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DIREITO PENAL Crime de coacção — Crime de ofensa à integridade física simples — Concurso aparente — Co-autoria — Escolha da pena — Ac. do S. T. J., de 2-10-2000, proc. n.º 1209/99 .... Crime de abuso de confiança — Elementos típicos — Requisitos da sentença — Fundamen- tação — Enumeração dos factos não provados — Indicação e exame crítico das provas — Recurso — Fundamentos do recurso — Contradição insanável da funda- mentação — Erro notório na apreciação da prova — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 779/99 .......................................................................................................... Perda de instrumentos — Produtos e vantagens do crime — Os artigos 109.º e 111.º do Código Penal — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 2102/2000 ....................... Concurso de crimes — Pena única — Perdão — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 2446/2000 ............................................................................................................. Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade — Ac. do S. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 170/2000 ...................................................................................................... Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade — Jovem adulto — Atenuação especial da pena — Medida da pena — Suspensão da execução da pena — Ac. do S. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 198/2000 ................................................................ Crime de homicídio privilegiado — Compreensível emoção violenta — Ac. do S. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 2197/2000 ............................................................................... Crime de burla — Responsabilidade civil — Competência do tribunal penal — Respon- sabilidade extracontratual — Absolvição — Ac. do S. T. J., de 18-10-2000, proc. n.º 1915/2000 ............................................................................................................. Tráfico de estupefacientes de menor gravidade — Suspensão de execução da pena — Regime de prova — Ac. do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n.º 2803/2000 .................. Crime de sequestro — Consumação — Crime de coação — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc. n.º 929/99 .......................................................................................................... Homicídio privilegiado — Compreensível emoção violenta — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc. n.º 2350/2000 .................................................................................................... Crime de furto — Momento da consumação — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc. n.º 2544/2000 ............................................................................................................. 61 72 80 82 85 94 100 105 109 118 129 138

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  • 381 ndiceBMJ 500 (2000)

    DIREITO PENAL

    Crime de coaco Crime de ofensa integridade fsica simples Concurso aparente Co-autoria Escolha da pena Ac. do S. T. J., de 2-10-2000, proc. n. 1209/99 ....

    Crime de abuso de confiana Elementos tpicos Requisitos da sentena Fundamen-tao Enumerao dos factos no provados Indicao e exame crtico dasprovas Recurso Fundamentos do recurso Contradio insanvel da funda-mentao Erro notrio na apreciao da prova Ac. do S. T. J., de 11-10-2000,proc. n. 779/99 ..........................................................................................................

    Perda de instrumentos Produtos e vantagens do crime Os artigos 109. e 111. doCdigo Penal Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n. 2102/2000 .......................

    Concurso de crimes Pena nica Perdo Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc.n. 2446/2000 .............................................................................................................

    Trfico de estupefacientes Trfico de menor gravidade Ac. do S. T. J., de 12-10-2000,proc. n. 170/2000 ......................................................................................................

    Trfico de estupefacientes Trfico de menor gravidade Jovem adulto Atenuaoespecial da pena Medida da pena Suspenso da execuo da pena Ac. doS. T. J., de 12-10-2000, proc. n. 198/2000 ................................................................

    Crime de homicdio privilegiado Compreensvel emoo violenta Ac. do S. T. J., de12-10-2000, proc. n. 2197/2000 ...............................................................................

    Crime de burla Responsabilidade civil Competncia do tribunal penal Respon-sabilidade extracontratual Absolvio Ac. do S. T. J., de 18-10-2000, proc.n. 1915/2000 .............................................................................................................

    Trfico de estupefacientes de menor gravidade Suspenso de execuo da pena Regime de prova Ac. do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n. 2803/2000 ..................

    Crime de sequestro Consumao Crime de coao Ac. do S. T. J., de 25-10-2000,proc. n. 929/99 ..........................................................................................................

    Homicdio privilegiado Compreensvel emoo violenta Ac. do S. T. J., de 25-10-2000,proc. n. 2350/2000 ....................................................................................................

    Crime de furto Momento da consumao Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc.n. 2544/2000 .............................................................................................................

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  • 61 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    Crime de coaco Crime de ofensa integridade fsicasimples Concurso aparente Co-autoria Escolha da pena

    I Tendo os factos, integradores de violncia e de ameaas com mal importante,provocado medo ao ofendido, visando os arguidos, com tais violncia e ameaas, lev-loa, contra sua vontade, entregar dinheiro, e actuando os arguidos em harmonia com opreviamente acordado para a execuo conjunta do facto, detendo e exercendo o dom-nio funcional deste, s no conseguindo a entrega do dinheiro merc da resistncia doofendido, mostra-se integrado o crime de coaco, na forma tentada, praticado emco-autoria.

    II Tendo os agentes actuado em co-autoria, os actos praticados por cada umdeles, em execuo do plano e de acordo com este, so imputados, do ponto de vista dailicitude, a todos os demais.

    III As ofensas integridade fsica, tratando-se de ofensas corporais leves, devemconsiderar-se integradas no elemento tpico violncia do crime de coaco, verifican-do-se, no um concurso efectivo entre o crime de ofensas integridade fsica simples e ocrime de coaco, mas antes um concurso aparente, por consuno daquele crime poreste, cuja pena prevista abrange a proteco do bem jurdico da integridade fsica pr-prio do tipo legal do crime do artigo 143. do Cdigo Penal.

    IV Face s elevadas exigncias de preveno geral reflectidas no caso concreto,ligadas ao fenmeno das cobranas de dvidas por meio de violncia ou ameaas inte-grantes de coaco, inadmissvel numa sociedade prpria de um Estado de direito demo-crtico, e s significativas de preveno especial, derivadas da actuao conjunta e poracordo de quatro agentes, a imposio de pena de multa alternativa no realiza deforma bastante as finalidades da punio.

    SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 4 de Outubro de 2000Processo n. 1209/99 3. Seco

    ACORDAM no Supremo Tribunal de Justia:I

    Na 3. Seco da 7. Vara Criminal de Lisboaforam submetidos a julgamento os arguidos:

    1 Sandro Marques de Brito, solteiro, nas-cido a 20 de Maro de 1972, em GovernadorValadares, de nacionalidade brasileira, filho deDjalma Marques de Brito e de Maria Doracy deBrito, scio gerente de empresa, residente na Ruade Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta do Torro,Monte da Caparica;

    2 Luciano Marques de Brito, solteiro, nas-cido em 24 de Fevereiro de 1974, em Governa-dor Valadares, de nacionalidade brasileira, filhode Djalma Marques de Brito e de Maria Doracyde Brito, montador de tectos falsos, residente na

    Rua de Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta doTorro, Monte da Caparica,

    acusados pelo digno agente do Ministrio P-blico da prtica, em co-autoria material, de umcrime de coaco na forma consumada, previstoe punido pelo artigo 154., n. 1, do Cdigo Pe-nal, e o arguido Sandro ainda de ter praticado,como autor material, um crime consumado deofensas corporais simples, previsto e punido peloartigo 143., n. 1, do Cdigo Penal, em concursoefectivo com o de coaco.

    Foi deduzido pedido de indemnizao civilpelo queixoso Antnio Jos Correia Martinscontra os arguidos, pedindo-se a condenao so-lidria destes (e tambm de Antnio Jos MartinsBraz e Joo Manuel Quedas Matias, arguidosque foram declarados contumazes, tendo-se or-denado, quanto aos mesmos, a separao de pro-

  • 62 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    cessos) no pagamento do montante de 800 000$00,a ttulo de danos patrimoniais e no patrimoniais,acrescido de juros vincendos at integral paga-mento.

    Por douto acrdo desse Tribunal de 28 deOutubro de l999 foi decidido:

    I Quanto aco:

    Julgar a acusao parcialmente procedente,por parcialmente provada, e, consequentemente:

    a) Condenar ao arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques de Brito,como co-autores materiais de um crimede coaco, na forma tentada, previsto epunido pelos artigos 22., 23. e 154.,n. 1, do Cdigo Penal, na pena de 1 anode priso cada um;

    b) Nos termos do artigo 1., n. 1, da Lein. 29/99, de 12 de Maio, declarar per-doada toda a pena de priso aplicada aoarguido Luciano, sob a condio resolutivaa que alude o artigo 4. da mesma lei;

    c) Condenar o arguido Sandro, como autormaterial de um crime de ofensas corpo-rais simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143., n. 1, do Cdigo Penal, na penade 10 meses de priso e, em cmulo jur-dico desta com a fixada em a), na penanica de 16 meses de priso, cuja exe-cuo se suspende pelo perodo de 2 anos.

    II Quanto ao pedido cvel:

    Julgar parcialmente procedente, por par-cialmente provada, a pretenso indemnizatriado demandante Antnio Jos Correia Martins e,por via disso, condenar solidariamente os de-mandados/arguidos Sandro Marques de Brito eLuciano Marques de Brito a pagar-lhe a quantiade 100 000$00, acrescida de juros vencidos desdea data da apresentao do pedido e dos que apartir desta data se vencerem, at integral paga-mento, calculados taxa legal de 10% (Portarian. 1171/95, de 25 de Setembro, e artigo 559. doCdigo Civil), sem prejuzo de diversa taxa legalque venha a ser estabelecida posteriormente;

    Inconformados com tal deciso, dela recorre-ram ambos os arguidos.

    Nas respectivas motivaes, formularam asconcluses, que se passam a transcrever:

    A) Arguido Sandro Marques de Brito:

    1. So elementos constitutivos do crimede ofensas corporais simples, previsto e punidono artigo 143. do Cdigo Penal, os seguintes: oelemento objectivo que se consubstancia em cau-sar uma ofensa na sade ou corpo de outra pes-soa e o elemento subjectivo que se revela naconscincia do elemento objectivo do tipo e navontade de o levar a cabo.

    2. Assim, tratando-se de um crime de re-sultado (em virtude de a lei exigir para a consu-mao a produo de um evento material), paraque algum seja punido pelo artigo 143. do C-digo Penal, necessrio que haja no s a inten-o de provocar uma leso na sade ou corpo deoutra pessoa, mas tambm que essa leso se ve-rifique efectivamente.

    3. No presente processo ficou provadoque o queixoso teve dores, mas no ficou pro-vado que essas dores tenham emergido do em-purro que o arguido Sandro lhe deu.

    4. Assim sendo, a conduta do arguidoSandro no se pode subsumir ao resultado pu-nido pelo artigo 143. do Cdigo Penal; o arguidoSandro deve ser absolvido do crime de ofensascorporais simples, o que se requer.

    5. No o tendo feito com o se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto no artigo 143. doCdigo Penal.

    6. So elementos essenciais do crime decoaco, previsto e punido pelo artigo 154. doCdigo Penal, o uso de violncia ou ameaa commal importante por parte do agente, com a in-teno de constranger o ofendido prtica deuma aco ou omisso ou a suportar uma activi-dade.

    7. Nos termos do artigo 22. do CdigoPenal, h tentativa quando o agente praticaractos de execuo de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se.

    8. O arguido Sandro no praticou quais-quer actos de execuo do crime de coaco.

    9. Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido Sandro se dirigiu morada

  • 63 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    onde o queixoso se encontrava, subiu ao 1. andardessa morada e a entrou para reclamar uma quan-tia a que considerava ter direito.

    10. No se provou que o arguido Sandrotenha utilizado de violncia contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra esteameaas de males futuros.

    11. Igualmente no resultou provada quea inteno do arguido Sandro, ao dirigir-se mo-rada em causa, fosse a de praticar o crime decoaco.

    12. A presena do arguido Sandro no inte-rior do gabinete do queixoso no pode ser havidacomo acto de execuo do crime de coaco emnenhuma das modalidades previstas no artigo22. do Cdigo Penal.

    13. Assim, os factos provados no inte-gram as circunstncias dos artigos 22., 23. e154. do Cdigo Penal.

    14. No tendo praticado qualquer acto deexecuo do crime de coaco, previsto e punidopelo artigo 154. do Cdigo Penal (em conformi-dade com a descrio de tais actos constante doartigo 22. do Cdigo Penal), o arguido Sandrodeve ser absolvido do crime de coaco na suaforma tentada, o que se requer.

    15. No o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto nos artigos 154.,22. e 23. do Cdigo Penal.

    16. Caso assim no se entenda e venhaeste Tribunal considerar que o arguido Sandrocometeu os crimes de coaco na forma tentada ede ofensas corporais simples na forma consu-mada, considera o ora recorrente que a pena depriso que lhe foi aplicada no se justifica e exagerada no presente caso.

    17. verdade que ambos os crimes emquesto so punveis com pena de priso ou penade multa, em alternativa.

    18. No entanto, a aplicao da pena depriso deve reduzir-se ao indispensvel e apenas legtima quando, para os fins gerais e concretosde preveno, no se mostrem adequadas as me-didas no privativas de liberdade.

    19. Nos termos do artigo 71., n. 2, doCdigo Penal a determinao da medida da pena feita em funo da culpa do agente e das exign-cias de preveno.

    20. A culpa do arguido Sandro foi aferidacom base em factos que em relao a si no seprovaram, como sejam o uso de violncia fsica ea ameaa com um mal futuro.

    21. No foram, sequer ponderados [comoprescreve que seja feito a alnea c) do n. 2 doartigo 71. do Cdigo Penal] os motivos que le-varam o ora recorrente a deslocar-se ao local detrabalho do queixoso, sendo certo que aqueleconsiderava ser credor da empresa deste pelovalor de 2 000 000$00, devidos pelo esforo doseu trabalho.

    22. Acresce que o arguido primrio;desde a data em que ocorreu o incidente em an-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento, como atesta o facto de o mesmo serprimrio; o arguido vive com amigos, facto nor-mal em jovens da sua idade; o arguido sciogerente de uma empresa do ramo da construocivil; o arguido trabalha.

    23. Em suma, o arguido no um delin-quente e no necessita de ser reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.

    24. Entende-se que a pena de priso, en-quanto sano aplicada ao arguido Sandro, ma-nifestamente exagerada e desajustada face snecessidades de preveno e represso futuras.

    25. Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o mesmo ser condenado pelaprtica de um crime de coaco na forma tentadae de um crime de ofensas corporais simples naforma consumada, a sano a aplicar-lhe deverser a pena de multa, o que se requer, a qual sedever ficar muito prxima do mnimo.

    26. Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena de priso, entende esteque a pena aplicada pelo tribunal a quo deverser substancialmente reduzida.

    27. Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do crime de ofensas cor-porais simples vai at trs anos e quando apenasse provou que o arguido Sandro deu um empur-ro ao queixoso, entende-se que aplicar-lhe penade priso e, em concreto, exactamente 10 mesesde priso manifestamente exagerado e inade-quado, devendo por isso tal medida ser reduzida,o que se requer.

    28. Igualmente, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do crime de coaco na

  • 64 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    forma tentada, por efeito da atenuao especialprevista nos artigos 23., n. 2, 72., n. 1, e 73.,n. 1, alneas a) e c), todos do Cdigo Penal, vaiat 2 anos de priso ou multa at 240 dias, enten-de-se que aplicar-lhe pena de priso e, em con-creto, exactamente metade da pena mxima depriso aplicvel ao caso, manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser redu-zida, o que se requer.

    29. Aos factos acima mencionadosacresce que nos termos do artigo 29. do CdigoPenal cada comparticipante punido segundo asua culpa, independentemente da punio ou dograu de culpa dos outros comparticipantes.

    30. A conduta do arguido Sandro no pode,com justeza considerar-se grave.

    31. Pelo atrs exposto, entende-se queno foram ponderados como deviam os critrioslegais para determinao da pena concreta e damedida da pena, pelo que o acrdo recorridoviolou o disposto nos artigos 70., 71. e 72.,todos do Cdigo Penal.

    32. Por ltimo, tendo o acrdo recorridocondenado o arguido Sandro ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de indemnizaoarbitrado taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n. 269/99, de 12 de Abril.

    33. Assim, impe-se que, caso o arguidoSandro seja efectivamente condenado no paga-mento de uma indemnizao ao queixoso, mesma devam acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado taxa de 10% desde adata do pedido at ao dia 16 de Abril de 1999 e taxa de 7% desde 17 de Abril de 1999 at integrale efectivo pagamento, sem prejuzo de diversataxa que venha a ser estabelecida posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro, e 268/99, de 12 de Abril.

    Nestes termos, requer-se seja dado provi-mento ao presente recurso, revogando-se oacrdo recorrido nos termos enunciados.

    B) Arguido Luciano Marques de Brito:

    1. So elementos essenciais do crime decoaco, previsto e punido pelo artigo 154. doCdigo Penal, o uso de violncia ou ameaa commal importante por parte do agente, com a inten-o de constranger o ofendido prtica de umaaco ou omisso ou a suportar uma actividade.

    2. Nos termos do artigo 22. do CdigoPenal, h tentativa quando o agente praticaractos de execuo de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se.

    3. O arguido Luciano no praticou quais-quer actos de execuo do crime de coaco.

    4. Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido Luciano se dirigiu moradaonde o queixoso se encontrava, subiu ao 1. an-dar dessa morada e a ficou, do lado de fora dogabinete do queixoso, nas escadas junto portaque d acesso ao mesmo.

    5. Por seu turno, resulta do acrdo recor-rido, e com isso se fundamenta a deciso, que oqueixoso afirmou ter sido agredido e constran-gido no interior do seu gabinete, no qual o ar-guido Luciano comprovadamente no entrou.

    6. Donde resulta que o constrangimentode que o queixoso possa ter sido alvo, por tersido cometido no interior do seu gabinete, nofoi praticado pelo ora recorrente.

    7. No se provou que o arguido Lucianotenha utilizado de violncia contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra esteameaas de males futuros.

    8. Igualmente no resultou provada que ainteno do arguido Luciano, ao dirigir-se mo-rada em causa, fosse a de praticar o crime decoaco.

    9. A presena do arguido Luciano nas es-cadas que do acesso ao gabinete do queixosono pode ser havida como acto de execuo docrime de coaco em nenhuma das modalidadesprevistas no artigo 22. do Cdigo Penal.

    10. Assim, os factos provados no inte-gram as circunstncias dos artigos 22., 23. e154. do Cdigo Penal.

    11. No tendo praticado qualquer acto deexecuo do crime de coaco, previsto e punidopelo artigo 154. do Cdigo Penal (em conformi-dade com a descrio de tais actos constante doartigo 22. do Cdigo Penal), o arguido Lucianodeve ser absolvido do crime de coaco na suaforma tentada, o que se requer.

    12. No o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto nos artigos 154.,22. e 23. do Cdigo Penal.

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    13. Caso assim no se entenda e venhaeste Tribunal considerar que o arguido Lucianocometeu o crime de coaco na forma tentada,considera o ora recorrente que a pena de prisoque lhe foi aplicada no se justifica e exageradano presente caso.

    14. verdade que o crime de coaco punvel com pena de priso ou pena de multa,em alternativa.

    15. No entanto, a aplicao da pena depriso deve reduzir-se ao indispensvel e apenas legtima quando, para os fins gerais e concretosde preveno, no se mostrem adequadas as me-didas no privativas de liberdade.

    16. Nos termos do artigo 71., n. 2, doCdigo Penal, a determinao da medida da pena feita em funo da culpa do agente e das exign-cias de preveno.

    17. A culpa do arguido Luciano foi aferidacom base em factos que em relao a si no seprovaram, como sejam o uso de violncia fsica ea ameaa com um mal futuro.

    18. Acresce que o arguido primrio;desde a data em que ocorreu o incidente em an-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento, como atesta o facto de o mesmo serprimrio; o arguido tem uma famlia constituda,pois vive em unio de facto; a mulher do arguidono trabalha, sendo domstica; o arguido tem umafilha com 1 ms de idade; o arguido scio deuma empresa do ramo da construo civil; o ar-guido trabalha; o arguido tem casa prpria, paraaquisio da qual recorreu a emprstimo ban-crio.

    19. Em suma, o arguido no um delin-quente e no necessita de ser reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.

    20. Entende-se que a pena de priso, en-quanto sano aplicada ao arguido Luciano, manifestamente exagerada e desajustada face snecessidades de preveno e represso futuras.

    21. Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o mesmo ser condenado pelaprtica de um crime de coaco na forma tentada,a sano a aplicar-lhe dever ser a pena de multa,o que se requer, a qual se dever ficar muito pr-xima do mnimo.

    22. Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena de priso, entende este

    que a pena aplicada pelo tribunal a quo deverser substancialmente reduzida.

    23. Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do crime em causa naforma tentada, por efeito da atenuao especialprevista nos artigos 23., n. 2, 72., n. 1, e 73.,n. 1, alneas a) e c), todos do Cdigo Penal, vaiat 2 anos de priso ou multa at 240 dias, enten-de-se que aplicar-lhe pena de priso e, em con-creto, exactamente metade da pena mxima depriso aplicvel ao caso, manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser redu-zida, o que se requer.

    24. Aos factos acima mencionados acresceque nos termos do artigo 29. do Cdigo Penalcada comparticipante punido segundo a suaculpa, independentemente da punio ou do graude culpa dos outros comparticipantes.

    25. A conduta do arguido Luciano bemdistinta da dos demais co-arguidos neste pro-cesso e por isso inaceitvel que seja condenado mesmssima pena.

    26. Pelo atrs exposto, entende-se queno foram ponderados como deviam os critrioslegais para determinao da pena concreta e damedida da pena, pelo que o acrdo recorridoviolou o disposto nos artigos 70., 71. e 72.,todos do Cdigo Penal.

    27. Por ltimo, tendo o acrdo recorridocondenado o arguido Luciano ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de indemnizaoarbitrado taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n. 269/99, de 12 de Abril.

    28. Assim, impe-se que, caso o arguidoLuciano seja efectivamente condenado no paga-mento de uma indemnizao ao queixoso, mesma devam acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado taxa de 10% desde adata do pedido at ao dia 16 de Abril de 1999 e taxa de 7% desde 17 de Abril de 1999 at integrale efectivo pagamento, sem prejuzo de diversataxa que venha a ser estabelecida posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro, e 269/99, de 12 de Abril.

    Nestes termos, requer seja dado provimentoao presente recurso, revogando-se o acrdorecorrido nos termos enunciados.

    Na sua douta resposta, a Ex.ma Magistrada doMinistrio Pblico no tribunal de 1. instncia

  • 66 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    pugnou pela improcedncia, na totalidade, de am-bos os recursos, por entender correctas as incri-minaes e ajustadas as penas.

    Subidos os autos a este Supremo Tribunal, oEx.mo Procurador-Geral Adjunto, quando da vistanos termos do artigo 416. do Cdigo de Pro-cesso Penal, pronunciou-se no sentido de nadaobstar ao conhecimento do recurso, Igual enten-dimento constou do despacho preliminar.

    Corridos os vistos, realizou-se a audincia comobservncia das formalidades legais, cumprindoagora decidir.

    II

    Relativamente deciso de facto, o doutoacrdo recorrido consignou:

    Factos provados (1):

    1 O queixoso Antnio Jos Correia Mar-tins era um dos scios da Termovouga Cons-trues e Planeamento, L.da

    2 O arguido Sandro era (em 1996) e ainda um dos scios gerentes da firma Tetiplaca Sociedade de Montagens e Construo Civil, L.da

    3 O arguido Luciano actualmente (desdeFevereiro de 1999) um dos scios da Tetiplaca,L.da, empresa que realizou uma obra para aTermovouga, L.da

    4 Em 7 de Maro de 1996, a Tetiplacaintentou uma aco declarativa de condenaocom processo ordinrio contra a Termovouga noTribunal Judicial de Almada, relacionada com adita obra realizada em Portalegre, na Escola Su-perior de Tecnologia e Gesto do Instituto Poli-tcnico de Portalegre.

    5 Em 30 de Setembro de 1996 foi tentada acitao da r na Rua de Santa Marta; tal dilign-cia no teve xito em virtude de o scio que aexerce a sua actividade profissional ter infor-mado o Tribunal que no tinha poderes para re-ceber a referida citao em virtude de j ter cessadoos poderes de gerncia e ter acrescentado que asede da r Termovouga se situava na Avenida daRainha D. Amlia, 18, rs-do-cho, direito, emLisboa.

    6 Em Janeiro de 1997, o arguido Sandroconsiderava que a Termovouga devia Tetiplacacerca de 2 000 000$00 correspondentes a partedo preo daquela obra, do que deu conhecimentoao arguido Luciano, seu irmo, e aos outros doisarguidos.

    7 Tendo descoberto o local onde o quei-xoso se encontrava a trabalhar, os dois arguidosjuntamente com os arguidos Antnio e Joo, nodia 10 de Janeiro de 1997, cerca das 10.30 horas,mediante prvio acordo, dirigiram-se Azinhagada Francelha, letras ASr, na Quinta do Figo Ma-duro, no Prior Velho, rea desta comarca.

    8 A chegados, pretextaram que queriamfalar com o queixoso a propsito de um negcio,tendo o mesmo disso sido informado pela suasecretria, na sequncia do que os mandou subirao gabinete onde se encontrava a trabalhar, si-tuado no 1. andar.

    9 O arguido Sandro, juntamente com osarguidos Antnio e Joo, entraram no gabinetedo queixoso, enquanto o arguido Luciano perma-necia porta numas escadas que davam acessoao mesmo.

    10 O arguido Sandro j dentro do referidogabinete exigiu ao queixoso que lhe desse o di-nheiro da dvida supra-referida.

    11 O queixoso negou-se a entregar-lhe qual-quer dinheiro, alegando que j no era scio daTermovouga e que nenhum conhecimento tinhada alegada dvida desta para com a Tetiplaca.

    12 Ento, um dos trs arguidos que esta-vam dentro do gabinete e que no foi possveldeterminar acercou-se do queixoso e, empurran-do-o contra a parede e os mveis e puxando-lheo n da gravata apertando-lhe o pescoo, exigiu--lhe que lhe desse o referido dinheiro, o que oqueixoso continuou a recusar.

    13. Na mesma ocasio e lugar o arguidoSandro derrubou um vaso que estava sobre umamesa do gabinete do queixoso e desferiu aindaempurres contra este.

    14 O queixoso gritou ento para Carla Ga-lego, a secretria que inicialmente tinha atendidoos arguidos e que estava num gabinete ao lado dodele, pedindo-lhe para esta chamar a polcia, oque ela tentou fazer, do que foi impedida por umdos arguidos, que no foi possvel determinar.

    15 Os arguidos, vendo que no conse-guiam os seus intentos, abandonaram as instala-

    (1) Subordinaremos a nmeros a indicao dos factos, pornossa iniciativa, para maior facilidade de referncia.

  • 67 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    es dizendo um deles, que no foi possvel de-terminar, ao queixoso que havia de pagar a dvidae que se no pagasse quem iria sofrer seria a suamulher e os seus filhos.

    16 Das agresses resultaram para o ofen-dido dores e incmodos de que no necessitou dereceber tratamento hospitalar.

    17 O ofendido ficou com medo.18 Ao actuar da forma descrita, de comum

    acordo e em conjugao de esforos, os arguidosquiseram valer-se da circunstncia de serem qua-tro e obrigar, pela violncia da fora e superiori-dade fsica, o ofendido a entregar-lhes o dinheiro,o que no conseguiram por razes alheias suavontade e quiseram faz-lo sentir medo das con-sequncias da sua recusa, o que conseguiram.

    19 O arguido Sandro quis ainda molestarfisicamente o queixoso.

    20 Agiram de forma livre e deliberada econhecendo a censurabilidade das suas condutas.

    21 O arguido Sandro solteiro.22 Exerce a profisso de carpinteiro, de

    que aufere cerca de 100 000$00/ms.23 Vive em casa de uns amigos.24 Tem o 8. ano.25 Afirmou que nunca respondeu nem tem

    processos pendentes.26 Confessou parcialmente os factos, ad-

    mitindo ter sido ele quem primeiro exigiu o di-nheiro ao queixoso e ter-lhe dado um empurro,mas sustentando que aquele o empurrou primeiro.

    27 O arguido Luciano solteiro mas viveem unio de facto, da qual tem um filho com1 ms de idade, sendo a companheira domstica.

    28 Exerce a profisso de pintor da cons-truo civil, de que aufere cerca de 150 000$00/ms;

    29 Vive em casa prpria, que adquiriu porrecurso ao crdito bancrio, suportando uma pres-tao mensal de 56 000$00.

    30 Tem o 7. ano.31 Afirmou que nunca respondeu nem tem

    processos pendentes.32 Confessou parcialmente os factos, admi-

    tindo ter permanecido nas escadas junto ao ga-binete do queixoso enquanto aqueles decorriam.

    Factos no provados:

    Foi o arguido Joo quem se acercou doqueixoso e, empurrando-o contra a parede e os

    mveis e puxando-lhe o n da gravata apertan-do-lhe o pescoo, lhe exigiu que lhe desse o di-nheiro;

    Os arguidos Sandro e Antnio se manti-nham junto porta do escritrio, impedindo oqueixoso de sair;

    O arguido Sandro tenha dito ao ofendidoque se no lhe desse o dinheiro lhe dava um tiroe que a sua famlia sofreria retaliaes, nem quetenha sido o mesmo arguido quem impediu a CarlaGalego de telefonar PSP;

    O queixoso deu um empurro ao arguidoSandro;

    O arguido Sandro, ao empurrar o queixoso,tenha visado defender-se e ser alvo de qualqueragresso;

    O arguido Sandro tenha empurrado o quei-xoso contra o mobilirio do escritrio;

    O arguido Sandro, ao sair das instalaes,tenha dito ao queixoso o senhor h-de pagaresta dvida;

    Das agresses infligidas pelos arguidosresultaram para o queixoso diversas contuses ehematomas;

    O ofendido, aps os factos, tenha alteradoo seu modo normal e habitual de vida e nuncamais viveu descansado, passando a viver commedo e num estado de permanente sobressalto,tal como a sua famlia;

    O ofendido tenha abandonado a sua resi-dncia durante dois meses, indo dormir para casade um irmo;

    O ofendido acorde frequentemente em so-bressalto e com sonhos relacionados com o seusequestro e o dos seus filhos menores;

    O preo da obra realizada a favor da Ter-movouga no tinha sido integralmente pago;

    A aco intentada em Almada tenha tidopor objecto o diferendo relativo ao pagamentodo preo;

    Durante um ano, a Termovouga furtou-se,de m f, citao naquela mesma aco e re-cusava as cartas de citao justificando que o nomeda empresa no estava completo, mudava de sede(para que as cartas fossem devolvidas) e mudavade gerncia (para obstar a que os representanteslegais fossem citados atravs de funcionrio);

    Durante a ano de 1996 foi impossvelcontactar via telefnica com a Termovouga;

  • 68 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    O arguido Sandro quando no dia dos factosse dirigiu s instalaes onde trabalhava o quei-xoso pretendia reunir com alguns dos respons-veis da Termovouga e pretendia propor um acordoe reduzir um pouco a dvida daquela;

    O arguido Sandro no dia dos factos estavaacompanhado dos restantes co-arguidos, porquede seguida iriam juntos para as instalaes deuma outra obra que tinham em curso;

    A nova morada da Termovouga fosse nolocal onde ocorreram os factos;

    Quando os arguidos chegaram ao referidolocal tenham perguntado onde era o gabinete dogerente da Termovouga;

    Apenas o arguido Sandro e o arguido Jooentraram no gabinete do queixoso;

    O arguido Luciano estava bem afastado daporta do gabinete do queixoso;

    O arguido Luciano pessoa calma e conci-liadora;

    A Termovouga protelou constantementeo cumprimento da sua obrigao, alegando de-feitos que no existiram. Do preo acordado(3 046 738$00), a Termovouga apenas pagou aquantia de 950 000$00;

    A Termovouga foi condenada na aco deAlmada;

    O arguido Sandro conseguiu apurar que aresponsabilidade dos defeitos alegados no eraimputvel sua empresa;

    A partir da 2. quinzena de Dezembro de1995, os gerentes da Termovouga deixaram deestabelecer quaisquer contactos e j nem sequerse dignavam receber nenhum dos scios da Teti-placa ou sequer atender as chamadas telefnicasdestes;

    Foi enviada carta para citao da r Termo-vouga para a sua sede sita na Avenida da RainhaD. Amlia, 18, rs-do-cho, direito, em Lisboa, aqual veio a ser devolvida com a meno Re-cusada em virtude de o nome da firma no estarcompleto;

    Foi enviada nova carta de citao da rTermovouga e enviada para a mesma morada, aqual foi devolvida com a meno Mudou-se semdeixar nova morada;

    A empresa do arguido Sandro requereuinformao Conservatria do Registo Comer-cial de Lisboa, tendo tomado conhecimento quea sede da Termovouga havia sido transferida;

    No incio de Janeiro de 1997, atravs doservio informativo 118 e depois de algumas di-ligncias e cruzamento de informaes, a em-presa do arguido Sandro conseguiu saber quetodos os trabalhadores da Termovouga e bemassim o queixoso se haviam mudado na totali-dade para a morada onde ocorreram os factos.

    Motivao da deciso de facto:

    A convico do Tribunal formou-se a partirda anlise crtica das declaraes dos prpriosarguidos, do depoimento das testemunhas ouvi-das e documentos juntos aos autos, tendo-seainda feito apelo ao conhecimento do mundo eda vida e s regras da experincia comum, prin-cipalmente no que concerne ao dolo.

    O arguido Sandro, como se provou, confes-sou parcialmente os factos. Admitiu mesmo terdado um empurro ao ofendido, s que susten-tou t-lo feito para se defender, o que no con-venceu, vista a superioridade fsica em que seencontrava, uma vez que estava acompanhadopelos outros trs arguidos.

    O arguido Luciano tambm confirmou queestava nas escadas junto ao gabinete o quei-xoso enquanto os seus co-arguidos estavam nointerior.

    Por seu turno, o queixoso confirmou ter sidoagredido e constrangido no interior do gabinete enegou ter empurrado algum dos arguidos, notendo, contudo, sido capaz de precisar qual opapel desempenhado por cada um dos arguidos.Igual testemunho foi prestado por Carla Galego,pessoa que atendeu inicialmente os arguidos e osencaminhou para o gabinete do queixoso, a qual,estando num gabinete ao lado do daquele, se aper-cebeu das intenes dos arguidos e tentou cha-mar a PSP, do que foi impedida por um dosarguidos, no sendo, todavia, capaz de identifi-car qual deles a impediu.

    Foi ainda importante o depoimento da teste-munha Jos Matos, trabalhador no mesmo localonde os factos ocorreram e que, alertado para osmesmos pela testemunha Carla Galego, acorreuao gabinete do queixoso, tentando acalmar os ni-mos do mesmo passo que viu o arguido Sandro aempurrar aquele.

    Tais depoimentos, embora com pequenas con-tradies aqui e ali, convenceram da iseno e doessencial afirmado.

  • 69 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    A testemunha Vtor Lopes, ouvida por depre-cada, que confirmou ter ouvido a discusso e depermeio barulhos de pontaps e pressentia em-purres, tambm no viu a quem eram dirigidosnem quem empurrava quem.

    Mais disse esta testemunha que nos dias se-guintes o queixoso denotava comportamentonormal.

    A testemunha Maria Granadeiro em nadacontribuiu para o esclarecimento dos factos oumesmo para o apuramento da personalidade dosarguidos.

    das regras da experincia comum que nin-gum se presta a ir a um local exigir dinheiro a umsuposto devedor sem que previamente saiba aoque vai.

    Tiveram-se em conta os documentos defls. 285 a 289, 324 a 332, 357 a 359 e 362 e 363(alguns deles repetidos) e atentou-se no certifi-cado do registo criminal dos arguidos (fls. 46, 89e 53).

    Por fim, deu-se crdito s declaraes dos ar-guidos no que concerne s respectivas situaespessoais, familiares e profissionais.

    III

    As questes a decidir so pois as seguintes:

    a) Os factos provados no integram a pr-tica por qualquer dos arguidos do crimede coaco na forma tentada, por queforam condenados como co-autores ma-teriais?

    b) O factualismo apurado no permite con-siderar cometido pelo arguido Sandro ocrime de ofensa integridade fsica sim-ples, em que o douto acrdo o condenoucomo co-autor material?

    c) A considerarem-se praticados pelos ar-guidos Sandro e Luciano os referidos cri-mes, as penas aplicadas deviam ter sidode multa e no de priso, atento o critriode escolha da pena estabelecido no artigo70. do Cdigo Penal?

    d) A concluir-se ser adequada a aplicao depenas de priso, as medidas concretas des-sas penas em que os arguidos foram con-denados apresentam-se excessivas, pordesproporcionadas face aos critrios doartigo 71. do Cdigo Penal.

    e) A manter-se a condenao dos arguidosno pagamento da indemnizao, deve seralterada a taxa dos juros no sentido de serno de 10% desde a data do pedido atintegral pagamento, mas de essa taxa res-peitar apenas ao perodo que decorre dadata do pedido at 16 de Abril de 1999,devendo a taxa, a partir dessa data, ser de7%, por fora da Portaria n. 266/99, de12 de Abril?

    1. Apreciemos a questo sintetizada sob aalnea a), relativa condenao dos arguidos pelocrime de coaco.

    Da conjugao dos factos provados com odisposto nos artigos 154., n.os 1 e 2, 22. e 26.,todos do Cdigo Penal, resultam integrados oselementos do tipo objectivo e do tipo subjectivodo crime de coaco, na forma tentada, pratica-dos pelos arguidos como co-autores materiais:

    O queixoso foi vtima de violncia, traduzidanos factos descritos sob os n.os 12, 13 e 16, e deameaas com mal importante para sua mulher eseus filhos, que lhe provocaram medo (factosdescritos sob os n.os 15 e 17), visando tais vio-lncia e ameaas praticados pelos arguidos levaro queixoso a, contra a sua vontade, portanto cons-trangido, entregar dinheiro que o arguido Sandroinvocava ser devido por empresa de que o quei-xoso seria scio a empresa de que eram scios elee o co-arguido Luciano(factos descritos sob osn.os 1 a 14);

    Os arguidos agiram com a inteno de conse-guir, por esses meios, forar o arguido entregado dinheiro, actuando de forma livre e deliberadae conhecendo a censurabilidade das suas condu-tas (factos descritos sob os n.os 18 e 20, conjuga-dos com os que o so sob os n.os 6 a 17 e 19),portanto com dolo, sob a forma de dolo directo;

    Os arguidos no conseguiram que o arguidoentregasse o dinheiro, apesar dos descritosactos, manifestamente de execuo [artigo 22.,n. 2, alneas a) e b), do Cdigo Penal], por vir-tude da reaco do queixoso, que se recusou afaz-lo e gritou para que a secretria chamasse apolcia, circunstncias estas independentes davontade dos arguidos (cfr. n.os 11, 14 e 15 doelenco dos factos provados e n. 1 do citado ar-tigo 22.);

  • 70 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    Todos os arguidos actuaram em harmonia comprvio acordo entre todos eles para a execuoconjunta do facto (n.os 7 e 18 do elenco dos fac-tos provados), execuo em que todos intervie-ram directamente e detendo e exercendo odomnio funcional do facto (incluindo o arguidoLuciano, que, ficando embora porta do gabi-nete do queixoso, no deixou de actuar em har-monia com o plano formulado ex ante de seremos quatro a apresentarem-se na empresa do quei-xoso para, pela superioridade fsica da resul-tante, conseguirem com xito o constrangimentoprojectado (cfr., nomeadamente, o n. 18 do elen-co dos factos provados);

    Agiram assim em co-autoria material (artigo26. do Cdigo Penal), pelo que os actos pratica-dos por cada um deles na execuo do referidoplano e de acordo com este so igualmente impu-tados, do ponto de vista da ilicitude, a todos osdemais (2).

    Improcede, pois, este fundamento comum aambos os recursos.

    2. Apreciemos agora a questo sintetizadasob a alnea b), relativa ao crime de ofensas integridade fsica simples em que o douto acrdocondenou tambm o recorrente Sandro.

    Pretende ele que no pode imputar-se-lhe aprtica deste crime por no ter ficado provadoque as dores sofridas pelo queixoso tenham resul-tado do empurro que esse arguido lhe deu.

    No lhe assiste, porm, razo.Os factos provados significam que a ofensa

    do corpo do queixoso, traduzida nas referidasdores, resultou adequadamente das descritasagresses praticadas pelo recorrente e co-argui-dos Antnio e Joo, em manifesta co-autoriamaterial, pelo que, como se referiu a propsitodo crime de coaco, so todos responsveis peloconjunto dos actos, e suas consequncias, prati-cados conjuntamente de harmonia com o planode execuo acordado, independentemente daautoria individual de cada um desses actos.

    Verifica-se porm que este crime de ofensa integridade fsica simples no se encontra em re-lao de concurso efectivo com o crime de coac-o, mas antes numa relao de concurso aparente,por consuno daquele crime por este. Tratan-do-se de ofensas corporais leves, devem efecti-vamente considerar-se integradas no elementotpico violncia do crime de coaco, cuja penaprevista abrange, nesse caso, a proteco do bemjurdico da integridade fsica prprio do tipo le-gal de crime do artigo 143. do Cdigo Penal (3).

    No deve por isso ser objecto de punio au-tnoma o crime de ofensa integridade fsicasimples.

    3. Apreciemos agora as questes relativas spenas, sintetizadas sob as alneas c) e d), nestemomento limitadas s referentes ao crime decoaco, atento o decidido quanto consunopor este do crime de ofensa integridade fsicasimples.

    Considerando as elevadas exigncias de pre-veno geral reflectidas no caso concreto, ligadasao fenmeno das cobranas de dvidas por meiode violncias ou ameaas integrantes de coaco,inadmissvel numa sociedade prpria de um Es-tado de direito democrtico, e ao circunstancia-lismo indiciador de significativas exigncias depreveno especial, traduzidas designadamentena actuao conjunta e por acordo de quatro agen-tes, a pena de multa no se apresenta como bas-tante para a realizao das finalidades da punio.

    por isso de manter a opo do douto acrdorecorrido pela pena de priso, considerado quefoi o disposto no artigo 70. do Cdigo Penal.

    Relativamente determinao, nos termos dosartigos 40. e 71. do Cdigo Penal, da medidaconcreta das penas, dentro de uma moldura abs-tracta que se situa entre um ms e dois anos depriso, atentas as disposies conjugadas dosartigos 154., n. 1, 23., n. 2, e 73., n. 1, al-neas a) e b), do Cdigo Penal, afigura-se-nos oseguinte:

    Considerando que a ilicitude se mostra de graumdio, que o dolo se reveste da forma directa e se(2) Neste sentido, cfr., v. g., Acrdos do Supremo Tribu-

    nal de Justia de 24 de Fevereiro de 1999, processo n. 1136/98, de 18 de Maro de 1999, processo n. 1116/98, de 6 deOutubro de 1999, processo n. 698/99, de 10 de Novembro de1999, processo n. 1008/99, de 15 de Dezembro de 1999, pro-cesso n. 723/99.

    (3) Neste sentido, cfr., v. g., Taipa de Carvalho e PaulaRibeiro de Faria, Comentrio Conimbricense do Cdigo Pe-nal, parte especial, tomo I, pgs. 368 e 217, respectivamente.

  • 71 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    apresenta intenso, mais pronunciado relati-vamente ao arguido Sandro, e atendendo s pro-vadas condies pessoais e profissionais dosarguidos, a indiciar razovel integrao social; ebem assim ausncia de antecedentes criminais,circunstncia a relacionar com as idades dos ar-guidos, as penas de 10 meses para o arguidoSandro e de 7 meses para o arguido Luciano apre-sentam-se como adequadas ao grau de culpa decada um dos arguidos (cfr. artigo 29. do CdigoPenal), s fortes necessidades concretas de pre-veno geral positiva ou de integrao e, dentroda moldura de preveno geral, tambm s apre-civeis exigncias de preveno especial de so-cializao.

    Atendendo, porm, ausncia de anteceden-tes criminais dos arguidos, s suas idades e cir-cunstncia de estarem profissionalmente beminseridos, apresenta-se como positivo o juzo deprognose no sentido de que a simples censura dofacto e a ameaa da priso realizam de formaadequada e bastante as finalidades, essencialmentepreventivas, da punio.

    Por isso, nos termos do artigo 50., n. 1, doCdigo Penal, deve suspender-se, pelo perodode dois anos, a execuo das penas de priso emque os arguidos vo condenados.

    Por virtude dessa suspenso, no de con-siderar a aplicao de perdo nos termos da Lein. 29/99, de 12 de Maio, atento o disposto noartigo 6. dessa lei.

    4. Relativamente questo dos juros, sinte-tizada sob a alnea e), assiste razo aos arguidos,porm com a correco de que a taxa de 7% devida desde a data de 12 de Abril de 1999, porfora da Portaria n. 263/99.

    IV

    Em conformidade, julgando em parte proce-dente o recurso, revoga-se parcialmente o doutoacrdo recorrido, decidindo-se:

    a) Condenar os arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques de Brito,como co-autores materiais de um crimede coaco na forma tentada, previsto epunido pelas disposies combinadas dosartigos 154., n.os 1 e 2, 22., 23., n.os 1 e2, e 73., n. 1, alneas a) e b), todos doCdigo Penal, nas penas, respectiva-mente, de 10 e 7 meses de priso;

    b) Absolver o arguido Sandro Marques deBrito do crime de ofensa integridade f-sica simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143., n. 1, do Cdigo Penal, por seencontrar numa relao de consuno como crime de coaco referido na alnea a);

    c) Suspender, pelo perodo de dois anos, nostermos do artigo 50., n. 1, do CdigoPenal, as penas, referidas na alnea a), emque os arguidos vo condenados;

    d) Determinar que a taxa dos juros vencidose vincendos relativos indemnizao emque os arguidos foram condenados serde 7% no perodo posterior a 12 de Abril,por fora da Portaria n. 263/99, sem pre-juzo de diversa taxa legal que venha a serestabelecida posteriormente.

    So devidas custas pelos arguidos, fixando-sea taxa de justia em 6 UCs.

    Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

    Gomes Leandro (Relator) Virglio Oli-veira Mariano Pereira Leonardo Dias.

    DECISO IMPUGNADA:

    Acrdo de 28 de Outubro de 1999 da 3. Seco da 7. Vara Criminal de Lisboa, processon. 493/98.

    I Est de acordo com o entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudncia relativamenteaos elementos tpicos do crime de coaco e tentativa. Cfr., v. g., Amrico Taipa de Carvalho,Comentrio Conimbricense do Cdigo Penal, parte especial, tomo I, pgs. 352 e seguintes, MaiaGonalves, Cdigo Penal Portugus Anotado e Comentado, 14. ed., 2001, pgs. 523 e 524, Leal-

  • 72 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    -Henriques/Simas Santos, Cdigo Penal Anotado, vol. 2., 3. ed., referncias doutrinrias e resenhajurisprudencial a pgs. 314 e seguintes.

    II Corresponde a posies pacficas da doutrina e da jurisprudncia no domnio da co-autoria.Cfr., v.g., Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, pgs. 245 e segs.,Figueiredo Dias, Direito Penal, sumrios, 1976, pgs. 56 e segs., Maria da Conceio S. Valdgua,Incio da Tentativa do Co-Autor, Lex, Lisboa 1993, pgs. 137 e segs., Faria e Costa, Formas docrime, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judicirios, 1983, pgs. 169 e seguintes.

    III Neste sentido, v. g., Amrico Taipa de Carvalho, Comentrio Conimbricense do CdigoPenal, Parte Especial, tomo I, pg. 368, Paula Ribeiro de Faria, Comentrio Conimbricense doCdigo Penal, parte especial, tomo I, pg. 217. Ver, ainda, Maia Gonalves, Cdigo Penal PortugusAnotado e Comentado, 14. ed., 2001, anotaes ao artigo 154.

    IV Sobre o critrio de escolha da pena, cfr., v.g., Robalo Cordeiro, A determinao da pena,Jornadas de Direito Criminal Reviso do Cdigo Penal Alteraes ao Sistema Sancionatrioe Parte Especial, II, Centro de Estudos Judicirios, pgs. 47 e 48, Figueiredo Dias, Direito PenalPortugus As Consequncia Jurdicas do Crime, Aequitas/Editorial Notcias, pgs. 329 e se-guintes.

    (R. S. O.)

    Crime de abuso de confiana Elementos tpicos Requisitosda sentena Fundamentao Enumerao dos factos noprovados Indicao e exame crtico das provas Recurso Fundamentos do recurso Contradio insanvel da funda-mentao Erro notrio na apreciao da prova

    I So elementos tpicos do crime de abuso de confiana no actual Cdigo Penal,quer na verso inicial de 1982, quer na de 1995:

    a) A entrega ao agente, por ttulo no translativo de propriedade, de coisamvel, entrega essa livre e vlida, em virtude de uma relao fiduciriaentre o agente e o dono ou detentor da coisa, que constitua aquele naobrigao de afectar a coisa mvel, que lhe foi entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, a um uso determinado ou naobrigao de a restituir;

    b) A posterior obrigao da coisa mvel pelo agente, contra a vontadedo proprietrio ou legtimo detentor desta, atravs da prtica de actosque exprimem a inverso do ttulo de posse, isto , que o agente passoua dispor da coisa ut dominus, com animus rem sibi habendi, integran-do-se no seu patrimnio;

    c) A conhecimento pelo agente dos elementos descritos sob as alneas a)e b) e a vontade de realizar o referido sob a alnea b) ou a conscinciade que da conduta resulta a sua realizao como consequncia neces-sria ou como consequncia possvel e conformando-se, neste ltimocaso, com o resultado.

  • 73 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    II Resultando do elenco dos factos provados que o arguido, no uso de poderesque o assistente lhe outorgara por procurao, onde se diz que constituda no interessedo mandatrio e que este fica isento de prestao de contas, celebrou com terceirocontrato-promessa e subsequente contrato de venda de bem imvel do assistente, pelopreo de 20 000 000$00, que recebeu, depositou na sua conta bancria e no entregouao assistente, apesar de este lho ter solicitado, mas tendo sido considerado no provadoque o arguido se apropriasse dos 20 000 000$00 entregues como preo da venda efec-tuada, que tal preo no lhe pertencesse, que agisse livre, deliberada e conscientementea fim de se apoderar de tal preo, que o fizesse contra a vontade do seu dono e queconhecesse a ilicitude da sua conduta, manifesto que no podem considerar-se integra-dos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de abuso de confiana, pelo quese impunha a decidida absolvio do arguido.

    III Sendo de reconhecer que a indicao dos factos considerados no provadosganharia em clareza substancial e diminuio do risco de aparncia de conclusividadese efectuada com referncia mais directa, concreta e pormenorizada a factualismo apon-tado na pronncia, e sendo tambm de considerar que a indicao e o exame crtico dasprovas que fundamentaram a deciso de facto no se revestiu da explicitao que seriamais desejvel para a melhor compreenso e sindicabilidade, em recurso do processolgico-racional que levou a essa deciso, certo que a considerao da globalidade dadeciso de facto e da sua fundamentao leva a ter essa deciso por suficientementecompreensvel, coerente e justificada, por isso no contraditria, no enfermando deerro notrio na apreciao da prova nem de insuficincia de fundamentao.

    IV Resultando dessa globalidade ter-se por no provado que o dinheiro nopertencesse ao arguido e que este tivesse agido com a vontade de se apoderar do di-nheiro, tendo a conscincia que ele no lhe pertencia, tal no implica contradioinsanvel com o facto provado de o arguido ter depositado em seu nome e no ter entre-gue ao assistente o dinheiro do preo do bem quando da venda, no uso de poderesconferidos por procurao constituda no interesse do mandatrio e isentando este daprestao de contas.

    V Tal no significa tambm erro notrio na apreciao da prova, no sentido defacilmente apreensvel pelo homem mdio com a experincia de julgados, vcio esse que,como o anterior, excludo pela considerao de que no foi possvel esclarecer a razode ser da outorga da procurao nesses termos e que da experincia comum que estespodem corresponder vontade de outorga de uma procurao para realizao de umnegcio em nome do outorgante mas no interesse do procurador, em harmonia com aeventual existncia de negcio jurdico subjacente de datio pro solvendo ou outro, dapodendo resultar que o procurador no tenha a obrigao de entregar o recebido emconsequncia do uso dos poderes resultantes da outorga da procurao, nem de prestarcontas.

    VI De igual modo, no se verifica insuficincia de fundamentao pois mostra-sesuficientemente esclarecido que a globalidade da deciso de facto resultou de no tersido possvel obter prova testemunhal ou documental que infirmasse ou confirmasse asverses do arguido e do assistente, designadamente quanto s razes da outorga daprocurao com as referidas clusulas de o ser no interesse do procurador e isentandoeste do dever de prestar contas.

    SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo n. 779/99

  • 74 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    ACORDAM no Supremo Tribunal de Justia:I

    Pelo tribunal colectivo de crculo de Portimofoi julgado o arguido Antnio Olmpio de Albu-querque Pereira, casado, agricultor, nascido a15 de Maro de 1942, filho de Olmpio da Con-ceio e de Manuela Camarate de Albuquerque,natural de Milharado, Mafra, e residente no Mor-gado do Alte, Loul, acusado pelo digno agentedo Ministrio Pblico e pelo assistente EjlerSchmidt da prtica, como autor material, de umcrime de abuso de confiana, previsto e punidopelo artigo 300., n.os 1 e 2, alnea a), do CdigoPenal, verso de 1982, a que corresponde actual-mente o artigo 205., n.os 1 e 4, alnea b), doCdigo Penal, verso de 1995.

    O assistente deduziu ainda pedido de indem-nizao civil no montante de 27 666 000$00.

    Por acrdo de 11 de Julho de1997 daqueletribunal, foi o arguido absolvido do crime e dopedido de indemnizao civil.

    Desta deciso recorreu o assistente para oSupremo Tribunal de Justia, que, pelo acrdode fls. 415 e seguintes, julgou procedente o re-curso, declarando nulo o acrdo recorrido, porviolao do artigo 379., alnea a), referido aoartigo 374., ambos do Cdigo de Processo Pe-nal, e determinando a repetio do acto decisrio,pelo mesmo tribunal, para cumprimento do pres-crito no citado artigo 374.

    Baixados os autos e reunido de novo o tribu-nal colectivo, veio a ser proferido acrdo peloqual o arguido foi igualmente absolvido dos refe-ridos crime e pedido de indemnizao civil.

    De novo recorreu o assistente e o SupremoTribunal de Justia, pelo acrdo de fls. 454 eseguintes, decidiu igualmente no sentido da nuli-dade do novo acrdo, prevista no artigo 379.,alnea a), com referncia ao artigo 374., ambosdo Cdigo de Processo Penal, determinando queo tribunal de 1. instncia procedesse ao sanea-mento dessa nulidade.

    Em sequncia de tal determinao, o mesmotribunal colectivo proferiu o acrdo de fls. 465a 471, que de novo absolveu o arguido do crime edo pedido de indemnizao civil.

    O assistente novamente recorreu desta deci-so, formulando na sua motivao as seguintesconcluses:

    a) No acrdo recorrido afirmado que nose provou que o arguido se tivesse apro-priado de 20 000 000$00 entregues comopreo da venda efectuada e que tal preono lhe pertencesse. Factos que esto emcontradio com os factos tambm pro-vados, de que o arguido vendeu um bemdo mandante, recebeu 20 000 000$00 edepositou na sua conta bancria, tendosido interpelado para os pagar;

    b) Quem vende o bem de terceiro no mbitode um mandato e no lhe faz a entrega domontante recebido, aps ter sido interpe-lado para o fazer, tem necessariamenteinteno de apropriao e apropria-seefectivamente dessa importncia, mesmoque no texto da procurao tenha ficadoestabelecido que o procurador estavaisento de prestar contas;

    c) A matria dada como no provada noconsubstancia verdadeiros factos, masantes concluses tiradas dos factos pro-vados, contudo, em sentido contrrio,acabando por contrari-los.

    Existe assim contradio insanvel dafundamentao, o que determina o reenviodo processo para novo julgamento, tendoem conta o disposto nos artigos 410.,n. 2, alnea b), e 426. do Cdigo de Pro-cesso Penal;

    d) Da matria dada como provada e que aquise d por integralmente reproduzida, ve-rifica-se que se encontram preenchidosos elementos do tipo de crime de que oarguido vinha pronunciado;

    e) No condenando o arguido, o tribunal esta cometer um erro na apreciao da prova,facto que determina o reenvio do pro-cesso para novo julgamento ao abrigo dodisposto nos artigos 426. e 410., n. 2,alnea c), do Cdigo de Processo Penal;

    f) Por outro lado, continua o acrdo recor-rido sem estar suficientemente fundamen-tado, pois a explicao que se veio dar,com elaborao de novo acrdo, em nadade palpvel acrescenta aos anteriores acr-dos;

  • 75 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    g) Ficmos a saber que as testemunhas nopuseram em causa as declaraes do as-sistente e arguido, mas, no sabendo oque estes declararam, ficamos na mesma;

    h) Ao nvel do direito, apenas dito que,por no ler havido apropriao ilegtima(uma concluso e no um facto), nohouve inverso do ttulo de posse e, con-sequentemente, crime;

    i) O tribunal tinha de explicar porque queconsidera no ter havido apropriao ile-gtima, no o fazendo, ficamos sem sabera razo da afirmao;

    j) Por outro lado, no respondeu o colec-tivo ao facto indicado no n. 7 da pronn-cia e que consistia em saber se o arguidolinha entregue a quantia recebida ao seulegtimo dono;

    k) Estando ns no mbito de crime de abusode confiana, essencial saber se o ar-guido entregou ou no o montante emcausa ao seu legtimo dono. Da leiturado acrdo pode-se tirar a concluso deque esse montante no foi entregue, con-tudo, tratando-se de um facto essencial, omesmo tinha de estar indicado como pro-vado ou no provado;

    l) H assim falta de fundamentao do acr-do recorrido, facto que acarreta a suanulidade, tendo em conta do disposto nosartigos 374., n. 2, e 379., alnea a), doCdigo de Processo Penal.

    Nestes termos e nos demais de direito queVV. Ex.as doutamente supriro deve:

    a) Ser declarado que existem contradiesinsanveis na fundamentao do acrdorecorrido, bem como erro notrio na apre-ciao da prova, e, consequentemente,ordenar-se o reenvio do processo paranovo julgamento relativamente totali-dade do objecto;

    Caso assim doutamente no se entenda,b) Ser declarado que o acrdo nulo por

    falta de fundamentao, ordenando-se acorreco do mesmo.

    Na sua resposta, a Ex.ma Magistrada do Mi-nistrio Pblico defendeu a manuteno do jul-

    gado, por entender no ter o acrdo incorridoem qualquer dos vcios invocados.

    Tambm o arguido apresentou motivao, sa-lientando que o acrdo deve ser mantido por-que est legalmente bem fundamentado e resultado factualismo provado a ausncia de ilicitude ede inteno criminosa por parte do arguido, es-tando pendente no tribunal civil a questo essen-cial, consistente em saber se o arguido deve ouno prestar contas.

    Subidos de novo os autos ao Supremo Tribu-nal de Justia, o Ex.mo Procurador-Geral Ad-junto, na sua promoo quando da vista nos ter-mos do artigo 416. do Cdigo de ProcessoPenal, pronunciou-se no sentido de nada obstarao conhecimento do recurso. Igual entendimentofoi expresso no despacho preliminar.

    Corridos os vistos, teve lugar a audincia dejulgamento com observncia do formalismo le-gal, cumprindo agora apreciar e decidir.

    II

    De acordo com a jurisprudncia pacficadeste Supremo Tribunal, o mbito do recurso definido pelas concluses extradas pelos recor-rentes das respectivas motivaes, sem prejuzodo conhecimento oficioso de certos vcios ou nu-lidades, ainda que no invocados ou arguidas pe-los sujeitos processuais.

    As questes a decidir respeitam, pois, aosinvocados vcios da contradio insanvel da fun-damentao, do erro notrio na apreciao daprova e da nulidade resultante de insuficincia dafundamentao.

    III

    Relativamente deciso de facto, consignou--se no acrdo recorrido:

    Discutida a causa resultou assente que:

    1 Ejler Schmidt outorgou, em 1 de Abrilde 1992, no Cartrio Notarial de Silves, uma pro-curao, que entregou, nessa data, ao arguido,Antnio Olmpio de Albuquerque Pereira, na qualconferia poderes para este, em nome daquele,alm do mais, vender pelo preo, condies eoutras clusulas que entendesse, a pessoa que

  • 76 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    lhe aprouvesse, receber o preo e dar quitao,assinar e outorgar quaisquer documentos pbli-cos ou particulares, tudo relativamente a im-veis de sua propriedade e na qual se consigna quea mesma constituda no interesse do manda-trio e o procurador isento da prestao decontas.

    2 Com uso de tal procurao, o arguidoassinou no dia 5 de Maio de 1992, no CartrioNotarial de Silves, um contrato-promessa comeficcia real, titulado por escritura pblica, noqual, em representao de Ejler Schmidt, pro-meteu vender sociedade REFI Dados Fis-cais, Econmicos e Financeiros, L.da, pelo preode 20 000 000$00, o lote de terreno para cons-truo urbana, designado por lote 12, com a reade 888 m2, no stio das Sesmarias, concelho deAlbufeira, descrito na Conservatria do RegistoPredial de Albufeira sob o n. 926, lote esse deEjler Schmidt.

    3 Por escritura pblica outorgada no Car-trio Notarial de Silves em 1 de Julho de 1992, oarguido vendeu, em nome e representao de EjlerSchmidt, o referido lote aludida sociedade, pelopreo de 20 000 000$00.

    4 Como pagamento do preo acima men-cionado a aludida sociedade entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, atravs de doischeques n.os 3 372 652 225 e 3 372 649 879, doBanco Comercial Portugus, passados ordemdo mesmo e que o arguido depositou na sua con-ta bancria aberta na Caixa de Crdito AgrcolaMtuo de Alte.

    5 Ejler Schmidt solicitou ao arguido o pa-gamento de 20 000 000$00 referidos em 3.

    No se provou que:

    O arguido lograsse obter a procurao a quese alude nos autos;

    O arguido se apropriasse de 20 000 000$00,entregues como preo da venda efectuada;

    Tal preo no lhe pertencesse;O arguido agisse livre, deliberada e conscien-

    temente, a fim de se apoderar de tal preo;E que o fizesse contra a vontade do seu dono;Fundamenta-se o tribunal no teor dos do-

    cumentos juntos aos autos, nomeadamente os defls. 9 a 11, 12 a 17, 18 a 21, 22 a 25 e 106 a 109,bem como no teor das declaraes do arguido edas testemunhas prestadas em audincia final.

    E, quanto aos factos no provados, na ausn-cia de qualquer meio de prova conclusivo emsentido divergente.

    Concretamente, determinam a convico dotribunal quanto aos factos retroconsignados:

    1 O teor do documento de fls. 9 a 11,conjugado com as declaraes do arguido queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados, com ponderao das declaraes do assis-tente quanto aos factos pessoais por este pro-duzidos;

    2 O teor do documento de fls. 12 a 17,conjugado com as declaraes do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

    3 O teor do documento de fls. 18 a 21,conjugado com as declaraes do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

    4 O teor do documento de fls. 106 a 109,conjugado com as declaraes do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

    5 O teor do documento de fls. 22 a 25,conjugado com as declaraes do arguido, queincidiram sobre factos pessoais por este pratica-dos, e as declaraes do assistente quanto aosfactos pessoais por este produzidos.

    As testemunhas, por sua parte, depuseramcom iseno e imparcialidade, no pondo emcausa o declarado pelo arguido e assistente, nemo teor dos documentos, no permitindo assimuma valorao distinta dos factos no provados.

    Acresce que da prova produzida e, nomeada-mente, das declaraes do arguido e assistenteno se logrou obter qualquer explicao para arazo de ser do teor da procurao emitida poreste a favor daquele.

    A apreciao das referidas questes implicaque se tenham ainda em conta os factos impu-tados ao arguido na pronncia, que o acrdorecorrido alis reproduziu no respectivo relat-rio e cuja especfica considerao facilita a com-preenso da fundamentao e da deciso desseacrdo.

    Esses factos so os seguintes:

    1. Ao queixoso Ejler Schmidt, melhor iden-tificado nos autos a fls. 142, pertencia um ter-

  • 77 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    reno para construo, designado por lote 12, coma rea de 888 m2, sito no stio das Sesmarias,freguesia e concelho de Albufeira;

    2. O arguido logrou que lhe fosse entregueuma procurao assinada pelo queixoso no dia1 de Abril de 1992 no Cartrio Notarial de Sil-ves, na qual lhe foram conferidos poderes para,em nome do queixoso, alm do mais, vender pelopreo, condies e outras clusulas que enten-desse, a pessoa que lhe aprouvesse, receber opreo e dar quitao, assinar e outorgar quais-quer documentos pblicos ou particulares, tudorelativamente a imveis de propriedade do quei-xoso cfr. documento de fls. 10 e 11;

    3. Fazendo uso dos poderes que lhe foramconferidos, o arguido no dia 5 de Maio de 1992,no Cartrio Notarial de Silves, assinou um con-trato-promessa com eficcia real, titulado por es-critura pblica, no qual, em representao do quei-xoso, prometeu vender sociedade TRF-FL Dados Fiscais, Econmicos e Financeiros, L.da,melhor identificada nos autos a fls. 13, pelo pre-o de 20 000 000$00, o prdio designado porlote 12, sito no stio das Sesmarias, concelho deAlbufeira sob o n. 926, prdio esse pertencenteao queixoso cfr. documento de fls. 14 a 17;

    4. Por escritura pblica outorgada no Car-trio Notarial de Silves em 1 de Julho de 1992, oarguido, em nome e representao do queixoso,vendeu o referido prdio aludida sociedade pelopreo de 20 000 000$00 cfr. documento defls. 18 a 21;

    5. Como pagamento do preo acima men-cionado a aludida sociedade entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, o que fez atravsde dois cheques (cheque n.os 3 372 652 225 e3 372 649 897, ambos sacados sobre o BancoComercial Portugus) passados ordem domesmo cfr. documento de fls. 104 a 106;

    6. Tais quantias foram depositadas numaconta bancria que o arguido tinha aberta em seunome na Caixa de Crdito Agrcola Mtuo deAlte;

    7. O arguido, apesar de saber que aquelemontante que lhe foi entregue no lhe pertencia,visto que resultava da venda de um bem perten-cente ao ofendido e apesar de saber que o factode a procurao que lhe foi entregue o dispensarde prestar contas no o legitimava a apropriar-sedo produto da referida venda, no se coibiu de se

    apoderar daquela quantia, no a tendo entregueao seu legtimo dono, mau grado ter sido instadopara o efeito;

    8. Agiu de modo livre e voluntrio e com opropsito de se apoderar do valor de um patri-mnio que sabia no ser seu, bem sabendo tam-bm que o fazia contra a vontade do respectivodono e que a sua conduta era contrria lei.

    E importa ainda ter presente os elementostpicos do crime de abuso de confiana no actualCdigo Penal, quer na verso inicial de 1982,quer na de 1995:

    a) A entrega ao agente, por ttulo no trans-lativo de propriedade, de coisa mvel, en-trega essa livre e vlida, em virtude deuma relao fiduciria entre o agente e odono ou detentor da coisa, que constituaaquele na obrigao de afectar a coisamvel, que lhe foi entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, aum uso determinado ou na obrigao de arestituir;

    b) A posterior apropriao da coisa mvelpelo agente, contra a vontade do proprie-trio ou legtimo detentor desta, atravsda prtica de actos que exprimem a inver-so do ttulo de posse, isto , que o agentepassou a dispor da coisa ut dominus, comanimus rem sibi habendi, integrando-a noseu patrimnio;

    c) O conhecimento pelo agente dos elemen-tos descritos sob as alneas a) e b) e a von-tade de realizar o referido sob a alnea b)ou a conscincia de que da conduta re-sulta a sua realizao como consequncianecessria ou como consequncia poss-vel e conformando-se, neste ltimo caso,com o resultado.

    1. Apreciando:

    Os factos descritos sob os n.os 1 a 5 do elencodos factos provados significam que o arguido, nouso de poderes que o assistente lhe outorgarapor procurao onde se diz que constitudano interesse do mandatrio e que este fica isentode prestao de contas, celebrou com terceirocontrato-promessa e subsequente contrato devenda de bem imvel do assistente, pelo preo

  • 78 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    de 20 000 000$00, que o arguido recebeu, depo-sitou na sua conta bancria e no entregou aoassistente, apesar de este lho ter solicitado.

    Foi porm considerado no provado que oarguido se apropriasse dos 20 000 000$00 en-tregues como preo da venda efectuada que talpreo no lhe pertencesse, que o arguido agisselivre, deliberada e conscientemente, a fim de seapoderar de tal preo que o fizesse contra avontade do seu dono e que o arguido conhe-cesse a ilicitude da sua conduta.

    de reconhecer que a indicao dos factosconsiderados no provados ganharia em clarezasubstancial e diminuio do risco de aparncia deconclusividade se efectuada com referncia maisdirecta, concreta e pormenorizada a todo ofactualismo apontado nos artigos 7. e 8. da pro-nncia. E de considerar que a indicao e oexame crtico das provas que fundamentaram adeciso de facto no se revestiu da explicitaoque seria mais desejvel para a melhor com-preenso e sindicabilidade em recurso do pro-cesso lgico-racional que levou a essa deciso.

    Contudo, a considerao da globalidade dadeciso de facto e da sua fundamentao leva ater essa deciso por suficientemente compreen-svel, coerente e justificada, por isso no contra-ditria, no enfermando de erro notrio naapreciao da prova nem de insuficincia de fun-damentao. Verifica-se efectivamente:

    No h necessariamente a apontada contradi-o entre a fundamentao e a deciso e o invo-cado erro notrio na apreciao da prova porqueo que resulta dessa globalidade ter-se por noprovado que o dinheiro no pertencesse ao ar-guido e que este tivesse agido com a vontade dese apoderar do dinheiro, tendo a conscincia queele no lhe pertencia. O que no implica contra-dio insanvel com o facto provado de o ar-guido ter depositado em seu nome, e no terentregue ao assistente o dinheiro do preo dobem quando da venda no uso de poderes conferi-dos por procurao constituda no interesse domandatrio e isentando este da prestao decontas. E tambm no significa erro notrio naapreciao da prova, no sentido de facilmenteapreensvel pelo homem mdio com a experin-cia de julgador. Exclui qualquer desses vcios aconsiderao de que no foi possvel esclarecer arazo de ser da outorga da procurao nesses

    termos e que da experincia comum que estespodem corresponder vontade de outorga deuma procurao para realizao de um negcioem nome do outorgante mas no interesse do pro-curador, em harmonia com a eventual existnciade negcio jurdico subjacente de datio pro sol-vendo ou outro, da podendo resultar que o pro-curador no tenha a obrigao de entregar orecebido em consequncia do uso dos poderesresultantes da outorga da procurao, nem deprestar contas (1).

    Tambm no se verifica a invocada insuficin-cia de fundamentao, pois resulta suficiente-mente esclarecido que a globalidade da referidadeciso de facto resultou de no ter sido possvelobter prova testemunhal ou documental queinfirmasse ou confirmasse as verses do arguidoe do assistente, designadamente quanto s ra-zes da outorga da procurao com as referidasclusulas de o ser no interesse do procurador eisentando este do dever de prestar contas.

    Assente o factualismo provado e no pro-vado, manifesto que no podem considerar-seintegrados os elementos do tipo objectivo e sub-jectivo do crime de abuso de confiana, acimareferidos, pelo que se impunha a decidida absol-vio do arguido.

    IV

    Em conformidade, julgando-se improcedenteo recurso, confirma-se o douto acrdo recorrido.

    Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa dejustia em 6 UCs.

    Fixa-se em 18 000$00 os honorrios Ex.ma Defensora Oficiosa.

    Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

    Gomes Leandro (Relator) Leonardo Dias Virglio Oliveira Mariano Pereira.

    (1) Cfr., artigos 265., n. 3, 1170., n. 2, e 840. do CdigoCivil e, v. g., Pires de Lima e Antunes Varela, Cdigo CivilAnotado em anotaes aos citados artigos.

  • 79 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    DECISO IMPUGNADA:

    Acrdo de 9 de Abril de 1999 do Tribunal de Crculo de Portimo, processo n. 3/97.

    I abundante a jurisprudncia sobre o crime de abuso de confiana e respectivos elementostpicos.

    De entre ela, podem ver-se, v. g., os acrdos de 24 de Abril de 1991, processo n. 41 555; de 12de Maio de 1994, processo n. 45 977; de 4 de Dezembro de 1996, processo n. 47 271; de 18 deDezembro de 1997, processo n. 701/97; de 19 de Novembro de 1998, processo n. 925/98; de 15 deMaio de 1999, processo n. 265/99, e de 2 de Fevereiro de 2000, processo n. 606/99, todos na basede dados informatizada da jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia.

    II muito vasta e constante a jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia sobre afundamentao da sentena. Entre os mais recentes, cfr. os acrdos de 16 e de 30 de Junho de 1999,Boletim do Ministrio da Justia, n. 488, pgs. 262 e 272, respectivamente, bem como os recenseadosnas anotaes correspondentes.

    Concretamente sobre o exame crtico das provas, exigido pelo artigo 374., n. 2, do Cdigo deProcesso Penal, na redaco introduzida pela Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, cfr. o acrdo de 25 deNovembro de 1999, Boletim do Ministrio da Justia, n. 491, pg. 200.

    III tambm muito vasta e uniforme a jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia sobrea contradio insanvel da fundamentao e o erro notrio na apreciao da prova:

    a) Quanto ao primeiro vcio, cfr., entre os mais recentes, os acrdos de 7 de Outu-bro de 1999, Boletim do Ministrio da Justia, n. 490, pg. 167; de 2 deDezembro de 1999, processo n. 790/99 5. Seco, Sumrios de Acrdosdo Supremo Tribunal de Justia, n. 36, pg. 64, e de 30 de Novembro de2000, processo n. 2188/2000 5. Seco, ibidem, n. 45, pg. 87.

    b) Quanto ao segundo, cfr. os acrdo de 16 de Junho de 1999, Boletim do Minis-trio da Justia, n. 488, pg. 262; 20 de Outubro de 1999, ibidem, n. 490,pg. 190, e, bem assim, os indicados nas respectivas anotaes; 25 de Novem-bro de 1999, processo n. 641/99 5. Seco, Sumrios de Acrdos do Su-premo Tribunal de Justia, n. 35, pg. 92, e de 2 de Dezembro de 1999, pro-cesso n. 790/99 5. Seco, ibidem, n. 36, pg. 64.

    (E. A. M.)

  • 80 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    Perda de instrumentos Produtos e vantagens do crime Os artigos 109. e 111. do Cdigo Penal

    Enquanto o artigo 109., n. 1, do Cdigo Penal prev a perda com fundamento naperigosidade imediata dos instrumentos ou objectos relacionados com o facto ilcitotpico, o artigo 111. do mesmo diploma trata da perda das vantagens patrimoniaisconseguidas ilicitamente, que se apresenta, no como uma pena acessria, mas sim comouma medida destinada a restabelecer a ordem econmica conforme o direito, condu-zindo a uma justa privao dos benefcios ilicitamente obtidos e que s indirecta eimprecisamente se poderia conseguir com a multa, elevando a taxa diria ou impondomulta cumulativamente com priso.

    SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo n. 2102/2000

    ACORDAM na Seco Criminal do SupremoTribunal de Justia:

    1. Na Vara Mista da Comarca de Coimbra foijulgado o arguido Manuel Reis Pereira, identifi-cado nos autos, sob a imputao de haver come-tido, de forma continuada, um crime de peculatode uso, previsto e punido pelo artigo 376., n. 1,e de um crime de peculato, previsto e punidopelo artigo 375., n. 1, ambos do Cdigo Penal,vindo, a final, a ser condenado apenas pela pr-tica da segunda infraco na pena de 3 anos depriso, suspensa na sua execuo por 3 anos,sob a condio de liquidar ao Estado o valor dopedido cvel formulado (7 025 836$00) em pres-taes mensais at 2 anos e no perdimento doveculo automvel apreendido nos autos, de ma-trcula 60-55-EQ.

    Em desacordo com parte de tal deciso, delainterps recurso o arguido para este SupremoTribunal de Justia, motivando-o para concluirassim:

    O douto acrdo de que se recorre de-clara perdido a favor do Estado o veculo auto-mvel, marca Rover, matrcula 60-55-EQ, en-tendendo o colectivo que:

    De acordo com o preceituado no artigo109., n. 1, do Cdigo Penal so declarados per-didos a favor do Estado os objectos que sirvampara a prtica de um crime, ou que estavam des-

    tinados a servir para a prtica de um crime, ouproduzidos por um crime quando por sua natu-reza ou pelas circunstncias do caso ponham emperigo a segurana das pessoas, a moral ou a or-dem pblica ou ofeream srios riscos de seremutilizados para o cometimento de novos crimes.

    Contudo, para que o automvel fosse de-clarado perdido a favor do Estado, era indispen-svel que o mesmo oferecesse um perigo tpicoexigido por lei, ou, concretizando, que tal ve-culo, pela sua natureza ou pelas circunstnciasdo caso, ponha em perigo a segurana das pes-soas, a moral ou a ordem pblica ou oferea s-rios riscos de ser utilizado para o cometimentode novos crimes cfr. acrdo do Supremo Tri-bunal de Justia de 19 de Dezembro de 1989,Boletim do Ministrio da Justia,n. 392, pg. 237.

    Ora, na situao em apreo o veculo nope em perigo a segurana das pessoas, a moralou a ordem pblica bem como no oferece sriosriscos de ser utilizado para cometimento de no-vos crimes e tanto assim que do teor do acrdorecorrido no resulta que o veculo tenha sidodeclarado perdido a favor do Estado em razo dequalquer dos pressupostos supra-enunciados.

    J que a perda do veculo em questo foipelo colectivo considerada como uma verda-deira sano e no por se mostrarem preenchi-dos os pressupostos, consignados na lei, de cujaverificao depende a declarao de perda doveculo a favor do Estado,

    Em suma, o veculo foi declarado perdido afavor do Estado como sano, tendo sido olvi-

  • 81 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    dados os pressupostos legais de que depende aperda do objecto, devendo por tal ser revogado odouto acrdo nesta parte e em consequncia sero veculo entregue ao arguido.

    Respondeu o Ministrio Pblico junto do tri-bunal a quo, para dizer, em sntese, o seguinte:

    Provou-se em audincia que o veculo emquesto foi adquirido com dinheiros pblicos deque o arguido, no exerccio das suas funes, seapropriou.

    Isto , a aquisio do veculo resultou dofacto ilcito tpico.

    Esta a situao prevista no artigo 111.,n. 3, do Cdigo Penal e no a do artigo 109.[...] pelo que no haver lugar, a nosso ver, discusso e apreciao dos requisitos daquele pre-ceito que, esse sim, exige os requisitos aponta-dos pelo recorrente.

    J neste Supremo Tribunal de Justia o Mi-nistrio Pblico promoveu se designasse dia paraa audincia oral.

    2. A nica questo que est aqui em causa aque respeita ao perdimento, decretado pela deci-so recorrida, do veculo automvel de matrcula60-55-EQ, registado em nome do arguido/recor-rente, perdimento esse que o tribunal a quo san-cionou porque o considerou adquirido com bensprovenientes do facto ilcito tpico pelo qualaquele foi condenado.

    Pretende o impugnante que se inverta a deci-so nesse aspecto, porquanto, em seu entender,no esto verificados os pressupostos de quedepende a perda de instrumentos e produtos docrime alinhados no artigo 109., n. 1, do CdigoPenal, ou seja:

    Os que serviram para a prtica de um factoilcito tpico ou que por este tiverem sido produ-zidos, quando, atenta a sua natureza ou as cir-cunstncias do caso, puserem em perigo asegurana das pessoas, a moral ou a ordem p-blica, ou ofeream srio risco de serem utilizadospara a prtica de novas infraces.

    Cremos que no tem razo. que, como salienta o Ministrio Pblico

    junto do tribunal a quo, ao caso no se aplica adisposio do artigo 109., n. 1, referido (tese dorecorrente), mas sim a do artigo 111. do mesmodiploma.

    Ou seja: naquele prev-se a perda com funda-mento na perigosidade imediata dos instrumen-tos ou objectos relacionados com o facto ilcitotpico, enquanto no artigo 111. se contemplamsituaes que escapam a fieira do artigo 109.,constituindo como que vlvula de segurana con-tra possveis evases ou fraudes.

    Isto : o artigo 111. trata da perda das van-tagens patrimoniais conseguidas ilicitamente, quese apresenta, no como uma pena acessria, massim como uma medida destinada a restabelecer aordem econmica conforme o direito, condu-zindo a uma justa privao dos benefcios ilicita-mente obtidos e que s indirecta e imprecisamentese poderia conseguir com a multa, elevando ataxa diria ou impondo multa cumulativamentecom a priso (Cdigo Penal Anotado, vol. I,2. ed., pg. 784, de que o presente relator umdos autores).

    Ora, est suficientemente demonstrado nosautos que a viatura em questo foi adquirida pelorecorrente com as vantagens que obteve com aprtica do facto ilcito, o que, de resto, aquelenem sequer contesta.

    Donde que o julgado no merea reparo.

    3. De harmonia com o exposto, acordam naSeco Criminal deste Supremo Tribunal de Jus-tia em negar provimento ao recurso.

    Condena-se o recorrente em 5 UCs de taxa dejustia.

    Honorrios ao defensor oficioso: 18 000$00.

    Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

    Leal Henriques (Relator) Gomes Lean-dro Leonardo Dias Virglio Oliveira.

    DECISO IMPUGNADA:

    Acrdo da 1. Seco Vara Mista de Coimbra, processo n. n. 44/99.

  • 82 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    Veja-se, como se cita, Simas Santos e Leal Henriques, Cdigo Penal Anotado, vol. I, 2. ed.,pg. 784, e ainda, a propsito da distino entre a previso dos artigos 109. e 111. do Cdigo Penal,o acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 25 de Fevereiro de 1999, processo n. 1336/98,3. Seco, e, bem assim, Maia Gonalves, Cdigo Penal Portugus Anotado e Comentado, 14. ed.,pgs. 379 e seguintes.

    (A. L. L.)

    Concurso de crimes Pena nica Perdo

    I No caso do concurso de crimes, o arguido ser condenado numa nica pena,resultante de uma operao jurdica que leva em linha de conta o conjunto das penasconcretamente estabelecidas para os diversos delitos imputados ao arguido, nos termosdo artigo 77. do Cdigo Penal, descontando-se o perdo de que o arguido beneficiesobre aquela pena nica.

    II No caso de sobre a pena nica recarem os perdes decretados pelas Leisn.os 23/91 e 29/99, de 12 de Maio, dever ter-se em conta o disposto no artigo 1., n. 4, daLei n. 29/99, o que significa que esta ltima lei a mandar somar todos os perdessucessivamente concedidos e que as operaes de perdo incidem sobre a pena nicaformada sobre as penas parcelares correspondentes a todos os crimes pelos quais oarguido foi condenado.

    SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo n. 2446/2000 3. Seco

    ACORDAM na Seco Criminal do SupremoTribunal de Justia:1. Na comarca de Faro (processo n. 1023/93

    do 2. Juzo Criminal) e em razo do preceituadona Lei n. 29/99, de 12 de Maio, o respectivotribunal colectivo procedeu reformulao docmulo jurdico das penas aplicadas ao arguidoDomingos Manuel Alves Guerreiro em vriosprocessos e anteriormente estabelecido poracrdo de 21 de Fevereiro de 1997, fazendoigualmente funcionar o perdo concedido poraquela lei, fixando finalmente para o mencionadoarguido a pena nica de 2 anos e 10 meses depriso.

    No concordou o Ministrio Pblico com omtodo utilizado pelo tribunal a quo nas opera-es a que procedeu para chegar a esse cmulo

    final e por isso veio interpor recurso da respec-tiva deciso, que motivou, concluindo assim:

    Nos termos do artigo 77. do Cdigo Pe-nal, no podem cumular-se penas originrias como remanescente de outras penas, dado que a penanica o resultado das penas de todos os crimesem situao de concurso mas trata-se das pe-nas aplicadas e no de remanescentes que iriamintroduzir no cmulo factores de distoro noqueridos nem previstos pela referida norma.

    O adequado cmulo jurdico previsto noartigo 2., n. 3, da Lei n. 29/99 um cmulointercalar, abrangendo apenas os crimes aos quaiso perdo aplicvel e cujo nico fim o de cons-tituir um instrumento de clculo do mesmo destina-se to-s a que possa ser determinado oquantum do perdo aplicvel, o qual, contudo,no se desconta nesse cmulo intercalar.

  • 83 Direito PenalBMJ 500 (2000)

    Ultrapassada essa fase de clculo, o cmulointercalar deixa de ter qualquer relevncia, tendoj cumprido a sua misso como instrumento declculo.

    O perdo deve ento ser deduzido penanica inicialmente fixada, a pena originria emque o arguido foi condenado.

    Se houver lugar a mais perdes, calculam--se os mesmos realizando os cmulos intercala-res que se mostrem necessrios.

    De seguida tomam-se todos os perdese deduz-se tal soma pena nica originria docmulo inicialmente fixado, nos termos do artigo1., n. 4, da Lei n. 29/99.

    No caso dos autos a pena nica originriadever fixar-se em 4 anos e 6 meses de priso; e,descontados 2 anos, por perdo das Leis n.os 23/91 e 29/99, tem o arguido a cumprir o remanes-cente de 2 anos e 6 meses de priso.

    Decidindo nos termos em que o fez, violouo douto acrdo recorrido o disposto nos artigos77. do Cdigo Penal e 1., n.os 1 e 4, e 2., n. 3, daLei n. 29/99.

    J neste Supremo Tribunal de Justia o Mi-nistrio Pblico, na sua vista, promoveu que,concludo o exame preliminar, se designasse diapara julgamento, o qual teve lugar aps os com-petentes vistos, havendo agora que decidir.

    E decidindo.

    2. A situao concreta sobre que importaponderar respeita a um arguido condenado emvrios processos, com decises j transitadas epenas por cumprir, e que esquematicamente sepode configurar assim:

    a) Processo n. 132/93 Beja furto qua-lificado (14 meses de priso);

    b) Processo n. 94/91 Beja furtos qua-lificados (16 meses de priso em cmulojurdico);

    c) Processo n. 59/95 Beja injrias(3 meses de priso e 25 dias de multa + 3meses de priso e 25 dias de multa);

    d) Processo n. 144/93 Beja introdu-o em casa alheia (18 meses de priso);

    e) Processo n. 32/95 tiro com arma defogo (6 meses de priso) e deteno dearma proibida (18 meses de priso);

    f) Processo n. 120/93 Seixal furtosimples (6 meses de priso);

    g) Processo n. 1023/93/93 Faro fal-sificao (10 meses de priso).

    Por acrdo de 21 de Fevereiro de 1997 otribunal colectivo de crculo de Faro estabeleceuo cmulo jurdico de todas estas penas proce-dendo do seguinte modo:

    Manteve a pena unitria de 16 meses depriso aplicada no processo n. 94/91 Beja,fazendo sobre ela funcionar o perdo de 1 ano,ao abrigo da Lei n. 23/91, de 4 de Julho;

    Em seguida operou novo cmulo jurdicodo remanescente daquela pena (4 meses de pri-so) com as penas restantes, condenando o ar-guido a uma pena nica de 4 anos e 3 meses depriso e 40 dias de multa a 300$00 por dia, coma alternativa de 26 dias de priso.

    Finalmente por acrdo de 10 de Maio de2000 o mesmo tribunal colectivo, face s novasregras de clemncia consubstanciadas na Lein. 29/99, de 12 de Maio, reformulou o anteriorcmulo jurdico, operando da seguinte maneira:

    Relativamente pena aplicada no pro-cesso n. 94/91 (nico a beneficiar do perdo de1 ano da Lei n. 23/91, de 4 de Julho), manteve-sea respectiva condenao, fazendo recair sobreela o perdo de 1 ano consoante aquela lei (talcomo se havia feito no anterior cmulo), so-brando por cumprir 4 meses de priso;

    Aps esta operao, pegou-se nessa penaremanescente (ditos 4 meses de priso) e proce-deu-se ao cmulo jurdico com as penas aplica-das nos outros processos, deixando de fora aspenas dos processos n.os 59/95 (injrias) e 32/95(tiro com arma de fogo), cujas infraces foramamnistiadas, fixando-se esse cmulo em 3 anos e10 meses de priso;

    Sobre este cmulo fez-se funcionar o per-do decorrente da Lei n. 29/99, de 12 de Maio(1 ano), pelo que a pena final ficou reduzida a2 anos e 10 meses de priso.

    Segundo o Ministrio Pblico recorrente, otribunal a quo violou a lei (artigos 77. do CdigoPenal e 1., n.os 1 e 4, e 2., n. 3, da Lei n. 29/99,de 12 de Maio) ao seguir o percurso referenciadopara chegar pena nica final.

  • 84 BMJ 500 (2000)Direito Penal

    Assim, e ao contrrio do que fez o acrdorecorrido, deveria antes, na perspectiva do re-corrente e se bem entendemos o seu racioc-nio proceder-se a dois cmulos jurdicos depenas, a saber:

    Um primeiro cmulo, que estabelecesse apena nica originria respeitante a todos os cri-mes cometidos pelo arguido que se encontramem situao de concurso, e destinada apenas determinao do clculo do perdo decorrente daLei n. 23/91, operao que no chegou a fazer--se, pois que se deduziu sem mais o perdo de 12meses da Lei n. 23/91 nica pena que delepodia beneficiar (processo n. 94/91), s depoisse procedendo ao cmulo entre o remanescentedessa pena (4 meses de priso) e as restantespenas no perdoadas;

    Ora, esse cmulo originrio, excludas aspenas correspondentes aos crimes amnistiados(dois crimes de injrias e um crime de tiro dearma de fogo penas de 3 meses, 3 meses e6 meses de priso), deveria fixar-se em 4 anos e6 meses de priso;

    Um cmulo final que pegasse no cmulooriginrio (4 anos e 6 meses de priso) e fizessesobre ele incidir o somatrio de todos os perdessucessivamente concedidos ao arguido, isto , odecorrente da Lei n. 23/91 (12 meses de priso),mais o que resulta da Lei n. 29/99 (outros 12meses), chegando-se assim a uma pena nica fi-nal de 2 anos e 4 meses de priso (4 anos e6 meses, menos 2 anos).

    Cremos que tem razo o Ministrio Pblicorecorrente.

    E para assim se entender basta seguir os dize-res da lei.

    Na verdade, consoante flui do estatudo noartigo 77. do Cdigo Penal que textua sobreas regras da punio do concurso de infraces ese aplicam aos casos de conhecimento superve-niente do mesmo por fora do disposto no artigo78. do citado diploma legal , no caso de con-curso de crimes, como a hiptese presente, oarguido ser condenado numa nica pena, penaessa que h-de resultar de uma operao jurdicaque leva em linha de conta as penas concreta-mente aplicadas aos vrios crimes, tendo comolimite mximo o somatrio das penas parcelaresestabelecidas e como limite mnimo a mais ele-

    vada das penas concretamente fixadas para osdiversos delitos concorrentes.

    , pois, extremamente claro o legislador, aoprescrever que a base a considerar para a forma-o do cmulo jurdico ser sempre o conjuntodas penas concretamente estabelecidas para osdiversos delitos imputados ao arguido e nunca aspenas sobrantes de extemporne