) Enquanto no roubo a ação e o resultado são concomitantes, na extorsão o mal prometido e a vantagem são futuros.

3.ª) Para o Prof. Damásio de Jesus, “na extorsão é imprescindível o comportamento da vítima, enquanto no roubo é prescindível. No exemplo do assalto, é irrelevante que a coisa venha a ser entregue pela vítima ao agente ou que este a subtraia. Trata-se de roubo. Constrangido o sujeito passivo, a entrega do bem não pode ser considerada ato livre voluntário, tornando tal conduta de nenhuma importância no plano jurídico. A entrega pode ser dispensada pelo autor do fato. Já na extorsão o apoderamento do objeto material depende da conduta da vítima”. A jurisprudência tem-se manifestado nesse sentido.

Questão polêmica é a que diz respeito ao constrangimento da vítima para sacar dinheiro em caixa eletrônico (seqüestro-relâmpago). Para a jurisprudência, o delito é de extorsão (artigo 158 do Código Penal) e não de roubo (artigo 157, § 2.º, inciso V, do Código Penal), com fundamento na tese da dispensabilidade ou indispensabilidade da conduta da vítima. Correta essa posição.

Questão: Como ficará a repressão do crime de seqüestro, já que o artigo 158 não o prevê como causa de aumento de pena?

Resposta: Se o seqüestro for praticado como meio executório do crime de extorsão ou como escudo para a fuga, restará absorvido por este delito. Se praticado depois da extorsão, sem que a restrição da liberdade da vítima seja necessária para a consumação do crime, haverá concurso material de delitos.

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2.4. Diferença entre Extorsão e Estelionato

Para se saber se o crime é o de extorsão, deve-se verificar se a entrega do objeto material foi espontânea (voluntária) ou não. No estelionato, a entrega é espontânea porque a vítima está sendo enganada; na extorsão, a vítima entrega a coisa contra a sua vontade para evitar um mal maior. No estelionato, a vítima não sabe que está havendo um crime.

Quando o agente emprega fraude e violência ou grave ameaça para obter a coisa, o delito é de extorsão, pois a entrega ocorre não em razão da fraude, mas sim da violência ou grave ameaça. Observe o exemplo citado por Nelson Hungria: “Uma pessoa simula ser policial e, sob ameaça de morte, obriga a vítima a entregar-lhe certa quantia em dinheiro”.

2.5. Extorsão e Constrangimento Ilegal

Tanto na extorsão quanto no constrangimento ilegal, o agente emprega violência ou grave ameaça contra a vítima, no sentido de que faça ou deixe de fazer alguma coisa.

A diferença entre extorsão e constrangimento ilegal está na finalidade: no constrangimento ilegal, o sujeito ativo deseja que a vítima se comporte de determinada maneira, para obter qualquer tipo de vantagem. Na extorsão, o constrangimento é realizado com o objetivo expresso no tipo de obter “indevida vantagem econômica”.

2.6. Consumação e Tentativa

Súmula n. 96 do Superior Tribunal de Justiça: “O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”. É, portanto, um crime formal.

De acordo com entendimento do Professor Damásio de Jesus, o crime se consuma quando a vítima faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. A tentativa é possível, pois a extorsão é crime formal e plurissubsistente. Pode ocorrer a tentativa quando o constrangido não realiza a conduta desejada pelo agente.

2.7. Causas de Aumento da Pena

O § 1.º do artigo 158 do Código Penal dispõe que a pena é aumentada de um terço a metade (1/3 a 1/2) se o crime é cometido por duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

Note-se que aqui a lei fala em cometimento, não em concurso, sendo indispensável, pois, que os co-agentes pratiquem atos executórios do crime. Exige-se, portanto, a co-autoria e não a mera participação. Não se deve confundir essa majorante com a prevista no crime de roubo e furto, que prevêem o concurso de pessoas, o qual abrange a co-autoria e a participação.

2.8. Extorsão Qualificada

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Segundo o § 2.º do artigo 158 deve-se aplicar à extorsão as regras e penas do roubo qualificado pela lesão grave ou morte. A extorsão qualificada pela morte é crime hediondo (artigo 1.º, inciso III, da Lei n. 8.072/90).

3. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO – ARTIGO 159 DO CÓDIGO PENAL

Extorsão mediante seqüestro

Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

Pena - reclusão, de oito a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão, de doze a vinte anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 3º - Se resulta a morte: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)

Trata-se de crime hediondo em todas as modalidades (forma simples ou qualificada).

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As penas foram alteradas pela Lei n. 8.072/90, que aumentou a pena privativa de liberdade de 6 (seis) a 12 (doze) anos para 8 (oito) a 15 (quinze) anos, eliminando a multa.

O caput do artigo 159 do Código Penal trata da forma simples da extorsão mediante seqüestro: “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.

3.1. Objetividade Jurídica

A principal é a inviolabilidade do patrimônio. A secundária é a tutela da liberdade de locomoção. Trata-se de crime complexo.

3.2 Sujeito Ativo

Sujeito ativo é qualquer pessoa.

3.3. Sujeito Passivo

Sujeito Passivo é qualquer pessoa. Admite-se a pluralidade de sujeitos passivos. É sujeito passivo o seqüestrado e a pessoa a quem se dirige a finalidade do agente de obter a vantagem.

3.4. Consumação

O crime se consuma no momento do seqüestro, com a privação da liberdade de locomoção da vítima. Trata-se, portanto, de crime formal, já que não exige o pagamento do resgate, considerado simples exaurimento. Tratando-se de delito permanente, poderá ocorrer prisão em flagrante enquanto a vítima estiver sob o poder dos seqüestradores (artigo 303 do Código de Processo Penal).

3.5. Competência

A competência para julgamento desse delito é do local onde se deu a consumação. Se o crime consumar-se em território de duas comarcas, ambas serão competentes, fixando-se uma delas por prevenção (artigo 71 do Código de Processo Penal).

3.6. Tentativa

A tentativa é possível quando, iniciado o ato de “seqüestrar”, os agentes não tiverem êxito na captura da vítima.

3.7. Extorsão Mediante Seqüestro e Rapto

No crime do artigo 159 do Código Penal (extorsão mediante seqüestro) ocorre privação da liberdade com o intuito de se obter vantagem patrimonial.

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No rapto (artigo 219), a privação da liberdade de mulher honesta (sujeito passivo do delito) tem fins libidinosos.

3.8. Extorsão Mediante Seqüestro e Seqüestro e Cárcere Privado

O seqüestro do artigo 148 do Código Penal é crime subsidiário. É a privação da liberdade de alguém mediante violência ou grave ameaça, desde que o fato não constitua crime mais grave.

3.9. Elementos Objetivos do Tipo

O tipo traz a expressão “qualquer vantagem”.

O Prof. Damásio de Jesus entende que, para configuração da extorsão mediante seqüestro, a vantagem visada pode ser devida ou indevida, econômica ou não-econômica, uma vez que o Código Penal não especifica.

A maioria da doutrina, no entanto, entende que a vantagem deve ser indevida e patrimonial. Para essa corrente, se a vantagem visada for devida haverá concurso formal entre os crimes de seqüestro (artigo 148) e exercício arbitrário das próprias razões (artigo 345). Assim, só existe extorsão mediante seqüestro se a vantagem for indevida e necessariamente patrimonial, pois se trata de crime contra o patrimônio.

3.10. Formas Qualificadas

3.10.1. Artigo 159, § 1.º, do Código Penal

A pena é de reclusão de 12 (doze) a 20 (vinte) anos, se:

o seqüestro dura mais de 24 horas;

o seqüestrado tem menos de 18 anos;

o crime é praticado por quadrilha.

Se a vítima é menor de 14 anos, não se aplica a qualificadora prevista nesse parágrafo, mas sim o artigo 9.º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que manda acrescer a pena de metade, respeitando o limite máximo de 30 anos de reclusão.

Se o crime for cometido por quadrilha ou bando (reunião de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes), aplica-se a qualificadora do parágrafo em análise. Nesse caso, questiona-se: fica absorvido o delito de quadrilha ou bando previsto no artigo 288 do Código Penal? A resposta é sim, segundo o Prof. Victor E. Rios Gonçalves, pois “apesar de ser delito formal e normalmente autônomo em relação às infrações perpetradas pelos quadrilheiros, nesta hipótese constituiria inegável bis in idem”. Para nós, entretanto, existe concurso material com o delito de quadrilha ou bando que tem momento consumativo e objetividade jurídica diversa.

3.10.2. Artigo 159, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal

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A pena é de reclusão de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos, se resulta em lesão grave, e de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos, se resulta em morte.

Essas duas qualificadoras só se aplicam quando o resultado recair sobre a pessoa seqüestrada. A morte de outras pessoas constitui crime de homicídio (ou lesão grave) em concurso com o crime do artigo 159 do Código Penal em sua forma simples.

As qualificadoras se aplicam tanto ao resultado doloso quanto ao resultado culposo. Só não será aplicada se o resultado agravador for conseqüência de caso fortuito ou culpa de terceiro (artigo 19 do Código Penal).

O reconhecimento de uma qualificadora mais grave afasta o reconhecimento de uma qualificadora menos grave.

A pena deverá ser agravada de metade se a vítima se encontra nas condições do artigo 224 do Código Penal, nos termos do artigo 9.º da Lei dos Crimes Hediondos.

3.11. Delação Eficaz – Artigo 159, § 4.º, do Código Penal

Se o crime for praticado em concurso (duas ou mais pessoas), o concorrente (co-autores e partícipes) que denunciar o fato à autoridade, facilitando a libertação da vítima, terá sua pena reduzida de 1/3 a 2/3 (um a dois terços).

O parágrafo foi inserido pela Lei dos Crimes Hediondos, alterada pela Lei n. 9.269/96. Trata-se de causa de diminuição de pena.

Haverá a diminuição da pena se a delação efetivamente facilitar a libertação da vítima. Quanto maior a colaboração, maior será a redução da pena.

Extorsão indireta

Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Nos termos do art. 160 do CP, extorsão indireta constitui o fato de "exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro". O CP, na espécie, protege a propriedade e a liberdade de autodeterminação.

A objetividade jurídica é o patrimônio e a auto livre determinação da vontade, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mas normalmente é o credor inexcrupuloso, enquanto que o sujeito passivo normalmente é o devedor que se

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encontra em certa situação de penúria, mas também, tecnicamente falando, é possível que tenhamos mais de um sujeito passivo, como o devedor e a pessoa cujo documento possa dar margem ao procedimento criminal contra esta. Exemplo: o devedor é o marido, mas o documento é da mulher do devedor, tecnicamente ambos são sujeitos passivos.

De acordo com a Exposição de Motivos do CP de 1940, a incriminação visa "a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes da usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado. São bem conhecidos esses recursos, como, por exemplo, o de induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar no título de dívida a assinatura de um parente abastado, de modo que, não resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça de um processo por apropriação indébita ou falsidade"

2. SUJEITOS DO DELITO:

Sujeito ativo é quem exige ou recebe, como garantia de dívida, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro. Não se tratando de crime próprio, qualquer pessoa pode ser autor do fato.

Sujeito passivo é, em primeiro lugar, quem entrega o documento ao sujeito ativo. Pode ocorrer, entretanto, que haja dois sujeitos passivos: um que entrega o documento e outro contra quem pode ser iniciado o procedimento criminal.

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO :

O tipo penal possui dois núcleos: os verbos "exigir" e "receber". Exigir significa reclamar, obrigar. Neste caso, o sujeito impõe à vitima, como condição da entrega da prestação em dinheiro ou qualquer valor, o documento que pode dar causa a procedimento criminal contra ela ou contra terceiro.

No segundo caso, é a própria vítima que entrega ao sujeito o documento como garantia da dívida. Nesta última hipótese, a iniciativa cabe ao ofendido, que procura o sujeito ativo, a ele entregando o documento incriminador.

Exige-se que o sujeito abuse da situação financeira da vítima. Assim, é requisito indeclinável do tipo a existência de uma situação angustiosa do ofendido, que o faz, premido pela necessidade, entregar, como garantia da dívida, ao sujeito ativo, o documento ilícito. Cumpre observar que a lei se refere à situação aflitiva de "alguém". Assim, a situação opressiva pode não ser da vítima, mas de terceiro.

É necessário que o documento, público ou particular, possa dar causa à instauração de um procedimento criminal (ação penal) contra alguém. Exs.: cheque

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sem fundos, documento falso, confissão da prática de delito etc. Não é necessário que o procedimento criminal tenha início. É suficiente que o documento "possa" dar causa a tal iniciativa. Quanto ao cheque sem fundos, subsiste a extorsão indireta ainda quando emitido como garantia de dívida, pós-datado ou assinado em branco. O tipo não exige que se trate realmente de crime ocorrido ou que haja elementos no sentido de uma condenação: basta que possa ser instaurado processo contra alguém. Ora, a emissão de cheque sem provisão de fundos, por si só, leva à possibilidade de instauração de processo criminal.

4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Na conduta de "exigir", o crime é formal. Nesta hipótese, o fato se perfaz com a simples exigência, independentemente de o sujeito ativo efetivamente conseguir o documento que pode dar causa à instauração de procedimento criminal contra alguém. No segundo caso, no verbo "receber", o delito é material, exigindo a efetiva entrega do documento.

Portanto, é delito formal de consumação antecipada.

OBS: No caso do cheque, que é ordem de pagamento à vista, hoje está sendo usado de forma desvirtuada, como o cheque pré-datado, se o cheque voltar sem fundos, esse cheque, nessas condições está sendo utilizado muito mais como nota promissória do que como cheque propriamente dito, assim, se os cheques voltarem não será estelionato, pois este cheque equivale a uma promessa de pagamento, é hipótese de arquivamento do inquérito policial.

No caso do sujeito que tem uma dívida e tinha uma nota promissória vencida, o sacado ameaça de protestar, e oferece trocar por um cheque a nota promissória, o sujeito com medo dá o cheque, passado o tempo, deposita o cheque e este volta, o sujeito que passou o cheque não responderá pelo estelionato, mas a pessoa que exigiu o documento responderá pela extorsão indireta? Há controvérsia, há quem entenda que a pessoa deve responder pela extorsão indireta, mas há acórdão no STJ entendendo que quem emite o cheque não responde por estelionato, quem exige o cheque não responde pela extorsão indireta.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

No núcleo "exigir", o crime atinge a consumação com a simples exigência, independentemente de qualquer resultado ulterior. Neste caso, se o comportamento é realizado verbalmente, não há possibilidade de tentativa; se, por escrito, doutrinariamente é possível. É o caso da carta extraviada em que consta uma exigência.

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Na conduta de "receber", o delito atinge a consumação com a efetiva entrega do documento ao sujeito ativo. Neste caso, tratando-se de delito material, a tentativa é admissível.

6. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O crime só é punível a título de dolo, que se expressa na vontade de exigir ou receber, como garantia de dívida, determinado documento. A figura típica exige, além deste, outro elemento subjetivo, contido na expressão "abusando da situação de alguém". É necessário que o sujeito tenha consciência de que está abusando da situação financeira aflitiva do ofendido.

7. PENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de reclusão, de um a três anos, e multa.

A ação penal é pública incondicionada. O inquérito policial, para ser instaurado, não se condiciona a qualquer exigência. A ação penal não está subordinada a nenhuma condição de procedibilidade.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO III DA USUPAÇÃO

ALTERAÇÃO DE LIMITES - ARTIGO 161 DO CP

Alteração de limites

Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem:

Usurpação de águas

I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;

Esbulho possessório

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II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.

§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.

§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA

Alteração de limites, de acordo com o art. 161, caput, do CP, é o fato de "suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”.

O CP protege a posse e a propriedade dos bens imóveis.

2. SUJEITOS DO DELITO:

Sujeito ativo só pode ser o proprietário do prédio contíguo àquele em que é realizada a alteração de limites. Isso ocorre porque somente o proprietário do prédio limítrofe poderá, suprimindo ou deslocando tapume etc., beneficiar-se do imóvel alheio. Sujeito passivo é o proprietário ou possuidor do imóvel em que a conduta típica é realizada.

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

A conduta típica consiste em suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória. Suprimir significa fazer desaparecer, anular. Deslocar quer dizer tirar do lugar. O comportamento se dirige a tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória. Tapumes são as cercas vivas, de arame farpado ou de madeira etc. (CC, art. 588, § 2°). Marcos são sinais de pedra, madeira, cimento etc., que servem para delimitar o imóvel. O CP se refere ainda a qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, como estradas, caminhos, muros, árvores etc.

4. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O crime só é punível a título de dolo, consistente na vontade de suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória. A incriminação, entretanto, exige outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel". Não basta que o sujeito tenha agido dolosamente. É necessário que pratique a supressão ou

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deslocamento de tapume etc. com finalidade específica de apropriar-se total ou parcialmente do imóvel alheio.

5. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO:

Está contido na expressão "alheia". Assim, não há fato típico quando se trata de imóvel próprio.

6. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

A alteração de limites é crime formal e não material. Isso decorre da circunstância de o tipo descrever a conduta (suprimir ou deslocar) e o resultado (apropriação total ou parcial do imóvel alheio), não exigindo a sua produção. Como se nota na definição legal, é suficiente que o sujeito realize a conduta para o fim da apropriação. Este é o resultado visado. Entretanto, não é necessário que efetivamente se aproprie total ou parcialmente do imóvel alheio. Trata-se de crime de consumação antecipada, consumando-se no instante imediatamente anterior à produção do resultado.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

A alteração de limites atinge a consumação com a efetiva supressão ou deslocamento de tapume, marco etc., não sendo necessário que alcance efetivamente o objetivo visado. A tentativa é admissível, desde que o sujeito não consiga suprimir ou deslocar o sinal indicativo de linha divisória por circunstâncias alheias à sua vontade. Ex.: o agente é surpreendido no ato de iniciar a retirada de palanques de uma cerca.

8. PENA E AÇÃO PENAL:

A alteração de limites é punida com pena de detenção, de um a seis meses, e multa.

Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada (§ 2º). Isso significa que se emprega violência física, ocorrendo lesão corporal, responde por dois delitos em concurso material: alteração de limites e lesão corporal leve, grave ou gravíssima. O mesmo acontece quando, empregando violência, vem a matar alguém. Se apenas realiza a conduta com vias de fato, estas ficam absorvidas pelo crime, não sofrendo punição autônoma. Se a propriedade é particular e não há emprego de violência, a ação penal é de natureza privada. Caso contrário, se a propriedade é pública e o sujeito emprega violência, a ação penal é pública incondicionada.

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USURPAÇÃO DE ÁGUAS

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Usurpação de água constitui o fato de o sujeito desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias (art. 161 § 1º, I do CP).

O CP protege a inviolabilidade patrimonial imobiliária, no que concerne a utilização e gozo de águas, que são pelo Código Civil consideradas imóveis, quando não mobilizada.

2. SUJEITO DO DELITO:

Qualquer pessoa pode sr sujeito ativo de usurpação de águas. É quem desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias. Sujeito passivo é quem sofre o ando em face do desvio ou represamento.

3. ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO:

O Tipo possui dois verbos:

Desviar - mudar o rumo do curso da água.

Represar – impedir que as águas corram normalmente.

As águas podem ser publicas ou particulares. São Públicas, de acordo, com o Código de Águas (Dec. N° 24643/34), os mares territoriais, golfos, baias, enseadas e portos, correntes e canais, navegáveis ou flutuáveis, as correntes de que se forma estas águas, as fontes e reservatórios públicos, as nascentes consideráveis , os braços e correntes publicas, que flutuam na navegabilidade ou flutuabilidade das mesmas.

Já as águas particulares são as nascentes e todas as que se situam em terrenos particulares.

O crime só é punido a titulo de dolo: Vontade de desviar ou represar águas. Exige-se outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão “em proveito próprio ou de outrem”. Assim, inexiste a tipicidade do fato quando o sujeito realiza a conduta por outro motivo, como o de vingança, e não para obter proveito próprio ou de 3º.

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4. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO:

O advérbio “alheias” constitui elemento normativo do tipo. Se as águas desviadas ou represadas são próprias, inexiste a tipicidade do fato.

5. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA :

O crime de Usurpação de águas é comum, de dano, material, instantâneo eventualmente permanente e simples.

Comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. Por se trata de crime de dano, exige a efetiva lesão do bem jurídico (inviolabilidade patrimonial imobiliária). Simples, pois atinge um só interesse jurídico (direito à utilização e gozo da águas). É crime instantâneo, pois consuma-se no momento do desvio ou represamento. Eventualmente, perdurando esses estados, se transforma em permanente.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge a consumação com o efetivo desvio ou represamento de águas alheias. É irrelevante que o sujeito, com desvio ou represamento , consiga o efetivo proveito próprio ou de 3º. A tentativa é admissível, como por exemplo, o sujeito é surpreendido no ato de iniciar o desvio de um córrego.

7. PENA E AÇÃO PENAL:

Aplica-se o que dissemos em relação à alteração de limites.

ESBULHO POSSESSÓRIO

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

De acordo com o art. 161, § lº, II, esbulho possessório é o fato de invadir com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de tirar a posse da vítima.

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Objeto jurídico imediato é a posse do imóvel. De forma secundária, o tipo penal protege outros objetos jurídicos, como a tranqüilidade espiritual e a incolumidade física de quem se acha na posse.

2. SUJEITOS DO DELITO:

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, salvo o proprietário, uma vez que a figura típica se refere a "terreno ou edifício alheio"

Sujeito passivo é o possuidor do imóvel (proprietário, arrendatário, loca-dor etc.).

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

O núcleo do tipo é o verbo invadir, que significa incursionar, penetrar. É necessário que a invasão se dê:

1. com violência a pessoa ou grave ameaça;

2. mediante concurso de mais de duas pessoas.

Na primeira hipótese, o sujeito emprega violência física contra a pessoa ou grave ameaça. Na segunda, exige-se no mínimo quatro pessoas: uma que invade e mais três. O tipo penal se refere a "concurso de mais de duas pessoas". Não é preciso que todos estejam presentes no local do fato. Assim, há o delito de esbulho possessório quando uma pessoa determina a outras três que invadam terreno alheio.

O CP não tutela a simples turbação da posse. É necessário que o sujeito pratique o fato com fim "de esbulho possessório", i. e., que realize o comportamento com a intenção de espoliar o sujeito passivo do exercício da posse do imóvel.

Portanto, no crime de esbulho possessório, a lei prevê que na invasão haja a necessidade da violência ou da grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas. Assim, seriam necessárias 4 pessoas invadindo para configurar o esbulho, uma pessoa pode cometer o crime sozinha se invadir com violência ou grave ameaça. Vale registrar que Nelson Hungria entendia serem necessárias 3 pessoas.

Se o sujeito for um sem terra, que invade sem violência, não há crime, se usar de grave ameaça, há crime.

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4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

Trata-se de crime formal ou de consumação antecipada. A conduta é invadir, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio. O resultado visado pelo agente é o esbulho possessório. Entretanto, para que exista o crime não é necessário que consiga espoliar o sujeito passivo da posse. É suficiente que invada com essa intenção. Daí a natureza formal do delito.

5. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO:

O crime só é punível a título de dolo, que consiste na vontade de invadir, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio. Há outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "para o fim do esbulho possessório". Assim, a figura típica exige que o sujeito realize a conduta com um fim determinado: o de excluir o sujeito passivo do exercício da posse, submetendo o imóvel à sua disponibilidade.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:

O crime atinge a consumação com a conduta de invadir. É admissível a tentativa, desde que o sujeito não consiga entrar no terreno ou edifício alheio por circunstância alheia à sua vontade.

7. PENA E AÇÃO PENAL:

Aplica-se o que dissemos em relação à alteração de limites.

SUPRESSÃO OU ALTERAÇÃO DE MARCAS EM ANIMAIS – ARTIGO 162 DOCP.

Supressão ou alteração de marca em animaisArt. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio,

marca ou sinal indicativo de propriedade:Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.

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Comete o delito quem suprime ou altera marca ou sinal em gado ou rebanho alheios (o tipo não abrange animais sem marcação).

Pressupõe-se a intenção de apropriação dos animais (por se tratar de uma forma de usurpação).

O objeto jurídico é a propriedade de semoventes.

É crime material.

Consuma-se com a alteração ou supressão mencionada, mesmo em relação a um só animal

Admite a tentativa.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO IVDO DANO

DANO – ARTIGO 163 DO CÓDIGO PENAL

Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.Dano qualificadoParágrafo único - Se o crime é cometido:I - com violência à pessoa ou grave ameaça;II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não

constitui crime mais graveIII - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária

de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (Redação dada pela Lei nº 5.346, de 3.11.1967)

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena

correspondente à violência.

Dano é um crime contra o patrimônio no qual o agente não visa necessariamente à obtenção de vantagem econômica.

Trata-se de crime da competência do Juizado Especial. A reparação do dano ou a simples composição em relação ao prejuízo, desde que homologado pelo juiz em audiência preliminar, gera a extinção da punibilidade do agente nos termos do artigo 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95.

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4.1. Objeto Material

Objeto material é a coisa alheia (móvel ou imóvel), inclusive aquela perdida pelo dono.

4.2. Sujeito Ativo

Sujeito ativo é qualquer pessoa, menos o proprietário.

Responde pelo crime do artigo 346 do Código Penal quem tira, suprime, destrói ou danifica coisa própria que se encontra em poder de terceiro em razão de contrato (exemplo: aluguel, penhor etc.) ou de ordem judicial (exemplo: juiz determina a penhora de um bem entregue a depositário).

Se houver condômino da coisa e o bem for infungível, há crime; se o bem for fungível, só haverá crime se a conduta do agente superar sua cota-parte, pois só assim causará prejuízo ao outro.

Não há crime de dano culposo previsto pela legislação comum. No Código Penal Militar existe, por exemplo, policial desidioso que danifica sua arma.

4.3. Sujeito Passivo

Sujeito passivo é o titular do direito de propriedade.

4.4. Elementos Objetivos do Tipo

Destruir: a coisa deixa de existir em sua individualidade; demolir, desfazer o objeto.

Inutilizar: fazer com que o bem se torne inútil para as funções originárias.

Deteriorar: qualquer outra forma de dano que não seja destruir ou inutilizar; estragar; causar modificação para pior.

A conduta de pichar, grafitar caracteriza o crime do artigo 65 da Lei n. 9.605/98, desde que atinja edificação ou monumento urbano.

Na conduta de fazer desaparecer o objeto alheio, o fato é atípico. Trata-se de uma lacuna das normas penais incriminadoras, pois não há adequação ao tipo do artigo 163 do Código Penal.

Lembre-se que a destruição de objeto material de furto é um post factum impunível.

4.5. Consumação

A consumação tem lugar com o efetivo dano ao objeto material, total ou parcial.

É indispensável a prova pericial no crime de dano.

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4.6. Tentativa

A tentativa é admissível.

4.7. Dano Qualificado – Artigo 163, parágrafo único, do Código Penal

A pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

4.7.1. Emprego de violência contra a pessoa ou grave ameaça

A qualificadora incide sobre o meio de execução. Se a violência ou grave ameaça é posterior ao dano, não se tem a qualificadora. Haverá concurso material se da violência resultar lesões, ainda que leves.

4.7.2. Uso de explosivo ou substância inflamável, salvo se o fato constituir crime mais grave

O tipo traz uma subsidiariedade expressa; o crime de dano ficará absorvido se o fato constituir delito mais grave, como, por exemplo, crime de incêndio (artigo 250 do Código Penal), ou de explosão (artigo 251 do Código Penal).

4.7.3. Contra o patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, da sociedade de economia mista ou concessionária de serviço público

Se o bem é particular e está locado ao Poder Público, o dano é simples, pois o patrimônio, no caso, é particular.

O preso que danifica a cela para fugir, para alguns doutrinadores, não comete crime de dano, pois este exige intenção específica de causar prejuízo à

vítima. Para outros, incluindo-se o Prof. Damásio de Jesus, há crime de dano, pois, para sua existência, basta que o agente tenha ciência de que causará prejuízo com

sua conduta.

4.7.4. Motivo egoístico ou se resulta prejuízo considerável à vítima

A intensidade do prejuízo será analisada de acordo com o patrimônio da vítima.

4.8. Ação Penal – Artigo 167 do Código Penal

No dano simples e no dano qualificado do inciso IV a ação penal é privada.

Nas demais formas de dano qualificado a ação penal é pública incondicionada.

Se o promotor denunciar por dano qualificado pelos incisos I, II ou III, e, no curso do processo, o juiz desclassificar o dano para simples, o processo deve ser anulado por ilegitimidade de parte.

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Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia

Art. 164 - Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa.

A ação consiste no pastoreio ilegítimo ou abusivo, ou seja, em levar animais para propriedade alheia (rural ou urbana) e ali deixá-los, sem consentimento de quem de direito (proprietário, possuidor, detentor legítimo). Basta um só animal (animais em sentido genérico).

O fato só é crime se resultar prejuízo (“desde que o fato resulte em prejuízo”). Trata-se de uma condição inserida como elemento objetivo do tipo.

A tentativa é irrelevante (ou há prejuízo e o crime está consumado; ou não há prejuízo, e o fato é atípico).

Inexiste forma culposa.

Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena - detenção, deseis meses a dois anos, e multa.

ATENÇÃO: Os art. 165 e 166 foram tacitamente revogados pela nova lei ambiental que é a lei 9605/98; antes da lei ambiental a pichação era tratada como crime de dano como ação penal privada, mas a lei ambiental expressamente prevê o crime de pichação, mesmo se o prédio for privado e a ação será pública incondicionada – art. 65 lei 9605/98, a lei pune a manifestação egoística para a pichação.

Art. 65 (Lei 9605/1998): Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.

A ação no novo ordenamento (Lei 9.605/1998), consiste em danificar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pelo tombamento (um dos meios de proteção) o Poder Público como que congela determinado bem, impondo a sua preservação (artigo 216 parágrafo 1º da CF, DL 25/1937). A denominação vem de “tombar”, no sentido de registrar publicamente.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive (ou especialmente) o proprietário.

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Sujeito passivo é o Poder Público e também o proprietário (se não for ele o agente).

Ignorada pelo agente a proteção legal, o crime será de dano simples.

Consuma-se com o dano. Admite a tentativa. E admite agora a forma culposa (artigo 62 parágrafo único da Lei 9.605/1998), veja abaixo:

Art. 62 (Lei 9605/1998): Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

A ação penal é pública.

Alteração de local especialmente protegido

Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

O artigo 166 foi REVOGADO tacitamente pela Lei 9.605/1998, no seu artigo 63 (veja abaixo). A estrutura do delito na ordenação da Lei 9.605/1998 é idêntica à do crime tratado no item anterior, acima. Substitui-se basicamente a expressão danificar pela expressão alterar.

Art. 63(Lei 9605/1998): Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Ação penal

Art. 167 - Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa.

No dano simples e no dano qualificado do inciso IV a ação penal é privada.

Nas demais formas de dano qualificado a ação penal é pública incondicionada.

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Se o promotor denunciar por dano qualificado pelos incisos I, II ou III, e, no curso do processo, o juiz desclassificar o dano para simples, o processo deve ser anulado por ilegitimidade de parte.

No caso do crime de Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia, a ação penal é privada (depende de queixa-crime).

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO VDA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

1. APROPRIAÇÃO INDÉBITA - ARTIGO 168 DO CÓDIGO PENAL

Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

Trata-se de crime que se caracteriza pela quebra da confiança, porque o agente tem legitimamente a posse ou a detenção da coisa, a qual é transferida pelo proprietário, de forma livre e consciente, mas, em momento posterior, inverte esse título, passando a agir como se dono fosse.

1.1. Requisitos

São requisitos da apropriação indébita:

Que a vítima, por algum motivo, entregue ao agente um objeto, fazendo-o de forma livre e consciente. Difere, destarte, da extorsão, em que a entrega é feita em razão de violência ou grave ameaça, e do estelionato, em que a vítima, de forma consciente, entrega a coisa, mas está sendo enganada.

Que o agente tenha a posse ou detenção desvigiada (a posse é sempre desvigiada); se a detenção for vigiada, o crime será o de furto; assim, o empregado de uma loja que é vigiado pelo gerente comete furto, mas o

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representante comercial que detém os bens para venda fora da esfera de vigilância do proprietário comete apropriação indébita.

Que o agente, ao receber o bem, esteja de boa-fé (não exista dolo de se apoderar do bem naquele momento), porque, se há dolo antes do recebimento do bem, o crime é de estelionato. Na dúvida, denuncia-se por apropriação indébita, pois a boa-fé se presume.

Que, após estar na posse do bem, o agente inverta o seu ânimo em relação ao objeto, passando a se considerar e a se portar como se fosse dono. O comportamento de dono pode ocorrer com o assenhoreamento definitivo (negativa de restituição) ou quando o agente dispõe do bem, vendendo-o, alugando-o (apropriação indébita propriamente dita).

1.2. Consumação e Tentativa

Trata-se de crime material. Consuma-se no momento em que o agente transforma a posse ou detenção sobre o objeto em domínio, ou seja, quando passa a adotar comportamentos incompatíveis com a mera posse ou detenção da coisa.

A tentativa em tese é possível no caso de apropriação indébita propriamente dita, quando, por exemplo, o agente é impedido de vender o objeto de que tem a posse ou a detenção. O conatus, porém, não seria possível na hipótese de negativa de restituição.

1.3. Observações Gerais

O funcionário público que se apropria de coisa pública, ou de coisa particular que se encontra sob a guarda da Administração, pratica o crime de peculato (peculato-apropriação - artigo 312 do Código Penal).

A posse do todo (continente) entregue trancado não implica a posse do conteúdo. Exemplo: alguém recebe um cofre trancado para transportá-lo e o arromba para se apropriar dos valores nele contidos. O agente pratica furto qualificado pelo rompimento de obstáculo.

A apropriação de uso não constitui crime pela ausência de ânimo de assenhoreamento definitivo.

Pergunta: É possível apropriação indébita de coisa fungível?

Resposta: Sim. Há, entretanto, duas exceções: quando o bem é recebido em razão de contrato de mútuo ou de depósito, porque os artigos 587 e 645 do Código Civil estabelecem que nesses contratos a tradição transfere a propriedade e, assim, o sujeito não recebe a “posse de coisa alheia” – recebe na posição de dono.

Quando podemos dizer que a não-restituição do bem configura o crime em estudo? Quando já houver vencido o prazo para a devolução da coisa. E se não houver prazo para tal? O vencimento do prazo passa a ficar na dependência de prévia interpelação, notificação ou protesto por parte da vítima, muito embora tais medidas não sejam indispensáveis à configuração do crime.

Tem-se reconhecido crime único nas condutas de quem:

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estando obrigado a uma prestação conjunta, em várias ocasiões apropria-se do numerário de terceiro;

sendo empregado, recebe dinheiro de várias pessoas e não o entrega ao patrão.

1.4. Causas de Aumento de Pena - Artigo 168, § 1.º, do Código Penal

A razão de ser do aumento de pena é o motivo pelo qual a pessoa recebe a posse. Aumenta-se a pena em 1/3, quando:

a) o bem é recebido em depósito necessário. Nos termos dos artigos 647 e 649 do Código Civil, depósito necessário pode ser:

- legal: decorre de lei;

- miserável: feito em razão de situações de calamidades como enchentes, desabamentos etc.;

- por equiparação: refere-se aos valores de bagagens dos hóspedes em hotéis, pensões ou estabelecimentos congêneres.

b) o agente recebe o objeto na qualidade de tutor, curador, síndico, inventariante, testamenteiro, liquidatário (figura que não existe mais em nosso sistema) ou depositário judicial;

c) o agente recebe o objeto no desempenho de sua profissão, emprego ou ofício.

Há grande divergência doutrinária no tocante à abrangência da causa de aumento de pena do inciso I (depósito necessário). Vejamos os entendimentos:

Para Nelson Hungria, abrange apenas o depósito miserável, pois o depositário legal é sempre funcionário público, que comete peculato, e o depósito por equiparação se enquadra no artigo 168, § 1.º, inciso III.

Para Magalhães Noronha, o dispositivo compreende o depósito legal, miserável e por equiparação.

Segundo Damásio de Jesus, tratando-se de depósito necessário legal, duas hipóteses podem ocorrer. Se o sujeito ativo é funcionário público, responde por delito de peculato. Se o sujeito ativo é um particular, responde por apropriação indébita qualificada, nos termos do artigo 168, parágrafo único, inciso II, última figura (depositário judicial). Assim, não se aplica a disposição do inciso I. Tratando-se de depósito necessário por equiparação, não aplicamos a qualificadora do depósito necessário, mas sim a do inciso III do parágrafo único (coisa recebida em razão de

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profissão). O parágrafo único, inciso I, quando fala em depósito necessário, abrange exclusivamente o depósito necessário miserável.

Note-se que no § 1.º houve um erro do legislador, pois trata-se de parágrafo único, já que não existe nenhum outro.

Apropriação indébita previdenciária (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Trata-se de modalidade de sonegação fiscal.

A apropriação indébita previdenciária pune a conduta de não transferir as contribuições recolhidas dos contribuintes ao Instituto Nacional de Seguridade Social.

O crime consuma-se quando o prazo assinalado para o recolhimento se esgota. Trata-se de crime omissivo puro, por isso a tentativa é inviável.

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As figuras descritas no § 1.º destinam-se ao contribuinte-empresário, que deve recolher a contribuição que arrecadou do contribuinte.

O § 2.º estabelece a extinção da punibilidade se o agente, antes do início da ação fiscal, espontaneamente, confessa, declara, paga e presta todas as informações que lhe forem solicitadas pela Previdência.

O § 3.º dispõe que, se o pagamento for feito após o início da ação fiscal (procedimento administrativo da Previdência, que visa apurar o valor devido) e antes do oferecimento da denúncia, o juiz poderá aplicar somente a pena de multa ou conceder o perdão judicial. A providência é cabível se o réu for primário e de bons antecedentes.

1.6. Apropriação de Coisa Havida Por Erro (caput) - Artigo 169 do Código Penal

Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza

Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre:

Apropriação de tesouro

I - quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;

Apropriação de coisa achada

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.

Caracteriza-se pela entrega da coisa pela vítima, que se encontra em erro, ao agente. Erro é a representação falsa de algo.

O erro pode se referir:

à pessoa a quem deve ser entregue o objeto;

ao próprio objeto;

à existência da obrigação.

1.6.1. Distinções

A apropriação de coisa havida por erro distingue-se dos seguintes crimes:

Apropriação indébita (artigo 168), porque nesta a vítima não está em erro.

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Extorsão (artigo 158), no qual a vítima entrega o bem mediante coação.

Estelionato (artigo 171), no qual o agente sabe que a vítima está em erro antes de receber o bem porque cria uma situação de fraude para induzi-la ou mantê-la nessa circunstância, justamente para que ela efetue a entrega do objeto (o agente recebe a coisa de má-fé). Na apropriação de coisa havida por erro, o agente não percebe que recebeu o objeto por equívoco; posteriormente toma conhecimento do engano e decide não devolver o bem (o agente recebe a coisa de boa-fé).

1.7. Apropriação de Coisa Achada - Artigo 169, parágrafo único, inciso II, do Código Penal

Tipifica a conduta de quem encontra coisa perdida (res desperdita) e dela se apodera no total ou em parte, deixando de devolvê-la ao dono ou ao legítimo possuidor ou, ainda, de entregá-la à autoridade (policial ou judiciária) no prazo de 15 dias.

Coisa perdida é a que se extraviou do dono em local público ou aberto ao público. Coisa esquecida em local particular não equivale à coisa perdida, sendo, pois, objeto de furto. Também não se considera coisa perdida a res derelicta (coisa abandonada) e a res nullius (coisa que nunca teve proprietário ou possuidor).

O delito se consuma após os 15 dias que a lei estabelece para a devolução, salvo se antes disso o agente deixa clara sua intenção de não devolver. É um “crime a prazo”.

Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei n. 9.099/95.

1.8. Privilegiada

Privilegiada

Art. 170 - Nos crimes previstos neste Capítulo, aplica-se o disposto no art. 155, § 2º.

De acordo com o art. 170 do CP, à apropriação indébita é aplicável o disposto no art. 155, § 2º. Significa que se o criminoso é primário e é de pequeno valor a coisa apropriada o juiz deve substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa. Como ficou consignado no estudo do furto, não se trata de simples faculdade a aplicação do privilégio. Se presentes as circunstâncias legais, o juiz está obrigado a reduzir ou substituir a pena.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

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DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO VIDO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES

2. ESTELIONATO – ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL

Estelionato

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

Fraude na entrega de coisa

IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

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Caracteriza-se pelo emprego de fraude, para induzir ou manter a vítima em erro, convencendo-a a entregar seus pertences. Erro é a falsa percepção da realidade.

Artifício é a utilização de algum aparato material para enganar (cheque, bilhete etc.). Ardil é a conversa enganosa. Pode ser citado, como exemplo de qualquer outro meio fraudulento, o silêncio empregado para manter a vítima em erro.

2.1. Sujeito Ativo

O sujeito ativo é qualquer pessoa.

Admite-se o concurso de pessoas. Exemplo: quando um emprega a fraude e o outro obtém a indevida vantagem patrimonial.

2.2. Sujeito Passivo

O sujeito passivo é qualquer pessoa, desde que determinada. Não se pode denunciar por estelionato quando as vítimas são indeterminadas. Em tais casos, pode se caracterizar crime contra a economia popular. Exemplo: adulteração de balança. A propósito, caracteriza crime contra a economia popular: “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’, e quaisquer outros meios equivalentes)” (artigo 2.º, inciso IX, da Lei n. 1.521/51).

A vítima é a pessoa enganada que sofre o prejuízo material. Pode haver mais de uma (a que é enganada e a que sofre o prejuízo).

2.3. Objetivo da Fraude

Provocar o equívoco da vítima (induzir em erro) ou manter o erro em que já incorre a vítima, independentemente de prévia conduta do agente. O emprego da fraude deve ser anterior à obtenção da vantagem ilícita.

2.4. Consumação

O crime é material. Se consuma com a efetiva obtenção da vantagem ilícita (não há a expressão “com o fim de”, típica dos crimes formais). Consuma-se, pois, no momento em que o agente aufere a vantagem econômica indevida e não no momento do emprego da fraude.

O resultado no crime de estelionato é duplo: vantagem ilícita e prejuízo alheio. Assim, se a vítima sofre o prejuízo, mas o agente não obtém a vantagem, o crime é tentado. O agente responderá por tentativa se obtiver a vantagem ilícita, sem causar prejuízo à vítima.

2.5. Tentativa

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A tentativa é possível. Mas, se a fraude é meio inidôneo para enganar a vítima, o crime é impossível por absoluta ineficácia do meio (artigo 17 do Código Penal). A inidoneidade do meio deve ser analisada de acordo com as circunstâncias pessoais da vítima. Se o meio é idôneo, mas, acidentalmente, se mostrou ineficaz, há tentativa.

2.6. Observações

Se o agente diz que, de alguma forma, irá influir em funcionário público para beneficiar a vítima, comete o crime de tráfico de influência (artigo 332 do Código Penal).

Qualquer banca de jogo de azar é ilegal e o agente pratica a contravenção do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, exceto se há emprego de fraude com o fim de excluir a possibilidade de ganho – nesse caso tem-se estelionato.

Pergunta: Qual a responsabilização de quem falsifica documento para cometer estelionato?

Resposta: Há divergência:

Uma corrente aplica a Súmula n. 17 do Superior Tribunal de Justiça: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Exemplo: se o agente falsifica um RG e o usa junto com o cheque da vítima, a potencialidade lesiva do falso persiste, pois o agente, após entregar o cheque (cometendo estelionato – artigo 171, § 2.º, inciso VI, do Código Penal), continua com o RG da vítima, podendo vir a praticar outros crimes – não há absorção, o agente responderá pelos dois delitos.

Uma outra corrente entende que há concurso material entre falsificação de documento e estelionato. Não há absorção de um crime por outro porque atingem bens jurídicos diversos, sendo também diversas as vítimas. Ademais, não há unidade de conduta.

Ambos os crimes coexistem, mas em concurso formal. Conforme adverte o Prof. Damásio de Jesus, tecnicamente trata-se de concurso material, mas, por razões de política criminal, na jurisprudência prevalece que há concurso formal. É a posição do Supremo Tribunal Federal.

Outra corrente sustenta que o falso (documento público) absorve o estelionato porque tem pena mais grave.

Pergunta: Que se entende por fraude bilateral?

Resposta: Há fraude bilateral quando a vítima também age de má-fé. Exemplo: a vítima compra uma máquina de fazer dinheiro que não passa de um truque.

Pergunta : No caso de fraude bilateral existe estelionato por parte de quem ficou com o lucro?

Resposta: A doutrina se divide:

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Segundo Nelson Hungria não há crime, pois:

a lei não pode amparar a má-fé da vítima;

se no cível a pessoa não pode pedir a reparação do dano, então também não há ilícito penal.

Na visão de Magalhães Noronha existe estelionato, pois:

a lei não pode ignorar a má-fé do agente com a qual obteve uma vantagem ilegal;

a boa-fé da vítima não é elementar do tipo;

o Direito Penal visa tutelar o interesse de toda a coletividade e não apenas o interesse particular da vítima.

2.7. Privilégio – Artigo 171, § 1.o, do Código Penal

2.7.1. Requisitos

Pequeno valor do prejuízo. Não deve superar um salário mínimo. O valor do prejuízo deve ser apurado no momento de sua consumação. No caso de tentativa, leva-se em conta o prejuízo que o agente pretendia causar à vítima.

Que o agente seja primário.

As conseqüências são as mesmas do furto privilegiado, segundo o artigo 155, § 2.º, do Código Penal. Aplica-se às figuras do caput e do § 2.º, que não são qualificadoras.

Não se trata de faculdade, mas sim de direito do réu.

2.8. Disposição de Coisa Alheia Como Própria – Artigo 171, § 2.º, inciso I, do Código Penal

“§ 2.º Nas mesmas penas incorre quem: I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;”

O fato consuma-se com o recebimento da vantagem.

Não é necessária a tradição ou inscrição no registro do objeto da venda.

O silêncio do agente a respeito da propriedade da coisa é imprescindível. A ciência do adquirente exclui o delito.

É admissível a tentativa.

Tem-se entendido que, se o agente está na posse ou na detenção do objeto material e o aliena, responde somente por apropriação indébita.

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2.9. Alienação ou Oneração Fraudulenta de Coisa Própria – Artigo 171, § 2.º, inciso II, do Código Penal

“§ 2.º Nas mesmas penas incorre quem: ...II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;”

O silêncio do agente constitui a fraude.

A inalienabilidade pode ser legal ou convencional (imposta por doador ou testador).

A simples promessa de venda não configura o delito. O delito consuma-se com a obtenção da vantagem.

A tentativa é admissível.

2.10. Defraudação de Penhor – Artigo 171, § 2.º, inciso III, do Código Penal

“§ 2.º Nas mesmas penas incorre quem:...III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;”

Trata-se da espécie de penhor em que, pelo efeito da clausula constituti, a coisa móvel empenhada continua em poder do devedor.

O sujeito ativo é somente o devedor do contrato de penhor.

Se tiver o consentimento do credor não comete crime.

A defraudação de penhor consiste em defraudar o objeto material que constitui a garantia pignoratícia. Trata-se de crime material, exigindo-se a efetiva defraudação da garantia pignoratícia. Consuma-se com a alienação, a ocultação, o desvio, a substituição, o consumo, o abandono etc. da coisa dada em garantia.

2.11. Fraude na Entrega de Coisa - Artigo 171, § 2.º, inciso IV, do Código Penal

“§ 2.º Nas mesmas penas incorrer quem:...IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;”

O sujeito ativo é aquele que tem a obrigação de entregar a coisa a alguém.

A ação incide sobre a qualidade, quantidade ou substância.

Consuma-se com a tradição do objeto material. Admite-se a tentativa.

2.12. Fraude para Recebimento de Indenização ou Valor de Seguro – Artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal

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“§ 2.º Nas mesmas penas incorrer quem:...V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;”

Pressuposto do crime é a existência de contrato de seguro válido e vigente ao tempo da ação.

O sujeito ativo é o segurado; o sujeito passivo, o segurador.

Nada impede que terceiro intervenha no comportamento típico, respondendo também pelo crime. Na hipótese de lesão causada no segurado, o terceiro responde por dois crimes: estelionato e lesão corporal.

Nessa modalidade, é crime formal, pois basta que se realize a conduta, independentemente da obtenção da vantagem indevida. Não é necessário que o autor do fato seja o beneficiário do contrato de seguro, podendo ocorrer que terceiro venha a receber o valor da indenização.

Admite-se a tentativa.

2.13. Fraude no Pagamento por Meio de Cheque – Artigo 171, § 2.o, inciso VI, do Código Penal

“§ 2.º Nas mesmas penas incorre quem:...VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.”

Emitir é preencher, assinar e colocar em circulação (entregar a alguém).

Trata-se de crime doloso, não admitindo a modalidade culposa. Para configurar o crime, o agente deve ter consciência da falta de provisão de fundos quando da emissão do cheque. Súmula n. 246 do Supremo Tribunal Federal: “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos”.

Frustrar o pagamento do cheque é o segundo núcleo do crime. Caracteriza-se pela existência de fundos no momento da emissão e o posterior impedimento do recebimento do valor, como, por exemplo, sustação de cheque, saque do valor antes da apresentação do cheque etc.

2.13.1. Consumação

A consumação ocorre quando o banco sacado se recusa a efetuar o pagamento, pois é nesse momento que ocorre o prejuízo. Trata-se de crime material.

Súmula n. 521 do Supremo Tribunal Federal: “O foro competente para o processo e o julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado”.

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No caso de o agente emitir dolosamente um cheque sem fundos, mas, antes da consumação, se arrepender e depositar o valor, ocorre o arrependimento eficaz que exclui o crime (artigo 15 do Código Penal).

Se, por outro lado, o agente arrepender-se após a consumação do crime, incide a Súmula n. 554 do Supremo Tribunal Federal: “O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”. Assim, se o pagamento efetuado após a denúncia não obsta a ação penal, o pagamento efetuado antes da denúncia, impede a ação penal. Esse era o entendimento antes da reforma de 1984.

Com a reforma penal de 1984, posterior à edição dessa súmula, surgiu o instituto do arrependimento posterior (artigo 16 do Código Penal), que impõe a redução da pena na hipótese de o agente se arrepender após a consumação do crime, mas antes do oferecimento da denúncia.

O Pretório Excelso, porém, reexaminando a questão manteve, por razões de política criminal, seu entendimento anterior à Lei n. 7.209/84. Destarte, a súmula continua sendo aplicada.

A reparação do dano, feita após o recebimento da denúncia, é mera atenuante genérica.

2.13.2. Tentativa

A tentativa existe nas duas modalidades. Exemplo: o agente atua com dolo, mas esquece que tem dinheiro na conta e o banco paga o cheque. O agente quis o estelionato, mas por circunstâncias alheias à sua vontade o crime não se consumou.

2.13.3. Observação

O delito em estudo pressupõe que a emissão do cheque sem fundos tenha sido a fraude empregada pelo agente para induzir a vítima em erro e convencê-la a entregar o objeto. Não há crime quando o prejuízo preexiste em relação à emissão do cheque (exemplo: empréstimo e posterior pagamento com cheque sem fundos). Pela mesma razão, não há crime quando o cheque é entregue em substituição a outro título de crédito anteriormente emitido.

Se o agente encerra sua conta corrente, mas continua emitindo cheques que manteve em seu poder, configura o crime de estelionato (artigo 171, caput, do Código Penal). É o estelionato do caput porque a fraude preexiste em relação à emissão do cheque.

Inexiste crime quando o cheque é emitido para pagamento de dívida de conduta ilícita (jogo, por exemplo).

A natureza jurídica do cheque é de ordem de pagamento à vista. Qualquer atitude que desconfigure essa natureza afasta o delito em análise (exemplos: cheque pré-datado, cheque dado como garantia etc.).

O desconto do cheque fora do prazo para apresentação descaracteriza o delito.

O pagamento com cheque roubado caracteriza estelionato simples.

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2.14. Artigo 171, § 3.o, do Código Penal – Causa de Aumento de Pena

Aumenta-se a pena em 1/3:

Se o estelionato é praticado contra entidade de direito público. Súmula n. 24 do Supremo Tribunal Federal: “Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3.º do artigo 171 do Código Penal”.

Se é praticado contra entidade assistencial, beneficente ou contra instituto de economia popular, pois o prejuízo não atinge apenas as entidades, mas sim todos os seus beneficiários.

Duplicata simulada

Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquêle que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído pela Lei nº 5.474. de 1968)

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

Constitui crime o fato de emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado (art. 172 do CP, com redação do art. 19 da Lei n. 8.137/90).

É diferente do art. 1o, III da lei 8137/90, pois a diferença é que no crime de duplicata simulada não houve a realização de qualquer serviço, a duplicata que é emitida não corresponde a nenhuma venda efetivada, já no crime tributário, houve uma venda efetiva, mas o sujeito altera a duplicata de forma que incida um imposto menor do que o sujeito tenha que pagar.

O vendedor, nos negócios a prazo, está obrigado a remeter ao comprador a fatura e respectiva duplicata. Na fatura deve constar relação das mercadorias vendidas, espécie, qualidade etc., podendo, entretanto, apenas fazer menção do valor e número das notas entregues juntamente com as mercadorias. O art. 2º, § lº, da Lei nº 5.474/68, determina os requisitos que devem preencher a duplicata, que deve ser

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expedida com a fatura. Assim, a duplicata deve corresponder a uma venda efetiva, originando-se com a respectiva fatura. Com a aceitação do comprador, a duplicata se separa da fatura, entrando em circulação como promessa de pagamento, transformando-se em título de crédito.

A duplicata também pode ser gerada pela prestação de serviços. O art. 20 da referida lei dispõe: "As empresas individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata".

O crime consiste em o sujeito emitir duplicata, fatura ou nota de venda, que não corresponda à efetiva compra e venda ou prestação de serviços. Esse fato lesa o patrimônio do tomador da duplicata, que recebe um título de conteúdo creditício inexistente. Pode também ser realizado mediante a emissão de fatura ou nota de venda nas condições do tipo. O CP protege, assim, o patrimônio do tomador da duplicata etc.

2. SUJEITOS DO DELITO:

Sujeito ativo do crime é quem emite a duplicata, fatura ou nota de venda, sem a correspondente compra e venda ou prestação de serviços.

Sujeito passivo, em primeiro lugar, é quem desconta a duplicata; em segundo plano, é o sacado que age de boa-fé. Se está de má-fé, aceitando a duplicata simulada, é sujeito ativo do delito, amoldando a sua conduta ao núcleo típico "aceitar". É também sujeito passivo quem recebe a fatura ou nota de venda.

O endossatário, não obstante opiniões em contrário, não responde pelo crime, uma vez que seu comportamento não se inclui no núcleo típico emitir. O mesmo ocorre com a situação do avalista. Os dois só respondem por crime se agirem dolosamente desde o início, pretendendo lesar o sacado.

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO:

O núcleo do tipo é o verbo emitir. Não significa preencher a duplicata, fatura ou nota de venda. Exige-se que o sujeito a coloque em circulação. Assim, tratando-se de duplicata, é necessário que o sujeito a ponha em circulação, remetendo-a ao aceitante ou endossando-a antes do aceite. O conteúdo da duplicata, fatura ou nota de venda, para que exista crime, não deve corresponder à mercadoria vendida, em qualidade ou quantidade, ou ao serviço prestado.

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4. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO:

A duplicata simulada só é punível a título de dolo, vontade de emitir o titulo com consciência da inexistência da compra e venda ou da prestação de serviços.

A intenção de o sacador pagar o título simulado no vencimento não desnatura o elemento subjetivo do tipo.

A expedição do título por engano não leva à punição da conduta. O tipo penal não prevê a modalidade culposa.

5. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:

A duplicata simulada é delito formal, de consumação antecipada. O tipo penal não exige a produção do resultado visado pelo sujeito, que é a obtenção da vantagem indevida por intermédio do desconto do título.

É crime unissubsistente, de ato único.

6. MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA:

O crime atinge a consumação com a colocação da duplicata em circulacão, por intermédio da remessa ao aceitante ou seu endosso, ou com a emissão da fatura ou nota de venda.

Delito unissubsistente, não admite a figura da tentativa. Ou o sujeito expede a duplicata, fatura ou nota de venda, e o crime se aperfeiçoa; ou não realiza essas condutas, e não existe comportamento típico.

7. FALSIDADE NO LIVRO DE REGISTRO DE DUPLICATAS :

Nas mesmas penas incorre quem falsifica ou adultera a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas (CP, art. 172, parágrafo único).

Trata-se de crime de falsidade documental, transferido pelo legislador para o capítulo do estelionato. A punição como delito contra o patrimônio é desnecessária, uma vez que o fato já se enquadra como falso de documento publico (CP, art. 297,

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§ 2º). Além disso, se após o falso o sujeito expede a duplicata, a falsidade se insere no contexto típico como fato antecedente impunível; se o falso é praticado depois da expedição de duplicata simulada, torna-se um post factum impunível.

8. PENA E AÇÃO PENAL:

A pena é de detenção, de dois a quatro anos, e multa (CP, art. 172, caput e parágrafo único).

A ação penal é pública incondicionada.

Abuso de incapazes

Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Comete o delito de abuso de incapazes quem se aproveita do entendimento precário de menor de 18 anos, de louco ou de retardado mental, convencendo-o, em proveito próprio ou alheio, a praticar ato em detrimento dele ou de terceiro. O Agente deve saber da incapacidade da vítima (na dúvida poderá haver dolo eventual). No caso do deficiente mental não é necessária a interdição civil (basta a comprovação do fato em juízo).

Trata-se de crime formal, que se consuma independentemente da efetivação do proveito (RT 613/405).

A tentativa é admissível, quando a conduta da vítima , induzida a ato que lhe é prejudicial, tiver de se desdobrar em mais de um ato. Haverá crime impossível se a pessoa visada não for suscetível de se deixar persuadir ou sugestionar.

Anotações especiais: Compreensão mínima: Para uma corrente a vítima deve ter um mínimo de compreensão para ser persuadida ou sugestionada, caso contrário o delito será de furto (Mantovani, Dirito Penale, p. 1888). Erro de tipo: Pode ocorre havendo erra quanto a incapacidade da vítima. Menor emancipado: Não é sujeito passivo. Menoridade: Na sua avaliação prevalece a do CP (menos de 18 anos). Nulidade Absoluta: Não há crime se o ato padecer de nulidade absoluta (desde que por motivo diverso da condição ou deficiência da vítima).

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Induzimento à especulação

Art. 174 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

A infração penal do artigo 174 assemelha-se à do artigo 173, com duas diferenças.

Primeiro, a inferi8oridade mental, aqui (conforme Hungria), refere-se a pessoa simplória ou pobre de espírito (não chegando a ser louca, nem débil mental).

Segundo, o induzimento não é para ato prejudicial qualquer, mas especificamente para jogo, aposta ou especulação com títulos ou mercadorias.

O agente sabe, ou possui dados suficientes para saber (deve saber) que a operação tem, ou pode ter, resultado ruinoso.

É crime formal.

Consuma-se com as práticas referidas, não importando a conseqüência de lucro ou prejuízo para a vítima.

Cabe tentativa.

Fraude no comércio

Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:

I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

II - entregando uma mercadoria por outra:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

§ 2º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2º.

O dispositivo trata da fraude na atividade comercial. Há duas modalidades simples e uma modalidade qualificada.

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Modalidade simples: a) vender como verdadeira ou perfeita mercadoria falsificada ou deteriorada (estragada, danificada); b) entregar uma mercadoria por outra, de tipo inferior.

Modalidade qualificada (com pena ,muito maior): fraudar qualidade ou peso de metais ou pedras preciosas.

O sujeito ativo tem que ser o comerciante, de direito ou de fato, ou comerciário (crime próprio). Considera-se comerciante quem pratica, profissionalmente e em nome próprio, atos de intermediação na troca, com intuito de lucro (um ou dois atos isolados não caracterizam atividade comercial). O conceito de comerciante abrange não só quem se dedica ao comércio, mas também aquele que exerce atividade industrial.

Trata-se de crime doloso, não havendo forma culposa. Consuma-se com a entrega da coisa fraudada a uma vítima determinada (não pode ser indeterminada).

Cabe tentativa. Cabe forma privilegiada (artigo 175 parágrafo 2º). Exemplo: vender como bom piano em péssimo estado (RT 445/484); defraudar qualidade de uísque (RT 613/346).

Anotações especiais:

Alimentos ou remédios: Nestes produtos o crime poderá ser contra a saúde pública (arts. 272 e 273 do CP).

Agente não comerciante: Neste caso o crime poderá ser do artigo 171 parágrafo 2º, inciso IV do CP.

Mercadoria imprópria ao consumo: Se forem consumíveis, como os alimentos,poderá haver crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990, artigo 7º, inciso IX); mas se forem duráveis, como um livro, e houver deterioração, continuará a tipificar-se o crime em exame (fraude no comércio), do artigo 175, inciso I, do CP.

Mistura de mercadorias de espécies diferentes: Pode tipificar crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990), ou crime contra a economia popular (Lei 1.512/1951).

Outras fraudes

Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

As “outras fraudes” referidas na rubrica do artigo 176 são três:

a) fraude no consumo de refeição em restaurante;

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b) fraude na hospedagem em hotel;

c) fraude no uso de meio de transporte.

O agente usa os serviços sabendo não dispor de recursos para pagar por eles.

Não há crime se o agente tem os recursos (mas não paga por motivo diverso da falta de recurso). No “pendura”, por exemplo, tem-se entendido haver apenas ânimo de fazer galhofa (animus jocandi) e que o estudante pode pagar, se quiser.

A estrutura do tipo é a de delito formal, consumando-se com a ingestão da refeição, com o alojamento ou com o transporte, não havendo referência no tipo a qualquer resultado. Para vários autores, porém, trata-se de crime material, de dano (Hungria, Delmanto).

Pode caber tentativa (frustrada a tentativa antes do consumo ou do uso).

A ação penal depende de representação, podendo o juiz, conforme a circunstância, deixar de aplicar a pena (perdão judicial).

Anotações especiais:

Bebidas: Por si sós,não caracterizam refeição.

Pagamento com cheques sem fundos: Cabe o artigo 176 (Fragoso), para outros cabe o artigo 171 parágrafo 2º, inciso VI do CP (RT 452/437).

Passageiro clandestino: Não caracteriza o crime em pauta, mas estelionato comum (artigo 171, caput), por causa do uso do artifício.

Refeição fora do restaurante (para viagem): Não caracteriza o delito por falta de tipicidade.

Serviços equiparados: Os restaurantes equiparam-se a bares, cafés, boates, lanchonetes, leiterias etc. Os hotéis equiparam-se a estalagens, pensões, motéis, albergues e assemelhados. O transporte abrange o ônibus, o táxi, o trem, o barco, o navio, o avião e outros. Trata-se de interpretação extensiva, aqui permitida, porque favorável ao réu (analogia in bonan partem), para evitar imposição de tipo mais grave, do estelionato comum (a lei tratou estas “outras fraudes” como estelionatos menores).

Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações

Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.

§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: (Vide Lei nº 1.521, de 1951)

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I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;

II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;

III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral;

IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;

V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;

VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;

VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;

VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV, V e VII;

IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos ns. I e II, ou dá falsa informação ao Governo.

§ 2º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral.

O dispositivo divide-se em três partes:

Na primeira parte pune instituidores de sociedade anônima que divulguem informações falsas ou ocultem fraudulentamente fatos relevantes a ela relativos (artigo 177, caput).

Na segunda parte traz sanções penais referentes a regras de conduta a serem seguidas por diretores, gerentes, fiscais ou liquidantes da empresa (parágrafo 1º, incisos I a VIII), incluindo representante da sociedade anônima estrangeira ( parágrafo 1º, IX).

Na terceira parte pune-se o acionista que negociar seu voto nas deliberações da assembléia geral ( parágrafo 2º).

Os dirigentes da sociedade anônima não devem fazer afirmações falsas sobre condições econômicas da sociedade, promover falsa cotações das ações, tomar empréstimo à sociedade ou distribuir lucros ou dividendos fictícios.

Anotações Especiais:

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O mestre Dámádio de Jesus ensina que “o fato incide na Lei de Economia Popular (Lei nº 1.521/1951, artigo 3º, incisos VII a X), quando atinge um numero indeterminado de pessoas; caso em que a sociedade por ações é organizada por subscrição pública, apresentando-se com natureza popular; aplica-se o código penal (artigo 177), quando lesa ou expõe a perigo de lesão uma pessoa ou um número determinado e pequeno de pessoas” (Código Penal Anotado, p. 641).

Ver também crimes contra mercado de capitais (Lei 6.385/1976, com atualização da Lei n.º 10.303/201).

Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant"

Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O conhecimento de depósito e o “warrant” são dois títulos de crédito, com finalidades diferentes, emitidos, porém ao mesmo tempo (títulos gêmeos), por armazéns-gerais, cujo objeto é a guarda e a conservação de mercadorias.

O endosso do conhecimento de depósito transfere a propriedade da mercadoria depositada. O endosso do “warrant” significa que a mercadoria depositada foi dada em garantia de um empréstimo ou de alguma obrigação.

O delito consiste na emissão dos títulos em desacordo com as disposições gerais, arroladas no Decreto 1.102, de 21.11.1903 (armazém-geral não regularmente constituído; falta de autorização legal para emissão dos títulos; inexistência de mercadorias mencionadas, ou desacordo entre estas e os títulos; etc).

Sujeito ativo é quem recebe as mercadorias em depósito e emite os títulos, podendo haver co-autoria com depositante (desde que ciente dos fatos) ou com terceiro.

Sujeito passivo é o endossatário do título.

Consuma-se com o endosso e conseqüente circulação do título, independentemente da prova do prejuízo efetivo (crime formal).

Não admite tentativa.

Fraude à execução

Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.

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Comete o delito o devedor que subtrai bens à penhora, mediante as condutas do tipo (alienação, desvio, destruição ou danificação de bens), ou prejudica o rateio entre credores, mediante inclusão de credores fictícios, para simular dívidas.

Na esfera civil o conceito de fraude à execução é mais amplo, abrangendo várias hipóteses, como a existência de demanda anterior. Na esfera penal, porém, é necessário que já exista execução instalada ou. Pelo menos, sentença apta a ser executada (proibição de interpretação extensiva contra o réu).

Sujeito ativo é o devedor (crime próprio) Também o devedor comerciante (embora alguns autores excluam, sugerindo que ele, no caso, praticaria crime falimentar). Mas, na verdade, não havendo falência não existe crime falimentar, incidindo apenas a lei comum (artigo 179do CP). Declarada a falência, dá-se o concurso formal entre o crime comum e o crime falimentar (como dispõe o artigo 192 da CF, DL 7.661/1945).

Consuma-se o crime com a frustração da execução, mediante as ações descritas (não há crime se, apesar da ação, restarem bens suficientes para satisfazer os credores). Cabe tentativa.

A ação penal é privada (artigo 179, parágrafo único). Mas, a ação penal será pública incondicionada se o crime atingir interesse da União, Estado ou Município (artigo 24, parágrafo 2º do CPP).

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO VIIDA RECEPTAÇÃO

3. RECEPTAÇÃO – ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL

Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Receptação qualificada(Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

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§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

Trata-se de crime acessório, cuja existência pressupõe a prática de um delito antecedente (crime pressuposto). O tipo menciona “produto de crime” para a caracterização da receptação, portanto, aquele que tem sua conduta ligada a uma contravenção anterior não comete receptação.

A receptação é crime contra o patrimônio, porém, o crime antecedente não precisa estar previsto no título dos crimes contra o patrimônio, mas é necessário que cause prejuízo a alguém (exemplo: receber coisa produto de peculato).

A receptação é crime de ação pública incondicionada, independente da espécie de ação do crime anterior.

Existe receptação de receptação, e de acordo com Victor E. Rios Gonçalves “respondem pelo crime todos aqueles que, nas sucessivas negociações envolvendo o objeto, tenham ciência da origem espúria do bem. Desse modo, ainda que tenha ocorrido uma quebra na seqüência, haverá receptação. Exemplo: o receptador A vende o objeto para B, que não sabe da origem ilícita e, por sua vez, vende-o a C, que tem ciência da origem espúria do objeto. É óbvio que nesse caso A e C respondem pela receptação, pois o objeto não deixa de ser produto de furto apenas porque B não sabia da sua procedência”.

3.1. Artigo 180, § 4.o, do Código Penal

Trata-se de norma penal explicativa que dispõe sobre a autonomia da receptação, traçando duas regras: a receptação é punível ainda que desconhecido o autor do crime antecedente, ou isento de pena.

São causas de isenção de pena que não atingem o delito de receptação:

excludentes de culpabilidade (exemplo: inimputabilidade);

escusas absolutórias (artigo 181 do Código Penal).

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Assim, comete crime de receptação quem adquire objeto furtado por um alienado mental, por exemplo.

De acordo com o disposto no artigo 108 do Código Penal, a extinção da punibilidade do crime anterior não atinge o delito que dele dependa, salvo duas exceções: abolitio criminis e anistia.

3.2. Sujeito Ativo

Pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que não seja o autor, co-autor ou partícipe do delito antecedente.

O advogado não se exime do crime com o argumento de que está recebendo honorários advocatícios.

3.3. Sujeito Passivo

É a mesma vítima do crime antecedente.

O tipo não exige que a coisa seja alheia, no entanto, o proprietário do objeto não comete receptação quando adquire o bem que lhe havia sido subtraído, porque não se pode ser sujeito ativo e passivo de um mesmo crime. Tem-se como exceção o mútuo pignoratício – alguém toma um empréstimo e deixa com o credor uma garantia. Terceiro furta o objeto, sem qualquer participação do proprietário, e oferece a esse, que adquire com o intuito de favorecer-se. Há receptação porque o patrimônio do credor foi lesado com a perda da garantia.

3.4. Objeto Material

A coisa deve ser produto de crime ainda que tenha sido modificado, como, por exemplo, o furto de automóvel – há receptação mesmo que sejam adquiridas apenas algumas peças.

O instrumento do crime (arma, chave falsa etc.) não constitui objeto do crime de receptação, pois não é produto de crime.

Pergunta: Um imóvel pode ser objeto de receptação?

Resposta: A doutrina não é pacífica:

Como a lei não exige que a coisa seja móvel, tal como faz em alguns delitos (exemplo: artigo 155 do Código Penal), Fragoso entende que pode ser objeto de receptação.

Na opinião dos Professores Damásio de Jesus, Nelson Hungria e Magalhães Noronha, a palavra receptação pressupõe o deslocamento do objeto, tornando prescindível que o tipo especifique “coisa móvel”; dessa forma, excluem a possibilidade de um imóvel ser objeto de receptação. Essa é a posição do Supremo Tribunal Federal. É também a nossa posição.

3.5. Receptação Dolosa Simples – Artigo 180, caput, do Código Penal

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3.5.1. Receptação própria – artigo 180, “caput”, primeira parte, do Código Penal

São cinco as condutas típicas:

adquirir: obter a propriedade a título oneroso ou gratuito;

receber: obter a posse (tomar emprestado);

transportar: levar de um lugar para outro.

conduzir: estar na direção de meio de transporte;

ocultar: esconder.

As duas últimas figuras foram introduzidas no Código Penal pela Lei n. 9.426/96.

Na receptação dolosa do caput aplica-se o privilégio previsto no § 2.º do artigo 155 do Código Penal, como dispõe a segunda parte do § 5.º do artigo 180 do Código Penal.

3.5.2. Consumação

É delito material. Consuma-se quando o agente adquire, recebe, oculta, conduz ou transporta, sendo que os três últimos núcleos tratam de crime permanente cuja consumação protrai-se no tempo, permitindo o flagrante a qualquer momento.

3.5.3.Tentativa

A tentativa é possível.

3.5.4. Elemento subjetivo

É o dolo direto. O agente deve ter efetivo conhecimento da origem ilícita do objeto.

Não basta o dolo eventual. Se assim agir, o fato será enquadrado na modalidade culposa do crime.

A receptação distingue-se do favorecimento real (artigo 349 do Código Penal) porque neste o agente oculta o proveito do crime pretendendo auxiliar o infrator; já na receptação, o fato é praticado em proveito próprio ou alheio, ou seja, há intenção de lucro e não de favorecer o sujeito ativo do delito anterior.

O dolo subseqüente não configura o delito, como no caso de o agente vir a descobrir posteriormente que a coisa por ele adquirida é produto de crime.

3.5.5. Receptação imprópria – artigo 180, “caput”, segunda parte, do Código Penal

A receptação imprópria consiste em influir para que terceiro, de boa-fé, adquira, receba ou oculte objeto produto de crime.

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Influir significa persuadir, convencer etc.

A pessoa que influi recebe o nome de intermediário, não podendo ser o autor do delito antecedente e, necessariamente, tem de conhecer a origem espúria do bem, enquanto o terceiro (adquirente) deve desconhecer o fato.

Quem convence um terceiro de má-fé é partícipe da receptação desse.

3.5.6. Consumação

A consumação ocorre no exato instante em que o agente mantém contato com o terceiro de boa-fé, ainda que não o convença a adquirir, receber ou ocultar. É crime formal. Assim, não se admite tentativa, pois ou o agente manteve contato com o terceiro configurando-se o crime ou não, tornando-se fato atípico.

3.6. Causa de Aumento – Artigo 180, § 6.o, do Código Penal

Se o objeto é produto de crime contra a União, o Estado, o Município, concessionária de serviço público ou sociedade de economia mista, a pena do caput aplica-se em dobro.

O agente deve saber que o produto do crime atingiu uma das entidades mencionadas. Se assim não fosse, haveria responsabilidade objetiva.

Repise-se que a figura do § 6.o só se aplica à receptação dolosa do caput.

3.7. Receptação Qualificada – Artigo 180, § 1.o, do Código Penal

A pena é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa se o crime é praticado por comerciante ou industrial no exercício de suas atividades, que deve saber da origem criminosa do bem.

O nomem juris está incorreto, pois não se trata de qualificadora, mas sim de um tipo autônomo que contém verbos não previstos no caput. Além disso, é crime próprio, pois só pode ser cometido por comerciante ou industrial.

Interpretação da expressão deve saber:

Segundo os Professores Celso Delmanto e Paulo José da Costa Júnior, trata-se de dolo eventual.

Segundo Nelson Hungria e Magalhães Noronha, significa culpa.

Pergunta: Como punir o comerciante que sabe da procedência ilícita (dolo direto)?

Resposta: A questão não é pacífica:

O § 1.º tanto prevê as condutas de quem sabe (dolo direto) quanto as de quem deve saber (dolo eventual), visto que, embora empregue somente a expressão “deve saber”, a conduta de quem sabe encontra-se abrangida, pois se praticar a conduta com dolo eventual qualifica o crime, por óbvio que praticá-la com dolo direto também deve qualificar. É a nossa opinião.

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Para o Prof. Damásio de Jesus, o comerciante que “sabe” (dolo direto) só pode ser punido pela figura simples do caput, enquanto o comerciante que “deve saber” responde pela forma qualificada do § 1.o. Como essa interpretação poderia gerar condenação injusta, pois a conduta mais grave (dolo direto) teria pena menor, o Prof. Damásio de Jesus entende que nos dois casos (dolo direto e eventual) deve ser aplicada a pena do caput.

3.8. Artigo 180, § 2.o, do Código Penal

É uma norma de extensão, pois explica o que se deve entender por “atividade comercial”.

Para efeito do § 1.º, considera-se comerciante aquele que exerce sua atividade de forma irregular ou clandestina, inclusive a exercida em residência. Citamos como exemplo o camelô e o desmanche ilegal.

3.9. Receptação Culposa – Artigo 180, § 3.o, do Código Penal

Adquirir e receber são os verbos do tipo, que excluiu a conduta ocultar por se tratar de hipótese reveladora de dolo.

Os crimes culposos, em geral, têm o tipo aberto. A lei não descreve as condutas, cabendo ao juiz a análise do caso concreto. A receptação culposa é exceção, pois a lei descreve os parâmetros ensejadores da culpa:

Natureza do objeto: certos objetos exigem maiores cuidados quando de sua aquisição. Exemplo: no caso de armas de fogo deve-se exigir o registro.

Desproporção entre o valor de mercado e o preço pago: deve haver uma desproporção considerável, que faça surgir no homem médio uma desconfiança.

Condição do ofertante: quando é pessoa desconhecida ou que não tem condições de possuir o objeto, como, por exemplo, no caso do mendigo que oferece um relógio de ouro.

O tipo abrange o dolo eventual. Entendem a doutrina e a jurisprudência que o dolo eventual não se adapta à hipótese do caput do artigo 180 do Código Penal, que pune apenas o dolo direto, enquadrando-se na receptação culposa prevista no § 3.º do artigo.

3.9.1. Consumação

Ocorre consumação quando a compra ou o recebimento se efetivam.

3.9.2. Tentativa

Não cabe tentativa, porque não se admite tentativa de crime culposo.

3.10. Artigo 180, § 5.o, do Código Penal

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O parágrafo prevê, na primeira parte, o perdão judicial, que somente é aplicado à receptação culposa, desde que:

o agente seja primário;

o juiz considere as circunstâncias.

Trata-se de direito subjetivo do réu e não de faculdade do juiz em aplicá-lo – não obstante a existência da expressão pode.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO VIIIDAS DISPOSIÇÕES GERAIS

4. DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;

II - ao estranho que participa do crime.

III - se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

As disposições gerais são válidas para todos os crimes contra o patrimônio.

4.1. Imunidades Absolutas – Artigo 181 do Código Penal

“Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II – de

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ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.”

Trata-se de hipótese de imunidade penal absoluta, também chamada escusa absolutória, tendo em vista razões de política criminal.

Possuem a mesma natureza jurídica das causas extintivas da punibilidade. Significa que subsiste o crime com todos os seus requisitos, excluindo-se apenas a punibilidade. A conseqüência da imunidade absoluta é a isenção de pena.

Em razão disso, a autoridade policial está impedida de instaurar inquérito policial.

4.1.1. Hipóteses legais

A enumeração legal é taxativa:

Se o crime é praticado em prejuízo do cônjuge na constância da sociedade conjugal.

Leva-se em conta a data do fato, que deve ocorrer na constância do casamento. Não incide a imunidade se os cônjuges estão judicialmente separados ou divorciados. Quanto aos separados de fato, a imunidade incide, uma vez que os cônjuges ainda estão na constância da sociedade conjugal.

No tocante à união estável, a escusa absolutória deve a ela estender-se, pois, consoante o artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal, o companheiro é comparável ao cônjuge.

Não alcança os noivos, mesmo que venham a se casar.

Se o crime é praticado em prejuízo de ascendente ou de descendente.

Atinge qualquer grau de parentesco na linha reta. Não abrange o parentesco por afinidade.

A obrigação de reparação do dano não é excluída.

4.2. Imunidades Relativas – Artigo 182 do Código Penal

Trata-se de imunidade penal relativa. Transformam o crime contra o patrimônio de ação penal pública incondicionada em condicionada à representação.

4.2.1. Hipóteses legais

Se o crime é cometido em prejuízo:

do cônjuge desquitado ou judicialmente separado. Cuida-se do cônjuge separado judicialmente. Se o fato ocorre após o divórcio não há qualquer imunidade;

de irmão, sejam germanos ou unilaterais;

de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita – a coabitação deve ser de forma não-transitória.

4.3. Artigo 183 do Código Penal

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Prevê três hipóteses em que fica vedada a aplicação das imunidades (absoluta e relativa):

a) nos crimes de roubo e de extorsão, ou, em geral, quando há emprego de violência ou grave ameaça (esbulho possessório e dano qualificado pela violência ou grave ameaça);

b) ao terceiro que toma parte do crime.

c) se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

O Prof. Damásio de Jesus cita o seguinte exemplo de terceiro que toma parte do crime: o filho, em companhia de terceiro, subtrai bens de seu pai. O terceiro responde por delito de furto qualificado pelo concurso de agentes.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PRIOPRIEDADE INTELETUAL

1. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL.

Violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido

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com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Art. 185 - Usurpação de nome ou pseudônimo alheio

(Revogado pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

AÇÃO PENAL

Art. 186. Procede-se mediante: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

I - queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

II - ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

III - ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

IV - ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

1.1 Introdução sobre Direito Autoral

A indústria da pirataria já se tornou um dos principais problemas enfrentados pelo Brasil nesse início de século XXI. Marcas, camisas, Cd´s, Dvd´s, relógios,

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livros, calçados, enfim, praticamente todos os artigos desejados dentro do contexto de uma sociedade de consumo se tornaram alvos de violação.

São várias as perdas que a violação de direitos autorais traz para o país: redução na arrecadação de tributos; fuga de investidores estrangeiros; prejuízo para as empresas e para os artistas; etc. Todas as perdas mencionadas acima acabam por causar, ainda que indiretamente, uma conseqüência ainda mais perversa: o desemprego. Em virtude da importância desse bem jurídico para a sociedade, o legislador definiu como crime a violação de direitos autorais. Passemos, então, à análise desse delito

1.2 Sujeito Ativo e Passivo do delito

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa que venha a violar direito autoral de outrem. Logo, trata-se de crime comum, visto que não se exige qualquer qualidade especial do sujeito ativo.

Caso o crime seja praticado por pessoa jurídica, a responsabilização recairá sobre seus sócios, gerentes, diretores, etc. Todavia, a responsabilização não será objetiva, ou seja, os sócios não serão responsabilizados pelo simples fato de serem sócios. A conduta dos mesmos, para justificar uma condenação, deverá restar robustamente comprovada durante a instrução criminal. A própria denúncia deverá conter uma descrição, ainda que sucinta, da conduta individual de cada sócio, permitindo-lhe exercer seus direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório. Caso contrário, será considerada inepta.

O sujeito passivo é o autor ou criador da obra violada. Nos termos da lei n° 9.610/98, também os herdeiros ou sucessores podem ser vítimas do delito.

1.3. - Artigo 184, caput

A lei define que comete crime quem viola direito de autor e os que lhe são conexos. Logo, trata-se de uma norma penal em branco, visto que outros diplomas legais, em especial a Lei n° 9.610/98, é que definirão quais são tais direitos autorais.

A conduta descrita no caput não é tão recorrente na prática forense quanto aquelas previstas nos parágrafos que lhe seguem. Isso se deve em parte ao fato de que a ação penal, nesses casos, é privada, devendo ser movida pelo próprio interessado. Ocorre que, na maioria das vezes, o autor lesado deseja uma compensação pelos prejuízos materiais e morais sofridos, relegando o interesse inerente a uma condenação criminal a segundo plano. De qualquer forma, apenas para exemplificar, fornecemos aqui alguns exemplos de violação de direitos autorais que, casuisticamente, podem sujeitar os infratores às penas do artigo 184, caput do CP.

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Ex1: Aparelhos de rádio e televisão em quartos de hotéis e motéis.

"Direitos autorais. Aparelhos de rádio e televisão em quarto de motel. Precedente da Segunda Seção. Multa do art. 109 da Lei nº 9.610/98. 1. Já assentou a Segunda Seção que a Lei nº 9.610/98 "não autoriza que a disponibilidade de aparelhos de rádio ou de televisão nos quartos de motéis e hotéis, lugares de freqüência coletiva, escape da incidência da Súmula n. 63 da Corte" (REsp nº 556.340/MG, da minha Relatoria, DJ de 11/10/04). (STJ. Resp 627650 / MG. Rel: Min. Carlos Alberto Menezes. Data do Julgamento: 08/11/2005).

Ex2: Sonorização em festas públicas.

"CIVIL. DIREITOS AUTORAIS. BAILE DE CARNAVAL EM CLUBE. ECAD. REGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO. LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. VALORES. TABELA PRÓPRIA. VALIDADE. LUCROS DIRETO E INDIRETO CONFIGURADOS. LEI N. 5.988/73. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356-STF. III. Caracterização de ocorrência de lucro direto e indireto no caso de promoção, por clube social, de bailes de carnaval". (STJ. REsp 73465 / PR. Rel: Min. Aldir Passarinho Junior. Data do Julgamento: 21/06/2005)

1.4. - Artigo 184, parágrafos.

O §1° do artigo 184 traz a conduta mais recorrente no dia-a-dia forense no que se refere ao delito de violação de direitos autorais. Trata-se da reprodução total ou parcial de obra intelectual, fonograma, videofonograma, interpretação, sem que haja a autorização do autor. Em outras palavras, o artigo 184, §1° criminaliza a conduta popularmente conhecida como "pirataria".

Obra intelectual, fonograma e videofonograma são conceitos fornecidos por outro diploma legal, a já referida Lei n° 9.610/98.

A obra intelectual é o conceito mais amplo. Engloba textos de obras literárias, obras dramáticas, composições musicais, obras fotográficas, desenhos, ilustrações, além de várias outras descritas no artigo 7° daquela lei.

O fonograma envolve a fixação de sons, em que não estejam envolvidas imagens, em um suporte material; é o caso principalmente dos CD's.

O videofonograma, por sua vez, envolve a fixação de sons e imagens, também em um suporte físico. Os principais objetos materiais dessa violação são os DVD's e as fitas de VHS.

A reprodução não autorizada de softwares não se enquadra em nenhum dos dispositivos do artigo 184, pois a matéria, inclusive em termos penais, é regulada pela Lei n° 9.609/98. A aplicação dessa lei em detrimento do Código Penal se dá em virtude do princípio da especialidade.

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Não basta a simples cópia para que a conduta seja considerada criminosa. É necessário que tal cópia não tenha sido autorizada pelo autor. Havendo a autorização, a conduta se torna atípica.

Já o §2° do artigo 184 criminaliza outras condutas sucedâneas da reprodução ilegal, como os atos de estocar, alugar ou vender as cópias não autorizadas. Tais condutas já são pacificamente reconhecidas pela jurisprudência.

TJSP: "Manter em depósito videofonogramas gravados sem autorização dos produtores e sem etiqueta de controle da Embrafilme, caracteriza em tese o delito de violação de direito autoral, enquadrável na figura do §2° do art. 184 do CP". (RT 628/311-2)

O §3° do artigo 184 foi introduzido recentemente, pela Lei n° 10.695/03. Esse dispositivo tipifica a conduta de oferecer ao público a obra não autorizada através de meios eletrônicos, como fibra óptica, ondas ou cabos. Aos olhos dessa Coordenadoria nos parece que o §3° veio como forma de tentar coibir principalmente a pirataria virtual, comum no âmbito da rede mundial de computadores (internet).

Aproveita-se a oportunidade em que se estuda o tipo objetivo do delito esculpido no artigo 184 do CP para fazer algumas considerações no que tange ao princípio da insignificância. O Direito Penal visa proteger os bens jurídicos considerados mais importantes dentro de uma sociedade de ofensas consideradas relevantes. A irrelevância ou insignificância da ofensa consiste em uma tipicidade formal, mas não material, pois o bem jurídico é atingido apenas de maneira irrisória Ausente a tipicidade material, a conduta se torna atípica.

O princípio da bagatela não vem sendo aplicado pelos Tribunais aos delitos de violação autoral. Afinal, como já foi dito na introdução a esse estudo, a pirataria, se tornou um problema social para o Brasil, pelo que a jurisprudência vem sendo rigorosa ao decidir os casos concretos. Daí a pacífica não aplicação do princípio da insignificância, conforme demonstrado pelo acórdão do frame a seguir:

"VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - FIGURA QUALIFICADA - CÓDIGO PENAL, ART. 184, § 2º - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - LAUDO PERICIAL DE AUTENTICIDADE VÁLIDO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - NÃO CARACTERIZADO. Não há de se falar em omissão do laudo pericial, no que concerne à pormenorização das características dos CD's apreendidos, bastando, para configurar o ilícito do art. 184, parágrafo 2º, do CP, que a perícia constate a inautenticidade do material objeto da apreensão. No caso, a aplicação do princípio da bagatela somente iria incentivar a prática de um delito tão comum e ao mesmo tempo tão combatido atualmente. A venda de CD's pirateados lesa não só o artista, mas a indústria fonográfica como um todo, causando desemprego, além de representar redução de tributos, resultando, assim, em prejuízo a toda a comunidade. Ademais, o direito autoral, como bem jurídico tutelado, está inserido na Lei Fundamental da República, no rol dos direitos e garantias fundamentais (art.

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5º, inciso XXVII)". (TJMG. Número do processo: 1.0024.01.578699-9/001. Rel: Hyparco Immesi. Data da publicação: 15/06/2005)

Por fim, tem-se o §4° do artigo 184, que dispõe que a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto, constitui conduta atípica.

1.5 - Tipo Subjetivo

O elemento subjetivo geral do tipo é o dolo. A conduta culposa não é expressamente prevista, sendo, portanto, atípica.

O erro de tipo vem sendo reconhecido constantemente pela jurisprudência como tendo aplicação em ações envolvendo o artigo 184. O erro de tipo, nas palavras do eminente jurista Cezar Roberto Bittencourt, é a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. Logo, se o agente não sabe que os materiais que possui são cópias ilegais, incide em erro de tipo, que excluí a tipicidade da conduta em virtude da ausência de dolo.

Vejamos a aplicação prática do erro de tipo em delitos de violação de direitos autorais a partir dos seguintes acórdãos:

Exemplo 1:

"VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - FITAS DE VÍDEO -SELOS FALSIFICADOS - DOLO - AUSÊNCIA DE PROVA - ABSOLVIÇÃO DA ACUSADA. Para a configuração do delito descrito no art. 184, § 2º, do CP é necessário que o agente tenha agido com dolo. Assim, se as provas colhidas nos autos não autorizam a conclusão, com absoluta segurança, de que tenha a ré agido com dolo, impõe- se sua absolvição pelo princípio do "in dubio pro reo"". (TJMG. Número do processo: 1.0153.98.003908-2/001. Relator: Paulo Cezar Dias. Data da publicação: 11/08/2004)

Exemplo: 2:

"APELAÇÃO. Violação de direito autoral. Artigo 184, parágrafo segundo, do Código Penal. Não há prova segura de que o apelante, dono de grande acervo em sua Vídeo-locadora, soubesse que umas poucas fitas de video, adquiridas de outras locadoras falidas, fossem faIsificadas. Ademais, o laudo pericial deixou margem de dúvidas quanto à procedência das fitas periciadas. Na dúvida, resolve-se a acusação em favor do réu. Recurso provido, para absolver o apelante, com fulcro no artigo 386, n. II, do Código de Processo Penal". (TJRJ. 2002.050.05386 - Apelação Criminal. Rel: Des. Maria de Lourdes Valle. Julgamento: 10/02/2004 )

Além do dolo, as condutas descritas nos §§ 1°, 2° e 3° exigem um elemento subjetivo especial, qual seja o intuito de lucro. A reprodução não autorizada só constituíra crime quando o agente tiver o intuito de lucro, direto ou indireto.

TJSP: "Não existindo provas suficientes de que as fitas encontradas na residência dos réus, de reprodução de filmes não autorizadas pelo produtor se destinavam a

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obtenção de lucro, não podem aqueles ser condenados pela prática do delito previsto no art. 184, §1° do CP". (RT 738/602)

1.6 - Ilicitude e Culpabilidade

Uma alegação muito comum por parte da defesa, em ações envolvendo o delito em análise, é o estado de necessidade. Tal alegação é normalmente utilizada em prol de camelôs e vendedores ambulantes, e se baseia nas dificuldades econômicas enfrentadas pelos mesmos. O objetivo é a absolvição do acusado em vista da exclusão da ilicitude. Todavia, essa tese não vem sendo acolhida pelos Tribunais, conforme se observa a seguir:

"EMENTA: VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - VENDA DE CDs PIRATAS - ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO PENAL - ELEMENTOS QUE EVIDENCIAM A CULPABILIDADE DO AGENTE - ESTADO DE NECESSIDADE - AFASTAMENTO. No caso de deter o agente prévio conhecimento sobre a procedência ilícita das fitas contrafeitas e consciência da ilicitude de sua conduta, haja vista já ter sido denunciado por fato semelhante, descabe o pedido de absolvição. O estado de miserabilidade, além de não demonstrado, não pode servir de desculpa para a prática de atos ilícitos". (TJMG. Número do processo: 1.0223.04.135623-7/001. Relator: Paulo Cezar Dias. Data do acórdão: 11/10/2005)

1.7 - Ilicitude e Culpabilidade (continuação)

Quanto à culpabilidade, no entanto, alguns Tribunais vêm acolhendo a tese de erro de proibição. O erro de proibição se configura quando o agente não tem consciência acerca da ilicitude do fato. Não se trata de alegar o desconhecimento da lei em defesa, o que não é permitido por lei. Trata-se de situações em que o agente não possui sequer potencial consciência de que a conduta por ela perpetrada constitui um ilícito penal. No caso do artigo 184, o erro de proibição vem sendo aceito em muitas decisões, visto que se nem a mais abalizada doutrina consegue definir o que são direitos autorais, o que dirá de pessoas leigas e sem instrução.

A decisão abaixo exemplifica o entendimento exposto:

"Violação de direitos autorais. CD pirata - O princípio constitucional da legalidade é a garantia de que todo cidadão só poderá ser condenado criminalmente se houver lei prévia que permita a ele saber - ainda que potencialmente - que a conduta é crime no ordenamento jurídico. A expressão ""violar direitos autorais"" é demasiadamente vaga e até mesmo especialistas em Direito Penal não poderiam precisar o seu âmbito de significação, quanto mais um vendedor ambulante sem educação jurídica. O desconhecimento da lei é escusável se esta não for suficientemente clara para permitir que qualquer um do povo possa compreender - ainda que potencialmente - o seu significado - Recurso provido". (TJMG. Número do processo: 1.0172.04.910501-5/001. Relator: Erony da Silva. Data do acordão: 23/11/2004).

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1.8 - Procedimento e Competência

O artigo 184, caput, prevê pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. A ação penal é privada, a não ser quando o crime é praticado em detrimento de órgãos ou entidades da Administração Pública, direta ou indireta (situações em que a ação penal será pública incondicionada). A competência é dos Juizados Especiais Criminais, em virtude do máximo da pena cominada ao delito ser inferior a 2 anos.

1.9 - Procedimento e Competência (continuação)

Como já foi frisado ao longo desse estudo, os casos deveras recorrentes na prática forense envolvem as condutas descritas nos §§ 1°, 2° e 3° do artigo 184. Em tais casos, a ação penal é pública incondicionada. A competência para análise e julgamento será da Justiça Comum, visto que a pena cominada ao delito varia de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, além de multa.

Em regra, a Justiça Estadual será competente para julgar os delitos previstos no artigo 184. A Justiça Federal terá competência excepcional, apenas quando a ofensa envolver bens, interesses ou serviços da União.

1.10 - Procedimento e Competência (continuação)

O concurso de delitos, entre a violação de direito autoral e os crimes de contrabando ou descaminho, não vem sendo aceito pela jurisprudência. O crime do artigo 184 prevalece em relação aos demais em virtude do princípio da especialidade.

Esse é o entendimento expresso pelo Superior Tribunal de Justiça:

"CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL E DESCAMINHO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DO DELITO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. PROCEDÊNCIA NÃO COMPROVADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

I. Prevalecendo o crime de violação de direito autoral sobre o de descaminho, face à aplicação do Princípio da Especialidade, e inexistindo elementos que indiquem a ocorrência de lesão a bens, serviços ou interesses da União - limitando-se, a ofensa, apenas aos interesses particulares do titular do direito autoral, sendo que sequer foi constatada a procedência do material apreendido, firma-se a competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do feito. II. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara de Aparecida do Norte/SP, o Suscitado". (STJ. CC 25136 / SP. Rel: Min. Gilson Dipp. Data do Julgamento: 01/07/1999)

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1.11 - Procedimento e Competência (continuação)

Por fim, deve-se enfrentar um problema que freqüentemente aparece em ações penais movidas com fulcro nos parágrafos do artigo 184. Trata-se da possibilidade de prisão preventiva. Muitos magistrados, imbuídos do espírito de combate à pirataria, acabam por decretar a prisão preventiva de muitos acusados. A situação ainda é agravada quando o agente já responde a outros processos por crimes dessa natureza. Nesses casos, a manutenção da prisão preventiva é justificada como meio de garantia da ordem pública. O acórdão a seguir exemplifica esse posicionamento:

"HABEAS CORPUS - Violação de direito autoral - Artigo 184, § 2º, do Código Penal - Prisão em flagrante - APF formalmente perfeito - Pedido de liberdade provisória - Indeferimento - A regra geral é a de que se deve conceder tal benefício quando o crime não é considerado hediondo e não seja o agente reincidente ou portador de maus antecedentes, ou, ainda, quando não existam razões que justifiquem a decretação da prisão preventiva - Caso concreto - Paciente reincidente específico, além de responder a três outros processos também pelo mesmo delito - Presença de razões de cautela - Garantia da ordem pública - Ordem denegada, com cassação da liminar". (TJMG. Número do processo: 1.0000.05.422823-4/000. Relator: Gudesteu Biber. Data do acordão: 07/07/2005)

1.12 - Procedimento e Competência (continuação)

Entretanto, não compartilhamos do entendimento exposto acima. A doutrina atual mais abalizada se posiciona no sentido de que a liberdade provisória é uma regra, ao passo que a prisão provisória é uma exceção. Inclusive, em casos em que seja cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, após a prolação da sentença, a orientação jurisprudencial e doutrinária é que não haja a privação provisória da liberdade. E não poderia ser de outra forma, vez que não faz sentido que uma pessoa seja privada de sua liberdade enquanto aguarda julgamento, sendo que após a sentença a mesma será liberada do cárcere.

Em virtude disso, muitos Tribunais vêm concedendo liberdade provisória aos acusados, ainda que os mesmos estejam respondendo a outros processos criminais da mesma natureza:

"Habeas Corpus. Liberdade provisória. Denegação em razão de reiteração da conduta. Violação de Direito Autoral. Inexistência de ameaça a segurança pública. Ordem concedida". (TJMG. Número do processo: 1.0000.05.420978-8/000. Relator: Herculano Rodrigues. Data do acordão: 09/06/2005)

"Liberdade provisória. Cabimento. Delito de violação de direito autoral. Pena passível de substituição por medidas restritivas de direitos. Ré detentora de identidade conhecida, endereço certo e emprego fixo. Ausência dos requisitos exigidos para decretação de prisão preventiva. Ordem concedida, ratificando-se a liminar". (TJMG. Número do processo: 1.0000.03.404125-1/000. Rel. Erony da Silva. Data do acordão: 10/02/2004)

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3.1.2. Usurpação de nome ou pseudônimo alheio:

Art. 185. Revogado pela Lei 10.695, de 1º de julho de 2003.

3.1.3. Ação penal. (Artigo com redação determinada pela Lei 10.695, de 02.07.2003)

Artigo 186. Procede-se mediante:

I – queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184;

II – ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1º e

2º do artigo 184;

III – ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público;

IV – ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3º do artigo 184.

A ação penal será privada no caso do caput do artigo 184. Será pública incondicionada nas hipóteses dos §§ 1º e 2º do artigo 184, bem como se atingidos interesses de entidade pública. Será pública condicionada nas infrações do § 3º do artigo 184 do Código Penal.

Nos crimes de ação privativa do ofendido o prazo para a queixa (prazo para decadência) é de 6 (seis) meses (artigos 38 do CPP e 103 do Código Penal)

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Arts. 187 a 196 (crimes contra o privilégio de invenção – arts. 187 a 191; Crimes Contra as Marcas de Indústria e Comércio – arts. 192 a 195; Crimes de Concorrência Desleal – art. 196, integrantes do Título III DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL). Revogados pela Lei 9279/1996, Lei da Propriedade Industrial, que define crimes contra as patentes de invenção, modelos de utilidade, desenhos, industriais, marcas, indicações geográficas e concorrência desleal (mantidos apenas os arts. 184 e 186 – crimes contra a Propriedade Intelectual, já transcritos acima.

3.2. Dos crimes contra o privilégio de invenção. Eram os artigos 187 a 191 e foram revogados pela Lei 9.279/1996 e os crimes contra a propriedade industrial estão disciplinados nos artigos 183 a 195 da Lei 9.279/96.

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3.3. Dos crimes de concorrência desleal Este artigo foi também revogado pela Lei 9279/1996, que é a Lei da Propriedade Industrial, definidora dos crimes contra patentes de invenção, modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e concorrência desleal mantidos apenas os artigos 184 e 186.

CÓDIGO PENAL - TÍTULO IV

DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

O Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais distinguem entre:

A) crimes que ofendem o sistema de órgãos e instituições destinados a preservar coletivamente o trabalho;

B) crimes que apenas violam os direitos de determinados trabalhadores, configurando interesses individualizados.

Apenas os primeiros são da competência da Justiça Federal, enquanto os outros competem à Justiça Estadual. (STF-RT 646/327 e STJ-RT 675/420, 702/412).

1. ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TRABALHO – ARTIGO 197 DO CP

Atentado contra a liberdade de trabalho

Art. 197 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:

I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;

II - a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Transação e suspensão condicional do processo : Cabem nos incisos I e II, conforme artigos 76 e 89 da Lei 9099/95.

Abrange quatro hipóteses sempre com violência ou grave ameaça:

a) obrigar a exercer ou não exercer de modo permanente um trabalho;

b) a exercer ou não exercer um trabalho durante certo período ou em determinados dias; c) a abrir ou fechar estabelecimento de trabalho;

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d) a participar de parede, ou seja, de greve, ou, de paralisação de atividade econômica, que vem a ser: locaute (lock-out).

Objeto jurídico é a organização do trabalho e o exercício de atividade econômica.

Crime doloso, de dolo genérico, não existindo forma culposa.

Consuma-se com a realização de qualquer das figuras típicas (o crime é único, ainda que praticadas duas ou mais das ações descritas — crime de ação múltipla ou de conteúdo variado).

Admite-se a tentativa nas quatro hipóteses.

Crime comum quanto ao agente, doloso, material, de conduta múltipla e resultado variado.

Ação penal pública incondicionada.

Prevalecem mesmo com a vigência da atual Lei de Greve Lei 7.783/89 que não transcreve figuras penais.

Para considerar: Para alguns autores a L 4.330/1964 (antiga Lei de Greve) teria revogado parte do ad. 197 do CP (derrogação). Não parece ser este o caso, pois a própria Lei nº 4.330/1964 (hoje revogada) esclarecia expressamente (art. 29) que definia delitos “além dos previstos no Título IV da Parte Especial” do CP. Ou seja ressalvava as figuras já previstas no CP, mantendo, portanto, a sua vigência. A atual Lei de Greve (L 7.783/1989) não tem figuras penais.

2. ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE CONTRATO DE TRABALHO E BOICOTAGEM VIOLENTA – ARTIGO 198 DO CP.

Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta

Art. 198 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

“O termo Boicote do Capitão inglês Charles C. Boycott, gerente de propriedades na Irlanda, que, por volta de 1880, ao fazer exigências excessivas aos empregados, causou revolta generalizada. Ninguém aceitava mais trabalhar para ele, vender ou comprar os seus produtos. Foi obrigado a transferir-se para outra cidade.” (Maximillianus Cláudio Américo Führer et alt. 2004).

Cabem a transação e suspensão condicional do processo.

Objeto jurídico a liberdade do trabalho tanto do empregado como do empregador.

As condutas aqui incriminadas são obrigar (o empregado) a trabalhar para alguém ou a boicotar atividade econômica (do empregador). “Boicotar” é tentar isolar ou arruinar uma atividade, fazendo com que lhe sejam cortados meios, suprimentos, creditas, clientes ou relações

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Crime comum quanto ao sujeito, doloso, material, de conduta múltipla e resultado variado. Consuma-se com a celebração do contrato de trabalho forçado na primeira figura ou com o não fornecimento ou não aquisição de matéria prima na segunda figura.

Ação penal pública incondicionada.

Tanto o sujeito ativo como o passivo são comuns.

3. ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO – ARTIGO 199 DO CP.

Atentado contra a liberdade de associação

Art. 199 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Cabem: transação e suspensão condicional do processo.

Este dispositivo alcança o agente que, mediante violência ou grave ameaça, impede o exercício dos direitos assegurados pela Constituição e pelos artigos 511 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, referentes à participação, ou não, em determinado sindicato ou associação profissional, de empregados, empregadores, autônomos ou liberais.

Sujeito ativo comum. Sujeito passivo é a pessoa constrangida, bem como a vítima da ameaça ou da violência. Consuma-se com o ato ou abstenção da vítima. Admite-se a tentativa.

Delito comum quanto ao agente, doloso, material, de conduta e resultado. Ver também o crime de abuso de autoridade previsto na Lei 4.898/65, art. 3º, alínea “f”.

Ação penal publica incondicionada.

4. PARALISAÇÃO DE TRABALHO, SEGUIDA DE VIOLÊNCIA OU PERTURBAÇÃO DA ORDEM – ARTIGO 200 DO CP.

Paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem

Art. 200 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único - Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.

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O termo “suspensão” refere-se aos patrões: locaut (lock-out). “Abandono” refere-se aos empregados (greve). Note que terceira pessoa

pode também ser sujeito ativo do delito, como por exemplo o sindicalista.

Pratica este delito quem participa da suspensão ou do abandono e, na ocasião, vem a cometer violência contra pessoa ou coisa. O locaute (lock-out) deve ter a participação de mais de um patrão. E a greve, pelo menos de três empregados, conforme o artigo 200, parágrafo único. Sujeito passivo é o que sofre a violência ou o prejuízo. Crime doloso. Consuma-se com a violência contra pessoa ou coisa. Admite-se tentativa.

Crime comum quanto ao sujeito, doloso, material.

Ação penal: pública incondicionada.

“O simples porte de armas brancas pelos piquetes grevistas não configura a violência prevista no art. 200 do CP” (TACrSP, antigo, RT 363/206).

“A injustificada falta de prova pericial da violência contra coisa, praticada pelos grevistas, torna insubsistente a condenação destes pelo delito do art. 200 do CP” (TACrSP, RJDTACr 24/300).

Para considerar: Perturbação da ordem. Esta denominação, constante da rubrica, caiu no vazio, uma vez que não há no tipo referência alguma à perturbação da ordem. + Patrão como sujeito ativo. Bento de Faria, em dissonância com os autores, refere corno sujeito ativo somente a empregado não se referindo ao empregador. Realmente, empregado não suspende trabalho, mas atividade econômica, que pode ou não envolver trabalho pessoal.

5. PARALISAÇÃO DE TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO – ARTIGO 201 DO CP

Paralisação de trabalho de interesse coletivo

Art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

É um desdobramento do tipo penal anteriormente analisado.

A paralisação condenada, aqui, é a que provoca intencionalmente a interrupção efetiva de obra pública ou serviço de interesse coletivo. Este artigo deve ser cotejado com o exame da Constituição Federal (art. 9º, § 1º) e da Lei de Greve n° 7.783/89. Pois, sendo a greve um direito, quando justa, o dispositivo atualmente só deve alcançar os casos de efetivo abuso ou descaso a obra ou ao serviço de interesse coletivo.

O sujeito ativo pode ser empregado ou empregador.

O sujeito passivo é a coletividade.

Consuma-se com a efetiva paralisação.

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Admite-se tentativa.

Ação penal: pública incondicionada.

6. INVASÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, COMERCIAL OU AGRÍCOLA. SABOTAGEM – ARTIGO 202 DO CP.

Invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola. Sabotagem

Art. 202 - Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Cabe a suspensão condicional do processo nas duas figuras.

Incrimina a invasão de estabelecimentos e a sabotagem. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive terceiro que não seja empregado. O sujeito passivo é o proprietário do estabelecimento invadido, ocupado ou sabotado, bem como a coletividade. Crime doloso com elemento subjetivo do tipo concernente em impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho. É necessário que a violência contra a coisa adquira certa conotação de generalidade, ainda que uma só coisa seja atingida.

É crime doloso, formal e consuma-se já com a invasão ou com o dano contra o estabelecimento ou coisas nele existentes, ou a disposição das mesmas mediante venda, doação, apropriação ou outros atos semelhantes, independentemente de alcançar ou não o resultado visado que deve ser impedir ou embaraçar o trabalho. Admite tentativa.

Se as condutas são praticadas sem o especial fim de agir (impedir ou embaraçar o trabalho) pode-se configurar a violação de domicílio (art.150) ou o esbulho possessório (art. 161 § 1º, II – CP.

São três modalidades de sabotagem previstas alternativamente:

a) danificar estabelecimento;

b) danificar as coisas existentes no estabelecimento;

c) dispor, ou seja, usar, guardar, alienar onerosa ou gratuitamente das coisas existentes no estabelecimento.

“Não atua com dolo quem, com fins preservacionistas posta-se em frente a casa que está para ser demolida, perturbando as obras de demolição.” (TJSP RJTJSP 89/442). “Sem o motivo determinante de embaraçar ou impedir o normal curso do trabalho, não incide o art. 202 do CP, em qualquer de suas modalidades (TRF, HC 4.894, DJU 19.3.81, p. 1979). “A troca de fechadura da porta de acesso de estabelecimento comercial alheio, impedindo o curso normal do trabalho, configura, em tese, o delito previsto no art. 202 do CP” (STJ, RT 757/508).

Dicionário: Sabotagem. Quebra de máquinas e instalações, nas greves violentas.

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Do Francês sabot, “calçado” ou “tamanco”. Para alguns a sabotagem inspirou-se nos operários franceses que teriam utilizado seus tamancos para quebrar máquinas. Para outros a sabotagem foi criada na França, em 1910, durante uma greve, quando foram arrancadas, as sapatas que mantinham os trilhos ferroviários no lugar..

7. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA – ARTIGO 203 DO CP.

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

§ 1º Na mesma pena incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

É norma penal em branco, que encontra seu complemento na legislação trabalhista.

O sujeito ativo pode ser qualquer um (mesmo não empregado, nem empregador).

O sujeito passivo é o trabalhador (até sem vínculo formal).

Aqui, punem-se a fraude (ardil) e a violência fisica (não a ameaça) praticada para impedir a aquisição ou o exercício de direito trabalhista.

Punem-se: a conduta frustrar, ou seja, iludir, lograr, ludibriar, privar e outras ações similares através de fraude, que pode ser executada mediante ardil, engodo, ou qualquer forma de artifício que leva o enganado à aparência falsa da realidade ou mediante violência física, neste dispositivo ficou excluída a ameaça, todos estes atos visando impedir a fruição de direito assegurado pela CLT e demais leis trabalhistas complementares. “A fraude tanto pode ser empregada pelo patrão contra o operário e vice-versa, quanto por ambos, conluiados, para iludir o texto legal, devendo notar-se que o titular do direito assegurado por lei trabalhista não pode renunciá-lo quando correspondente a um dever imperativamente determinado pela mesma lei que é de ordem pública” Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 1959, v. VIII, p. 49). Consuma-se com o impedimento do exercício do direito

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trabalhista. Admite-se tentativa. A falta de registro na CTPS configura infringência a este artigo do C. Penal.

Consuma-se com o impedimento do exercício do direito trabalhista. Admite tentativa.

O parágrafo 1º versa sobre duas hipóteses que hoje só ocorrem em rincões muito distantes, na zona rural.

No primeiro caso (inciso I) refere-se ao constrangimento do empregado que é obrigado a comprar na venda úniça (do patrão) a preços extorsivos, que consornem todo seu salário, implicando dívidas de impossível pagamento. Consuma-se no instante da aquisição (forçada) da mercadoria (crime formal). Admite tentativa.

No segundo caso (inciso II) há retenção de documentos ou coação (física ou moral) para manter cativo o trabalhador. Consuma-se quando o trabalhador se vê impedido de se desligar do patrão.

O parágrafo 2º estabelece que a pena é majorada se a vítima é menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

• Idoso: 60 anos ou mais (L 10.741/2003), ou o debilitado fisicamente pela idade (Damásio).

Transação: Cabe no caput e no § 1º, tratando-se de crime de competência da Justiça Federal, tendo em vista que a Lei nº 10.259/01 ampliou o conceito de infração de menor potencial ofensivo para os crimes com pena máxima não superior a dois anos, já pacificamente estendido para a competência estadual.

Suspensão condicional do processo: Cabe no caput e no §º 1º.

8. FRUSTRAÇÃO DE LEI SOBRE A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO – ARTIGO 204 DO CP

Frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho

Art. 204 - Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Cabem: Transação e Suspensão condicional do processo. (L.9099/95)

Outra disposição penal em branco a ser complementada através de normas administrativas ou trabalhistas (artigos 352 a 371 da CLT- nacionalização do trabalho e proporção de empregados brasileiros). A frustração pode ser por fraude ou violência física excluída a ameaça.

O sujeito ativo é qualquer um e o paciente é o Estado.

Consuma-se com o descumprimento da obrigação trabalhista. Admite-se tentativa. Delito comum quanto ao sujeito, doloso, material.

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Ação penal: pública incondicionada.

9. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA – ART. 205 DO CP.

Exercício de atividade com infração de decisão administrativa

Art. 205 - Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

Cabem: a transação e a suspensão condicional do processo.

O artigo em foco incrimina o desempenho habitual de trabalho ou profissão infringindo decisão administrativa do Ministério do Trabalho ou outro órgão da Administração Pública.

O objeto jurídico é a organização do trabalho e as decisões administrativas concernentes.

O sujeito ativo é o que exerce atividade para a qual está impedido e o sujeito passivo é o Estado. Delito próprio quanto ao sujeito, doloso e de conduta habitual (não admite tentativa).

Tratando-se de decisão judicial artigo 330 ou 359-CP; função pública: art. 324-CP; medicina e dentária Art. 282-CP; geral: Art. 47-LCP.

Ação penal: pública incondicionada. Exige habitualidade. Não existe distinção entre empregado e trabalhador autônomo.

“O advogado que, após sofrer suspensão disciplinar pela OAB, pratica o exercício da profissão, não comete o crime previsto no art. 205-CP e sim a contravenção penal do artigo 47 do DL 3.688/41; a expressão ‘decisão administrativa’ contida no art. 205 somente pode ser entendida como emanada de órgão da administração pública.

“A conduta de médico que, após ter cancelada a sua inscrição pelo Conselho Federal de Medicina, continua a exercer a profissão, incide no artigo 205 do CP, e não no art. 282” (exercício ilegal da medicina) (STF, RE 86.986, DJU 18.11.77.

10. ALICIAMENTO PARA O FIM DE EMIGRAÇÃO – ARTIGO 206 DO CP.

Aliciamento para o fim de emigração

Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993)

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.683, de 1993)

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11. ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL – ARTIGO 207 DO CP.

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)

A Lei 9.777, de 29.12.98, aumentou a pena do caput e acrescentou os §§ 1º e 2º. Cabe suspensão condicional do processo no caput e § 1º.

O artigo 206 trata de reunir trabalhadores, mediante fraude, para levá-los para o exterior. Já o artigo 207 a ação é semelhante (aliciar, angariar, atrair), mas, independe de fraude, e tem o fim de levá-los a outro ponto do próprio país, desde que distante da moradia dos mesmos. Pune-se também o recrutamento mediante cobrança de qualquer quantia pecuniária do trabalhador, ou, sem a segurança do retorno dos aliciados ao respectivo local de origem. (Art.207, § 1º).

Objeto jurídico: O interesse na permanência dos trabalhadores no país. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: O Estado e secundariamente, os trabalhadores fraudulentamente recrutados. Para Damásio e Delmanto os trabalhadores devem ser pelo menos dois. Para Magalhães Noronha são necessários pelo menos três trabalhadores para a configuração desses delitos.

Comuns quanto ao sujeito, doloso e formal.

Se há promoção ou facilitação de saída de mulher que vá exercer a prostituição no estrangeiro, art. 231-CP, agravado pela violência, grave ameaça ou fraude (§ 2º). Se o fim é outro, pode restar tipificado o art. 171 do nosso Diploma Penal.

O § 1º do artigo 207 equipara à conduta do caput a do agente que: a) recruta trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia daqueles; b) não assegura o seu retorno ao local de origem.

O § 2º do artigo 207 trás causa especial de aumento da pena: a) sendo a vítima menor de 18 anos; b) idosa; c) gestante; d) indígena; ou, e) portadora de deficiência física ou mental, aumenta-se a pena de um sexto a um terço.

“A figura delituosa do art. 206, ex vi da Lei 8.683/93, exige para sua configuração a elementar da fraude no recrutamento; o crime de plágio – redução à

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condição análoga à de escravo – não absorve o do art. 206 do CP” (TRF da 1ª R., JSTJ e TRF 79/425).

“Não se configura o delito do artigo 207, quando não se consegue demonstrar a ofensa à Organização do Trabalho ou o prejuízo para a região onde se processa o aliciamento” (TRF, Ap. 5.402,DJU 4.8.82).

CÓDIGO PENAL - TÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTORELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

1. ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE ATO A ELE RELATIVO – ARTIGO 208 DO CP.

Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

O artigo 5º da CF/88 dispõe ser: “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Veja mais: Arts. 40 e 65, DL 3.688/41-LCP; 3º, d e e, Lei 4.898/65 (Abuso autoridade); Lei 5.250/67 (Imprensa) e artigo 59, I, Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio).

Este artigo possui três figuras penais distintas a seguir comentadas:

a) escárnio por motivo de religião: O tipo objetivo tem o núcleo em escarnecer com o significado de troçar, zombar em público, de pessoa determinada, devido à sua crença (fé religiosa) ou sua posição (função) dentro de um culto, (padre, frade, freira, pastor, rabino etc.), presente ou não o ofendido. O dolo está na vontade livre e consciente de escarnecer e o elemento subjetivo do tipo indicativo do especial motivo de agir é: “por motivo de crença ou função religiosa”.

Consuma-se com o escarnecimento, independentemente do resultado. A forma verbal não admite tentativa.

A figura qualificada está no parágrafo único do artigo 208-CP: Se há emprego de violência (física) a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da pena correspondente à violência.

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A pena da figura simples (caput) é alternativa: detenção de um mês a um ano, ou multa. Ação penal: pública incondicionada.

“Para a configuração do art. 208 é necessário que o escárnio seja dirigido a determinada pessoa, sendo que a assertiva de que determinadas religiões traduzem ‘possessões demoníacas’ ou ‘espíritos imundos’ espelham tão-somente posição ideológica, dogmática, de crença religiosa” (TACrSP, RJDTACr 23/374).

b) Impedimento ou perturbação de cerimônia ou prática de culto:

Impedir significando paralisar, impossibilitar e ou perturbar que é: embaraçar, estorvar, atrapalhar. A cerimônia é o culto religioso praticado solenemente. Culto religioso é o ato religioso não solene.

O dolo consiste na vontade livre e consciente de impedir ou perturbar. Consuma-se com o efetivo impedimento ou perturbação é delito material, admite-se a tentativa. Na forma qualificada pela violência a pena é aumentada de um terço independentemente da correspondente a violência praticada.

“Gritar palavrões durante uma missa” (RT 491/518). “Configura-se o delito, ainda que a cerimônia não fique interrompida, mas tenha de ser abreviada pelo tumulto causado” (TACrSP, RT 533/349).

“Pratica o crime quem, voluntária e injustamente, põe em sobressalto a tranqüilidade dos fiéis ou do oficiante” (TACrSP, RT 405/291).

c) Vilipêndio público de ato ou objeto de culto (Art.208-in fine)

A ação de vilipendiar corresponde a aviltar, menoscabar, ultrajar, afrontar e pode ser praticada por palavras, escritos ou gestos. O vilipêndio deve ser cometido publicamente, ou seja, na presença de várias pessoas. Ato é a cerimônia ou prática religiosa. Já o objeto de culto religioso é o consagrado e utilizado na liturgia religiosa. O dolo e elemento subjetivo é o propósito de ofender. Consuma-se com o vilipêndio que pode deixar resultado material ou simples conduta.

Admite-se a tentativa exceto na forma verbal. Na forma qualificada prevista no parágrafo único, com utilização de força, aumenta-se a pena básica em mais um terço, além da pena correspondente à própria violência. Observa-se que na forma qualificada deste artigo 208 e do 209, através de parágrafo único, a mesma ação é punida duas vezes, constituindo-se um bis in idem, pois agrava o delito pela violência e impõe outra pena para a própria violência. Critério doutrinariamente inaceitável, mas, infelizmente acatado na nossa lei penal nestes casos.

“A propositada derrubada de cruzeiro (cruz de madeira) implantado defronte a igreja, com intuito de vilipendiar aquele objeto de culto, enquadra-se nesta figura do art. 208” (TACrSP, Julgados 70/280).

CÓDIGO PENAL - TÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTORELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

CAPÍTULO II

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DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

2. IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE CERIMÔNIA FUNERÁRIA – ARTIGO 209 DO CP.

Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária

Art. 209 - Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

A conduta incriminada é a de impedir ou perturbar enterro (pôr cadáver debaixo da terra) ou cerimônia funerária (velório, cremação, missa de sétimo dia etc.). Sujeito passivo é a coletividade (crime vago). Consuma-se com o im-pedimento ou perturbação. Admite tentativa.

A ação alternativamente prevista é a de impedir (paralisar, impossibilitar) ou perturbar (embaraçar, atrapalhar, estorvar) enterro que é o transporte do falecido em cortejo fúnebre ou mesmo desacompanhado, até o local do sepultamento ou cremação com a realização destes. Para a maioria “a expressão enterro deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo o velório, que integra e pode ou não ser realizado no mesmo lugar do sepultamento ou cremação; seria aliás, um contra-senso que a lei tutelasse apenas o transporte, o sepultamento e a cremação, e não o velório. Cerimônia funerária é o ato religioso ou civil, realizado em homenagem ao morto.”(Delmanto)

O dolo neste caso é a vontade livre e consciente de impedir ou perturbar. Já na corrente tradicional (Hungria e Noronha) o dolo seria específico, ou seja, o fim de violar o sentimento de respeito devido ao morto. Consuma-se com o efetivo impedimento ou perturbação.

É interessante observar que o objeto jurídico deste capítulo é o sentimento de respeito aos mortos. “Não é diretamente o respeito aos mortos, ou à paz dos mesmos, uma vez que não são titulares de direito. Nem a saúde pública, protegida em outro capítulo. Pone & Palamara observam que ‘a doutrina mais moderna (Fiandaca-Musco) propõe uma despenalização das condutas em referência, uma vez que um mero sentimento não se presta para assumir a posição de bem jurídico’ (Manuale Di Dirito Penale, Parte especiale, p.165).” Führer.

A figura qualificada está prevista no parágrafo único e concretiza-se com o emprego da violência física contra pessoa.

Se há retardamento na entrega aos familiares ou interessados, de cadáver objeto de remoção de órgãos para transplante, é caso do artigo 19, segunda parte, da Lei 9.434/97.

Ação penal pública incondicionada.

“Basta o dolo eventual, a consciência de que perturba, com sua conduta, a cerimônia funerária” (TACrSP, RT 410/313).

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3. VIOLAÇÃO DE SEPULTURA - ARTIGO 210 DO CP.

Violação de sepultura

Art. 210 - Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Sujeitos: ativo, qualquer pessoa; passivo, a coletividade (vago).

O delito consiste em violar ou profanar sepultura.

Violar túmulo é devassá-lo (pôr a descoberto o que estava oculto), sem justa causa, de modo a expor o cadáver ou parte dele (ou, no caso de urna funerária, as cinzas ou os ossos).

O dolo é o genérico, de devassar ou revelar, sem intenção de ofensa. Ajusta causa exclui o crime, como a exumação ou o traslado autorizados.

Profanar túmulo, ao contrário, é agir com ofensa ou menosprezo, violando ou não o local, expondo ou não o cadáver ou restos mortais. Podem ser empregados atos concretos, de dano, contra o túmulo ou partes edificadas, e também gestos, palavras ou atitudes insultuosas, como o arremesso de imundícies. Necessária, na profanação, a demonstração da intenção de ofender (elemento subjetivo do injusto).

O local (tanto na violação como na profanação) pode ser público ou privado, destinado ou não a enterros. Não há violação nem profanação se a sepultura estiver vazia, sem cadáver. Consuma-se o delito com a violação ou profanação.

Excludentes de ilicitude podem ser configuradas através do estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito.

Consuma-se com a violação ou profanação efetiva.

Admite-se a tentativa.

O furto de objetos da sepultura como placas, bronzes, cruzes, sem violação ou profanação tipifica só o crime do artigo 155-(furto).

Se o cadáver também é destruído ou vilipendiado, art. 211 ou 212-CP.

Exumação de cadáver, com infração das disposições legais art.67-LCP

Ação Penal: Pública incondicionada.

“Falta tipicidade, por ausência de dolo, na conduta de sócio-gerente de cemitério que, diante da inadimplência de parcelas referentes à manutenção e conservação de sepultura, exuma restos mortais, conforme permite o contrato” (TAMA, RT 790/656).

“Profanação: Configura qualquer ato de vandalismo sobre a sepultura, ou de alteração chocante, de aviltamento ou de grosseira irreverência” (TJSP, RT 476/340)

“Furto em sepultura: Há dois posicionamentos: a) A retirada de dentes do cadáver configura o crime de artigo 211, ou mesmo artigo 210 do C. Penal, e não o de furto, pois cadáver é coisa fora do comércio, a ninguém pertence” (TJSP,

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RJTJSP 107/467, RT 608/305), salvo se for de instituto científico ou peça arqueológica (TJSP, RT 619/291); b) Se a finalidade era furtar, a violação da sepultura é absorvida pelo crime de furto” (TJSP, RT 598/313). Cenotáfio não é objeto deste crime porque não contém cadáver. Já o columbário (nichos com as cinzas), pode ser objeto do crime do artigo 210-CP.

4. DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER –ARTIGO 211 DO CP.

Destruição, subtração ou ocultação de cadáver.

Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Trata-se de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado (Mischgeset), que se perfaz com uma das condutas descritas, e que será único ainda que praticadas duas ou mais modalidades.

O conceito de cadáver abrange o feto viável e o natimorto. Não há crime no caso de feto inviável (RT733/563) ou no caso de aborto sem possibilidade de vida extra-uterina (RT624/355).

A Lei 9.434/1997 regula a retirada de partes do cadáver para transplante e tratamento.

Consuma-se com a destruição e a subtração (crimes instantâneos) ou com a ocultação (crime permanente). Admite tentativa.

Tipo objetivo com três núcleos de conduta: destruir (fazer com que não subsista), subtrair (tirar do local) ou ocultar (esconder).

O objeto material é o cadáver, ou seja, o corpo humano morto (não o esqueleto nem as cinzas), incluindo o natimorto; ou parte dele, considerando as partes sepultadas separadamente, desde que não se trate de partes amputadas do corpo de pessoa viva. O dolo consiste na vontade livre e consciente de destruir, subtrair ou ocultar cadáver.

Consuma-se com a destruição total ou parcial, subtração ou ocultação ainda que temporária do cadáver ou parte dele.

Admite-se a tentativa. Pode haver concurso material com homicídio ou infanticídio que levam para a competência do Júri. Sepultamento com infração: Art. 67-LCP. Transplante: Lei 9.434/97.

“O natimorto, expulso a termo é cadáver” (TJSP, RJTJSP 72/352).

5. VILIPÊNDIO A CADÁVER – ARTIGO 212 DO CP.

Vilipêndio a cadáver

Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:

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Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Sujeitos: Ativo: qualquer pessoa; passivo: a coletividade.

A conduta consiste em vilipendiar (ultrajar) cadáver ou suas cinzas, por atos, palavras ou gestos. Tem-se entendido que o fato deve ocorrer junto ao cadáver, ou sobre o cadáver (Hungria, Noronha, Mirabete). De acordo com Damásio a lei tutela também partes do cadáver.

Curiosidade: • Um epitáfio. “Bípede, meu irmão. Eis o fim prosaico de um espermatozóide, que há 80 anos penetrou num óvulo, iniciou seu ciclo evolutivo e acabou virando carniça, Estou enterrado aqui. Sou o Chico Sombração. Xingai por mim. Francisco Franco de Souza” (figura popular em Pirassununga/SP). Este epitáfio parece um art. 212 ao contrário. Ao invés de um vivo vilipendiar um morto, é este que lança uma provocação aos vivos. O Prefeito da época mandou retirar a inscrição tumular do cemitério, por considerá-la ofensiva aos “princípios gerais e éticos” — com o quê não se conformaram os parentes do falecido. A Revista dos Tribunais publicou os pareceres de Washington de Barros Monteiro e de Renato Cireil Czema, ambos defendendo o direito da família do morto de manter a inscrição no seu lugar (RT451/43).

Jurisprudência: Vilipendiar o cadáver significa aviltá-lo ou ultrajá-lo. São exemplos deste crime: tirar as vestes do cadáver, escarrar sobre ele, cortar alguns membros, com o fim de escárnio, arremessar-lhe imundícies, etc. (R.JRS 208/108).

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