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54 CAPÍTULO 3 HEMOGLOBINAS NORMAIS A ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS HEMOGLOBINAS A origem da hemoglobina e seu processo evolutivo está relacionado com o desenvolvimento de vida em nosso planeta. A primeira evidência científica de vida na Terra foi obtida por meio de análises de sedimentos da Groelândia que indicaram por métodos indiretos de isótopo de carbono (C 12 ) que as rochas continham componentes orgânicos datados de aproximadamente 3,8 bilhões de anos. Fósseis de colônias bacterianas datados de 3 bilhões de anos foram encontrados nos mares do Caribe e do oeste da Austrália, indicando efetiva organização de microorganismos ao longo desse tempo. Animais e plantas não microscópicos emergiram do mar há 800 milhões de anos e se desenvolveram no solo há 400 milhões de anos. Estudos efetuados em plantas leguminosas, leveduras e paramécio, revelaram que os genes codificadores para hemoglobinas devem ter se manifestado há cerca de 800 milhões de anos. É provável que neste período as moléculas de hemoglobinas primitivas surgiram como subprodutos resultantes da formação de citocromo c- uma proteína pigmentada essencial para a respiração celular. Pesquisas realizadas com o objetivo de avaliar a evolução de genes codificadores de proteínas (ou exons) mostraram que em plantas leguminosas, essas proteínas conhecidas por leghemoglobinas, tinham quatro exons (ou genes codificadores) entremeados por três introns (estrutura do DNA sem capacidade de codificar), em um mesmo cromossomo, conforme mostra a etapa 1 da figura 29. Os estudos feitos em algumas espécies de peixes primitivos mostraram que houve a redução para três genes codificadores de hemoglobina num mesmo cromossomo, caracterizado por três exons entremeados por dois introns (etapa 2 da figura 29), fato sugestivo de que esses peixes primitivos divergiram durante o processo evolutivo dos vertebrados que tiveram a duplicação de cromossomos (etapa 3 da figura 29). Acredita-se que essa duplicação se manteve por muito tempo, pois há 500 milhões

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CAPÍTULO 3

HEMOGLOBINAS NORMAIS

A ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS HEMOGLOBINAS

A origem da hemoglobina e seu processo evolutivo está relacionado

com o desenvolvimento de vida em nosso planeta. A primeira evidência científica de

vida na Terra foi obtida por meio de análises de sedimentos da Groelândia que

indicaram por métodos indiretos de isótopo de carbono (C12) que as rochas

continham componentes orgânicos datados de aproximadamente 3,8 bilhões de

anos. Fósseis de colônias bacterianas datados de 3 bilhões de anos foram

encontrados nos mares do Caribe e do oeste da Austrália, indicando efetiva

organização de microorganismos ao longo desse tempo.

Animais e plantas não microscópicos emergiram do mar há 800

milhões de anos e se desenvolveram no solo há 400 milhões de anos. Estudos

efetuados em plantas leguminosas, leveduras e paramécio, revelaram que os genes

codificadores para hemoglobinas devem ter se manifestado há cerca de 800

milhões de anos. É provável que neste período as moléculas de hemoglobinas

primitivas surgiram como subprodutos resultantes da formação de citocromo c- uma

proteína pigmentada essencial para a respiração celular. Pesquisas realizadas com

o objetivo de avaliar a evolução de genes codificadores de proteínas (ou exons)

mostraram que em plantas leguminosas, essas proteínas conhecidas por

leghemoglobinas, tinham quatro exons (ou genes codificadores) entremeados por

três introns (estrutura do DNA sem capacidade de codificar), em um mesmo

cromossomo, conforme mostra a etapa 1 da figura 29. Os estudos feitos em

algumas espécies de peixes primitivos mostraram que houve a redução para três

genes codificadores de hemoglobina num mesmo cromossomo, caracterizado por

três exons entremeados por dois introns (etapa 2 da figura 29), fato sugestivo de

que esses peixes primitivos divergiram durante o processo evolutivo dos

vertebrados que tiveram a duplicação de cromossomos (etapa 3 da figura 29).

Acredita-se que essa duplicação se manteve por muito tempo, pois há 500 milhões

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de anos duas cópias se diferenciaram por mutações adaptativas para formar dois

grupos de exons denominados por alfa e beta, e agrupados em um único

cromossomo (etapa 4 da figura 29). Outros milhões de anos seguintes fizeram com

que o processo evolutivo desenvolvido por meio de transposição ou translocação,

duplicasse o cromossomo em dois cromossomos com características específicas:

um com genes alfa e outro com genes beta (etapa 5 da figura 29). Por volta de 100

milhões de anos os genes codificadores de globinas alfa e beta se diferenciaram

individualmente para se processarem durante as fases de desenvolvimento de um

ser mais complexo, caracterizadas pelas diferenças morfo-funcionais que ocorreram

nos períodos embrionário, fetal e pós-nascimento (etapa 6 da figura 29). Assim, por

volta de 70 milhões de anos quando surgiram os primeiros primatas, identificados

pelo Ancestral Hominídeo Comum, os genes para a síntese de globinas alfa e beta

já estavam bem definidos (etapa 7 da figura 29).

Esses primatas primitivos demoraram quase 60 milhões de anos para

se desenvolverem e se diferenciarem em dois sub-grupos: o Ancestral Humano-

Chimpanzé e os gorilas. Pesquisas realizadas nos diferentes continentes mostraram

que a África certamente foi o local em que os primatas evoluíram para o bipedismo,

entre 5 e 10 milhões de anos. Por volta de 4 milhões de anos surge o

Australopithecus africanus com características morfológicas de chimpanzé e

humana.

Entre 2,5 e 1,6 milhões de anos surgiu o Homo habilis que conviveu

com o Australopithecus. Nessa fase ocorreram expressivas mudanças

morfológicas especialmente na estrutura da cabeça e face. Por volta de 1,5 milhões

de anos destaca-se o aparecimento do Homo ergaster, também na África, e desse

ancestral partem duas linhagens bem definidas, a do Homo erectus que viveu

exclusivamente na África e o Homo heidelbergensis cujos fósseis foram

encontrados na África, Ásia e Europa. Ambos apresentam diferenças morfológicas

em relação ao ancestral comum (H. ergaster) evidenciadas pelos alongamentos da

cabeça e das pernas.

Proveniente do H. heidelbergensis, surgiram há 100 mil anos o

Homo sapiens neanderthalis, e há 40 mil anos o Homo sapiens sapiens. A figura

30 mostra o resumo da árvore genealógica da espécie humana. É fundamental que

seja destacado que durante todo o processo da evolução da espécie humana,

desde o Ancestral Hominídeo Comum (há 70 milhões de anos) até o Ancestral

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Humano-Chimpanzé (há 4 milhões de anos) a molécula de hemoglobina se

diferenciou em apenas um aminoácido na posição 23 da globina alfa, onde o ácido

aspártico foi substituído pelo ácido glutâmico (figura 31). E há 4 milhões de anos a

seqüência de aminoácidos da hemoglobina humana, em relação aos seus

ancestrais, permanece estável.

Como foi possível observar na leitura desse breve resumo sobre o

desenvolvimento da hemoglobina em relação aos seres vivos desde os primórdios

do nosso planeta, a hemoglobina teve realmente sua origem há milhões de anos em

vertebrados marinhos. Embora proteínas com características de transportadoras de

oxigênio tenham sido relatadas entre leguminosas e em invertebrados, foi somente

com os vertebrados que a hemoglobina se desenvolveu como molécula

especializada no transporte de oxigênio devido ao fato de ter uma célula específica

para este fim, qual seja, o eritrócito. O desenvolvimento do eritrócito e da

hemoglobina como um conjunto harmonioso na fisiologia do transporte de oxigênio,

teve importância fundamental na evolução das diversas espécies de vertebrados.

Estudos realizados em sangue de lampréias mostraram que o transporte de

oxigênio é realizado por moléculas de hemoglobinas formadas por um único tipo de

globina (ver etapas 1 e 2 da figura 29). Admite-se, portanto, que no período de

divergência da lampréia para outras formas de vertebrados ocorreu a duplicação

dos genes codificadores em genes específicos: alfa e beta. A especialização

fisiológica de captação, transporte e liberação de oxigênio tornou-se maior e mais

efetiva com a formação de tetrâmeros de moléculas de hemoglobinas compostas

por duas globinas alfa e duas beta (ou α2 β2). Esse tipo de estrutura tetramérica é

encontrada em peixes, répteis, anfíbios, aves e mamíferos. Para quase todas as

espécies de animais vertebrados ocorre a síntese de diferentes formas tetraméricas

de moléculas de hemoglobinas que são específicas para as diversas fases de

transformações que acontecem desde a fecundação do ovo até a fase adulta. Por

exemplo, em anfíbios as moléculas das hemoglobinas do girino diferem daquelas

encontradas em rãs adultas. Na espécie humana ocorre o mesmo fenômeno de

diferenciação de hemoglobinas nas três fases de desenvolvimento: embrionário,

fetal e pós-nascimento, caracterizando respectivamente as Hb embrionárias, a

Hb Fetal, e as Hb adultas (ou Hb A/A2). Cada um desses três tipos básicos de

hemoglobinas humanas apresentam processos fisiológicos de captação, transporte

e liberação de oxigênio que estão relacionados com as diferentes fases do

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desenvolvimento embrionário e fetal, bem como após o nascimento. Todos esses

fenômenos relativos à síntese de hemoglobinas é bem conhecido geneticamente,

como se verá adiante.

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Figura 29 – Proposta sobre evolução do gene da globina durante 800 milhões

de anos

m.a.: milhões de anos; PN: pós-nascimento

Pseudogenes: são genes que tem seqüência de DNA, porém estão

inativos por processo de mutação ou deleção.

αααα ββββ

ζζζζ αααα

εεεε γγγγ ββββ

ζζζζ ψψψψ ζζζζ ψψψψ αααα1 αααα2 αααα1

Embrião

Pseudogene

Feto PN

Feto PN

εεεε γγγγG γγγγA ψψψψ ββββ δδδδ ββββ Pseudogene

Embrião Feto Feto PN PN

Etapa 1 (800 m.a.)

Etapa 2 (700 m.a.)

Etapa 3 (600 m.a.)

Etapa 4 (500 m.a.)

Etapa 5 (300 m.a.)

Etapa 6 (100 m.a.)

Etapa 7 (70 m.a.)

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70 milhões de anos

4 milhões de anos

Australopithecus africanus

2,5 – 1,6 milhões de anos

1,5 milhões de anos

1 milhão de anos

100 mil anos

40 mil anos

Figura 30 – Resumo da árvore genealógica humana.

ANCESTRAL HOMINÍDEO COMUM

ANCESTRAL HUMANO - CHIMPANZÉ

CHIMPANZÉ Homo habilis

Homo ergaster

Homo erectus Homo heidelbergensis

Homo sapiens neanderthalis

Homo sapiens sapiens

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70 milhões de anos

globina α 23: Ácido aspártico (Asp)

globina β 104: Arginina (Arg)

4 milhões de anos

Globina α 23: Asp → Ácido Glutâmico

Figura 31 – Divergência da linhagem humano - chimpanzé e da linhagem

gorila do ancestral hominídeo comum, e a diferença entre

aminoácidos ao longo de 70 milhões de anos até o presente.

ANCESTRAL HOMINÍDEO COMUM

ANCESTRAL HUMANO - CHIMPANZÉ

GORILA CHIMPANZÉ HUMANO

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A SÍNTESE DAS GLOBINAS

A síntese das globinas na espécie humana requer um rígido controle

genético do DNA inserido nos genes de globinas do tipo alfa no cromossomo 16 e

nos genes de globinas do tipo beta no cromossomo 11. Esses genes se tornam

ativos à medida que os precursores eritrocitários amadurecem conforme foi

apresentado no capítulo 2. Entretanto a síntese da globina tem dinamismos

diferentes para cada fase do desenvolvimento humano, morfologicamente

caracterizada por embrionária, fetal e pós-nascimento. Esse processo que

diferencia os tipos de globinas e, consequentemente, das hemoglobinas, se deve

não somente ao estímulo de cada gene para respectiva fase de desenvolvimento,

mas decorre notadamente de enzimas estimuladoras do DNA (DNA polimerase)

que reproduz um molde que configura o seu RNA complementar. Este RNA, por

sua vez, precisa de uma enzima complexa conhecida por RNA polimerase para

induzir o seu crescimento em forma de fita que gradualmente se desprende do DNA

que foi copiado. Por essa razão a RNA polimerase tem fundamental importância na

síntese de proteínas, quer no sentido da sua composição estrutural, bem como da

sua concentração. Para que seja possível entender a síntese dos diferentes tipos

de globinas podemos admitir que cada um dos genes de globinas tipo alfa (ζ, α2,

α1), e os de globinas tipo beta (ε, γG, γA, δ, β) são estimulados por RNA polimerases

específicos. Na região do cromossomo 16 onde se localizam o grupo de genes de

globinas tipo alfa há uma pequena extensão de bases nitrogenadas cujo conjunto é

conhecido por região controladora dos genes (RCG) de globinas alfa, e o mesmo

ocorre com relação ao cromossomo 11 (figura 32). É justamente na RCG que as

RNA polimerases específicas para cada genes de globinas tipo alfa e tipo beta são

formadas e estimuladas a induzirem as sínteses de globinas em cada um desses

genes.

A análise da figura 32 mostra que o agrupamento de genes de

globinas do tipo alfa (RCG – ζ – ψζ – ψα1 – α2 – α1) tem seqüência aproximada de

40 mil de bases nitrogenadas, sendo portanto menor que os genes de globinas do

tipo beta (RCG – ε – γG – γA – δ – β) com cerca de 60 mil bases nitrogenadas. Em

biologia molecular considera-se que a leitura das bases se faz no sentido 5' → 3' e

assim é possível observar que há um sentido lógico relacionando o

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desenvolvimento morfológico do ser humano com as sínteses específicas de

globinas para as respectivas fases embrionária, fetal e pós-nascimento. É preciso

também considerar que a estimulação de cada um desses genes de globinas

depende da quantidade de RNA polimerase específica para esse fim. Certamente

há mecanismos que ainda não estão bem definidos para determinar o início e o fim

de cada tipo de RNA polimerase para cada fase do desenvolvimento humano, até o

momento em que esse processo se estabiliza, fato que ocorre por volta do sexto

mês de vida (tabela 8). A figura 33 mostra a eletroforese de globinas normais

extraídas de pessoa adulta e de recém-nascido. Enquanto no adulto a síntese de

globinas alfa e beta está bem estabilizada e equilibrada, no recém-nascido ainda

há, além da globina alfa, outras duas globinas gama: γA e γG, que compõe a Hb

Fetal.

É importante destacar que os genes duplicados de globinas gama são

diferenciados pela inserção de um único aminoácido na posição 136 de cada

polipeptídeo gama sintetizado e, por isso, se diferenciam em γG quando o

aminoácido glicina ocupa esta posição, ou γA no caso de ser a alanina. A proporção

de síntese dessas duas globinas que compõe a Hb Fetal é constante durante a fase

fetal, ou seja 70% de γG e 30% de γA. Por outro lado, após o nascimento, em

situações em que a Hb Fetal permanece elevada – como são os casos de

persistência hereditária da Hb Fetal, ou em condições patológicas por

descoordenação de sua síntese – como são os casos de talassemias beta, a

relação γG : γA apresenta ampla variação sem que seja possível estabelecer relação

consistente entre a proporção desses dois tipos de globinas gama com causas que

determinam a elevação de Hb Fetal.

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A SÍNTESE DO GRUPO HEME

Síntese da Porfirina

A síntese do grupo heme ocorre nas mitocôndrias dos eritroblastos

após várias reações químicas que resultam em expressivas transformações

estruturais envolvendo a biossíntese das porfirinas e a introdução do ferro neste

complexo molecular. A síntese de porfirina tem início durante o metabolismo do

ácido cítrico (ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs), onde compostos químicos

intermediários são formados e participam como precursores ou substratos para

muitas vias biosintéticas, entre as quais se destaca a síntese da porfirina (figura

34). Os produtos intermediários do ciclo do ácido cítrico como a succinil coenzima A

(succinil Co-A) e o aminoácido glicina se combinam por reação catalítica

intermediada por uma enzima mitocondrial, a delta-amino levulinato sintetase, ou

ALA-sintetase, com a participação da vitamina B6. Nesse processo forma-se um

composto instável de ácido alfa-amino-beta-adípico, que se descarboxila

espontaneamente em ácido-delta-aminolevulínico (ALA).

A partir dessa fase, ocorrem várias reações químicas de

transformações, com participações de enzimas que atuam na desaminação,

descarboxilação e na oxidação de produtos intermediários, até formarem a

molécula de porfirina (figura 35). Após a configuração do anel da porfirina, o ferro é

introduzido no seu interior para se ligar com quatro átomos de nitrogênio (figura 36).

Esse conjunto caracterizado como grupo heme se prende à globina por meio de

ligações com dois aminoácidos histidina, molecularmente distinguidas por histidina

proximal e histidina distal (figura 37).

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Metabolismo do ferro

A maioria do ferro orgânico presente na hemoglobina é encontrada

nos eritrócitos circulantes. Os macrófagos do sistema retículo endotelial armazenam

o ferro liberado pela hemoglobina de eritrócitos velhos fagocitados sob forma de

ferritina e hemossiderina. Os macrófagos também liberam átomos de ferro no

plasma que se ligam à transferrina e são transportados para os tecidos

hematopoiéticos, incorporando-se nos precursores dos eritrócitos – os eritroblastos.

O balanço de ferro é rigidamente controlado entre perda e ganho. Há uma perda de

ferro diária que ocorre através da urina, fezes, pele, unhas e menstruação. Esta

perda, variável entre 1 e 2 miligramas diárias, é restabelecida pelo ferro absorvido

na dieta, que oscila também entre 1 e 2 miligramas/dia. O ferro circulante na

hemoglobina tem concentrações variáveis entre 1,7 a 2,4g, e o ferro absorvido e

armazenado sob forma de ferritina pelos macrófagos também é representativo,

entre 0,5 e 1,5g.

A incorporação do ferro através dos receptores de transferrina, as

reservas intracelulares de ferro em ferritina e a incorporação do ferro no anel

protoporfirínico para a síntese do heme nas mitocôndrias, são eventos coordenados

em resposta ao suprimento de ferro no nível de transcrição e de tradução, pela

presença de elementos responsivos ao ferro (ERF) localizados nas regiões

ascendentes não traduzidas dos RNA mensageiros (RNAm) para ferritina e para a

enzima eritróide heme sintética ácido delta-aminovulínico sintetase (ALA-S). Esse

processo biologicamente complexo do equilíbrio (ou homeostase) do ferro celular

tem na estrutura do ERF o seu ponto de compensação, ou seja, quando há grande

disponibilidade de ferro ocorre baixa afinidade entre ferro e ERF, resultando em

menor síntese do receptor da transferrina, e aumento da síntese de ferritina e ALA-

S. Por outro lado, quando o suprimento de ferro é baixo há o aumento de sua

ligação com o ERF, com o aumento da síntese do receptor da transferrina e a

redução na síntese de ferritina e ALA-S.

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Situações que prejudicam a formação do grupo heme

Há duas situações bem específicas que tem influência no

desempenho da síntese do grupo heme. A primeira se deve à deficiência de

enzimas que participam das transformações químicas que ocorrem durante a

síntese do anel porfirínico, e em decorrência desse defeito ocorre a porfíria. A

segunda situação que causa prejuízo na formação do grupo heme se deve à

deficiência de ferro.

A porfíria constitui um conjunto de doenças, geralmente hereditárias,

causadas por alterações que ocorrem durante o processo de formação das

porfirinas (figura 34). As três porfirinas de importância clínica são: protoporfirina,

uroporfirina e coproporfirina. A protoporfirina está amplamente distribuída pelo

corpo e desempenha a função de precursor do grupo na composição da

hemoglobina e mioglobina, bem como da catalase e dos citocromos; participam

também do armazenamento e utilização de energia celular.

A coproporfirina e a uroporfirina, que são precursoras da

protoporfirina, são normalmente excretadas em pequenas quantidades pelas fezes

e urina. Os eritrócitos contém pequena concentração de protoporfirina e

coproporfirina.

Os portadores de porfírias se caracterizam pela fotossensibilidade,

dores abdominais agudas, neuropatias, excreção urinária aumentada de porfirinas e

de seus precursores.

As principais síndromes das porfírias são:

• Porfíria eritropoiética – causa hereditária

• Protoporfíria eritrocitária – causa hereditária

• Porfíria hepática intermitente aguda (PIA) – causa hereditária

• Porfíria hepática variegatta – causa hereditária

• Porfíria hepática cutânea tardia – causa adquirida

• Porfirinúria – causa decorrente de doenças malignas, infecções e

poliomielite

Os tipos, as características e a idade de manifestações clínicas e

laboratoriais das porfírias estão resumidas nas tabelas 9 e 10.

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O ferro tem igual importância que as sínteses de porfirinas e de

globinas para compor a complexa molécula de hemoglobina. As principais situações

que causam as deficiências de ferro e, consequentemente, de hemoglobina se

devem a quatro condições: a) perda crônica de sangue, b) aumento de demanda, c)

mal absorção, e d) dieta com carência de ferro. Em países subdesenvolvidos, ou

mesmo nos bolsões de pobreza de países ou cidades desenvolvidas, a principal

causa da deficiência de ferro é de ordem alimentar. Em países desenvolvidos ou em

classes sociais com boas condições econômicas – que incluem moradia,

saneamento básico e cultura – a causa mais freqüente de deficiência de ferro se

deve à sua perda crônica, notadamente através do trato gastrointestinal e uterina.

Entretanto é importante ressaltar que a demanda de ferro durante a infância,

adolescência, gestação, lactação e ciclo menstrual, aumenta o risco de anemia pelo

balanço negativo de ferro. Finalmente, uma situação rara envolve conjuntamente o

uso de ferro na sua inserção no anel de protoporfirina, trata-se da anemia

sideroblástica. Esta anemia é do tipo refratária, ou seja, não responde ao

tratamento por suplementação de ferro, laboratorialmente se caracteriza pela

presença de eritrócitos hipocrômicos e elevada concentração de ferro nos

eritroblastos medulares, fato que originou o nome da anemia sideroblástica. A forma

mais comum de anemia sideroblástica se deve ao defeito na síntese das porfirinas

causada por mutação da enzima ácido-delta-aminolevulínico-sintetase (ALA-S), que

é sintetizada no cromossomo X. Por essa razão, a ação da enzima ferroquelatase

fica prejudicada e, consequentemente, o ferro não é inserido no anel porfirínico e o

grupo heme não é sintetizado (consultar figura 34).

Um resumo esquemático das principais causas que podem influenciar

na formação da hemoglobina, especialmente devido à síntese do grupo heme está

representada na figura 38.

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A MOLÉCULA DA HEMOGLOBINA

A molécula de hemoglobina é estruturalmente composta por duas

globinas do tipo alfa e duas do tipo beta, compondo um tetrâmero com formato

globular (figura 39). As dimensões espaciais do tetrâmero são as mesmas nas

hemoglobinas embrionárias (Gower-1, Gower-2 e Portland), e nas hemoglobinas

Fetal, A e A2, com diâmetro de aproximadamente 5,5nm configurando-lhes um

modelo globular e discretamente achatado. O peso molecular das hemoglobinas

humanas é próximo de 64.500 daltons, com pequenas variações entre os diferentes

tipos. Todas as moléculas de hemoglobinas das fases embrionária, fetal e pós-

nascimento tem 574 aminoácidos, dos quais 282 estão na composição das duas

globinas tipo alfa (141 aminoácidos por globina tipo alfa) e 292 na composição das

duas globinas tipo beta (146 aminoácidos por globina tipo beta). Os graus de

semelhanças estruturais, calculado com base na similaridade da composição de

aminoácidos entre os tipos de globina são variáveis com maior identidade entre as

globinas beta e delta (96% de semelhança), seguida da beta e gama (71%), e com

menores similitudes entre alfa e beta (42%), e alfa e gama (39%). Essa identidade

química é possível ser explicada por meio da suposição genética sobre a origem e

evolução da hemoglobina, apresentada no início desse capítulo.

A estabilidade das moléculas de hemoglobinas, quer sejam

embrionárias, Fetal, A ou A2, é dependente do arranjo estrutural que ocorre entre a

composição das globinas do tipo alfa com as do tipo beta. As estruturas

tridimensionais desses dois grupos de globinas são muito parecidas, apesar de

suas seqüências de aminoácidos serem diferentes, conforme apresentado acima. A

conformação globular da molécula de hemoglobina se deve à extensa disposição

helicoidal dos polipeptídeos que compõe as globinas dos tipos alfa e beta (figura

39), que representa 75% do total da sua estrutura. Os trabalhos realizados por

Perutz e Kendrew em 1959 utilizando o método de cristalografia de proteínas por

meio da difração de raio-X, mostraram algumas particularidades físico-químicas da

molécula de hemoglobina definitiva ou adulta (Hb A). A Hb A possui um rearranjo

tetraédrico devido a conformação pareada de duas globinas alfa (α2) e duas beta

(β2). Essa disposição tetramérica α2 β2 somente é possível devido às ligações físico-

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químicas de diferentes intensidades que possibilitam a movimentação da molécula

durante a oxigenação. Para tornar mais fácil o entendimento dessas ligações e das

suas relações com a fisiologia da hemoglobina, denominou-se o tetrâmero químico

α2 β2 em α1 α2 / β1 β2 (figura 40), devido aos contatos intermoleculares que ocorrem

entre globinas alfa e beta.

Pela disposição do tetrâmero da hemoglobina (figuras 39 e 40)

observa-se que as globinas alfa e beta se situam diagonalmente, de tal forma que

os contatos entre os aminoácidos da globina α1 com a globina β2 (α1 β2) são iguais

aos que ocorrem entre as globinas α2 β1. Da mesma forma os contatos

intermoleculares entre α1 β1 são iguais aos α2 β2. Os contatos entre as globinas α1

β2 e α2 β1 envolvem um total de 38 aminoácidos (6,6% do total de aminoácidos da

molécula). Esses contatos α1β2 e α2 β1, que se dispõe horizontalmente no modelo

molecular da figura 40, promovem movimentos de deslizamento das globinas alfa e

beta, fato que facilita a oxigenação dos quatro grupos heme da molécula. Os

contatos intermoleculares entre as globinas α1 β1 e α2 β2 são mais extensos pois

participam 68 aminoácidos (11,8% do total de aminoácidos da molécula) que se

dispõe verticalmente no modelo molecular da figura 40. Esses contatos α1 β1 e α2 β2

são os que mantém a integridade físico-química do tetrâmero, dando-lhe

estabilidade molecular. Os contatos α1 α2 ocorrem somente na forma desoxigenada

da hemoglobina, e tem influência na interação entre os grupos heme, no efeito Bohr

e no transporte de CO2. Os contatos β1 β2 ocorrem nas formas oxi e desoxigenadas,

e são responsáveis pela acomodação da molécula de 2,3 difosfoglicerato (2,3

DPG) durante a desoxigenação da hemoglobina.

Os estudos seqüentes sobre a configuração estrutural da molécula de

hemoglobina demonstraram que as globinas dos tipos alfa e beta tem duas regiões

específicas, a interna e a externa. As regiões internas, são compostas por

aminoácidos não-polares e hidrofóbicos localizados em 75% da molécula, incluindo

os helicóides e o grupo de aminoácidos que envolve o grupo heme. As regiões

externas são bem menos extensas pois compreendem apenas em 25% do

conteúdo molecular, e são formadas por aminoácidos polares e hidrofílicos que se

dispõe nas partes não helicoidais da molécula, fazendo contato com a água. A

tabela 11 mostra os aminoácidos hidrofóbicos e hidrofílicos.

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69

CROMOSSOMO 16 – GENES DO TIPO ALFA

40.000 bases nitrogenadas

5' 3'

CROMOSSOMO 11 – GENES DO TIPO BETA

60.000 bases nitrogenadas

5' 3'

Figura 32 – Esquema representativo do agrupamento de genes de globinas do

tipo alfa (cromossomo 16) e tipo beta (cromossomo 11), com

destaques para a Região Controladora de Genes (RCG) e o

tamanho de cada agrupamento caracterizado pelo número de

bases nitrogenadas. PN: pós-nascimento.

RCG ζζζζ ψψψψ ζζζζ ψψψψ αααα1 αααα2 αααα1

Região Controladora

de genes

Embrião

Pseudogenes

Feto PN

Feto PN

RCG

Região Controladora

de genes

Embrião Feto Feto Pseudogene PN PN

εεεε γγγγG

γγγγB

ψψψψ ββββ δδδδ ββββ

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70

Tabela 8 – Relação entre os diferentes tipos de hemoglobinas, composições

estruturais e concentrações, com as fases de desenvolvimento

ontogênico.

Fase da

ontogênese

Hemoglobina

Estrutura

Concentração

(%)

Embrionária

Gower – 1

Portland

Gower – 2

ζ2 ε2

ζ2 γ2

α2 ε2

20 – 40

5 – 20

10 – 20

Fetal (*)

Fetal

α2 γ2

90 – 100

Pós – Nascimento

A

A2

Fetal

α2 β2

α2 δ2

α2 γ2

96 – 98

2 – 4

0 – 1

(*) Na fase fetal ocorre o início as síntese da Hb A, não excedendo 10% de

concentração

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71

Figura 33 – Eletroforese de globinas obtidas de amostras de pessoa adulta e

recém-nascido. No adulto o fracionamento de globinas alfa e beta

se caracteriza visualmente pelo equilíbrio de suas concentrações.

No recém-nascido, além da globina alfa há duas outras globinas, a

γγγγA e γγγγG, que decrescem rapidamente após o nascimento. Após o

sexto mês de vida normalmente as duas globinas gama deixam de

ser sintetizadas para serem substituídas pela globina beta.

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72

Figura 34 – Esquema sintético representativo do ciclo do ácido cítrico (Krebs).

Produtos intermediários desse ciclo, assinalados em retângulos,

participam da síntese do grupo heme.

Piruvato

Acetil-Co A

Citrato

α - cetoglutamato

Succinil – Co A

Malato

Oxaloacetato

Glicose

Fenilpiruvato

Serina

Glicina

Cisteína

Fenilalanina

Tirosina

Triptofatano

Ácidos Graxos e esteróis

Glutamina Prolina Arginina

Glutamato

Purinas Aspartato

Asparagina

Pirimidinas

Porfirinas

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73

Figura 35 – Síntese da molécula de porfirina e do grupo heme após a

incorporação do ferro, e a relação das deficiências enzimáticas

com doenças que causam as porfírias.

GLICINA SUCCINIL – Co A

ALA

PBG

URO I

URO III

COPRO

PROTO gene

PROTOPORFIRINA

HEME

ALA sintetase

PBG desaminase

URO III cossintetase

URO descarboxilase

DEFICIÊNCIAS ENZIMÁTICAS

COPRO oxidase

PROTO gene oxidase

Ferroquelatase

PORFÍRIA INTERMITENTE AGUDA

PORFÍRIA ERITROPOIÉTICA (Doença de Gunther)

PORFÍRIA CUTÂNEA

DOENÇAS

COPROPORFÍRIA

PORFÍRIA VARIEGATTA

PROTOPORFÍRIA ERITROPOIÉTICA

FERRO

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74

Figura 36 – O grupo heme composto pela molécula anelada de porfirina

e o ferro em sua região central.

Fe

N

N

N

N

CH

CH2

H C

CH3

CH CH2

CH

CH3

C H

CH3

HC

H3C

CH2 CH2

CH2 CH2

COOH COOH

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75

Figura 37 – Representação da estrutura molecular do grupo heme inserido na

globina. No centro, a esfera maior representa o ferro circundado

pelo anel de porfirina. As estruturas carbonadas mais claras

indicam as posições dos aminoácidos hidrofóbicos que protegem

o grupo heme da água circundante. As estruturas escuras e

maiores são os aminoácidos hidrofílicos da superfície interna da

globina.

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76

Tabela 9 – Principais características das porfírias eritropoiéticas.

Características

PE

PPE

Herança

Autossômica recessiva

Autossômica dominante

Idade

Prevalência

Fotossensibilidade

0 a 5 anos

Rara

Elevada

0 a 5 anos

Comum

Baixa

Anemia

Hemolítica

Esplenomegalia

Presente

Lesão cutânea

Vesiculares e

ulcerativas

Dermatoses

Urina

Vermelha ou rosa

Normal

Prognóstico

Ruim

Bom

PE: Porfíria eritropoiética; PPE: Protoporfíria eritropoiética

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Tabela 10 – Principais características das porfírias hepáticas.

PIA

PV

CP

PC

Herança

Autossômica

dominante

Idem

Idem

Adquirida

Idade

15 a 40 anos

10 a 30 anos

Variável

Variável

Prevalência

Comum

Rara

Rara

Rara

Fotossenbilidade

Ausente

Ausência

Ausência

Intensa

Lesão cutânea

Ausente

Presente

Ausente

Presente

Dor abdominal aguda

Presente

Presente

Presente

Neuropatia

Presente

Presente

Presente

Hepatopatia

Presente

Urina

Vermelha e

escura

(*)

Prognóstico

Bom

Bom

Bom

Variável

(*) aumento de coproporfirina, uroporfirina e protoporfobilinogênio.

PIA: Porfíria intermitente aguda; PV: Porfíria Variegatta; CP: Coproporfíria

hereditária; PC: Porfíria cutânea tardia.

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Figura 38 – Esquema representativo de situações que interferem na síntese

do grupo heme.

FERRO PROTOPORFIRINA

HEME GLOBINA

HEMOGLOBINA

+

•••• Deficiência de ferro •••• Perda de ferro

Anemia Sideroblástica

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79

Figura 39 – Modelo espacial do tetrâmero da molécula de hemoglobina

formado por duas globinas do tipo alfa e duas do tipo beta, com o

grupo heme inserido em cada uma das globinas.

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80

Figura 40: Contatos intermoleculares entre as globinas alfa e beta. Os contatos

αααα1 ββββ1 e αααα2 ββββ2 têm importância na estabilidade da molécula. Os

contatos αααα1 ββββ2 e αααα2 ββββ1 atuam na movimentação da molécula

durante a oxigenação.

αααα1

αααα2

ββββ2

ββββ1

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Tabela 11: Propriedades dos vinte aminoácidos naturais da hemoglobina.

Aminoácido

Sigla

Grupo R

Polarização

Hidrofóbico

PI

% em

proteínas

Glicina Gly Alifático NP Não 5,97 7,5

Alanina Ala Alifático NP Sim 6,01 9,0

Valina Val Alifático NP Sim 5,97 6,9

Leucina Leu Alifático NP Sim 5,98 7,5

Isoleucina Ile Alifático NP Sim 6,02 4,6

Prolina Pro Alifático NP Não 6,48 4,6

Fenilalanina Phe Aromático NP Sim 5,48 3,5

Tirosina Tyr Aromático NP Não 5,66 3,5

Triptofano Trp Aromático NP Não 5,89 1,1

Serina Ser Neutro P Não 5,68 7,1

Treonina Thr Neutro P Não 5,87 6,0

Cisteína Cys Neutro P Sim 5,07 2,8

Metionina Met Neutro P Sim 5,74 1,7

Asparagina Asn Neutro P Não 5,41 4,4

Glutamina Gln Neutro P Não 5,65 3,9

Aspartato Asp Negativo P Não 2,77 5,5

Glutamato Glu Negativo P Não 3,22 6,2

Lisina Lys Positivo P Não 9,74 7,0

Arginina Arg Positivo P Não 10,76 4,7

Histidina His Positivo P Não 7,59 2,1

NP: não polar; P: polar; pI: ponto isoelétrico; Neutro: não carregado eletricamente.

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SÍNTESE E EQUILÍBRIO MOLECULAR

DAS HEMOGLOBINAS NORMAIS

Após a apresentação nesse capítulo das sínteses individualizadas das

globinas e do grupo heme, e também da composição estrutural da molécula de

hemoglobina, é importante destacar que todo esse processo ocorre de forma

sincrônica e simultânea dentro de cada eritroblasto. Assim, a síntese de moléculas

de hemoglobinas abrange a ação de genes de globinas α, β, δ e γ, de ribossomos e

mitocôndrias, que atuam em processos de mútua dependência biológica durante a

hemoglobinogênese que se desenvolve nos eritroblastos e reticulócitos (ver tabela

5, capítulo 2). Como resultado desse sincronismo biológico a síntese de globinas α,

β, δ e γ ocorre juntamente com os grupos heme que se inserem na estrutura

terciária dessas globinas e, em seguida, se dimerizam em α2, β2, δ2, γ2, para então

se tetramerizarem em moléculas de estrutura quaternária de α2 β2 (Hb A), α2 δ2 (Hb

A2) e α2 γ2 (Hb Fetal). Esse processo descrito para a fase pós-nascimento e que

será efetivado para toda a vida do indivíduo, acontece também nas fases fetal e

embrionária. Entretanto, para o fim de expor didaticamente o equilíbrio que se

verifica entre as globinas dimerizadas alfa e não-alfa (β, δ e γ), representaremos por

meio de figuração hipotética a formação de hemoglobinas A, A2 e Fetal após o

sexto mês de vida (figura 41). A importância visual do esquema que representa o

equilíbrio entre globinas é fundamental para entender as causas e conseqüências

das talassemias alfa e beta ocorrem por desequilíbrio de síntese entre essas duas

globinas. Se pudéssemos "encaixotar" as globinas alfa e não-alfa seria possível

construir modelos representativos do equilíbrio das globinas alfa e não-alfa das

hemoglobinas normais, e também do desequilíbrio que se verificam nas talassemias

alfa e beta (figura 42). Considerando que o volume de síntese das hemoglobinas A,

A2 e Fetal é proporcional às suas respectivas concentrações obtidas nas dosagens

eletroforéticas ou cromatográficas dessas frações, é também possível supor que em

condições normais essas três hemoglobinas compartilham do mesmo espaço –

obviamente com concentrações diferentes – dentro de um mesmo eritrócito.

Considera-se portanto hemoglobinas normais as três frações identificadas em

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83

eletroforeses alcalina de hemoglobina em pessoas com idade superior a 6 meses

ou por métodos cromatográficos, com as seguintes concentrações:

Hb A: 96 a 98%

Hb A2: 2 a 4%

Hb Fetal: 0 a 1%

HEMOGLOBINAS GLICOSILADAS

Após o nascimento, observa-se que além das hemoglobinas A, A2 e

Fetal, surgem outros cinco tipos de moléculas que constituem o grupo das

hemoglobinas glicosiladas: Hb A1a-1, Hb A1a-2, Hb A1b, Hb A1c e Hb A1d. O conjunto

dessas hemoglobinas que eletroforeticamente se posicionam um pouco à frente da

Hb A, sem que ocorra um fracionamento visível (figura 43), representa 5 a 8% da

concentração da Hb A. Todas essas hemoglobinas são derivadas da Hb A por

terem hexoses ligadas à região N-terminal do primeiro aminoácido da globina beta –

a valina. A glicolização ocorre por um processo lento com intermediação enzimática

durante a hemoglobinogênese. Assim, as hexoses permanecem ligadas à Hb A por

todo o tempo de vida do eritrócito, que é de 120 dias, em média. A Hb A1c por

apresentar maior concentração entre as hemoglobinas glicosiladas, atua como

sensível marcadora biológica da glicose sangüínea. A tabela 12 relaciona, suas

concentrações e os produtos específicos de glicolização.

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84

Cromossomo 16 Cromossomo 11

Figura 41 – Esquematização hipotética da formação equilibrada entre globinas

alfa e não-alfa (ββββ, δδδδ e γγγγ) após o sexto mês de vida.

Mitocôndria

αααα2 αααα1 γγγγ δδδδ ββββ

Globinas αααα (100%) Globinas ββββ (96 – 98%) Globinas δδδδ ( 2 – 4%) Globinas γγγγ (0 – 1%)

αααα2 αααα2 αααα2 αααα2 αααα2 ββββ2 ββββ2 ββββ2 δδδδ2 γγγγ2

Dímeros de globinas αααα Dímeros de globinas ββββ, δδδδ, γγγγ

αααα2 ββββ2 αααα2 ββββ2 αααα2 ββββ2

αααα2 δδδδ2 αααα2 γγγγ2

Grupos heme

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→→→→ αααα2 γγγγ2 : Hb Fetal (0 – 1%)

→→→→ αααα2 δδδδ2 : Hb A2 (2 – 4%)

→→→→ αααα2 ββββ2 : Hb A (96 – 98%)

Equilíbrio entre Globinas nas Hemoglobinas Normais

Talassemia Alfa Talassemia Beta

Figura 42 – Esquematização do equilíbrio entre globinas na formação de

hemoglobinas normais, e dos desequilíbrios na talassemia alfa

(diminuição da síntese de globina αααα) e na talassemia beta

(diminuição da síntese de globina ββββ).

αααα

αααα

αααα

ββββ

δδδδ

γγγγ

αααα

αααα

αααα

ββββ

δδδδ

γγγγ

δδδδ

γγγγ

αααα

αααα

αααα

ββββ

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Figura 43 – Eletroforese de hemoglobinas em acetato de celulose, tampão

alcalino (TEB pH 8,6). Nas três amostras observam-se à frente da

Hb A as frações difusas com as hemoglobinas glicosiladas. A

amostra 1 é de paciente com talassemia beta menor (Hb A2

aumentada) e as amostras 2 e 3 são normais.

1 2 3

Anidrase carbônica

A2

A Grupo de Hb Glicosiladas

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Tabela 12 – Subtipos de HbA1 relacionados com suas concentrações e

glicolização.

Subtipo

Concentração

(%)

Glicolização

A1a – 1

0,2

Hexose – difosfato

Frutose – difosfato

Glicose, manose e galactose

difosfato

A1a – 2

0,2

Hexose – monofosfato

Glicose – 6 – fosfato

Glicose, manose e galactose

monofosfato

A1b

0,5

Hexose não – fosforilada

Glicose, manose, galactose

A1c

4 – 6

1 – deoxi – beta – D – frutose

A1d

0,4

Beta – D – glicopiranosil

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FISIOLOGIA DA OXIGENAÇÃO DA HEMOGLOBINA

O sangue do ser humano transporta diariamente o equivalente a 600

litros de oxigênio dos pulmões aos tecidos, mas pouco deste oxigênio é

transportado no plasma sangüíneo porque ele é muito solúvel em soluções

aquosas. Quase todo o oxigênio transportado pelo sangue está ligado à

hemoglobina. Os eritrócitos ao passarem pelos pulmões tem suas moléculas de

hemoglobinas saturadas em 96% de oxigênio (oxiemoglobina do sangue arterial)

que serão gradualmente liberados para os tecidos. No sangue venoso que retorna

ao coração a hemoglobina está apenas 64% saturada de oxigênio. Assim, o

sangue que passa através dos tecidos libera perto de um terço do oxigênio que

transporta.

As propriedades especiais da molécula de hemoglobina que a

transforma em um transportador tão eficiente podem ser entendidas pela

comparação das curvas de ligação do oxigênio, ou curvas de saturação do O2 da

hemoglobina e mioglobina (figura 44). Estas curvas mostram os graus de saturação

de oxigênio quando mioglobina e hemoglobina estão no sangue venoso e arterial. A

mioglobina tem maior afinidade pelo oxigênio que a hemoglobina. Ela está quase

100% saturada em pressões parciais de oxigênio medida em milímetros de

mercúrio (pO2 / mm Hg) quando o pO2 é de 15 mmHg ou 1,5 kPa, enquanto a

hemoglobina requer pO2 de 35 mmHg ou 3,5 kPa para obter 50% de saturação.

Quando o hemoglobina se oxigeniza no sangue arterial seu grau de saturação é de

95%, e à medida que começa a distribuição do oxigênio para as células teciduais o

faz de forma lenta até passar ao sangue venoso. No sangue venoso o

desprendimento do oxigênio é muito rápido e eficiente, fato que faz com que a

saturação de oxigênio de 75% em pO2 de 50 mmHg (do músculo em repouso)

diminui rapidamente para menos de 10% de saturação em pO2 de 15 mmHg, numa

curva tipo sigmóide. Assim, a curva sigmóide de saturação da hemoglobina revela

uma adaptação molecular para a sua função de transporte nos eritrócitos,

assegurando a ligação e a liberação do oxigênio para as células teciduais. Esse

fato indica que a mioglobina tem alta afinidade pelo oxigênio em comparação com a

hemoglobina. Conforme mostra a figura 44, o gráfico da curva de saturação da

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mioglobina pelo oxigênio é do tipo hiperbólica simples, fato de corrente da ação de

massa do oxigênio no equilíbrio mioglobina + O2 Oxi Mb. Em contraste, a

afinidade da hemoglobina diminui rapidamente à medida que se transforma de

oxiHb → desoxiHb, fato que caracteriza a curva sigmóide que se acentua no

sangue venoso. O formato sigmóide tem uma explicação físico-química da

afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. A figura 45 representa cada uma das

quatro subunidades de globinas (duas alfa ou α2 e duas beta ou β2) se ligando

independentemente com a molécula de oxigênio (O2). Assim, o processo fisiológico

da oxigenação da hemoglobina ocorre em quatro estágios seqüentes. No primeiro

estágio, a molécula está desoxigenada e a molécula de 2,3 – difosfoglicerato (2,3-

DPG) está inserida entre as duas subunidades de globina beta; no estágio seguinte,

inicia-se a oxigenação dos grupos heme das duas globinas alfa, primeiro um e

depois o outro; o terceiro estágio se caracteriza pelo ajustamento da conformação

tetramérica provocado pelo processo de oxigenação que, ao se completar nos

grupos heme das globinas alfa, começa a abranger as globinas beta. O movimento

de adaptação a esse processo é provocado pela aproximação entre as globinas

beta e a desacomodação do 2,3 DPG, que é expelido para fora. Finalmente, o

último estágio se deve pela oxigenação dos grupos heme das globinas beta,

inicialmente uma e depois a outra, completando a oxigenação da molécula de

hemoglobina.

A oxigenação da molécula de hemoglobina também depende do pH e

da concentração de CO2; o aumento de CO2 induz a liberação de oxigênio pela

hemoglobina, cujo processo é conhecido por efeito Bohr. Esse desempenho

bioquímico se deve quando a curva de dissociação de oxigênio (curva sigmóide)

em pO2 de 50 mmHg (ou P50) é afetada pelo metabolismo tecidual e pH sangüíneo.

Quando o metabolismo tecidual está aumentado são liberados produtos ácidos

capazes de causar a queda de pH (acidose) e assim a curva sigmóide é mudada à

direita, permitindo maior liberação de oxigênio para os tecidos. Por outro lado,

quando há elevação do pH sangüíneo (alcalose) a curva sigmóide se move para a

esquerda, diminuindo a liberação de oxigênio para os tecidos.

A curva de dissociação de oxigênio também varia em situações

específicas:

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90

a) O 2,3-DPG, encontrado em grande quantidade nos eritrócitos e em pequenas

quantidades nos tecidos, desvia a curva para a direita, diminuindo a afinidade da

hemoglobina pelo oxigênio;

b) A afinidade da molécula isolada de Hb S pelo oxigênio é a mesma que a da Hb

A, porém os eritrócitos falciformes contém mais 2,3-DPG do que os normais e,

consequentemente, diminuem sua afinidade ao oxigênio.

c) A Hb Fetal tem maior afinidade pelo oxigênio do que a Hb A, provavelmente

devido ao fato do 2,3-DPG não se ligar às globinas gama;

d) A Hb H, constituída por quatro globinas beta, tem afinidade pelo oxigênio 12

vezes maior que a Hb A;

e) Há várias hemoglobinas variantes que apresentam afinidade aumentada pelo

oxigênio – Hb Bethesda, Hb Luton, entre outras – e Hb variantes que

apresentam baixa afinidade pelo oxigênio, como é o caso da Hb Kansas.

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91

A

B C

D E

Figura 45: Seqüência dos estágios da oxigenação. A) molécula de

hemoglobina (Hb A) desoxigenada; B) início da oxigenação, com a

fixação de uma molécula de O2 para uma subunidade de globina

alfa; C) a outra globina alfa se oxigena; D) quando o O2 é fixado por

uma subunidade de globina beta inicia-se o deslocamento da

molécula de 2,3 DPG; E) a fixação do O2 por outra globina beta,

expulsa o 2,3 DPG da molécula de hemoglobina, que se torna

totalmente oxigenada.

O2

O2

O2

O2

O2

O2

O2 O2

O2

O2

2,3 DPG 2,3

DPG

2,3 DPG

2,3 DPG

2,3 DPG

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Figura 44: Curvas de saturação da mioglobina (Mb) e hemoglobina (Hb) pelo

oxigênio. A mioglobina tem uma afinidade muito maior pelo

oxigênio que a hemoglobina. Ela está 50% saturada em pressões

parciais de oxigênio (pO2) de apenas 0,15 a 0,30kPa, enquanto a

hemoglobina requer uma pO2 de 3,5kPa para uma saturação de

50%. Note que embora as duas, hemoglobina e mioglobina, estejam

mais que 95% saturadas na pO2 do sangue arterial que deixa os

pulmões (~13kPa), a hemoglobina está apenas cerca de 75%

saturada no músculo em repouso, onde a pO2 é cerca de 5kPa e

apenas 10% saturada no músculo em trabalho, onde a pO2 é

apenas 1,5kPa. Assim, a hemoglobina pode liberar o seu oxigênio

de forma muito eficiente no músculo e em outros tecidos

periféricos. A mioglobina, por outro lado, ainda está perto de 80%

saturada em uma pO2de 1,5kPa e, portanto, descarrega muito

pouco oxigênio, mesmo em situações de pO2 muito baixas. A curva

sigmóide de saturação da hemoglobina revela uma adaptação

molecular para a sua função de transporte nos eritrócitos,

assegurando a ligação e a liberação do oxigênio nos tecidos

apropriados.

Músculo em repouso

Músculo em trabalho

0 1 5 10 13 pO2 (kPa)

pO2 do sangue venoso

50

100

Saturação

com O2 (%)

Mb Hb

0 10 50 100 130 pO2 (mmHg)