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CAPÍTULO 62 Anestesia e neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas Vinícius Pereira de Souza, TSA / SBA* José Roberto de Rezende Costa, TSA / SBA** * Intensivista / AMIB Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais Diretor Administrativo da Coopanest-MG Anestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG ** Mestre em Farmacologia, ICB - UFMG Médico Legista, SESP - MG / Especialista pela ABML Conselho Editorial - Revista Mineira de Anestesiologia, SAMG Anestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG I - Introdução Os seres humanos são homeotérmicos e tendem a manter a temperatura corporal interna praticamente constante, em torno de 37º Celsius(C). Através de um controle preciso, mantido pelo sistema termorregulador, são permitidas, apenas, pequenas variações de temperatura, em torno de 0,2º a 0,4º C. 1 Os limites de temperatura para definição e classificação de hipotermia variam na literatura médica. Considera-se hipotermia a redução da temperatura sanguínea central abaixo 36º C 2 . A hipotermia pode ser classificada em não-intencional e terapêutica. Hipotermia não- intencional, também chamada de “acidental”, ocorre principalmente em pacientes submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos ou em vítimas de trauma, dentre outras causas. Ela advém de vários fatores isolados ou associados, como perda excessiva de calor, inibição da termorregulação fisiológica, ou falta de cuidados adequados para sua prevenção. Já a hipotermia terapêutica, também chamada de “provocada”, é instituída, conscientemente, pela equipe médica, com objetivos bem definidos: tratamento de hipertensão intracraniana refratá- ria, proteção neurológica pós-ressuscitação cárdio-pulmonar, durante cirurgias neurológicas ou cardíacas de maior complexidade, bem como em algumas afecções que cursam com elevação descontrolada de temperatura, dentre outras. Com a finalidade terapêutica, a hipotermia é classifi- “A hipotermia possui dois efeitos fisiológicos evidentes: prolongar a vida ou encurtá-la.” Adolph EF. 1956

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CAPÍTULO 62

Anestesia e neurologia:Hipotermia: Evidências Científicas

Vinícius Pereira de Souza, TSA / SBA*José Roberto de Rezende Costa, TSA / SBA**

* Intensivista / AMIBComissão Científica da Sociedade de Anestesiologia de Minas GeraisDiretor Administrativo da Coopanest-MGAnestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG

** Mestre em Farmacologia, ICB - UFMGMédico Legista, SESP - MG / Especialista pela ABMLConselho Editorial - Revista Mineira de Anestesiologia, SAMGAnestesiologista do Hospital Mater Dei – BH / MG

I - Introdução

Os seres humanos são homeotérmicos e tendem a manter a temperatura corporal internapraticamente constante, em torno de 37º Celsius(C). Através de um controle preciso, mantido pelosistema termorregulador, são permitidas, apenas, pequenas variações de temperatura, em torno de0,2º a 0,4º C.1

Os limites de temperatura para definição e classificação de hipotermia variam na literaturamédica. Considera-se hipotermia a redução da temperatura sanguínea central abaixo 36º C2.

A hipotermia pode ser classificada em não-intencional e terapêutica. Hipotermia não-intencional, também chamada de “acidental”, ocorre principalmente em pacientes submetidos aprocedimentos anestésico-cirúrgicos ou em vítimas de trauma, dentre outras causas. Ela advém devários fatores isolados ou associados, como perda excessiva de calor, inibição da termorregulaçãofisiológica, ou falta de cuidados adequados para sua prevenção.

Já a hipotermia terapêutica, também chamada de “provocada”, é instituída, conscientemente,pela equipe médica, com objetivos bem definidos: tratamento de hipertensão intracraniana refratá-ria, proteção neurológica pós-ressuscitação cárdio-pulmonar, durante cirurgias neurológicas oucardíacas de maior complexidade, bem como em algumas afecções que cursam com elevaçãodescontrolada de temperatura, dentre outras. Com a finalidade terapêutica, a hipotermia é classifi-

“A hipotermia possui dois efeitos fisiológicos evidentes:prolongar a vida ou encurtá-la.”

Adolph EF. 1956

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cada em leve (temperatura entre 32º e 34º C), moderada (temperatura entre 28º e 32º C) e profun-da (temperatura inferior a 28º C)2.

Em ambos os casos, não-intencional e terapêutica, a hipotermia tem efeitos sistêmicos im-portantes, sejam estes desejados ou adversos. Esta revisão objetiva identificar as evidências daliteratura médica para prevenção ou instituição da hipotermia, assim como os seus riscos e benefí-cios, apontando os métodos mais eficazes de controle em diversos contextos clínicos da práticamédica.

II - Breve Histórico

Os primeiros registros da utilização terapêutica de hipotermia datam de ancestrais egípcios,gregos e romanos. Hipócrates advogava utilização de bandagens frias para redução de hemorragia.Posteriormente, Baron Larrey, cirurgião francês, durante a campanha de Napoleão na Rússia, rela-ta utilização de gelo para redução de dor, em amputações de membros. Arrhenius descreveu ainterferência da temperatura nas reações enzimáticas.

No século XX, em 1937, Dr. Temple Fay resfriou uma paciente até 32º C por 24 h, natentativa de alívio de sintomas de metástase tumoral. Acreditava-se que células cancerosas não sedividiriam em baixas temperaturas. Após 24 h, a paciente foi reaquecida, aparentemente, sem efei-tos colaterais. Em seguida, Fay e colaboradores utilizaram hipotermia em 123 pacientes com cân-cer. Em 1941, Fay e Smith relataram a utilização de hipotermia em pacientes vítimas de traumatismocraniano3.

A II Guerra Mundial interrompeu o “Programa de Resfriamento Humano” de Fay; noscampos de concentração nazistas foram cometidas inúmeras atrocidades com a utilização dehipotermia, porém sem qualquer tipo de anestesia. Fay enviou seu equipamento para ClaudeBeck e Charles Baylei, facilitando o pioneiro trabalho de hipotermia em cirurgia cardíaca4.

Bigelow et al, em 1950, introduziram o conceito de proteção neurológica, durante procedi-mentos de cirurgia cardíaca. A partir de 1959, ampliaram-se as indicações de utilização de hipotermia,particularmente, para pacientes neurológicos.

Nos anos seguintes, 1960 a 1996, aumentaram-se o número e a complexidade de procedi-mentos cirúrgicos realizados, assim como acumularam-se várias evidências de efeitos deletérios dahipotermia. Bons resultados, em trabalhos experimentais, ficaram, muitas vezes, restritos ao ambi-ente laboratorial, não sendo consistentemente observados e repetidos na clínica diária.

A partir de 2001, trabalhos bem conduzidos em pacientes comatosos, pós-ressuscitaçãocárdio-pulmonar, traumatismo crânio-encefálico, infarto agudo do miocárdio reacenderam interes-se pela utilização de hipotermia, com impacto, algumas vezes decisivo na evolução e nos resultadosdos pacientes. Concomitantemente, foram questionados antigos paradigmas, como utilização dehipotermia em neurocirurgia.

III - Fisiologia da Termorregulação

A termorregulação é semelhante a muitos outros sistemas de controle fisiológicos, onde océrebro trabalha com mecanismos de “feedback” negativos e positivos para minimizar as varia-ções, partindo de valores prefixados ou “normais”.

Desde os anos 60 já há relatos de fisiologistas sobre mecanismos termorregulatórios nocorpo em resposta a estímulos de tecidos variados e provenientes de receptores difusamente distri-buídos: desde porções extra-hipotalâmicas cerebrais, superfície da pele, tecidos abdominais pro-

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fundos, à medula espinhal5. Deste modo, a termorregulação é baseada em múltiplos sinais, comple-xos, e de quase todos os tipos de tecidos.

Pode-se considerar que o processamento de termorregulação acontece em três fases: aferente,regulação central, e respostas eferentes. Esquematicamente, pode-se resumir conforme diagrama mostradona Figura I6:

Figura I - Resposta fisiológica termorregulatória para manutenção de normotermia.

Estímulos Aferentes

As informações de temperatura são obtidas de células termossensíveis ao longo do corpo.As células sensíveis ao frio são anatomicamente e fisiologicamente distintas daquelas que detectamo calor. Os receptores de frio se despolarizam com as diminuições de temperatura, e, ao contrário,os receptores de calor o fazem quando há aumento de temperatura. Entretanto, os receptores de

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calor cutâneos raramente se despolarizam em temperaturas de pele normal, e são importantes,provavelmente, somente durante situações de estresse com calor aumentado.

Os estímulos do frio viajam principalmente por meio de fibras Aä, e as informações de calorpor fibras desmielinizadas C, apesar de outras vias poderem ser utilizadas7. As fibras C tambémdetectam e transmitem a dor, o que explica a dificuldade de distinção entre fortes dores e o calorintenso. A maioria dos estímulos ascendentes atravessa o trato espinotalâmico na porção anteriorda medula espinhal, não sendo apenas um trato dessa região o responsável.

Controle central

A temperatura é regulada por estruturas centrais (principalmente o hipotálamo), o qual com-para estímulos térmicos oriundos de diversas partes, como da superfície da pele, neuro-eixo, etecidos profundos, promovendo assim uma integração com os limiares de temperatura para cadaresposta termorregulatória. Apesar de ser integrado pelo hipotálamo, a maioria das informaçõestérmicas são “pré-processadas” na medula espinhal e em outras partes do sistema nervoso central5.É provável, inclusive, que um pouco das respostas termorregulatórias possam ser originadas ape-nas pela medula espinhal. Por exemplo, animais e pacientes com transecção de medula em nível altopodem possuir regulação de temperatura melhor do que poderia se esperar8.

O controle de respostas autonômicas é aproximadamente 80% determinado por estímulostérmicos provenientes de estruturas centrais9, 10. Em contraposição, uma grande fração de estímu-los determinantes de respostas comportamentais é derivada da superfície de pele.

Ambos os limiares de vasoconstrição e de sudorese são 0.3°C a 0.5°C mais alto em mulhe-res que homens, até mesmo durante a fase folicular do ciclo mensal (primeiros 10 dias). Estasdiferenças podem se pronunciar muito mais durante a fase luteínica11, 12.

Respostas Eferentes

O corpo responde às perturbações térmicas (temperaturas do corpo que difiram dos limiaresapropriados) ativando mecanismos efetores, que aumentarão a produção de calor por meios meta-bólicos ou alterações comportamentais, visando a menor perda de calor para o ambiente. Cadamecanismo efetor termorregulatório tem seu próprio limiar e capacidade de ganho; então, existeuma progressão, em ordem e intensidade, dessas respostas, na proporção das necessidades. Emgeral, mecanismos efetores eficientes como vasoconstrição são maximizados, precedendo res-postas dispendiosas, como os tremores.

Os mecanismos efetores determinam qual a faixa de temperatura ambiente que o corpo tole-rará, desde que se mantenha a temperatura central normal. Quando mecanismos específicos efetoressão inibidos (por exemplo, tremores prevenidos pela administração de relaxantes musculares), amargem de segurança tolerável é diminuída. Desta forma, a temperatura poderá permanecer nor-mal, a menos que outros mecanismos efetores estejam, também, impedidos de compensar as ne-cessidades impostas. Quantitativamente, as medidas comportamentais (por exemplo, vestimentasapropriadas, mudança de temperatura ambiental ou de ambientes, posicionamentos em oposição àexposição de maiores superfícies da pele, e realização premeditada de movimentos voluntários)são os mais importantes mecanismos efetores.

As crianças possuem uma capacidade notável de regulação de suas temperaturas. Emcontraste, idade avançada, debilidades, ou medicamentos podem diminuir a eficácia das res-postas termorreguladoras, e ainda, acrescentar o risco de hipotermia. Por exemplo, massa

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muscular diminuída, doenças neuro-musculares, e relaxantes musculares, todos inibem o tre-mor, fatores que acabam por elevar a temperatura mínima ambiente tolerável.

A vasoconstrição cutânea é o mecanismo autonômico efetor mais constantemente usado.O calor de origem metabólica é perdido principalmente por irradiação e convecção da superfíciecutânea, e a vasoconstrição reduz esta perda. O fluxo de sangue da pele total é dividido em com-ponentes nutricional (principalmente vasos capilares) e termorregulatório (principalmente por “shunts”árterio-venosos)13.

Os “shunts” árterio-venosos são anatomicamente e funcionalmente distintos dos vasos capi-lares fornecedores de sangue para fins nutricionais nas extremidades (deste modo, a vasoconstriçãonão compromete estas necessidades dos tecidos periféricos). Os “shunts” possuem tipicamente100 µm de diâmetro, o que significa que podem carrear 10.000 vezes mais sangue, quando compa-rado com comprimento similar de um vaso capilar, que tem 10 µm em diâmetro.

O controle do fluxo de sangue através dos “shunts” árterio-venosos tende a estar ativado ounão. Em outras palavras, as vantagens destas respostas são altas. Terminações simpáticas -adrenérgicas medeiam a constrição dos “shunts” termoregulatórios árterio-venosos, de tal sorteque o fluxo é minimamente afetado por catecolaminas circulantes. Aproximadamente 10% do débi-to cardíaco atravessa os “shunts” árterio-venosos; conseqüentemente, a vasoconstrição desses“shunts” pode significar aumentos da pressão arterial em até aproximadamente 15 mm Hg.

A termogênese independente dos tremores aumenta a produção metabólica de calor (me-dida através do consumo de oxigênio corpóreo) sem trabalho mecânico propriamente, podendodobrar a produção de calor em crianças; entretanto possuindo um discreto efeito em adultos14, 15. Aintensidade da termogênese aumenta em proporção linear em relação à diferença entre temperaturamédia do corpo e seus próprios limiares de tolerância. O tecido muscular esquelético e a gorduramarrom são as fontes importantes de calor, sendo este último mais importante em crianças. A taxametabólica em ambos os tecidos é controlada principalmente por nor-epinefrina liberada de termi-nações nervosas adrenérgicas, e é em adição, mediada localmente por substâncias locais (proteínasespecíficas). O órgão que mais se correlaciona com a produção de calor (metabólico) é o fígado16.

Os tremores podem levar a um aumento da produção de calor em 50% a 100% nosadultos. Este aumento é pequeno, em comparação com aquele produzido pelo exercício (que podeelevar a um acréscimo do metabolismo em pelo menos 500%), sendo, então, considerado relativa-mente ineficaz. Os tremores não ocorrem em crianças recém-nascidas17.

A sudorese é mediada por nervos pós-ganglionares colinérgicos, sendo, deste modo umprocesso ativo que pode ser prevenido por bloqueio direto do nervo, ou, pela administração deatropina. Ela é o único mecanismo pelo qual o corpo pode dissipar calor em um ambiente quepromova elevação de temperatura central. Felizmente, o processo é notavelmente efetivo, com0.58 kcal de calor dissipado por grama de suor evaporado.

A vasodilatação ativa é mediada por uma substância ainda não bem definida nas glândulassudoríparas; e este mediador pode ser uma proteína, pois não é bloqueado por quaisquer drogashabituais. A vasodilatação ativa requer que as glândulas estejam em funcionamento normal, sendotambém inibida por bloqueio nervoso. Em situações de “stress” pela exposição ao calor, o fluxosanguíneo cutâneo pode chegar a 7,5L.min-1, o

IV - Repercussões Sistêmicas e Consequências da Hipotermia

Em pacientes anestesiados nem sempre se evidenciam, de forma clara, as repercussões dahipotermia sobre o organismo humano, sobretudo na fase inicial de sua instalação. Entretanto, os

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efeitos da hipotermia sobre o corpo, sem interferências farmacológicas, podem ser resumidos deacordo com a tabela 1.

Tabela 1 - Achados clínicos na hipotermia

Leve32° C a 35° C

Fase inicial, excitação,para se combater o frio:

HipertensãoTremorTaquicardiaTaquipnéiaVasoconstrição

Com o passar do tempo,inicia-se a fadiga:

ApatiaAtaxiaDiurese “fria”Hipovolemia

Moderada28° C a 32° C

Arritmias atriaisRedução da FC*

Nível de consciênciaRedução da FR**Dilatação pupilar

Depressão do reflexo deDeglutição

Redução do tremorHiporreflexiaHipotensão

Ondas de Osbourne- ECG

Profunda< 28º C

ApnéiaComa

Redução das atividades doeletroencefalogramaPupilas não reativas

OligúriaEdema pulmonar

Arritmias ventricularesAssistolia

* Freqüência cardíaca ***Freqüência respiratória

Sistema Nervoso Central (SNC): Para cada 1°C de diminuição de temperatura, as dimi-nuições de taxa metabólica cerebral são da ordem de 6 a 7%. Como a taxa metabólica é a principaldeterminante do fluxo sanguíneo cerebral18, ocorre, então, diminuição de volume sanguíneointracraniano, por causa de uma vasoconstrição cerebral. Pode-se reduzir a pressão intracranianacom a hipotermia, além de poder ter ações anti-convulsivantes19.

Sistema Cárdio-Vascular. Com a redução da temperatura, pode haver intenso tremor en-tre 34°C e 36°C. Isto causa aumentos significativos na taxa metabólica; a grande demanda deoxigênio pode elevar a incidência de infarto miocárdico em pacientes com doença isquêmica docoração. Porém, durante a anestesia, o paciente é sedado e/ou paralisado, o que evita o tremor.Com os tremores abolidos, em hipotermia moderada (32–34°C), a freqüência cardíaca decresce ea resistência vascular sistêmica se eleva.3. Em 33°C, o eletrocardiograma pode mostrar um entalheao fim do complexo de QRS (a onda de Osbourne). Embora citadas como um risco na hipotermiamoderada, as arritmias cardíacas são raramente vistas aos 33°C, até em pacientes com isquemiamiocárdica3, 4. Porém, em hipotermia acidental, existe um risco de fibrilação ventricular, se a tempe-ratura central diminuir abaixo de 28°C20.

Sistema Respiratório. A hipotermia tem poucas ações diretas no sistema respiratório. Coma queda da taxa metabólica em 25%–30% aos 33°C, o volume é diminuído para se manter oPCO

2 em níveis normais. A pneumonia é um risco durante quadros hipotérmicos, porém, isto é

relativamente incomum durante anestesias e desde que não se prolongue por mais de 12–24 horas.

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Em uma série de pacientes adultos que foram submetidos à hipotermia mais prolongada (sete dias)como parte do tratamento de trauma craniano, a pneumonia nosocomial foi freqüente (45%), masnão associada a efeitos adversos adicionais21. Por outro lado, a pneumonia pode desencadearchoque séptico mais freqüentemente em pacientes pediátricos que são submetidos à hipotermia porperíodos prolongados.

Sistema Renal, Eletrólitos. Durante hipotermia pode haver diurese, pois há uma reabsorçãodiminuída de solutos no ramo ascendente da alça de Henle. Além disso, ocorre perda da capacida-de de concentração de urina, também chamada de diurese “fria”. A indução de hipotermia eleva opotássio intra-celular, e a administração de potássio adicional para se corrigir hipocalemia durantea hipotermia, pode levar quadros significantes de hipercalemia nas fases de reaquecimento. Ahipotermia também diminui concentrações de fosfato. Então, a condição volêmica, a potassemia, eas concentrações de fosfato exigem monitoração e controle cuidadosos durante esses quadros

22.

Equilíbrio Ácido-Básico23

. O pH da água neutra ([OH- ] = [H+ ]) aumenta 0.017 U para cada1° C de redução da temperatura; o pH do sangue em um sistema fechado (por exemplo, tubo deensaio ou artéria) muda semelhantemente. Os animais de sangue frio permitem que o pH varie coma temperatura do corpo como se fosse “in vitro” (isto é, o sangue se torna mais alcalótico com asdiminuições de temperatura), enquanto que os homeotérmicos, p.e. ursos, que diminuem a tempe-ratura do corpo durante a hibernação, mantém um pH arterial próximo 7,4. A interpretação do pHarterial em humanos é difícil porque é obscuro qual estratégia é melhor. Para imitar os mecanismoscompensatórios usados pelos animais que hibernam, o pH do sangue (que é medido por eletrodosà 37°C) foi tradicionalmente “corrigido” para a temperatura do corpo real do paciente. Sem acorreção, a disponibilidade de oxigênio para os tecidos se reduz, porque a afinidade da hemoglobinapara oxigênio se eleva em aproximadamente 1,7%/°C. Este efeito é pequeno, se comparado comos 5,7% de aumento de afinidade da oxihemoglobina para cada °C , causado pela hipotermiapropriamente. Felizmente, esses aumentos de afinidade são compensados pela redução de 8%/ ° Cna taxa metabólica causados pela hipotermia. A hipóxia tecidual é então improvável, com ou semcorreção, não tendo sido demonstrada experimentalmente. A solubilidade de gases no sangue seeleva com as diminuições de temperatura. Quando os gases do sangue arterial de pacienteshipotérmicos são corrigidos para aquela dada temperatura, os pacientes parecem apresentar umaalcalose respiratória. A medida dos gases sanguíneos sem correção é conhecida como “estratégiaalfa-stat”. A adição de CO

2 para normalizar o pH é conhecida como “estratégia pH-stat”. É muito

controverso, se a gasometria sanguínea deve ser corrigida para temperatura do corpo durante ahipotermia. Embora haja evidências em favor da “estratégia alfa-stat” para hipotermia durante “by-pass” cárdio-pulmonar, outros estudos mostram vantagens experimentais com a outra estratégiaem enfermidades neurológicas, bem como em inúmeras outras circunstâncias clínicas .

Sistema Gastro-Intestinal: Durante a hipotermia, ocorre diminuição da motilidade gastro-intestinal, e isto pode retardar a alimentação23. Há aumentos de concentrações de glicose no san-gue, provavelmente devido a diminuição da insulina liberada pelo pâncreas. Administração insulinaexógena pode ser requerida.

Sistema de Coagulação24

: Hipotermia prolongada diminui o número e a função de plaquetas,assim como, prolonga os tempos de coagulação; isto poderia contribuir para um aumento no risco dehemorragia, principalmente em traumas. Pode surgir uma tendência fisiológica para aumento na coa-gulação com a hipotermia, e um tipo de coagulação intra-vascular disseminada (CIVD) vir a ocorrer.A causa pode ser uma elevação de catecolaminas ou esteróides, um estado de hipoperfusão circula-tória simplesmente, ou liberação de tromboplastina pelo frio, oriunda de tecidos isquêmicos. Os paci-entes hipotérmicos também desenvolvem coagulopatias pela inibição das enzimas da cascata de

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coagulação(Figura II). Dadas às reações laboratoriais serem realizadas a 37 ° C no laboratório,pode-se ver uma disparidade entre o que ocorre “in vivo”, clinicamente evidente (coagulopatias), eum estranho resultado “normal” de tempo de protrombina ou tempo tromboplastina parcial relatadopelo laboratório. O tratamento efetivo é o reaquecimento, e não, a administração de fatores de coa-gulação. A leucopenia e a trombocitopenia normalmente se revertem com o reaquecimento. Atrombocitopenia induzida pelo frio é bem documentada em hipotermia induzida. O mecanismo podeser por supressão de medula óssea ou seqüestros diretos, esplênicos e hepáticos.

Figura II - “The Bloody Cold Cycle”: Ciclo vicioso entre hipotermia, coagulopatia esangramento no peri-operatório.

A viscosidade elevada vista na hipotermia pode ser exacerbada em pacientes comcrioglobulinemia ou criofibrinogenemia, ambas sendo mais comuns em pacientes de idade avança-das. A fisiopatologia do frio sobre a hemaglutinação resulta de aglutininas específicas do frio, queproduzem hemólise ou aglutinação, com trombose subseqüente. Isto pode explicar o aumento detromboses coronárias e cerebrais no inverno.

Sistema Imunológico: A hipotermia possui efeito direto na imunidade celular e humoral,além de efeito indireto na diminuição da oferta de O

2 aos tecidos periféricos. Aumenta a incidência

de infecção em ferida operatória. A redução de 1,9º C da temperatura triplica a incidência deinfecção em ferida operatória em cirurgias de cólon e aumenta em 20% a duração da hospitalização.

Farmacologia25

A eficácia da maioria das drogas é dependente de temperatura. Ocorremaumentos da ligação à proteínas durante a hipotermia, e o metabolismo hepático é diminuído. Àsvezes há uma sobredosagem de fármacos para se alcançar uma dada resposta terapêutica, e níveistóxicos subseqüentemente se desenvolvem com o reaquecimento. Nenhum medicamento deve serministrado pelo trato gastrointestinal por sua imobilidade, e nem intramuscular por causa davasoconstrição.

Ocorre aumento da duração da ação de bloqueadores neuro-musculares, aumento da con-centração plasmática de propofol e da cardiotoxicidade da bupivacaína. Há redução de 5% naCAM de anestésicos inalatórios para cada oC de redução da temperatura.

V - Hipotermia Não-Intencional

Durante o procedimento anestésico cirúrgico, além de ocorrerem as alterações induzidaspelos fármacos sobre a fisiologia da termoregulação, a exposição do corpo ao ambiente cirúrgico

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gera perda de calor para o ambiente por quatro mecanismos: irradiação, condução, evaporação econvecção(Figura III)26.

Figura III - Mecanismos de perda de calor no peri-operatório

Irradiação: consiste na perda de calor por meio de energia radiante para as paredes eobjetos sólidos. Depende da diferença de temperatura absoluta entre duas superfícies, elevada àquarta potência, representando 60% a 70% do total da perda de calor.

Condução: depende da diferença de temperatura entre dois objetos em contato e dacondutância entre eles. Um exemplo seria a perda de calor para a superfície metálica da mesa decirurgia.

Evaporação: tem como componentes: a evaporação dos líquidos aplicados sobre a pele, asudorese e as perdas insensíveis de água pelas vias respiratórias, pela ferida operatória e pela pele.Condução e evaporação correspondem a cerca de15% do calor total perdido durante anestesia ecirurgia.

Convecção: consiste em perda ou ganho de calor pela passagem fluidos a determinadatemperatura, sobre uma superfície com temperatura diferente. Ocorre com maior intensidade quan-do existe deslocamento de ar em grandes ambientes, e é responsável pelos, aproximadamente,15% restantes da perda de calor pelo organismo para o exterior. A corrente sanguínea apresentaum componente convectivo e outro condutivo, sendo o primeiro mais importante que o segundo,especialmente quando o paciente permanece nas salas cirúrgicas com baixas temperaturas.

Efeitos da Anestesia Geral

A sala de cirurgia sempre foi um verdadeiro desafio para o corpo. As salas operatóriasdeveriam se manter com temperaturas não inferiores a 23º - 24º C27. Como isso nem sempre é fato,no âmbito anestésico-cirúrgico, os pacientes são expostos a um ambiente muito frio com poucaproteção, e mais importante, com respostas termorregulatórias farmacologicamente inibidas.

A anestesia geral afeta o equilíbrio do calor por mecanismos múltiplos. A maioria dos anestési-cos tem propriedades vasodilatadoras que acabam por transferir o fluxo de calor do centro do corpopara a periferia, e em seguida, a sua dispersão pela pele e arredores28. A anestesia geral também afetaos mecanismos centrais de regulação térmica, por alargar os limites de tolerância da homeostase datemperatura central. Os limiares para vasoconstrição são reajustados para uma temperatura maisbaixa que em estado de vigília, e então, as quedas significativas da temperatura central podem acon-tecer antes que uma resposta termorregulatória efetiva venha ser produzida. Os tremores são ativadosem temperaturas muito mais baixas que vasoconstrição e são suprimidos pelos bloqueadores neuro-

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musculares, sendo, portanto, um meio ineficaz nos pacientes anestesiados. Adicionalmente, a termogêneseindependente dos tremores é suprimida por anestésicos gerais (Figura IV)2.

Figura IV - Inibição termorregulatória, concentração-dependente deanestésicos venosos e inalatórios.

Crianças e idosos são os grupos de pacientes que estão em maior risco para hipotermiatrans-operatória. De fato, uma relação de superfície corpórea alta torna essas crianças pequenasmais propensas à dispersão do calor, e também, nos idosos anestesiados o limite paravasoconstrição está situado em níveis de temperatura mais baixos que em adultos mais jovens2.

Depois da indução de anestesia geral, ocorrem mudanças de temperatura seguindo umacinética trimodal (Figura V).

Estágio de Redistribuição

O efeito vasodilatador direto da maioria dos anestésicos leva o calor do centro até a perife-ria, o que resulta em uma queda da temperatura central de aproximadamente 1,5o C durante aprimeira hora depois da indução (30). De maneira interessante, a perda de calor global durante esteperíodo relativamente curto é pequena, e então, o aquecimento do paciente depois de indução nãocontrola a queda da temperatura inicial. Do contrário, o aquecimento iniciado antes da induçãolimita a redistribuição de calor reduzindo o gradiente de temperatura entre os dois compartimentoscentral e periférico. Esta estratégia é simples, e provavelmente vale muito em pacientes que sãomais susceptíveis às complicações da hipotermia intra-operatória.

Estágio de Diminuição Linear da Temperatura

A temperatura central continua a diminuir linearmente como resultado da perda de calor,refletindo uma diminuição no conteúdo de calor total do corpo

32. Como resultado da anestesia,

nenhuma resposta termorregulatória ao resfriamento pode ser produzida. Nesta fase, o aquecimen-to pode limitar de modo eficaz a perda térmica, e interromper a queda da temperatura.

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Figura V - Típico padrão de hipotermia durante anestesia geral.

Estágio de Estabilização

As respostas termorregulatórias são finalmente ativadas quando os limiares hipotérmicos sãoalcançados. A temperatura central estabiliza num novo patamar, principalmente como resultado davasoconstrição e da retenção de calor no compartimento central. Porém, a perda térmica continua,a menos que o paciente receba aquecimento31.

Efeitos da Anestesia Regional

Embora seus efeitos sobre a temperatura do corpo sejam freqüentemente menosprezados,as anestesias no neuro-eixo também prejudicam a regulação térmica e podem causar significantehipotermia. Depois da realização de uma anestesia no neuro-eixo, uma queda inicial da temperaturacentral é causada pela vasodilatação nas porções inferiores do corpo, além de redistribuição calóricado centro até a periferia , semelhante a aquele efeito observado durante a anestesia geral. Posteri-ormente, temperatura continua a diminuir linearmente como resultado de perda de calor realçadapela vasodilatação cutânea. Diferentemente da daquilo que acontece durante a anestesia geral, atemperatura central pode não alcançar uma fase de “plateau” durante o bloqueio do neuro-eixo, eainda, pode continuar a diminuir, a menos que um aquecimento ativo seja iniciado. Isto ocorreporque o bloqueio do neuro-eixo inibe a vasoconstrição e os tremores nas partes mais baixas docorpo32. A falta da percepção térmica das áreas bloqueadas como que anula o hipotálamo, e então,o paciente muitas vezes não sente o frio, não relatando ao anestesiologista. Quando se combinamanestesias geral e peridural, há uma diminuição na vasoconstrição como resultado do bloqueio doneuro-eixo, não havendo, portanto, a fase de estabilização no “plateau”, resultando em temperatu-ras centrais mais baixas do que só com a anestesia geral. Durante anestesias do neuro-eixo tem-seuma relação inversamente proporcional entre a temperatura central e o nível da anestesia, bemcomo com a idade dos pacientes. Pacientes de idade avançadas possuem maior risco de hipotermiaem anestesia regional como resultado de menores limiares de temperatura para desencadeamentode tremores . A identificação de pacientes de risco é muito importante para se tomarem medidasprofiláticas, ou mesmo, ações corretivas contra a perda de calor. Como resultado deste potencial

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para perda de temperatura significativo, a temperatura deve ser monitorada durante a maioria dasanestesias do neuro-eixo33. Porém, a maioria dos anestesiologistas não faz essas medidas durante aanestesia regional .

VI - Dispositivos para Prevenção / Indução de Hipotermia

Aproximadamente 90% da perda de calor do organismo, durante o ato cirúrgico, ocorrepela superfície da pele, através de irradiação e convecção, associada à evaporação no sítio cirúr-gico. Para que seja efetivo, qualquer dispositivo, que previna ou trate a hipotermia, deverá reduzira perda de calor do organismo.

O caminho inicial para se reduzir a perda de calor pela superfície corpórea está no aumentoda temperatura ambiente. Seu aumento, para níveis acima de 23º C reduziria, significativamente, aincidência de hipotermia, tanto em jovens quanto em idosos. Entretanto, temperaturas maiores que22º C podem ser consideradas desconfortáveis por muitas equipes cirúrgicas, prejudicando aperformance e reduzindo atenção de profissionais neste ambiente2. Consequentemente, torna-semandatório o foco em métodos e dispositivos que reduzam perda de calor cutânea do organismo.

Os dispositivos, atualmente disponíveis, são divididos em passivos – reduzem a perda cutâneade calor; ou ativos – trocam, ativamente, calor com o organismo, podendo resfriá-lo ou aquecê-lo,de acordo com a indicação34. Estes últimos podem atuar por meio convectivo (insufladores de ar)ou condutivo (colchão térmico, dispositivos intra-vasculares, soluções aquecidas ou frias), sendomais eficazes para controle da temperatura e manutenção da normotermia que os dispositivos pas-sivos.

Isolantes térmicos como cobertores, mantas e algodões ortopédicos são disponíveis em pra-ticamente todo o centro cirúrgico. Uma camada simples destes dispositivos pode reduzir a perdade calor em até 30%(35). Não existem evidências, clinicamente significativas, de diferenças entreos diversos tipos de isolantes, sendo que a aplicação de inúmeras camadas não leva a ganho adici-onal. São eficazes para prevenção da perda de calor em áreas que não podem ser ativamenteaquecidas36.

Colchões térmicos com água circulante, colocados embaixo do paciente, são quase sempreineficazes. Não mantém normotermia, em virtude da pequena perda de calor pelo dorso37. Alémdisso, a combinação de perda de calor com redução da perfusão local aumenta a chance de necrosee queimaduras, podendo ocorrer com temperaturas inferiores a 40º C. São mais eficazes quandocolocados sobre o paciente, eliminando praticamente a perda de calor.

Dispositivos peri-operatórios insufladores de ar aquecido eliminam a perda metabólica decalor , assim como transferem calor para a superfície da pele. Mantém a normotermia em cirurgiasprolongadas, sendo superiores aos dispositivos com água circulante38.

Cobertores com resistências elétricas são tão efetivos quanto os dispositivos que insuflamar; entretanto, são associados com queimaduras graves, não sendo aprovados pelo “FDA” (Foodand Drug Administration)2.

Em situações clínicas específicas, entretanto, como no transplante hepático e cirurgia cardí-aca sem CEC, politraumatizado e grandes cirurgias abdominais em posição de litotripsia, os dispo-sitivos que insuflam ar são insuficientes; sendo necessária utilização de métodos que permitam trans-ferência de calor eficaz com pequenas áreas de contato com o paciente. Assim, novas tecnologiasforam descritas e utilizadas; como o sistema de vestimentas com água circulante, cuja temperaturaé controlada. Estes dispositivos transferem grande quantidade de calor ao organismo, através decontato por meio de um sistema adesivo ou através de materiais que facilitam a condução. São

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colocados em volta do tronco e das extremidades do paciente e têm a vantagem da flexibilidade emmúltiplos posicionamentos, independente do segmento utilizado2.

Outro dispositivo combina uma matriz hidrofílica flexível de gel com sistema de água circulante,promovendo um ininterrupto contato com a pele. Permite reaquecimento de 0,3º C por hora ,comparado a 0,14º C por hora de sistemas insufladores de ar.

Outro método que vem ganhando importância, ao longo do tempo, consiste de dispositivosinternos de aquecimento e resfriamento. Trata-se de cateter de troca de calor, posicionado na veiacava inferior, habiltualmente via veia femoral, com controle de temperatura. Podem transferir ouretirar cerca de 400 – 700W, sendo muito eficientes. Promovem aumento de temperatura maisrapidamente que métodos de superfície. Em casos de vasoconstrição intensa , aquece cerca de 2ºC / hora. Utilizado para indução de hipotermia, diminui temperatura corporal de 4º a 6º C porhora2.

VII - Hipotermia Terapêutica

Evidências Científicas Experimentais

Trabalhos experimentais, “in vivo” e ” in vitro”, mostram que o primeiro nível de ação dahipotermia é metabólico. A diminuição da temperatura cerebral ou corporal em 1º C promovequeda do metabolismo cerebral em torno de 6 a 7 % , até 28º C.

A hipotermia leva a redução do consumo energético neuronal. Há uma redução no consumoenergético para o desempenho de atividades eletrofisiológicas , condução de estímulos nervosos,assim como uma redução do consumo relacionado ao metabolismo basal do neurônio (aqueleassociado à manutenção da integridade celular). Os anestésicos venosos e inalatórios não apresen-tam este último efeito39.

A redução global do metabolismo reduziria o risco de isquemia cerebral, quando este tecidofosse exposto a insultos isquêmicos, de maneira global (parada cárdio-circulatória) ou na isquemiafocal (clampe em artéria cerebral para colocação de clipes em aneurismas). Os neurônios que maisse beneficiam desta prática são aqueles situados em áreas de penumbra, onde a lesão neuronal é,ainda, reversível40.

A redução do metabolismo cerebral com a hipotermia, resulta em redução do fluxo sanguí-neo cerebral, em virtude do acoplamento metabólico, promovendo grande redução de volume docompartimento intravascular cerebral, com diminuição da pressão intra-craniana (PIC). Este con-siste no segundo efeito mais importante da hipotermia..

Hipóxia e isquemia cerebral podem ocorrer secundárias a estados de choque, estenose ouoclusão vascular, vasoespasmo, neurotrauma e parada cardíaca. A lesão hipóxica/isquêmica podelevar à morte celular neuronal através de dois mecanismos principais. O primeiro deles é a morteneuronal por excitoxicidade: a isquemia neuronal provoca depleção energética de ATP, despolarizaçãoneuronal com influxo de cálcio e sódio. Neuromediadores excitatórios, como glutamato e aspartato,são liberados, assim como radicais livre de oxigênio, dentre outros. O glutamato se liga a recepto-res específicos pós-sinápticos promovendo acúmulo de cálcio intracelular, além de ativação deenzimas como proteases, lípases e endonucleases, responsáveis pela morte celular. Este mecanis-mo leva morte celular imediata, ocorrendo, principalmente, em questão de minutos após a injúria;podendo ocorrer até 14 dias após o insulto.

Posteriormente, horas, dias ou até semanas após o evento isquêmico/hipóxico, a mortecelular pode ocorrer por apoptose. A apoptose é também chamada de morte celular tardia ou

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programada. Trata-se de um processo ativo de morte celular sem formação de edema. Aliberação de glutamato e cálcio promove liberação de citocromo c pela mitocôndria e produ-ção de enzimas regulatórias, caspases, resultando em danos estruturais nas membranas bioló-gicas e no nucleossoma do DNA (fragmentação do DNA, condensação da cromatina e pro-dução de pequenas partículas de “debris” celulares – corpos apoptóticos). Ocorre, mais umavez, principalmente em neurônios situados em regiões de penumbra, ou seja, em áreas adja-centes à lesão inicial, passíveis de reversão do processo.

Estudos experimentais em roedores evidenciam que, a hipotermia atenua consideravelmentefenômenos de morte celular por apoptose. A liberação de radicais livres durante a reperfusão tam-bém é reduzida, além de citocinas pró-inflamatórias e interleucina-641.

Evidências Científicas Clínicas

Pós-Parada Cardíaca

A parada cárdio-respiratória (PCR) e a ressuscitação cárdio-pulmonar (RCP) constituem asmelhores evidências até o momento para utilização de hipotermia terapêutica. A PCR envolve pro-cessos de isquemia cerebral global e reperfusão.

Os pacientes que apresentam melhor prognóstico neurológico, após restauração de circula-ção espontânea, são aqueles que recuperam a consciência logo após as manobras de ressuscitação.Entretanto, não existem sinais clínicos evidentes para diferenciação dos pacientes que acordarão,daqueles que permanecerão em coma.

Uma meta-análise , com 11 estudos envolvendo quase 2000 pacientes, mostra que os sinaisclínicos preditivos de prognóstico são: ausência de reflexo corneano após 24 h; ausência de reaçãode pupila após 24 h; e ausência de resposta motora após 24 e 72 h. A estimativa de resultadoneurológico ruim, em pacientes comatosos, após PCR foi de 77%, aumentando para 97% comindicadores clínicos negativos em 24-72 h42.

Em 2002 dois estudos prospectivos, randomizados, multicêntricos evidenciaram melhorados resultados neurológicos em pacientes vítimas de PCR, por fibrilação ventricular, submetidos àhipotermia.

O primeiro trabalho (43) dividiu pacientes, vítimas de PCR por FV, em grupos submetidos àhipotermia leve ou normotermia, após o retorno de circulação espontânea. Presumia-se que aPCR era de etilogia cardíaca; o tempo para início das manobras de ressuscitação era inferior a 15minutos e o tempo de retorno à circulação espontânea era inferior a 60 minutos. Pacientes foramesfriados com dispositivos externos, com “end-point” da temperatura entre 32º C e 34º C . Atemperatura foi medida através de cateter vesical, sendo mantida por 24 h, seguida de reaquecimentopassivo em 8 horas.

Foram estudados 275 pacientes; 6 meses após PCR 55% (75/136) dos pacientes do grupode hipotermia apresentavam resultados neurológicos favoráveis, comparados com 39% no gruponormotérmico (p=0,009). A mortalidade após este período foi significativamente menor no grupoda hipotermia, comparados aos normotérmicos (41% versus 55%, p= 0,02). Embora a sepsetenha sido mais freqüente no grupo de hipotermia, não houve diferença em relação ao total decomplicações entre ambos os grupos.

O segundo estudo foi realizado por Bernard et al44, também em 2001; pacientes adultosvítimas de parada cardíaca fora do ambiente hospitalar, em fibrilação ventricular, foram, também,randomizados em grupos de normo e hipotermia (33º C). Esta temperatura foi mantida por 12 h;

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após este período os pacientes foram ativamente reaquecidos por 8 h.No grupo em que foi realizada hipotermia, 49% (21 de 43 pacientes) apresentaram bons

resultados neurológicos à alta hospitalar, comparados com 26% do grupo normotérmico ( p=0,046).A mortalidade foi de 51% para o grupo de hipotermia e 68% para o grupo de normotermia (p =0,145).

O tempo médio para indução de hipotermia nos dois estudos citados foi de 8 horas, sendoque as manobras utilizadas para sua indução já se iniciaram dentro da primeira hora de paradacardíaca. Dados experimentais, em ratos, revelam efeito neuroprotetor da hipotermia, quando apli-cada em até 60 minutos após PCR.

Assim, serviços pré-hospitalares deveriam iniciar instituição de hipotermia já no local deatendimento; através da infusão de solução cristalóide gelada.

Em 2001, Hachimi-Idrissi et al45 estudaram os efeitos da hipotermia em pacientes inconsci-entes pós-PCR. Porém, desta vez, a PCR foi por assistolia e atividade elétrica sem pulso-AESP ),comparando-se com grupo de normotermia. No grupo hipotérmico 3 dos 16 pacientes receberamalta hospitalar vivos, comparados com apenas 1 de 14 pacientes do grupo normotérmico.

Já em 2005, Holzer et al46 publicaram uma meta-análise sobre utilização de hipotermia leveem pacientes comatosos vítimas de parada cardíaca, estudando-se os dados publicados até então.Os pacientes em que a hipotermia foi utilizada apresentaram resultado neurológico favorável, me-lhores que grupos em que a normotermia foi mantida, com razão de risco de 1,68 (96% IC 1,29 –2,07). O número de pacientes necessários para tratamento, a fim de que um paciente se beneficiecom resultado neurológico favorável foi de 6 pacientes.

Deste modo, baseados nos dados apresentados, em 2005, a hipotermia foi incluída em“Guideline Internacional de Emergência em Cuidados Cardíacos”47: Pacientes adultos incons-cientes, vítimas de PCR, fora do ambiente hospitalar devem ser colocados em hipotermia (32º a34º C), por 12 a 24 h (classe IIa de evidência). Terapia similar pode ser benéfica em pacientes comrítmo inicial que não seja FV, com PCR dentro ou fora do ambiente hospitalar (classe IIb deevidência).

Deve-se notar, entretanto, que as causas de PCR em ambiente hospitalar podem ser diferen-tes daquelas ocorridas fora do mesmo. Entretanto, se o paciente permanece comatoso após isquemiaglobal, a hipotermia poderá ser benéfica.

Por fim, trabalhos utlizando hipotermia moderada não apresentaram maiores benefíciosque a utilização de hipotermia leve; tendo sido evidenciada maior incidência de complicações coma utilização de temperaturas mais baixas.

Encefalopatia Hipóxica / Isquêmica em Neonatos

A lesão cerebral hipóxica-isquêmica perinatal é um evento que ocorre em, aproximadamente0,5 a 1 / 1000 nascimentos por ano, nos Estados Unidos. Embora esta incidência seja baixa, suasrepercussões médicas, sociais e financeiras são significativas.

Em 2005 foram publicados dois estudos comparando resultados da utilização de hipotermiaem recém-nascidos, até a 6ª hora de vida, com quadro de encefalopatia hipóxica / isquêmica. Osresultados apresentados são favoráveis à sua utilização, em relação à mortalidade e presença desequelas neurológicas.

O primeiro trabalho(48), estudou 235 pacientes com quadro de encefalopatia neonatal mo-derada a grave, com eletroencefalograma alterado (EEGa), randomizando-os para tratamento comhipotermia (n=116) e normotermia (n=118). A encefalopatia grave foi definida como índices de

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Apgar inferiores a 5, 10 minutos após o nascimento; necessidade de ressuscitação incluindo venti-lação sob máscara e intubação traqueal após 10 minutos de nascimento; presença de acidosegrave, definida como pH < 7,00 ou excesso de base < 16 mmol/L em amostra de cordão umbilicalou sanguínea, 1 hora após o nascimento.

A mortalidade foi de 55% no grupo de hipotermia e 66% no grupo normotérmico, estatistica-mente significativo após ajustes com EEG (p =0,05). Análise de subgrupos revela maiores benefí-cios em pacientes com alterações menos intensas ao EEG.

No segundo trabalho, Shankaraman et al49 estudaram 208 recém-nascidos com encefalopatiamoderada a grave. Os critérios de inclusão dos pacientes foram: idade gestacional maior que 36semanas; pH cordão umbilical ou sanguíneo (1ª hora) menor que 7,00; presença de evento perinataladverso (descolamento de placenta, prolapso de cordão, freqüência cardíaca fetal comdesacelerações tardias ou variáveis); necessidade de ressuscitação e diagnóstico de encefalopatia.Os pacientes foram randomizados para tratamento com hipotermia leve e normotermia.

A presença de seqüelas neurológicas moderadas a graves foi de 44% no grupo de hipotermiae 62% no grupo controle (p=0,01) enquanto a mortalidade foi de 24% no grupo de hipotermia,contra 36% no grupo controle. Os autores concluem que a hipotermia reduziu a mortalidade e aincidência de seqüelas neurológicas moderadas a grave em pacientes com encefalopatia hipóxica/isquêmica.

Outros três estudos estão em condução no momento. Seus resultados ajudarão a clarear opapel da utilização de hipotermia em casos de encefalopatia neonatal; seus resultados parecempromissores!

Neurocirurgias - Abordagem de Aneurismas Cerebrais

A utilização de hipotermia em neurocirurgia é uma prática tentadora, defendida com grandeentusiasmo por muitos, ao longo do tempo. O possível efeito de neuroproteção, exercido pelaredução pela temperatura, protegeria o cérebro contra episódios de isquemia focal, quando dainstalação de clampes em artérias cerebrais. Tal prática, entretanto, estava embasada, principal-mente, em estudos experimentais, sendo que a literatura não balisava seu emprego na práticaclínica.

Em 2005, Tood et al publicaram estudo multicêntrico, controlado, denominado “IHAST –Intraoperative Hypothermia for Aneurysm Surgery Trial”50 estudando os possíveis efeitos dahipotermia no per-operatório de cirurgias para colocação de clipes em aneurismas cerebrais. Par-ticiparam do estudo 1001 pacientes, em bom estado neurológico, que haviam sofrido hemorragiasubaracnóidea espontânea; foram submetidos a cirurgia antes do 14º dia pós-hemorragia.

Os pacientes foram randomizados em 2 grupos: no primeiro, a cirurgia foi realizada com opaciente em hipotermia (temperatura de 33º C, utilizando técnicas de resfriamento de superfície);no segundo grupo , os pacientes foram mantidos normotérmicos (temperatura de 36,5º C). A tem-peratura era medida através de termômetro esofágico retro-cardíaco e, após instalação de clipesno último aneurisma, os pacientes foram, então, reaquecidos.

Análise estatística não evidenciou diferença em relação ao tempo de internação em unidadede terapia intensiva, tempo de internação hospitalar e mortalidade dos pacientes (6% em ambos osgrupos).

Também, não existiu diferença com relação ao resultado neurológico, medido após 90 diasde cirurgia. A incidência de bom resultado neurológico foi de 66% e 63% nos grupos hipotérmicose normotérmicos, respectivamente.

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Em relação aos efeitos adversos, também não existiu diferença entre os grupos citados;entretanto, os pacientes submetidos à hipotermia apresentaram maior incidência de bacteremiaperioperatória (5% versus 3%, respectivamente, p = 0,05).

A análise de dados secundários deste estudo, sugere pequeno efeito benéfico da hipotermiaem 2 subgrupos de pacientes: aqueles operados entre o 8º e 14º dia

pós- hemorragia subaracnóidea e nos pacientes do sexo masculino. Entretanto, tais dadosdevem ser analizados criticamente, em virtude de os grupos não terem sido randomizados paracirurgias precoces ou tardias, e quanto ao sexo.

Este estudo veio modificar a visão da utilização de hipotermia em neurociurgia, mais especi-ficamente, em craniotomias para colocação de clipes em aneurismas cerebrais, não mostrandobenefícios em sua utilização.

Traumatismo Crânio-Encefálico ( TCE )

Em 2001 foi publicado estudo multicêntrico , randomizado denominado de “NABISH –National Acute Brain Injury Study: Hypothermia”51. Foram estudados 392 pacientes, comidade entre 16 e 65 anos, em coma após traumatismo craniano fechado, sem trauma múltiploassociado. Participaram deste estudo sete instituições americanas.

Os pacientes foram randomizados em dois grupos: no grupo controle seria mantido emnormotermia de 37º C; já o segundo grupo , foi submetido a hipotermia, com temperatura corporalde 33º C. A hipotermia foi iniciada em até 6 horas após o trauma e seria mantida por 48 h, atravésde técnicas de esfriamento de superfície. O reaquecimento passivo posterior seria realizado naspróximas 18 horas.

O tempo médio para alcançar a temperatura definida foi de 8,4 h ± 3 horas.O resultado após 6 meses, definido como presença de seqüelas neurológicas importantes,

estado vegetativo e morte, foi ruim em 57 % dos pacientes de ambos os grupos; a mortalidade foide 28% no grupo hipotérmico e 27% no grupo normotérmico. O grupo de hipotermia apresentoumaior incidência de hipotensão arterial e menor incidência de hipertensão intra-craniana grave.

As análises de subgrupos de pacientes sugerem provável efeito benéfico da hipotermia na-queles pacientes que já se apresentavam hipotérmicos (< 35º C) à admisssão, na sala de emergên-cia. Para esta observação falta significância estatística, em virtude do pequeno tamanho da amos-tra. Baseados neste dado, foi iniciado em 2002, o estudo NABISH-II, com a participação de 10centros americanos, a fim de estudar aplicação da técnica de hipotermia neste grupo de pacientes.Os resultados deste estudo ainda não foram publicados.

Muitas críticas são realizadas ao estudo “NABISH”, descrito. Dificuldades técnicas no cum-primento do protocolo, em algumas instituições, e a presença de resultados, aparentemente, favo-ráveis à hipotermia em grandes centros, com maior experiência no emprego da técnica reduziriam acredibilidade deste estudo.

Os resultados da literatura, a partir de então, são conflitantes. Foram publicadas metanálisescom resultados favoráveis à utilização de hipotermia no TCE grave e, a seguir, outras duas metanálisesnão evidenciaram benefícios em sua utilização; os trabalhos analisados por estas metanálises são,praticamente, os mesmos.

Os resultados conflitantes da literatura podem ser explicados pelo longo período de tempogasto para a indução de hipotermia, nos pacientes com TCE(52). No estudo“NABISH” este tem-po foi de mais de 8 h. Estudos pré-clínicos sugerem efeito neuroprotetor da hipotermia, quandoutilizada em até 2 h pós-trauma.

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Deste modo, o estudo “NABISH” não pode ser considerado evidência definitiva sobre otema; os dados da literatura indicam, por enquanto, falta de benefício na utilização de hipotermiaem pacientes com TCE grave53.

Hipertensão Intra-Craniana

Hipotermia reduz a pressão intra-craniana (PIC) em pacientes com TCE grave, em estudoslaboratoriais e clínicos. Um pequeno estudo randomizado, com 33 pacientes, com hipertensãointra-craniana refratária ao tratamento , inclusive com barbitúricos, mostrou que os pacientes trata-dos com hipotermia (34º C) apresentaram melhor controle da pressão intra-craniana e maior sobrevidaem curto prazo54.

Subsequentemente, foi realizado estudo randomizado com 91 pacientes submetidos ahipotermia (34º C), em pacientes com PIC inferior a 25 mmHg55. Não foram evidenciadas vanta-gens com a utilização da técnica, com aumento da incidência de complicações sistêmicas.

Assim, recomenda-se que a hipotermia seja utilizada em casos de hipertensão intra-cranianarefratária ao tratamento convencional ; não sendo indicada em pacientes com PIC inferior a 25mmHg.

Entretanto, dados do estudo “NABISH”, mostram que, apesar dos efeitos de redução da pressãointra-craniana em pacientes submetidos a hipotermia, os resultados e a evolução não foram alterados51.

Cirurgia Cardíaca – Circulação Extra-Corpórea

Estudos sobre a utilização de hipotermia em cirurgia cardíaca, não evidenciaram redução daincidência de distúrbios neuro-cognitivos, comparados com pacientes mantidos em normotermia.

Recente metanálise não evidenciou efeito neurológico protetor com a utilização de hipotermia56.Uma prática comum em cirurgia cardíaca é o reaquecimento de pacientes hipotérmicos em

circulação extra-corpórea (CEC), antes da saída de CEC, com objetivo de prevenir complicaçõesda hipotermia, particularmente o sangramento. O reaquecimento pode ser muito perigoso, em vir-tude de hipertermia não reconhecida, resultado da proximidade da cânula aórtica com o cérebro.Recomenda-se um gradiente entre cânula aórtica e temperatura nasofaríngea menor ou igual a 2º C;e nunca um sangue em cânula arterial superior a 38º C.

Nathan et al57 estudaram, recentemente, pacientes submetidos a cirurgia de revascularizaçãodo miocárdio, com circulação extra-corpórea. Os pacientes foram divididos em dois grupos: o pri-meiro (73 pacientes) foi mantido com temperatura de 34º C, durante o per-operatório, sendoreaquecidos para saída de CEC. Já o segundo grupo, 71 pacientes foram mantidos, também, comtemperatura de 34º C, sendo que os pacientes não foram reaquecidos desde a saída de CEC até omomento da chegada ao CTI.

Não existiu diferença entre os grupos em relação à transfusão , uso de inotrópicos, temposde intubação, tempo de hospitalização, infarto do miocárdio e mortalidade. O tempo de internaçãoem CTI foi 8,4 h menor nos pacientes hipotérmicos, assim como a incidência de distúrbios cognitivosem uma semana e 3 meses de pós-operatório .

Com base nos resultado apresentados a utilização de hipotermia em cirurgia cardíaca écategorizada em classe indeterminada, ou seja, a hipotermia pode ainda ser utilizada; entretanto,asevidências da literatura são insuficientes para sugerir eficácia. Deve-se salientar que o reaquecimento,provocando hipertermia no momento da saída de CEC, é extremamente deletério , podendo compro-meter resultado neurológico do pacientes.

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Proteção de Medula Espinhal e Cirurgia Vascular

A incidência de paraplegia em cirurgias vasculares varia de 5% a 40%. Embora estudosexperimentais demonstrem que, a utilização de hipotermia leve, pode aumentar o tempo depinçamento de aorta em até 2 a 3 vezes, os estudos clínicos ainda são limitados.

Estudos clínicos são controversos sobre a eficácia da utilização de hipotermia profunda, em virtu-de da alta incidência de coagulopatia complicações pulmonares. Indica-se uso de hipotermia moderada.

Um estudo com 70 pacientes submetidos à hipotermia em cirurgias de aorta, comparadocom controles históricos, evidenciou redução no déficit neurológico (2,9% versus 23% no grupocontrole)58.

Em cirurgias de grandes vasos (pinçamento de aorta abdominal) contra-indica-se o aqueci-mento da porção inferior do corpo durante a fase de interrupção do fluxo sanguíneo.

Hipotermia Profunda e Cirurgia Cérebro-Vascular Complexa

A redução da temperatura corporal é acompanhada de redução no consumo metabólico deoxigênio cerebral. Em situações de hipotermia profunda, temperaturas de 25º C, reduzem o consumode oxigênio para 25%, e com temperatura de 20º C, o consumo é reduzido para 15% do nível decondições normotérmicas. Teoricamente, a tolerância à isquemia poderia ser prolongada por 50 a 60minutos com temperatura cerebral entre 18º e 20º C. Entretanto, a atividade fisiológica cardíaca seriaimpossível, sendo por este motivo, a hipotermia profunda, utilizada concomitantemente, com circula-ção extra-corpórea , parada cárdio-circulatória total e anti-coagulação plena do paciente.

A hipotermia profunda pode ser indicada: para tratamento de lesões vasculares complexas,aneurismas cerebrais gigantes, fusiformes, sem colo definido; tais casos devem ser, cuidadosamen-te, selecionados, para sua abordagem.

Uma excelente revisão, recentemente publicada, por Rohoeri et al 59 evidencia grandeheterogeneidade e variabilidade dos resultados da literatura: a mortalidade dos diversos trabalhososcilou entre 0% e 50%; morbidade chegou a 23%. A duração da parada circulatória total: namaioria dos trabalhos foi em torno de 20 minutos; chegando, porém , a 60 minutos, em outros.

VIII - Sítios para Aferição da Temperatura

Aproximadamente 40% dos pacientes recebem alta da sala de recuperação pós-anestésicacom temperatura inferior a 36º C.

O padrão ouro para medida da temperatura é via temperatura de cateter de artéria pulmonar.Entretanto, trata-se de método invasivo, não sendo comumente usado somente para esta finalidade.

Nasofaringe, esôfago distal, membrana timpânica, reto e bexiga podem ser utilizados, assimcomo a superfície da pele. Durante o ato anestésico a mensuração da temperatura da pele se limitaao registro das fases de redistribuição da temperatura.

É importante saber as limitações de cada sítio de aferição, assim como a sua correlação coma temperatura central. Uma análise específica destes dados foge aos objetivos desta revisão.

IX - Conclusões

A hipotermia é frequentemente encontrada na prática clínica do Anestesiologista, apresentan-do efeitos sistêmicos, muitas vezes deletérios para pacientes de risco. A hipotermia não-intencional,

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não identificada ou até mesmo negligenciada, aumenta, na maioria das vezes, a morbidade dosprocedimentos; os tremores e a sensação de frio intensas são queixas freqüentes dos pacientessendo relatados, muitas vezes, como a pior parte do período de internação; gera grande insatisfa-ção dos pacientes/clientes, e queda de indicadores de qualidade da prestação de serviços médicos.A hipotermia não-intencional deve ser combatida agressivamente e precocemente, sendo que a suaprevenção ainda é a maneira mais rápida, barata e eficaz para a sua abordagem.

A utilização terapêutica da hipotermia, principalmente em cirurgias neurológicas e cardíacascomplexas têm indicações extremamente restritas. O uso rotineiro não evidenciou benefícios. Asprincipais evidências da literatura apontam para pacientes vítimas de PCR, por FV, atendidos forado ambiente hospitalar. Estes dados poderão ser extrapolados para os casos de PCR atendidosdentro do ambiente hospitalar? Muitas questões serão respondidas...!

Novos dispositivos para prevenção e indução de hipotermia, de maneira rápida e precisa,vêm sendo descritos e podem vir a mostrar resultados surpreendentes em futuro próximo. Deve-seacompanhar a evolução da literatura médica, baseando-se a prática clínica em evidências científi-cas!

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