51217-63741-1-pb (1) - cópia

9
Comunicar para educar: educomunicação e leitura na escola Ivan Fortunato Doutorando pelo IGCE-Unesp. Possui graduação em pedagogia pela Unesp/FCLAr (2005). Iracema Torquato Doutora em Educação: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira (Unesp), mestre em Comunicação Midiática (Unesp), coordenadora do Curso de Pedagogia das Faculdades Carlos Drummond de Andrade e João XXIII. Resumo Discute-se neste artigo a prática de leitura na escola pela educomunicação. Apresentando postura crítica frente ao papel reprodutivo da escola e do pensar dominante da mídia, propõe-se unir o lúdico ao artístico para a superação do discurso autoritário da escola. Pela semiologia de Peirce, propõem-se práticas que levam as crianças à leitura crítica dos livros paradidáticos e a desvendar as tramas da narrativa, evitando os famosos preenchimentos mecânicos de lacunas e/ou cópias de parágrafos. Palavras-chave Educomunicação, semiótica, leitura, mídia, educação. Abstract On this article the authors disapprove of the reproductive role of school and the control of the media, and present the educomunication on the practice of reading in school as an alternative. Through the combination of the ludic and artistic speeches they bring several possibilities for the practice of reading and propose a new model for the traditional and authoritarian teaching model. From a semiological standpoint based on Peirce’s theory, the authors offer practices that lead children to critical analyses of books, therefore avoiding mechanical reproduction on the learning process. Keywords Educomunication, semiotics, reading, media, education.

Upload: rafaelbarack

Post on 10-Feb-2016

219 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

imagem

TRANSCRIPT

Page 1: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

Comunicar para educar: educomunicação e leitura na escola

Ivan Fortunato

Doutorando pelo IGCE-Unesp. Possui graduação em pedagogia pela Unesp/FCLAr (2005).

Iracema Torquato

Doutora em Educação: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira (Unesp),

mestre em Comunicação Midiática (Unesp),

coordenadora do Curso de Pedagogia das Faculdades Carlos Drummond de Andrade e João XXIII.

Resumo

Discute-se neste artigo a prática de leitura na escola pela educomunicação. Apresentando postura crítica frente

ao papel reprodutivo da escola e do pensar dominante da mídia, propõe-se unir o lúdico ao artístico para a

superação do discurso autoritário da escola. Pela semiologia de Peirce, propõem-se práticas que levam as

crianças à leitura crítica dos livros paradidáticos e a desvendar as tramas da narrativa, evitando os famosos

preenchimentos mecânicos de lacunas e/ou cópias de parágrafos.

Palavras-chave

Educomunicação, semiótica, leitura, mídia, educação.

Abstract

On this article the authors disapprove of the reproductive role of school and the control of the media, and

present the educomunication on the practice of reading in school as an alternative. Through the combination of

the ludic and artistic speeches they bring several possibilities for the practice of reading and propose a new

model for the traditional and authoritarian teaching model. From a semiological standpoint based on Peirce’s

theory, the authors offer practices that lead children to critical analyses of books, therefore avoiding

mechanical reproduction on the learning process.

Keywords

Educomunication, semiotics, reading, media, education.

Page 2: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

A importância da comunicação na educação

A inter-relação Comunicação/Educação está inaugurando um novo paradigma discursivo transverso, estruturando-se de um modo processual, mediático, transdisciplinar e interdiscursivo, sendo vivenciado na prática dos atores sociais através de áreas concretas de intervenção social (SOARES, 1999).

A discussão do inter-relacionamento entre a comunicação e a educação é de grande valia neste

momento, pois toda a atividade comunicativa é uma atividade educativa, e vice-versa, voltada aos direitos dos

receptores a uma cidadania plena. Esse relacionamento emerge conceitualmente de uma didática da

comunicação, envolvendo a educação e os meios de comunicação (ora referidos como mídia), e uma didática

dos meios, relacionada com a potencialidade da mídia na organização do processo ensino e aprendizagem

como um processo de educomunicação.

Essa discussão é um imperativo diante de uma realidade que, transformando-se rápida e profundamente,

obriga o educador não só a acompanhar de perto os passos da implementação das tecnologias da informação e

comunicação dentro da escola, mas também a entendê-la em toda a sua dimensão política, econômica e

sociocultural. A comunicação, afirma Edgar Morin (2003: 8), “(...) não existe sozinha e está sempre em relação

com outros problemas (...) a pesquisa em comunicação exige sempre o exame da interface da comunicação

com outras áreas do conhecimento”; compreendemos a educação dessa mesma maneira.

A escola, enquanto transmissora da cultura e geradora de conhecimentos, deve interpretar os fatos numa

perspectiva da dinâmica do dia-a-dia, estampada nos meios de comunicação, devendo, portanto, a educação e a

comunicação andar juntas na construção de uma sociedade mais crítica, participando ativamente dos destinos

da nação, na construção de uma cidadania autêntica. Não há como se falar em autenticidade sem espírito

crítico, o que por sua vez, demanda a presença de leitores críticos.

O fato é que o sistema educacional brasileiro ainda se encontra muito divorciado da nova realidade

educomunicacional e dos fatos da vida nacional. Há um contraste entre o país que domina a tecnologia de

ponta na área das comunicações e o país que não consegue enfrentar qualitativamente, com sucesso, uma tarefa

bem mais singela, que é a de ensinar suas crianças a ler e escrever, revelando uma distância não apenas técnica

mas, sobretudo, econômica e social.

Frente a essa realidade, há que se repensar o sistema educacional brasileiro, aplicando-se projetos

inovadores que adotem, por exemplo, o estudo da prática da leitura e produção de textos como disciplina

obrigatória na graduação, principalmente nos cursos de ciências humanas e de formação docente. Somente

assim teremos professores comunicólogos qualificados para atuarem desde a educação infantil e primeiros anos

do ensino fundamental até o ensino médio (i.e. durante a educação básica), visando acabar com a estrutura em

Page 3: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

geral autoritária e unilateral da escola, proporcionando um ensino mais motivador, menos verbalista e mais

sintonizado com o resto do mundo.

Moacir Gadotti chama a atenção do pedagogo para uma de suas funções na sociedade atual, qual seja, a

de repensar a sua educação (tarefa crítica), a sua formação, a formação recebida no curso e o próprio curso:

“(...) estamos num momento em que o educador brasileiro precisa, urgentemente, pensar na reconstrução da

educação brasileira, passo a passo com a reconstrução da própria sociedade brasileira” (GADOTTI, 2001: 56).

Já em 1980, José Marques de Melo, ao abordar a preparação de leitores críticos, afirmava que:

A escola tem condições para interferir decisivamente nesse processo. E conta hoje com um sustentáculo motivacional vigoroso: a mobilização de toda a sociedade civil na defesa de seus interesses imediatos e na luta pela edificação de um futuro melhor são manifestações democráticas, ainda que episódicas e cambaleantes, mas que não escapam às percepções dos educandos, constituindo excelentes oportunidades para retirar a escola do marasmo em que se encontra (MELO, 1980: 523-524)

Ainda sobre esse foco, afirma Marques de Melo (1) que a escola formal encontra-se defasada,

divorciada da realidade, “praticamente fossilizada”. Portanto, educomunicadores precisam assumir uma

postura crítica frente ao papel reprodutivo da escola e do pensar dominante da mídia e, por outro lado, tem que

levar as crianças a uma leitura crítica das mensagens veiculadas principalmente nos pseudolivros paradidáticos

e desvendar as tramas da narrativa, evitando, assim, os famosos preenchimentos de lacunas e/ou cópias de

parágrafos, consequentemente mecânicos.

Tema e objetivos

Estamos, desse modo, interessados na relação entre essas duas ciências: a Educação e a Comunicação.

A proposta não é nova (educomunicação), mas temos observado que esta tem “servido” àquela apenas como

ferramenta, isto é, a comunicação tem sido compreendida como um meio para um fim pedagógico proposto.

Vê-se na educação uma expansão na utilização de um ferramental tecnológico que acompanha a evolução do

mercado, e acreditamos que essa revolução precisa de um olhar analítico e crítico.

Esse trabalho trata-se de um ensaio teórico cujo objetivo é indicar a possibilidade de tangenciamento

entre a comunicação e a educação na prática de leitura na escola a partir de procedimentos didáticos e

estratégias educacionais lúdicas, demonstrando uma possível resposta, dentre inúmeras, para a pergunta de

Martin-Barbero:

(...) como inserir na escola um ecossistema comunicativo que contemple ao mesmo tempo: experiências culturais heterogêneas, o entorno das novas tecnologias da informação e da comunicação, além de configurar o espaço educacional como um lugar onde o processo de aprendizagem conserve seu encanto? (MARTIN-BARBERO, 1996: 12).

Page 4: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

A educação, em seu modo de existir, tem seus objetivos, modus operandi e ações para atender às

necessidades e demandas contemporâneas, que são plurifacetadas e multiculturais, regidas por lógicas

igualmente diversificadas, composta por uma gama de linguagens e conhecimentos que transitam por vários

dispositivos midáticos, que, a partir da expansão comercial da internet e do mercado tecnológico, cada vez

mais se encontram presentes no ambiente escolar - inclusive dentro da sala de aula.

Os grandes investimentos que as instituições de ensino vem fazendo em tecnologias da informação e

comunicação podem ser insuficientes ou até mesmo configurar forma enganosa de promover a qualidade no

ensino. Isso porque, como nos ensina Edgar Morin, o desenvolvimento da mídia de massa é inversamente

proporcional à compreensão entre as pessoas; isto é, quanto mais tecnologia há na mídia, menos interação há

entre os indivíduos. Afirma esse autor (MORIN, 2003: 8): “(...) a compreensão não é, essencialmente, um

problema de meios, mas de fins”.

Por isso, acreditamos que a escola deveria pensar nos ecossistemas comunicativos para compreender a

inserção das tecnologias midiáticas na educação enquanto mecanismos de produção e mediação em detrimento

da reprodução. Os ecossistemas comunicativos constituem lócus favorável para ações e conjunto de ações de

educadores que objetivam alterar a percepção e ampliar “as relações de comunicação entre as pessoas que

compõem a comunidade educativa” (SOARES, 2002).

Dos meios à mediação à educomunicação

Os reflexos da antiga escola da comunicação (baseada na receita comunicacional “de emissor para

receptor”) na educação aparecem na forma autoritária de utilização da mídia por parte do professor quando, por

exemplo, precisa ampliar a quantidade de audiência, projetar o conteúdo ministrado ou trazer para a sala de

aula algo que seria impossível, como as imagens do planeta Terra a partir dos satélites artificiais.

Essa prática não modifica o ensino, mas disfarça as antigas práticas do chamado ensino tradicional (2),

no qual o professor sabe e deve transmitir seu conhecimento ao aluno que não sabe e deve “apreender”. Ao

fazer da mídia um meio, sustenta-se o sistema educacional pela lógica tradicional e, para superar esse

paradigma, sugerimos o estabelecimento de ecossistemas comunicativos nas instituições de ensino. Os

ecossistemas comunicativos constituem lócus favorável para ações e conjunto de ações de educadores que

objetivam alterar a percepção e ampliar as relações da comunidade escolar (alunos, pais, professores, direção e

sociedade).

Esse conjunto de ações é o que o professor Ismar Soares chama de Educomunicação, definida por ele

como:

(...) ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou

Page 5: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

virtuais, tais como escolas, centros culturais, emissoras de TV e rádio educativos, centros produtores de materiais educativos analógicos e digitais, centros de coordenação de educação a distância ou e-learning e outros (...) (SOARES, 2000: 12).

Os objetivos da educomunicação, ainda segundo o professor Soares, são vários, como, por exemplo, o

progresso do coeficiente comunicativo do sistema educacional, o incentivo à análise crítica da mídia de massa,

o uso adequado dos recursos da informação em ações educativas e o desenvolvimento da capacidade de

expressão. A educomunicação, que carrega em si conceitos transdisciplinares, pode estabelecer um novo

paradigma na relação Educação/Comunicação a partir do momento em que transcende dos meios para as

mediações, ou seja, entende que a mídia é “recheada” de conteúdos que permeiam e transformam os indivíduos

e suas relações.

Sob a característica mediadora da mídia, Edgar Morin explica que:

Pesquisas já mostraram que a mídia pode influenciar a vida das pessoas, mas que ela não desempenha um papel determinante no essencial. (...) Pode-se amar o futebol e ter consciência da realidade social. Quando falta essa consciência o responsável não é o futebol, mas certamente a situação política, social e educacional do país. Ver telenovelas não impede de ter consciência política e de contestar as injustiças sociais (MORIN, 2003: 10).

O autor explica que as primeiras grandes pesquisas de campo sobre os meios de comunicação –

conduzida por Lazarsfeld e colaboradores – já indicavam que “o problema não era saber o que a mídia faz de

nós, mas o que nós fazemos da mídia” (MORIN, 2003: 9). Se a mídia “nos faz algo”, então é possível a

manipulação pelos meios de comunicação de massa, já que não há filtros críticos com relação a seu conteúdo,

o que justificaria a utilização da comunicação como meio pelo sistema educacional. Mas, se não somos

passivos e apresentamos uma postura analítica frente à mídia de massa, então porque temos que supor o

contrário sobre nosso sistema educacional? É nesse pressuposto que se encontra a necessidade da

educomunicação.

O comportamento do receptor nem sempre é determinado pela mensagem que vê ou ouve, porque este

acrescenta seu conteúdo ao seu dia-dia e o utiliza para interpretar a realidade em que vive e suas relações com

as pessoas e coisas; explica Morin (2003: 9) “Na vida, no cotidiano, a mídia desempenha um papel, porém não

se trata do papel central nem mesmo de um só papel. A sua influência depende de contexto, de filtros, de

situações históricas, de percursos individuais e de uma série de outros fatores”. Nesse sentido, a mídia é

entendida como mais um elemento de transformação individual, ampliando suas características, outrora tida

somente como “determinante”.

Ao pensar sobre comunicação para educação, o foco deve ser deslocado do veículo para as interações

que o veículo possibilita. Nas palavras de Martin-Barbero (2002: 55): “A verdadeira proposta do processo de

Page 6: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

comunicação e do meio não está nas mensagens, mas nos modos de interação que o próprio meio (...) transmite

ao receptor”.

Mauro Wilton de Sousa (2001) explica que quando deslocamos a comunicação dos meios para as

mediações, essa passa a atuar como parceira nos processos individuais, ajudando o indivíduo a elaborar teorias

e convicções das quais lançará mão durante suas interações; as mediações, aqui, são entendidas como agentes

construtoras – e não doutrinárias – das redes sociais.

Assim, sob essa ótica mediadora, há que se pensar em uma nova abordagem para a utilização dos

chamados livros paradidáticos, cuja fórmula tradicional rege a seguinte dinâmica: primeiro o professor propõe

sua leitura para, em seguida, conduzir a realização de uma prova de interpretação do texto. E cada vez que a

opção metodológica privilegia a ferramenta pela ferramenta, ou seja, a crença que, por si só, as estratégias são

mais importantes que a reflexão sobre a ação, implica querer passar uma compreensão decidida das coisas

(uma débil extensão de características funcionais): há de fazê-lo à custa de uma renúncia ética, muitas vezes

radical.

Dessa maneira, esse percurso proposto (leitura – prova) esvazia a leitura porque não explora a

diversidade e a pluralidade de idéias e visão de mundo presentes na individualidade de cada sujeito-leitor: a

leitura possibilita a geração de vários significados ou interpretantes, além de desenvolver a criatividade e o

pensamento crítico. Fanny Abramovich explica:

ler (...) sempre significou abrir todas as comportas para entender o mundo através dos olhos dos autores e da vivência das personagens (...) foi sempre maravilha e gostosura, necessidade primeira e básica, prazer insubstituível” (ABRAMOVICH, 2004, p. 14).

Segundo Peirce (1972; 1976) nós, seres humanos, somos uma espécie superior porque somos seres de

signos, isto é, capazes de criamos significados. Peirce define três categorias sígnicas: Primeiridade, presente

naquilo que é livre, novo, espontâneo e casual (nível não material do signo); a existencial ou fatualidade,

baseadas nos fatos, denominada por Peirce como Secundidade, característica do esforço, da resistência, da ação

e reação, da alteridade - como presença do outro (com o qual se estabelece a relação); e, por fim, a

generalidade, denominada por Peirce de Terceiridade, característica do contínuo, do pensamento, da lei e dos

conceitos. Silveira (1997) define as três categorias sígnicas de Charles Peirce da seguinte maneira:

Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a qualquer outra coisa, é uma pura sensação. Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é, em relação a um segundo, relação esta indicial, mas independente de qualquer terceiro. Terceiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, colocando em relação recíproca, um segundo e um terceiro. Nesse nível conformam-se os conceitos simbólicos universais (SILVEIRA, 1997: 4).

Page 7: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

Para Peirce, não há uma apenas significação imediata (interpretante imediato) porque cada interpretante

sempre engendrará outros interpretantes até nos levar ao interpretante normal ou final, que somente é

denominado como “final” por necessidades práticas.

A essa cadeia de geração de significados, Peirce chama de semiose. Ao chegar ao interpretante final, o

leitor deverá mudar suas primeiras crenças, logo esse interpretante gera uma mudança de conduta ou de

hábitos. Desse modo, o leitor crítico a que nos referimos não é o mesmo que começou a ler determinado texto,

mas um outro leitor que renasce modificado a cada leitura de uma obra (ou da mesma obra).

Se o professor não persistir em possibilitar que seus alunos estabeleçam relações em nível de

secundidade, o aluno criará um signo degenerado, isto é: não criará conceitos, mas poderá memorizar fórmulas

e aplicá-las mecanicamente, o que não promoverá a aprendizagem significativa. E desse modo, qualquer

metodologia, a nosso ver, não proporcionará que o processo de semiose seja possível. O mesmo acontece se o

professor não permitir que os alunos expressem seus primeiros sentimentos ou sensações (primeiridade) diante

de um signo verbal ou não-verbal.

Assim, diversos temas podem ser trabalhados em sala de aula, primeiro a partir das primeiras sensações

ou sentimentos que a linguagem verbal e não-verbal da narrativa desperta nos alunos (primeiridade). Depois,

pela exploração dos índices, das relações que os aprendizes podem estabelecer entre os diversos temas

apresentados (secundidade). E, por fim, pela promoção de debates entre os alunos, em grupo ou

individualmente; apresentação de seminários, pesquisas e trabalhos escritos, apresentados como parte

integrante da avaliação periódica de aproveitamento escolar (terceiridade).

Esse trabalho tem como aliado o lúdico (3): brincadeiras de faz-de-conta a partir das narrativas e

personagens, atividades de desenhar e colorir, e assim por diante; Fanny Abramovich (2004: 143-146)

apresenta diversas maneiras de se trabalhar com o livro infantil em sala de aula: conversar com as crianças para

discutir a história, o ritmo, o começo, o fim, as personagens, a capa, a paginação, o tipo e o tamanho da fonte, o

formato do livro.

E cada aluno poderá escrever sobre tudo isso – ou sobre outros itens não citados que pareçam importantes – de modo pessoal, sem roteiros definidos e muito menos definitivos... Se cada livro chama a atenção por algo especial, por que não deixar a criança – sozinha – descobrir essa especificidade que ela sentiu, percebeu... e escolher sobre o que quer falar? (ABRAMOVICH, 2004: 147).

Comentários finais

A metodologia que aqui propomos, como educomunicadores, parte da crítica aos meios de

comunicação que fazem da mensagem um fim em si mesma, como nos ensinam os autores citados. Acredita-se

que o receptor (aquele que recebe a mensagem a partir de algum medium de massa) não é somente determinado

Page 8: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

pela mensagem que vê ou ouve; nesse sentido, o medium é entendido como mais um elemento de

transformação individual, e não somente determinante de comportamentos.

Quanto aos níveis de leitura, partimos da imagem, em nível perceptível icônico (que consiste em um

feixe de estímulos, uma qualidade do objeto a ser interpretado, a princípio de modo vago, impreciso,

caracterizado como primeiridade do signo verbal ou não-verbal), depois, indicamos que o professor deve

fornecer pistas (índices, secundidade) para que os alunos relacionem estas primeiras estimulações a hipóteses,

apropriação disformemente privada, para finalmente haver a possibilidade de interpretar o objeto como reação

a um conflito, problema que deve ser superado pelas pistas fornecidas pelos participantes e, finalmente,

chegamos ao nível simbólico, terceiridade, em que os conceitos podem ser formulados, bem como

incorporados ao nosso repertório.

É preciso que este objeto não seja considerado como o fim do processo da semiose (ação do signo em

busca de interpretantes, ou seja, de significações), mas que se torne um novo signo que deve ser sempre

reinterpretado, para que este processo de geração de significados seja amplamente explorado pela educação e

pela comunicação, mas principalmente por ambas (educomunicação).

Nesse sentido, um interpretante sempre gerará outros interpretantes em um nível mais elevado. Para

Peirce, este processo é sempre ilimitado. Assim, uma imagem, um diagrama ou um conceito nunca são criados

apenas para favorecer interesses pessoais, como professores e educomunicadores, para ostentar que somos os

detentores do saber, menosprezando a capacidade do processo de semiose das crianças, porque esta capacidade

é inerente ao homo sapiens.

Ao fim e ao cabo, a sugestão é unir o discurso lúdico ao artístico, propondo a superação do discurso

autoritário da escola e ampliando as possibilidades de diversas leituras bem como a superação da dicotomia

entre comunicação e educação para alcançarmos a qualidade possível em vista da formação do leitor crítico

almejado.

Referências Bibliográficas

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5ª. Edição. São Paulo: Scipione, 2004.

GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 12ª ed. São Paulo: Cortez Editora,

2001.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Heredando el Futuro: Pensar la Educación desde la Comunicación” Revista

Nómadas, nº 5, Santafé de Bogotá/Colombia: Universidad Central, 1996.

________. “América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social” In: SOUSA,

Mauro Wilton (org.) Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002.

MELO, José M. “Presença do jornal na escola: iniciação ao exercício da cidadania” In: Revista de Cultura

Vozes. Petrópolis: Vozes, LXXIV/7, 1980.

Page 9: 51217-63741-1-PB (1) - Cópia

MORIN, Edgar. “A comunicação pelo meio (teoria complexa da comunicação)” In: Revista FAMECOS, nº 20.

Porto Alegre, 2003.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leônidas

Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972.

________. The Collected Papers of Charles S. Peirce. vols. 1-6. Ed. by Charles Hartshorne and Paul Weiss.

Cambridge, MA. The Belknap Press of Harvard University 1934. 1976.

SILVEIRA, L. F. “Subsídios Para um Retrato de Charles Sanders Peirce” In: SILVEIRA, L. F. O Sujeito entre

a Língua e a Linguagem. São Paulo: Ed. Lovise, Número 2, 1997.

SOARES, Ismar de Oliveira. “A Educomunicação e suas áreas de intervenção” In: Educom.TV, tópico 1,

ECA/USP, 2002. Disponível em http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/130.pdf

________. “Educomunicação: um campo de mediações” In: Revista Comunicação & Educação. n. 19. São

Paulo: Segmento/ECA/USP, 2000.

________. “Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais” In:

Revista Brasileira de Comunicação Artes e Educação, n.2. Brasília, 1999

SOUZA, Mauro Wilton. “O lugar social da comunicação mediática” In: Cadernos de Educomunicação, n.1.

NCE/ECA-USP, 2001.

Notas

(1) Professor José Marques de Melo em entrevista cedida para o jornal Folha de S. Paulo no dia cinco de

setembro de 1985.

(2) O ensino tradicional também pode ser chamado de pedagogia não-crítica. Nessa modalidade de ensino, o

professor detém o conhecimento acumulado pela humanidade e transmite esse conhecimento aos alunos que

devem memorizá-lo. Não é nosso foco nesse trabalho analisar tendências pedagógicas, mas o leitor interessado

pode encontrar no trabalho de Demerval Saviani excelente crítica sobre tais concepções: SAVIANI, D. A

pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Memória da

Educação).

(3) Em oficina apresentada no I Encontro de Educadores da Faculdade João XXIII (São Paulo, 2009),

Fortunato apresentou inúmeras estratégias lúdicas de trabalho com um livro paradidático: (i) criação coletiva

de uma nova história, (ii) ouça e conte o conto (telefone sem-fio), (iii) forme frases, (iv) desenhar e colorir, (v)

teatro espontâneo.