5 guarda responsvel e dignidade dos animais

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GUARDA RESPONSVEL E DIGNIDADE DOS ANIMAIS

Luciano Rocha Santana 1 Thiago Pires Oliveira 2O que o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solido de esprito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. H uma ligao em tudo. (Chefe Seattle - da etnia indgena Duwamish) O povo que respeitar sinceramente os direitos, atribuveis aos animais, respeitar melhor os direitos da humanidade. (Marco Antnio Azkoul) SUMRIO: 1. Introduo 2. O homem e a fauna: marcos histricos de uma relao conflituosa 2.1. Evoluo filosfica do pensamento humano sobre os animais 2.2. Evoluo das polticas pblicas em face da fauna: as instituies sanitrias 2.3. Evoluo do Direito Ambiental da Fauna Comparado e Internacional 2.4. Evoluo histrica da tutela jurdica dos animais no Brasil 3. Conceito de Guarda Responsvel 3.1. Cientfico - 3.2. Legal 4. Importncia da Guarda Responsvel - 4.1. Maus tratos e crueldade a animais de companhia - 4.2. Abandono de animais e ambiente urbano - 4.3. Superpopulao de animais de companhia e centros urbanos 5. Principais instrumentos institucionais em prol da guarda responsvel de animais 5.1. Registro pblico de animais 5.2. Vacinao 5.3. Esterilizao 5.4. Controle do comrcio de animais 5.5. Educao ambiental 6. Concluso 7. Bibliografia.

1. Introduo

Preliminarmente,

faz-se

mister

informar

que

este

artigo

um

desdobramento mais atualizado do texto anteriormente apresentado ao 8 Congresso Internacional de Direito Ambiental: Fauna, Polticas Pblicas e Instrumentos Legais, realizado em So Paulo (SP) entre os dias 31 de maio a 3 de junho de 2004, atravs do Instituto O Direito por um Planeta Verde. O presente texto comea a inovar em relao ao anterior conforme se observa atravs do ttulo. A tese apresentada no congresso mencionado era denominada como Posse Responsvel e Dignidade dos Animais. A importncia de se mudar posse responsvel para guarda responsvel abrange muito mais que uma simples questo de esttica. O emprego do termo posse apresenta uma ideologia implcita em sua semntica: o animal ainda continuaria a ser considerado um objeto, uma coisa, que1

Primeiro Promotor de Justia do Meio Ambiente da Comarca de Salvador (BA), ps-graduado em Direitos Coletivos e Difusos da PUC-SP. 2 Acadmico de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Assistente jurdico da Cururupeba Organizao Scio-Ambientalista e pesquisador do PIDA-UFBA (Programa de Pesquisa em Direito Ambiental).

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teria um possuidor ou proprietrio, viso que consideramos j superada, sob a tica do direito dos animais, visto que o animal um ser que sofre, tem necessidades e direitos; frisando-se, ainda, o fato de, tradicionalmente, ser o animal o mais marginalizado de todos os seres, ao ser usado e abusado sob todas as formas possveis e, sem, ao menos, a possibilidade de se defender, visto sua notria dificuldade de se manifestar perante os racionais seres humanos, tal qual j ocorreu, em passado, no to remoto, com os surdos mudos, mulheres, loucos de todo o gnero, ndios e negros. Ademais, tal vocbulo encontra-se em confronto com os princpios e valores que do sustentculo tico e lgico ao Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e a sua respectiva poltica recepcionada pela Constituio Federal, a saber: o respeito vida em todas as suas formas e a dignidade humana. Razovel deduzir da anlise da lei da poltica nacional do meio ambiente que a vida, por sua prpria natureza, no pode ser sujeita a apropriao. Por outro vis, os corolrios de tal inteligncia do ordenamento constitucional e legal vigente podem representar a superao do processo de coisificao da vida, em especial, dos animais e, em ltima conseqncia, do prprio ser humano, que se tornou pea descartvel de uma realidade social fragmentada, que aniquila o ser em si, em sntese, de um sistema que no realiza os valores que preconiza, consubstanciados no desejo de felicidade humana preconizado desde os augrios do Iluminismo. Assim, substitumos o termo posse pela expresso guarda, exceto nas citaes de textos e normas, para melhor atender a finalidade deste artigo que a tutela da dignidade animal 3 . Substitui-se tambm o conceito de poluio ou degradao ambiental pelo de crueldade ou maus tratos. E, por fim, reformulou-se o prprio conceito de posse, ou melhor, guarda responsvel para outro conceito mais abrangente e completo, tutelando adequadamente, destarte, a dignidade animal. A questo da guarda responsvel de animais domsticos um das mais urgentes construes jurdicas do Direito Ambiental, visto a crescente demanda que se tem verificado nas sociedades, pois a urbanizao cada vez mais crescente vem suplantando3

Etimologicamente, segundo o Grande Dicionrio Larousse Cultural da Lngua Portuguesa, a expresso posse significa (Do lat. posse) 1. Domnio de fato exercido sobre uma coisa, correspondente ou no ao poder de direito ou de propriedade. 2. Estado de quem possui uma coisa, de quem a detm como sua ou tem o gozo dela. 3. Ao ou direito de possuir a ttulo de propriedade. 4. A solenidade da investidura em cargo pblico. J o termo guarda significa (Do al. ant. warda, pelo lat. guarda.) 1. Ao de guardar. 2. Vigilncia que tem por finalidade defender, proteger ou conservar. 3. Proteo, abrigo, amparo. 4.Pessoa encarregada da guarda, vigilncia de um animal, de alguma coisa, de um lugar

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hbitos coletivos entre os indivduos que, isolados em seus lares, tm constitudo fortes laos afetivos com algumas espcies, como o caso dos ces e gatos, transformando-os em verdadeiros entes familiares. Porm, esse relacionamento nem sempre foi tica e ambientalmente correto. No cotidiano, observam-se muitas arbitrariedades praticadas pelo homem que aniquilam a dignidade desses seres geralmente indefesos, ao promover todas as modalidades de abusos, maus tratos e crueldade, ou ento, adestram-nos para se tornarem violentos e, assim, port-los como se armas fossem, quando no os abandonam a toda sorte de riscos, transformando-os em vtimas inocentes e vetores de doenas, afetando, inclusive, a sade pblica. Assim, para fins puramente epistemolgicos, delimitaremos nosso enfoque nos animais de companhia, tambm denominados animais de estimao, que so os mais presentes nas grandes cidades, conforme pesquisa do IBOPE - Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatstica de setembro de 2000, segundo o qual 59 % (cinqenta e nove por cento) da populao brasileira possui algum tipo de animal de companhia, sendo 44 % (quarenta e quatro por cento) ces 4 . De acordo com os mais recentes estudos mdico-veterinrios 5 , a companhia desses animais para o ser humano produz os seguintes efeitos benficos: a) Efeitos psicolgicos: diminui depresso, estresse e ansiedade; melhora o humor; b) Efeitos fisiolgicos: menor presso arterial e freqncia cardaca, maior expectativa de vida, estmulo a atividades saudveis; c) Efeitos sociais: socializao de criminosos, idosos, deficientes fsicos e mentais; melhora no aprendizado e socializao de crianas. O desenvolvimento da relao entre o ser humano e o animal de companhia ocorre no mago de uma mudana comportamental importantssima da prpria sociedade, que passou a cultivar vrios hbitos, tais como: menor nmero de filhos e mais recursos em geral; conferir ao animal de companhia o status de membro da famlia; que passa a viver mais dentro de casa do que fora; o animal de companhia ganha seu espao; est previsto no oramento familiar e passa a ser assistido na vida e na morte.

MORI, Kiyomori. O verdadeiro mundo co. in Revista da Folha de So Paulo. Disponvel: http://www.dogtimes.com.br/revistafsp2.htm. Acesso: 19 abr. 2004. 5 Revista Clnica Veterinria, n 30, jan./fev. 2001.

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Observados esses fatores, que demonstram a relevncia e atualidade do tema, analisar-se- neste artigo o tratamento tico-jurdico que deve ser dispensado aos animais de companhia, abordando sob esta tica as graves e atuais questes da superpopulao e do abandono nas ruas das cidades, em suma, os maus tratos e crueldade institucionalizada ou difusa na sociedade contra estes seres viventes e sensveis portadores de necessidades e direitos; procurando demonstrar as tendncias atuais para a resoluo dessa urgente crise paradigmtica, alm de propor polticas pblicas que visem solucionar, seno, ao menos, reduzir os impactos dessa tragdia.

2. O homem e a fauna: marcos histricos de uma relao conflituosa

2.1. Evoluo filosfica do pensamento humano sobre os animais

Ao longo de sua epopia civilizatria, o homem travou uma constante luta com a natureza, em busca da sobrevivncia da espcie, resistindo a toda forma de hostilidades que o espao oferecia, como glaciaes, secas, temporais, ventanias, abalos ssmicos. Enfim, o espao natural imperava absoluto e ameaador sobre o frgil ser humano. Assim, a civilizao humana foi o artifcio criado pelo homem para que pudesse dar o seu grito de libertao diante da opresso totalitria do meio natural, s que esse grito provocou o distanciamento do homem em relao aos seus instintos, custando essa separao um preo: o surgimento dos mecanismos psicolgicos da frustrao, proibio e privao, que estariam entre as variveis influenciadoras das prticas de crueldade e maus tratos aos animais 6 . Assim, separar-se de sua natureza animal foi o meio encontrado pelo homem para se superar diante da supremacia ameaadora da natureza, e, essa distino, vem servindo como paradigma civilizatrio, a ponto de ter sido a origem do especismo 7 e da resistncia do homem em reconhecer a sua natureza animal, assim como em considerar os demais seres viventes como objetos passveis de apropriao e domnio.FREUD, Sigmund. O futuro de uma iluso. in Obras Completas de Sigmund Freud: edio standart brasileira; com comentrios e notas de James Strachey; em colaborao com Anna Freud. Volume XXI Trad.: Jayme Salomo. Rio de Janeiro, IMAGO, 1996. p. 15-20. 7 SANTANA, Heron Jos de. Abolicionismo Animal. in Revista de Direito Ambiental. Ano 9, n 36, outubrodezembro de 2004. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 87. Este termo foi concebido, na dcada de 70, pelo psiclogo britnico Richard Ryder para fazer um paralelo entre a conduta do homem em relao animais com as prticas verificadas no decorrer da histria entre branco X negro (racismo) e homem X mulher (sexismo) e que foi popularizado pelo filsofo Peter Singer.6

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Desse modo, para sobreviver diante daquele meio hostil, a espcie humana necessitou de uma importante, seno essencial, ajuda, que foi a prestada pelos animais. Sua domesticao pelo homem, h seis mil anos atrs 8 , no foi um fenmeno simbitico, tal qual comumente ocorre na natureza entre as diferentes espcies de animais, mas sim um processo histrico traumtico, em que os animais, ao oferecer alimento, vesturio, proteo e transporte, eram tratados como meros objetos de apropriao, que, com o surgimento das primeiras civilizaes da Antiguidade, foram imbudos de valor econmico, passando a ser considerados moedas de troca e bens de consumo em quase todas as sociedades do perodo, como Roma, enquanto em outras eram os animais idolatrados como se fossem deuses, como foi o caso das civilizaes egpcia 9 e indiana 10 . A perspectiva negativista referente aos animais ser fundamentada atravs das religies monotestas, que formaro o judasmo e o cristianismo, conforme inferimos do livro do Gnesis que, integrante da Bblia crist e do Torah judaico, determina o ser humano como o mximo da criao, pois este seria o nico ser criado imagem e semelhana de Deus; devendo-se a existncia dos demais seres atender a finalidade exclusiva de servir ao homem 11 . No s a religio ser um dos elementos legitimadores da viso negativista referente aos animais. Teremos, tambm, no racionalismo filosfico um de seus mais fervorosos elementos, como o caso do filsofo pr-socrtico Protgoras (480-410 A.C.), que enaltecer o antropocentrismo, ao formular o princpio do homo mensura, segundo o qual o

VERGARA, Rodrigo. Entre o Cu e o Inferno. in Revista Superinteressante. Edio n 192, Setembro, 2003. So Paulo: Abril, 2003. p. 52. 9 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais: o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordo, SP: Mantiqueira, 1998. p. 13. Laerte Levai inclusive transcreve o seguinte trecho do Livro dos Mortos, obra sagrada da religio egpcia, demonstrando o quanto aquele povo era devoto da natureza: No matei os animais mais sagrados... Nunca afungentei de minha porta o faminto.. No sujei a gua... No usurpei a terra... Nunca apanhei com redes os pssaros dos deuses... Sou puro, Grande Osris. Sou puro. Sou puro. (grifo do autor). Tambm, cite-se as regras constantes no papiro de Kahoun, manuscrito de 4000 anos atrs, concernente aos cuidados que deveriam ter os antigos egpcios com os animais, conforme atesta Diomar Ackel Filho, apud MASCHIO, Jane Justina. Os animais: direito deles e tica para com eles. Florianpolis: Monografia de concluso do curso de Direito da UFSC, julho de 2002. p. 10. 10 AZKOUL, Marco Antnio. Crueldade contra animais. So Paulo: Pliade, 1995. p. 28. Preleciona Azkoul que a antiga legislao hindu punia aquele que matasse uma vaca do seguinte modo: o culpado dever cortar totalmente seus cabelos, alimentar-se somente de cevada por um ms e se cobrir com a pele de sua vtima; dever passar um dia inteiro em companhia das vacas e servi-las, e noite, aps hav-las saudado, montar guarda para sua proteo (grifo nosso). 11 SANTANA, Heron Jos de. Os crimes contra a fauna e a filosofia jurdica ambiental. in BENJAMIN, Antnio Herman V. (org.). Anais do 6 Congresso Internacional de Direito Ambiental, de 03 a 06 de junho de 2002: 10 anos da ECO-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentvel. So Paulo: IMESP, 2002, p. 409410.

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homem seria a medida de todas as coisas, inclusive daquelas que so pela sua existncia ou no so pela sua no-existncia 12 . No sculo XVI, o francs Ren Descartes sustentou a teoria mecanicista 13 , segundo a qual os animais seriam simples mquinas autmatos cuja nica diferena em relao ao homem seria o fato deste possuir alma, enquanto aqueles, por serem meros objetos mecnicos, no a possuiriam, logo, seriam insensveis a qualquer dor e sofrimento que lhes fossem impostos, pois estas sensaes s residiriam na alma, qualidade exclusiva do ser humano. Ser, principalmente, o pensamento cartesiano, o fundamento moral que justificaria toda srie de maus tratos e violncias acometidas fauna pela civilizao ocidental desde a Era Moderna at os dias hodiernos. A atual e emergente mudana de paradigma se baseia nas novas idias protetivas dos animais advindas tanto de ponderveis posicionamentos de grandes homens, como os do lder pacifista indiano Mahatma Gandhi, das lutas das entidades protetoras dos animais ao redor do mundo, quanto de slidos estudos oriundos de especialistas vinculados, ou no, a instituies cientficas e universidades, que passaram a defender uma nova postura tica do ser humano diante dos animais. Tal atitude ter, entre seus mais notrios representantes, o filsofo australiano Peter Singer.

2.2. Evoluo das polticas pblicas em face da fauna: as instituies sanitrias

As polticas pblicas at recentemente estavam mais voltadas para o combate disseminao de doenas e aos acidentes provocados pelos animais. A partir de 1990, com a concluso de que a presena de animais nas ruas se origina principalmente do excesso de nascimentos, as autoridades passaram a se preocupar com a questo da superpopulao e conseqente abandono. Assim temos duas etapas bem delineadas que caracterizam as polticas at ento adotadas: a primeira etapa, que pode ser intitulada como fase da captura e extermnio; e a segunda etapa, que poderia ser descrita como fase da preveno ao abandono. A opo pelos vocbulos etapas ou fases se deu por razes de ordem histrica e didtica, no devendo levar a entender que houve um corte entre uma conduta e outra. Na verdade, estamos falando

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Apud SANTANA, Heron Jos de. Ob. cit. p. 409. VERGARA, Rodrigo. Ob. cit. p. 54.

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de metodologias que, muitas vezes, coexistem. A tendncia mundial de se deixar de adotar a primeira e substitu-la pela segunda, pelo fato de ser eficiente e humanitria. A fase ou metodologia da captura e extermnio decorreu de uma primeira abordagem da Organizao Mundial de Sade (OMS), em 1973, consubstanciada no 6 Relatrio do Comit de Especialistas em Raiva da OMS. Vale frisar que, ainda hoje, os centros de controle de zoonoses (CCZs) 14 , principais rgos encarregados de promover o controle das antropozoonoses 15 no Brasil - sendo que em Salvador (BA), o CCZ local est regulamentado pela Lei Municipal n 5.504/1999 -, encontram-se vinculados ao 6 Informe da OMS. Este modelo vem se exaurindo por seus prprios defeitos e limitaes conceituais e a tendncia de sua substituio pelo segundo, j se encontrando em desuso em diversos pases do globo, principalmente nos pases ditos do Primeiro Mundo, pela crueldade e falta de resultados satisfatrios, visto que esse informe, em sntese, determinava que os animais em situao de rua apreendidos e no reclamados em curto prazo de tempo deveriam ser sacrificados, buscando-se com tal medida erradicar algumas zoonoses. Os mtodos de extermnio, segundo dados fornecidos pela Fundao Nacional de Sade (FUNASA), rgo integrante do Ministrio de Estado da Sade, consistem em fsicos e qumicos; os mtodos fsicos se caracterizam por prticas como tiro de pistola com mbolo cativo, eletrocusso, cmara de descompresso rpida; enquanto os mtodos qumicos se baseiam naquelas condutas em que se usam drogas inalantes ou no inalantes, como o uso de monxido de carbono, ter e clorofrmio em cmara de vapor, dixido de carbono, nitrognio (estes inalantes) ou a utilizao de pentobarbital sdico, thionembutal, acepromazina, cloreto de potssio, sulfato de magnsio (estes no inalantes). O Conselho Federal de Medicina Veterinria, em 20 de junho de 2002, baixou a Resoluo CFMV n 714, de 20 de junho de 2002, que dispe sobre procedimentos e mtodos de eutansia em animais (vide site do CFMV); sendo essa a disposio legal mais atual, estando alguns dos mtodos acima relacionados em desuso ou proibidos. O que se observa, na atual realidade dos centros de controle de zoonoses, que estes no possuem infra-estrutura nem pessoal qualificado suficiente sequer para atender as solicitaes da comunidade, adotando como prticas mtodos no humanitrios dePara um maior aprofundamento sobre a atuao dos CCZs na realidade brasileira, vide a tese apresentada no 6 Congresso Internacional de Direito Ambiental de 2002 Maus tratos e crueldade contra animais nos Centros de Controle de Zoonoses: aspectos jurdicos e legitimidade ativa do Ministrio Pblico para propor ao civil pblica, de Luciano Rocha Santana e Marcone Rodrigues Marques. 15 As antropozoonoses ou zoonoses seriam as doenas infecciosas transmissveis naturalmente entre animais vertebrados, como o caso da raiva.14

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captura 16 , confinamento e extermnio de ces e gatos, que sofrem maus tratos, violando a lei natural biolgica e psquica, da qual o animal portador. Tambm no existem critrios para separao dos animais apreendidos, pois ces sadios so confinados com doentes, os de grande porte com os de pequeno porte; de modo que, em vez de conter os casos de zoonoses, acabam por se transformar estes centros em verdadeiros difusores dessas doenas. Vale lembrar que essa poltica de extermnio se mostrou ineficaz, pois, tendo como parmetro o CCZ de Salvador, atravs de relatrios por ele apresentados, por ocasio da instruo do Inqurito Civil n 25, instaurado em 1998 pela Primeira Promotoria de Meio Ambiente de Salvador, verifica-se a enorme quantidade de animais sacrificados ces e gatos. Contudo, no se conseguiu erradicar a raiva nesta cidade, demonstrando o criminoso equvoco desta poltica de sade pblica e a pssima, seno desastrosa, atuao do rgo municipal encarregado de execut-la. Tanto que, em virtude do citado descaso governamental, a concluso do citado inqurito civil culminou na expedio, em 15 de maio de 2001, de recomendao Municipalidade e na elaborao, concluda em 17 de maio de 2002, de um compromisso de ajustamento de conduta que contou com a participao de mdicos veterinrios da comisso tcnica instituda pelo Ministrio Pblico do Estado da Bahia, diretores tcnicos das entidades protetoras dos animais e de tcnicos da Secretaria Municipal de Sade. Todavia, somente aps o ajuizamento de uma ao civil pblica contra o Municpio do Salvador, em 15 de julho de 2003, e outra ao penal pblica, em 24 de setembro de 2003, contra o citado municpio, a Secretria Municipal de Sade e dois funcionrios do Centro de Controle de Zoonoses, foi celebrado o aludido compromisso de ajustamento entre o Ministrio Pblico e esta Municipalidade, em 23 de novembro de 2004, onde se estabelece uma srie de medidas e iniciativas caracterizadoras de uma verdadeira poltica pblica de promoo da dignidade, sade e bem estar dos animais e seres humanos, dentre as quais se destacam:a) a afirmao do direito vida dos animais, com a proibio da morte daqueles que no estejam em fase de doena terminal, que lhes imponha desnecessrios sofrimentos ou de comprovada periculosidade (eutansia humanitria); b) proibio de eutansia de animais atravs de qualquer meio que lhes possa causar demora ou sofrimento; c) implantao de campanhas peridicas, informando a populao a respeito da necessidade da posse responsvel de animais, da adoo, de vacinao peridica e Em caso de raiva, nem sempre a soluo deve ser a apreenso e confinamento do animal, conforme podemos inferir da Lei Municipal n 6.179/99 de Ponta Grossa (PR) estabelecendo em seu artigo 6, 1, que Os animais a que se refere o inciso III (suspeito de raiva ou outras zoonoses), no sero apreendidos caso o proprietrio se propuser a isol-lo e trat-lo com a autorizao e sob a superviso do agente sanitrio e/ou zologo sanitrio.16

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controle de zoonoses atravs de esterilizao; d) implantao de servio de identificao e registro de animais; e) implementao de programas de adoo; e) higienizao de ambientes, celas e veculos do CCZ; f) treinamento de todos os funcionrios do CCZ, de forma didtica, para que adquiram tcnica e conhecimento adequado ao exerccio de suas funes, de modo a evitar a prtica de crimes de maus tratos e prevenir a ocorrncia de sofrimento desnecessrio aos animais apreendidos 17 .

Frisamos, ainda, as seguintes concluses da OMS/ WSPA, no ano de 1990, no tocante a poltica de captura e extermnio, segundo as quais no haveria nenhuma prova de que a poltica de extermnio tenha produzido quaisquer efeitos na reduo da densidade populacional canina. Isto decorre do princpio biolgico do inverso, que pode ser traduzido na seguinte frmula: quanto mais retira, mais aparece, com o conseqente aumento da taxa de reproduo e a atrao de animais de regies vizinhas. Entende-se que a aplicao do princpio biolgico do inverso decorre, no presente caso, da constatao de que, apesar do recolhimento e eliminao de animais errantes pelo Poder Pblico, sua quantidade rapidamente aumenta, j que essa prtica causa um desequilbrio na populao atingida: reduzindo seu numero, aumenta a sobrevivncia dos que ficam; isso conduz a duas conseqncias: o aumento da taxa de natalidade e a aproximao de animais das regies vizinhas; conseqentemente, em pouco tempo se restabelece o numero antigo e, muitas vezes, originando o surgimento de doenas e conflitos que antes no existiam. Tal realidade comea a mudar precisamente com a constatao dos enormes gastos despendidos pelos Estados que adotaram o mtodo de captura e extermnio, sem qualquer resultado prtico para o controle da raiva e outras zoonoses, inaugurando-se, a partir da crtica destas experincias fracassadas, a segunda fase das polticas pblicas de controle das zoonoses e da superpopulao dos animais de companhia abandonados nas ruas, com a elaborao do 8 Relatrio do Comit de Especialistas em Raiva da OMS, segundo o qual o mtodo da captura e extermnio no mais considerado eficiente, porque no atua na raiz do problema que a questo do excesso de nascimentos. Assim, conforme as recomendaes decorrentes do 8 Relatrio do Comit de Especialistas em Raiva da OMS, para se prevenir o abandono e a conseqente superpopulao necessria a adoo de uma srie de medidas preventivas pelo Poder Pblico, que poderiam ser reunidas nestas sete linhas de ao: a) controle da populao atravs da esterilizao; b) promoo de uma alta cobertura vacinal; c) incentivo uma educao ambiental voltada para a guarda responsvel; d) elaborao e efetiva implementao

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SANTANA, Luciano Rocha e MARQUES, Marcone Rodrigues, Ob. cit., p. 555.

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de legislao especfica; e) controle do comrcio de animais; f) identificao e registro dos animais; g) recolhimento seletivo dos animais em situao de rua. E as recomendaes da OMS tm produzido importantes efeitos em vrias partes do globo, conforme se percebe atravs das iniciativas governamentais, ou no, que tm sido tomadas visando promover a conscincia para a guarda responsvel e o bem estar animal. Como exemplo dessas iniciativas, tem-se a Primeira Reunio Latino-Americana de Especialistas em Posse Responsvel de Animais de Companhia e Controle de Populaes Caninas 18 , evento promovido pela Organizao Panamericana de Sade / Organizao Mundial de Sade (OPAS / OMS) e a World Society for Protection of Animals (WSPA), entre os dias 1 a 3 de setembro de 2003, no Rio de Janeiro, Brasil, que contou com a participao de 10 (dez) pases da Amrica Latina, cujas concluses condenam as at ento defasadas polticas adotadas pelos municpios brasileiros, alm de propor uma nova poltica pblica nessa rea adequada realidade latino-americana, conforme observa-se, in verbis:1) Captura e eliminao no eficiente (do ponto de vista tcnico, tico e econmico) e refora a posse sem responsabilidade; 2) Prioridade de implantao de programas educativos que levem os proprietrios de animais a assumir seus deveres, com o objetivo de diminuir o nmero de ces soltos nas ruas e a conseqente disseminao de zoonoses; 3) Vacinao contra a raiva e esterilizao: mtodos eficientes de controle da populao animal 4) Socializao e melhor entendimento da comunicao canina: para diminuir agresses; 5) Monitoramento epidemiolgico.

2.3. Evoluo do Direito Ambiental da Fauna Comparado e Internacional

O Direito, como reflexo da sociedade, encarava os animais como meros objetos dotados de valor econmico e, utilizando-se como referncia o Direito Romano, percebe-se que os romanos classificavam, primariamente, os animais de acordo com os seus interesses econmicos, sendo ento classificados como res mancipi, ou seja, coisa passvel de apropriao para fins econmicos e scio-culturais, como era o caso dos animais domsticos e

SOUZA, Maringela Freitas de Almeida e. Resumo da Primeira Reunio Latino-americana de especialistas em posse responsvel de animais de companhia e controle de populaes caninas. in Primeira Reunio Latino-americana de especialistas em posse responsvel de animais de companhia e controle de populaes caninas, de 01 a 03 de setembro de 2003. Rio de Janeiro, 2003 (Documento indito).

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de trao e carga, e res nec mancipi, coisa no passvel de apropriao, como era a situao dos animais silvestres 19 . Em seguida, os animais, ainda sob a era do Direito Romano, porm, j sob a fase do dominato, poca em que coube ao Imprio Bizantino preservar a tradio jurdica romana, percebe-se uma mudana na classificao dos animais, passando eles a serem considerados como bens mveis (res mobiles) e semoventes, conforme previa uma Constitutio de Justiniano (C. 7, 37, 3, 1, d), do ano 531 D.C 20 . Salientando-se que o animal poderia ainda ser considerado uma res nullius como o caso dos animais silvestres, que seriam aqueles animais sem um proprietrio determinado e res derelicta, que seriam os animais abandonados por seus proprietrios que, renunciando a seu direito de propriedade, possibilitariam que outros viessem a adquirir a propriedade originria. E estas ltimas foram as definies jurdicas aplicadas aos animais no transcorrer dos sculos. Durante a Era Medieval, com as invases brbaras e o desmoronamento do Imprio Romano, entrou-se em declnio a prpria conceituao de animal para o direito, conforme observamos na curiosa situao havida naquele perodo em que os animais passaram a ser sujeitos de direito na relao processual, conforme se infere dos diversos processos em que aos animais foi atribuda a condio de parte, detentores, portanto, de capacidade processual, freqentemente como r, vale ressaltar. Desse modo, o Direito Medieval reconhecia uma capacidade processual para os animais, tanto em processos cveis, quando eram freqentes os danos materiais causados pelos mesmos, quanto em processos penais, quando a estes eram imputados os crimes cometidos, como nos casos de atentados incolumidade da vida humana. Acerca desse tema preleciona Marco Antnio Azkoul:Durante a poca dos brbaros os animais foram includos na relao de direitos comuns, a qual sempre regulou as relaes de pessoas na atualidade. Sendo certo que o animal na atualidade irresponsvel pelos prprios atos, respondendo por eles aqueles titulares que tm sob sua guarda o referido animal. A contra senso, antigamente, caso o animal cometesse uma falta devia ser punido; no entanto, eram-lhes reconhecidos direitos legais de serem assistidos por advogados e todos os meios de provas admitidas 21 .

ALVES, Jos Carlos Moreira. Direito Romano. 11 edio. Volume I. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 146147. 20 ALVES, Jos Carlos Moreira. Ob. Cit. p. 140. 21 AZKOUL, Marco Antnio. Ob. Cit. p. 27.

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Assim, durante a Idade Mdia houve uma, estranha aos olhos de qualquer processualista hodierno 22 , igualdade processual 23 entre os animais e o homem, com animais sendo presos junto com seres humanos nas cadeias e at condenados morte homem e animal lado a lado no mesmo patbulo ou fogueira, recebendo o mesmo tratamento durante o processo, sofrendo, ambos, os mesmos suplcios. Porm, tal atribuio de capacidade jurdica processual aos animais que foi narrada na obra Les animaux em Justice au temps jadis do mdico francs Joseph Emile Lossouarn, citada no livro de Azkoul, deriva mais de uma srie de fatores tpicos da Idade Mdia, como a forte carga de superstio que orientava o dia-a-dia do homem medieval, ou, ainda, como forma de justificativa para as pragas, cujas tragdias scio-econmicas exigiam uma resposta perante a populao, desesperada pela fome e misria. Desse modo, as entidades detentoras do poder de ento, a Igreja e a nobreza feudal, tentavam processar e condenar os causadores das pragas, como os ratos e insetos, tornando-os os responsveis por tais mazelas, desprezando outras variveis de cunho scio-ambiental em decorrncia, ou no, da atuao humana, como o esgotamento dos recursos naturais, intempries climticas, sujeira e poluio dos burgos, entre outras. Aps sculos de hibernao, somente haver a preocupao com a dignidade dos animais, que passar a ter slidas manifestaes novamente, em um plano jurdico, no desfecho da Era Moderna, com a primeira norma de proteo aos animais surgindo em uma Colnia inglesa na Amrica do Norte, atravs do Cdigo Legal de 1641 da Colnia de Massachussets Bay, localizada no atual Estados Unidos da Amrica, a qual previa,

AZKOUL, Marco Antnio. Ob. Cit. p. 29-31. Poderia se interrogar como poderiam os animais responder a quaisquer processos judiciais se, durante o Medievo, mal havia se fortalecido o Estado Nacional? Sucede que durante a Idade Mdia, por razes histricas, a autoridade jurisdicional era distribuda entre a Igreja Catlica, ente supranacional que predominava na poca e que herdara a processualstica romana, e os Feudos, cujo direito era extremamente casustico, salvo pouqussimas excees que tentavam aplicar alguns institutos do Direito Romano adequando-o realidade local. Assim, boa parte dos processos contra animais tramitavam nas instncias judiciais eclesisticas, havendo, primeiro, uma fase pr-processual com a autoridade religiosa do lugar, um padre, por exemplo, proferindo maldies contra os animais que causassem quaisquer danos materiais, em casos que no haviam atentado direto vida humana, pois estes implicavam em imediata priso do animal. Em seguida, era redigida uma petio ao juiz eclesistico o qual oficiava o Promotor de Justia para acompanhar os autores da ao e nomeava um advogado dos rus. Os animais eram citados e intimados a comparecer ao tribunal e caso no comparecessem aps a terceira citao, eram condenados por revelia, sendo aplicada a pena de expulso, ao mesmo tempo em que o advogado dos animais recorreria da deciso, fazendo as alegaes que entendesse pertinentes, cabendo ao Promotor de Justia replica-las, reafirmando a condenao. 23 AZKOUL, Marco Antnio. Ob. Cit. p. 32.

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pioneiramente, vale registrar, algumas normas que protegiam os animais domsticos de atos cruis 24 . Porm, o primeiro Estado independente a adotar uma legislao protetiva da fauna foi a Frana, atravs do Cdigo Penal de 1791, que, produto da Revoluo Francesa, inovaria radicalmente o Direito da poca ao prever dispositivos jurdico-penais tipificando o envenenamento de animais pertencentes a terceiros e vedando os atentados a bestas e ces de guarda que se encontrassem em propriedade alheia. Estes dispositivos sero complementados, posteriormente, com a promulgao da Lei Grammont em 1850 25 . Todavia, a primeira lei especfica nacional tratando da proteo aos animais surgiu na Gr-Bretanha, em 1822, proibindo que algum submetesse maus-tratos o animal que fosse propriedade de outrem; sendo esta promulgada aps as rejeies parlamentares aos projetos de lei de 1800, visando impedir as lutas entre touros e ces, e de 1821, vetando os maus tratos a cavalos. Nesse mesmo ano, foi criada a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, entidade destinada a representar os animas em juzo e fazer cumprir a lei 26 . Em 1854, a Inglaterra novamente ir inovar com a promulgao de uma lei de proteo aos ces. E, acompanhando a tendncia de tutela jurdica dos animais efetuada pelo Direito Ingls, que observamos o surgimento de legislaes protetoras dos animais no Imprio da ustria, em 1855, punindo quem maltratasse animais em pblico; na Hungria, em 1879, com a promulgao da Lei Fundamental XI, que, em seu 86, previa a priso e multa daquele que maltratasse animais; mais tardiamente, em Portugal, no ano de 1886, seria alterado o Cdigo Penal Portugus, com a incluso dos artigos 478 a 481, que previam os tipos penais de matar e ferir animais, dentre outros; em 1891, verificar-se-ia a primeira legislao de proteo aos animais em um pas do continente americano, mais precisamente, na Argentina, com a promulgao da Lei 2.786; e, por fim, em 1896, seria promulgada na Espanha uma lei de proteo s aves, sendo estendida a outros animais atravs da Ordem Real de 1925 27 .

FRANCIONE, Gary L. Animals, property and legal welfarism: unnecessary suffering and the humane treatment of animals. in 46 Rutgers Law Review 721 (1994). Newark, NJ, 1994. Disponvel em: http://www.animal-law.org/library/aplw_v.htm. Acesso: 25 ago. 2004. 25 MARTINS, Renata de Freitas. Direito comparado e Tutela dos animais. Disponvel em: http://www.aultimaarcadenoe.com.br/dacomparado.htm. Acesso: 21 abr. 2004. 26 MARTINS, Renata de Freitas. Ob. Cit. [Internet]. 27 MARTINS, Renata de Freitas. Ob. Cit. [Internet].

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No incio do sculo XX, novamente a Inglaterra se mostrar vanguardista na defesa dos animais, ao promulgar uma lei, em 1906, vedando o uso de ces e gatos em experimentos cientficos; demonstrando preocupaes bioticas, no incio do sculo XX, enquanto este tema ainda desprezado por muitos pases em pleno sculo XXI, com o desenvolvimento tecnolgico muito mais adiantado do que h cem anos atrs. Enquanto isso, verificar-se- na primeira metade do sculo XX, principalmente antes da Segunda Guerra Mundial, o florescimento em outros pases de legislaes de proteo fauna, tais como as institudas no Reino da Itlia, em 1913, prevendo, tambm, a tutela penal da fauna, com o acrscimo de dispositivos legais ao Cdigo Penal Italiano; em 1925, a Repblica Libanesa ser a primeira nao asitica a promulgar um decreto protegendo os animais contra maus tratos; e, por fim, a Repblica Alem de Weimar, que, principal responsvel pela introduo de uma avanada legislao asseguradora dos direitos sociais na maioria dos pases europeus, criaria, em 1926, uma lei punindo com pena de priso e multa aquele que tratasse os animas com crueldade 28 . No plano do Direito Internacional, em 1978, a UNESCO reconhece os direitos dos animais atravs da Declarao Universal dos Direitos dos Animais, proclamada solenemente em Bruxelas, Blgica, em sesso realizada no dia 27 de janeiro de 1978, por proposio da Unio Internacional dos Direitos dos Animais, sendo subscrita, inclusive, pelo Brasil. Tal documento prescreve uma srie de dispositivos acerca da proteo aos direitos dos animais 29 , tais como:Todos os animais nascem iguais diante da vida e tem o mesmo direito a existncia (artigo 1); Cada animal tem o direito ao respeito (artigo 2-A); O homem, enquanto espcie animal, no pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explor-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar sua conscincia a servio dos outros animais (artigo 2-B); Cada animal tem o direito considerao, cura e proteo do homem (artigo 2-C); Nenhum animal ser submetido a maus tratos e a atos cruis (artigo 3-A); Se a morte de um animal for necessria, deve ser instantnea, sem dor nem angstia (artigo 3-B); Cada animal pertencente a uma espcie que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condies de vida e de liberdade que so prprias de sua espcie (artigo 5-A); Toda modificao deste ritmo e dessas condies, imposta pelo homem para fins mercantis, contrrio a esse direito (artigo 5-B); Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibio dos animais e os espetculos que utilizam animais so incompatveis com a dignidade do animal (artigo 10); o animal morto deve ser tratado com respeito (artigo 13-A); As cenas de violncia de que os animais so vtimas devem ser proibidas no cinema e na televiso, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos do animal (artigo 13B); os direitos do animal devem ser defendidos por leis, como os direitos do homem (artigo 14-B).28 29

MARTINS, Renata de Freitas. Ob. Cit. [Internet]. SANTANA, Luciano Rocha e MARQUES, Marcone Rodrigues. Ob. Cit. p. 558-559.

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Na segunda metade do sculo XX, todos os pases da Europa Ocidental j possuam normas tutelando a dignidade animal, destacando-se, no particular, a Frana que promulgara uma lei especfica disciplinando toda a matria pertinente aos animais de companhia, como a Lei n 71-1017, de 22 de dezembro de 1971, alterada pela Lei n 75-282, de 21 de abril de 1975, ao regulamentar a compra e venda de pequenos animais, assim como definir as obrigaes do guardio com seu animal. Acompanhando essa tendncia, em 13 de novembro de 1987, o Conselho da Europa, reunido em Estrasburgo (Frana), promove a assinatura da Conveno Europia para a Proteo dos Animais de Companhia, que, em seu prembulo, j demonstra uma viso inovadora, quando reconhece que o homem tem uma obrigao moral de respeitar todas as criaturas vivas e afirma haverem laos particulares existentes entre o homem e os animais de companhia, para ento definir importantes diretrizes para o Direito Ambiental da Fauna Europeu, como a definio do conceito de animal de companhia; estabelecimento de polticas pblicas para os animais abandonados; proposio de programas de informao e educao ambiental para a posse responsvel (artigo 14); alm de delinear os princpios fundamentais para o bem estar dos animais (artigo 3) e para a posse responsvel (artigo 4), in verbis:Art. 3. Ningum deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angstia a um animal de companhia. Ningum deve abandonar um animal de companhia. Art. 4. Qualquer pessoa que possua um animal de companhia ou que tenha aceitado ocupar-se dele deve ser responsvel pela sua sade. Qualquer pessoa que possua um animal de companhia ou que dele se ocupe deve proporcionar-lhe instalaes, cuidados e ateno que tenham em conta suas necessidades ecolgicas, em conformidade com sua espcie e raa (...) Fornecer-lhe em quantidade suficiente, a alimentao e a gua adequadas (...) Tomar todas as medidas razoveis para no o deixar fugir.

Em 1989, o Direito dos Animais se fortalece com o advento da avanadssima Proclamao dos Direitos dos Animais, cujo texto legal j evidencia os marcos que nortearo o Direito Ambiental da Fauna no sculo XXI, como a proteo dos animais em relao aos homens, vedao de taxionomias discriminatrias, proibio de prticas cruis em experimentao cientfica ou em exibies em espetculos pblicos. Tambm, a Costa Rica, pequeno pas da Amrica Latina, resolveu promulgar em 17 de novembro de 1994, a Lei n 7451, regulamentando o bem estar dos animais. Este diploma legal sedimenta cada vez mais as bases do direito dos animais com avanadas e inovadoras normas tratando da problemtica do bem estar animal, quebrando com o habitual preconceito existente na comunidade jurdica em geral, segundo a qual

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somente as naes de primeiro mundo poderiam se preocupar com o direito dos animais por terem boa parte de seus problemas sociais resolvidos, conforme percebemos em diversas normas presentes no diploma legal retrocitado que foram, inclusive, melhor respaldadas com a edio em 2004 de um Decreto Presidencial que versa sobre a guarda responsvel de animais de companhia (tenencia responsable de animales). no ocaso do sculo XX e alvorecer do sculo XXI, que o Direito dos Animais tem sua maior vitria ante a expectativa de ser plenamente reconhecido, com a mudana tanto do Direito Civil, quanto do Direito Constitucional Alemo, com as alteraes efetuadas no Cdigo Civil Alemo (Burgerlich GesetzBuch - BGB), em 1990, e na Lei Fundamental (GrundGesetz) de Bonn, em maio de 2002. Quanto nova disciplina civilstica do Direito dos Animais, verificou-se a modificao do ttulo Coisas (Sachen) pertencente a Parte Geral do BGB, passando a ser denominado Coisas. Animais (Sachen. Tiere), conforme prescreve o seu 90, in verbis: Os animais no so coisas. Os animais so tutelados por lei especfica. Se nada estiver previsto, aplicam-se as disposies vlidas para as coisas. Alm disso, em caso de dano ao animal, de acordo com 251.2, o magistrado no poder rejeitar a adoo para esta situao de uma tutela especfica, ainda que os custos da cura sejam mais elevados que o suposto valor econmico do animal 30 . J a reforma constitucional alem de 2002 representa um marco na histria do Direito Constitucional Ambiental, ao garantir a incluso da proteo da dignidade dos animais em um pargrafo da Constituio Alem, o 20, fazendo da Repblica Federal da Alemanha a primeira nao do mundo a incluir esse preceito entre os seus direitos fundamentais, ao elevar a proteo aos animais ao mesmo status do direito fundamental vida. Com isso, podemos inferir que o Estado alemo passa a reconhecer o direito dos animais vida e, por extenso, a preservao de sua integridade fsica e moral. O referido pargrafo da Lei Fundamental (GrundGesetz) apresenta o seguinte teor: O Estado protege os fundamentos naturais da vida e os animais (grifo nosso) 31 . Analisando a evoluo histrica do Direito, em especial da tutela jurdica dos animais, percebe-se que a humanidade tende a cada vez mais reconhecer novos sujeitos de

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterizao jurdica da dignidade da pessoa humana. Disponvel em: http://www.usp.br/revistausp/n53/fjunqueiratexto.html. Acesso: 20 abr. 2004. 31 DEUSTCH WELLE. 1949: Promulgada a Lei Fundamental Alem. Disponvel em: http://www.dwworld.de/brazil/0,3367,2192_A_525432,00.html. Acesso: 21 abr. 2004.

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direito, como as geraes futuras e os animais, que s o sculo XXI nos confirmar, conforme a afirmao quase proftica do saudoso filsofo italiano Norberto Bobbio, in verbis:Olhando para o futuro, j podemos entrever a extenso da esfera do direito vida das geraes futuras, cuja sobrevivncia ameaada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas, assim como a novos sujeitos, como os animais, que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos, ou, no mximo, como sujeitos passivos, sem direitos (...) (grifos nossos) 32 .

Por fim, vale frisar a mais avanada legislao produzida no mundo para a preservao dos animais a nvel nacional trata-se da Lei Federal de Proteo aos Animais (Tierschutzgesetz TSchG), promulgada na ustria em maio de 2004, que estabelece entre seus avanadssimos pargrafos, a proibio de utilizao de coleiras eltricas em animais de companhia, a vedao de lutas entre animais por estmulo humano e a proibio de serem realizadas produes udios-visuais e publicidades que exponham o animal ao sofrimento e maus-tratos, o que j demonstra uma clara concepo de respeito e reverncia dignidade animal, por parte do legislador austraco.

2.4. Evoluo histrica da tutela jurdica dos animais no Brasil

No Brasil, diferentemente da antiga colnia de povoamento de Massachussets Bay, atual EUA, o sistema de explorao colonial no favoreceu o surgimento de quaisquer preocupaes com o bem estar ou dignidade dos animais, afinal durante aquele perodo se escravizavam negros e ndios, os quais, saliente-se, eram considerados coisas semoventes dotadas de valor econmico. Ademais, os animais foram importantssimos para que vingasse a colonizao portuguesa de nossa Pindorama 33 , conforme assevera Laerte Levai:Teria sido no sculo XVI, incio do Perodo colonial, que os primeiros animais domsticos desembarcaram no Brasil, quando Ana Pimentel esposa de Martim Afonso de Souza trouxe a So Vicente vrios ruminantes na caravela Galga. Tal primazia tambm atribuda a Tom de Souza, ao introduzir em nosso pas gado vacum proveniente da ilha de Cabo Verde. Polmicas parte, uma coisa certa: a histria da colonizao brasileira deve muito a esses animais, utilizados na lavoura, na pecuria, nas expedies bandeirantes serto adentro e nos transportes em geral. Enquanto o boi arrastava, sob vara, seu pesado arado pelos canaviais e movia a rodo dos engenhos, mulas e jumentos carregados de provimentos cruzavam vales e montanhas. No lombo dos burros e dos cavalos, vale lembrar, os desbravadores aos poucos foram alcanando longnquas32 33

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 17 Tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 63. Nome pelo qual se referiam, sua terra, os ndios tupinambs, etnia que habitava o litoral brasileiro durante os sculos XVI a XVIII.

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paragens. Enquanto isso, nas vilas e povoaes que se formavam pelo caminho, galinhas, patos, vacas e porcos contribuam para o sustento da comunidade 34 .

Em face desses aspectos, apesar de terem surgido algumas normas durante a poca colonial, protegendo de algum modo a fauna, sua finalidade no era sequer ambiental 35 , mas impor o monoplio do Reino de Portugal sobre aqueles bens, evitando quaisquer problemas correlacionados escassez ou desgaste que poderia prejudicar a explorao abusiva de alguns animais. Os animais domsticos no Brasil sempre estiveram relegados ao mais completo descaso jurdico 36 no transcorrer dos anos, tanto que chegou-se ao ponto de terem surgido leis que permitissem deliberadamente a crueldade, o completo desrespeito sua dignidade intrnseca e a negao do direito vida para os animais, como foi o caso da Carta Rgia de 1791 obtida pelo Governador da Capitania de Gois, diploma legal expedido pelo monarca portugus que autorizava o extermnio de muares burros, jumentos e mulas com o fim de favorecer os negociantes e criadores de eqinos 37 . Contudo, o primeiro registro de norma que visou proteger animais de quaisquer abusos ou crueldade, nos informa Levai, foi a presente no Cdigo de Posturas de 6 de outubro de 1886, do Municpio de So Paulo, cujo artigo 220 apresentava um enunciado normativo pioneiro proibindo cocheiros, condutor de carroa, pipas dgua de maltratar animais com castigos brbaros e imoderados, prevendo multa aos infratores 38 . a partir da Repblica Velha que seria elaborado o primeiro dispositivo normativo de defesa da fauna, previsto no Decreto Federal 16.590, de 1924, regulamentando o funcionamento das casas de diverses pblicas, o qual proibia uma srie de maus tratos que violassem a dignidade animal 39 . Porm, somente com o advento da Era Vargas, que se observa o primeiro diploma normativo brasileiro tutelando a fauna. Trata-se do Decreto Federal 24.645, de 10 de julho de 1934, que, revogado parcialmente, ainda se constitui em uma fonte valiosa do Direito dos Animais no Brasil. A tutela penal da fauna, tambm, seria observada no Direito34

LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais. 2 ed. rev. ampl. e atual. pelo autor. Campos do Jordo, SP: Editora Mantiqueira, 2004. p. 25. 35 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. Cit. p. 25-26. 36 Tragicamente, o futuro muitas vezes demonstra ser uma farsa do passado, consoante se observa com o retorno de fatos tidos como soterrados na vala da histria, segundo observamos acerca da infeliz proposta de legalizao das brigas de galo, projeto de lei de autoria de um Deputado Federal baiano do Partido da Frente Liberal (PFL). 37 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. Cit. p. 26. 38 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. Cit. p. 27-28. 39 SANTANA, Heron Jos de. Ob. Cit. p. 407.

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Brasileiro, atravs do artigo 64 da Lei de Contravenes Penais, Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, outorgada durante a fase ditatorial do governo de Getlio Vargas. Em seguida, no ano de 1967, surgiriam os Cdigos de Caa e de Pesca, regulamentando o exerccio dessas atividades quase exclusivamente e desconsiderando os conceitos de dignidade animal ou de preservao ambiental da fauna, em virtude do enfoque puramente econmico que pautariam suas estruturas jurdicas. At passado no to remoto, dado que pode ser facilmente observvel nas disposies do j vetusto e anacrnico, para sua poca, Cdigo Civil de 1916, que, neste particular, foram infelizmente repetidas pelo vigente Codex Civil, o Direito positivo brasileiro os considerava como coisa fungvel e semovente nas hipteses de animais que possuam um proprietrio e, no caso daqueles que no o possuam, res nullius, ou seja, coisa de ningum, passvel de ser apropriada por quem quer que fosse, atravs da ocupao, podendo essa pessoa fazer o que quisesse com o objeto apropriado. Sem citar a defasada 40 categoria res derelictae que se refere aos animais abandonados voluntariamente e cuja propriedade poderia ser adquirida originariamente segundo as tradicionais normas civilistas. Com o surgimento da Lei Federal n 6.938/1981, estabelecendo a Poltica Nacional do Meio Ambiente, passou-se a considerar o animal abandonado como recurso ambiental, constituindo parte integrante do patrimnio pblico, visto ser ele componente da fauna em geral. Desse modo, tentava o Estado brasileiro acompanhar a constatao mais atualizada no plano internacional, segundo o qual os animais seriam sujeitos detentores de direito, conforme a Declarao Universal dos Direitos dos Animais de 1978. O ano de 1988 foi um marco para o ordenamento jurdico brasileiro, com a promulgao de sua primeira Constituio, aps vinte anos de arbtrio, e, em especial, paradigmtico para o Direito Ambiental da Fauna, graas a norma constitucional prevista no artigo 225, notadamente, a norma contida em seu 1, inciso VII, assim como pelo advento

SANTOS, Hayde Fernanda C. dos. O reconhecimento da personalidade jurdica dos animais a aceitao da ordem jurdica vigente e a responsabilidade metaindividual. in BENJAMIN, Antnio Herman V. (org.). Anais do 8 Congresso Internacional em Direito Ambiental, de 31 de maio a 03 de junho de 2004: Fauna, Polticas Pblicas e Instrumentos Legais. So Paulo: IMESP, 2004. p. 844. Vale lembrar a lio da jovem jurista paraense Hayde Fernanda Cardozo dos Santos segundo a qual: (...) um animal no pode ser considerado res derrelicta, pois o abandono ato cruel e degradante, sendo a crueldade fato tpico para o Direito Penal. Toda coisa, no entender jurdico, pode ser possvel de abandono, mas o animal no, uma atitude antijurdica e tpica, o que demonstra uma j real desclassificao do animal como bem. (grifo nosso).

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da Lei Federal n 7.653/1988, que, alterando o Cdigo de Caa, formou a vigente Lei de Proteo Fauna 41 . Mas no se pode deixar de destacar o importantssimo instrumento legal consubstanciado na Lei Federal n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a denominada Lei dos Crimes Ambientais, que, em seu artigo 32, inclui, entre os crimes contra a fauna, o seguinte tipo penal:Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domsticos ou domesticados, nativos ou exticos. Pena deteno, de 3 (trs) meses a 1 (um) ano, e multa. 1 - Incorre nas mesmas penas quem realiza experincia dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didticos ou cientficos, quando existirem recursos alternativos. 2 - A pena aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um tero), se ocorre morte do animal.

A partir de 1998, portanto, os maus-tratos contra animais de quaisquer espcies passam a ser crime (antes eram apenas contravenes penais vide Decreto Federal 24.645/1934 e a Lei de Contravenes Penais, Decreto-Lei n 3.688/41). Na atualidade, observam-se legislaes especficas tratando da guarda responsvel, como o caso do Municpio de So Paulo, que, atravs da Lei Municipal n 13.131, de 18 de abril de 2001, conhecida como Lei Trpoli, dispe sobre o registro, vacinao, guarda, apreenso e destinao de animais, alm de prever o controle reprodutivo de ces e gatos e a educao para a guarda responsvel; devendo-se ressaltar que o infrator dessas normas est, tambm, sujeito a sanes administrativas sob a forma de multa. Tambm h leis municipais abordando a guarda responsvel dos animais nos Municpios de Mau (SP), Lei Municipal n 3.479/2002; Piracicaba (SP); Florianpolis (SC); Ponta Grossa (PR); Rio de Janeiro (RJ), dentre outros. Apresentado o tratamento jurdico dispensado guarda responsvel, afinal cabe ao jurista fornecer os instrumentos tericos necessrios para a fundamentao das polticas pblicas em prol dos animais, devendo os agentes polticos exercer o seu papel 42 , acreditamos que a tendncia da produo legislativa referente ao tema avance para a elaborao de uma legislao especfica a nvel federal, que, ao regulamentar a guarda responsvel, possua um carter preventivo e educativo, promovendo um trato humanitrio aos animais, alm de estabelecer o apenamento mais rigoroso dos guardies que infringirem a lei; para tanto j vem sendo atendida em parte a constatao formulada neste artigo na rbita41 42

SANTANA, Luciano Rocha e MARQUES, Marcone Rodrigues. Ob. Cit. p. 553. SANTANA, Heron Jos de. Ob. Cit. p. 107.

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da produo legislativa, com o Projeto de Lei n 121 de 1999 de autoria do Deputado Federal paulista Cunha Bueno, cujo PL j foi aprovado na Cmara dos Deputados e se encontra na Comisso parlamentar de Constituio, Justia e Cidadania (CCJ) do Senado Federal.

3. Conceito de guarda responsvel

3.1. Conceito cientfico

Em 2003, durante a Primeira Reunio Latino-Americana de Especialistas em Posse Responsvel de Animais de Companhia e Controle de Populaes Caninas, foi elaborada a seguinte conceituao, obedecendo s mais modernas diretrizes da Medicina Veterinria e do entendimento formado entre ativistas de entidades de proteo dos animais. Assim, Guarda Responsvel 43 : a condio na qual o guardio de um animal de companhia aceita e se compromete a assumir uma srie de deveres centrados no atendimento das necessidades fsicas, psicolgicas e ambientais de seu animal, assim como prevenir os riscos (potencial de agresso, transmisso de doenas ou danos a terceiros) que seu animal possa causar comunidade ou ao ambiente, como interpretado pela legislao vigente.

Conforme a conceituao supramencionada, a guarda responsvel de animais configura-se como um dever tico que o guardio dever ter em relao ao animal tutelado, assegurando-se a este o suprimento de suas necessidades bsicas e obrigando-se a prevenir quaisquer riscos que possam vir a atingir tanto o animal, como a prpria sociedade. Assim, deve o Direito apresentar-se como o instrumento assecuratrio de uma autntica e eficaz guarda responsvel de animais.

3.2. Conceito legal

Como no existe uma construo pelo Direito positivo brasileiro do conceito de guarda responsvel, a nvel federal, apesar da necessidade de tal noo pelos operadores do Direito Ambiental da Fauna, sejam profissionais do Direito, Medicina

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SOUZA, Maringela Freitas de Almeida e. Ob. Cit (Documento indito).

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Veterinria ou ativistas de defesa dos animais, um imperativo buscar-se as fontes provveis para a elaborao dessa conceituao. Utilizando-se, de modo geral, a Declarao Universal dos Direitos dos Animais, infere-se que o conceito de guarda responsvel implica na conduta humana de dar ao integrante da fauna o devido respeito, no o submetendo a maus tratos e a atos cruis, nem o explorando, muito menos promovendo o seu extermnio desnecessrio ou cruel. Em virtude do carter genrico desse conceito, deve-se buscar, no ordenamento ptrio, a melhor conceituao que atenda a realidade nacional. Contudo, essa tarefa deveras complexa, por faltar uma norma federal especfica sobre guarda responsvel, sendo necessrio procurar as legislaes municipais que tratam do tema para se alcanar idia que formar um conceito legal adequado realidade nacional. Interessante notar que tal conceito j foi normatizado em alguns pases como a Repblica da Costa Rica, cuja Lei 7451/94, prev em seu art. 3 que so condies bsicas para o bem estar animal e promoo da guarda responsvel, as, a seguir, enumeradas:Art. 3. Las condiciones bsicas para el bienestar de los animales son las seguintes: a. b. c. d. e. Satisfaccin del hambre y la sed. Posibilidad de desenvolverse segn sus patrones normales de comportamiento.\ Muerte provocada sin dolor y, de ser posible, bajo supervisin profesional. Ausncia de malestar fsico y dolor. Preservacin y tratamiento de las enfermedades.

Na realidade brasileira, temos a Lei Municipal n 5.131/2002, do Municpio de Piracicaba (SP), que traz, em seu artigo 2, inciso III, o conceito de tutela responsvel dos animais, in verbis:III - ao conceito de tutela responsvel, especificamente, tem-se: a) as responsabilidades dos proprietrios de animais pelos atos destes; b) a necessidade de vacinar e esterilizar os animais domsticos, de identificar os animais e de mant-los dentro de suas residncias;

Porm, este, como outros conceitos, incipiente, visto as peculiaridades de cada regio ou municpio do pas e a prpria limitao imposta pela lei ao descrever quatro condutas como se s estas fossem suficientes para contemplar o conceito cientfico de guarda responsvel de animais, de acordo com o que se percebe da alnea b do inciso III do artigo 2, da lei municipal de Piracicaba.

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Desse modo, sugere-se a realizao de uma interpretao a contrario sensu da principal lei, que trata, de forma ampla e sob a perspectiva tica da proteo aos animais, o Decreto Federal n 24.645/1934, que se constitui em um verdadeiro documento histrico, vez que foi utilizado, inclusive, nos meios forenses para a libertao de presos polticos, como Graciliano Ramos, que sofreram os horrores do crcere durante a Ditadura Vargas. Este decreto estabelece, em seus artigos 3 e 8, a definio de maus tratos 44 . Como o conceito de guarda responsvel se ope logicamente noo de maus tratos 45 , segundo o conceito cientfico j abordado, conclui-se que inclui o conceito legal de guarda responsvel uma srie de condutas que considerem a relao entre o ser humano e o animal sob uma perspectiva tica, conforme elenco previsto no aludido artigo 3, dentre as quais se destacam: No praticar atos de abuso ou crueldade em qualquer animal (inciso I); manter animais em lugares higinicos que possibilitem a respirao, o movimento, o descanso, a circulao de ar e acesso luz (inciso II); no golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, exceto em caso de castrao e de operao visando o bem estar animal (inciso IV); no abandonar o animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, oferecendo-lhe uma assistncia humanitria (inciso V); comercializ-lo em condies dignas de higiene e comodidade (inc. XXIII); no expor os animais sob sua guarda a lutas com outros animais de sua espcie ou no (inciso XXIX). E para completar este conceito, em toda a dimenso que deve ter a guarda responsvel como paradigma de uma nova tica entre o homem e o animal, nos valhamos da Lei de Contravenes Penais para interpretar a contrario sensu o dispositivo contravencional que aborda a omisso na guarda ou conduo de animais, artigo 31, acarretando a pena de priso simples de 10 dias a 2 meses ou multa, fechando, desse modo, o conceito legal de guarda responsvel de animais: No deixar o animal de companhia/domstico em liberdade, no confi-lo guarda de pessoa inexperiente, ou no guardar sem a devida cautela animal perigoso (art. 31, caput); no abandonar na via pblica o animal nem

Nesse mesmo sentido Helita Barreira Custdio se manifesta no artigo Crueldade contra animais e a proteo destes como relevante questo jurdico-ambiental e constitucional. in Revista de Direito Ambiental. Ano 3, n 10, abril-junho de 1998. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 69. 45 Para saber mais sobre o conceito jurdico de crueldade contra animais vide CUSTDIO, Helita Barreira. Ob. Cit. p. 66.

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confi-lo a pessoa inexperiente (pargrafo nico, alnea a); no excitar nem irritar o animal, de modo a no expor a perigo a segurana alheia (pargrafo nico, alnea b); no conduzir o animal na via pblica de modo a expor em perigo a segurana alheia (pargrafo nico, alnea c). Devendo-se frisar que a violao a algum dos pontos constantes acima, alm de outros no expressos, mas decorrentes da inteligncia do conceito legal citado dever acarretar a responsabilizao civil, administrativa e penal devida.

4. Importncia da guarda responsvel

4.1. Maus tratos e crueldade a animais de companhia

So constantes as violncias contra animais nas sociedades humanas, que desconhecem ou ignoram a dignidade animal, na qualidade de ser que sente, sofre, tem necessidades e direitos. Tal atitude do homem advm da pretensa superioridade que este se atribui, um fenmeno cultural que o filsofo australiano Peter Singer denomina como especismo 46 e que conceituado pelo citado filsofo como um preconceito ou atitude parcial em favor dos interesses de membros de nossa prpria espcie e contra os interesses dos membros de outras espcies. Singer desmistifica ainda a questo de se conferir um direito aos animais nos mesmos moldes dos direitos humanos, conforme observamos abaixo:Estender os princpios bsicos de igualdade de um grupo para o outro no implica que devamos tratar os dois grupos exatamente da mesma maneira, nem que procuremos assegurar exatamente os mesmos direitos a ambos os grupos. A convenincia de faz-lo ou no depende da natureza dos membros dos dois grupos. O preceito bsico da igualdade no requer tratamento igual ou idntico; ele requer igual considerao. A igual considerao com seres diferentes pode levar a tratamentos diferenciados e direitos diferenciados 47 .

Os indissociveis instintos humanos so apenas de dois tipos 48 : o ertico e o destrutivo ou de morte. O primeiro de natureza construtiva, agregadora, de preservao. O segundo instinto desejo de agresso e destruio, leva ao aniquilamento, tanto prprioSINGER, Peter. Vida tica: os melhores ensaios do mais polmico filsofo da atualidade. Trad.: Alice Xavier. 2 edio. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 52. 47 SINGER, Peter. Ob. Cit. p. 47. 48 FREUD, Sigmund. Por qu a guerra? in Obras Completas de Sigmund Freud: edio standart brasileira; com comentrios e notas de James Strachey; em colaborao com Anna Freud. Volume XXII. Trad.: Jayme Salomo. Rio de Janeiro, IMAGO, 1996. p. 202-203.46

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quanto alheio. Esse ltimo o fundamento psicolgico que explica como o ser humano pode ser capaz de realizar as maiores atrocidades e crueldades com os animais, principalmente, quando no houver na sociedade nenhuma censura moral que reprima esse instinto agressivo, pois aquela estaria contaminada pelo especismo. Por fim, preleciona Sigmund Freud 49 , ao explicar a tendncia humana destruio que:O instinto de morte torna-se instinto destrutivo quando, com o auxlio de rgos especiais, dirigido para fora, para objetos. O organismo preserva a sua prpria vida, por assim dizer, destruindo uma vida alheia.

Diante dessa descoberta da psicanlise, dessa teoria mitolgica dos instintos, podemos inferir o quanto o homem, possuindo uma natureza ambgua, igualmente tendente ao amor ertico ou sexual (Eros) e destruio ou morte (Tanatos), tenha como nico freio para conter seus instintos destrutivos a evoluo cultural 50 , com o ser humano se submetendo ao imprio da razo, cujo principal meio decorre do processo civilizatrio atravs da educao. Assim, gerar o compromisso de uma relao mais saudvel entre o homem e o animal de companhia, estaria entre os objetivos de uma educao que promova a conscincia para a guarda responsvel, de forma, inclusive, a prevenir outros males mais graves, como os decorrentes da irresponsabilidade dos guardies51 e traduzidos pelo abandono e conseqente superpopulao desses animais nas ruas das cidades.

4.2. Abandono de animais e ambiente urbano 52

A falta de um planejamento, pelas pessoas, orientado sob os princpios da guarda responsvel, acarreta vrias conseqncias, como a compra de animais pelo mero impulso de consumir, situao esta estimulada por muitos comerciantes que, desejosos em maximizar seus lucros, os expe, sob precrias condies, em vitrines e gaiolas para que consumidores mais impulsivos se sintam seduzidos por aquela mercadoria ou objeto descartvel. O problema que essa relao de consumo no desperta, muitas vezes, o49 50

FREUD, Sigmund. Ob. Cit. p. 204. FREUD, Sigmund. Ob. Cit. p. 207-208. 51 A compreenso do animal como um ser vivo, e no objeto manipulvel, urgente perante os guardies, pois muitas de suas atitudes, representam violaes a dignidade animal, como o hbito que muitos donos possuem de fazer a ablao das cordas vocais ou cordectomia de seus bichos de estimao, conduta que o Municpio do Rio de Janeiro (RJ) vetou com a promulgao da Lei n 3.628 de 28 de agosto de 2003. 52 Visando acolher os animais errantes ao invs de adotar a prtica do simples extermnio, foi promulgada no Rio de Janeiro (RJ) a Lei Municipal n 3.641/03, criando abrigos para animais de pequeno, mdio e grande porte.

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vinculo afetivo que deve nortear a relao entre homem e animal, fazendo com que as pessoas acabem descartando seus animais de estimao, por ficarem desinteressantes depois da empolgao inicial. Desse modo, caberia ao Poder Pblico estabelecer um controle efetivo sobre esses estabelecimentos comerciais, bem como fazendo campanhas educativas tentando coibir a compra por impulso, ao inserir este tema como uma das razes da problemtica que exige a adoo do instituto da guarda responsvel. necessria, portanto, a realizao de campanhas ambientais, sugerindo aos guardies de animais que faam um planejamento de quantos animais a sua famlia suporta, atravs de um apoio a ser oferecido por centros de promoo da sade animal implantados pela administrao pblica, em substituio ao j defasado conceito/ modelo dos CCZs 53 . Ainda, vale reafirmar que constitui crime ambiental o abandono de animais pelo seu guardio, pois este estaria com tal conduta se abstendo de exercer a guarda responsvel de animais, infringindo os artigos 225 da C.F. e 32 da L.C.A., portanto, violando a dignidade animal.

4.3. Superpopulao de animais de companhia e centros urbanos

Como conseqncia do abandono dos animais, h a questo da elevada densidade populacional de animais de companhia errantes, formando contingentes incalculveis nas ruas das grandes cidades de animais abandonados, denominados, quando ces, vulgarmente como vira-latas. Um dos principais problemas oriundos da superpopulao desses animais decorre de eles estarem expostos a todo o tipo de doenas, sendo vtimas de vrias zoonoses, constituindo um srio problema de sade pblica nas cidades. Esse problema ainda por cima se agrava em virtude do acelerado grau de reproduo e proliferao desses animais, o que tornam, conforme j explicitado, extremamente ineficazes todas as medidas amparadas no mtodo de captura e extermnio. A soluo para o problema, tanto da superpopulao quanto do abandono, parte da adoo do mtodo humanitrio de preveno ao abandono pelo poder pblico, caso anseie por reduzir, seno eliminar esses problemas. O mtodo humanitrio consiste na53

SANTANA, Luciano Rocha e MARQUES, Marcone Rodrigues. Ob. Cit. p. 548-552.

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realizao de amplas campanhas de educao para a guarda responsvel, alm da promulgao e implementao de instrumentos legais que possam efetivar a proteo fauna, especficos guarda responsvel, alm da implementao de um amplo programa de vacinao, esterilizao dos animais errantes e mesmo daqueles cujos guardies no desejem ou no possam abrigar mais crias, alm de se efetuar o recolhimento seletivo, visando, tambm, a adoo e tratamento mdico-veterinrio, e s recorrer eutansia humanitria para os casos irreversveis de animais doentes graves ou, ento, muito agressivos. Vale frisar o excelente programa preventivo de controle populacional da Costa Rica, pas da Amrica Latina com uma avanada legislao de proteo aos animais, denominado Educao Humanitria nas Escolas Pblicas: Respeito a Todas as Formas de Vida, considerado modelo pela Organizao Pan-Americana de Sade. A Costa Rica um pas detentor de uma populao canina de 1.280.000 (um milho e duzentos e oitenta mil) habitantes, sendo que 31 % (trinta e um por cento) esto nas ruas. A taxa demogrfica de 1 (um) co para cada 3 (trs) habitantes humanos (2003). Neste pas, aps a adoo do programa, no se tem registrado a raiva urbana desde 1987. Esse programa se ampara na educao das pessoas para a guarda responsvel, socializao e esterilizao em massa dos animais 54 .

5. Principais instrumentos institucionais em prol da guarda responsvel de animais

5.1. Registro pblico de animais

Tido como exotismo, em alguns casos at com conotao folclrica, pela comunidade jurdica a preocupao do Direito em regulamentar o registro de animais, guarda em seu mago na realidade um preconceito especicista do jurista, em considerar o animal em sua individualidade, pois isto o que aconteceria com um eventual registro de animais, a sua individualizao perante o Direito como um ser nico e no como mais um espcime da fauna. Desse modo, o registro de animais poderia fundamentar a construo cada vez mais latente na cincia jurdica da personalidade jurdica dos animais, contudo, visto o carter individualizador do animal, o objetivo mais imediato desse registro seria o de54

SOUZA, Maringela Freitas de Almeida e. Ob. Cit. (Documento indito).

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controlar a sade, bem estar e crescimento populacional desses animais, desse modo, identificando a origem e raiz de qualquer antropozoonose que venha a surgir no seio de uma comunidade, podendo-se fazer o tratamento com alguma antecedncia, antes que venha a se tornar epidemia. Este registro deve ser realizado pelo Poder Pblico, anualmente, o qual dever manter um cadastro pblico, permitindo o conhecimento da quantidade de animais na comunidade, informaes gerais sobre a espcie, o tamanho e as doenas envolvendo toda a populao animal; bem como informaes individualizadas sobre cada animal registrado, com nmero ou nome de identificao especfico, entre outras informaes.

5.2. Vacinao

No mbito da vacinao, esta tem de ser ampla e acessvel para a populao, com a promoo, pelo Estado, de amplas e intensas campanhas educacionais na mdia e nas escolas, tratando da necessidade de se vacinar o animal, aproveitando-se da ocasio para efetivar a educao para a guarda responsvel, visando erradicar as zoonoses e elevar o bem estar animal e humano; alm de tornar-se obrigatria e gratuita a vacina contra a raiva 55 . O j citado projeto de lei n 121/ 99, que tramita no Congresso Nacional h cinco anos, trata da matria em seus artigos 2 e 3, cujos trechos transcrevemos a seguir:Art. 2. Os ces de qualquer origem, raa e idade sero vacinados anualmente contra raiva, leptospirose e hepatite. 1. A vacinao ser feita sob a superviso de mdico veterinrio, que emitir o respectivo atestado; 2. O atestado de vacinao dever conter dados identificadores do animal, bem como dados sobre a vacina, data e local em que foi processada, sua origem, nome do fabricante, nmero da partida, validade, dose e via de aplicao. 3. O descumprimento deste artigo sujeita os responsveis multa (...) 4. Se quem descumpre a norma criador ou comerciante de ces, a multa do pargrafo anterior se aplica em dobro. Art. 3. Por ocasio da vacinao o mdico veterinrio, realizar avaliao do animal, levando em conta sua raa, porte, comportamento, declarando seu grau de periculosidade. Pargrafo nico. A avaliao referida no caput ser realizada de acordo com as normas de procedimento mdico-veterinrio, estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinria ou rgo que o suceda.

O Municpio de Salvador (Bahia), em sua Lei Orgnica, artigo 7, inciso XVI, dispe que de competncia municipal tratar do registro, vacinao e captura de animais, lamentavelmente no possui uma legislao nesse sentido para regulamentar a citada norma.

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Observando o projeto de lei acima, inferimos que j h uma forte tendncia pelo legislador brasileiro de regulamentar esta questo a nvel federal, oferecendo diretrizes para os Estados e Municpios no trato da matria, que vem ganhando relevncia a cada dia que passa, visto ser a proteo dos animais uma nova etapa dos direitos fundamentais a ser atingida que sacramentar o Direito como um autntico instrumento fomentador da solidariedade entre as espcies e de uma nova tica ambiental. O descumprimento desta disposio deve ser regulamentado, pelo Poder Legislativo, de modo a responsabilizar civil 56 , penal e administrativamente o guardio do animal vitimizado por essa conduta omissiva 57 .

5.3. Esterilizao

Deve o programa de esterilizao implantado pelo Poder Pblico ser o mais abrangente possvel, com a perspectiva de ter um percentual crescente a cada ano, constituindo uma relao inversamente proporcional com a taxa de natalidade desses animais. Como forma de incentivar a esterilizao, o Estado deve estipular um preo acessvel para quem a quiser isso quando no disponibilizar gratuitamente a mesma 58 nos postos de sade de cada bairro, de forma a incluir tambm as parcelas mais pobres da sociedade. A esterilizao ou castrao tambm deve ser utilizada para facilitar alternativas ao sacrifcio de animais, como a adoo, sendo efetuada sem causar quaisquer formas de dor e sofrimento aos animais, ou seja, sendo efetuada quando o animal atingir o estgio de absoluta insensibilidade a qualquer tipo de estmulo doloroso, devendo esta tcnica ser praticada por profissional qualificado, acompanhado e supervisionado por entidades veterinrias e de defesa dos animais.

Nesse sentido, os artigos 21 e 22 da Lei costarriquenha n 7451/94. A Lei Municipal n 3775, de 21 de junho de 2004, promulgada no Rio de Janeiro (RJ), oferece para o guardio que queira exercer sua tutela de modo responsvel, mesmo que no tenha condies financeiras para tanto, a assistncia mdico-veterinria gratuita. 58 No Municpio do Rio de Janeiro (RJ) a Lei Municipal n 3.739 de 30 de abril de 2004, uma das vrias leis de autoria do vereador carioca Cludio Cavalcanti, disponibiliza gratuitamente a esterilizao de animais, sendo que antes desta lei j havia o Decreto Municipal n 22.891 que criara o Programa de Esterilizao Gratuita de Animais Urbanos Bicho Rio.57

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Obedecendo ao que determina o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), esse trabalho exige um intenso dilogo entre as trs esferas do Poder Pblico de modo que prevalea o Poder Municipal na implementao das polticas locais em prol da esterilizao. Tambm, precpuo o relacionamento interinstitucional entre o Estado e a sociedade, atravs de parcerias entre Prefeitura Municipal, faculdades de Medicina Veterinria, clnicas veterinrias e ongs de proteo animal.

5.4. Controle do comrcio de animais

O comrcio de animais de companhia, realizado pelas denominadas pet shops, vem sendo um negcio bastante lucrativo. Segundo pesquisa efetuada pelo jornal O Estado de So Paulo do dia 6 de novembro de 2001, o presidente da Assofauna (Associao dos Revendedores e Prestadores de Servios ao Mercado Pet) previa a movimentao de 750 milhes de reais somente naquele ano 59 , o que vem exigindo, em relao a esses estabelecimentos comerciais, uma fiscalizao mais eficiente pelo Estado, visto que so seres viventes que sentem, sofrem, tem necessidades e direitos os objetos de mercantilizao. De acordo com o que j foi exposto sobre as razes referentes necessidade de efetivao do controle do comrcio de animais, necessrio se torna uma srie de medidas que, se aplicadas pelo Poder Legislativo e pela administrao pblica, cr-se no alcance de uma eficiente tutela dos animais, preservando sua dignidade e garantindo seu direito vida, a saber: a) elaborao de uma legislao especfica, regulamentando o

funcionamento desses estabelecimentos comerciais de forma a priorizar a dignidade animal 60 , conforme j existe no Municpio de Porto Alegre (RS) 61 ; b) existncia de um licenciamento e fiscalizao rigorosos para que se permita o funcionamento desses estabelecimentos e analise suas condies de segurana ambiental para os seres vivos negociados, segundo parmetrosMASCHIO, Jane Justina. Ob. Cit. p. 54. A Lei Orgnica Municipal de Salvador (Bahia), tambm relaciona entre o rol de competncias desse municpio: dispor sobre o depsito e venda de animais (...), conforme o artigo 7, inciso XV. 61 Trata-se da Lei Municipal n 6.946/91. Ela apresenta vrias normas protetivas dos animais que so comercializados, v. g., o seu artigo 7 que estabelece que deve ser destinado a cada espcie um compartimento prprio, regras sobre sade e higiene dos animais (arts. 4 e 5) entre outras.60 59

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legais que promovam o bem estar animal, no os submetendo a nenhuma condio degradante, valendo frisar que nos manifestamos a favor da legitimidade dos Conselhos Regionais de Medicina Veterinria para efetuar tal fiscalizao, visto sua comprovada qualificao para tal atividade, em conjunto com o Poder Pblico 62 ; c) reafirmao das exigncias quanto s condies de alojamento, sade, cuidados bsicos e bem estar dos animais, devendo ter, inclusive, tcnicos qualificados acompanhando estes animais; d) estabelecimento de uma idade mnima e mxima das fmeas para reproduo e limites na regularidade dos partos; e) registro de crias e de compras e vendas pelos estabelecimentos comerciais, assim como o cadastro acerca da origem de cada animal comercializado; f) promoo da participao e conscientizao popular sobre a guarda responsvel, visando, inclusive, evitar a compra por impulso; g) vedao da venda de animais doentes; h) registro da vacinao de animais.

5.5. Educao ambiental

Entendida a educao ambiental como o processo de aprendizagem sobre a forma pela qual deve ser gerenciada e melhorada as relaes entre o ser humano e o ambiente, trabalhando-se os paradigmas de integrao e sustentabilidade 63 ; vemos na educao ambiental de proteo dos animais um modo de gerenciar e melhorar as relaes entre o homem e o animal, ao realar os conceitos de bem estar e dignidade animal, amparados sob o valor do respeito a toda forma de vida, conforme j foi aplicado em outras realidades, como o caso da Costa Rica 64 .

neste sentido a Lei Municipal n 6.179/99 de Ponta Grossa (PR), art. 27, pargrafo nico. LANFREDI, Geraldo Ferreira. Poltica ambiental: busca de efetividade de seus instrumentos. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 126. 64 Trata-se do Projeto Educacin para lo respeto a todas las formas de vida, implantado pelo Ministrio de Estado da Educao Pblica da Costa Rica, em parceria com a WSPA (World Society Protection of Animals) e a ABAA (associao de proteo dos animais local).63

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No citado pas se aplica um modelo eco-pedaggico baseado em atuaes nas escolas do pas, orientando as crianas e criando nelas uma cultura de respeito aos animais, e tambm por meio de campanhas educativas na mdia. Voltando realidade brasileira, vemos na educao ambiental uma importante ferramenta para o Direito Ambiental, tanto que ela inclusive disciplinada pela Lei Federal n 9.795/99. Esta lei, alm de definir os princpios e objetivos da educao ambiental (artigos 4 e 5), instituir a Poltica Nacional de Educao Ambiental (artigos 6 a 13), concebe, tambm, a educao ambiental sob duas modalidades: formal e no-formal (artigo 2). A educao ambiental formal aquela incorporada aos currculos escolares, estando assimilada nos diversos nveis de ensino (bsico, superior, profissional, especial e de jovens e adultos), e sendo mantidas pelas instituies educacionais pblicas e privadas. J a educao ambiental no-formal o conjunto de aes e prticas voltadas conscientizao popular acerca das questes ambientais, sendo promovida por qualquer entidade ou indivduo integrante da sociedade civil. Como exemplo desta modalidade de processo eco-pedaggico temos a atuao das ongs de defesa do meio ambiente e as campanhas de conscientizao ambiental promovidas pela mdia 65 . Com relao a uma educao ambiental focada no respeito fauna, a Lei Federal n 9.795/99 peca ao no considerar o animal como sujeito portador de um valor prprio intrnseco a si mesmo, demonstrando a alta orientao antropocntrica (shallow ecology) que norteia seus enunciados normativos, comportando quase sempre expresses como sadia qualidade de vida ou qualidade do meio ambiente, e no chegando a mencionar em nenhum momento sequer palavras como animal ou fauna, os quais se encontram indiretamente presentes na concepo do meio ambiente em sua totalidade (artigo 4, II, da retrocitada lei). Desse modo, faltaria uma norma no Direito Ambiental que regulamentasse melhor uma educao ambiental voltada para o respeito aos animais, sendo que esta deveria observar os animais como sujeitos detentores de uma dignidade e valorao prpria, promovendo desta forma uma tica ambiental mais harmnica e sustentvel.

Interessante notar que no Estado da Bahia, a Lei Estadual n 7.799/2001 dispe em seu artigo 20, inciso IV, ser os meios de comunicao de massa canal privilegiado de educao, portanto portador da funo de disseminar informaes ambientais e transmitir programas e experincias educativas sobre o meio ambiente.

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Sucede que o prprio Direito brasileiro, em meados da dcada de 60 do sculo XX, produziu uma lei mencionando entre as vrias normas presentes em seu corpo legal, uma abordando a educao ambiental em respeito aos animais. Trata-se da Lei Federal n 5.197 de 3 de janeiro de 1967, conhecida como Lei de Proteo da Fauna, cujo artigo 35 estabelece, in verbis:Art. 35 - Dentro de dois anos a partir da promulgao desta Lei, nenhuma autoridade poder permitir a adoo de livros escolares de leitura que no contenham textos sobre a proteo da fauna, aprovados pelo Conselho Federal de Educao. 1 - Os Programas de ensino de nvel primrio e mdio devero contar pelo menos com duas aulas anuais a matria a que se refere o presente artigo. 2 - Igualmente os programas de rdio e televiso devero incluir textos e dispositivos aprovados pelo rgo pblico federal competente, no limite mnimo de cinco minutos semanais, distribudos ou no, em diferentes dias.

Conforme se analisa da norma suprareferida, j havia no Brasil uma lei federal, a qual continua em vigor at a atualidade, tratando da educao ambiental pelo respeito aos animais, tanto em sua modalidade formal, segundo as disposies que obrigam certos livros didticos a conter textos sobre a proteo da fauna (caput do artigo 35) ou que impe aos programas de ensino bsico (primrio e mdio) conter no mnimo duas aulas anuais sobre proteo fauna (pargrafo primeiro do artigo 35), quanto em sua faceta no-formal, conforme observamos na obrigatoriedade dos meios de comunicao (no caso as emissoras de rdio e televiso) a disponibilizar cinco minutos semanais de sua programao para a sensibilizao da populao em relao s questes concernentes a proteo dos animais (pargrafo segundo do artigo 35). A funo que ir melhor qualificar a educao ambiental como importantssima ferramenta do Direito Ambiental o fato desta servir como instrumento para a efetivao das leis ambientais, incluindo aquelas que tutelam os animais, conforme imperativo do art. 225, 1, VI, da Constituio Federal Brasileira, reafirmado pelo artigo 214, inciso I, da Constituio do Estado da Bahia e, tambm, artigo 220, 1, IV, da Lei Orgnica do Municpio de Salvador (Bahia). Tal funo da educao ambiental como instrumento de efetivao do Direito Ambiental se fundamenta no fato de ser a educao ambiental, tanto um dos instrumentos de polticas pblicas ambientais conforme podemos inferir da Lei Estadual n 7.799/2001, artigo 15, inciso III, que disciplina a poltica estadual para o meio ambiente no Estado da Bahia quanto uma das formas pelas quais se exercita a cidadania, o que muitos autores vem convencionando chamar como eco-cidadania ou cidadania ambiental, ou seja,

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seria esta uma resposta emancipatria sustentvel, baseada na articulao da subjetividade nascente, da cidadania em estado de mutao e da ecologia no conjunto de suas implicaes 66 traduzindo, portanto, em uma transformao tica, poltica e filosfica profunda do ser humano ao construir uma nova relao tica com a vida, valorizando a existncia em todas as suas formas, includo neste contexto a dignidade dos animais. O processo de implementao da educao ambiental para a guarda de animais, visa romper com o especismo, ao valorizar a vida como um todo, e no somente a vida humana, esta revelada, ao longo do transcorrer dos tempos, como o nico paradigma vital que devesse ser preservado. Tal valorizao fundar-se- em lies s pessoas sobre a importncia da satisfao das necessidades bsicas dos animais como gua, sade, segurana e amor 67 , do desestmulo aquisio e utilizao de animais silvestres como animais de companhia, desencorajando as iniciativas de oferecimento desses animais como prmios, recompensas ou bnus, incitando que, minimamente, sejam os seres humanos relativamente capazes os que respondam pelo animal abrigado, alm de se realar a idia da famlia ter de efetuar um planejamento antes de abrigar ou promover a reproduo de um animal. Esta mudana de concepo, que se apia em um longo processo de transformao, inclusive dos prprios atores sociais, sujeitos do discurso pro natura 68 , para que tais intervenes tenham real repercusso na realidade, dever estar pautada em campanhas scio-educativas, integradas entre os vrios setores da sociedade civil, sobre a importncia tica de no maltratar os animais e reafirmar os deveres do guardio em relao ao animal sob sua guarda, buscando-se adaptar costumes e prticas culturais sedimentadas, aos preceitos do respeito dignidade animal, tal qual est sendo aplicado no Estado da Bahia, atravs do Programa de Extenso Universitria Animal Legal, realizado nas Ilhas de Bom Jesus dos Passos, Madre de Deus e Frades, tendo como entidades promotoras a Cururupeba Organizao Scio-Ambientalista de Madre de Deus (BA) e a Universidade Federal da BahiaWARAT, Luis Alberto. Eco-cidadania e Direito: alguns aspectos da modernidade, sua decadncia e transformao. In BuscaLegis.ccj.ufsc.br, Revista n 28, Ano 15, junho de 1994, p. 96-110. Disponvel em: Platao/www/arquivos/RevistasCCJ/Sequencia_numero28/Warat-Eco-cidadania_e_direito.htm. Acesso em: 21 ago. 2000. 67 o posicionamento da costarriquenha Ana Matamoros, autora do texto digital, Educacin contra maltrato a animales; Disponvel em: www.ambientico.una.ac.cr/127/matamoros.htm. Acesso em: 05 abr. 2004. Nesse sentido, tambm, a Conveno Europia para a Proteo dos Animais de Companhia de 1987 (art. 14) e o costarriquenho decreto presidencial n 31626-S de 2004 (art. 9). 68 SCHINKE, Vanessa Dorneles. A educao ambiental como processo e a anlise do discurso: uma reflexo transdisciplinar sobre o sujeito. in BENJAMIN, Antnio Herman V. (org.). Anais do 8 Congresso Internacional em Direito Ambiental, de 31 de maio a 03 de junho de 2004: Fauna, Polticas Pblicas e Instrumentos Legais. So Paulo: IMESP, 2004. p. 933-934.66

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(UFBA), havendo a participao Ministrio Pblico do Estado da Bahia, Ongs ambientalistas e comunitrias, entidades veterinrias preocupadas com a questo, observando-se, entre alguns de seus objetivos, uma proposta paradigmtica para a educao ambiental focada no respeito aos animais, como 69 : Promover a dignidade e bem estar dos animais atravs de uma educao para a guarda responsvel; educar a populao sobre a importncia de se preservar a dignidade animal; buscar alternativas econmicas que no violem o bem estar animal; promover manifestaes culturais locais que incentivem o respeito aos animais ou que ao menos no lhes submeta a abusos ou maus tratos pelo ser humano, entre outros.

6. Concluso

Com o exposto, conclui-se:

1. A poltica de captura e extermnio de animais errantes adotada pelos Centros de Controle de Zoonoses, segundo a Organizao Panamericana de Sade / Organizao Mundial de Sade (OPAS/OMS), no se configura mtodo eficiente - do ponto de vista tcnico, tico e econmico - para o controle da superpopulao de ces e gatos e ao controle das zoonoses nos centros urbanos e refora a guarda sem responsabilidade.

2. Em substituio ao mtodo de captura e extermnio, urge a necessidade de implantao efetiva pelo Po