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Ensaios nha realmente compre- endido a dialética. “Por sua própria natu- reza, o humor é uma for- ça desinibidora, libertá- ria. Em suas expressões mais desenvolvidas, ele nos ajuda a perceber as ambigüidades da con- dição humana, as con- tradições disfarçadas, os anseios e insatisfações. No nível mais conse- qüente da sua dialética imanente, o humor não poupa nada, não respei- ta ninguém; ele não livra a cara sequer do próprio humorista”. Assim como não livrou o pró- prio biógrafo. A nota “Sobre o Autor”, por este redigida ao final do livro, diz. “Valério, meu fale- cido pai, me aconselhava: podes dizer bobagens, porém não deves escrevê-las. Não ouvi a sábia re- comendação paterna e escrevi 24 livros. Talvez eu sofra de gra- fomania incurável.” Que distinto toque há aqui? Uma rica diversidade num cons- tante e bem-humorado movi- mento transformador. E ao lei- tor vamos entregar o que nossa Este, por sua vez, percorre pala- vras, frases e parágrafos com o conforto da boa acolhida, com a segurança do conceito preciso e abrigado pela arquitetura da aná- lise sem, contudo, sentir o peso da estrutura, saindo mais leve, oxige- nado pela reflexão conquistada. Em seu pequeno livro sobre Aparício Torelli (1895-1971), o barão de Itararé, auto-nobilita- do na batalha que não houve, Konder integra-se ao biografa- do para unir crítica social, hu- mor e dialética 1 . “Há no humor uma vo- cação dialética espontâ- nea, que o leva a questio- nar os princípios que en- rijecem, as certezas que se cristalizam, as conclu- sões que se pretendem definitivas. O humor for- ça a consciência a se abrir para o novo, para o ines- perado, para o fluxo in- finitamente rico da vida, para a inesgotabilidade do real. Por isso, o cam- peão do teatro dialético, o alemão Bertolt Brecht, dizia: nunca conheci um homem desprovido de senso de humor que te- 39 Muitos intelectuais cruzam o caminho dos estudantes de história. Os especialistas das diversas épocas, os professores que se tornam amigos, os auto- res sem rosto das obras clássi- cas, os críticos implacáveis etc. A vida universitária descortina aqui e ali novos horizontes. E assim deve ser. Uma vez aberto o horizonte e vislumbrado o novo vem o desa- fio: como assumi-lo e integrá-lo em minha jornada? Como dar o passo a frente? Para colocar em movimento eficaz este proces- so de transformação é preciso aquela força que ouve e dialoga, que apóia e instiga, que confia e ama. É preciso o Mestre. Leandro Konder é um Mestre Mestre em muitos sentidos. Mestre na crítica dos saberes. Mestre na crítica dos poderes. Mestre na sensibilidade artística e na alegria de viver. Numa pa- lavra, Mestre no convívio amigo. E aqui divisamos o mais difícil de transmitir num texto: o calor do encontro, a profundidade do olhar, o riso da piada inesperada, a vida transbordando em idéias. Há uma união entre a vida e a obra de Konder. É possível en- contrá-lo inteiro em seus tex- tos. Construídos com elegância e objetividade, traduzem o mais complexo de modo a produzir as condições para a compreensão, entregando a substância do que é tratado diretamente ao leitor.

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nha realmente compre-endido a dialética.

“Por sua própria natu-reza, o humor é uma for-ça desinibidora, libertá-ria. Em suas expressões mais desenvolvidas, ele nos ajuda a perceber as ambigüidades da con-dição humana, as con-tradições disfarçadas, os anseios e insatisfações. No nível mais conse-qüente da sua dialética imanente, o humor não poupa nada, não respei-ta ninguém; ele não livra a cara sequer do próprio humorista”.

Assim como não livrou o pró-prio biógrafo. A nota “Sobre o Autor”, por este redigida ao final do livro, diz. “Valério, meu fale-cido pai, me aconselhava: podes dizer bobagens, porém não deves escrevê-las. Não ouvi a sábia re-comendação paterna e escrevi 24 livros. Talvez eu sofra de gra-fomania incurável.”

Que distinto toque há aqui? Uma rica diversidade num cons-tante e bem-humorado movi-mento transformador. E ao lei-tor vamos entregar o que nossa

Este, por sua vez, percorre pala-vras, frases e parágrafos com o conforto da boa acolhida, com a segurança do conceito preciso e abrigado pela arquitetura da aná-lise sem, contudo, sentir o peso da estrutura, saindo mais leve, oxige-nado pela reflexão conquistada.

Em seu pequeno livro sobre Aparício Torelli (1895-1971), o barão de Itararé, auto-nobilita-do na batalha que não houve, Konder integra-se ao biografa-do para unir crítica social, hu-mor e dialética1.

“Há no humor uma vo-cação dialética espontâ-nea, que o leva a questio-nar os princípios que en-rijecem, as certezas que se cristalizam, as conclu-sões que se pretendem definitivas. O humor for-ça a consciência a se abrir para o novo, para o ines-perado, para o fluxo in-finitamente rico da vida, para a inesgotabilidade do real. Por isso, o cam-peão do teatro dialético, o alemão Bertolt Brecht, dizia: nunca conheci um homem desprovido de senso de humor que te-

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Muitos intelectuais cruzam o caminho dos estudantes de história. Os especialistas das diversas épocas, os professores que se tornam amigos, os auto-res sem rosto das obras clássi-cas, os críticos implacáveis etc. A vida universitária descortina aqui e ali novos horizontes. E assim deve ser.

Uma vez aberto o horizonte e vislumbrado o novo vem o desa-fio: como assumi-lo e integrá-lo em minha jornada? Como dar o passo a frente? Para colocar em movimento eficaz este proces-so de transformação é preciso aquela força que ouve e dialoga, que apóia e instiga, que confia e ama. É preciso o Mestre.

Leandro Konder é um Mestre

Mestre em muitos sentidos. Mestre na crítica dos saberes. Mestre na crítica dos poderes. Mestre na sensibilidade artística e na alegria de viver. Numa pa-lavra, Mestre no convívio amigo. E aqui divisamos o mais difícil de transmitir num texto: o calor do encontro, a profundidade do olhar, o riso da piada inesperada, a vida transbordando em idéias.

Há uma união entre a vida e a obra de Konder. É possível en-contrá-lo inteiro em seus tex-tos. Construídos com elegância e objetividade, traduzem o mais complexo de modo a produzir as condições para a compreensão, entregando a substância do que é tratado diretamente ao leitor.

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foi ensaísta, teatrólogo, teóri-co e crítico. Desde os 15 anos já publicava poemas no jornal da escola e, com o estourar da I Guerra Mundial, influencia-do por professores, escreve-os com temas patrióticos. Entre-tanto, isso não duraria muito; ao lhe pedirem um comentário sobre o verso do poema de Ho-rácio (“doce e honroso é morrer pela pátria”), Brecht ataca com acrimônia: “despedir-se da vida é sempre duro, na cama ou no campo de batalha”.

Suas concepções pacifistas, ao que parece, começam a agu-dizar-se ao passo que denun-ciam as inumanidades da guerra e as vantagens que os “de cima” levam sobre os “de baixo”. “O sangue continua vermelho / e o exército continua a convocar gente”, deflagrou Brecht.

Nessa mesma primeira fase, Brecht já se define como poeta urbano. Foi ele, “talvez, o primei-ro poeta que tem algo a dizer a respeito do homem urbano”, afir-mou o crítico e seu amigo Walter

Benjamin. O tema metropolita-no, constantemente referido às mazelas do povo, entrelaçava-se com o tema da guerra, no qual habitantes pobres da cidade são condenados a viver em uma es-pécie de estado de guerra.

Em seu diálogo com o poeta, Leandro Konder preocupa-se em buscar a relação da poesia de Brecht com a história. Em lugar de determinar um “conceito” fi-losófico de história, Konder per-corre, com desenvoltura ensaís-tica, as representações presen-tes nos poemas. Representações estas que não se limitavam ao conhecimento crítico da história, mas ao anseio de sua invenção que vicejaria por meio de uma re-volução libertadora. Brecht esta-va apaixonadamente empenhado em fazer história.

Contudo, o poeta tinha cons-ciência das pedras que enfrenta-ria no caminho, mas nem por isso deixava de percorrê-lo. Era céti-co aos “grandes homens” da his-tória. Dizia sempre: “os grandes homens dizem muita besteira”.

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condição de aprendizes permitiu materializar da leitura, dos nos-sos debates e dos encontros que tivemos com nosso Mestre.

O Leandro Brecht, por Yllan Goethe afirma que toda poesia

é poesia de circunstância, então, todo o lirismo é filho das condi-ções específicas do seu momen-to. Bertolt Brecht confirma isso. Suas poesias são a expressão de seu tempo e de suas contradi-ções2. No entanto, Brecht é mais! Sua obra transcende o tempo e o espaço da qual é filha, ela ultra-passa as circunstâncias de cria-ção e se permite o novo. Foi feita em um tempo, mas o transcen-de. A obra lírica de Brecht, sem dúvida, tem sua história, mas se identifica com inúmeras outras. Para compreender sua genuína historicidade devemos recolocar as questões que se apresentaram na vida de Brecht.

O mais dialético dos poetas, Bertolt Brecht, nasceu em Au-gsburgo (1898). Além de poeta,

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E, ironicamente, autocaracteri-zava-se como o “grande Brecht”, homem que “filosofava sobre capim” e não compreendia o trivial. Entendia que era – para fazer estreita ligação com ou-tra obra de Konder, Flora Tristan – como “um pária”. Solidarizava com os “de baixo”, mas não per-tencia a eles; figurava entre “os grandes”, entretanto, não era igual a estes. Era um ser “pró-ximo e desconhecido de todos”, como ele mesmo afirmara.

Todavia, é o trabalhador que o fascinava. Para Brecht, o fazer histórico somente é construído pelo coletivo. Coletivo conscien-te, diga-se de passagem! Segun-do o poeta, autocrítica está dire-tamente ligada à transformação da sociedade. “O social (...) não atenua o individual. E o indivi-dual pressupõe o social.” E con-clui poeticamente: “De fato, se fôssemos reis, agiríamos / como reis. Contudo, agindo como reis, / agiríamos diferente de nós”.

Neste momento suas poe-sias sofrem grande influência da

obra do autor de O Capital. Marx concluiria com outras palavras: “não é a consciência dos homens que determina a sua existência, é, pelo contrário, a sua existên-cia social que determina a sua consciência”. Sem dúvida, como afirmou Brecht, Marx seria “o es-pectador ideal” para suas peças.

Para vencer os opressores, Marx fornecia a munição, mas o disparo era feito com suas poe-sias, que mais do que nunca, fe-riam os sentidos mais conserva-dores da sociedade.

Leitor atento de Hegel, Brecht percebia que uma nova socieda-de só erguer-se-ia sob a égide da autotransformação. Processo este que há de ser constante, pois, quando nos furtamos à au-tocrítica, incorporamos ao cerne de nossa luta o conservadorismo que queremos transformar. Um belo poema lembra: “Tudo se transforma. E recomeçar / é pos-sível mesmo no último suspiro”. Isso é dialética!

Bertolt Brecht e Walter Ben-jamin têm mais que uma relação

conquistada na amizade. Para es-ses dois grandes autores, quando a história se cristaliza, ela em-pobrece e perde a capacidade de transformação. Realidade é movimento. E movimento é dia-lética. Contudo, quando se de-pararam com a Rússia stalinista, ambos discordaram de seu dog-matismo empobrecedor; porém, ambos deram-na o privilégio da dúvida, não a questionando, se-gundo Brecht, “para não levar água ao moinho inimigo”.

Sem embargo, após a Segunda Guerra Mundial esta questão re-volveria seus pensamentos, ma-goando-o profundamente. Como criticar um Estado que se diz do povo (socialista)? Sua frustração foi aparente, mas mesmo assim não deixou de lutar. Teve, mais do que nunca, uma postura in-dagadora com relação à História – é nesse momento que escreve “Perguntas de um operário que lê”. Com vigorosos versos o poe-ta lança sua última questão aos historiadores: Quem são os pro-tagonistas da história?

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Para Brecht o trabalhador que irá mudar a história não é aquele que “resolve o enigma da história”, mas o seu próprio. É aquele que dialoga com a his-tória porque tem consciência dela. Indaga a todos, pois seu ser é inquieto. Critica, porque quer transformar. “Quem construiu a Tebas, a cidade das sete portas?” De forma alguma esse trabalha-dor quer respostas prontas: o que o atrai são as questões, pois estas sim podem transformar o mundo. A reflexão nunca se in-terrompe, porque é pergunta que nunca cessa.

Konder nos faz ver o quanto o mundo de hoje sente falta de Bre-cht. Sua luta constante, sua arte e vida são o contrário do rumo se-guido pelos homens de hoje. O ho-mem em geral lê cada vez menos. As tentativas de implantação do socialismo fracassaram. A crítica enterra-se na era da informação e o mundo pós-moderno afirma o “fim da história”. Todavia, há es-perança! Basta lembrar o que di-zia o poeta/historiador: a “história

trajetória acadêmica de Hegel desde seus primórdios. Analisa as influências sofridas pelo referido filósofo e suas respectivas posi-ções perante assuntos ligados à religião e ao cristianismo. Cons-tituindo esta narrativa dentro de uma perspectiva histórica, Kon-der realça também o papel dos acontecimentos revolucionários – França/1789 – na construção de seus preceitos filosóficos re-ferentes às questões políticas da sociedade.

Inebriado pelas questões que o cercavam, Hegel debruçou-se, desde o início de sua formação, por trajetos e perspectivas que abordavam diversos tipos de questões filosóficas. Envolveu-se no debate acerca do amor peran-te os cristãos. Definiu novos cri-térios para questões vinculadas à estética. Inovou no desenvol-vimento de conceitos dentro do campo do direito – a questão da família e do Estado – e no de-bate político de sua época. Preo-cupou-se em dissecar problemas que envolviam a arte e a ciência.

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depende de seus atores”, “tudo se transforma”, então, concluímos, “modifique o mundo: ele precisa”.

O Leandro Hegel, por Lincoln

Logo na introdução de seu livro, Konder deixa evidente sua preocupação em resgatar, dentro da história da Filosofia, as obras vinculadas à produção acadêmi-ca de Hegel3. Segundo o autor, é a partir deste conjunto de leitu-ras – escasso nos meios acadêmi-cos brasileiros – que poderíamos aprofundar questões presentes na filosofia de Marx e de outros diversos pensadores que foram influenciados pelos escritos e pela concepção dialética ao lon-go do século XIX.

Optando por uma aborda-gem da trajetória do pensador e do movimento de sua reflexão, Leandro Konder se concentra principalmente na concepção de razão criada por Hegel e que sus-cita dúvidas e desentendimentos até os dias atuais.

Inicialmente, Konder narra a

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Em suma, tentou compreender o real dentro de sua diversidade e de sua respectiva especificidade (principalmente pela compreen-são da relação dinâmica entre sujeito/objeto).

Polemizando com diversos pensadores de seu tempo – Fichte, Schulze, Jacobi, Krug – acerca da razão e da relação sujeito/objeto, Hegel destacou a importância de se compreender a forma como a razão poderia ser operada, de que maneira o conhecimento é produzido e quais as respectivas etapas que deveriam ser supera-das pela humanidade até chegar à idéia do saber absoluto.

Segundo Hegel, a constru-ção do conhecimento acompa-nha as etapas do movimento da consciência humana perante a realidade observada. A consci-ência, ao surgir, se dá conta de que algo existe, porém não pos-sui meios de chegar a conhecer coisa alguma a respeito do que existe. Daí a formulação do sa-ber imediato ou certeza sensí-vel, ambos os conceitos ligados

às limitações desta primeira ex-periência imediata.

A segunda etapa do movimen-to da consciência estaria ligada à idéia da percepção. A partir da-qui o sujeito supera os limites do imediato e se dá conta de algu-mas características “determina-das” daquela realidade abordada inicialmente. A consciência per-cebe a multiplicidade do real e suas respectivas qualidades.

Entretanto, como observa Konder, a primeira determinação de que o conhecimento é capaz se mostra contraditória: a cons-ciência é levada a se defrontar com a unidade do objeto e a res-pectiva diversidade das qualida-des deste mesmo objeto. A partir daqui, o sujeito conquista uma nova habilidade: a capacidade de duvidar. E é a dúvida que o ar-remessa no sentido de se rebelar contra as limitações da consci-ência que não ultrapassa as fron-teiras da sensibilidade. Surge aí a terceira etapa do movimento da consciência: o discernimento.

Segundo Konder, a etapa de

construção do discernimento, representa um avanço muito importante no movimento da consciência. A partir desta etapa, o sujeito vai além da esfera do meramente sensível. Analisando, decompondo e separando as coi-sas, buscando sempre a exatidão do que é conhecido, percebe-se atuante no meio em que vive, ca-minhando a passos largos rumo à razão e à busca do conceito – forma objetiva de se compre-ender o real.

A etapa da autoconsciência, posterior a etapa do discerni-mento, coloca o pensamento em busca da universalidade. Entre-tanto, os paradoxos apresenta-dos pelo real – a capacidade de ser e ao mesmo tempo não ser livre – “dividem” o sujeito den-tro do que Konder caracterizou como uma dialética perversa: A do senhor, que comanda e im-põe suas vontades e que, conse-qüentemente, perde o contato com a experiência humana dos seus subalternos, e a do escra-vo, colocado em contato com a

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so do real”. Diante desta nova etapa, a razão, dentro de seu movimento dinâmico, supera a si mesma através do espírito autocrítico, rumo ao alcance da sexta e penúltima etapa do mo-vimento percorrido pela consci-ência: o espírito.

Antecessor do saber absolu-to, o espírito, supera e preserva como momentos significativos tudo aquilo que havia de váli-do em todas as outras etapas precedentes do movimento da consciência. A paixão, energia que, segundo Konder, a razão é incapaz de dinamizar, torna-se uma força poderosa na condu-ção do espírito a um “esforço criativo bem direcionado.”

É através deste esforço que o espírito pode alcançar o já citado conceito do saber absoluto, onde para Hegel, ocorre uma fusão en-tre sujeito e objeto, conquistan-do-se assim a base constitutiva do conceito. Através da mobilidade da vida, este saber absoluto se re-novaria, ultrapassando os limites de uma “quietude definitiva.”.

condição humana em toda sua crueldade, privado dos meios que lhe permitam viver e pensar a di-mensão ampla da liberdade.

Para sair deste círculo vicio-so da dialética senhor/escravo, a consciência precisa superar os limites impostos por correntes de pensamentos como o estoicismo e o ceticismo que, segundo Kon-der, não dão conta de compreen-der a realidade em sua plenitude, limitando-se apenas a avaliar os pontos positivos e negativos do real imediatamente apreendido, devendo, por sua vez, dar conta de reconhecer a importância do trabalho – forma pela qual os homens podem vir a intervir na realidade objetiva, dominando-a, astuciosamente ao seu serviço.

Somente superando este de-safio é que a autoconsciência transforma-se, finalmente, em razão. O indivíduo começa a se pensar concretamente como parte de uma realidade mais universal, segundo Hegel, defi-nida como “o processo de reali-zação do espírito” ou o “proces-

Após sua passagem por Nu-remberg, trabalhando como edi-tor de jornais e preparando a edi-ção de sua mais famosa obra, a Fenomenologia do Espírito, Hegel aventura-se em meio às questões políticas que se desdobravam no início do século XIX na Europa. Engajado na compreensão do ser e de sua interatividade com o real, Hegel avança na construção de uma filosofia cada vez abstra-ta e distante do que foi apreen-dido perante o real objetivo.

Apesar de perceber os para-doxos existentes na sociedade em que vivia – a questão da propriedade privada, da Revo-lução Industrial e das condições de vida da classe operária eu-ropéia – e ter percebido a his-tória dentro de uma concepção dialética, Hegel não transformou suas idéias em métodos revolu-cionários. A concepção mate-rialista da história de Marx foi uma reformulação das principais concepções de Hegel, principal-mente das que tratavam acerca da inesgotabilidade do real e sua

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apreensão pelo homem.Aprimorando a concepção

dialética de Hegel, Marx conse-guiu dar um sentido à história, mobilizando em sua filosofia pesadas reflexões críticas acerca da sociedade na qual estava in-serido e propondo soluções para as mazelas sociais provenientes da exploração do capital sobre o trabalho. A luta por uma socie-dade sem classes foi um desdo-bramento importante da filosofia de Marx para o século XIX, man-tendo até hoje sua força crítica.

Seria incoerente terminar este texto com uma afirmação e um ponto final. Entretanto, diante das diversas questões que con-tinuam em aberto, uma em es-pecial revela-se de importância fundamental neste momento: De que forma o resgate da dialéti-ca – dentro das concepções de Hegel e Marx – pode-nos ajudar a alcançar a autotransformação individual e contribuir para re-verter/transformar as bases/ali-cerces de nossa sociedade?

lo, temos a narrativa da vida de Apporelly desde seu nascimento em São Leopoldo no Rio Grande do Sul, até o último com o seu falecimento, sozinho, no Rio de Janeiro. Nestes capítulos descre-veu muitas passagens, escritas ou ditas pelo humorista, princi-palmente no período de 1926 a 1935, em que segundo o autor foi o período de maior criatividade.

O barão de Itararé lançou um jornal semanal intitulado A Ma-nha, em alusão ao jornal A Ma-nhã, autocaracterizando-se como “hebdromedário”. Aliás, como fez também com a sua própria deno-minação, concedendo-se o títu-lo de duque de Itararé por uma batalha que não houve, e pos-teriormente em demonstração de humildade, rebaixou-se para barão. Em poucas palavras pode-mos dizer que Apporelly inovou o humor utilizando fotografias adulteradas e fotomontagens, entre outros recursos.

Em 1933 iniciou uma cam-panha contra o integralismo. No ano seguinte, quando os comu-

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O Leandro Itararé, por Juliana Nesta divertida e pequena

obra de Leandro Konder temos a trajetória de vida de Aparício To-relli, ou Aporelly, ou ainda Barão de Itararé. Este se utilizava do jornal e de seu dom indubitável de fazer humor para fazer crítica à sociedade brasileira em que vi-via (1895-1971), atingindo prin-cipalmente a ordem política.

Leandro Konder dividiu o seu texto em 12 capítulos, inserindo ao final uma cronologia de seu biografado. No primeiro traçou o perfil do humor brasileiro antes do barão de Itararé, que iniciou com a chegada das caravelas portu-guesas no país. Mas destacou que é no século XIX que o humor en-contra condições auspiciosas para se manifestar na vida literária. Lembrou, assim, de alguns boê-mios como Paula Nei, Raul Braga, Emílio Menezes, Raul Pederneiras e os pioneiros na expressão literá-ria como Bastos Tigre.

A partir do segundo capítu-

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nistas e integralistas divergem em São Paulo, assumiu a direção do Jornal do Povo. Logo fez um folhetim sobre a revolta dos ma-rinheiros e no dia 19 do mesmo mês (outubro) Apporelly foi se-qüestrado por oficiais da mari-nha. Isso significou o fechamento do Jornal do Povo e a reabertura do A Manha.

Em 1935 participou da cria-ção Aliança Nacional Libertado-ra, e após a chamada “Intentona Comunista”, o barão foi preso apesar de não ter participado de nenhuma conspiração. Por falta de provas foi liberado um ano e meio depois.

Por pressões do Estado Novo não conseguiu reativar A Manha, mas em 1945 conseguiu fazê-lo com grande sucesso de público. Em 1947 o Partido Comunista aproveitou o seu apogeu e o lan-çou candidato a vereador. Eleito, foi o oitavo mais votado da ban-cada. Em 1948 teve o seu man-dato cassado em conseqüência da extinção do registro do PCB.

Em 1949 lança o Almanha-que, mas parou no segundo nú-mero, que foi lançado em 1955. Sua saúde vai se deteriorando por volta de 1960, sendo agrava-da com o avançar da idade, mas mesmo nesse momento temos a observação de Konder quanto ao espírito crítico do humor, e claro, de Aporelly: “O barão, sexage-nário, insistia em olhar o mundo com os olhos de um inconformis-ta, farejando aspectos novos da realidade que o cercava.”. Porém, tendo sérios problemas circula-tórios morreu em 1971.

Nesta obra podemos ob-servar que o maior objetivo de Konder é resgatar a crítica so-cial e política através dos lite-rários e mais ainda pelo humor. Trouxe à nossa memória outros autores como: Millôr Fernandes, Luis Fernando Veríssimo, Ziral-do, etc. Ele acredita que:

pela sua violência e erotização exacerbada, geralmente levando a protagonistas “superhomens”, que de humanos deixam muito a desejar. A solução do mistério, que aparentemente ruma para mais um dos clichês mirabo-lantes à la Aghata Christie, no qual o crime é desvendado por um virtuoso detetive, através de uma épica dedução, rapidamen-te inverte as expectativas, cami-nhando para mais uma solução inteligente, que preenche a obra de Konder.

Em uma localidade chamada Guariroba, um milionário cons-trói um hotel, no qual abriga sob seu mecenato cinco literatos. Alcunhados pelo excêntrico me-cenas, aficionado por literatura francesa, notavelmente de: Ara-gon, Claudel, Malraux, Rousseau e Rimbaud. Tendo este sido visto caindo do alto de uma cachoeira, até se chocar com o chão, não resistindo ao impacto. O roman-ce, passado no decorrer de uma semana, marca a vinda do ex-po-licial Sdruws, guarda-costas do velho milionário, e sua investi-gação do crime, que nitidamente assume a forma de assassinato.

No desenrolar da investiga-ção, um romance entre o ex-policial e uma habitante da lo-calidade se constrói e muitas coisas são descobertas sobre os cinco artistas e suas vicissitudes. Até a revelação do verdadeiro assassino, as investigações ex-põem outras condutas crimino-sas levadas a cabo pelos “anjos” (os cinco literatos), que recebem esse nome pela associação da si-gla ANGES (Associação Nacional dos Grandes Escritores), criação do milionário Bergotte. Assim como evidenciam as inescrupu-losas relações interpessoais dos protegidos do velho milionário.

O cenário construído sugere um ambiente de “letrados” pe-dantes, o que certamente marca uma crítica aos hábitos refinados e a “eurofilia” de alguns dentre os personagens. No fim do roman-

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“Foi com barão de Ita-raré, historicamente, que o humor, na sociedade bra-sileira, passou a se mobi-lizar de modo mais conse-qüente, na guerra contra a auto-mistificação da ide-ologia dominante”.

Konder insere o humor, sob perspectiva da crítica, na luta de classes, na transformação da re-alidade e na autotransformação do indivíduo. Ressalta que é na dialética do humor que podemos buscar o questionamento da re-alidade, a abertura para o novo, para a inesgotabilidade do real. O riso tem função de mola propul-sora para a oposição, para a crítica à realidade estática, e por isso tem força para refutar os princípios e comportamentos convencionais, muitas vezes comprometidos com a exploração. O humor é, por con-seguinte, o quadro no qual se pas-sa a luta contra “os princípios que se enrijecem.”

A própria linguagem do humor é critica, libertária e desinibidora. Não permite que ninguém fique livre, uma vez que questiona o próprio caráter do homem. Nele encontramos os anseios e insa-tisfações sociais, independente do indivíduo que produz ou da-quele que ri. Sem dúvida, o hu-mor expressa a própria vivifica-ção da luta pela democracia.

O Leandro Rimbaud, por Guilherme

Apesar da homenagem pres-

tada aos protagonistas copaca-banenses Espinoza e Guedes, e respectivamente seus autores Luis Alfredo Garcia-Roza e Ru-bem Fonseca, Leandro Konder surpreende em seu texto das velhas táticas dos romances po-liciais, gastas de exaustivo uso por parte de autores do gênero4. Distancia-se do batido e forçado gênero noir, amplamente aceito

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de uma nova mulher e de uma nova sociedade?

No dia 7 de Abril de 1803 nasce, em Paris, Flora Celesti-ne Thérèse Henriette Tristan y Moscoso5, filha de uma francesa, Anne Pierre Lainé e de um gene-ral nobre peruano, don Mariano de Tristan y Moscoso. Sua vida será marcada por muitos desen-contros e vicissitudes: o impe-dimento do casamento de seus pais pelo governo espanhol, uma vez que em 1808 a França napo-leônica estava em guerra com a Espanha, a morte precoce de seu pai e, conseqüentemente, o reco-nhecimento apenas da bastardia pela família paterna. Pária, uma metáfora de sua vida e da exclu-são das mulheres, como ela mes-ma sublinhou.

Leandro Konder demonstra com argúcia e delicadeza a cons-trução da afinidade socialista de Flora Tristan em seus contatos com os “socialistas utópicos” – Saint-Simon, Charles-François Fourier e Robert Owen –, suas contradições e seus caminhos de vida e experiências. Flora vivia o esteio de uma dialética entre o privado e o público, obriga-da a travar uma luta peculiar. No primeiro front estava a vida privada, suas inúmeras querelas com Chazal, seu marido e eterno rival, que mesmo separado não a deixava em paz; as relações com a filha Aline e com sua fa-mília peruana, sobretudo seu tio. No derradeiro front, estavam os conflitos de dimensões políticas, sob a égide da luta contra as in-justiças. Os problemas do casa-mento e dos filhos prendiam-na à esfera privada; os problemas do socialismo lançavam-na à esfera pública. O sonho de uma sociedade mais justa e igualitá-ria, sobretudo para operários e mulheres, perpassava por uma ética cotidiana.

Ela estava empenhada radical-mente, como conta-nos Konder, na busca da felicidade pessoal e na organização dos trabalha-

dores. Antes de Marx – mais um jovem admirador seu – Flora uti-liza-se das idéias de Fourier so-bre o casamento, o sustentáculo da civilização, e esta, por sua vez, a prisão da mulher. Divergiu de Proudhon, que, um tanto quan-to moralista, considera as idéias de Fourier para o casamento “um sonho da canalha em delírio”, acusando-o de instaurador de uma “pornocracia”.

Proudhon, assim como muitos socialistas marxistas-leninistas, não entendeu que a mudança so-cial passa por uma revolução dos costumes. Em outras palavras, para alterar-se a esfera pública deve-se alterar igualmente a es-fera privada do cotidiano. Esses processos são interdependentes. Eis a importância de Flora Tristan nos dias de hoje.

Contudo, não podemos miti-ficá-la, como demonstra Konder. Flora Tristan tem seu tempo e questões que lhe são próprias, mas, sem pejo, suas advertên-cias inquietas proporcionam ele-mentos vultosos para as lutas do nosso tempo.

Seu imaginário perpassa o romantismo típico dos “utópi-cos socialistas”, pelas inquieta-ções de justiça, pelos ideais da Revolução Francesa e os percal-ços da Revolução Industrial, que lançaram em condições ínfimas trabalhadores homens e mulhe-res, sendo estas últimas cada vez mais egressas da reclusão do-méstica e lançadas no mercado de trabalho. Aos 41 anos e com dois projéteis alocados no peito – pela tentativa de assassinato efetuada pelo marido – Flora de-cide lançar-se a uma derradeira viagem pela França, disposta a pregar diretamente à população “o socialismo para as mulheres e o feminismo para o proletaria-do”. Vida foi apaixonada e apai-xonante, contada com o mesmo entusiasmo por Leandro Konder.

A compreensão aguda de Flo-ra sobre a significação política de alguns movimentos da vida

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ce, encontramos novas críticas, pontualmente ao caráter corrup-tor do mecenas, que através das palavras do próprio ex-policial: “Você, Bergotte, com seu mece-nato paternalista delirantemente autoritário, com sua necessidade de manipular o comportamen-to dos outros...”, assim como dos milionários e sua tendência a tornarem-se sujeitos com um caráter deformado.

Em síntese, o livro de Leandro Konder possibilita uma suave e interessante leitura, não permi-tindo que seu leitor a interrompa antes do final. Pondo em pauta as vicissitudes de seres huma-nos corrompidos pelo paterna-lismo de um velho milionário, temos que as críticas impressas não são pura coincidência, mar-cando valores transmitidos pelo autor. Entre os capítulos do li-vro, frases de filósofos, literatos, poetas e dramaturgos podem ser encontradas, assim como uma pequena biografia dos cinco no-mes de escritores franceses (ou com produções reconhecidamen-te francesas), que alcunham os cinco protegidos, é vista no fi-nal da obra. Distanciando-se de obras do gênero policial marca-das pelas construções esdrúxulas de enredo, ambientação forçosa e frágil em seus argumentos e personagens fracos, porque line-ares e pouco humanos, Leandro Konder preenche os requisitos que tornam sua obra um belo ro-mance policial, mostrando uma nova face do Leandro-pensador: o Leandro-ficcionista.

O Leandro Tristan, por Yllan e Fabíola

Como homem, como não me identificar com as questões políticas, sociais, culturais, eco-nômicas e íntimas que envolvem as mulheres? Como mulher e homem libertadores, como não nos indignarmos com as rela-ções que tecem essas condições sociais e que envolvem o tema

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Ensaios

tas com suas convicções e decide alterar seus conceitos corre o risco de virar “outro”, de perder sua identidade (...)

“Mudar é correr o risco de morrer”, dizia Hélio Pellegrino6.

E isso dá medo! Mas, então, como superá-lo? Com um sen-tido amoroso de abertura para o mundo. Acolher o mundo em si próprio, transformando-o e transformando-se em múltiplas interações interiores e exteriores sob a garantia do amor a tudo o que é humano. Bem, isso não é nada fácil! Mas parece que em breve teremos um outro livro de Konder nas livrarias, e sobre o amor. Aí, uma vez mais, enfim, veremos reinventado o desafio que é viver.

Referência bibliográfica

1 Leandro Konder. Barão de Itararé: o hu-morista da democracia. São Paulo : Brasi-liense, 2002. 2 Leandro Konder. A poesia de Brecht e a His-tória. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1996.3 Leandro Konder. Hegel: a razão quase en-louquecida. Rio de Janeiro : Campus, 1991.4 Leandro Konder. A Morte de Rimbaud. São Paulo : Companhia das Letras, 2000.5 Leandro Konder. Flora Tristan: uma vida de mulher, uma paixão socialista. Rio de Ja-neiro : Relume Dumará, 1994.6 Leandro Konder. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992.

Paulo Cavalcante é professor do Departamento de História da UNIRIO. Yllan de Mattos, Lincoln Marques e Juliana Bomfim são pós-graduandos em História Mo-derna (Especialização) na UFF. Gui-lherme Linhares é estudante do curso de Direito da UNIRIO. Fabíola Camargo é licenciada em História pela PUC-RJ.

privada, esboça um processo que só agora está se explicitando com todo o seu vigor. Foi preciso o ruir de alguns modelos e esta-dos para percebemos que há uma articulação cada vez mais cheia de sutilezas entre os poderes que se legitimam e os sentimentos íntimos que os aprovam ou rejei-tam. No “calor revolucionário” e em nome da coletividade desres-peita-se a intimidade dos indi-víduos. Paradoxalmente, o nazis-mo incorporou o povo ao poder político de forma antidemocrá-tica e contra seus interesses e o stalinismo mostrou que as idéias socialistas podem ser usadas para institucionalizar uma “dita-dura sobre o povo”. O liberalismo, por sua vez, institucionalizou o in-divíduo e a esfera privada, despo-litizando-o e criando uma socie-dade individualista e competitiva. O livre-mercado não gera somen-te uma “livre-concorrência”, mas também uma competitividade interpessoal, quando indivíduos perdem a capacidade de partilhar e universalizar o que é seu. Quan-do a ternura, o amor e o afeto se tornam “coisas” obsoletas e o desejo egoísta de satisfazer seu prazer prevalece, passa-se ao uso do outro como objeto para aquele fim.

Não podemos nos resignar a uma sociedade como esta! É pre-ciso pensar uma alternativa, sem negar a importância das intimida-des e dos costumes à esfera pú-blica, à vida política e econômica. Percorrer a vida de Flora Tristan é retomar a possibilidade de cons-truir esta alternativa, sem esque-cer, como afirmamos acima, que suas propostas são elaboradas para um tempo determinado, o século XIX. E assim como Marx, temos que deixar de somente in-terpretar e começarmos a trans-formar o mundo. Precisamos de “uma vida de mulher e uma pai-xão socialista”, como diz subtí-tulo do livro. Precisamos ouvir o que primeiro conclamou Flora aos trabalhadores: “Chegou o dia em

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que é necessário agir, e só vocês podem agir no interesse da sua causa (...). Depende só de vocês quererem firmemente e conseguir sair desse labirinto de misérias, dores e humilhações em que vocês se encontram. (...) Isolados, vocês são fracos. Então, saiam do isola-mento e se unam”. E depois Marx: “Trabalhadores do mundo uni-vos, vocês não têm nada a perder a não ser seus grilhões”.

O Leandro autotransformação, por Paulo

Coordenar um grupo de es-

tudiosos, definir metas, selecio-nar questões formuladas, ajustar conclusões, entrevistar o filósofo, abrir este texto e, agora, encerrá-lo, eis as tarefas a mim reserva-das. Arriscando-me a falar pelo grupo, se tivesse de escolher um ponto, uma passagem de especial aprendizado neste convívio com Leandro Konder, escolheria o des-pertar para a autotransformação.

Aprendemos que é muito fácil dizer para o outro em que ele deve mudar. Descobrimos o quão auto-ritários somos quando indicamos unilateralmente para a socieda-de a direção que ela deve tomar. Realizamos em nossos corações e mentes, tomados como unidade – e isso também nos foi ensinado –, que mudar, se transformar, é correr o risco de morrer:

Estamos todos, por mais resolutamente revolucioná-rias que sejam nossas dispo-sições subjetivas, vulneráveis a impregnações conservado-ras sutis. Temos medo de as-sumir todos os riscos ineren-tes à autotransformação.

Como poderíamos alterar tranqüilamente as bases da construção teórica que faz de nós aquilo que somos? A palavra “alterar” vem do la-tim “alter”, “o outro”. Quem empreende um ajuste de con-