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n.2 v.7 Veterinária em Foco jan./jun. 2010 p.148-152 Canoas Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) (Acari: Ixodidae) em Puma concolor: primeiro registro em Santa Catarina, Brasil Sandra Márcia Tietz Marques Rosiléia Marinho de Quadros Marcelo Mazzolli Gino Chaves Rodrigo César Benedet Klaus Guinter Lessmann RESUMO Este trabalho registra o parasitismo por Amblyomma aureolatum em um Puma concolor resgatado pelo Projeto Puma em Lages, Santa Catarina, Brasil. Foram encontrados 55 carrapatos da espécie Amblyomma aureolatum, sendo 37 (67%) fêmeas, 18 (33%) machos e proporção de 2:1. Das fêmeas, 24 eram ninfas e 13 (1/3) adultas e todos os machos eram adultos. Este é o primeiro relato de parasitismo por Amblyomma aureolatum em Puma concolor em Santa Catarina, Brasil. Palavras-chave: Puma concolor. Infestação por carrapato. Amblyomma aureolatum. Santa Catarina, Brasil. Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) (Acari: Ixodidae) in Puma concolor: First report in Santa Catarina, Brazil ABSTRACT This work reports the parasitism by Amblyomma aureolatum in Puma concolor rescued by the Projeto Puma in Lages, Santa Catarina, Brazil. Were found 55 ticks of the Amblyomma aureolatum species, being 37 (67%) female, 18 (33%) male and ratio of 2:1. From the females, Sandra Márcia Tietz Marques é Médica Veterinária, Profa., Dra. – Departamento de Patologia Clínica Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária da UFRGS – Porto Alegre/RS. Rosiléia Marinho de Quadros é Médica Veterinária e Bióloga – Profa. MSc. – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/ C. Marcelo Mazzolli é Biólogo, Dr. – Coordenador da ONG PROJETO PUMA e Prof. do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/SC. Gino Chaves é Médico Veterinário, Dr., Prof. do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/ SC. Rodrigo César Benedet é Biólogo, Membro da ONG ROJETO PUMA, Florianópolis, SC. Klaus Guinter Lessmann é Biólogo, Membro da ONG PROJETO PUMA, Florianópolis, SC. Endereço para correspondência: Sandra M. T. Marques, Rua Aneron Corrêa de Oliveira 74, ap. 201, Bairro Jardim do Salso, Porto Alegre/RS. CEP: 91410-070. E-mail: [email protected]

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Amblyomma aureolatum ; Puma concolor; Brazil; parasite

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n.2v.7Veterinária em Foco jan./jun. 2010p.148-152Canoas

Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) (Acari: Ixodidae) em Puma concolor:

primeiro registro em Santa Catarina, BrasilSandra Márcia Tietz Marques Rosiléia Marinho de Quadros

Marcelo MazzolliGino Chaves

Rodrigo César BenedetKlaus Guinter Lessmann

RESUMOEste trabalho registra o parasitismo por Amblyomma aureolatum em um Puma concolor

resgatado pelo Projeto Puma em Lages, Santa Catarina, Brasil. Foram encontrados 55 carrapatos da espécie Amblyomma aureolatum, sendo 37 (67%) fêmeas, 18 (33%) machos e proporção de 2:1. Das fêmeas, 24 eram ninfas e 13 (1/3) adultas e todos os machos eram adultos. Este é o primeiro relato de parasitismo por Amblyomma aureolatum em Puma concolor em Santa Catarina, Brasil.

Palavras-chave: Puma concolor. Infestação por carrapato. Amblyomma aureolatum. Santa Catarina, Brasil.

Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) (Acari: Ixodidae) in Puma concolor: First report in Santa Catarina, Brazil

ABSTRACTThis work reports the parasitism by Amblyomma aureolatum in Puma concolor rescued

by the Projeto Puma in Lages, Santa Catarina, Brazil. Were found 55 ticks of the Amblyomma aureolatum species, being 37 (67%) female, 18 (33%) male and ratio of 2:1. From the females,

Sandra Márcia Tietz Marques é Médica Veterinária, Profa., Dra. – Departamento de Patologia Clínica Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária da UFRGS – Porto Alegre/RS. Rosiléia Marinho de Quadros é Médica Veterinária e Bióloga – Profa. MSc. – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/SC.Marcelo Mazzolli é Biólogo, Dr. – Coordenador da ONG PROJETO PUMA e Prof. do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/SC.Gino Chaves é Médico Veterinário, Dr., Prof. do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – UNIPLAC/Lages/SC.Rodrigo César Benedet é Biólogo, Membro da ONG PROJETO PUMA, Florianópolis, SC.Klaus Guinter Lessmann é Biólogo, Membro da ONG PROJETO PUMA, Florianópolis, SC.

Endereço para correspondência: Sandra M. T. Marques, Rua Aneron Corrêa de Oliveira 74, ap. 201, Bairro Jardim do Salso, Porto Alegre/RS. CEP: 91410-070. E-mail: [email protected]

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24 were nymphs and 13 (1/3) were adults and all the males were adults. This is the first report of parasitism by Amblyomma aureolatum in Puma concolor in Santa Catarina, Brazil.

Keywords: Puma concolor. Tick infestation. Amblyomma aureolatum. Santa Catarina state. Brazil.

INTRODUÇÃOO gênero Amblyomma (Acari: Ixididae) possui 106 espécies, 59 encontradas

na região neotropical. Amblyomma aureolatum parasita carnívoros, ocorrendo na Argentina, Brasil, Colômbia, Guiana Francesa, Paraguai e Suriname (RODRIGUES et al., 2002). Este gênero tem importância em saúde pública, por parasitar humanos e ser agente vetorial de enfermidades patogênicas como a babesiose, borreliose e febre maculosa (ARAGÃO, 1936; BARROS-BATTESTI et al., 2006).

No Brasil, registros de literatura evidenciaram A. aureolatum parasitando carnívoros das Famílias Felidae, Canidae and Procyonidae (ARAGÃO, 1936; GUGLIELMONE et al., 2003; LABRUNA et al., 2005). Aragão (1936) relatou que A. aureolatum era frequentemente encontrado infectando cães em áreas rurais brasileiras. Na região sul, A. aureolatum foi encontrado parasitando cães no município de Lages, Santa Catarina (SOUZA et al., 1999; BELLATO et al., 2003). Evans et al. (2000) relataram o parasitismo em cães domésticos por A. aureolatum no estado do Rio Grande do Sul. Labruna et al. (2002) identificaram o gênero Amblyomma em nove espécies de carnívoros silvestres, incluindo Puma concolor, ao longo do rio Paraná, na área da usina hidrelétrica Porto-Primavera, localizada entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Labruna et al. (2005) relataram A. aureolatum parasitando 10% (3/30) dos pumas amostrados na região sudeste de São Paulo. Em Minas Gerais, Rodrigues e Daemon (2004) registraram A. aureolatum parasitando cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) em um fragmento de área rural, na zona da mata mineira.

Bechara et al. (2006a) conduziram um estudo com animais silvestres (coati, veado e tamanduá–bandeira), no pantanal do Mato Grosso, no período de 1996-1998, identificando o gênero Amblyomma, porém a espécie A. aureolatum não foi registrada. Bechara et al. (2006b) pesquisaram ectoparasitos em cachorro-do-mato e tamanduá-bandeira, no Parque Nacional das Emas, na região do serrado, em Goiás, e identificaram carrapatos das espécies A. cajennense, A. triste, A. nodosum e A. pseudoconcolor.

O objetivo deste trabalho foi de registrar o parasitismo por Amblyomma aureolatum em um Puma concolor morto por atropelamento no município de Lages, Santa Catarina.

MATERIAL E MÉTODOSO município de Lages (27º 48’ S, 50º 20’ W, altitude de 916m) está localizado

na região do planalto serrano, estado de Santa Catarina, região sul do Brasil. Tem área

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rural de 2.429 km² e área urbana de 222,4 km². A mata de araucária é a vegetação predominante e frequentemente entrecortada por extensas áreas de pastagens nativas. O seu relevo é constituído de um planalto de superfícies planas, onduladas e montanhosas. O puma foi encontrado pela Polícia Militar Ambiental e resgatado pela organização não-governamental (ONG) Projeto Puma, no mês de setembro de 2007, na rodovia SC-431, distante 12 km da região urbana de Lages. A ONG Projeto Puma tem a missão de estudar os grandes felinos, visando sua preservação e recuperação (PROJETO PUMA, 2009).

O puma macho foi identificado como Puma concolor. Foi encaminhado para necropsia na Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), em Lages (SC). À necropsia foram encontrados 22 projéteis ocasionados por arma de fogo. Foram recolhidos 55 carrapatos que estavam fixados no pavilhão auricular, região axilar e posição ventral torácica. Os parasitos foram coletados por inspeção visual e tátil com a utilização de pinças e pente fino. Preservados em etanol 70° GL, os carrapatos foram encaminhados para confirmação de identificação taxonômica ao Laboratório de Ixodides, Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/RJ). Os carrapatos coletados foram depositados na coleção de parasitos da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

RESULTADOS E DISCUSSÃOFoi identificada a espécie Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) parasitando

Puma concolor. Os carrapatos recolhidos foram distribuídos em: 37 (66,7%) fêmeas (24 ninfas e 13 adultas) e 18 (33,3%) machos adultos e alguns exemplares são mostrados na Figura 1. Este é o primeiro registro de Amblyomma aureolatum em puma no estado de Santa Catarina, região sul do Brasil.

FIGURA 1 – Vista dorsal de Amblyomma aureolatum: a) adultos; b) adulto macho e fêmea.

Este relato é semelhante a outros estudos que apontam carnívoros como hospedeiro primário dos estágios adultos de Amblyomma aureolatum (GUGLIELMONE et al., 2003; RODRIGUES; DAEMON, 2004; LABRUNA et al., 2005; BECHARA et al., 2006a; BECHARA et al., 2006b).

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Para os carrapatos, fatores abióticos como latitude, altitude e tipo de vegetação são fundamentais para se determinar a sua sobrevivência e desenvolvimento no meio ambiente, além da habilidade ou oportunidade de parasitar diversos hospedeiros, tanto carnívoros quanto pássaros. Pássaros e roedores são os principais hospedeiros dos estágios de larva e ninfa de A. aureolatum (LABRUNA et al., 2002; ARZUA et al., 2003; GUGLIEMONE et al., 2003). Portanto, a vigilância deste ectoparasito no meio silvestre é importante para detectar qualquer alteração em relação a sua população e aquisição de novos hospedeiros, sendo indicativo de mudanças ambientais.

Entre os grandes felinos, o puma enfrenta o problema de estabelecer território sobre centenas de quilômetros quadrados com populações adequadas de espécies-presa, as quais têm escasseado pela caça ilegal e perda de ambiente (MAZZOLLI; HAMMER, 2008). Por esta razão, a dispersão e alterações ambientais podem afetar a população de predadores e presas, concorrendo para uma melhor avaliação da dinâmica populacional, enfatizado no estudo de Labruna et al. (2005).

Como o puma foi atropelado em ambiente periurbano e apresentava lesões decorrentes de projéteis de arma de fogo, supõe-se que buscava alimentação longe do ambiente silvestre, estava em corredor de dispersão ou estabelecendo território. Discute-se a possibilidade de sua ocorrência na área ser reflexo do desmatamento na região, que modificou a paisagem das florestas para campos de pastagem, diminuindo as espécies presas, permitindo a ampliação da área de ocorrência desta espécie.

Neste cenário, onde a população humana continua a expandir sobre os fragmentos remanescentes, espécies cinegéticas vulneráveis e aquelas com grande demanda de território estão entre as mais propensas à extinção (MAZZOLLI; HAMMER, 2008). Para os felinos silvestres, é necessária a contínua busca por informações nos campos da saúde, manejo, preservação e recuperação, suas causas e consequências. E sob o olhar humano deve ser acrescida uma educação formadora preservacionista, para que esta parcela da fauna brasileira possa permanecer entre nós.

CONCLUSÃOConfirma-se a presença do carrapato Amblyomma aureolatum em Puma

concolor.

AGRADECIMENTOSOs autores agradecem à Polícia Ambiental do Estado de Santa Catarina, ao Projeto

Puma e em especial à Dra. Marinete Amorim, Dr. Gilberto Salles Gazeta e Dr. Nicolau Maués Serra-Freire, da FIOCRUZ/RJ pela identificação taxonômica dos carrapatos.

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REFERÊNCIASARAGÃO, H. B. Ixodidas brasileiros e de alguns países limítrofes. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.31, p.759-844, 1936. ARZUA, M. et al. Amblyomma aureolatum and Ixodes auritulus (Acari: Ixodidae) on birds in southern Brazil, with notes on their ecology. Experimental and Applied Acarology, v.31, p.283-296, 2003.BARROS-BATTESTI, D. M.; ARZUA, M.; BECHARA, G. H. Carrapatos de importância médico-veterinária da região neotropical. São Paulo: Vox/ICTTD-3/Butantã, 2006, 223p.BECHARA, G. H. et al. Ticks associated with wild animals in the Nhecolândia Pantanal, Brazil. Annals of the New York Academy of Science, v.916, p.289-297, 2006a. BECHARA, G. H. Ticks associated with armadillo (Euphractus sexcinctus) and anteater (Myrmecophaga tridactyla) of Emas National Park, State of Goiás, Brazil. Annals of the New York Academy of Science, v.969, p.290-293, 2006b. BELLATO, V. et al. Ectoparasitos em caninos no município de Lages, Santa Catarina, Brasil. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, v.12, n.3, p.95-98, 2003.EVANS, D. E.; MARTINS, J. R.; GUGLIELMONE, A. A. A review of the ticks (Acari, Ixodidae) of Brazil, their hosts and geographic distribution – 1. The state of Rio Grande do Sul, Southern Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.95, p.453-470, 2000.GUGLIELMONE, A. A. et al. Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) and Amblyomma ovale Koch, 1844 (Acari: Ixodidae): Hosts, distribution and 16SDNA sequences. Veterinary Parasitology, v.113, p.273-288, 2003. LABRUNA, M. B. et al. Ticks (Acari: Ixodidae) on wild animals from the Porto-Primavera hydroelectric power station area, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.97, p.1133-1136, 2002.LABRUNA, M. B. et al. Ticks (Acari: Ixodidae) on wild carnivores in Brazil. Experimental and Applied Acarology, v.36, p.149-163, 2005. MAZZOLLI, M.; HAMMER, M. L. A. Qualidade de ambiente para a onça-pintada, puma e jaguatirica na Baía de Guaratuba, Estado do Paraná, utilizando os aplicativos Capture e Presence. Biotemas, v.21, n.2, p.105-117, 2008.PROJETO PUMA. Disponível em <http://uniplac.net/~puma/page_main_port3.html>, 2009, acessado em 13 de janeiro de 2009.RODRIGUES, D. S. et al. Biology of Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) (Acari: Ixodidae) on some laboratory hosts in Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v.97, p.853-856, 2002.RODRIGUES, A. F. S. F.; DAEMON, E. Ixodídeos e sifonápteros em Cerdocyon thous L. (Carnívora, canidae) procedentes da zona da mata mineira, Brasil. Arquivos do Instituto Biológico, v.71, n.3, p.371-372, 2004.SOUZA, A. P.; BELLATO, V.; SARTOR, A. A. Ixodídeos parasitas de Canis familiaris no estado de Santa Catarina. In: Ciclo de Atualização em Medicina Veterinária, 9, 1999, Lages. Anais... Lages: UDESC, 1999. p.167.

Recebido em: fev. 2009 Aceito em: maio 2009